O Segredo da Pirâmide - Jornalismo e Marxismo - A Genro Filho

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    O Segredo da Pirmide

    Para uma teoria marxista do jornalismo

    Adelmo Genro Filho.Editora: tch! Editora Ltda.

    (Texto das orelhas do livro)

    O jornalista Adelmo Genro Filho faz nesta obra uma amplareviso das abordagens tericas e prticas do jornalismo,desvendando as limitaes dessa atividade tal como foi pensada at

    agora.Adelmo mostra que, at hoje, a prtica do jornalismo, embora

    insinue potencialidades e alternativas, baseia-se num conjunto deimpresses empricas. Os profissionais, de um modo geral, noaprofundam uma reflexo sobre a prtica jornalstica: "eles colocamseu talento, honestidade e ingenuidade a servio do capital, com amesma naturalidade com que compram cigarros no bar da esquina.

    Mostra tambm que a teoria produzida sobre o tema, em certosenfoques, no vai muito alm do simples reconhecimento do valoroperativo das tcnicas. Em outros, limita-se crtica ideolgica dojornalismo como instrumento de dominao. Na opinio do autor,tais abordagens no revelam, de forma consistente, a natureza dojornalismo.

    Alm disso, segundo Adelmo, a impotncia terica no exclusividade do jornalismo burgus, tal como se pratica nos pases

    capitalistas. Tambm nos pases do "socialismo real" a essnciahumanizadora do jornalismo no compreendida, o que explica amanipulao e a pobreza do jornalismo praticado nesses pases.

    Porm ao disparar suas crticas tanto ao jornalismo burguscomo ao jornalismo do "socialismo real", o autor no est propondouma "terceira via" no campo ideolgico. Amparando-se numa slidaformao marxista e assumindo uma postura antidogmtica e

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    criativa, Adelmo atribui ao jornalismo um papel revolucionrio: o deser uma forma de conhecimento que, embora historicamente

    condicionada pelo capitalismo, apresenta potencialidades queultrapassam esse modo de produo. Para o autor, o jornalismo deveser encarado como uma nova "forma de conhecimento" que sedistingue e complementa as mediaes que a cincia e a arteproporcionam para a compreenso do mundo humano: "Aconsumao da liberdade humana exige, em especial, odesenvolvimento do jornalismo".

    "O Segredo da Pirmide" culmina com a revelao deimportantes concluses que a prpria prtica do jornalismo estexigindo - em relao ao uso do leade da "pirmide invertida" - eque a teoria, at o momento, no explicava adequadamente. AdelmoGenro Filho prope essas explicaes e, nesta ousada obra, expeconcepes inovadoras sobre a natureza do fenmeno jornalstico.

    Este trabalho foi apresentado, inicialmente, como dissertao

    de concluso do Mestrado em Cincias Sociais na UniversidadeFederal de Santa Catarina. Nessa ocasio, foram orientadora e c-oorientadora as professoras Ilse Scherer-Warren e Maria Jos Reis,s quais manifesto meu agradecimento pela sua permanentedisposio em colaborar. Cabe-me, no entanto, inteiraresponsabilidade pelo contedo destas reflexes, bem como pelas

    premissas filosficas e polticas que nortearam este trabalho.

    Em especial, agradeo aos jornalistas Daniel Herz, Luiz

    AIberto Scotto, Pedro S. Osrio e Airton Kanitz, com os quais debativrias idias aqui desenvolvidas. Ao Chefe do Departamento deComunicao da UFSC, Prof. Francisco Castilhos Karam, e aoCoordenador do Curso de Jornalismo, Prof. Hlio Ademar Schuch,meureconhecimento pelo apoio recebido durante a elaboraodeste trabalho. Agradeo tambm Prof. Cssia Corintha Pinto,que corrigiu os originais, e a Albertina Buss, que realizou a tarefa

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    contradies, que deve ser ouvida. Mas s pode se expressarracionalmente atravsda teoria.

    Responsabilidade maior, portanto, cabe prpria teoria queest muda em relao s evidncias e contradies da prtica,quando deveria transform-las numa linguagem racional. Isto ,elucidar e direcionar a prtica num sentido crtico e revolucionrio.

    O objetivo maior do presente trabalho propor, certamentecom limitaes, um enfoque terico capaz de apreenderracionalmente tanto as misrias quanto a grandeza da prtica que

    seu objeto e critrio. a tentativa de iniciar um dilogo, tendopresente que a responsabilidade integral pela iniciativa e pelafecundidade ou no dos conceitos cabe teoria.

    Trata-se, a rigor, de um ensaio que pretende fornecerelementos para uma teoria do jornalismo, entendido este como uma

    forma social de conhecimento, historicamente condicionada pelodesenvolvimento do capitalismo, mas dotada de potencialidades queultrapassam a mera funcionalidade a esse modo de produo. O

    jornalismo que tratamos aqui, portanto, no uma atividade ligadaexclusivamente ao jornal, embora tenha sido tipificado pelos diriosque nasceram a partir da segunda metade do sculo passado, j comcaractersticas empresariais e voltados para a diversificaocrescente das informaes.

    O enfoque terico, situado na perspectiva da dialticamarxista, est alicerado nas categorias do "singular", "particular" e"universal" - noes de larga tradio no pensamento filosfico,especialmente na filosofia clssica alem - que atingiram sua plenariqueza de determinaes lgicas no pensamento de Hegel, apesar deinseridas dentro de seu sistema idealista. Sob a inspirao da estticade Lukcs, que definiu a arte como uma forma de conhecimentocristalizada no "particular" (tpico), o jornalismo caracterizadocomo uma forma de conhecimento centrada no "singular". Umaforma de conhecimento que surge, objetivamente, com base naindstria moderna, mas se torna indispensvel ao aprofundamento

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    da relao entre o indivduo e o gnero humano nas condies dasociedade futura. Assim, a proposta de um "jornalismo informativo",

    ideologicamente antiburgus, transforma-se numa possibilidadepoltica efetiva.

    Inicialmente, so criticados alguns pressupostos dofuncionalismo que esto subjacentes ao tratamento pragmtico quenormalmente dado ao problema das tcnicas jornalsticas e,igualmente, questo da "objetividade e imparcialidade" dainformao. Includa na mesma linhagem terica do funcionalismo, chamada Teoria Geral dos Sistemas apontada como inadequadapara a abordagem crtica da comunicao humana em geral e dojornalismo em particular, medida que reduz a antologia do sersocial s propriedades sistmicas referidas pela ciberntica.

    A Escola de Frankfurt, que nos legou uma importante heranaterica de crtica da cultura, da comunicao e da ideologia nocapitalismo desenvolvido, denunciada em sua unilateralidade aoabordar tais questes exclusivamente sob o ngulo da manipulao.

    Nessa perspectiva, so discutidas idias do jovem Habermas arespeito do jornalismo e algumas posies de autorescontemporneos situados nessa tradio.

    Mais adiante, uma corrente que se pretende marxista, chamadapor ns de "reducionismo ideolgico" - que trabalha com aspremissas naturalistas do stalinismo - analisada em seu cartermanipulatrio e conseqncias a ticas no terreno poltico.

    Os ltimos captulos, com base nos pressupostos formuladosao longo do balano crtico, propem uma rediscusso dos conceitosde lead, notcia e reportagem, assim como uma reviso dosignificado da "pirmide invertida". Finalmente, numa abordagemdas relaes do jornalismo com a sociedade capitalista e, maisamplamente, com a perspectiva histrica de uma sociedade semclasses, so delineadas suas potencialidades socializantes ehumanizadoras.

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    Adelmo Genro Filho

    Introduo

    Este trabalho pretende fornecer alguns elementos e indicaespara a construo de uma teoria do jornalismo. No tem,evidentemente, o flego e a sistematicidade do projeto desenvolvidopelo pioneiro Otto Groth, cujo admirvel esforo terico reafirma atradio do pensamento abstrato entre os alemes. Em 1910, o Dr.Groth comea a escrever sua primeira obra,Diezeitung (O

    jornalismo), uma enciclopdia do jornalismo em quatro tomos,publicada entre os anos de 1928 e 1930. Em 1948 publica suasegunda obra. A partir de 1960 aparece seu trabalho mais importantee sistemtico:De unerkannte culturmacht. Gruddlegung der

    zeitungswiessenschft(O desconhecido poder da cultura.Fundamentao da cincia jornalstica). Foram seis volumesproduzidos at 1965, quando o autor morreu sem terminar o stimo.1

    Seu grande objetivo era obter o reconhecimento da "cincia

    jornalstica" como disciplina independente. Essa meta hoje aparececomo algo, no mnimo, duvidoso, considerando-se que a tendnciaatualmente dominante nas cincias sociais a confluncia dedisciplinas e perspectivas. No entanto, o principal mrito de Groth,que consiste em ter estudado o jornalismo (ou os "peridicos") comoum objeto autnomo entre os demais processos de comunicaosocial, no teve muitos herdeiros.

    As abordagens que predominaram nas ltimas dcadas giramem torno da comunicao de massa, da publicidade e das tcnicas deinformao, sem destacar o jornalismo como um objeto especfico aser desvendado. Em geral, o jornalismo tem sido considerado comosimples modalidade da comunicao de massa e mero instrumentode reproduo da ideologia das classes dominantes.

    Otto Groth definiu claramente o objeto sobre o qual erigiu suateoria:

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    "Hay que advertir que para Groth la Ciencia Periodsticadebe investigar todas las publicaciones que aparezcam

    periodicamente como un solo fenmeno en sus elementos. Su obratiene siempre presente la 'unidad confirmada historicamente derevistas y peridicos', por lo que Groth propone para los dos elnombre de periodik. Este trmino abarca no solo el peridico sinola prensa en conjunto".2

    Suas reflexes esto dirigidas, fundamentalmente, para ojornalismo escrito. Mas sua teoria jornalstica, segundo Belau, emmuitos pontos perfeitamente aplicvel ao rdio e TV.

    Seu mtodo de anlise - ao contrrio do que afirmam algunspesquisadores - no funcionalista, mas tipicamente weberiano.3 Osperidicos, para ele, so uma obra cultural produzida por sujeitoshumanos dotados de finalidades conscientes, como parte datotalidade das criaes humanas. Vejamos as prprias palavras deGroth:

    "La obra cultural tiene como realizacin un sentido de

    realidad sensual y por lo tanto est teleologicamente determinado alhombre, al sujecto. Su estructura est en el todo,y en cada una desus partes, objetiva y subjetivamente. De esto recibe locaracterstico de su ser, su autolegalidad. Los fines que fundan asla Cultura derivan de las diferentes demandas humanas y de lasnormas vlidas".4

    Para Groth, o exterior, a forma, a produo tcnica, nopossuem nenhum valor para a determinao do conceito e adelimitao do objeto da cincia do jornalismo. "Lo que vale en unaobra cultural es su ser, su sentido".5 As edies e os exemplares deum peridico no so as peas das quais ele se compe, mas amanifestao e materializao da idia que sua substncia. De suaunidade imaterial resulta a continuidade de suas manifestaes, poisessa idia tem vida e destino prprios, colocando a seu servio asmquinas, os homens, os edifcios, etc.

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    Essa idia cumpre uma finalidade, que comunicar osacontecimentos em todos os ramos da cultura e da vida em geral ao

    indivduo e sociedade em seu conjunto. O significado doperidico, ento, a comunicao de bens imateriais de todos ostipos, desde que pertenam aos mundos presentes dos leitores, de ummodo pblico e coletivo. O peridico deve servir de mediador, o queno implica apenas uma funo social, mas tambm umareciprocidade das relaes entre os jornalistas, o peridico e osleitores.

    As quatro caractersticas fundamentais do jornalismo,apontadas por Groth -periodicidade, universalidade, atualidadeedifuso -, consideradas numa perspectiva histrico-social, formam adimenso que chamaramos estrutural do fenmeno jornalstico.No caracterizam a sua essncia. Por outro lado, ao afirmar asignificao do peridico como medador na comunicaodebensimateriais, Otto Groth permanece num terreno excessivamentegenrico e abstrato. O que preciso definir a especificidade dessesbens imateriais produzidos por essa estrutura jornalstica

    historicamente determinada. Noutras palavras, qual o tipo deconhecimento produzido pelo jornalismo?

    Aqui j temos, portanto, outra delimitao terica do objeto,distinta daquela construda por Groth. E um outro mtodo: j no setrata apenas de distinguir a racionalidade de uma comunidadesubjetiva de indivduos que trocam bens simblicos, mas decompreender como as condies histricas - em primeiro lugar, ascondies objetivas - produziram a necessidade dessa reciprocidade

    subjetiva e, sobretudo, a especificidade dos bens simblicos quenasceram dela. Trata-se de, sob esse prisma, descobrir asambigidades e contradies do fenmeno jornalstico diante dadominao e da luta de classes no capitalismo, buscando inclusiveperscrutar as potencialidades que se abrem ao futuro.

    Mas voltemos ao problema do mtodo. importante insistirsobre a bssola que vai nortear esse trabalho. J quase senso

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    comum nas cincias, hoje em dia, a idia de que o "objeto terico"(ou "objeto do conhecimento") distinto do "objeto real", entendido

    este apenas enquanto manifestao fenomnica. No obstante, essapremissa interpretada de maneiras diferentes, dependendo dospressupostos filosficos dos quais se parte.

    H duas interpretaes agnsticas sobre a questo que devemser descartadas. Aprimeira delas, extrai dessa premissa umaconcluso de fundo neopositivista, isto , a realidade tomadasimplesmente para efeitos operatrios, como um "construto"relativamente arbitrrio. A segunda, a partir da distino entre"objeto terico" e "objeto real", assume uma postura francamenteidealista, ou seja, o real entendido como dotado de uma essnciainacessvel ao conhecimento.

    A posio assumida neste trabalho reconhece que,analiticamente, o "objeto terico" distinto do "objeto real" einterpreta essa sentena no sentido que foi claramente indicado porMarx em Para a crtica da economia poltica.6 Isso quer dizer que o

    real, para o conhecimento, no aparece imediatamente em suaconcreticidade. No a objetividade evidenciada diretamente pelossentidos que constitui o concreto, mas a sntese de suas mltiplasdeterminaes enquanto concreto pensado, embora a concreticidadeque o constitua seja o verdadeiro ponto de partida. O percurso doconhecimento vai do abstrato ao concreto, das abstraes maisgerais produzidas pelos conhecimentos anteriores, atravs das quaiso sujeito para apreender a particularidade do objeto, at o momentoda sntese realizada pelo conceito para apanh-lo em suas

    determinaes especficas, isto , como concreto pensado. o queafirma, numa linguagem hegeliana, Jean Ladrire:

    "Compreender o fenmeno , de alguma maneira, efetuar ocaminho da manifestao em sentido inverso, remontar o processode vinda ao manifesto, vincular o manifesto ao seu princpio. Mas acaminhada no est separada do fenmeno, ela a prpria

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    possibilidade mais interior, sempre presente no prprio ato demanifestao".7

    Neste sentido, o "objeto real" o prprio fenmeno, aquilo queaparece imediatamente aos sentidos e se anuncia na experinciapresente, assimilada de forma isolada e fragmentria. E o "objetoterico" (ou "objeto do conhecimento") a realidade observada sobo ngulo dos conhecimentos acumulados preliminarmente, ou seja,nos limites em que isso foi possvel j vinculada (a realidade) ao seuprincpio.

    Assim, dois aspectos merecem ser ressaltados. Primeiro, que o"objeto terico", tal como o "objeto real", no algo dado de umavez para sempre, alguma coisa fixa e inerte, mas um processo deconstruo paralelo produo, da prpria realidade humana.Segundo, que no existe um fosso intransponvel entre um e outro,mas uma transformao constante e progressiva do "objeto real" em"objeto terico" e vice-versa. se apropriando do mundo que ohomem vai realizando essa transformao e, atravs dela, revelando

    a verdade do objeto real por meio da teoria.O percurso da teoria, em conseqncia, no pode partir de um

    conceito exaustivo do objeto (no caso, o jornalismo), para emseguida derivar suas determinaes, pois isso seria adiantar comopremissa ideal aquilo que se pretende - embora com muitaslimitaes - desenvolver na totalidade da reflexo. recomendvel,ao que nos parece, que o percurso da exposio no violente a lgicada apreenso terica, embora no deva ser coincidente com ela, a

    fim de evitar os tropeos e descaminhos que a teoria foi obrigada apercorrer. O melhor rumo da exposio parece ser um caminholgico presidido pelas concluses tericas j obtidas, no reveladasinteiramente de antemo, embora delineadas previamente a fim deque sirvam como vetor para a compreenso.

    Avancemos, ento, em direo ao nosso objeto pela viadelicada da aproximao excludente. O objeto deste trabalho no acomunicao em geral, o que poderia enfeixar todo um conjunto

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    heterogneo de processos fsicos, biolgicos e sociais, abordadossob a tica da Ciberntica e da Teoria da Informao. Tampouco se

    pretende dar conta do conjunto de relaes humano-sociais indicadosob o ttulo genrico de Comunicao Social, mas apenas de uma desuas determinaes histricas, a saber, o "jornalismo informativo",tomado como modelo do prprio conceito de jornalismo.8

    A escassez de estudos tericos sobre o jornalismo (tendopresente a exceo de Otto Groth) nos obriga a discutir a questo nocontexto de categorias e referncias mais amplas. Assim, o critriousado para o balano dos conhecimentos existentes est aliceradoem duas premissas: os pressupostos tericos assumidos e a adooprivilegiada - para efeitos da crtica - de certas correntes depensamento que, a nosso juzo, produziram conceitos relativamenteabrangentes sobre o jornalismo. Discutiremos aspectos de trsgrandes correntes: o "funcionalismo norte-americano", a "Escola deFrankfurt" e uma espcie de concepo sobre o jornalismo que seautoproclama marxista, que ser chamada de "reducionismoideolgico". Esta concepo est inserida na tradio stalinista e

    encontra seu complemento terico nas teses de Althusser.9A "escola francesa" de Jacques Kaiser, que seria considerada

    mais tarde como precursora do estruturalismo10 , e os estudossemiolgicos inspirados na lingstica estrutural de Saussure, nalingstica de Jakobson, na lingstica transformacional deChomsky, na psicanlise de Lacan e na antropologia de Lvi-Straussno sero discutidos. A partir da dcada de 60, na Europa, eprincipalmente na Frana, esboou-se nos pesquisadores

    universitrios "o sonho megalmano de uma decodificao geral dossistemas de signos; e como toda a manifestao humana umsistema de signos... Imaginou-se uma cincia geral da narrativa, quese encaixaria numa cincia geral das artes, que se encaixaria numacincia geral da linguagem, abarcando sociedade e inconsciente".11Pela natureza desse enfoque, que privilegia o mundo enquanto"linguagem", "textos", "articulao de signos", o jornalismo investigado, via de regra, como produo ideolgica que emana das

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    estruturas subjacentes em que se organiza a mensagem. Emconseqncia, para os objetivos do nosso trabalho que situar o

    jornalismo como fenmeno histrico-social concreto e no apenascomo organizao formal da linguagem que manifesta contedosexplcitos ou implcitos, tais enfoques apresentam um insanvelvcio de origem, que a parcialidade na apreenso do fenmeno.

    Inicialmente faremos um balano crtico no qual as nossashipteses iro sendo apresentadas. Os captulos finais abordaro a"pirmide invertida", o lead12 , as relaes entre jornalismo e arte e,finalmente, as perspectivas histricas do jornalismo. Na questo dasrelaes entre jornalismo e ideologia, por uma opoepistemolgica, e tambm poltica, o contedo das notcias tomadoem seus opostos extremos ("funcional" ou "crtico-revolucionrio"),embora seja necessrio reconhecer que a dialtica social estabelecetodo um leque de gradaes e ambigidades. Para abordar ojornalismo como modalidade de conhecimento, so utilizadas trscategorias de larga tradio no pensamento filosfico desde aAntigidade e, em especial, na filosofia clssica alem: o singular, o

    particular e o universal. Elas foram aplicadas por Lukcs, comrelativo xito, na formulao de uma esttica marxista. Nossainteno aplic-las para a constituio de uma teoria dojornalismo.13

    Nossa abordagem postula a aplicao do mtodo dialtico-materialista, tomada esta expresso no no sentido do "reducionismoeconomicista" ou do "naturalismo dialtico"14 - o que conduz a umenfoque de matiz positivista - mas numa perspectiva marxista que

    toma as relaes prticas de produo e reproduo da vida socialcomo ponto nodal da autoproduo humana na histria. Ou seja,trata-se de uma maneira de considerar a realidade histrico-socialque compreende as determinaes subjetivas como algo real e ativo,uma dimenso constituinte da sociedade, mas que s pode serapanhada logicamente em sua dinmica como momentos de umatotalidade que tem na objetivao seu eixo central. Em sntese, umenfoque que toma aprxis como categoria fundamental.

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    A dificuldade maior que inexiste uma tradico tericaintegrada e solidamente constituda sobre o jornalismo, como j foi

    indicado, em que pesem alguns avanos significativos emproblemticas paralelas ou reas limtrofes. A Teoria da Informao,por um lado, e a Comunicao de Massa, por outro, envolveminvestigaes relativamente recentes e bastante desencontradas. Ofundamento comum, enunciado e discutido pelos estudiosos deambas as reas, ainda por demais incipiente para que se possareconhecer a existncia de uma inequvoca unidade terica. Persiste,entre a Teoria da Informao e as investigaes filosficas,

    sociolgicas e semiolgicas da comunicao humana, uma terra deningum, um vcuo atormentado por dvidas e imprecises.

    Entre o formalismo da primeira e a generalidade dos demaisenfoques, no de se admirar, portanto, que o jornalismo -fenmeno que nasceu no bojo da comunicao de massa - seja tocarente de explicaes tericas e to farto em consideraesempiristas e moralizantes. O que tem acontecido que asabordagens sociolgicas ou filosficas contornam, ou simplesmente

    ignoram, as questes formais propostas pela Teoria da Informao.Esta, por seu lado, tende a exercer uma espcie de "reduoontolgica" da sociedade para inseri-la em seus modelos.

    A chamada "Teoria Geral dos Sistemas", pela metodologiaabrangente e reducionista que prope, um dos plos desse dilematerico.15 Os mal-entendidos que se produziram com a participaode Lucien Goldmann num debate com cientistas de diversas reassobre "o conceito de informao na cincia contempornea"16 ,

    indicam o reverso da medalha, isto , a dificuldade dos enfoques"humanistas" em incorporar o aspecto objetivo e matemticoimplicado no conceito de informao.

    Assim, pode-se perceber que a ausncia de uma teorizaoaxiomtica sobre o jornalismo no ocorre por acaso, mas numcontexto de reflexes heterogneas e at paradoxais sobre oproblema da comunicao. Tampouco essa lacuna destituda de

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    conseqncias polticas e sociais: em geral, os posicionamentosnascidos dessa indigncia terica capitulam diante do empirsmo

    estreito - caminho mais curto at a apologia - ou assumem odistanciamento de uma crtica supostamente radical que resume tudono engodo e na manipulao.

    A ingenuidade dessas propostas, que desprezam as mediaesespecificamente jornalsticas e propem a panacia de "devolver apalavra ao povo", denuncia a inconsistncia terica das premissas. certo que a ideologia burguesa est embutida na justificao tericae tica das regras e tcnicas jornalsticas adotadas usualmente. Masisso no autoriza, como muitos parecem imaginar, que se possaconcluir que as tcnicas jornalsticas so meros epifenmenos dadominao ideolgica. Essa concluso no legtima nem do pontode vista lgico nem histrico.

    Um enfoque verdadeiramente dialtico-materialista devebuscar a concreticidade histrica do jornalismo, captando, ao mesmotempo, a especificidade e a generalidade do fenmeno. Deve

    estabelecer uma relao dialtica entre o aspecto histrico-transitrio do fenmeno e sua dimenso histrico-ontolgica. Querdizer, entre o capitalismo (que gestou o jornalismo) e a totalidadehumana em sua autoproduo. Dito de outro modo, o jornalismo nopode ser reduzido s condies de sua gnese histrica, nem ideologia da classe que o trouxe luz. Parafraseando Sartre: anotcia uma mercadoria, mas no uma mercadoria qualquer.17 Ocapitalismo no um acidente no processo histrico, mas ummomento da totalidade em seu devir. Suas determinaes culturais

    (no sentido amplo do termo) envolvem uma dialtica entre aparticularidade dos interesses da classe dominante e a constituioda universalidade do gnero humano. A quem pertencem, hoje, asobras de Balzac, Flaubert, Zola e tantos outros? A ambivalncia dojornalismo decorre do fato de que ele um fenmeno cuja essnciaultrapassa os contornos ideolgicos de sua gnese burguesa, em quepese seja uma das formas de manifestao e reproduo dahegemonia das classes dominantes.

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    O que faremos nas reflexes subseqentes discutir ojornalismo como produto histrico da sociedade burguesa, mas um

    produto cuja potencialidade a ultrapassa e se expressa desde agorade forma contraditria, medida que se constituiu como uma novamodalidade social de conhecimentocujacategoria central osingular. Porm, o conceito de conhecimento no deve ser entendidona acepo vulgar do positivismo, e sim como momento daprxis,vale dizer, como dimenso simblica da apropriao social dohomem sobre a realidade. Nosso ponto de partida, portanto, pode serilustrado pela assertiva final do livro de Nilson Lage. Ele intuiu

    corretamente o caminho a seguir e o expressou de modo incisivo:"Os jornais, em suma, no tm sada: so veculos de

    ideologias prticas, mesquinharias. Mas tm sada: h neles indciosda realidade e rudimentos de filosofia prtica, crtica militante,grandeza submetida, porm insubmissa".18 Oraes imponentes deum jornalista talentoso. Talvez o lead de uma nova abordagem.

    Notas de Rodap1)BELAU, Angel Faus.La ciencia periodstica de Otto Groth.Pamplona, Instituto de Periodismo de la Universidad de Navarra,1966. (A sntese do pensamento de Groth apresentada aqui, bemcomo alguns dados biogrficos, foram baseados principalmente napresente obra).2)BELAU, Angel Faus. Op. cit., p.17.3)Jos Marques de Melo afirma que Groth adotou a perspectivafuncionalista para o estabelecimento das leis do jornalismo. Cf.:Sociologia da imprensa brasileira. Petrpolis, Vozes, 1973.(coleo Meios de Comunicao Social; 10, Srie Pesquisas; 2)p.20.4)GROTH, Otto. Apud:BELAU, Angel Faus. Op.cit., p.26.5)Idem, p.296)Marx, Karl. In: Karl Marx. 3. Ed. So Paulo, Abril Cultural, 1985.(Col. Os Pensadores) p. 116-7.

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    7)LADRIRE, Jean. Filosofia e prxis cientfica. Rio de Janeiro,Francisco Alves, 1978. p.23.

    8)O "jornalismo informativo" produzido em qualquer veculo,especialmente aquele que apresenta uma periodicidade pelo menosdiria, o fenmeno que tipifica nosso objeto. Trata-se damanifestao mais caracterstica do fenmeno que pretendemosanalisar, servindo como principal referncia do nosso "objeto real"no sentido j apontado.9)Mais adiante veremos que as idias de Althusser, mais harmnicascom a concepo que denominamos "reducionismo ideolgico",

    tambm influenciaram as anlises do belga Armand Mattelart,embora estas, no seu conjunto, estejam mais identificadas com atradio de "Frankfurt".10)CASASS, Jos Maria.Ideologia y anlisis de medios decomunicacin. Barcelona. DOPESA, 1972. p.20.11)MOISS, Leila Perrone.Roland Barthes. So Paulo, Brasiliense,1983. (Col. Encanto radical; 23) p.43.12)Mesmo sendo expresses usuais no dia a dia dos jornalistas, cabeinformar o seu significado aos leitores de outras reas. A "pirmideinvertida" a representao grfica de que a notcia deve serelaborada pela ordem decrescente de importncia das informaes.O leaddesigna "o pargrafo sinttico, vivo, leve, com que se inicia anotcia, na tentativa de fisgar a ateno do leitor".13)Para quem no estiver familiarizado com tais categorias, seriainteressante iniciar a leitura pelo captulo VII, onde se discute osentido que elas adquirem em Hegel e Marx, e onde soapresentadas algumas reservas ao uso que delas fez Lukcs em sua

    esttica.14)GENRO FILHO, Adelmo. Introduo crtica do dogmatismo.In: Teoria e Poltica. So Paulo, Brasil Debates, 1980. n.1.15)Cf. BUCKLEY, Walter.A sociologia e a moderna teoria dossistemas. 2.ed. So Paulo, Cultrix, s/d.16)GOLDMANN, Lucien. Sobre o conceito de conscincia possvel.In: O conceito de informao na cincia contempornia. Rio deJaneiro, Paz e Terra, 1970. (Srie Cincia e Informao; 2).

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    17)"Valry es un intelectual pequeo-burgus, no cabe la menorduda. Pero todo intelectual pequeo-burgus no es Valry". In:

    SARTRE, Jean-paul. Crtica de la razn dialctica. Buenos Aires,Losada, 1979. Libro I. p.53.18)LAGE, Nilson. Ideologia e tcnica da notcia. Petrpolis, Vozes,1979, p. 112 (Violette Morin aponta no mesmo sentido: "Parece queel tratamiento periodstico, em su versin actual, encierra alguna'virtud' cuya intensidad, an mal definida, podra un da rivalizar conla ya reconocida de sus 'vcios'. Es ste, en todo caso, el sentimientoque este trabajo contribuye a sugerir". Ver: El tratamiento

    periodstico de la informacion. Madrid, A.T.E., 1974. (Col. Librosde Comunicacin Social). p.10.

    CAPTULO I

    O funcionalismo e a comunicao:consideraes preliminares

    A proposta de enquadrar as cincias sociais no paradigma dascincias naturais, feita por Comte, foi levada a termo por Drkheim.O positivismo foi a base filosfica da concepo que desembocou no

    funcionalismo. Mas essa continuidade fundamental no deveobscurecer o fato de que Drkheim apresenta certas particularidadesepistemolgicas. O modelo proposto por Comte para a sociologiaera o da fsica: ele defendia a necessidade de fundar uma "fsicasocial". Para Drkheim, o modelo das cincias sociais era o dabiologia (notadamente sob a influncia de Spencer), emborareconhecendo que a sociedade possui uma infinidade deconscincias e o corpo humano apenas uma. Alm disso, o

    pressuposto da existncia de "conexes causais" era defendido porDrkheim, distinguindo-se do positivismo comteano que somenteadmitia a formulao de leis que representassem a repetibilidade e aregularidade dos fenmenos.

    As idias de Drkheim deixaram marcas no pensamentoconservador em vrias disciplinas das cincias humanas. Naantropologia, um dos seus mais importantes seguidores foi o

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    britnico Radcliffe-Brown, que exerceu notvel influncia sobre osestudiosos ingleses da sua rea. Segundo alguns autores, Drkheim

    teria sido, inclusive, uma das fontes do estruturalismo de Lvi-Strauss.1 Foi, porm, nos Estados Unidos que suas idias tornaram-se precursoras da formao de um campo terico mais definido esistematizado, especialmente atravs de Talcott Parsons e Robert K.Merton, nomes que podem ser considerados clssicos no estrutural-funcionalismo norte-americano.

    Drkheim procura distinguir a explicao "causal" daexplicao "funcional" dos fatos sociais. A primeira tenta esclarecera sucesso dos fenmenos, enquanto a segunda quer definir o papelque atribudo a cada fenmeno pelas necessidades do organismosocial. Vejamos o sentido mais preciso desse ltimo tipo deexplicao, o qual nos interessa salientar aqui.

    "A concepo de Drkheim da anlise funcional estestreitamente ligada sua tentativa de proporcionar critrios paradistinguir a normalidadeda patologia social. De acordo com a

    concepo ortodoxa em filosofia, desenvolvida por Hume, o deveest logicamente separado do '': julgamentos de valor no podemderivar de enunciados fatuais. Para Drkheim, uma noo dessanatureza separa em demasia a cincia da prtica. O que a cincia

    pode fazer discernir e estudar as condies do funcionamentonormal do sistema orgnico e do social, identificando patologia eindicando medidas prticas apropriadas para restaurar a sade.Podemos descobrir, de acordo com Drkheim, 'critrios objetivos,inerentes aos prprios fatos' doque normal edoque patolgico.

    Quer se tratedebiologia, quer se trate de sociologia, isto envolve,primeiro que tudo, uma classificao de espcies outipos. Atemperatura normal do sangue deumlagarto difere da temperaturanormal do sangue de um homem; oque normal para uma espcie anormal para outra. Uma classificao assim detipos desociedade foi oqueDrkheim tentou levar a cabo em sua discussodo desenvolvimento da diviso do trabalho". 2

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    observarse un inters especial en lograr que el analista parta deunos supuestos puramente objetivos".4

    Esse tipo de investigao, que ficou conhecido como "anlisede contedo", foi definido por Berelson como "una tcnica deinvestigacin para la descripcin objetiva, sistemtica y cuantitativadel contenido manifesto de las comunicaciones".5

    Mais raras foram as abordagens funcionalistas da naturezaespecfica do jornalismo ou da funo global dos meios decomunicao. No primeiro caso, vale citar o criativo ensaio de

    Robert E. Park, escrito em 1940,A notcia como forma deconhecimento: um captulo da sociologia do conhecimento6 , queser discutido mais adiante. No segundo caso, o que temos sointerpretaes funcionalistas de algumas das idias sugeridas pelopioneiro Otto Groth, em geral utilizadas com certa ligeireza nosmanuais norte-americanos que, por sinal, servem de modelo aosnossos.

    A imprensa como "funo social"

    Um exemplo de anlise funcionalista no Brasil o livro deJos Marques de Melo, inicialmente apresentado como tese dedoutoramento, Sociologia da imprensa brasileira, no qual procuraaveriguar as causas do atraso no desenvolvimento da imprensacolonial em nosso pas7 . O livro de Marques de Melo procura situaro surgimento da imprensa e do jornalismo em funo dasnecessidades produzidas pela sociedade na sua dimenso global.Para realizar essa tarefa, o autor faz uma "descrio" histrica, a fimde explicar o aparecimento de tais necessidades sociais. Por isso,alguns aspectos levantados em seu trabalho, principalmente emrelao ao surgimento da imprensa no Ocidente, tornam-se teis -em que pese a metodologia confessadamente funcionalista - comoelementos iniciais de reflexo.

    A relao estabelecida pelo autor entre a sociedade e odesenvolvimento da imprensa, a partir de necessidades globais,

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    negcios se no estiver bem informado dos preos das mercadoriase da sua acessibilidade, que depende da conjuntura poltica; os

    cidados, ansiosos por sua participao no exrcito da Itlia, quetm sede de informaes precisas; o Rei, para defender sua poltica,que procura atingir a opinio. E conclui: 'a atualidade tornou-se oobjeto de curiosidade com um fim prtico, a comunicaoconverteu-se em uma necessidade da vida urbana, profissional,

    poltica e religiosa".9

    A atualidade, de fato, sempre foi objeto de curiosidade para oshomens. Mas com o desenvolvimento das foras produtivas e dasrelaes capitalistas a atualidade amplia-se no espao, ou seja, omundo inteiro tornava-se, cada vez mais, um sistema integrado einterdependente. A imediaticidade do mundo, atravs de seusefeitos, envolve ento uma esfera cada vez maior e constitui umsistema que se torna progressivamente mais complexo e articulado.

    Isso traz duas conseqncias bsicas: a procura de maisinformaes e, pelo fato de que tais informaes no podem ser

    obtidas diretamente pelos indivduos, surge a possibilidade de umaindstria da informao. Que tais empresas sejam privadas e que asnotcias sejam transformadas em mercadorias no de se estranhar,pois, afinal, tratava-se precisamente do desenvolvimento do modode produo capitalista. Logo, desde o seu nascimento, o jornalismoteria de estar perpassado pela ideologia burguesa e, do ponto de vistacultural, associado ao que foi chamado mais tarde de "cultura demassa" ou "indstria cultural".

    Segundo Margaret Aston, passou-se um largo perodo detempo antes que a imprensa tivesse influncia decisiva como meiode revolucionar a informao e o conhecimento sobreacontecimentos recentes, ou ento o conhecimento de fatos antigosapreciados luz de novos elementos10 . Vejamos: aumenta ademanda de informaes sobre acontecimentos que, de uma formaou de outra, influem mais ou menos rapidamente sobre osindivduos. No entanto, tais acontecimentos no podem ser vividos

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    diretamente pela experincia. Sua dinmica exige que sejamapreendidos, constantemente, enquantofenmenos e que sejam

    continuamente totalizados.Assim como os fenmenos imediatos que povoam o cotidiano,

    os acontecimentos precisam ser percebidos como processosincompletos que se articulam e se superpem para que possamosmanter uma determinada "abertura de sentido" em relao a suasignificao. Mesmo que o sentido seja produzido sempre numadeterminada perspectiva ideolgica, assim como qualquer outrasignificao atribuda ao mundo social, isso no invalida aimportncia dessa "abertura de sentido" que lhe subsistente.

    No modo de produo capitalista, os acontecimentosimportantes do mundo, em virtude da contigidade objetiva noespao social, tornaram-se tambm "fenmenos imediatos quepovoam o cotidiano". Portanto, essa ambigidade da informaojornalstica, que apresenta algo j acontecido como se aindaestivesse acontecendo, reconstitui um fenmeno que no est sendo

    diretamente vivenciado como se o estivesse, que transmiteacontecimentos atravs de mediaes tcnicas e humanas como seproduzisse o fato original; essa ambigidade no apenas produtomaquiavlico do interesse burgus. A possibilidade de manipulaodecorre dessa relao tensa entre o objetivo e o subjetivo, que estna essncia da informao jornalstica.

    Os veculos de comunicao, como a imprensa, o rdio, afotografia, o cinema, a TV, etc., trouxeram conseqncias profundas

    para as formas de conhecimento e comunicao at ento existentes.O exemplo mais caracterstico o da arte, cujas transformaesevidentes so objeto de uma polmica que j se prolonga por vriasdcadas. As novas formas de arte, as modernas tcnicaspedaggicas, os novos gneros de lazer e as outras modalidades derelacionamento social produzidos pela imprensa e, maisacentuadamente, pelos meios eletrnicos de comunicao, foramincorporados como objetos tericos com certa naturalidade.

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    exceto com meras constataes e obviedades, por que o jornalismoassumiu determinadas configuraes especficas na organizao das

    informaes e na estrutura de sua linguagem. No consegue,tampouco, equacionar a questo da luta de classes, da hegemoniaideolgica das classes dominantes na produo jornalstica e dascontradies internas desse processo.

    Enfim, medida que o funcionalismo "consiste nadeterminao da correspondncia existente entre umfatoconsiderado e as necessidades gerais do organismo social em queest inserido"11 , no permite notar a autonomia relativa dofenmeno jornalstico e suas perspectivas histricas mais amplas.Ficam obscurecidas as contradies: sua incluso na luta de classes eos limites e possibilidades que da decorrem.

    Notas de Rodap

    1) GIDEEMS, Anthony. As idias de Drkheim. So Paulo, Cultrix,1978. (Mestres de Modernidade) p.1.

    2) Idem, p.28.3) Thomas, Louis-Vincent. A etnologia:mistificao edesmistificao. In: CHTELET.A filosofia das cincias sociais.Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p.167.4) CASASS, Jos Maria.Ideologia y verificar grafia correta deanlises, existe grafia diferente no arquivo 196-intanlises demedios de comunicacin. Barcelona, Dopesa. 1972, p.26.5) Apud: CASASS, op. cit. p. 276) PARK, Robert E. A notcia como forma de conhecimento: umcaptulo da sociologia do conhecimento. In: STEINBERG, CharlesS., org. Meios de comunicao de massa. 2.ed. So Paulo, Cultrix,1972, p.168.7) MELO, Marques de. Sociologia da imprensa brasileira.Petrpolis, Vozes, 1973.8) MELO, Jos Marques de. Op. cit., p.36-7.9) Idem, p.37.

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    10) Apud: MELO. op. cit. p.43.11) MELO, op. cit. p. 22.

    CAPTULO IIDo pragmatismo jornalsticoao funcionalismo espontneo

    A mercadoria, ensina Marx, uma relao social mediatizadapor coisas, as quais parecem conter essas relaes como se fossemsuas prprias qualidades naturais. A noo comum de mercadoriano distingue as relaes humanas desiguais que esto por trs da

    sua identidade universal enquanto valor de troca. As mercadoriasaparecem como coisas que possuem, intrinsecamente, certasqualidades humanas de se equipararem em propores diversas,dotadas, aparentemente, de um mesmo fluido objetivo que variaapenas quantitativamente.

    Quer dizer, relaes humanas historicamente determinadasaparecem como pura objetividade, como se constitussem umarealidade exterior aos sujeitos, isto , reificadas. Jos Paulo Netto

    demonstra que essa noo de Marx, tratada sistematicamente porLukcs, torna-se um conceito fundamental para a compreenso dofetichismo e da alienao no capitalismo contemporneo.1

    Esse conceito nos permite compreender que o positivismo,base terica mais ampla do funcionalismo, o desenvolvimentosistematizado do "senso comum" reificado, produzidoespontaneamente pelo capitalismo. Lembremos que, paraDrkheimDkheim, "os fatos sociais devem ser tratados como

    coisas". Portanto, at certo ponto, inevitvel que a teorizaoespontnea dos homens "prticos", quando refletem sobre questessociais baseados na sua prpria experincia, adquira contornosfuncionalistas. O esprito "pragmtico" da grande maioria dosjornalistas, em parte devido defasagem do acmulo terico emrelao ao desenvolvimento das "tcnicas jornalsticas" e, em parte,devido ao carter insolente e prosaico que emana naturalmente daatividade (produzindo nos jornalistas uma conscincia

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    correspondente), no poderia gerar uma outra forma de teorizao.Mesmo quando pretendem apenas relatar sua experincia pessoal

    como profissionais ou elaborar "manuais prticos" da disciplina.Vejamos alguns exemplos. Primeiramente dois "clssicos" norte-americanos que modelaram vrias geraes de profissionais, tantonos Estados Unidos como na Amrica Latina, seja diretamente comseus livros ou atravs de tantos outros feitos sua imagem esemelhana. claro que tais obras, medida que fornecemindicaes com alguma eficcia operacional, contm elementos eintuies importantes para um esforo terico que busque

    ultrapass-las. Tomaremos, agora, to somente alguns aspectos quedenotam suas limitaes empiristas e a perspectiva funcionalista queassumem, mesmo sem apresentarem pretenses teorizantes.

    "Este livro se destina - diz Hohenberg a ttulo de prefcio - aservir de guia profissional aos princpios e prticas do jornalismomoderno, segundo a concepo e o uso norte-americano. Aoescrev-lo baseei-me na experincia de 25 anos como jornalistaativo, nos Estados Unidos e no exterior, somada a dez anos de

    professor da matria. O objetivo da obra, conseqentemente, mostrar o jornalismo na prtica e no na teoria ou fazer crticasocial".2

    A primeira edio desse livro foi publicada h mais de vinte ecinco anos. No parece que o esprito da quase totalidade dosmanuais elaborados nesse perodo tenha mudado significativamente.

    Hohenberg afirma que impossvel conceituar a notcia

    porque o conceito varia em funo do veculo. "Para os matutinos o que aconteceu ontem; para os vespertinos, o fato de hoje. Para asrevistas, o acontecimento da semana passada. Para as agnciasnoticiosas, emissoras de rdio e televiso, o que acabou deocorrer".3 Por isso, ele nos oferece apenas as "caractersticas" danotcia: "As caractersticas bsicas da notcia so preciso, interessee atualidade. A essas qualidades deve ser acrescentada uma quarta, a

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    Quanto s classificaes da notcia, so as mais arbitrriaspossveis, embora certos temas se repitam constantemente. Para

    Fraser Bond os fatores que determinam o valor da notcia soquatro: "a oportunidade", "a proximidade", "o tamanho" (o muitopequeno e o muito grande atraem a ateno, diz ele) e "aimportncia" (o autor adverte que a notcia trivial, se revestida deinteresse, com freqncia ter mais valor que os annciosimportantes e significativos que so repetitivos). Como principaiselementos de interesse da notcia ele aponta doze itens: "interesseprprio", "dinheiro", "sexo", "conflito", "inslito", "culto do heri e

    da fama", "incerteza", "interesse humano", "acontecimentos queafetam grandes grupos organizados", "competncia","descobrimento e inveno" e "delinqncia"8 . Quanto aoselementos "de valor" da notcia o autor alinha mais doze pontos. Dequalquer modo, as listas de quaisquer dessas classicaes, pelocritrio empirista que preside sua elaborao, no s podem sertrocadas umas pelas outras, como o nmero de itens arrolados podeser aumentado ou diminudo indefinidamente.

    Seguindo outra sistematizao, com o mesmo contedoideolgico, Luiz Amaral indica as "funes do jornalismo": poltica,econmica, educativa e de entretenimento seriam as quatroprincipais. Vale a pena citar duas delas:

    "Por funo poltica, entendem-se os meios de informao, emsua ao crescente, como instrumento de direo dos negciospblicos, e como rgos de expresso e de controle da opinio"9 .Sobre a "funo econmica e social" ele afirma:

    "No de agora que os meios de informao se tornaraminstrumentos do desenvolvimento econmico e social. Difundindodiariamente uma enorme massa de informaes sobre assuntos osmais variados e de interesse permanente da sociedade, o Jornalismotem contribudo para o desenvolvimento da indstria e do comrcio,como para melhorar as relaes sociais, de um modo geral. (. . .)Com noticirio e interpretao dos fatos econmico-financeiros, o

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    Jornalismo oferece ao homem de negcios um panorama dirio domercado que lhe facilita a ao, abre perspectivas para o

    desenvolvimento de suas empresas e proporciona bases para melhorrelacionamento com a clientela".10

    O carter de classe das "funes" indicadas por Luiz Amaral to bvio quanto as classificaes de Hohenberg e Fraser Bond.Cabe ao jornalismo uma tarefa orgnica, quer dizer, solidria com omodo de produo capitalista e suas instituies polticas eeconmicas. Quanto aos "atributos" da notcia, Luiz Amaralapresenta tambm sua prpria classificao: atualidade, veracidade,interesse humano, raio de influncia, raridade, curiosidade eproximidade.

    Segundo Mrio L. Erbolato, no livro Tcnicas de codificaoem jornalismo, h necessidade de separarmos os trs aspectos dadivulgao de um fato: "informao, interpretao e opinio". Ecita Lester Markel, editor dominical de TheNew York Times, parasustentar seu argumento em defesa dessa tese curiosa:

    "1 notcia, informar que o kremlim est lanando umaofensiva de paz. 2 interpretao, explicarpor que o kremlimtomou essa atitude. 3 opinio, dizer que qualquer proposta russadeve ser rechaada sem maiores consideraes. A interpretao -acentuou Lester Markel - parte essencial das colunas de notcias.Porm, a opinio deve ficar confinada, quase religiosamente, nascolunas editoriais".11

    Erbolato admite que difcil "interpretar objetivamente", masno v nisso o menor paradoxo. Sem dvida, explicar nos EstadosUnidos por que o kremlim lanou uma ofensiva de paz nos limitesda "objetividade", sem intromisso opinativa do jornalista, significarelacionar os fatos evitando julgamentos explcitos de valor, apenasreforando o preconceito do norte-americano mdio sobre a UnioSovitica.

    Relato ou opinio: um falso problema

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    Certamente que h um "gro de verdade" na idia de que anotcia no deve emitir juzos de valor explcitos, medida que isso

    contraria a natureza da informao jornalstica tal como seconfigurou modernamente. Mas igualmente pacfico que esse juzovai inevitavelmente embutido na prpria forma de apreenso,hierarquizao e seleo dos fatos, bem como na constituio dalinguagem (seja ela escrita, oral ou visual) e no relacionamentoespacial e temporal dos fenmenos atravs de sua difuso.

    Portanto, quando Mrio Erbolato afirma que "a evoluo e aadoo de novas tcnicas no jornalismo, elevado profisso e nomais praticado por simples diletantismo, levaram a uma conquistaautntica: a separao entre, de um lado, o relato e a descrio deum fato, dentro dos limites permitidos pela natureza humana e, deoutro, a anlise e o comentrio da mesma ocorrncia"12 , ele est,por linhas tortas, percebendo uma evidncia que as crticasmeramente ideolgicas do jornalismo burgus no reconhecem.

    claro que no se trata do simples "relato" e "descrio" de

    um fato, dentro de supostos "limites permitidos pela naturezahumana", separado da anlise e do comentrio. Trata-se, sim, deuma nova modalidade de apreenso do real, condicionada peloadvento do capitalismo, mas, sobretudo, pela universalizao dasrelaes humanas que ele produziu, na qual os fatos so percebidos eanalisados subjetivamente (normalmente de maneira espontnea eautomtica) e, logo aps, reconstruidos no seu aspecto fenomnico.

    O discurso analtico sobre os acontecimentos que so objeto do

    jornalismo dirio, que tomamos como referncia tpica, seultrapassar certos limites estreitos impertinente atividadejornalstica sob vrios aspectos. O principal problema que, se aanlise se pretender exaustiva e sistemtica, desembocar, no casolimite, nas diversas cincias sociais e naturais, o que j outra coisabem diferente do jornalismo. Da mesma forma, uma abordagemmoralista ou grosseiramente propagandstica sob o aspectoideolgico acaba desarmando o jornalismo de sua eficcia especfica

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    e, quase sempre, tornando-se intolervel para os leitores, sejam quaisforem.

    preciso asseverar, no entanto, que o exposto no exclui ofato de que jornais analticos e polmicos ou abertamenteideolgicos possam cumprir papis relevantes na luta poltica esejam, at, indispensveis nesse sentido. A tese de Lnin sobre anecessidade do jornal partidrio enquanto "organizador coletivo",com funes de anlise crtica, luta ideolgica, propaganda eagitao , ainda presentemente, insuperada em seus fundamentos.

    O que se pretende afirmar que h uma tarefa mais ampla dojornalismo tipificado nos dirios, que deve ser pensada em suaespecificidade.

    Embora o jornalismo expresse e reproduza a viso burguesa domundo, ele possui caractersticas prprias enquanto forma deconhecimento social e ultrapassa, por sua potencialidade histricaconcretamente colocada, a mera funcionalidade ao sistemacapitalista.

    De outra parte, tanto os jornais dirios como os demais meiosveiculam, ao lado de notcias e reportagens caractersticas do

    jornalismo propriamente dito, anlises sociolgicas, polticas,econmicas, interpretao de especialistas, artigos, ensaios, colunas,editoriais, cartas de leitores, poemas, crnicas, opinio de jornalistasou pessoas proeminentes, enfim, uma srie de abordagens e dediscursos que podem ter um grau maior ou menor de aproximaodo discurso jornalstico que estamos tratando.

    H, evidentemente, uma graduao que parte do jornalismotpico em direo s diversas formas de representao simblica darealidade. As duas referncias fundamentais dessa graduao podemser indicadas como sendo a cincia e a arte, sem, contudo, excluiroutras. O "novo jornalismo", que surgiu na dcada de 60 nos EstadosUnidos, trabalha nas fronteiras com a literatura. As propostas dejornalismo rotuladas normalmente como "opinativo",

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    "interpretativo" ou "crtico" atuam, em algum grau, nas reaslimtrofes com as diversas cincias sociais.

    Mas voltemos discusso da viso "pragmtica" dosjornalistas sobre sua atividade e as incipientes tentativas desistematizao. Publicado mais recentemente e contando j comedies sucessivas, o livro de Clvis Rossi O que o jornalismo13 ,escrito com a percia de um profissional experimentado, apresentaalgumas pretenses tericas que merecem considerao.

    " realmente invivel - explica o autor - exigir dos jornalistas

    que deixem em casa todos esses condicionamentos e se comportem,diante da notcia, como profissionais asspticos, ou como a objetivade uma mquina fotogrfica, registrando o que acontece semimprimir, ao fazer seu relato, as emoes e as impresses

    puramente pessoais que o fato neles provocou".

    Ora, as impressespuramente pessoais, o modo singular dojornalista perceber um fato e reagir diante dele, as idiossincrasias,constituem precisamente aquilo que no interessa discutir na questo

    da objetividade. Se fosse possvel o relato estritamente objetivo deum fato somado apenas s impressespuramente pessoais, a tese daobjetividade estaria, no fundamental, correta. No haveria nenhumproblema poltico ou ideolgico na manifestao desse tipo desubjetividade. Seria possvel, ento, um jornalismo "imparcial" emrelao s questes fundamentais da luta de classes, desde que asubjetividade (individual) ficasse confinada a certos parmetros, queno impedissem o pblico de distinguir o diamante bruto que seriam

    osfatos objetivos por baixo das sobreposies emocionais doredator. O prprio autor confirma essa possibilidade terica: "Aobjetividade possvel, por exemplo, na narrao de um acidente detrnsito e, assim mesmo, se nele no estiver envolvido o reprter,pessoalmente, ou algum amigo ou parente".15

    Nota-se que o quadro terico no qual Rossi situa seu enfoquedas relaes de poder no o das contradies ideolgicas, doantagonismo das classes, ou mesmo da oposio de "grandes

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    grupos" de interesses polticos e econmicos, mas algo bem maisingnuo: os parentes e amigos. Rossi admite que o exerccio da

    objetividade com relao aos fatos de grande "incidncia polticae/ou social" no mais do que "um mito".16 E nessa busca, a rigorimpossvel de ser plenamente concretizada, no sentido de relatar osfatos de maneira imparcial, ele aponta a "lei dos dois lados": "Emtese, a justia dessa 'lei' inquestionvel".17

    O problema central da concepo de Clvis Rossi sobre aobjetividade jornalstica est alicerada em dois pressupostos denatureza "espontaneamente funcionalista". O primeiro, que eleconsidera as necessidades de informao do organismo social doponto de vista de uma democracia liberal, isto , parece tomar ocapitalismo como modo "normal" e aceitvel de sociedade. Isso vaiimplcito em toda sua argumentao: "Parece claro que a questo daliberdade de informao, entendida em seu sentido lato, s poderser resolvido no quadro das liberdades democrticas em geral. Isto ,s haver realmente liberdade de informao quando houver amplaprtica das liberdades democrticas, coisa que, no Brasil, tem

    acontecido apenas rara e episodicamente".18O segundo pressuposto falso, decorrente do primeiro, que os

    fatos jornalsticos so, em si mesmos, objetivos. Por isso, como foiassinalado, dependendo da relevncia do assunto, a objetividade at possvel. Enquanto que a "imparcialidade", mesmo difcil, emanacomo a prpria razo de existir do jornalismo. Assim, o "mito daobjetividade" criticado sob o ngulo puramente psicolgico, comose a subjetividade do jornalista fosse uma espcie de resduo que se

    interpe entre o fato, tal como aconteceu, e seu relato neutro.Portanto, segue logicamente que a tarefa do jornalista buscar omximo de objetividade e iseno possveis.

    O que Rossi no percebe - porque, teoriza a partir do "sensocomum" da ideologia burguesa e da sua relao pragmtica com astcnicas jornalsticas - que os prprios fatos, por pertencerem dimenso histrico-social, no so puramente objetivos.

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    relevncia" e a empresa impe, ento, seu julgamento poltico. Masesse acontecimento circunstancial, talvez um "acidente de

    percurso" como dizem os delicados comentaristas polticos dasgrandes redes privadas de comunicao em nosso pas.

    No obstante, a alegao dos empresrios de que os comits deredao seriam, na prtica, "sovietes" de jornalistas, que seapossariam, aos poucos, do jornal, revista ou TV em que seinstalassem, mudando as posies editoriais que seus donosdefendem, Rossi acha que "at certo ponto" tem fundamento.22Embora considere essa possibilidade um risco "mnimo", Rossi temeas suas conseqncias: "sempre h o risco de que, em redaes nasquais h grande nmero de elementos de uma mesma correntepartidria ou ideolgica, esse grupo monopolizasse os comits deredao e passasse a impor seus pontos de vista, frustrando osobjetivos democratizantes da proposta original".23 Quer dizer, apropriedade privada dos jornais, emissoras de rdio, TV, seu cartercomercial, no compromete necessariamente a imparcialidade. Masos comits de redao, estes sim, segundo Rossi, trazem o risco da

    imposio ideolgica.Porm, basta um pouco de reflexo para se perceber que Rossi

    no est sendo desonesto. Para grande parte dos jornalistas, hoje amaioria, a coliso com os interesses fundamentais da empresa ,efetivamente, um "acidente de percurso". Eles colocam seu talento,honestidade e ingenuidade a servio do capital com a mesmanaturalidade com que compram cigarros no bar da esquina.

    Notas de Rodap

    1) NETTO, Jos Paulo.Capitalismo e reificao. So Paulo,Cincias Humanas, 1981.2) HOHENBERG, John.Manual de jornalismo. Rio de Janeiro,Fundo de Cultura, 1962. p.11.3) _______. O Jornalista profissional. Rio de Janeiro,Interamericana, 1981. p.68.

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    indivduos com os fenmenos que povoam o cotidiano, daexperincia sem intermediao tcnica ou racional instituda

    sistematicamente, o que temos realmente a percepo tal como apsicologia a descreve.11 Quer dizer, um grau determinado deconhecimento, um nvel de abstrao elementar.

    Anteriormente, indicamos o processo de reificao que sedesenvolve com o fundamento mercantil das relaes sociais nocapitalismo contemporneo. Porm, nem a percepo individualnem o "senso comum" so nveis de apropriao simblicaqualitativamente homogneos, livres das contradies polticas,ideolgicas e filosficas que perpassam a sociedade de classes emseu conjunto.

    Existe, de fato, na percepo individual umapredominncia doaspecto "positivo" (no sentido comteano) do fenmeno ou da coisa.No "senso comum" h uma hegemonia do "bom senso", isto , dasnoes que implicam uma apreenso funcional e orgnica do mundotal qual ele se apresenta. Mas a insensatez que se apoderou das

    massas na queda da Bastilha, na Frana de 1789, ou na tomada doPalcio de Inverno, em 1917 na Rssia, no se produziu no patamarda teoria ou da cincia, embora ambas tenham cumprido seuinsubstituvel papel. A "insensatez revolucionria" das massashumanas que se tornam, de repente, protagonistas das grandestransformaes histricas nascem de elementos explosivos que estolatentes, embora normalmente subordinados, no interior do processode percepo e das noes que formam o "senso comum" nassociedades dotadas de antagonismo de classes.

    A partir de tais elementos potencialmente explosivos queatravessam todas as dimenses da produo simblica de umaprxissocialmente dilacerada que surge, de um lado, o reconhecimentoda ideologia espontnea das classes dominadas e, de outro, apossibilidade de expanso da ideologia revolucionria a partirdaquela.12

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    Ao no compreender essa questo, Robert E. Park acabadefinindo o conhecimento produzido pelo jornalismo com um mero

    reflexo emprico e necessariamente acrtico, cuja funo somenteintegrar os indivduos no "status quo", situ-lo e adapt-lo naorganicidade social vigente. O jornalismo teria, assim, uma funoestritamente "positiva" em relao sociedade civil burguesa,tomada esta como referncia universal. Da mesma maneira que eletoma a noo de William James sobre o "conhecimento de trato"como um gnero de saber atravs do qual o indivduo reproduz a simesmo e ao sistema, ele supe que o jornalismo uma forma de

    conhecimento que realiza socialmente as mesmas funes. Nota-se,claramente, que o conceito de conhecimento, tanto num caso comono outro, est limitado ao seu sentido vulgar de "reflexo" subjetivode uma relao meramente operacional com o mundo, de umainterveno estritamente manipulatria.

    Tal acepo, como sobejamente sabido, foi transformadanuma categoria "respeitvel" da epistemologia pelo positivismo etransladada para a sociologia por Drkheim. Entretanto, se

    tomarmos o conhecimento como a dimenso simblica do processoglobal de apropriao coletiva da realidade, poderemos conceber ojornalismo como uma das modalidades partcipes desse processo e,igualmente, atravessado por contradies. Marx j indicou de formainequvoca que a atividade prtico-crtica dos homens est nocorao do prprio conhecimento e, por isso mesmo, no se podeestabelecer uma contraposio absoluta entre sujeito e objeto, entre apercepo e a coisa ou, se preferirmos, entre a atividade social que

    produz o mundo humano e os conceitos que desvendam o universo:"O defeito fundamental de todo o materialismo anterior - inclusive ode Feuerbach - est em que s concebe o objeto, a realidade, o atosensorial, sob a forma do objeto ou da percepo, mas no comoatividade sensorial humana, como prtica, no de modosubjetivo".13

    oportuno assinalar aqui, embora de passagem, que essatendncia em reduzir os fenmenos histricos concretos ao seu papel

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    "orgnico" no interior do sistema social, tal como fez Park emrelao ao jornalismo, encontra algum paralelo em vrias correntes

    da tradio marxista, especialmente no que tange s determinaesconsideradas superestruturais. Em Lukcs temos o conceitoproblemtico de "falsa conscincia'', que se ope a "conscincia declasse", entendida como "a reao racional adequada que, destemodo, deve ser atribuda a uma situao tpica determinada noprocesso de produo".14 Como sugere Adam Schaff, a conscinciaque existe realmente passa a ser uma "falsa conscincia", enquantoque a conscincia que no existe como algo efetivo no conjunto da

    classe torna-se a "verdadeira" conscincia de classe.15

    Resulta desse enfoque que a conscincia realmente existente,

    que pode ser detectada empiricamente nos indivduos em situaonormal, tem apenas um papel funcional de reproduo da sociedade.Noutras palavras: a conscincia revolucionria nasce de umapossibilidade objetiva dada pela estrutura e suas contradies, masno constituda (pelo influxo da teoria e da ao de vanguarda) apartir dos elementos e contradies originrias e sim como algo

    externo que anteriormente j existia em sua plenitude. A dialticaassim instaurada pressupe uma concepo ontolgica de naturezahegeliana, isto , sob a gide e a precedncia do conceito, o qual suposto em sua forma pura antes da dinmica concreta da realidade.

    A categoria central da crtica da cultura burguesa feita pelaEscola de Frankfurt, especialmente por Adorno e Horkheimer, quesugeriram a expresso "indstria cultural", a idia de manipulao.No capitalismo desenvolvido, todas as manifestaes culturais,

    orquestradas pela batuta mercantil, tornar-se-iam plenamentefuncionais ao sistema de dominao.

    Por outro lado, a tese de Althusser sobre os "aparelhosideolgicos de Estado", enfocando o mesmo problema sob, o ngulodas instituies que preservam a dominao de classe, odesenvolvimento lgico da concepo stalinista de que a base cria asuperestrutura para servi-la. Entendendo a histria como um

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    "processo sem sujeito", Althusser concebe as classes sociais como"funes" do processo de produo e, em conseqncia, os

    "aparelhos ideolgicos de Estado" so correias de transmisso que semovem num nico sentido: do todo para as partes.16 No de seestranhar, portanto, que Vladimir Hudec, jornalista e professortcheco afirme que a atividade jornalstica deve ser harmnica com"as leis objetivas do desenvolvimento social", estabelecendo dessemodo uma funcionalidade de carter estritamente ideolgico dojornalismo com leis naturais de progresso histrico.17

    Se o papel do jornalismo, para Hudec, se insere numaperspectiva dinmica, mesmo assim ele se torna um epifenmeno daideologia ou do conhecimento cientfico. No admitido como ummodo de conhecimento dotado de certa autonomia epistemolgica e,em virtude disso, um aspecto da apropriao simblica da realidade,o que implica alguma margem de abertura para a significao queele vai produzindo.

    A significao como probabilidade e liberdade

    Quando Park relaciona a notcia com a poltica, ele pareceultrapassar a noo do jornalismo como um fenmeno orgnico dosistema social considerado em sua positividade: "Se bemintimamente ligada a ambas, a noticia no Histria nem poltica.No obstante, o material que possibilita a ao poltica, distinguidade outras, formas de comportamento coletivo".18 O problema que oseu conceito de poltica est, como os demais, no quadro de umaconcepo funcionalista, o que lhe retira qualquer dimenso

    transformadora e propriamente histrica. Mas se colocarmos aafirmao de Park no contexto terico daprxis, tomando a histriano apenas como historiografia e sim como um processo deautoproduo ontolgica do gnero humano, e tomarmos a polticacomo a dinmica dos conflitos em torno da qualificao daprxissocial, o jornalismo vai se revelar sob nova luz. Vai aparecer, ento,em seu potencial desalienante e humanizador.

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    Quando as chamadas tendncias "ps-marxistas" dopensamento contemporneo19 caem na tentao de fazer a apologia

    das "pequenas comunidades" como nico meio dos indivduosreencontrarem sua "autonomia", essas correntes esto supondo que aliberdade individual em atribuir significao aos fenmenos, queemana da participao imediata na singularidade do mundo vivido,no pode encontrar sucedneo. A idia bsica que o indivduo nopode ser sujeito efetivo e integral atravs das mediaes criadas peloaparato tcnico-cientfico a que do o nome, em alguns casos, de"heteronomia" em oposio "autonomia", que seria realizvel

    atravs da vivncia imediata.20

    Tais concepes esbarram, em primeiro lugar, nas evidncias

    de um mundo humano j universalmente constitudo, cujo complexode mediaes no parece passvel de regresso.21 Em segundo lugar,como indicou Marx, a humanidade s se coloca problemas quando,potencialmente, j existem as condies para equacion-los. Aimprensa, e mais intensamente os meios eletrnicos de comunicaode massa, representam os termos dessa equao. O jornalismo, como

    estrutura especfica de comunicao que da se origina, inserida noprocesso global do conhecimento, a modalidade por excelnciaque, no dizer de Violette Morin, encerra virtudes cuja intensidadepoder um dia rivalizar com a j conhecida dimenso de seus"vcios". Por isso, a metfora da "aldeia global" de McLuhan,expurgada de todas as sobreposies e ilaes de carterpublicitrio-imperialista que lhe atribui o autor, deve sercriticamente recuperada pelo pensamento humanista e

    revolucionrio.22

    nessa perspectiva que o jornalismo se impe, de maneira

    angular, como possibilidade dos indivduos em participar do mundomediato pela via de sua feio dinmica e singular, como algosempre incompleto, atribuindo significaes e totalizando demaneira permanente como se estivessem vivendo na imediaticidadede sua aldeia.

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    O contedo dinmico implcito na idia de singularidade,confere uma caracterstica evanescente notcia. Do ponto de vista

    estritamente jornalstico, realmente "nada mais velho do que umanotcia de ontem", se no for reelaborada com novos dadosconstituindo outra notcia: a de hoje.

    Assim, a importncia de um "fato" enquanto notcia obedece acritrios diferentes em relao aos utilizados na hierarquizao feitapelas cincias sociais ou naturais, de um lado, e pela arte de outro.Nas cincias, os fatos ou eventos so relevantes medida que voconstituindo a universalidade.23 Quanto arte, os fenmenos que acompem so significativos na exata proporo de sua ambigidadeenquanto realidades irrepetveis (singulares) e, ao mesmo tempo,enquanto representao "sensvel" da universalidade social ondehistoricamente esto situados e com a qual esto inevitavelmentecomprometidos.24 O jornalismo no produz um tipo deconhecimento, tal como a cincia, que dissolve a feio singular domundo em categorias lgicas universais, mas precisamentereconstitui a singularidade, simbolicamente, tendo conscincia que

    ela mesma se dissolve no tempo. O singular , por natureza,efmero. O jornalismo tampouco elabora uma espcie derepresentao cujo aspecto singular arbitrrio, projetadosoberanamente pela subjetividade do autor, tal como acontece naarte, onde o tpico o eixo fundamental de contato com a realidade.O processo de significao produzido pelo jornalismo situa-se naexata contextura entre duas variveis: l) as relaes objetivas doevento, o grau de amplitude e radicalidade do acontecimento em

    relao a uma totalidade social considerada; 2) as relaes esignificaes que so constitudas no ato de sua produo ecomunicao.

    O sujeito e o objeto: a dupla face do real

    A complexidade do fato jornalstico decorre da contradioinerente produo do prprio mundo social. Essa contradionasce da relao axiomtica do sujeito com o mundo objetivo, na

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    naturalmente, pela sociedadepositivamente considerada, isto ,alheia autoproduo de sua prpria essncia.

    A questo da qualidade da informao que decorre, comovimos, da subjetividade e da liberdade que a histria encerra,ultrapassa a noo de sistema e se liga ao conceito de totalidadeconcreta, ao todo considerado em processo de totalizao objetiva esubjetiva.27

    O significado social de uma informao jornalstica estintimamente relacionado tanto ao aspecto quantitativo quanto ao

    qualitativo. Um evento com probabilidade prxima de zero jornalisticamente importante mesmo que no esteja vinculado scontradies fundamentais da sociedade. Por exemplo, um homemque conseguisse voar sem qualquer tipo de aparelho ou instrumento.

    Um evento de elevada probabilidade, como novas prisespolticas no Chile de Pinochet, significativo e importante emvirtude de seu enraizamento amplo e radical num processo queexpressa tendncias reais do desenvolvimento social. A significao

    desse fato, seria desnecessrio acrescentar, depende tambm doaspecto subjetivo: a solidariedade ou oposio as tendncias epossibilidades nas quais os eventos esto inseridos. Aqui entra nos a margem de importncia que ideologicamente atribuda aosfatos, como tambm um espao determinado de arbtrio ideolgicopara a prpria significao em termos qualitativos. As novas prisesno Chile de Pinochet, para os jornais do governo chileno, podemsignificar que o regime est disposto a "manter a ordem e a

    segurana dos cidados". Para um jornal liberal podem representar"mais um ato de arbtrio de um governo sem legitimidade". Naspginas de um jornal de esquerda podem significar que "est seampliando a resistncia revolucionria do povo chileno".

    Em que pesem algumas sugestes criativas de Robert E. Park,as bases funcionalistas do referencial terico que ele adota e,inclusive, suas opinies explcitas sobre a "funo" da notcia, nodeixam qualquer dvida sobre o contedo conservador e limitado de

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    foras produtivas dos meios de comunicao do que todas ascomisses ideolgicas do PUCS em suas interminveis resolues e

    diretrizes. Incapaz de formular qualquer teoria, McLuhan noconsegue dar sentido a seu material, estabelecendo-o comodenominador comum de uma reacionria doutrina de salvao. Sebem que no seja seu inventor, pelo menos foi o primeiro queexpressamente formulou uma mstica dos meios de comunicao,mstica essa que transforma em fumaa todos os problemaspolticos, iludindo seus seguidores. A promessa dessa mstica asalvao da humanidade atravs da tecnologia da televiso, e

    precisamente dessa que se pratica hoje em dia. O intento deMcLuhan, ao tentar virar Marx pelo avesso, no exatamente algode novo. Partilha, com seus numerosos antecessores, da deciso desuprimir todos os problemas da base econmica, e do intuitoidealista de minimizar a luta de classe no azul celeste de um vagohumanismo. Tal e qual um novo Rousseau - dbil reflexo, comotodas as cpias - proclama o evangelho dos novos primitivos,convidando volta a uma existncia tribal pr-histrica na 'aldeiaglobal', se bem que em um nvel mais elevado". In:ENZENSBERGER, Hans-magnus. Elementos para uma teoria dosmeios de comunicao. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978.(Biblioteca Tempo Universitrio) p.116. Ver tambm:FINKELSTEIN, Sidney.McLuhan: a filosofia da insensatez. Rio deJaneiro, Paz e Terra, 1969.23)Deve-se fazer uma resalva para a discusso que se trava em tornoda Antropologia, sobre suas tendncias universalizantes eparticularistas. Mesmo quando a antropologia busca a reconstituio

    especfica de realidades sociais particulares, ela parece faz-loatravs de um processo terico que visa apreender a concreticidadedos fenmenos estudados por um movimento de dupla direo: deum lado, a especificao do objeto, de outro a revelao dasuniversalidades que o compem intimamente. At a histria, queprecisa fazer o mais completo inventrio dos acontecimentossingulares, deve faz-lo sob o prisma da universalizao dosconceitos e categorias capazes de estabelecer nexos e dar sentido aos

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    fatos. "Disseram que a fsica se ocupa da queda dos corpos, e zombadas quedas dos corpos singulares, a queda de cada folha a cada

    outono. enquanto a histria se ocupa dos fatos singulares. um erro,pois, o que corresponderia queda de cada folha no oacontecimento histrico, como por exemplo, o casamento no sculoXVII ou em outros, mas sim o casamento de cada um dos sditos deLus XIV . . . Ora, a Histria se ocupa disso tanto quanto a Fsica daqueda de cada um dos corpos . . ." In: VEYNE, Paul. O inventriodas diferenas / Histria e sociologia, So Paulo, Brasiliense, 1983.p.52.

    24)25)26)27)28)

    CAPTULO IV

    Do funcionalismo teoria geral dos sistemas

    A idia de sistema tem uma longa histria nas cincias sociais.Iniciando pela analogia mecnica, a sociologia percorreu modeloscada vez mais complexos, passando por Herbert Spencer (orgnico)e algumas verses funcionalistas mais elaboradas, chegando analogia ciberntica e aquilo que tem sido denominado "Teoria dosSistemas" ou "Teoria Geral dos Sistemas".1

    Os adeptos dessa teoria advogam que se trata de umaverdadeira revoluo nas cincias sociais, medida que o modelociberntico implicaria algo novo, derivado diretamente denecessidades tcnicas e descobertas cientficas que convergem paraa idia de totalidade. Em parte, de fato, cabe-lhes razo. A crescenteintegrao do aparato tecnolgico e das determinaes econmicasda sociedade contempornea, cada vez mais articulados einterdependentes, exige que os processos sejam abordados emconjunto, como uma totalidade complexa, e no mais como uma

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    Norbert Wiener percebeu, com a ciberntica, que estava sendodesencadeado um processo de conseqncias previsveis em termos

    de automao, mas imprevisveis em diversos campos da sociedade.De qualquer modo, observou que seus efeitos seriam profundos edefinitivos na histria humana, tanto na relao dos homens entre sicomo na relao da sociedade com a natureza. Wiener chegou aobservar que os processos de comunicao assumiriam um pesocrescente nos padres de comportamento e no sistema social comoum todo.4 Podemos dizer, hoje, que ele no exagerou nasperspectivas apontadas.

    Partindo, tal como fez Wiener, da semelhana (em certosaspectos considerados fundamentais) entre os homens e as mquinasde informao - e tomando as diferenas apenas como graus decomplexidade estrutural ou organizacional - a Teoria dos Sistemasprope categorias de anlise que, efetivamente, so mais flexveisque os modelos anteriormente utilizados pela sociologia de tradioempirista e positivista. Trata-se de uma proposta que possui tantouma dimenso filosfica (embora no se reconhea explicitamente

    como filosofia), como uma dimenso metodolgica e operatria.Nesse sentido, conforme alguns de seus defensores, seria um

    prolongamento da tradio dialtica na busca de uma racionalidadetotalizante, mas com um rigor e uma preciso que as dialticashegeliana e marxista no teriam conseguido atingir. Essa tese,entretanto, apenas uma auto-iluso terica do "sistemismo", pois adialtica hegeliana-marxista concebe uma teleologia de outra ordem.Considera que os fins da sociedade no decorrem das propriedades

    universais dos sistemas, mas so produzidos na prpria histria. Nocaso de Hegel, como realizao e revelao do "Esprito Absoluto"que subjaz atividade histrica dos homens. Para Marx, comoresultado da prxis, atravs de homens concretos e reais, emconsonncia com as tendncias que nascem da vida material e de suanecessria reproduo.

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    O problema central da Teoria dos Sistemas o "controle" dosfenmenos complexos, considerados multidimensionais,

    infinitamente variveis e auto-regulveis. Trata-se de umametodologia sustentada por um conjunto de teorias de alcance gerale mdio que procura, atravs de categorias analticas, dar conta,cientificamente, dos fenmenos referidos. Descobrir os princpios eleis gerais de todos os sistemas, seja qual for sua natureza oucomposio especial, constitui sua meta primordial. Nessa busca deidentificao de fenmenos e processos to dspares, a tentativa deproduzir modelos matemticos possui importncia decisiva, pois

    significa um meio efetivo de encontrar a objetividade comum adiversos campos da realidade.

    H duas noes bsicas envolvidas nessa teleologia inerenteaos sistemas: a integridade e a funcionalidade. A partir delas,considerando a sociedade humana como um "sistema scio-cultural", poderamos, ento, extrair certas conseqncias tericas eprticas no campo da sociologia. A conseqncia terica maisimportante a reduo ontolgica efetuada na histria e na

    sociedade, que passam a ser enfocadas como processosexclusivamente objetivos. Estaro presentes, ento, as premissasfundamentais da epistemologia positivista e de uma sociologiacoerente com a tradio do funcionalismo.

    A teoria dos sistemas e a dialtica

    Tomemos, inicialmente, a semelhana fundamental entre oshomens e as mquinas de informar, apontada por Wiener e

    reconhecida como pressuposto metodolgico pela Teoria dosSistemas. O paradoxo implcito nessa tese foi indicado por RaymondRuyer:

    "O paradoxo resulta claro, no entanto, ao compararmos asduas teses enunciadas por N. Wiener. A primeira delas a de que asmquinas de informao no podem ganhar informao: no h,nunca, mais informao na mensagem que sai de uma mquina doque na mensagem que lhe foi entregue. Praticamente, haver menos,

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    Os sistemas biolgicos so escravos da gentica, dos instintos que aexpressam e confirmam, e da probabilidade a que so redutveis. Os

    sistemas produzidos artificialmente pelos homens no possuem umsentido "enquadrante", como acontece com os indivduos e asociedade, mas um sentido "enquadrado" por estes. Ou seja, tanto ossistemas biolgicos como os artificiais no se autoproduzem, comototalidades conscientes que, atravs da histria, constrem o seuprprio "sentido". Os sistemas biolgicos ou as mquinas deinformao apenas se reproduzem como realidades j dotadaspreviamente - respectivamente pela natureza ou pelos homens - de

    um sentido que as submete e direciona.O "princpio da totalizao", tal como entendido na Teoria

    dos Sistemas, pretende um enfoque estritamente objetivo,independente do homem como sujeito. Vejamos o que diz KarelKosik:

    "0 ponto de vista da totalidade concreta nada tem em comumcom a totalidade holstica, organicista ou neo-romntica, que

    hipostasia o todo antes das partes e efetua a mitologizao do todo.A dialtica no pode entender a totalidade como um todo j feito eformalizado, que determina as partes, porquanto prpriadeterminao da totalidade pertencem a gnese e odesenvolvimento da totalidade, o que, de um ponto de vistametodolgico, comporta a indagao de como nasce a totalidade equais so as fontes internas do seu desenvolvimento e movimento. Atotalidade no um todo j pronto que se recheia com um contedo,com as qualidades das partes ou com suas relaes; a prpria

    totalidade que se concretiza e esta concretizao no apenascriao do contedo mas tambm criao do todo". E mais adiante:"A criao da totalidade como estrutura significativa , portanto, aomesmo tempo, um processo no qual se cria realmente o contedoobjetivo e o significado de todos os seus fatores e partes".9

    O "princpio da totalizao" que prope a Teoria dos Sistemasno o mesmo da dialtica, pois elimina o homem como sujeito da

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    histria ao invs de confirm-lo. Ao igualar qualitativamente todasas totalidades (inclusive a sociedade humana) enquanto sistemas, a

    "totalizao", neste caso, aponta para uma compreenso estritamenteformal e objetivista da realidade, ficando abolido o prprio sujeitoque realiza a totalizao pelo pensamento. Se o capitalismo umsistema integrado e articulado que tende a reproduzir-se margemde fins humanos conscientemente definidos, nem por isso a histria,enquanto totalidade que possui um passado e futuros possveis, podeser reduzida ao automatisrno sistmico desse modo de produo.Voltemos a nos socorrer de Kosik:

    "O homem existe sempre dentro do sistema, e como sua parteintegrante reduzido a alguns aspectos (funes) ou aparncias(unilaterais e reificadas) da sua existncia. Ao mesmo tempo, ohomem est sempre acima do sistema e - como homem - no podeser reduzido ao sistema".10

    verdade que o princpio de auto-regulao e orientao-para-fins, que constitui um dos pressupostos da Teoria dos Sistemas,

    implica a tendncia que se manifesta em todos os sistemas e,inclusive, no "sistema scio-cultural". Entretanto, a generalidade,aqui, esconde uma omisso fundamental. Seria como dizer que aessncia do homem o fato dele ser dotado de vida. Teramos,ento, qualitativamente falando, a concluso de que os homensdiferem das plantas, dos insetos e dos lobos apenas em grau decomplexidade biolgica. Retornaramos, desse modo, a uma formade materialismo primitivo e ingnuo. A auto-regulao na sociedadehumana no se esgota em fins que possam ser apreendidos de

    antemo. Os fins humanos na histria no podem ser reduzidos mera auto-regulao e reproduo do "sistema scio-cultural".

    Em sntese, a Teoria dos Sistemas dilui a especificidadequalitativa da sociedade humana. A histria fica prisioneira de umcrculo vicioso: os fins se explicam pelo sistema, que se explica pelaauto-regulao, que, tal como um cozinho que morde o prpriorabo, explica os fins...

  • 8/6/2019 O Segredo da Pirmide - Jornalismo e Marxismo - A Genro Filho

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    Por outro lado, a mtua reduo entre informao eprobabilidade, realizada pela Teoria da Informao, adquire outro

    sentido no contexto das relaes constitudas naprxis humana. Parao homem, um ser que se constri criticamente, a conscincia daprobabilidade, sendo um aspecto do ato cognitivo propriamente dito, apenas um pressuposto do ato prtico. O pressuposto daciberntica a unidade existente entre os sistemas antientrpicos, deum lado, e, de outro, todo o restante do universo dotado de entropiapositiva. Desvendando assim, abstratamente, uma contradiosumamente importante, entre uma poro da realidade que, dentro

    de certos limites, tende para manter e reproduzir sua auto-organizao, e o restante do universo que caminha pra adesorganizao e o caos. Trata-se, certamente, de uma teoria queabrange aspectos bastante amplos da realidade, retomando umaunidade que foi sendo perdida pela particularizao divergente dasespecialidades cientficas. No h como subestimar a importncia ea amplitude das descobertas patrocinadas pela ciberntica em todosos campos da cincia e, muito menos, dos avanos tcnicos que elapotencializa.

    No entanto, o universo antientrpico no contnuo, possuindouma ruptura que, do ponto de vista filosfico, mais essencial doque sua contradio com o universo em decadncia. Trata-se dofenmeno humano que, dotado de conscincia, elevou-se acima domundo fsico, da objetividade em geral, no s porque capaz depensar esse mundo, mas igualmente de produzi-lo como realidadeapropriada, como realidade humana e humanizada.

    Logo, o que explica a realidade no a "totalidade sistmica" esim a "totalidade de concreta" no a "informao" e sim a "prxis".Essas so as categorias que expressam o axioma terico fundamentalpara desvendar o mundo e suas conexes mais gerais. Aprxisexpressa a sntese mais profunda da relao entre o homem e ouniverso, na medida em que capta tanto