O SABER E A SUBJETIVIDADE FRANCISNILDE DA SILVA · presunçosas de seu Saber como no entardecer da...

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O SABER E A SUBJETIVIDADE FRANCISNILDE DA SILVA BRASÍLIA 2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O SABER E A SUBJETIVIDADE

FRANCISNILDE DA SILVA

BRASÍLIA

2009

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FRANCISNILDE DA SILVA

O SABER E A SUBJETIVIDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Docência para o Ensino Superior.

BRASÍLIA

2009

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DEDICATÓRIA

Ao amor que torna-nos melhores. Quando busca a essência, transcende a Ciência; acalenta e acalma; Incentiva, alimenta a alma. A todos que praticam o amor; constroem e vão para a eternidade; deixam a saudade. A lição da fé. Uma pessoa especial; uma mulher. Doce; Prendada; Vozinha Marina, muito amada. (FRANCISNILDE MIRANDA DA SILVA)

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais que me conduziram pelo caminho do bem e do amor na busca do conhecimento na Universidade da Vida; Ao Luan, meu presente divino pela alegria que emana e preenche os meus dias (FRANCISNILDE MIRANDA DA SILVA)

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RESUMO

Por meio da pesquisa bibliográfica, este estudo tem como objetivo refletir numa ótica foucaultiana sobre regimes de verdades; práticas e discursos pedagógicos que constituem a subjetividade dos indivíduos, encontrando-se uma problematização foucaultiana a respeito de como a pessoa humana se fabrica no interior de certos aparatos de sujeição, relacionando a universidade como produtora de verdades, com as quais se constrói e modifica a experiência que os indivíduos têm de si mesmos, exemplificando mecanismos que “transformam os seres humanos em sujeitos”. O discurso - prática educacional, tão bem sustentado pelas Ciências Humanas, está profundamente envolvido na administração de pessoas. São as Ciências Humanas que moldam e produzem os sujeitos. As Ciências Humanas representam práticas importantes na construção da arte de governar. As universidades, quando se arroga o monopólio do saber e o direito de conferir licenças para o exercício profissional, torna-se cúmplice das elites oligárquicas. Trata-se aqui da elaboração de determinada forma de problematização dos aparatos pedagógicos orientados para a construção da subjetividade.

Palavras chave: saber, subjetividade, ótica foucaultiana, regimes de verdades.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 7

CAPÍTULO 1 A RAZÃO E A VERDADE ........................................................ 10

CAPÍTULO 2 A UNIVERSIDADE E O SABER ............................................... 14

CAPÍTULO 3 AS CIÊNCIAS HUMANAS E OS REGIMES DE VERDADE ...... 22

CAPÍTULO 4 A METODOLOGIA .................................................................. 36

CONCLUSÃO ............................................................................................... 37

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 40

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INTRODUÇÃO

A dimensão mais geral da relação entre o Saber e a

Subjetividade que este trabalho pretende reconsiderar se relacionar com as

teorias e práticas que fabricam a Pessoa Humana no interior de aparatos de

sujeição.

É objetivo desta pesquisa refletir numa ótica foucaultiana sobre

regimes de verdades; práticas e discursos pedagógicos que constituem a

subjetividade dos indivíduos.

Ao falar a “verdade” sobre o ser humano por meio dos refinados

conceitos das Ciências Humanas, constrói-se ao homem; ele constrói sua

própria identidade nos atos de fala. Por meio da função performativa da fala,

então, o ser humano começa a construir a si mesmo. É a construção de um

‘eu’ que deve ser conhecido por meio das Ciências Humanas. Cuidar do

próprio ‘eu’ passou a significar ajustar-se ao exterior com um conjunto de

“verdades” que, ao serem aprendidas, memorizadas e progressivamente

postas em prática, constroem um sujeito com certo modo de ser e certa

maneira de agir.

O que caracteriza o ofício acadêmico é exatamente de que suas

afirmações, fruto do ensino e da pesquisa, sejam tão verdadeiras quanto

possível, fundamentadas nas provas mais metodicamente reunidas e

analisadas, sustentadas pelas Ciências.

Como fica a missão democrática e o conteúdo ético do trabalho

docente? É preciso conhecer o status ambíguos sujeito/objeto que,

necessariamente, se ocupa como professores e, continuamente, testar e

prevenir os efeitos sobre o ser humano, assim como sobre os outros, do

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discurso utilizado:

“Somos forçados a produzir a verdade do poder que a

sociedade exige... nós devemos falar a verdade; somos constrangidos ou

condenados a confessar ou descobrir a verdade” (FOUCAULT, 1974, p. 93).

O poder institucionaliza, profissionaliza e recompensa a busca

da verdade. Ela quem faz as leis!

Tem-se concedido um status profissional, científico e intelectual

àqueles que estão encarregados de dizer o que conta como verdade o Saber

que constitui o homem, representando a questão central deste trabalho.

Foucault (1974) via as tecnologias da dominação do ‘eu’ como

técnicas usadas para fazer do indivíduo um elemento significativo para o

estado. Processos utilizados pelas universidades (centros do saber), onde se

constituem as verdades a respeito dos indivíduos, a partir das Ciências

Humanas.

A Universidade apresenta uma insistência histórica de ficar à

margem das grandes aventuras do homem. O caso do Renascimento é

exemplar. Nunca, antes do atual tempo, as Universidades foram tão

presunçosas de seu Saber como no entardecer da Idade Média.

Em relação à noção de competência, Chauí, 1980, pondera:

“Creio que a universidade tem hoje um papel que alguns não querem

desempenhar, mas que é determinante para a existência da própria

universidade: criar incompetentes sociais e político” (CHAUÍ, 1980, p. 111).

Pensar no compromisso filosófico do docente é pensar no

significado do ato de ensinar e aprender: pensar a relação Sujeito e Objeto,

distinguir o Conhecer e o Saber.

Chauí (1980) comenta a respeito do termo ‘conhecer’:

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(...) conhecer é apropriar-se intelectualmente de um campo dado de fatos, ou de idéias que constituem o Saber estabelecido; pensar é enfrentar pela reflexão a opacidade de uma experiência nova cujo sentido ainda precisa ser formulado e que não está dado em parte alguma, mas que precisa ser construído pelo trabalho de reflexão sem outra garantia senão o contato com a própria experiência. O conhecimento se move na região do instituído e o pensamento na do instituinte (CHAUÍ 1980, p. 124).

A universidade brasileira está encarregada nesta última forma

de instrumentalização da cultura; ela reduz toda esfera do Saber à do

conhecimento, ignorando o trabalho do pensamento, limitando seu campo ao

do saber constituído e nada mais fácil do que dividi-lo, dosá-lo e quantificá-lo,

em uma palavra. Enfim, administrá-lo.

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CAPÍTULO 1 A RAZÃO E A VERDADE

Precedida pela Filosofia Moderna, a Filosofia das Luzes, ou

iluminismo, surge no Século XVIII e se desenvolve como um momento de culto

à Razão. Os rudimentos desse movimento encontram-se em pensadores como

Erasmo Rotterdam e Maquiavel, pois suas obras abalaram a mentalidade

medieval. Soma-se a essa influência o pensamento científico de Galileu e o

Racionalismo de Descartes. A consequência desse movimento é um abalo

estrutural no mundo estático do dogma cristão e do aristotelismo, gerando um

movimento que o transforma radicalmente, produzindo um novo modo de

compreender o mundo.

Os iluministas organizaram a Enciclopédia, projeto que buscou

catalogar todo o conhecimento humano a partir dos novos princípios de Razão.

Esta característica humana (Razão) passa a ser considerada o supremo

critério de valor, eliminando os preconceitos e as superstições por meio das

descobertas das ciências, do desenvolvimento das artes e da adequação

moral à nova realidade.

O otimismo iluminista declarava sua fé no progresso e na

evolução. Aqui, as Ciências ganham status de conhecimento seguro

associadas com a noção de evolução. O critério primeiro defendido pelos

iluministas assevera que cada pessoa deveria pensar por si própria e não

deixar levar por ideologias das quais, mesmo discordando, eram obrigados a

seguir. Pregavam uma sociedade livre, com possibilidade de transição de

classes e oportunidades iguais.

Atravessando o Século XIX, a luminosidade destas idéias vai se

arrefecendo frente a uma nova escravização do ser humano: o poder

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econômico. Os ideais burgueses, conquistados e garantidos pela nova ordem

de pensamento, suscitam uma organização social muito distante daquela

almejada pelos filósofos das luzes. O desenvolvimento e a evolução

tecnológica e cultural fixam uma nova irracionalidade e o homem, liberto das

superstições e crenças, assume novos padrões de sujeição em detrimento da

autonomia tão acalentada no século anterior.

Em Hegel, a razão iluminista se vê convertida no Espírito

Absoluto e atravessa os palcos da história como protagonista de um enredo,

cuja evolução garante sempre um avanço da humanidade. O homem deve se

sujeitar à astúcia da Razão e aceitar o seu papel de coadjuvante de uma

História, no qual os efeitos humanos são narrados como a concretização do

movimento dialético do Ser.

Acerca da racionalidade, Friedrich Nietzsche rompe

agressividade com a ideia básica do iluminismo. A Razão humana não almeja

o conhecimento em virtude de conquistas morais e para a evolução da

humanidade. Ao contrário, o conhecimento estabelece-se como uma relação

estratégica em que o homem se acha situado. A Razão não é mais concebida

como uma possibilidade de encontro com a Verdade, o bem e a justiça e seus

status de critério objetivo, pautado na Subjetividade, representa, por outro

lado, somente a moral de rebanho que dissolve o Indivíduo numa totalidade

abstrata.

Karl Marx, por sua vez, em sua análise da racionalidade,

demonstra que o ideal iluminista de emancipação intelectual e consequente

domínio das próprias idéias é praticamente irrealizável, pois existe um poder

invisível que obriga o pensamento a aceitar ideias alheias como se fossem

concebidas pelo próprio indivíduo. Este poder é denominado Ideologia e

suprime a percepção da manipulação dos fatos, assim como modela a própria

vontade, permitindo os ideais das forças dominantes e fazendo a maioria se

submeter a uma realidade edificada por poucos.

Ao despontar do Século XX, a Razão esbarra, novamente, em

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critérios individuais, recebendo mais um abalo em suas categorias objetivas. É

Freud quem estremece os fundamentos, já mal sustentados, da capacidade

racional de concretizar um mundo sob a égide dos iluministas. Os desejos e os

anseios particulares são reivindicados por Freud como fonte movedora do

homem: “A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é

válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz.” Portanto, a vida em

sociedade se efetiva, somente, por meio de alguns mecanismos, cuja função é

produzir ilusões acerca da justiça e da igualdade. Assim, a confiança iluminista

na capacidade racional em se libertar da crença e da ilusão parece sucumbir

ante as postulações freudianas.

O positivismo, filho mais jovem do iluminismo, contribui para o

avanço na área de Ciências Humanas com a introdução de novos conceitos,

métodos e modelos das Ciências Naturais, e as respectivas aplicações à

história das descobertas dessas Ciências. A observação permite conhecer a

realidade para saber o que acontecerá a partir das ações do homem, de modo

que o ser humano possa melhorar sua realidade, ou nas palavras de Auguste

Comte, idealizador do positivismo: “Saber para prever a fim de prover.” E,

novamente, a Razão, embora restritamente, retoma o lugar de honra.

Há várias correntes de pensamento que podem ser

consideradas como neopositivista. A de maior destaque é a do círculo de

Viena, surgida no início do Século XX, na Áustria. A filosofia dos

neopositivistas ou positivistas lógicos estrutura-se em torno da ideia da

verificabilidade, isto é, qualquer conhecimento só pode ser considerado como

verdadeiro se experimentado na realidade.

O Círculo de Viena não era formado apenas por filósofos; havia

também economistas, matemáticos e representantes de outras áreas do Saber

que compartilhavam o interesse de pensar e promover as Ciências mais

avançadas da época.

No Brasil, os positivistas são vistos como retrógrados e de

direita. Os neopositivistas eram socialistas, de esquerda. Faziam, inclusive,

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elogios ao Marxismo e à Psicanálise, que consideravam teorias científicas da

sociedade e do ser humano.

O verificacionismo, base do pensamento neopositivista, é uma

tese ao mesmo tempo epistemológica, semântica e linguística. “O significado

de uma frase é o seu método de verificação. A ideia é: tudo o que se diz do

ponto de vista do conhecimento tem se verificado na experiência” (SHILS,

2001, p. 134).

Desde a composição química de uma estrela até como foi feita

a colonização da América, todos os supostos conhecimentos têm de ter

indícios ou provas que os sustentem. Caso contrário, são considerados

desprovidos de significado cognitivo. SHILS (2001) explica que isso é diferente

de dizer que não há significado algum: “Não é considerado conhecimento,

porque não tem significado cognitivo, mas pode ter significado poético ou

religioso” (SHILS, 2001, p. 97).

Por outro lado, munidos de um potente arcabouço teórico, um

grupo de pensadores ataca, bravamente, a idealização da Razão e funda uma

contracorrente, mirando certeiramente seus argumentos e legitimando uma

transformação emergente nos paradigmas referentes à Racionalidade. Para os

filósofos da Escola de Frankfurt, a Razão, ou mais precisamente, a Razão

Instrumental por meio da qual o Saber é transmitido, é a encarregada da

opressão dos desejos individuais, aqueles apontados por Freud, e a Educação

Formal revela-se como fonte de coerção. Adorno e Horkheimer definem o

iluminismo como uma forma de Totalitarismo: não, obviamente, como resultado

de forças políticas e estruturas de poder, mas porque a Razão ocidental é,

naturalmente, Totalitária, haja vista sua capacidade de exploração da Natureza

e do Homem.

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CAPÍTULO 2 A UNIVERSIDADE E O SABER

Depois de ajudar na transição para o Renascimento, sem levar

a Renascença até o final, a universidade praticamente se recusou a ser

instrumento do salto que o final do Século XVII representou.

Depois de ser o centro de geração do pensamento novo, a

Universidade ficou marginalizada da inovação técnica. Prisioneira de seu

currículo, de sua estrutura, de suas cátedras, de seu passado, a universidade

desprezou a transição, recusou ser inventiva, perdeu, por algum tempo, o

destino. E com isso deixou de ser a inventora do mundo técnico do Século XX.

Embora andassem pelas Universidades, delas não foram

produtos institucionais homens com Galileu, entre outros, que ousaram levar a

aventura do pensamento contra as verdades que elas e a igreja defendiam.

A universidade, quando se arroga o monopólio do Saber e o

direito de conferir licenças para o exercício profissional, torna-se cúmplice das

elites oligárquicas, buscam erguer muralhas em torno dos seus privilégios e

dos centros de poder que ocupam. Uma dessas muralhas é o diploma

universitário, que, ao se vulgarizar, exige diplomas sobre diplomas, doutorados

sobre doutorados, peagadês sobre peagadês.

A Universidade viveu historicamente momentos de euforia do

trabalho realizado e de tédio da aceitação do saber dogmático. É a crise que

mostrará a necessidade de uma reorientação do conhecimento e da realidade

do mundo à qual este conhecimento serve.

Mesmo que não tenha originado da Universidade uma parte

considerável do novo pensamento, mesmo que sua história apresente um

constante ziguezague entre a ruptura e a conservação do pensamento

estabelecido, nos momentos em que o Saber se renova, em que a sociedade

muda, que a universidade deve cumprir mais plenamente o seu papel: realizar

seu destino e legitimar-se diante do mundo.

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Segundo Buarque (1994), a crise do mundo atual facilita e exige

um novo papel para a universidade. A crise atual apresenta uma contestação

simultânea dos objetivos de utilização do pensamento e do próprio método

empregado para criar o pensamento.

Para Gore (1994),

Há um mal estar institucional na universidade diante do qual não podemos ficar indiferentes. Parece-me que um bom caminho a seguir, nesse caso, é colocar novamente a questão da universidade, indagar-se sobre o seu sentido, buscar formas de reorganizá-la e pensá-la coletivamente. A crise é tão profunda nessa instituição que os seus membros nem sequer estão dispostos a discuti-la como questão, como se fazia há duas décadas. É ainda mais grave porque não há consciência da própria crise ou se passa indiferente diante dela (GORE, 1994, p. 45).

Nos últimos trinta anos, houve crescimento vertical das

Instituições de Ensino Superior (IES) privadas no Brasil, com o propósito de

atender aos educandos que necessitavam de educação superior, cujo Estado

não conseguia suprir, levando a questionar se a qualidade acompanhou este

crescimento.

Inseridas no contexto acima citado, estão atribuições éticas do

professor universitário e os “regimes de verdade”: tem-se concedido um status

profissional, científico e intelectual aos que estão encarregados de dizer o que

conta como verdade ‘o Saber’ que constitui o homem, representando a

questão central deste trabalho.

A tarefa primordial da profissão acadêmica é a aquisição e

transmissão de conhecimento: receber, assimilar e descobrir por meio do

estudo metódico.

Apesar de a especialização numa área de conhecimento e a

pesquisa ainda estarem em primeiro plano, a procura de docentes com

formação pedagógicas e técnico-prático começa a despontar, tornando-se uma

realidade nos cursos de graduação e pós.

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O impressionante aumento quantitativo tanto no corpo discente

quanto no docente das IES tornou difícil manter o tipo de relações entre alunos

e professores e entre colegas.

A universidade surgiu como contemporânea de uma transição,

no momento em que a Europa dos dogmas e do feudalismo iniciava seu rumo

ao renascimento do conhecimento e à racionalidade científica e consolidação

do capitalismo. A universidade foi instrumento da criação do “novo” Saber, que

servia ao “novo” mundo; o conhecimento da filosofia clássica dos gregos foi

redescoberto nos conventos por obra de judeus e muçulmanos.

Na origem da universidade, estava a transição da humanidade

de uma etapa para outra e, ao longo dos séculos seguintes, emergiu da

universidade grande avanço do conhecimento. Sem ela, não teria sido possível

a subversiva incorporação do pensamento grego na vida intelectual do

ocidente cristão. Para isso, ela própria fez uma revolução na organização do

saber e dos métodos de ensino.

A Renascença se origina nas universidades, mas ocorre fora

delas. Presa à estrutura que criou ao longo de seus primeiros séculos, a

universidade não foi a casa dos descobridores e conquistadores, nem dos

grandes pintores e inventores da Renascença.

A universidade, criada para se livrar dos dogmas, avançou nos

métodos interpretativos, nos conhecimentos filosófico e científico inicial, mas

se estancou quando este pensamento precisou ir além do que os gregos

tinham criado.

Conforme Buarque (1994),

A revolução da modernidade passou pela universidade, que consolidou a liberdade da ciência em relação aos mitos e normas religiosas. Mas a universidade não se transforma, e,

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mais uma vez, é superada pelos acontecimentos, demonstrando incapacidade de acompanhar a dinâmica do mundo. (BUARQUE, 1994, p. 24).

As grandes estruturas universitárias do mundo moderno podem

ser definidas como produto residual da sociedade, compreendidas como

resultantes de sequências históricas singulares.

De promotora do Saber, em poucos séculos a universidade se

transformou não apenas em conivente como também na investigadora de

tentativa de impedir o avanço do conhecimento. Foi à margem da universidade

que se encontraram os grandes criadores da modernidade. A filosofia moderna

se fez fora da universidade. Francis Bacon, na Inglaterra, também lutou contra

a universidade, qualificando-a de “cárcere de seus professores, onde não há

lugar para as ciências”. Da mesma maneira que não estavam na universidade

os grandes nomes da Renascença, também não ocupavam suas fileiras os

inventores do Século XX. A Universidade já era científica, mas não conseguia

ser inventiva. Ao longo de todo o século, os grandes criadores nas artes e nas

letras foram pessoas de fora da universidade: Freud, Einstein e Marx são

exemplos.

A partir dos anos 30, a universidade assumiu o papel de

consolidadora e motora da revolução técnica que ela, de início, não

empreendeu. A universidade foi o centro de geração do saber da sociedade de

consumo. Transformou-se no agente da modernização.

Em todo o mundo, a segunda metade do Século XX foi o

período de máximo crescimento da universidade. Pelo crescimento do número

de universidades e de unidades em cada, pela massificação do número de

alunos e pela profissionalização dos seus professores, que, em vez de novas

ideias, têm de se preocupar com suas carreiras bem-consolidadas. Segundo

Buarque (1994), “a universidade da segunda metade do Século XX é uma

universidade carreirista.”

No Terceiro Mundo, a universidade passou a ser um

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instrumento isolado da realidade natural e social, mais integrada ao saber e

aos desejos exteriores do que aos interesses nacionais.

Aqui, a Universidade não formulou seus problemas e perguntas;

mostrou apenas que era capaz de aprender as respostas dadas lá fora aos

problemas de fora; uma universidade sem raízes e com futuro comprometido

no isolamento.

Ribeiro (1996) afirma que a universidade moderna é fruto da

Revolução Industrial, mostrando que foi exatamente onde o capitalismo se fez

mais poderoso, onde se romperam de maneira mais drástica as antigas

tradições e tecnificou a produção, a qual a universidade atingiu sua forma

atual:

Para isso a universidade teve que desfazer-se da escolástica para substituí-la pela preocupação pelo saber científico e tecnológico, tornando-se receptiva às renovações institucionais de caráter liberal requeridas pela burguesia e remodelar-se para servir a novos setores de interesses, para transmitir um saber novo, criar novos valores e dignificar novas tradições (RIBEIRO, 1996, p. 38).

Segundo Marshall (1994), desde o início do Século XVII, os

Estados começaram a entrar em competição de forma que pontos fortes e

fracos tornaram-se importantes historicamente, na medida em que cada

Estado enfrentava um futuro indefinido, preso à luta e à competição com

outros Estados. O conhecimento político, e a utilização dos indivíduos, suas

inclinações, habilidades e capacidades para serem utilizados, torna-se

Criticamente importante para preservar, senão para reforçar o Estado.

Foucault (1974) sugere que, por volta do final do Século XVIII, há uma

racionalidade política vinculada a uma tecnologia política. Essa última envolve

intervenções na vida dos indivíduos, por meio de observação, vigilância,

exames, classificações e normalização. Esses processos estão profundamente

imersos e implicados na emergência e desenvolvimento das Ciências

Humanas.

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Foucault (1974) via as tecnologias da dominação do ‘eu’ como

técnicas usadas para fazer do indivíduo um elemento significativo para o

Estado. Processos utilizados pelas universidades (centros do saber), onde se

constituem as verdades a respeito dos indivíduos, a partir das Ciências

Humanas.

“É como se a educação, além de construir e transmitir uma

experiência objetiva do mundo exterior, construísse e transmitisse também a

experiência que as pessoas têm de si mesmas e dos outros como sujeitos”

(LARROSA, 1994, p. 235).

Como afirma Varela (1984): “A partir do Século XVIII e em

conexão com o processo de pedagogização do conhecimento, produziu-se

uma nova transformação, que Foucault denominou de disciplinamento interno

dos saberes” (VARELA, 1984, p. 84). Foucault (1974) utilizou-se deste

conceito para analisar os múltiplos e imensos combates que então se travou

no campo do saber.

“Uma vez mais, as instituições educacionais, desde a

universidade napoleônica até as academias exerceram nesse debate e

reorganização um papel fundamental” (VARELA, 1984, p. 86).

Para Shils (2001), as universidades têm um dever duplo: “Por

um lado, são responsáveis pela preservação e progresso do conhecimento;

por outro, são responsáveis pela prestação de serviços importantes à

sociedade”. A ênfase nesses dois deveres varia de acordo com as

universidades: umas se voltam mais para o primeiro; outras, para o segundo,

mas nenhuma pode escapar a qualquer deles. Os professores universitários

estão igualmente sujeitos aos mesmos deveres. Por meio do ensino avançado

e a pesquisa básica é que as universidades cumprem esses deveres.

A universidade inglesa foi na sua origem instituições

eclesiásticas destinadas a receber e educar os filhos da nobreza ou a pessoas

de alto nível social para o exercício de seus papéis como membros da classe

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dominante, isto é, “ensinar-lhes a tratar-se entre si com elegância e ao povo

com a conveniente urbanidade e distância, ademais de dotá-los da versalidade

geral necessária para o exercício do mando ou ao gozo da riqueza” (RIBEIRO,

1996, p. 45).

A Inglaterra desenvolveu variedade de tipos de formação de

terceiro nível, conseguindo criar uma camada universitária do mais alto padrão

em Oxford e Cambridge e diversas camadas mais baixas que supriam os

quadros necessários para fazer funcionar a sociedade inglesa.

Um dos valores mais ambíguos da universidade alemã é a

chamada “liberdade acadêmica”, isto é, a liberdade de opções do corpo

discente para planejar seus estudos escolhendo os currículos a seguir e as

universidades; e a liberdade do professor para planejar e dirigir suas

atividades acadêmicas dentro das respectivas disciplinas. “A liberdade alemã

teve como contrapeso a servil aceitação da ideologia oficial” (RIBEIRO, 1996,

p. 50).

Marx viveu toda sua vida no exílio, suportando penúria extrema,

para preservar sua liberdade de repensar a estrutura da sociedade.

Ribeiro (1996) diz que, a partir da revolução de outubro, os

lideres soviéticos se impuseram à tarefa de transformar a universidade de

elite, intrinsecamente conservadora e que respondia à estratificação

econômica do país numa instituição capacitada para formar os quadros de

direção superior do Estado, da cultura e da economia, Por meio de um

processo de seleção que oferecesse iguais oportunidades a cada indivíduo e

que, ao mesmo tempo, os formasse politicamente como revolucionários.

A formação superior do sistema soviético de ensino, o trabalho

produtivo, é combinada com os estudos. Concilia a difusão maciça com a

seletividade mais competitiva e com o ensino de mais alto nível. Respondendo

os imperativos da implantação do socialismo, buscando a redução do caráter

privilegiado da educação superior e ao desafio de atenuar as diferenças entre

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o trabalho intelectual e braçal.

A América latina, ao passar da condição colonial à neocolonial,

experimentou profundas transformações modernizadoras. Entretanto não

chegou a absorver autonomamente o saber e a tecnologia da nova civilização

industrial. As universidades abandonaram os padrões ibéricos para adotar os

novos modelos franceses de ensino superior.

Não temos que reinventar a universidade, mas também não temos que copiar os modelos alheios. Necessitamos conhecer a experiência alheia para procurar soluções próprias, correspondentes as nossas condições históricas e a nossos problemas de povos que fracassaram na luta por integrar-se à civilização industrial moderna. (RIBEIRO, 1996, p. 37).

A universidade latino-americana é fruto de sua sociedade; é

subdesenvolvida como o é a sociedade na qual está inserida, fundada como

empresas para gerar lucros; não para criar novas sociedades autônomas.

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CAPÍTULO 3 AS CIÊNCIAS HUMANAS E OS REGIMES DE

VERDADE

“Todos os deveres específicos dos professores universitários

para com os alunos, os colegas, a escola e a sociedade tiram sua força,

basicamente, da obrigação de determinar a verdade em suas pesquisas,

estudos e lições” (SHILS, 2001, p. 65).

Ribeiro (1996) afirma que, dentro de um marco de clientelismo e

elitismo das universidades, muitas das razões solenemente invocadas em

defesa do padrão acadêmico de pesquisa e ensino apenas disfarçam

interesses inconfessáveis de corpos docentes, unicamente empenhados em

defender seus empregos e preservar sua área de poder e de prestígio.

Segundo Shils (2001), a ética acadêmica diz respeito à

aquisição e transmissão de conhecimento científico e cultural no seio da

universidade e entre as universidades e às atividades que usam esse

conhecimento fora das universidades.

Pignatelli (1993), buscando aproximar aspectos do pensamento

de Foucault sobre a questão da liberdade com a agência docente, argumenta

que os professores exercem sua agência presos num complexo paradoxo,

tipicamente moderno, entre sujeito cognoscente e objeto manipulado.

Foucault (1974) critica as condições que permitiram a

emergência das Ciências Humanas: “Ela deve ser provavelmente encontrada

nesses ignóbeis arquivos, onde o exercício moderno da coerção sobre os

corpos, os gestos e o comportamento teve seu início” (FOUCAULT, 1974, p.

191).

“As disciplinas das Ciências Humanas verificam, complementam

e tentam aperfeiçoar essa moderna forma de poder, um poder que se agrupa

em torno do “homem calculável” e o constitui (FOUCAULT, 1974, p.191).

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As Ciências Humanas estão enraizadas e imersas num clima

político-histórico com o qual o pensamento é inevitavelmente ação.

Seguindo o pensamento de Foucault (1974), percebe-se que o

discurso - prática educacional, sustentado pelas Ciências Humanas, está

profundamente envolvido na administração de pessoas. Marx expressa bem

essa relação quando diz que as profissões e as Ciências Humanas criam os

conceitos e as normas que constituem aquilo que significa ser uma pessoa.

Elas moldam e produzem humanidade... Os educadores, por exemplo, desenvolvem teorias sobre como ensinar e controlar melhor os estudantes, mas eles também desenvolvem instrumentos e justificações que são usados para determinar o que os estudantes podem fazer e, em última análise, o que eles pensam sobre si próprios. Os indivíduos acabam por ser definidos (e autodefinidos) em termos de sua distância de normas definidoras (SILVA, 1991, p. 319).

No vocabulário pedagógico, esse conjunto de palavras, amplo,

indeterminado, heterogêneo é composto pela recontextualização e o

entrecruzamento de regime discursivos diversos utiliza muitos termos que

implicam algum tipo de relação do sujeito consigo mesmo. Alguns exemplos

poderiam ser “autoconhecimento”, “autoestima”, “autocontrole”,

“autoconfiança”, “autonomia” e “autodisciplina”. Essas formas de relação do

sujeito consigo mesmo podem ser expressas quase sempre em termos de

ação, com um verbo reflexivo: conhecer-se, estimar-se, controlar-se, impor-se

normas, regular-se, disciplinar-se, etc.

Por outro lado e deixando de lado os diferentes tipos de

fenômenos que designam, todos esses termos se consideram como

antropologicamente relevantes, na medida em que designam componentes os

quais estão mais ou menos implícitos naquilo que significa ser humano: ser

uma “pessoa”, um “sujeito” ou um “eu”.

Todos esses termos, sobretudo quando são usados em um

contexto pedagógico, costumam articular-se normativamente. No discurso

pedagógico atual, por exemplo muito influenciado pela psicologia social do

24

desenvolvimento, é quase obrigatório falar de como se “desenvolve” a

autoidentidade, o autoconceito ou, em geral, a consciência de si, em um

sentido cada vez mais diferenciado, ou mais realista, sempre que se dêem as

condições adequadas.

A prática para a formação do professor, nas quais o que se

pretende é que os participantes problematizem, explicitem e, eventualmente,

modifiquem a forma pela qual construíram sua identidade pessoal em relação

ao seu trabalho profissional. Trata aí de definir, formar e transformar um

professor reflexivo, capaz de examinar e reexaminar, regular e modificar

constantemente tanto sua própria atividade prática quanto, sobretudo, a si

mesmo, no contexto dessa prática profissional. As palavras-chave desse

enfoque sobre a formação do professorado são reflexão, autoregulação,

autoanálise, autocrítica, tomada de consciência, autoformação, autonomia, etc.

Por outro lado, é importante advertir que os motivos da autoreflexão não

incluem apenas aspectos “exteriores” e “impessoais” tais como as decisões

práticas que se tomam, os comportamentos explícitos na sala de aula, ou os

conhecimentos pedagógicos que se têm, mas, sobretudo, aspectos mais

“interiores” e “pessoais”, como atitudes, valores, disposições, componentes

afetivos e emotivos e etc.

Sobre a formação do docente, dito de outro modo, o que se

pretende formar e transformar não é apenas o que o professor faz ou o que

sabe, mas, fundamentalmente, sua própria maneira de ser em relação ao seu

trabalho. Por isso, a questão prática está duplicada por uma questão quase

existencial.

Trata-se de produzir, capturar e mediar pedagogicamente

alguma modalidade da relação da pessoa consigo mesma, com o objetivo

explícito de sua transformação. Para dizer de uma maneira próxima ao

vocabulário foucaultiano, trata-se de produzir e mediar certas “formas de

subjetivação” nas quais se estabeleceria e se modificaria a “experiência” que a

pessoa tem de si mesma.

25

A prática “autonormalizadora” é o que Foucault (1974)

considera ser o atual perigo e onipresente ameaça a liberdade da vida

moderna. Todos os posicionamentos ou pontos de referências deveriam ser

considerados possíveis. “O sujeito obediente, como uma realidade fabricada,

existe em diferenciações múltiplas” (FOUCAULT, 1974, p. 58). A superfície

sobre a qual o poder opera é ampliado no processo de produzir indivíduos

segmentados, permitindo aumento da quantidade do poder exercido. “O poder

molda e informa a psique. O resultado é que nós somos objetos de instituições

e processos sociais quando intencionalmente nos envolvemos numa ação”

(SILVA, 1994, p. 35).

O projeto de liberdade de Foucault (1974) está enquadrado

também por um profundo ceticismo:

Para ele, a liberdade consiste numa abertura para possibilidades diferentes, para forma de nos vermos a nós próprios e a nossa prática de forma diferente, Por meio de uma tentativa para identificar o arbitrário naquilo que pode aparecer como fundamental ou essencial (SILVA, 1994, p. 134).

Em grande parte, o projeto explícito de Foucault constituiu em

documentar, como Peter Dews tão apropriadamente expressou “as formas de

saber e os modos de controle social característico da modernidade” que

constitui uma forma de subjetividade “regimentada, isolada e autopoliciada”

(GORE, 1994, p. 213).

Os professores precisam compreender essa forma de controle

como uma demonstração perturbadora da relação inversa entre a prática da

liberdade e as devastações de um olhar que, em parte, é autoimposto e molda

e monitora à identidade.

A prática da liberdade docente é a luta para continuar

preocupado com a presente situação e condição de forma que possa vê-las

mais intensamente, a fim de reconhecer os recorrentes jogos de verdade.

Como Foucault (1974) diz: “uma ânsia desesperada para imaginar, para

imaginá-lo [o presente] de uma forma diferente do que é e para transformá-lo,

26

não o destruindo, mas capturando-o naquilo que é” (FOUCAULT, 1974, p. 82).

A prática da liberdade envolve tanto um engajamento crítico interno das práticas autoconstitutivas, quanto um questionamento externo das condições nas quais o ‘eu’ é constituído, um contínuo desafio individual e coletivo para construir alternativas. À luz dos compromissos epistemológicos, políticos e éticos que os professores assumem para moldar aquilo que eles fazem e a forma como eles pensam sobre o que eles fazem e os efeitos bastante reais que aqueles compromissos têm nas vidas de seus estudantes, das famílias dos estudantes e nas de outras pessoas, um projeto vital de agência docente não pode se dar ao luxo de permanecer desatento a essas preocupações (SILVA, 1994, p. 130).

O que caracteriza o ofício acadêmico é exatamente a

preocupação de que suas afirmações, fruto do ensino e da pesquisa, sejam tão

verdadeiras quanto possível, fundamentada nas provas mais metodicamente

reunidas e analisadas. “Que todo o seu trabalho depende desse pressuposto é

fato que muitas vezes passa despercebido quando os acadêmicos mergulham

em suas pesquisas e lições especializadas, ou quando se distraem com

compromissos públicos” (SHILS, 2001, p. 17).

A menos que sejam filósofos profissionais, os acadêmicos não

perdem tempo refletindo sobre a natureza da verdade ou a relação da verdade

com suas atividades. Eles têm tarefas específicas a executar, investigações

específicas a empreender, temas específicos a ensinar; aceitam tacitamente

essas tarefas e não se inquietam com os princípios fundamentais que estejam

suas atividades especializadas.

Shils (2001) afirma que o ensino universitário, no século atual,

tem sido visto como algo mais que uma simples maneira de ganhar a vida.

Tem sido considerada uma dessas ocupações especialmente qualificada que

conferem privilégios e obrigações especiais a seus praticantes.

Como fica a missão democrática e o conteúdo ético do trabalho

docente? É preciso reconhecer o status ambíguo sujeito/objeto que,

necessariamente, ocupam como professores e, continuamente, testar e

27

prevenir os efeitos sobre si próprios, assim como sobre os outros, do discurso

que eles utilizam.

Os professores precisam interrogar e moldar suas identidades

no meio de “um discurso ritual, eficaz, carregado de poder e perigo... Que

outra coisa é um sistema educacional, afinal, senão uma ritualização do

mundo?” (FOUCAULT, 1974, p. 232).

Produzir a si próprio é um projeto contínuo e está baseado,

sempre, numa visão parcial de si mesmo. Um professor assim previne e dá as

boas vindas à necessidade de reavaliar, repensar e reinterpretar sua posição

contingente à luz de novos perigos – o fluxo constante de necessidades

burocráticas, o predizível fluxo de programas e planos novos, melhorados,

mais inclusivos. Como diz Nietzche (1995): “a interrogação é ela própria um

meio de tornar-se senhor e mestre de algo”; ou, em outro contexto: “todo

domínio de si mesmo envolve interpretação” (NIETZCHE, 1995, p. 643).

O desafio para os professores consiste em tornar problemática

qualquer leitura definitiva do discurso oficial para testar aquilo que não é dito

contra esse discurso e encorajar a mesma nos estudantes, seus pais e outros

envolvidos.

Foucault (1974) é fascinado pelo desejo na cultura moderna

para dizer a verdade sobre o próprio eu. De fato, ele diz com frequência, por

exemplo, que “tem havido um incitamento muito forte para falar da

sexualidade.” Ele acredita que parte da causa desse incitamento deve-se aos

efeitos negativos do poder de várias proibições sexuais. Ele argumenta que se

o poder é concebido como meramente repressivo então falar sobre a

sexualidade seria, necessariamente, uma libertação. Nos períodos, no Século

XIX, em que houve proibições sexuais, houve também um discurso florescente

sobre a sexualidade, causado, em parte, pela necessidade de se criar uma

estrutura científica para explicar o sexo e treinar os cientistas. Essa estrutura e

esse discurso significavam que, ao final, o sujeito não podia mais compreender

o que estava sendo dito e não podia mais, portanto, ser o “árbitro” das

28

verdades mais profundas. Este papel transferiu-se para a autoridade, o

“cientista”: o papel não apenas de incitar a “verdade” e de interpretar essas

verdades profundas, mas também de reconstruir a experiência que o sujeito

tem da sexualidade e do discurso, controlando, assim, o sujeito.

Além de falar a verdade, a pessoa não descreve meramente a

si mesma, ela faz com que assim seja, por causa do aspecto performativo ou

função performativa da linguagem. Exatamente da mesma forma que o juiz

torna a pessoa culpada por causa de uma performance declarativa de culpa,

assim, também, ao falar a verdade sobre si mesmo por meio dos novos

refinados conceitos das Ciências Humanas, constrói-se a si próprio, constrói a

própria identidade naqueles atos de fala. Por meio da função performativa da

fala, então, começa-se a construir a si mesmo.

De acordo com Foucault (1974), a máxima délfica “conhece-te a

ti mesmo” sucedeu à outra noção da antiguidade grega, “cuida-te de ti

mesmo”. Ele argumenta que a “necessidade de cuidar de si colocou a máxima

délfica em funcionamento” e que a segunda estava subordinada à primeira.

O tema da dominação por parte de outro é um tema constante

em Foucault (1974). As Ciências Humanas, ao classificar e objetificar os

indivíduos, transformam as pessoas em sujeitos (subjugados). Se a mudança

de ênfase, do “cuida do teu próprio eu” para “conhece-te a ti mesmo”, já era

suficientemente ruim, trata-se agora de um ‘eu’ que deve ser conhecido Por

meio das Ciências Humanas, cuidar do próprio ‘eu’ no Século XX passou a

significar ajustar-se ao exterior, oferecer-se, com um conjunto de “verdades”

que, ao serem aprendidas, memorizadas e progressivamente postas em

prática, constroem um sujeito com certo modo de ser e certa maneira visível

de agir. Foucault (1974) credita que esse ‘eu’ moderno não é livre porque, na

medida em que é produto das Ciências Humanas, o objetivo tem sido o

controle político e não a liberdade.

As Ciências Humanas representaram práticas importantes na

construção da arte de governar. A ciência era vista como parte da herança

29

iluminista pela qual a sociedade podia progredir.

O movimento das racionalidades das ciências em direção às

arenas sociais foi uma importante invenção do Século XIX. A ciência

descrevia, explicava e dava uma direção para resolver os “problemas sociais”.

Mas os sistemas teóricos nas Ciências Humanas não eram meramente idéias

para pensar como sobre interpretar a vida social; eles emergiram de contextos

específicos, a medida que os conceitos foram recursivamente trazidos para as

práticas sociais, ao mesmo tempo em que se expressavam.

Conceitos morais e políticos foram trazidos para a Ciências

Humanas e re-classificados como científicos por meio das regras de expressão

disciplinar como os conceitos estatais de pobreza e raça nos Estados Unidos

após a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, pode-se também localizar

como conceitos particulares que emergiram nas Ciências Humanas, tornaram-

se parte do senso comum, tais como o conceito de “classe” de Marx, o de

“burocracia” de Weber ou do “ego” de Freud.

Quando comenta-se sobre si mesmo como “afetivo” ou

“analítico”, das escolas como “burocráticas” ou “democráticas”, recursivamente

localiza as relações pessoais no interior de sistemas abstratos e de espaços

sociais generalizados, tais como o de “cidadão” de uma democracia política,

de consumidor no interior das relações econômicas do capitalismo, ou de

normas sociais/culturais de afeição relacionadas ao gênero.

A escolarização ocorre com o surgimento do moderno Estado

de bem estar no Século XIX e com as correspondentes questões das artes de

governar. Neste sentido, as racionalidades da ciência eram parte de uma

modernidade pressuposta no Iluminismo e, como tal, quando inscrita na

pedagogia, estava implicada nos sistemas de regulação.

“Regimes de verdade não são necessariamente negativos, mas

antes, necessário. O saber e o poder estão freqüentemente ligados de forma

produtiva” (GORE, 1994, p. 87).

30

Como Foucault (1974) argumentou:

Uma sociedade sem relação de poder só pode ser uma abstração... Dizer que não pode haver uma sociedade sem relações de poder não é dizer que aquelas que são estabelecidas são necessárias, ou de qualquer forma, que o poder constitui uma fatalidade no centro das sociedades, de forma que ele não pode ser minado. Em vez disso, ‘eu’ diria que a análise, a elaboração e o questionamento das relações de poder... É uma tarefa política permanente, inerente em toda existência social (FOUCAULT, 1974, p. 321).

As verdades obtidas por meio de um método ordenado, de uma

busca científica e de uma teorização prescritiva, predispõem e limitam

profundamente a agência docente. Implica que os professores encontrem

formas alternativas de conhecer a verdade sobre si própria. Como Foucault

(1974) repetidamente lembra e com frequência demonstra vividamente, os

professores não podem fugir, nem absolver-se da violência do discurso – sua

“pesada, aterradora materialidade... e seus vínculos com o desejo e o poder”

(FOUCAULT, 1974, p. 216). Assim, o projeto de se tornar consciente, de

praticar a liberdade, envolve um profundo e amplo julgamento das próprias

posições discursivas mantido pela produção de conhecimentos sobre si

próprio, sobre seu colegas e estudantes.

Levando em consideração o desconforto do próprio Foucault em

ser identificado como pós-modernista, vale a pena registrar as observações de

Murphy (1988) sobre o pós-modernismo e a questão das normas, baseando-se

na noção de agência docente sugerida por Foucault: “os pós-modernistas

nunca afirmaram que estabelecer normas é impossível, mas apenas que elas

se originam no uso da linguagem.”

Para alguns realistas, entretanto, esse anúncio equivale a

proclamar o caos. A educação pós-modernista não encoraja a ausência de

normas, mas, de forma muito mais importante, exige que as pessoas assumam

responsabilidade por sua verdade (MURPHY, 1988, p. 182).

A produção de verdade e a produção de poder estão tão

31

entrelaçadas que os esforços daquele que Foucault (1974) chama de

“intelectual específico” são valorizados como atos políticos.

Incisivamente, Foucault (1974) fala sobre o trabalho do

intelectual “tornar-se permanentemente capaz de autodistanciamento” em

termos éticos. Como ele diz a respeito do trabalho intelectual: “gostaria que

esse trabalho fosse uma elaboração do eu, uma transformação esforçada Por

meio de um cuidado constante com a verdade” (FOUCAULT, 1974, p. 303-

304). De forma similar, o valor de se introduzir a pesquisa na questão da

agência docente supõe que qualquer noção séria de resistência docente deve

necessariamente enfrentar desafios éticos, epistemológicos, assim como

políticos.

Foucault (1974) diz:

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade: isto é, os tipos de discursos que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras ou falsas, e os meios pelos quais cada um deles é sancionado; as técnicas e procedimentos valorizados na aquisição da verdade; o status daqueles que estão encarregados de dizer o que conta como verdadeiro (FOUCAULT, 1974, p. 131).

“...somos forçados a produzir a verdade do poder que a sociedade exige...: nós devemos falar a verdade; somos constrangidos ou condenados a confessar ou descobrir a verdade. O poder nunca cessa sua interrogação, sua inquisição, seu registro de verdade; ele institucionaliza, profissionaliza e recompensa sua busca... é a verdade que faz as leis... somos destinados a certo modo de viver ou morrer, como uma função dos discursos verdadeiros que são os portadores de efeitos específicos de poder” (FOUCAULT, 1974, p. 93).

A despeito de seus argumentos sobre a conexão poder-saber,

Foucault é bastante enfático ao afirmar que poder e saber não são idênticos:

Quando leio – e ‘eu’ sei que ela me tem sido atribuída – a tese de que saber é poder, começo a dar risadas, uma vez que estudar sua relação é precisamente o meu problema. Se eles fossem idênticos, ‘eu’ não teria que estudá-los, como resultado, ‘eu’ me teria poupado um bocado de cansaço. O próprio fato de

32

que ‘eu’ coloco a questão de sua relação prova claramente que ‘eu’ não os tenho como idêntico. (FOUCAULT, 2002, p. 210).

Foucault (2002) aponta para a necessidade de reconsiderar

alguns de nossos pressupostos sobre a escolarização e de olhar de forma

mais renovada e mais atenta para as micropráticas do poder nas instituições

educacionais.

A educação ocidental moderna, vinculada à escolarização de

massa desde o Século XVIII, tem assumido uma variedade de formas:

religiosa; tradicional; liberal; comportamentalista; socialista; fascista,

nacionalista; progressista; baseada na solução de problemas; educação para a

libertação; construtivista; desescolarização; pedagogia crítica. Entretanto, essa

multiplicidade de discursos educacionais baseia-se num núcleo de práticas e

pressupostos ortodoxos próprios da modernidade e derivados da fé iluminista

na capacidade da razão para iluminar, transformar e melhorar a natureza e a

sociedade.

Foucault (2002) argumenta que as formas modernas de governo

(governar, nesse sentido é estruturar o campo possível de ação do outro)

revelam uma mudança, do poder soberano, que é aberto, visível e localizado,

para o “poder disciplinar”, que é exercido por meio de sua “invisibilidade” Por

meio das tecnologias normalizadora do eu.

A construção da identidade ou de sujeitos é, para Foucault

(2002), um ato altamente politizado. Essas identidades são os efeitos daquilo

que ele chama de poder/saber. Ele fala também de governabilidade, de

racionalidade governamental e de arte do governo.

Por “governo” Foucault (2002) quer dizer algo com a conduta da

conduta ou uma forma de atividade dirigida a produzir sujeitos, a moldar, a

guiar, ou a afetar a conduta das pessoas de maneira que elas se tornem

pessoas de certo tipo; a formar as próprias identidades das pessoas de

maneira que elas possam ou devam ser sujeitos. Essas atividades dizem

respeito às relações privadas entre o ‘eu’ e o eu, ou relações privadas

33

interpessoais com mentores profissionais, ou as relações com instituições e

comunidade, ou com exercício da soberania política.

Para Foucault (2002), a arte do governo consistiria em fornecer

uma forma de governo para cada um e para todos, mas uma forma que deve

individualizar e normalizar. Ele argumentava que a microfísica do poder,

aplicada com as tecnologias de dominação, ao mesmo tempo individualiza e

normaliza as pessoas como sujeitos. Ele mostra como o ser humano, em parte,

ajuda e encoraja esses processos, ao construir a nós mesmos por meio das

tecnologias do eu.

O processo pedagógico corporifica relações de poder entre

professores e aprendizes com respeito à questão de saber: qual saber é

válido, qual saber é produzido, o saber de quem. A pedagogia se baseia em

técnicas particulares de governo. Seguindo Foucault (2002), as

técnicas/práticas que induzem esse comportamento podem ser chamadas de

tecnologias do ‘eu’.

Essas tecnologias do ‘eu’ corporal podem também ser

entendidas como manifestações do ‘eu’ (mental) interno, a forma como as

pessoas se identificam. As práticas docentes, nessa análise, funcionam como

regimes de verdade.

As relações disciplinares de poder-saber são fundamentais aos

processos da pedagogia. Sejam elas auto-impostas, impostas pelos

professores, ou imposta sobre os professores, como coloca Foucault (2002):

“Uma relação de fiscalização, definida e regulada, está inserida na essência da

prática do ensino: não como uma peça trazida ou adjacente, mas como um

mecanismo que lhe é inerente e que multiplica sua eficiência” (FOUCAULT,

2002, p. 158).

Sobre as condições práticas e históricas de possibilidade da

construção do sujeito por meio das formas de subjetivação, Foucault (2002),

em suas próprias palavras, trata-se de estudar a constituição do sujeito como

34

objeto para si mesmo:

A formação de procedimentos, pelos quais o sujeito é induzido a observar-se a si mesmo, analisar-se, decifrar-se, reconhecer-se como um domínio de saber possível. Trata-se em suma, da história da subjetividade, se entendemos essa palavra como o modo no qual o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de verdade no qual está em relação consigo mesmo (FOUCAULT, 2002, p. 113).

O objetivo da autonomia pessoal permeia a educação liberal. Mas nos procedimentos normalizadores, as pessoas são classificadas como objetos e as verdades sobre si mesmas lhes são reveladas. Ao constituir o sujeito dessa forma, ao construir a própria identidade dos indivíduos, o poder moderno produz indivíduos governáveis por meio de tecnologias de individualização e normalização (SILVA, 1994, p. 86).

As relações de poder podem fazer com que nos tornemos

sujeitos, isto é, indivíduos com certa identidade, os quais, como sujeitos

podem ser sujeitados. Relações de poder vêm a existir por causa do saber;

sua própria existência, por sua vez tem o saber como um de seus efeitos.

Trata-se de um tipo particular de poder e de saber, no qual versões

humanistas do Homem e das Ciências Humanas estão profundamente

envolvidas, e isso tem implicações educacionais importantíssimas.

As tecnologias de dominação agem, pois, essencialmente, sobre o corpo, e como resultado dos exames, os indivíduos são classificados e objetificados. Mas os indivíduos também constroem seus ‘eus’ e suas identidades, na medida em que esses objetivos e classificações são adotados e aceitos por eles. A educação liberal pretende produzir ‘eus’ que sejam normalmente autônomos, mas de acordo com Foucault, qualquer noção desse tipo é espúria (MARSHALL, 1994, p. 167)

Esse ‘eu’ moderno, segundo Foucault, não é livre, porque, na

medida em que é produto das Ciências Humanas, o objetivo tem sido o

controle político e não a liberdade.

Foucault (2002) rejeitava a noção de intelectual, seja em sua

forma totalizante, o intelectual produzindo uma teoria universal da vida política

(contra Sartre), seja o intelectual como apoiando ideologicamente uma forma

35

ou grupo preferido de oprimido (talvez Gramsci). Foucault acreditava,

juntamente com Gilles Deleuze, que os intelectuais não deviam e não podiam

falar em nome do oprimido e dizer-lhe como resistir. Em vez disso eles deviam

ficar ao lado, minar os poderes dos opressores e expor suas práticas.

(MARSHALL, 1994).

Marshall (1994) afirma que o poder moderno permeia toda

sociedade, mas foi desenvolvido e refinado essencialmente nas disciplinas e

ainda tem importante acolhida e fonte de legitimação nas Ciências Humanas.

Larrosa (1994) relata que, no vocabulário pedagógico liberal,

utilizam-se muitos termos que implicam algum tipo de relação do sujeito

consigo mesmo. Por exemplo: autoconhecimento, auto-estima, autocontrole,

autoconfiança, autonomia, autodisciplina. Como se a possibilidade de algum

tipo de relação reflexiva da pessoa consigo mesma, o poder ter certa

consciência de si e o poder fazer certas coisas consigo mesma, definisse o

que é ser humano. Portanto, a subjetividade é o significado do discurso e

assim Larrosa aponta para um ideal, facilmente pedagogizável, da

transparência comunicativa.

Essa produção e mediação pedagógica da relação da pessoa

consigo mesma aparece na literatura pedagógica contemporânea, as

atividades de educação moral têm nomes como ‘classificação de valores’,

‘atividades de auto-expressão’, ‘discussão de dilemas’, ‘estudo de casos’,

‘técnicas de auto-regulação’, etc. Nessas prática pedagógicas não se ensina

explicitamente nada. Entretanto, se aprendem muitas coisas. Na sua

característica de práticas sem texto específico ou, às vezes, com textos cuja

única função é fazer falar, provocar e mediar a fala consiste basicamente na

produção e na regulação dos próprios textos dos alunos. Por outro lado, é

essencial à realização dessas práticas a colocação em marcha de uma bateria

interrogativa e de um conjunto de mecanismos para o controle do discurso.

Larrosa (1994) afirma que esse sujeito construído como objeto

teórico e prático das pedagogias, esse sujeito individual, caracterizado por

36

certas formas normativamente definidas de relação consigo mesmo, não é, em

absoluto, uma evidência intemporal e acontextual.

O sentido comum pedagógico produz um esvaziamento das

práticas mesmas como lugares de constituição da subjetividade. Como afirma

Larrosa (1994): “não deixa de ser paradoxal que o primeiro efeito da

elaboração pedagógica da autoconsciência e da autodeterminação consista

em um ocultamento da pedagogia” (LARROSA, 1994, p. 159).

A pedagogia aparece como um espaço de desenvolvimento ou

mediação, às vezes de conflito, mas nunca como espaço de produção.

A aproximação foucaultiana inverte essa perspectiva

metodológica para prestar atenção às práticas pedagógicas nas quais se

estabelecem, se regulam e se modificam as relações do sujeito consigo

mesmo e na quais se constitui a experiência de si:

O tema foucaultiano da visibilidade guarda certo paralelismo com o tema da dizibilidade. O ver e o fazer ver se correspondem, embora não se identifiquem, com o falar e o fazer falar. É o resultado, sempre conflitivo, do entrecruzamento de regimes discursivos diversos (LARROSA, 1994, p. 76).

A construção e a transformação da consciência de si

dependerão, então, da capacitação em redes de comunicação onde se

produzem, se interpretam e se medeiam histórias, em suma, dependerá desse

gigantesco e agitado conjunto de histórias que é a cultura.

CAPÍTULO 4 A METODOLOGIA

O presente estudo monográfico apresenta uma abordagem

teórica, tendo a pesquisa bibliográfica como metodologia adotada.

37

Fundamentado em concepções filosóficas e históricas sobre a relação do

Saber e a Universidade na constituição do Sujeito.

Nessa dimensão pretendo ensaiar os limites e as possibilidades

metodológicas de uma problematização foucaultiana da mediação pedagógica

da experiência de si.

As formas de articulação entre o Saber e o Sujeito dependem

de um conjunto de circunstâncias históricas e filosóficas, que serão abordadas

numa clave foucaultiana, apresentada por autores como Tomaz Tadeu da

Silva, Frank Pignatelli, Jorge Larrosa e Julia Varela.

A atividade filosófica do tempo atual encontrou na

fenomenologia uma forma singular de pensar a relação do homem com o

mundo e isto renovou os estudos sobre o homem, especialmente daqueles

conhecidos como Ciências Humanas.

CONCLUSÃO

Talvez possa ressaltar que, enquanto a Renascença substituiu

o culto do Deus da Idade Média pelo culto do Homem com H maiúsculo, a

38

atual era está produzindo uma revolução de não menor importância, ao

eliminar todos os cultos, uma vez que está substituindo o último culto, o do

Homem, pela Linguagem, um sistema suscetível de análise científica.

Embora, como sugeriu Marx, a relação com o capital tenha

coisificado o homem, parece ter restado um pequeno traço daquela

humanidade neste ser sempre tão mutável. Traço que, novamente, nos remete

aos ideais iluministas, pois é a capacidade racional que garante qualquer

possibilidade de transformação da realidade que se apresenta ao homem

contemporâneo.

Ousar conhecer para o homem do Século XVIII exigia uma

transposição cultural e social, ou seja, o homem deveria sair da sua

imobilidade intelectual e definir os rumos de sua própria existência. Agir em

função de sua emancipação e ser construtor de uma nova realidade que por

sua vez, possibilitaria a compreensão do universo e da consciência,

conduzindo, inclusive, ao progresso moral, à justiça das instituições e até

mesmo, à felicidade humana. Um projeto para a paz perpétua surge desse

processo de desenvolvimento intelectual e defende a possibilidade de se

adequar, ordenar os desejos individuais dos seres racionais em prol de uma

ordem supranacional, na qual as colisões violentas, promovidas pelos

interesses e inclinações naturais particulares, poderiam ser ultrapassadas e

superadas.

O mundo que gera o horror de duas guerras mundiais, das

quais os pensadores contemporâneos herdaram seus temas de reflexão, é o

mundo do avesso iluminista. Um mundo em que a ideologia cumpre sua função

e as pessoas aceitaram as imposições do capital e submeteram sua

racionalidade aos saberes canônicos, sem oferecer nenhuma resistência, e

nos quais a Filosofia permaneceu como matéria a ser ensinada, ao invés de

ser praticada como sugeriu Kant.

Sendo único e com uma só vida para viver, é inevitável que o

homem se pergunte se o que ele faz é o que realmente projeta. É um

39

compromisso com a própria existência que não permite que cada um se omita

na construção de seu mundo. Ao construir o seu mundo, o homem o faz se

relacionando. É resultado de escolhas contínuas e irreversíveis que se faz

sobre este chão e que se objetiva na cultura e no saber da natureza. Ao

perceber que não pode conhecer a realidade em si mesma, o homem começa

indagar a respeito do que lhe dá sustentação. Assim, as duas etapas do

conhecimento, espírito e objeto, somente se separam teoricamente, como

propõe a fenomenologia.

Então, o sábio conselho de Kant (ouse saber!), não apenas

seria possível nos dias atuais, como representaria a única possibilidade de

concretização de um mundo em conformidade com o projeto iluminista. Um

mundo no qual a emancipação humana promova, de fato, o estabelecimento

de justiça e harmonia. Um mundo onde a liberdade não seja um mero conceito

e a igualdade seja considerada muito mais que um ideal postulado por homens

do Século XVIII.

Como disse Nietzche (1995): “a interrogação é ela própria um

meio de tornar-se senhor e mestre de algo”, ou em outro contexto: “todo

domínio de si mesmo envolve interpretação” (NIETZCHE, 1995, p. 222).

Viver harmoniosamente no cosmo, entender os problemas do

aquecimento global, da desertificação, do desflorestamento, da água do lixo e

dos problemas que atingem a humanidade são necessidades do homem

contemporâneo.

Necessita-se de novos paradigmas, aqueles clássicos,

arrogantemente antropocêntricos e industrialistas, que não têm suficiente

abrangência para explicar essa realidade cósmica. Por não ter uma visão

holística, não conseguiram dar nenhuma resposta para tirar o planeta da rota

do extermínio e do rumo da cruel diferença entre os ricos e pobres.

Os paradigmas clássicos estão levando o planeta ao

esgotamento de seus recursos naturais. Educar para outros mundos possíveis

40

supõe um novo paradigma, talvez um paradigma holístico.

A razão tão veementemente combatida pelos frankfurdianos,

talvez não seja, de fato, a mesma proclamada pelos iluministas. O mundo

tecnicamente elaborado, com base nas ideologias burguesas, não parece ser

reflexo dos discursos de Rousseau sobre a origem da desigualdade entre os

homens e muito menos dos preceitos kantianos acerca da possibilidade de

uma paz perpétua entre as nações.

BIBLIOGRAFIA

BUARQUE, Cristovam. A aventura da universidade. São Paulo: UNESP, 1994. CHAUÍ, Marilena. Vento do progresso: a universidade administrada. Brasília:

41

brasiliense, 1980.

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