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O RIO MATHIAS NA PAISAGEM JOINVILENSE E OS ESPAÇOS PATRIMONIAIS NO ENTORNO Fernanda Mara Borba 1 Graciele Tules de Almeida 2 INTRODUÇÃO Este trabalho, resultado de uma pesquisa de arqueologia de contrato intitulada Monitoramento Arqueológico e Educação Patrimonial das Obras de Ampliação da Capacidade Hidráulica do Rio Mathias, em Joinville, SC 3 , discute a constituição do Rio Mathias na paisagem joinvilense e os espaços patrimoniais existentes no seu entorno. Para tanto, revisitou a historiografia, outros estudos de arqueologia, jornais e fotografias que representaram este curso natural, suas alterações e estruturas presentes nas margens (modificadas), criando uma paisagem bastante singular na história da cidade. Desde o oitocentos, o Rio Mathias, junto ao Cachoeira, se configurou como um marco paisagístico central da antiga Colônia Dona Francisca, atual Joinville, ao acompanhar o recebimento das embarcações dos seus primeiros ocupantes. O que depois se transformou como um problema, em decorrência das constantes enchentes, no passado serviu como principal meio de transporte e deslocamento dos moradores e produtos de consumo e comercialização. Ademais, as discussões decorrentes da preocupação com os usos desse manancial e regulamentações para tais, suscitaram uma emergente inquietação ambiental nos idos novecentos. Para discutir a paisagem, as reflexões de Schama (1996) e Browser e Zedeño (2009) foram retomadas ao se entender que, mesmo tendendo-se separar a 1 Doutoranda em História, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), [email protected]. 2 Doutoranda em Arqueologia, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Arqueologia (PPGAnt) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), [email protected]. 3 Esta pesquisa, vinculada ao licenciamento ambiental das obras de ampliação da capacidade hidráulica do Rio Mathias, foi autorizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por meio da Portaria n. 68 de 8 de dezembro de 2017 (Processo n. 01510.000690/2012-51), publicada em 11 de dezembro de 2017, com ratificação em 14 de dezembro de 2017 e 29 de janeiro de 2018.

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O RIO MATHIAS NA PAISAGEM JOINVILENSE E OS ESPAÇOS

PATRIMONIAIS NO ENTORNO

Fernanda Mara Borba1

Graciele Tules de Almeida2

INTRODUÇÃO

Este trabalho, resultado de uma pesquisa de arqueologia de contrato intitulada

Monitoramento Arqueológico e Educação Patrimonial das Obras de Ampliação

da Capacidade Hidráulica do Rio Mathias, em Joinville, SC3, discute a constituição

do Rio Mathias na paisagem joinvilense e os espaços patrimoniais existentes no seu

entorno. Para tanto, revisitou a historiografia, outros estudos de arqueologia, jornais e

fotografias que representaram este curso natural, suas alterações e estruturas

presentes nas margens (modificadas), criando uma paisagem bastante singular na

história da cidade.

Desde o oitocentos, o Rio Mathias, junto ao Cachoeira, se configurou como um

marco paisagístico central da antiga Colônia Dona Francisca, atual Joinville, ao

acompanhar o recebimento das embarcações dos seus primeiros ocupantes. O que

depois se transformou como um problema, em decorrência das constantes enchentes,

no passado serviu como principal meio de transporte e deslocamento dos moradores

e produtos de consumo e comercialização. Ademais, as discussões decorrentes da

preocupação com os usos desse manancial e regulamentações para tais, suscitaram

uma emergente inquietação ambiental nos idos novecentos.

Para discutir a paisagem, as reflexões de Schama (1996) e Browser e Zedeño

(2009) foram retomadas ao se entender que, mesmo tendendo-se separar a

1 Doutoranda em História, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), [email protected]. 2 Doutoranda em Arqueologia, Programa de Pós-Graduação em Antropologia – Arqueologia (PPGAnt) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), [email protected]. 3 Esta pesquisa, vinculada ao licenciamento ambiental das obras de ampliação da capacidade hidráulica do Rio Mathias, foi autorizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por meio da Portaria n. 68 de 8 de dezembro de 2017 (Processo n. 01510.000690/2012-51), publicada em 11 de dezembro de 2017, com ratificação em 14 de dezembro de 2017 e 29 de janeiro de 2018.

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percepção humana e da natureza, os autores alertam esta impossibilidade. A

paisagem é tanto física como obra dos sentidos, composta de rochas, fauna, flora e

sedimentos, de camadas de lembrança, performance e temporalidades, sobrepostas

ao longo do tempo e espaço, num movimento sincrônico, marcada por lugares que

persistem, tanto na memória como no espaço. São lugares de habitar e viver

imbricados de percepção e experiência humana.

Considerando a importância desses elementos, a legislação e o potencial

arqueológico local, a pesquisa associada a esse trabalho, em campo, monitorou o

empreendimento citado para gerenciar as ações patrimoniais e levantar informações

que contribuíssem para os estudos sobre a ocupação humana da cidade em

diferentes períodos.

1. A PESQUISA ARQUEOLÓGICA

1.1 PARA ENTENDER A ÁREA: OUTRAS PESQUISAS

Com o intuito de entender os locais que seriam monitorados, um levantamento

de outros estudos foram considerados a partir dos arquivos do Cadastro Nacional de

Sítios Arqueológicos (CNSA) do Iphan e do Museu Arqueológico de Sambaqui de

Joinville (MASJ). Apesar da ausência de sítios arqueológicos cadastrados nessas

áreas, foram identificadas quatro pesquisas de arqueologia importantes.

Em 2012, a primeira, o Diagnóstico Arqueológico Não Interventivo da Sub-

bacia do Rio Mathias, Município de Joinville/SC (2012) (Processo n.

01510.000690/2012-51), reuniu informações acerca da etnohistória e arqueologia

regionais. No decorrer deste estudo foram solicitadas complementações e

encaminhamos futuros na área do empreendimento como à apresentação, execução

e análise de um Programa de Prospecção Arqueológica da área.

Outro trabalho foi o Cemitério do Imigrante: Pesquisa, Interdisciplinaridade

e Preservação (FONTOURA et al, 2008), construído no início da antiga Colônia em

1851 e tombado pelo Iphan em 1962. Foi criado em decorrência das adversidades

como as epidemias e as mortes naturais, quando começaram os enterros no Cemitério

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Evangélico de Joinville, posteriormente denominado Cemitério do Imigrante. Também

há indícios que este foi o primeiro no Brasil a abrigar, lado a lado, católicos e

protestantes, dado que somente em 1870 foi aberto o Cemitério Católico, onde hoje

se encontra a Mitra Diocesana. Com a inauguração do Cemitério Municipal, em 1913,

o Cemitério do Imigrante foi desativado, mas até o início da década de 1960 foram

feitos alguns sepultamentos em jazigos perpétuos (KRISCH, 1991). A pesquisa reuniu

diversos artefatos que demonstraram que o cemitério passou por modificações em

diferentes momentos. As rochas encontradas abaixo do solo foram usadas para

pavimentação dos antigos caminhos do cemitério. Os materiais construtivos foram

frutos da degradação que os jazigos sofreram com o tempo e reformas a posteriores.

As cerâmicas utilitárias, lisas e decoradas eram similares as das lápides, ainda

encontradas em jazigos, bem como dos vasos e floreiras colocados pelos familiares

dos mortos. Outros artefatos foram registrados (botão, isqueiro, caneta, zíper, moeda,

entre outros), provavelmente deixados em rituais de sepultamento, visitas, trabalhos

(jardineiros, coveiros, vigias, etc.) ou em situações de lazer e turismo, principalmente

depois do reconhecimento patrimonial. Por fim, a pesquisa elaborou um inventário dos

mais de 400 jazigos identificando as tipologias das estruturas, suas dimensões,

lápides, epitáfios, inscrições, adornos e ainda seus estados de conservação.

A terceira pesquisa se refere a requalificação da Alameda Brüstlein, um espaço

construído no início da cidade para servir como jardim de entrada da Maison,

residência que abriga o Museu Nacional de Imigração e Colonização (MNIC). As

palmeiras que completam o conjunto paisagístico da Alameda foram semeadas em

1867 e replantadas em 1873, pelo diretor da Colônia que trouxe consigo de uma

viagem ao Rio de Janeiro sementes das palmeiras do Jardim Botânico (FICKER,

1965). Este espaço sofreu diferentes modificações, como a retirada de algumas

palmeiras para o alargamento e abertura de ruas e o fechamento da sua área central

transformando-se em um Boulevard. Em 2012, uma requalificação a transformou em

uma rua novamente, com passagem de carros nas laterais e pedestres em sua área

central. O empreendimento foi acompanhado pelo Monitoramento e Salvamento

Arqueológico da Alameda Brüstlein, Joinville/SC (2012) (Processo n.

01510.000325/2012-47), e profissionais da CPC, do Centro de Preservação de Bens

Culturais (CPBC) e do MNIC. A pesquisa registrou aterros e recolheu artefatos nos

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pontos que sofreram intervenções para sondagens e instalação de redes hidráulica e

elétrica. Foram 611 fragmentos classificados em construtivo (tijolo, telha, reboco,

cimento, concreto), cerâmica (de barro, faiança, porcelana e grés), vidro, metal,

madeira, vegetal, osso, concha, rocha, plástico, papel e couro. Por fim, foram feitas

ainda 19 amostras de sedimentos. Cabe salientar que os materiais se encontram no

acervo do MASJ.

Uma última pesquisa se refere a antiga Metalúrgica Wetzel, no centro da

cidade, tombada municipalmente em 2009, que passou por uma restauração para

abrigar o Centro Universitário Católica SC. Incluindo o restauro, iniciado em 2010, e a

construção de algumas estruturas novas, o empreendimento contou com a

Prospecção Arqueológica Histórica na Área de Ampliação do Centro

Universitário – Católica de Santa Catarina – Joinville – SC (2013) (Processo n.

01510.002750/2013-51), desenvolvida pela Universidade do Sul de Santa Catarina

(Unisul). De acordo com Haynosz (2014), a indústria teve sua origem na transferência

da família Wetzel para residência e galpão de fabricação de velas e sabão, o

empreendimento da família, na Rua Visconde de Taunay. Posteriormente, os filhos

iniciaram a construção da empresa que daria o nome da Companhia Wetzel, na Rua

Senador Felipe Schmidt. “Em 1966, se adequando ao recebimento da empresa, passa

a ser uma sociedade anônima, mudando o seu nome para Metalúrgica Wetzel S.A.”

(HAYNOSZ, 2014, p. 71). Nas décadas seguintes, a indústria se abriu para mercados

externos e com o fortalecimento das exportações, adquiriu a Foundry Engineers nos

Estados Unidos, incorporou a Metalúrgica Douat S.A. e a Wetzel Fundição de Ferro

S.A., para em 2010 abandonar as instalações nas Rua Senador Felipe Schmidt

(HAYNOSZ, 2014, p. 71). O conjunto tombado inclui a casa e a fábrica de velas e

sabão em enxaimel e datados do final do século XIX, a chaminé dos anos de 1920, o

conjunto da Rua Senador Felipe Schmidt em alvenaria e a casa dos arcos, a antiga

residência da família.

1.2 O MONITORAMENTO ARQUEOLÓGICO

Para a fase do monitoramento, que cobriu cerca de 120 dias do

empreendimento, a pesquisa contou com a presença de profissionais da arqueologia

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com responsabilidade pela gestão do patrimônio arqueológico eventualmente

identificado durante a execução do empreendimento (Figura 1). A ação considerou os

registros documentais e fotográficos georreferenciados da execução das obras,

garantindo que as intervenções fossem executadas sem causar danos ao patrimônio

arqueológico existente conhecido ou não. No entorno das ruas que sofreram

intervenções, foram levantadas informações referentes ao patrimônio cultural.

Figura 1 – Monitoramento arqueológico das ruas Fernando de Noronha e Jerônimo Coelho

Fonte: Ruas Jerônimo Coelho e Fernando de Noronha (ALMEIDA, 2018).

Vale ressaltar que não se previu a prospecção ou salvamento arqueológico, e

em caso de achados, seguindo as orientações do Iphan, determinar-se-ia a

paralisação dos trechos identificados, comunicando-se este Instituto sobre existência

de patrimônio arqueológico. Apesar de não terem sido encontrados artefatos e

estruturas durante esta fase, estabeleceu-se como medida preliminar, a conservação

de bens arqueológicos em conformidade com a Portaria n. 196 de 2016 do Iphan, em

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consonância com as práticas adotadas pelo MASJ e os padrões museográficos,

respeitando a fragilidade, a materialidade e as análises a serem realizadas.

1.3 LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES PATRIMONIAIS

Para levantar informações sobre os sítios de diferentes períodos ou ainda

ocorrências históricas na área e entorno do empreendimento, a pesquisa acessou os

acervos do Arquivo Histórico de Joinville (AHJ), Coordenação de Patrimônio Cultural

(CPC) de Joinville, Laboratório de História Oral da Univille e MASJ, e da Fundação

Catarinense de Cultura (FCC) e Iphan de Santa Catarina, levantando registros

documentais textuais, iconográficos e cartográficos e orais.

1.3.1 Bens patrimoniais protegidos

Em decorrência da possibilidade das soluções de engenharia causarem

impacto nas estruturas antigas presentes no caminho do empreendimento,

considerando a sua fragilidade ou a ausência de fundação, os agentes de preservação

patrimonial foram notificados. Estes receberam as informações das unidades

protegidas, em âmbito federal, estadual e municipal, para que pudessem orientar os

profissionais em campo (Quadro 1).

Quadro 1 – Bens tombados na área diretamente afetada do empreendimento

N. Imagem Endereço Proteção

01

Rua Jerônimo Coelho,

240

Tombamento Municipal

(Processo n. FCJ. CPC. 2008-006)

Decreto por anuência

02

Rua Jerônimo Coelho,

233

Tombamento Estadual

(P.T. n. 245/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

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N. Imagem Endereço Proteção

03

Rua Jerônimo Coelho,

345

Tombamento Estadual

(P.T. n. 246/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

04

Rua do Príncipe, 372

Tombamento Estadual

(P.T. n. 235/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

05

Rua do Príncipe,

403/405

Tombamento Estadual

(P.T. n. 236/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

06

Rua do Príncipe, 415

Tombamento Estadual

(P.T. n. 237/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

07

Rua do Príncipe, 461

Tombamento Estadual

(P.T. n. 240/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

08

Rua do Príncipe, 434

Tombamento Estadual

(P.T. n. 238/2000)

Decreto nº 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

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N. Imagem Endereço Proteção

09

Rua do Príncipe, 458

Tombamento Estadual

(P.T. n. 239/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º

10

Alameda Brüstlein, “Rua

das Palmeiras”

Tombamento Municipal

(Processo n. FCJ. CPC. 2005-002)

Decreto n. 12.276 de 9 e

março de 2005

11

Rua do Príncipe, 501

Tombamento Estadual

(P.T. n. 241/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

12

Rua São Francisco,

110, esquina com

Avenida Juscelino

Kubitscheck

Tombamento Estadual

(P.T. n. 262/2000)

Decreto nº 3.461 de 23 de

novembro de 2001

15

Rua Engenheiro

Niemayer, 255

Tombamento Estadual

(P.T. n. 252/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

18

Rua Visconde de

Taunay, 288

Tombamento Municipal

(Processo FCJ-CPC-2009-007)

Decreto n. 26.236 de 8 de

janeiro de 2016

Nível de Preservação:

Preservação Parcial (PP)

20

Rua Senador Felipe

Schmidt, 228 (Indústria

Metalúrgica Wetzel)

Tombamento Municipal

(Nº FCJ. CPC. 2005-009)

Decreto n. 16.162 de 20 de

novembro de 2009

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N. Imagem Endereço Proteção

21

Rua Visconde de

Taunay, 456-466

Tombamento Estadual

(P.T. n. 263/2000)

Decreto n. 3.461 de 23 de

novembro de 2001

Lei Municipal 1773 de 10 de

dezembro de 1980, Art. 3º.

Fonte: Fernanda Mara Borba (2018).

Considerando que as 21 estruturas indicadas têm proteção estadual e

municipal (Quadro 1), o levantamento foi encaminhado ao Iphan-SC e ao MASJ para

informação, e para a FCC, em Florianópolis, e CPC da Prefeitura Municipal de

Joinville, para orientação, salvaguardando o patrimônio histórico cultural reconhecido

e existente na área do empreendimento.

1.3.2 O antigo cais e Mercado Público de Joinville

O antigo cais e Mercado Público Municipal de Joinville, presentes na área do

empreendimento, não possuíam, no momento da pesquisa, uma proteção patrimonial

federal, mas foram alvos de registros escritos e iconográficos ao longo do século

passado e deste, reunidos pela pesquisa.

Como mencionado, os rios Mathias e Cachoeira foram importantes no passado

por receberem parte dos primeiros ocupantes da cidade a partir das imediações do

atual Mercado Público Municipal de Joinville. De acordo com Maria Cristina Alves, no

Diagnóstico Arqueológico para as Obras de Implantação de Abrigo de

Passageiros e Cais Flutuante, em Joinville, SC (2006) (Processo n.

01510.000094/2006-23, Portaria Iphan n. 221/2206), o espaço escolhido para receber

as estruturas de apoio aos imigrantes passou por aterros e obras de desassoreamento

e retificação do leito do Rio Cachoeira. Seus levantamentos também apontaram uma

preocupação, já no início da Colônia, com a regularização do Rio Cachoeira para

proteger a área contra enchentes. E ainda intervenções em seu leito para melhorar a

sua navegabilidade: “[...] Léonce Aubé levantou o curso superior do rio nos períodos

de maré baixa” (S. THIAGO, 2002, p. 48 apud ALVES, 2006, p. 7).

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Sobre o espaço escolhido para o Mercado Público e o Cais Conde D’Eu, o

historiador Adolfo Bernardo Schneider (s.d., p. 33a) afirma ter sido necessário um

aterro por formar no passado uma ilhota, entre as atuais ruas 7 de Setembro e Abdon

Batista. Antes disso, a área se configurava como uma enseada, uma “[...] pequena

praia oval, pantanosa e negra como betume, onde abicavam as canoas dos lavradores

e pescadores rio abaixo” (MIRA, 1951, p. 14 apud ALVES, 2006, p. 7). Os registros

fotográficos do período, acessados por esta e demais pesquisas sobre o Cais Conde

D’Eu, o Mercado Público e a zona portuária da cidade, também reforçam essa

informação (Figura 2).

Figura 2 – Área do porto e o Rio Cachoeira

Fonte: Acervo do Arquivo Histórico de Joinville (s.d.).

Outro ponto importante se refere ao cais denominado como “Poschaan” por ter

sido o porto de embarque e desembarque dos passageiros do vapor “Babitonga” no

início do século passado (OLIVEIRA, 1951, p. 123, SCHNEIDER, s.d., p. 40b apud

ALVES, 2006, p. 8). Situado defronte a Rua Boussingault, atual 7 de Setembro, este

foi anteriormente conhecido como atracadouro Dampferstation – estação de vapores

– (SCHNEIDER, s.d., p. 57b) (Figura 3).

Figura 3 – Registros da Rua 7 de Setembro, com atracadouro e prédio da Cia. Industrial (a) e o abrigo de passageiros (b) (direita) e estruturas atuais com apenas o edifício situado na Rua Rio Branco defronte a 7 de Setembro (esquerda)

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Fonte: Acervo do Arquivo Histórico de Joinville (s.d.) e Graciele Tules de Almeida (2018).

Na pesquisa foram encontrados remanescentes nestas áreas que,

considerando a localização e os levantamentos dos estudos acima mencionados,

possivelmente se referem a este atracadouro. Junto a este porto estava a sede da

Cia. Industrial, não mais existente, cuja importância, de acordo com os levantamentos

de Alves (2006), se dava pela acumulação de capital na cidade a partir do

beneficiamento e comercialização de erva-mate, produção de cal e navegação de

cabotagem.

2. A PAISAGEM E OS LUGARES PERSISTENTES: O RIO MATHIAS

As margens do Rio Mathias serviram como base para a construção das casas

dos ocupantes de Joinville no século XIX. Devido ao contínuo processo de

urbanização, o rio acabou confinado em galerias subterrâneas e coberto por ruas e

edificações. As baixas altitudes junto à foz e o efeito das marés, associados à

urbanização de lugares inadequados, causaram frequentes problemas de inundações

na região central da cidade, atingindo também alguns afluentes, principalmente os rios

Itaum-açú, Bucarein, Jaguarão e Mathias.

A preocupação com o rio, ficou caracterizada desde o início da ocupação de

suas margens, como apontou Maria Cristina Dias (WEB, 2018), quando destacou a

mobilização liderada por Carl Lewin, representante do Conselho Comunal da Colônia,

em 1865, 14 anos após a instalação dos primeiros colonos. O movimento de Lewin

reivindicava a regulamentação e o estabelecimento de restrições quanto ao uso das

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águas do Rio Mathias, evitando dessa forma, a contaminação do manancial. As

divididas discussões, registradas no Jornal Kolonie Zeitung em 1865, pararam na

Câmara Municipal de São Francisco, a qual a vila estava subordinada. Depois de

algumas votações, a petição de oposição da versão ambientalista, que reclamava o

livre o uso das águas do rio, foi acatada. Segundo Dias, os argumentos ambientalistas

não surtiram efeito naquele momento e o uso indiscriminado do Mathias foi liberado

em determinados trechos. Por muito tempo esse rio também foi a principal fonte de

água para os moradores da Colônia, principalmente para os estabelecidos nas ruas

Alemã, do Meio, Cachoeira, do Porto (atuais Visconde de Taunay, XV de Novembro,

Princesa Izabel e 9 de Março).

Além das reivindicações quanto ao uso do Mathias, o manancial serviu de

marco para determinação da construção da primeira estrutura para a recepção dos

colonos chegados em 1851. A área foi delimitada sob o comando de engenheiro

Hermann Günther, conforme destaca Ficker (1965, p. 61-62)

Subindo o pequeno riacho ‘de águas puras e cristalinas’, mais tarde chamado Ribeirão Mathias a uma distância de 100 braças (220 metros) do Rio Cachoeira, derrubou-se a mata virgem para abrir as primeiras clareiras. Construíram-se em seguida dois ranchos espaçosos, nas duas margens do riacho, ligados por uma pequena ponte rústica [entre as ruas 9 de Março e XV de Novembro].

Os motivos para a escolha das suas margens foram registrados em carta de

1851 do Allgemeine Auswanderungs Zeitung, Jornal Universal da Emigração de

Rudolstadt, traduzida por Brigitte Brandenburg e apontada por Dias (WEB, 2018). O

relato indica a qualidade da água do rio como um dos fatores para a escolha do local

pelo engenheiro Hermann Günther:

Eu escolhi para o primeiro ponto de estabelecimento o rio Mathias. Isto foi resolvido com critério e cuidado, sem deixar de tomar todas as informações devidas. O rio possui água corrente saudável, de boa vazão, e pode ser navegável até bem acima do local escolhido, o que servirá para desembarcar os colonos. Mais tarde também servirá para construir caminhos (ao longo do rio), o que envolverá o uso de menores recursos.

Nesse processo a Rua Visconde de Taunay nasceu como Mathiaspikade

(Picada do Mathias): nela os imigrantes de origem germânica se estabeleceram, a

nomeando como Deutsche Strasse (Rua Alemã) (SILVEIRA, 2008).

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Conforme a criação do engenheiro Pedro Silva Inácio, que desenhou o mapa

do Mathias a partir da ilustração de Theodor Rodowicz publicada em 1853 na “A

Colônia Dona Francisca no Sul do Brasil”, a implantação das primeiras casas no

entorno do Mathias demonstra a importância desse manancial na época (Figura 4).

Figura 4 – Traçado das principais ruas que seguiram o traçado do Rio Mathias – 9 de Março (Hafenstrasse), do Príncipe (Zigeleistrasse), Princesa Isabel (Obere Hafenstrasse), Dr. João Colin (Nordstrasse), Visconde de Taunay (Mathias Strasse) e XV de Novembro (Mittelweg) – pelo engenheiro Pedro Silva Inácio

Fonte: Dias (WEB, 2018).

A imagem também apresenta as principais vias que seguiram atreladas ao

traçado do Rio Mathias, sendo elas a Rua 9 de Março (Hafenstrasse), do Príncipe

(Zigeleistrasse), Princesa Isabel (Obere Hafenstrasse), Dr. João Colin (Nordstrasse),

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Visconde de Taunay (Mathias Strasse) e XV de Novembro (Mittelweg) (Figura 1). Além

de marco territorial e paisagístico, o Rio Mathias deu nome à primeira publicação da

colônia, o Der Beobachter am Mathiasstrom (O Observador às Margens do Rio

Mathias) (BRUHNS, 1999) (Figura 4). O primeiro jornal foi lançado em março de 1852,

por Karl Konstantin Knüppel. Nessa publicação foram registrados além da batalha

ambiental já citada anteriormente, o papel central do rio na vida dos primeiros colonos,

sendo enaltecido por isso “o rio Matias vinha assim como o Ganges, o Jordão, e outros

rios considerados sagrados e eternos”. Este foi o motivo pelo qual o mesmo foi

batizado de “Matthiasstrom”, em alusão a “Heiligen Stromes”, rio caudal sagrado”,

revela Brigitte Brandenburg, que traduziu a publicação (DIAS, WEB, 2018).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: O MATHIAS E A PAISAGEM

Ao longo do tempo, o Rio Mathias e suas margens sofreram inúmeras

alterações, provocadas tanto pela transformação da Colônia em cidade, como pela

interação das pessoas com o espaço físico, permeado de experiências. Nesse

sentido, a paisagem convoca a pensar sobre esse processo e as formas de sua

interpretação, pensando nos lugares e seus sentidos. Schamma (1996, p. 17) pontua

que a paisagem “antes de poder ser um repouso para os sentidos, [...] é obra da

mente. Compõe-se tanto de camada de lembranças quanto de estratos de rochas

[grifos nossos]”. Sobre ela e os lugares, Browser e Zedeño (2009) colocam que para

os lugares significativos e ao mesmo tempo persistentes, as camadas de interação e

temporalidades se sobrepõem compondo paisagens. Para estas,

Place is the repository of sequences of actions that, through time and repetition, become part of a people's "tradition." Such sequences of actions may be evident, for example, in the types of artifacts and features associated with multiple occupations of a given locale or in visibly consistent use practices that modify a place and its irnmediate surroundings according to its users' needs. If, through time, a place remains relatively undisturbed, then the artifacts, features, and modifications can become anchors of individual and group memories, of collective knowledge about land and history, and of moral lessons needed to maintain social cohesion (BROWSER; ZEDEÑO, 2009, p. 8).

Nesse contexto, a paisagem pode ser entendida como a estrutura, o suporte

necessário interligando sujeitos e lugares, desvelando questões sobre a relação entre

Page 15: O RIO MATHIAS NA PAISAGEM JOINVILENSE E OS ......Joinville (MASJ). Apesar da ausência de sítios arqueológicos cadastrados nessas áreas, foram identificadas quatro pesquisas de

indivíduos e ambientes. Mas também como artefato social, carregada de

intencionalidade, signos e representações dessas diferentes sociedades.

Outro conceito que reflete essa especificidade é o de lugar, que nos estudos

de arqueologia e patrimoniais apresentam não somente a escolha de locais

específicos com base na necessidade de obtenção e na disponibilidade de recursos,

mas também em lugares significativos e que podem estar relacionados à memória de

seus antepassados, ao olhar mais particular e sensorial dos indivíduos ou mesmo à

cosmovisão de determinados grupos. Esses lugares são a chave para a compreensão

da paisagem, pois revelam a estratigrafia de atividades sobrepostas sincrônicas e

diacrônicas, numa rede de lugares, estruturando os sentidos e a percepção sobre

determinado espaço apropriado, caracterizado como lugares significativos, conforme

apontam Browser e Zedeño (2009, p. 6)

At its simplest and most useful for archaeological pursuits, place is a discrete locus of behavior, materiais, and memory—a meaningful locale, a product of people's interactions with nature and the supernatural as well as with one another. As noted above, the concept "place" encompasses a wide array of spatial categories, not the least of which are physiographic features such as caves, mountains, springs, ancient trees, and salient rock outcrops

Dessa forma, o Rio Mathias pode ser entendido como um Meaningful Place, um

lugar significativo, ao ser ponto estruturante das relações e interações sociais estabelecidas

em diferentes momentos, interligando uma rede de outros lugares, no passado e no

presente.

REFERÊNCIAS

ALVES, Maria Cristina. Diagnóstico Arqueológico para as Obras de Implantação de Abrigo de Passageiros e Cais Flutuante, em Joinville, SC. Relatório Final. Joinville: OPA Consultores Associados, 2006. BORBA, Fernanda Mara Borba; ALMEIDA, Graciele Tules de; KRASSOTA, Anna Kelly. Monitoramento arqueológico e educação patrimonial das obras de ampliação da capacidade hidráulica do Rio Mathias, em Joinville, SC. Relatório Final. Joinville: Azimute, 2018. BROWSER, Brenda J.; ZEDEÑO, María Nieves. The Archaeology of Meaningful Places. Salt Lake City: The University of Utah Press, 2009.

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BRUHNS, Katianne. A ruptura no processo cultural de Joinville a partir da campanha de nacionalização. Esboços – Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 36-43, 1994. DIAS, Maria Cristina. Ribeirão Mathias – uma preocupação antiga. Disponível em: http://mariacristinadias.com.br/historias/ribeirao-mathias-uma-preocupacao-antiga/. Acesso em: 10 fev. 2018. FICKER, C. História de Joinville: Crônica da Colônia Dona Francisca. Joinville: Ipiranga, 1965. FONTOURA, Arselle A. da et al. Cemitério do Imigrante: Pesquisa, Interdisciplinaridade e Preservação. Relatório Final. Joinville: Fapesc; FCJ; MASJ; AHJ, 2007. HAYNOSZ, Sieli. Preservação do patrimônio industrial em Joinville: um estudo de caso do conjunto Wetzel. 2014. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade) – Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2014. KRISCH, Hilda Anna. História do cemitério dos imigrantes e da casa da memória do imigrante. Joinville: Arquivo Histórico, 1991. SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. SCHLINDWEIN, Izabela Liz. Julie Engell-Gunter: um novo olhar sobre a Colônia Dona Francisca. 2011. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade) – Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2011. SILVEIRA, Wivian Nereida. Análise histórica de inundação no município de Joinville – SC, com enfoque na bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte. 2008. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.