O REGIME DE BENS NO CASAMENTO INTERNACIONAL: … · Bens no Casamento Internacional: Direito...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE CARLA QUINTANA STRACCIONI O REGIME DE BENS NO CASAMENTO INTERNACIONAL: DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO Novo Hamburgo 2009

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE

CARLA QUINTANA STRACCIONI

O REGIME DE BENS NO CASAMENTO INTERNACIONAL: DIREITO

INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO

Novo Hamburgo

2009

CARLA QUINTANA STRACCIONI

O REGIME DE BENS NO CASAMENTO INTERNACIONAL: DIREITO

INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Direito

pelo Centro Universitário Feevale.

Orientador: Daniel Sica da Cunha

Novo Hamburgo

2009

CARLA QUINTANA STRACCIONI

Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Direito, com título O Regime de

Bens no Casamento Internacional: Direito Internacional Privado Brasileiro, submetido

ao corpo docente do Centro Universitário Feevale, como requisito necessário para a

obtenção do Grau de Bacharel em Direito.

Aprovado por:

___________________________

Professor Orientador

Daniel Sica da Cunha

___________________________

Professor (Banca Examinadora)

___________________________

Professor (Banca Examinadora)

Novo Hamburgo, 14 de novembro de 2009.

DEDICATÓRIA

À minha família, meu porto seguro.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, a Deus, que sempre guiou meus passos, por ter me

acompanhado nesta jornada e ter me dado força e perseverança para alcançar meu

objetivo.

Aos meus amados pais, Carlos e Maria, pelo apoio, pelo carinho e pela

compreensão, sem os quais não conseguiria cumprir mais uma etapa em minha

vida.

A meu namorado, Mario, por sempre me incentivar .

Ao Professor Orientador, Daniel Sica da Cunha, pela paciência e pela

dedicação dispensada.

Aos grandes amigos, que sempre estiveram ao meu lado em todos os

momentos e, portanto, hoje, fazem parte desta conquista.

Enfim, a todos que torcem pelo meu sucesso e que, de alguma forma,

contribuíram ao longo desta caminhada, o meu muito obrigada!!

Família é quem você escolhe pra viver

Família é quem você escolhe pra você

Não precisa ter conta sanguínea

É preciso ter sempre um pouco mais de sintonia

O RAPPA

RESUMO

A circulação de pessoas de nacionalidades diversas entre países torna-se cada vez mais freqüente, causando certos conflitos no Direito Internacional Privado, nas relações jurídicas. A presente pesquisa tem como objeto o direito de família, mais especificamente, o casamento civil no Direito Internacional Privado, trazendo a Lei de Introdução ao Código Civil para o presente estudo e, através deste, analisar e demonstrar o Direito Internacional Privado em relação ao matrimônio e seus efeitos no ordenamento jurídico internacional. Para possibilitar o desenvolvimento do trabalho, além da pesquisa na farta doutrina e em algumas revistas jurídicas, foi compilada uma considerável quantidade de jurisprudência de diferentes Tribunais, com o escopo de enriquecer o estudo. A pesquisa é dividida em três partes. Na primeira, o casamento como instituto da família internacional, em segundo momento, um breve histórico do método conflitual e do Direito Internacional Privado e, em terceiro, o casamento e seus efeitos para o Direito Internacional Privado.

Palavras-chave: Direito Internacional Privado. Família Transnacional. Direito

Civil. Casamento.

ABSTRACT

The movement of people of different nationalities between countries is becoming increasingly frequent, causing some conflicts in private international law, in legal relations. This research was focused family law, but specifically the civil marriage in private international law, bringing the Law of Civil Code for the present study, through this, analyze and demonstrate the private international law on marriage and its effects on international legal order. To enable the development work, in addition to abundant research in doctrine, in some legal journals, has compiled a considerable amount of case law from different courts, with the scope to enrich the study. The research is divided into three parts. In the first marriage as an institute of international family, second time in a brief historiography of the method confrontational and private international law, and third marriage and its effects on Private International Law.

Keywords: Private International Law, Transnational Family, Civil Law,

Marriage.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 CASAMENTO COMO INSTUIÇÃO DA FAMÍLIA INTERNACIONAL . ........... 12

1.1 A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DO CASAMENTO E O REPENSAR DO

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PELA LÓGICA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS .................................................................................................. 12

1.2 DIREITO DE FAMÍLIA NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ................ 15

1.2.1 Família Transnacional ............................. ......................................... 18

1.2.2 Identidade Cultural ............................... ............................................ 19

2 HISTÓRIA DO MÉTODO CONFLITUAL E DO DIREITO INTERNAC IONAL

PRIVADO .................................................................................................................. 23

2.1 CONCEITO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ................................. 23

2.2 DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO FORMAL ........................................... 27

2.2.1 Regras de Conexão ................................. ......................................... 29

2.2.2 Estatuto Pessoal .................................. ............................................ 34

3 O CASAMENTO E SEUS EFEITOS PARA O DIREITO INTERNACI ONAL

PRIVADO .................................................................................................................. 41

3.1 QUESTÕES SOBRE O CASAMENTO INTERNACIONAL .............................. 43

3.1.1 Casamento celebrado no Brasil ..................... ................................. 43

3.1.2 Capacidade para casar do indivíduo domiciliado no e xterior ...... 45

3.1.3 Habilitação de nubentes divorciados no estrangeiro ................... 46

3.1.4 Registro do casamento consular no Brasil .......... .......................... 49

3.2 CASAMENTOS CELEBRADOS NO EXTERIOR ............................................ 50

3.2.1 O casamento celebrado no exterior perante a autorid ade consular

brasileira ........................................ ................................................................ 52

3.3 OS EFEITOS PESSOAIS DO CASAMENTO E AS REGRAS DE DIREITO

INTERNACIONAL PRIVADO ................................................................................ 54

3.3.1 O domicílio conjugal .............................. .......................................... 54

3.3.2 Outorga Uxória .................................... ............................................. 56

3.3.3 Direito ao nome de família ........................ ....................................... 57

3.3.4 Não-expulsão de estrangeiro ....................... ................................... 59

3.4 EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO ................................................. 60

3.4.1 A lei aplicável ao regime de bens do casamento .... ...................... 60

3.4.2 A imutabilidade do regime de bens ................. ............................... 63

3.4.3 Regime convencional de bens - pactos antenupciais . .................. 65

3.4.4 A questão da comunicação dos aquestos ............. ........................ 66

3.4.5 Restrição à aquisição de bens imóveis por estrangei ros ............. 67

3.4.6 A qualidade de herdeiro do cônjuge sobrevivente.... .................... 68

3.4.7 A dissolução do casamento ......................... ................................... 68

CONCLUSÃO ......................................... .................................................................. 72

10

INTRODUÇÃO

O mundo globalizado coloca cada vez mais situações de relações

internacionais, trazendo, em conseqüência, miscigenação da família, ou seja,

mistura cultural. Isso transforma a família e, diretamente, tende a trazer mudanças

ao casamento.

Tento em vista tais situações, surge a necessidade de diferentes estudos

sobre o Direito Internacional Privado, para trazer uma certa segurança jurídica a

essas relações jurídicas internacionais, que se tornam cada dia mais freqüentes.

O presente trabalho tem por objetivo estudar, primeiramente, um assunto

que vem ganhando grande relevância na disciplina de Direito Internacional Privado:

a importância do casamento no âmbito do direito internacional pela lógica dos

direitos humanos. Para tanto, é abordada sua conexão, de modo a realizar a

necessária intervenção no conflito de leis.

Um segundo momento, mas ainda dentro do primeiro capítulo, será

abordada a família no Direito Internacional Privado, trazendo essas mudanças no

âmbito internacional, como a chamada família transnacional, que vem crescendo a

cada momento, demonstrando que é possível existir tal família transnacional sem

perder sua identidade cultural.

No segundo capítulo, será tratada a norma de Direito Internacional Privado,

juntamente com a aplicação da Lei de Introdução ao Código Civil, trazendo uma

comparação dentro dos princípios que norteiam o Direito Internacional Privado e

suas formas de aplicação como regra de conexão (critérios de territorialidade,

nacionalidade e domicílio), tomando o cuidado de destacar cada aplicação e

trazendo a diferenciação do elemento de estraneidade, objeto de conexão e

elemento de conexão.

Por fim, destacará o casamento e seus efeitos para o Direito Internacional

Privado, colocando a celebração do casamento internacional perante autoridade

consular e sua validade no Brasil, demonstrando a possibilidade de o nubente

contrair matrimônio no exterior e tornar os seus efeitos válidos no Brasil, bem como

apontando os efeitos pessoais do casamento, como o domicílio, a opção de

permanecer com o nome de família, a outorga uxória na compra de qualquer imóvel

e, por fim, os efeitos patrimoniais do casamento no Direito Internacional Privado.

11

O critério adotado, na elaboração do trabalho, restringiu-se a trazer

conhecimento para melhor compreender o casamento e seus efeitos nas relações

internacionais.

12

1 CASAMENTO COMO INSTUIÇÃO DA FAMÍLIA INTERNACIONAL

1.1 A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DO CASAMENTO E O REPENSAR DO

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PELA LÓGICA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

A preocupação com os direitos humanos ultrapassou limites e espalhou-se

por vários ramos do direito. Portanto, uma reflexão acerca do Direito Internacional

Privado não poderia ficar imune às mudanças referentes aos Direitos Humanos.1

A proteção da pessoa humana é hoje o objeto principal de todo ordenamento

jurídico, influenciando os princípios constitucionais e, indiretamente, a sistemática do

Direito Internacional Privado.2 O Direito Internacional Privado é mais relevante na

interpretação e na utilização dada à questão da proteção da pessoa humana e sua

dignidade, em todas as áreas, mas, em especial, no direito privado.

A doutrinadora Nádia de Araújo traz, em sua obra, um breve histórico sobre

os Direitos Humanos e afirma que “inspiração para discorrer sobre estes novos

caminhos do Direito Internacional Privado foi o convite para o XXVII Curso da OEA3

sobre Direito Internacional, cuja a temática era “A pessoa humana do Direito

Internacional Contemporâneo”4.

Somente com uma análise histórica é que se pode definir o que são os

direitos humanos, através de declarações inseridas em textos constitucionais a partir

1 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 11. 2 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 12 3 A Organização dos Estados Americanos (OEA) é a mais antiga organização regional do mundo, remontando à Primeira Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, D.C., de outubro de 1889 a abril de 1890. Nessa reunião, foi aprovado o estabelecimento da União Internacional das Repúblicas Americanas. A Carta da OEA foi assinada em Bogotá, em 1948, e entrou em vigor em dezembro de 1951. Posteriormente, a Carta foi reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, que foi assinado em 1967 e entrou em vigor em fevereiro de 1970; pelo Protocolo de Cartagena das Índias, que foi assinado em 1985 e entrou em vigor em novembro de 1988; pelo Protocolo de Manágua, que foi assinado em 1993 e entrou em vigor em 29 de janeiro de 1996; e pelo Protocolo de Washington, que foi assinado em 1992 e entrou em vigor em 25 de setembro de 1997. Atualmente, a OEA tem 35 Estados membros. Além disso, a Organização concedeu o status de observador permanente a 62 Estados e à União Européia. Organização dos Estados Americanos . Disponível em: <www.oas.org/pt>. 4 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 13.

13

do século XVII, uma vez que, por meio delas, se procurou contemplar esses direitos

de forma permanente e segura.

Mas é possível dizer que, com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948,

foi-se mais longe, instaurando um catálogo não só de direitos, mas de formas

específicas para sua aplicação. Com isso, nasce uma nova disciplina com a

finalidade de proteger a pessoa humana e também sua dignidade: o Direito

Internacional dos Direitos Humanos. Trata-se de um direito de proteção, voltado à

salvaguarda dos direitos dos seres humanos. 5

Nádia de Araújo cita, em seu livro Direito Internacional Privado, o escritor

Norberto Bobbio sobre a visão de colocar em primeiro lugar os direitos dos seres

humanos e não os dos Estados.6

Concepção individualista significa que antes vem o indivíduo, notem, o indivíduo isolado, que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado e não o contrário; que o Estado é feito pelo indivíduo e não o indivíduo pelo Estado; aliás, para citar o famoso artigo 2°, da De claração de 89, a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o objeto de qualquer associação política.

O princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se, com o tempo, o

centro de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais das Constituições e

no instrumento do direito internacional, oferecendo segurança aos indivíduos e às

coletividades. 7

Nos dias atuais, os países desenvolvidos, como, por exemplo, Alemanha,

França e Portugal, sofreram grandes modificações adotando os preceitos

constitucionais na sua norma interna. 8

A aplicação dos direitos humanos tem o papel de aproximar o Direito

Internacional Público e o Privado, ao invés de torná-los dois direitos distintos, sendo

que o Direito Internacional Público trata de relações entre os Estados, e o Direito

5 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 25 6 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Organização de Michelangelo Bovero. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 480. apud ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008. 7 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 26. 8 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 14.

14

Internacional Privado, de pessoas privadas, porém com o mesmo objetivo: a

preocupação com a pessoa humana.9

Os direitos humanos assumem, a cada dia, maior relevância para o Direito

Internacional Privado, para aplicação quando do conflito de leis.

Contudo a não aplicação da regra de Direito Internacional Privado, que

remete ao direito estrangeiro, em favor da lei local, implicaria um territorialismo

exacerbado e um desrespeito aos direitos individuais. A manutenção do método

conflitou, dentro de uma perspectiva mais flexível, representando uma maneira

positiva de respeito aos direitos humanos. A aplicação do método conflitual garante

aos indivíduos os seus direitos à diferença no que tange à proteção da identidade

cultural.10

Para o Direito Internacional Privado, a proteção da pessoa humana é sua

finalidade principal. Utilizando o método multilateral como forma de solucionar os

conflitos de lei, seus limites devem ser informados pelos direitos humanos, ou

melhor, pela constituição.11

No Brasil, as regras de Direito Internacional Privado precisam se adequar à

sistemática constitucional a partir de 1988 e, ainda, ao Novo Código Civil. No

entanto a Lei de Introdução ao Código Civil, que é de 1942, sendo a principal fonte

normativa do Direito Internacional Privado, encontra-se inalterada, trazendo conflitos

para sua aplicação do direito interno. 12

É necessário adequar a Lei de Introdução ao Código Civil ao paradigma dos

direitos humanos, a fim de equilibrar a aplicação do método conflitual, principalmente

para encontrar uma solução justa para o homem.

9ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 17. 10 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 21. 11 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 22. 12 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 24.

15

1.2 DIREITO DE FAMÍLIA NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

De todo e qualquer ambiente social em que viva o ser humano,

inegavelmente é o seio da família, grupo social formado de pais, irmãos, avós, tios e

outros, que proporciona ao indivíduo a mais importante influência para a formação

da sua personalidade. É na família que se obtêm os primeiros aprendizados para a

busca da felicidade.

A família sempre foi a peça principal para a sociedade, recebendo sua

devida proteção. Vivem-se, no Brasil, várias motivações no âmbito familiar, no

sentido de preservar sua essência. Essa “mudança” vai desde a jurisprudência à

legislação, que, ao final, se consagra na Constituição Federal. Portanto, o novo

Código Civil de 2002 enfrenta diversas modificações nessa área, trazendo a

proteção constitucional do casamento para a família atual, que continua em

mudanças periodicamente.13

Para um maior entendimento do tema, é necessário compreender o direito

de família e seu significado para a sociedade.

Afirma o ilustríssimo Pontes de Miranda que “o direito de família tem por

objeto a exposição dos princípios jurídicos que regem as relações de família, quer

quanto a influência dessas relações sobre as pessoas, quer sobre os bens”.14

Já Orlando Soares ensina que:

No direito de família, embora constitua um ramo do direito privado, os institutos são considerados de ordem pública, isso é, essenciais à tranqüilidade e harmonia no convívio social, de forma a assegurar o mínimo de condições indispensáveis à existência de todos os membros da sociedade.15

Beviláqua definiu de forma perene:

Direito de família é o complexo das normas, que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos, que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e da curatela.16

13 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 417. 14 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado . Campinas: Bookseller, vol 8, 2000, p. 220. 15 SOARES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 90. 16 BEVILÁQUA apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, 2005, p. 25.

16

O novo Código Civil trouxe modificações inovadoras ao Direito de Família,

como a evolução das entidades familiares. Portanto o Código Civil apenas legalizou

alguns dos tantos fatos já existentes na sociedade. Opostamente ao Código Civil de

1916, que era monolítico e extremamente positivista, o atual código Civil é maleável,

interpretado à luz dos princípios constitucionais.17

Em verdade, o Direito de Família posiciona-se, entre os ramos da ciência

jurídica, como aquele que obteve maior revolução social e legislativa, a partir da

promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro, decorrente da mudança de foco, do

patrimônio à pessoa, causa da revolução liberal-burguesa dos três últimos séculos.

Em suma, ocorreu uma despatrimonialização das relações familiares. 18

A família, no decorrer da história, foi se modificando, o pai deixou de ter o

“poder” sobre os filhos, abandonou-se o pátrio poder e instituiu-se o poder

compartilhado dos pais (família).19

O novo Código Civil coloca como papel preponderante a igualdade de

direitos e deveres entre marido e mulher. Como estabelece no artigo 1.56720,

compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração, sempre

no interesse da família. No entanto, no caso de divergências, não mais prevalece a

vontade do homem, sendo facultado a qualquer cônjuge a solução do conflito. 21

A responsabilidade está solidária e não fica limitada ao matrimônio, mas se

estende por mais diversas subdivisões do direito de família, como a união estável,

trazendo uma certa proteção jurídica nas relações patrimoniais. 22

Nesse sentido, as observações de Maria Berenice Dias, citando Zeno

Veloso:

17 DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil (Coordenação Rodrigo Cunha Pereira).3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 5. 18 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais orientadores do direito de família . Belo Horizonte: Del Rey, 2006. 19 DEL’Olmo, Floresbal de Souza. Direito internacional privado: abordagens fundamentais, legislação, jurisprudência.Rio de Janeiro: Forense: 2000, p. 125. 20 BRASIL. Código Civil Comentado . 3ª Ed. São Paulo: RT, 2005. Art. 1.567 . A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. 21 DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil (Coordenação Rodrigo Cunha Pereira).3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 13. 22 DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil (Coordenação Rodrigo Cunha Pereira).3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 192

17

O casamento desencadeia muitos efeitos econômicos, para o sustento do lar, para as despesas comuns, para atendimentos dos encargos da família, incluída nesta rubrica a manutenção da casa, a compra de coisas necessárias à economia doméstica, para o sustento, guarda e educação dos filhos.23

O doutrinador Florisbal de Souza Del’Olmo cita, em sua obra, o mestre

Pontes de Miranda: “O casamento é um contrato de direito de família que regula a

vida em comum (não só a união sexual) entre varão e a mulher”.24

A definição sobre o casamento de Vélez Sarsfield, em sua obra Del

Matrimonio:

El matrimonio es la mas importante de todas las transaciones humanas. Es la base de toda la constitución de la sociedad civilizada. Se diferencia de los otros contratos, em que los derechos, las obligaciones y los deberes de los esposos no son relados por las convenviones de las partes, sino que son matéria de ley civil, ça cual los interesados, sea cual fuere la declaración de su vontad, no pueden alterar en cosa alguma un hecho de la importância y resultado del matrimonio no podria descender a las condiones de uma estipulación cualquiera.25

Esse enunciado é resultado do valor social que representa o casamento,

chegando a obrigar o legislador a prescrever leis sérias e seguras, garantindo a

validade e a segurança jurídica da instituição familiar em todo o nosso planeta.

O casamento civil produz efeitos civis, pessoais e patrimoniais para os

cônjuges e também para terceiros de boa-fé que com eles celebrem negócios

jurídicos (filhos). 26

Portanto, o regime patrimonial do casamento é o estatuto de bens das

pessoas casadas, entendendo-se por bens todos os direitos que têm valor

pecuniário.

23 DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil (Coordenação Rodrigo Cunha Pereira). 3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 193. apud VELOSO, Zeno. Regimes de Bens. In: Pereira da Cunha (Coord.). Direitos de família contemporâneo . Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p.81. 24 Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, tomo VII. Pág. 210. apud DEL’Olmo, Floresbal de Souza. Direito internacional privado: abordagens fundamentais, legislação, jurisprudência.Rio de Janeiro: Forense: 2000, p. 125. 25 TAQUINI, Carlos H. Vidal. Regime de biens en el matrimonio . Buenos Aires: Editora Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1993, p. 169. Tradução livre: “O casamento é o mais importante de todas as operações humanas. É o fundamento de toda a constituição da sociedade civilizada.. Ele difere de outros contratos, em que os direitos, obrigações e deveres dos cônjuges não são por acordo das partes, mas são questões de direito civil, que se interessaram qualquer declaração de sua vontade não pode alterar alguma coisa em um feito da importância e dos resultados do casamento não poderia descer a qualquer condição estipulada”. 26 NUNES, Lydia Neves Bastos Telles. Direito de Família . Regimes Matrimoniais de Bens. Leme, São Paulo: J.H.Mizuno, 2005.

18

No entanto, o direito de família, em sua sociedade pluricultural, requer

reconhecer um direito da família com a proteção da sua identidade cultural, uma

certa “personalização” das respectivas regras para resolver os conflitos de lei em

Direito Internacional Privado27

Todos esses aspectos mostram que a família internacional está em

constante evolução, com isso, o casamento também tem de se adequar, assim

como os demais aspectos jurídicos da vida do ser humano, o que leva os estudiosos

de direito e o legislador a adequar as normas à realidade que vivenciam.

1.2.1 Família Transnacional

Este novo milênio traz grandes mudanças no âmbito do direito de família. A

família atual produz sérias repercussões no direito internacional. Essa família está

cada vez mais transnacional, ou seja, miscigenada, com integrantes de todos os

lados do mundo e, por conseqüência, essas relações repercutem, diretamente, no

Direito Internacional Privado (validade do casamento, regime, a posterior repartição

do patrimônio, em caso de separação e divórcio, a sucessão e as questões

relacionadas às crianças).28

As limitações e as possibilidades da globalização estão afetando todos os

países do mundo. Grandes números de pessoas se movem de um país a outro, de

uma cidade para outra. As imigrações contribuem para essas novas formas de

família: há famílias transnacionais que vivem, literalmente, de um lado para outro,

fragmentadas, sofrendo desvantagens tanto aqueles membros da família que se vão

para outros países bem como os que vêm de outros.29

A definição de família transnacional está ligada à diferença dos imigrantes

de outras épocas e dos imigrantes modernos, que hoje se pode chamar de

"transnacionais", porque mantêm conexões múltiplas com seus países de origem,

27 JAYME, Mult Erik. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito. 2ª Ed. Porto Alegre PPGDir/UFRGS, vol. I, n° 1, 2004. 28 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 417. 29 FALICOV, Célia Jaes. La família transnacional: Un nuevo y valiente tipo de família - Publicado en el número especial 94/5. Disponível em: <http://www.redsistemica.com.ar/articulo94-3.htm>. Acesso em: 15 ago. 2009.

19

utilizando tecnologias modernas de comunicação, tais como telefones, e-mail, envios

de dinheiro e outros bens.30

Os membros integrantes da família (pais, irmãos, avós, tios etc.) moldam o

ser humano, proporcionando a formação do indivíduo na sua personalidade. É na

família que o ser humano adquire a formação do seu caráter.

Hoje, com o mundo “globalizado” e que traz inúmeras oportunidades de se

deslocar com rapidez para qualquer lado do mundo, trazem-se, por conseqüência, a

cultura, as tradições, a religião de cada sociedade, adicionando essas

características às do Direito Internacional Privado, cuja principal função é lidar,

juridicamente, com esse conflito cultural.

1.2.2 Identidade Cultural

No mundo de hoje, há migrações de determinados grupos étnicos que

deixam a sua terra, onde viveram por séculos, para se transferirem para outros

países. Fogem da miséria causada pela guerra ou pela fome, a fim de se

estabelecer em zonas de “bem-estar”.

Esses grupos étnicos não se integram facilmente à nova pátria, eles

conservam sua língua, a religião e certos costumes. Isso influi sobre o direito de

família, em que a religião exerce uma forte influência sobre as regras de direito.

O professor Renato Seixas, no seu artigo Identidade Cultural da América

Latina, coloca, brilhantemente, sua visão sobre identidade cultural:

A identidade cultural é formada com diferentes elementos culturais que podem ter distintos significados intertextuais para cada indivíduo ou grupo social. São elementos culturais os valores sociais e os modos de pensar, os costumes e o estilo de vida, as instituições, a história comum, os grupos étnicos, o meio ambiente natural e cultural, os pressupostos filosóficos subjacentes às relações sociais e outros elementos a que certa sociedade atribui significados culturais intertextuais específicos. Com base em elementos como esses, o indivíduo e o grupo social formam a convicção de que compartilham uma cultura. Em graus mais amplos de generalização, a

30 FALICOV, Célia Jaes. La família transnacional: Un nuevo y valiente tipo de família - Publicado en el número especial 94/5. Disponível em: <http://www.redsistemica.com.ar/articulo94-3.htm>. Acesso em: 15 ago. 2009.

20

identidade cultural pode ser caracterizada a partir dos conceitos de nação e de civilização.31

A formação de uma identidade cultural pressupõe, necessariamente, a

alteridade e a diferença. Exige o reconhecimento da existência do outro e a

aceitação de que o outro é diferente. Os elementos culturais caracterizadores de

diferenças entre dois ou mais sujeitos, ou grupos, formam suas respectivas

identidades culturais. Um sujeito ou grupo sabe quem é à medida que consegue

perceber quem não é, ou seja, quando não adota os mesmos elementos de

identificação cultural que o outro adota, ou quando atribui a certos elementos

culturais significados diferentes dos significados adotados pelo outro para os

mesmos elementos. 32

Quanto mais universalizantes forem os elementos de identificação cultural e

seus respectivos significados, maior será o número de indivíduos e grupos que

compartilharão a mesma identidade cultural. Na hipótese inversa, será menor o grau

de identificação cultural dos indivíduos ou grupos. Não existe uma só identidade

cultural para um indivíduo ou grupo social. Há vários graus e dimensões possíveis

de identificação cultural, mais amplos ou mais restritos. O mesmo indivíduo ou grupo

social pode ter várias e diferentes identidades culturais, conforme o grau de

generalização ou universalização dos elementos e significados culturais adotados

em cada caso. É preciso ter em mente esses aspectos quando se indaga sobre a

possível existência de uma identidade cultural.33

A identidade da família constitui a preservação das tradições culturais

trazidas pelas famílias, essas misturas de nacionalidades, citando como exemplo o

pai com nacionalidade alemã, que se casa com uma brasileira e contrai matrimônio

em Portugal onde reside. Esse exemplo é a típica família transnacional, essa família

que se desloca para outros países, tentando, acima de tudo, manter suas tradições,

tentando preservar o idioma, as danças, a comida, etc.

31 SEIXAS, Renato. Identidade Cultural da América Latina: Conflitos Culturais Globais e Mediação Simbólica. Disponível em: <http://www.usp.br/prolam/downloads/ 2008_1_4. pdf>. Acesso em: 14 ago. 2009. 32 FALICOV, Célia Jaes. La família transnacional: Un nuevo y valiente tipo de família - Publicado en el número especial 94/5. Disponível em: <http://www.redsistemica.com.ar/articulo94-3.htm>. Acesso em: 15 ago. 2009. 33 SEIXAS, Renato. Identidade Cultural da América Latina: Conflitos Culturais Globais e Mediação Simbólica. Disponível em: <http://www.usp.br/prolam/downloads/ 2008_1_4. pdf>. Acesso em: 14 ago. 2009.

21

Aqui no Brasil, na região sul, várias cidades tentam manter acesas as

tradições e a cultura de seus países de origem. Um pedaço da Alemanha encravado

em plena Santa Catarina. Assim é o Vale do Itajaí, no Estado de Santa Catarina,

onde cidades como Blumenau, Brusque e Pomerode preservam a cultura e as

tradições dos imigrantes Alemães que colonizaram a região. Essa reverência

germânica é visível na arquitetura e na culinária, no artesanato, nas festas e no

idioma.34

No Rio Grande do Sul, na região da Serra Gaúcha, preserva-se a tradição

Italiana, em todos os seus aspectos. Já nas grandes metrópoles, fica mais

complicado manter essas tradições, mas também existem regiões na cidade São

Paulo, que até hoje as mantêm, como, por exemplo, o bairro Liberdade, n qual vivem

milhares de imigrantes japoneses.35

Mesmo fora de seu país, os imigrantes mantêm suas tradições e sua cultura,

como a culinária, as danças, as roupas típicas e o cultivo do idioma, uma vez que,

em casa, os imigrantes permanecem falando a língua materna.

Esses sujeitos se defrontam com um novo país, onde são vistos como

diferentes das outras pessoas. Quando se fala em integração, não se busca

igualdade, mas direito e respeito às diferenças. O que se pretende é aceitar a

maneira particular de cada pessoa - de cada imigrante - de ver o mundo.

Mas como se trata de um tema novo, no âmbito da unificação do direito

substancial nas comunidades regionais, surge a questão se a unificação deveria

respeitar certo limites postos pela identidade cultural dos sistemas jurídicos

nacionais dos Estados-Membros.36

Pode-se perguntar qual é o papel do Direito Internacional Privado nos

conflitos de civilização que determinam a política mundial de nosso tempo.

O que importa mencionar, no direito de família, é se os indivíduos têm um

interesse forte no reconhecimento universal de suas relações jurídicas. A família não

conhece fronteiras políticas. 37

34 Cultura Japonesa . Disponível em: <http://www.culturajaponesa.com.br/htm/historiadaliberdade.html>. Acesso em: 30 out. 2009. 35 Fundação Catarinense de Educação Especial . Disponível em: <http://www.fcee.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=33&Itemid=83>. Acesso em: 30 out. 2009. 36 JAYME, Mult Erik. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito. 2ª Ed. Porto Alegre PPGDir/UFRGS, vol. I, n° 1, 2004, p. 152. 37 JAYME, Mult Erik. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito. 2ª Ed. Porto Alegre PPGDir/UFRGS, vol. I, n° 1, 2004, p. 152.

22

Portanto, o papel do direito internacional privado, como um ramo de Direito

que estimula o diálogo entre as culturas, aparece em uma sentença da Corte

Suprema da Bavária de 28 de novembro de 2001.

Um homem e uma mulher de nacionalidade iraniana viviam na Alemanha, o homem como refugiado reconhecido como tal pela Convenção da ONU e a mulher como candidata a asilo. Esperavam um filho. Celebraram o casamento segundo as leis iranianas, no Irã através de um procurador. O filho nasceu e o oficial do cartório deveria decidir sobre o registro do filho como oriundo ou não do casamento. Esta forma de celebração não é admitida na Alemanha; a lei iraniana permite mesmo a escolha do cônjuge pelo procurador. 38

A lei aplicável para a substância do casamento foi a lei alemã, a lei do

domicílio de um refugiado; a lei aplicável à forma do casamento foi a lei do Irã. Cabe

decidir se, na questão da admissibilidade de um verdadeiro procurador, trata-se de

substância do ato e não de forma.39

No caso concreto, ambos já tinham formado um livre consenso visando ao

casamento. A corte decidiu que o matrimônio foi válido, qualificando o caso concreto

como pertencente à forma dos atos, ou seja, pela lei do Irã.

Nota-se que o Direito Internacional Privado oferece um método e um

processo discursivo para dialogar entre as culturas diversas: um instrumento sempre

mais importante para chegar a soluções pacíficas.

No entanto, com essa família transnacional, deve-se buscar a proteção do

indivíduo através da Carta Maior, para preservar sua dignidade como indivíduo e da

família como entidade.

Teme-se que a globalização viole a dignidade da pessoa humana,

particularmente dos povos ainda menos desenvolvidos. É na identidade cultural do

indivíduo ameaçada pela mundialização do comércio o que se opõe a esta.40

Porém o Direito Internacional Privado permanece sempre um instrumento

eficaz e justo para indicar a lei aplicável aos casos multiconectados e multiculturais.

38 JAYME, Mult Erik. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito. 2ª Ed. Porto Alegre PPGDir/UFRGS, vol. I, n° 1, 2004, p. 153. 39 JAYME, Mult Erik. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito. 2ª Ed. Porto Alegre PPGDir/UFRGS, vol. I, n° 1, 2004, p. 153. 40 JAYME, Mult Erik. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito. 2ª Ed. Porto Alegre PPGDir/UFRGS, vol. I, n° 1, 2004, p. 140.

23

2 HISTÓRIA DO MÉTODO CONFLITUAL E DO DIREITO INTERN ACIONAL

PRIVADO

2.1 CONCEITO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Nos dias atuais, as relações jurídicas internacionais estão se tornando mais

freqüentes, isso devido ao fato de as pessoas envolvidas nessas relações terem

nacionalidade estrangeira. Por exemplo: Antonio e Joana, brasileiros, ele por

naturalização (nascido na Alemanha) e ela nata, domiciliados e residentes no Brasil,

decidiram casar na Inglaterra. Os nubentes ficaram na Inglaterra durante o tempo

necessário à realização do casamento, tendo seguido, logo depois, em viagem de

núpcias pela Europa, regressando ao Brasil, onde residiram e tinham seu domicílio

comum, permanecendo aqui, com ânimo definitivo, durante 18 anos.

Separados de fato há cerca de vinte anos, a mulher continuou no Brasil,

tendo o seu esposo mudado para Paris. Ambos estão interessados em formalizar o

divórcio consensual no Brasil. Existem bens a serem partilhados.

A partir desse caso hipotético, surgem diversos conflitos de lei no espaço,

conforme seguem.

1) Qual o regime de bens legal na Inglaterra, uma vez que não houve pacto

antenupcial especificando o regime escolhido pelos nubentes?

2) Sendo ambos brasileiros, com domicílio e residência anterior e posterior

no Brasil, o regime de bens é regido pelo direito estrangeiro, uma vez

que o casamento foi celebrado na Inglaterra?

3) Se a questão pode ser resolvida, exclusivamente, levando-se em conta

que dispõe o caput do art. 7° da Lei de Introdução ao Código Civil

Brasileiro e seu respectivo § 4°. 41

O caso citado é uma relação absolutamente internacional, que mantém

contato com diversos sistemas jurídicos nacionais. Tal situação demanda uma regra

41 Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

24

para conflitos de lei no espaço, que deverá determinar qual legislação deverá ser

aplicada, ou seja, qual se enquadra mais adequadamente ao caso.42

Às relações absolutamente internacionais se contrapõem as relações

puramente internas e as relações relativamente internas.

As relações puramente internas são aquelas relações jurídicas nas quais se

aplica somente um ordenamento jurídico, como, por exemplo, o divórcio de um casal

de brasileiros, residentes aqui, cuja celebração do casamento também ocorreu no

Brasil.43

As relações relativamente internas são aquelas em que se aplica somente

um ordenamento jurídico, mas, por algum motivo, o caso é levado para juiz

estrangeiro verificar. O Direito Internacional Privado preocupa-se com as relações

internacionais, aquelas em que há a presença de, pelo menos, um elemento de

estraneidade.

O elemento de estraneidade na família é o elemento estrangeiro na relação

jurídica internacional, seja porque as pessoas envolvidas têm nacionalidade

estrangeira, seja pelo domicílio, ou porque outro fato aconteceu em outro país. 44

O elemento de estraneidade pode se classificar em três categorias:

1. Relativo a pessoa: o lugar do nascimento; o lugar do falecimento; o lugar da pessoa jurídica; o domicílio; a residência habitual; ou o lugar onde se encontra. 2. Relativos aos bens: o lugar da situação do bem; o lugar do registro do bem. 3. Concernentes a outros fatos jurídicos: o lugar da constituição ou execução da obrigação; o lugar da prática do ato ilícito; o lugar onde os efeitos (jurídicos e econômicos) do ato ilícito são mais evidentes para a vítima do ato (nos casos de violações com efeitos multiterritoriais).45

Para existir o elemento de estraneidade, basta que um dos dados ou

elementos da relação jurídica não seja nacional. Porém, se um brasileiro casa com

uma brasileira, perante juiz brasileiro, nenhuma questão aparece, pois só o Brasil é

interessado. Mas, se um dos noivos for estrangeiro, ou se forem ambos brasileiros e

42 VARGAS, Aléxis Galias de Souza. Direito internacional Privado e Constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional . N° 31, jun. 2008. 43 VARGAS, Aléxis Galias de Souza. Direito internacional Privado e Constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional . N° 35, jun. 2008. 44 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 06. 45 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado . São Paulo: Atlas, 2009, p. 05.

25

vão se casar em outro país, então já se apresenta o problema de Direito

Internacional Privado.46

O Direito Internacional Privado tem o papel de determinar o ordenamento

jurídico a ser aplicado, estará ele a determinar também qual constituição a ser

aplicada, uma vez que essa é parte integrante do ordenamento jurídico das

nações.47

O conceito de Direito Internacional Privado, na visão do mestre professor

argentino Boggiano, trazido pela doutrinadora Maristela Basso, é tido:

(...) como um sistema normativo destinado a realizar las soluciones justas de los casos jusprivativas multionacionales, desde el punto de vista de una jurisdiccion estatal, de una pluralidad de jurisdicciones estatales a coordinar o, raras vocês, de la jurisdicción de un tribunal internacional.48

Na visão do doutrinador Beat Walter Rechsteiner, “o direito internacional

privado resolve, essencialmente, conflitos de leis no espaço referentes ao direito

privado, ou seja, determina o direito aplicável a uma relação jurídica de direito

privado”.49

Nádia de Araújo cita, em seu livro, as palavras de Ferrer Correia, para quem

o conceito de Direito Internacional Privado é:

O ramo da ciência jurídica onde se procuram formular os princípios e regras conducentes à determinação da lei ou das leis aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-privadas de carácter internacional e, bem assim, assegurar o reconhecimento no Estado do foro das situações jurídicas puramente internas de questões situadas na órbita de um único sistema de Direito estrangeiro (situações internacionais de conexão única, situações relativamente internacionais).50

Não adianta determinar qual o ordenamento jurídico a ser aplicado em uma

relação jurídica internacional, mas, sim, determinar qual a lei mais adequada para a

situação. Isso porque o Direito Internacional Privado somente indicará qual a lei que

será aplicada em um litígio absolutamente internacional.

46 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 54. 47 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 32. 48 BOGGIANO. Derecho internacional Privado . 2ª Ed. Buenos Aires: Depalma, 1983. apud BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado . São Paulo: Atlas, 2009, p. 05. 49 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 408. 50 CORREA. A. Ferrer. Ligações de Direito Internacional Privado . Coimbra: Almedina, vol. I, 2000. apud ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 600.

26

Segundo Beat Walter Rechsteiner o Direito Internacional Privado “é

representado por normas que definem qual o direito a ser aplicado a uma relação

jurídica com conexão internacional, não resolvendo propriamente a questão jurídica,

tão-só indicando o direito aplicável”.51

A principal fonte do Direito Internacional Privado é a legislação interna de

cada sistema, razão por que não cabe falar em direito internacional, uma vez que a

autoria de suas regras é interna, e não internacional.52

Assim, o Direito internacional Privado é a projeção do direito interno sobre o

plano internacional, conforme Bartin, em sua obra53, ou, como bem colocado por

Ferrer Correia, 54 é a dimensão internacional ou universalista do direito internacional.

Werner Goldschmidt contribui dizendo que “Direito Internacional Privado não

é mais um Direito Privado, ou seja, aquela parte do Direito privado que contempla os

casos que contêm elementos estrangeiros”.55

No Brasil, essas questões relacionadas à família internacional são colocadas

perante o juiz quando se precisa determinar qual o direito nacional a ser aplicado,

também quando necessita se dar efeito a um caso concreto que aconteceu fora do

País. Deve ser colocada perante o juiz, por exemplo, a validade da sentença

estrangeira no país. 56

As regras básicas do Direito Internacional Privado, no Brasil, estão

disciplinas na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto Lei n. 4.657, de

04/09/1941).

No dizer Maria Helena Diniz:

51 RECHSTEINER, Beat Rechsterner. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9.ed.rev e atual – São Paulo: Saraiva, 2006. pág.3. 52 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 6. 53 DOLINGER apud LOUSSOUARN, et al. Droit du Commerce Internacional . P.6, Nota 4. 54 CORREA. A. Ferrer. Ligações de Direito Internacional Privado . Coimbra: Almedina, vol. I, 2000, p. 284/5. 55 Apud OLDSCHMIDT, Wener. Derecho Internacional Privado. p 87. 56 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 419.

27

[...] a lei de Introdução descreve as linhas básicas da ordem jurídica, exercendo a função de lei geral, por orientar a obrigatoriedade, a interpretação, a integração e a vigência no tempo e por traçar as diretrizes das relações de direito internacional privado por ela ditas como adequadas por estarem conformes com a convenções e com contratos a que aderiu o Brasil.57

Com isso, cada vez que houver a presença de mais de um país, ou seja,

pessoas físicas ou jurídicas com nacionalidades diferentes, fato no exterior, bens no

estrangeiro, na mesma relação jurídica, e surgirem dúvidas quanto à lei aplicada,

surgirá o direito internacional para a solução da questão.

2.2 DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO FORMAL

O Direito Internacional Privado somente indaga qual o vínculo mais

significativo para uma relação jurídica com conexão internacional. Cada Estado

estabelece, mediante escolha do elemento de conexão, a parte da norma do Direito

Internacional Privado designativa do direito aplicável, a relação mais estreita com

uma determinada ordem jurídica.58

A tradicional concepção do Direito Internacional Privado que se limita às

regras de conflito de lei se atribui somente ao direito remissivo, puramente formal e

que aponta qual o ordenamento jurídico nacional que deve ser aplicado.59

No entanto, se esse direito aplicado violar os princípios fundamentais do

direito interno, ou seja, a ordem pública, este não será aplicado pelo juiz. Inclusive o

juiz deverá levar em consideração não só os princípios básicos da ordem jurídica

interna, mas também aqueles do direito internacional, consubstanciados em tratados

internacionais, no direito costumeiro internacional.60

O direito fundamental está diretamente ligado ao Direito estrangeiro, pois o

Direito Internacional Público tem como objeto a proteção de um direito de

57 DINIZ, Maria Helena. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro . 3ª Ed. São Paulo: vol II, P. 32. 58 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 133 59 VARGAS, Aléxis Galias de Souza. Direito internacional Privado e Constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional . N° 35, jun. 2008. 60 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 8

28

nacionalidade, condição jurídica do estrangeiro, conflitos de leis e reconhecimento

institucional dos direitos adquiridos.

Esse direito está sujeito ao controle de constitucionalidade, quando há

legislação estrangeira trazida para uma regra conflitual interna, cabe o controle de

constitucionalidade perante a Constituição do foro, para não infringir o princípio da

ordem pública, no caso do Brasil, impondo um limite autônomo sobre a atividade

judiciária, esses controles devem ser pautados por um critério da razoabilidade, de

modo a não frustrar o princípio da segurança jurídica. 61

A aplicação do direito estrangeiro material, em território nacional, pelo

judiciário local não entra em choque com o conceito de soberania, pois o

reconhecimento do direito estrangeiro depende de disposição do direito interno. Isto

é, o direito nacional é que estabelece o regime jurídico para aplicação do direito

internacional, desde que esteja de acordo com os aspectos formais exigidos, como

os limites materiais estabelecidos. 62

No Direito Internacional Privado brasileiro, a reserva da ordem pública está

expressa no art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n. 4.657, de

4/09/1942), que reza: “As leis, atos e sentenças de outros país, bem como quaisquer

declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania

nacional, a ordem pública e os bons costumes”.63

Brilhantemente comenta doutrinador Beat Walter Rechsteiner, referente ao

direito comparado nas relações internacionais:

O bom advogado a quem foi confiada uma causa de direito privado com conexão internacional não pode limitar-se a examinar a competência internacional e o direito aplicável segundo a lex fori. Cumpre-lhe indagar em que outros estados a justiça se declara, da mesma forma, internacionalmente competente para julgar a mesma causa e qual o direito aplicável nesses Estados, conforme as normas do direito internacional privado ali vigentes. Baseado nas respostas a essas perguntas, deverá analisar qual o foro mais favorável para o seu cliente, tendo em vista a solução material da lide, as custas do processo, a celeridade do procedimento judicial e o reconhecimento da sentença em outros estados, se isso for interesse das partes.64

61 VARGAS, Aléxis Galias de Souza. Direito internacional Privado e Constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional . N° 35, jun. 2008. 62 VARGAS, Aléxis Galias de Souza. Direito internacional Privado e Constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional . N° 35, jun. 2008. 63 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 158. 64 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 46.

29

Atualmente, o objetivo do Direito Internacional Privado não é só apenas

promover a segurança jurídica. Há uma consciência, em diversos países, de que é

preciso se adequar essa metodologia aos conceitos de proteção garantidos pelos

direitos fundamentais.

2.2.1 Regras de Conexão

O Direito Internacional Privado nada mais é que a aplicação de um

determinado direito, regulamentando a vida social das pessoas implicadas na ordem

internacional. Em todos os sistemas jurídicos, há regras criadas expressamente para

essas categorias de situações conectadas a mais de um sistema jurídico, que são

chamadas de regras de conexão ou normas indiretas. O sistema, consolidado no

século XIX, está passando por grandes mudanças, em face da flexibilização da

tradicional regra de conflito.65

O método conflitual surgiu na Idade Média, pelo professor de Bolonha, na

colisão de regras oriundas dos estatutos das cidades-estados italianos.66

Posteriormente, desenvolveu-se a escola francesa – com Dumoulin,

formulador do princípio da autonomia da vontade, e D’ Argentré, precursor do

territorialismo, depois seguido pela escola holandesa.67

Huber, um de suas maiores expoentes, desenvolveu o territorialismo, mas

assegurando à lei um efeito extraterritorial. Essa doutrina teve grande sucesso na

Inglaterra e nos Estados Unidos.68

No século XIX, inaugura-se o Direito Internacional Privado positivo, com

regras e codificações, e o surgimento das teorias de Savigny.69

65 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.38. 66 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.38. 67 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.39. 68 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.39. 69 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.40.

30

Posteriormente, Pillet, que, como Mancini, entendia que a lei pessoal deveria

ser a lei nacional do indivíduo, acrescentou noções a respeito da ordem pública e da

proteção aos direitos adquiridos.70

Após a Segunda Guerra Mundial, com a multiplicação de situações

internacionais que exigiam a utilização das regras de conflitos, em decorrência da

descolonização e uma maior intervenção do Estado, surgiram mudanças. A questão

relativa ao conflito de jurisdições e a busca do juiz competente para o feito, de certa

forma, enfraquece a noção de conflito de leis, predominando a primeira sobre a

segunda.71

No entanto o método conflitual é ainda utilizado pelo Direito Internacional

Privado dos países da Europa e da América Latina, que dá a solução de uma

questão de direito contendo um conflito de leis através da designação da lei

aplicável pela utilização da norma indireta.72

A norma unilateral nada mais é que aplicação de uma única ordem jurídica.

Já a bilateral indica qual aplicação ou quais as normas do direito doméstico ou

internacional serão aplicadas. 73

O doutrinador Beat Walter Rechsteiner cita que um exemplo da aplicação da

norma unilateral no direito brasileiro é estabelecido no art. 10, § 1°, da Lei de

Introdução ao Código Civil. 74 A norma do caput75 do mesmo artigo caracteriza-se

como norma bilateral.76

70 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.41. 71 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.42. 72 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p.42. 73 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 131. 74Art. 10, § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. Presidência da República Federativa do Brasil . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 nov. 2009. 75 Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 18.5.1995) § 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. 76 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 131.

31

A regra de Direito Internacional Privado que determina qual a lei aplicável

para questões de estado e de capacidade, no direito francês, 77 é uma norma

unilateral, que concentra a regra na aplicação da sua lei para os seus nacionais. Já

o artigo 20 da lei italiana de 1995 manteve o princípio da nacionalidade como

regulador da capacidade civil das pessoas em seu art. 20, com a seguinte redação:

“A capacidade jurídica da pessoa física é regida por sua lei nacional”. 78 Essa lei

cuida dos institutos do estado e da capacidade das pessoas, uma norma bilateral.79

O doutrinador Jacob Dolinger traz uma comparação, no seu livro Direito

Internacional Privado, da aplicação das normas unilaterais e bilaterais nas relações

jurídicas internacionais, especialmente, a regra italiana, no art. 19, 80 e a regra

germânica, no art. 15. 81:

Ambas as regras expressam o mesmo princípio, de que a lei da nacionalidade do marido à época do casamento determina as normas que se aplicarão às relações patrimoniais entre ele e sua esposa. A lei italiana responde a seguinte pergunta ‘que lei se aplica?’ A lei alemã responde a pergunta: ‘quando se aplica a lei alemã?’82

De acordo Amilcar de Castro, para um estudo eficiente e prático do Direito

Internacional Privado, nunca se deve confundir estes três assuntos: (a) condições

jurídicas da pessoa; (b) a apreciação do fato normal pertinente ao fórum; e (c)

apreciação de fato estrangeiro.83 Embora, na prática, essas questões possam ser

entrelaçadas, cada uma deve ser analisada isoladamente. 84

Um dos pontos de referência para solução de qualquer relação jurídica é a

eleição do fórum. A partir daí, haverá um ponto de partida, pois nenhuma questão de

direito pode ser resolvida fora do tempo e do espaço.85

77 O Código de Napoleão, de 1804, art. 3°, alínea 3°: “As leis concernentes ao estado e à capacidade das pessoas regem os franceses, mesmo residentes em país estrangeiro”. 78 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 54. 79 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 55. 80 “As relações patrimoniais entre cônjuges são reguladas pela lei nacional do marido ao tempo da celebração do casamento”. 81 “O regime matrimonial de bens será regulado de acordo com as leis alemãs quando o marido, ao tempo da celebração do casamento, for alemão”. 82 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 55. 83 CASTRO, Almicar de. Direito Internacional Privado . 6° Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 155. 84 CASTRO, Almicar de. Direito Internacional Privado . 6° Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 155. 85 CASTRO, Almicar de. Direito Internacional Privado . 6° Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 155.

32

Logo, as regras de conexão são as normas estatuídas pelo Direito

Internacional Privado, que indicam o direito aplicável às diversas situações

conectadas a mais de um ordenamento jurídico.86

O Direito Internacional Privado, primeiramente, cuida de classificar

(qualificar) a relação jurídica, em seguida, localiza o local da sede jurídica dessa

situação ou relação e, finalmente, determina a aplicação do direito vigente nessa

sede.87

Para tanto, a regra de conexão possui estrutura de classificar a situação ou

relação jurídica e determinar o direito aplicável, através do objeto de conexão e do

elemento de conexão: 1. estado e capacidade das pessoas - regra de conexão o

país de sua nacionalidade ou domicílio; 2. bem - país em que estiver situado; ato

jurídico - local de constituição ou em que deve ser cumprido. 88

Objeto de conexão do Direito Internacional Privado: descreve a matéria à

qual se refere uma norma indicativa (ou indireta), abordando sempre as questões

jurídicas vinculadas aos fatos ou elementos de fatores sociais com conexão

internacional. O objeto de conexão alude a conceitos jurídicos (como a capacidade

jurídica, os direitos personalíssimos).89

Ortodoxamente, o elemento de conexão é selecionado pela autoridade

judiciária, para apontar o ordenamento jurídico a ser aplicado no caso concreto, que

funciona, verdadeiramente, como uma seta sugestiva do direito aplicável. Sua

importância é imensa devido à proliferação das relações familiares internacionais;

por sua natureza, não restringem seus vínculos a um único e exclusivo sistema

legal. 90

Tal elemento tem função indicativa, isto é, mostrar que o direito intervém

com função subordinante, apontado pela expressão variável, que é utilizável de

acordo com as circunstâncias que fixam o elemento vinculativo, podendo ser a

86 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 291. 87 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 291. 88 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 195. 89 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.06. 90 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 24.

33

nacionalidade, a residência, o domicílio, o lugar da situação dos imóveis, o local da

obrigação dos contratos.91

Ao examinar, por exemplo, o artigo 7°, caput, da Lei de Introdução ao

Código Civil, distingue-se o objeto de conexão do elemento de conexão dessas

normas indicativas ou indiretas de Direito Internacional Privado. Veja-se o texto

desse artigo: 92

Art. 7°, caput: “A lei do país em que for domiciliada a pessoa” (elemento de

conexão) “determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a

capacidade e os direitos de família” (objeto de conexão).93

Art.7°, § 4°: “O regime de bens, legal ou convencio nal” (objeto de conexão),

“obedece à lei do país em que estiverem os nubentes domiciliados” (elemento de

conexão).

No entanto, uma vez localizada essa sede jurídica, está encontrado o

elemento de conexão, indicando-se, em seguida, a aplicação do direito vigente

nesse local, o que constitui a regra de conexão do Direito Internacional Privado. 94

A classificação do elemento de conexão toma como parâmetro três

aspectos: o sujeito, o objeto ou o ato jurídico.95

Dolinger cita Haroldo Valladão, em sua obra, “apresentado uma classificação

objetiva das regras de conexão em reais, pessoais e institucionais”. As reais são a

situação da coisa, o lugar do ato ou fato, o lugar do casamento, do nascimento. As

pessoais são a nacionalidade, a religião, a vontade expressa ou tácita e as

institucionais, a matrícula ou a aeronave e o foro.96

Existem, no entanto, vários elementos de conexão. Dolinger cita, em sua

obra, várias regras de conexão:

Lex patrie - Lei da nacionalidade da pessoa física, pela qual rege o estatuto pessoal. Ex. Europa ocidental. Lex domicilii - Lei do domicílio que rege o estatuto, a capacidade da pessoa física em relação a outros países, como a maioria dos países americanos. Lex Loci actus - Lei do local da realização

91 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 24. 92 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.133. 93 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.133. 94 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 292 95 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.292. 96 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.293.

34

do ato jurídico para reger sua subtância; Lex Loci contractus - A lei do local onde o contrato foi firmado para reger sua interpretação e seu cumprimento; ou, para a mesma finalidade; Lex Loci celebrationis - O casamento é regido, no que tange as suas formalidades, pela lei local de sua celebração; Lex Loci solutionis - a lei local onde as obrigações, ou a obrigação principal do contrato deve ser cumprida, ou ainda Lex loci voluntatis - a lei escolhida pelos contratos; lex loci delicti - a lei do lugar onde o ato ilícito foi cometido que rege a obrigação de indenizar; ou Lex damni - a lei do lugar onde se manifestaram as conseqüências do ato ilícito, para reger a obrigação referida no item anterior; Lex rei sitae ou Lex situs - a coisa é regida pela lei do local onde está situada; Mobília sequuntur personam - O bem móvel é regido, segundo certas legislações, pela lei do local onde seu proprietário está domiciliado; The proper law of the contract - no sistema do D.I.P britânico, esta regra indica o sistema jurídico com o qual o contrato tem mais íntima e real conexão; Lex monetae - a lei do país em cuja moeda a dívida ou outra obrigação legal é expressa; lex loci executionis - a lei da jurisdição em que se efetue a execução forçada de uma obrigação, via de regra se confundindo com a lex fori; em direito trabalhista. Lex fori - a lei do foro no qual se trava a demanda judicial. Lei mais favorável - modernamente resolve-se certas dúvidas sobre a lei a ser aplicada pelo critério da lei mais benéfica, como, por exemplo, a lei que melhor protege o menor nas relações familiares, a lei mais vantajosa para o empregado nas relações trabalhistas, a lei que considera válidos o ato, o contrato, a constituição da sociedade ou o casamento, a lei que protege a pessoa que sofreu o dano e muitas outras situações que se resolvem no mesmo espírito.97

Portanto, as regras de conexão são as normas indiretas que indicam o

direito aplicável às diversas situações jurídicas, quando ligadas a mais um sistema

legal.

2.2.2 Estatuto Pessoal

Ao considerar o estatuto pessoal, adentra-se em uma imensa área do direito

civil, cuja importância, no plano internacional, é incontestável. 98

O estatuto pessoal engloba o estado da pessoa e sua capacidade, isso

abrange todos os acontecimentos juridicamente relevantes que marcam a vida de

uma pessoa, começando pelo nascimento e pela aquisição da personalidade,

questões atinentes à filiação, ao nome, ao pátrio poder, ao casamento, aos deveres

conjugais.99 Porém os elementos de conexão indicam qual o direito a ser aplicado,

da nacionalidade ou do domicílio da pessoa.

97 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.295. 98 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 54. 99 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 295.

35

Portanto, o Estatuto Pessoal é a proteção do indivíduo perante o

ordenamento jurídico.

O doutrinador Irineu Strenger cita Amilcar de Castro, apontando a

importância do estatuto pessoal:

[...] atualmente, em toda parte, a todos os seres humanos é atribuído personalidade; ao homem, como unidade biofisiológica, que se manifesta em todos os lugares com os mesmos caracteres, por seu elevado valor social, tem sido atribuída personalidade no mundo inteiro, mas nem por isso se deve perder de vista que a personalidade emana sempre de uma ordem jurídica; e como os direitos positivos coexistentes são compartimentos estanques, a personalidade é sempre ex novo atribuída por um, não importando já tenha o indivíduo personalidade por outro, seja estrangeiro ou domiciliado no estrangeiro. Por outras palavras: se o mesmo indivíduo é tido como pessoa em todas as jurisdições, isto não quer dizer que ele seja portador de uma única personalidade e sim o que acontece é que em cada jurisdição, ao mesmo suporte físico, se atribui ex novo uma autóctone qualidade de pessoa, isto é, próprio dessa jurisdição.100

Cumpre, portanto, trazer os critérios jurídicos para definir a conexão.

Existem alguns países que aplicam o critério da territorialidade.

Segundo esse critério, determina-se aplicação irrestrita da lei local, lex fori,

sem levar em consideração o estatuto pessoal (nacionalidade e domicílio). 101 Um

dos países que segue esse critério é o Direito Internacional Privado mexicano. 102 A

Rússia, o Chile, a Colômbia, o Equador e El Salvador também adotam esse

princípio.103

Outros países aplicam a Lex patriae104 para reger o estatuto pessoal.

A nacionalidade, como elemento de conexão, iniciou-se no Código Civil

francês de 1804, que, no art. 3°, estabelece rigida mente esse vínculo de

cidadania.105

Existem inúmeras vantagens de reger o estatuto pela nacionalidade, eis que

tal legislação reflete os costumes e as tradições nacionais, de maneira que é

100 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 54 apud CASTRO, Almicar de. Direito Internacional Privado . 6° Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. 101 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 296. 102 Código civil mexicano de 1926, artigo 12. “As leis mexicanas, inclusive as referentes ao estado e a capacidade das pessoas, se aplicam a todos habitantes da República, sejam nacionais ou estrangeiros, estejam domiciliados nela ou estejam em trânsito”. A reforma do Código Civil de 1987 substitui esta regra pela contida no novo artigo 13, alínea 2: ‘o estado e a capacidade das pessoas físicas são regidos pelo direito do local de seu domicílio”. 103 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 296. 104 Lei da nacionalidade da pessoa física, pela qual se rege seu estatuto pessoal, sua capacidade, segundo determinada legislação. 105 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996.

36

conveniente manter as pessoas sob a égide da lei de seu país de nacional, quando

vivem em outro país.106

José Maria Rossani Garcez traz, em sua obra, Pontes de Miranda,

analisando a nacionalidade como elemento de conexão e dizendo que: “a

nacionalidade é o vínculo jurídico que relaciona o indivíduo ao Estado, ou, também

pode ser dito, constituir ela o traço, de ligação entre a pessoa física e um

determinado Estado”.107

Dolinger traz um segundo argumento, considerando a nacionalidade como

elemento de conexão favorável à estabilidade, a troca de domicílio é muito mais

freqüente do que a troca de nacionalidade. Essa é uma garantia permanente para o

estatuto pessoal e menos sujeita a mudanças.108

Um terceiro argumento é a certeza, pois é mais fácil determinar a

nacionalidade de uma pessoa do que o domicílio, na medida em que o domicílio

depende de um fator intencional, o que pode transformá-lo em fonte de

imprevisibilidade, tornando mais dificultoso para os magistrados o julgarem.109

O terceiro critério seria a aplicação da lex domicilii (lei do domicílio) para

reger o estatuto pessoal. Quando se trata da aplicação da lei do domicílio, surgem

grandes dúvidas para sua localização. Há necessidade de definir domicílio.

A França conceitua o domicílio no seu artigo 102 do Código Civil quanto ao

exercício dos direitos civis. Já na Inglaterra, domicílio se dá onde é a sua residência

permanente. O Código Civil argentino, no artigo 89, traz como o domicílio o local

onde a pessoa estabelece a sede principal de sua residência. 110

Na lição de Jacob Dolinger, citando Haroldo Valladão:

O domicílio deve ser qualificado pela lei interessada, a lei invocada, ou seja, a lex fori, a que denomina de ‘sistema jurídico territorial de cujo domicílio se trata’, sendo o domicílio brasileiro fixado pela lei brasileira e o domicílio fora do Brasil pela lei estrangeira de sua constituição. Assim, em seu Projeto da Lei Geral, propõe que ‘constituição de um domicílio no Brasil será regido

106 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 298. 107 GARCEZ, José Maria Rossani, Curso de Direito Internacional , Rio de Janeiro; Revista Forense, 1999, p. 329. 108 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 298. 109 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 298. 110 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 302.

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exclusivamente segundo a lei brasileira [...]’ e ‘o domicílio fora do Brasil depende da lei estrangeira de sua constituição [...].111

Entretanto, há possibilidade de se estabelecer um vínculo através do

domicílio legal, que é dependente da vontade da pessoa. É domicílio112 de escolha

da pessoa o lugar onde alguém instala sua residência, com animus. 113

A Lei de Introdução ao Código Civil prevê o domicílio como regra de

conexão para determinar o direito material aplicável em uma relação jurídica

internacional, envolvendo o estatuto pessoal. No entanto é possível que o domicílio

da pessoa seja de difícil determinação para efeitos da aplicação da norma, pelo

motivo de a pessoa adquirir vários domicílios em decorrência de suas atividades da

vida privada. Essa situação poderá prejudicar a finalidade da determinação de qual é

o ordenamento jurídico a ser aplicado.114

Portanto, o legislador terá que recorrer a fatores subsidiários, como o

domicílio presuntivo: o local da residência seria o elemento factual do domicílio da

pessoa, simples morada ocasional. Conforme dispõe o art. 7°, § 8 da Lei de

Introdução ao Código Civil: “Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á

domiciliada no lugar de sua residência ou naquela em que se encontre”. 115

O Direito Internacional Privado admite figuras da “residência habitual”: é

adotada, sobretudo, a Convenção de Haia sobre Processo Civil. Já a “residência

atual” seria a sede principal das atividades, ou sede principal dos negócios.116

A vantagem de determinar o domicílio como elemento de conexão está

dividida em cinco aspectos a seguir comentados.117

Primeiro: o imigrante conhece mais o país em que reside e trabalha do que a

lei da sua pátria.118

Segundo: para terceiros, é mais seguro o critério do domicílio, pois se aplica

a lei local onde o imigrante trabalha, eis que a lei da nacionalidade pode ser

desconhecida, tornando um risco.119

111 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 302. 112 LEI No 10.406, DE 10 de janeiro de 2002. .Novo Código Civil. Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. 113 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 356. 114 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado . São Paulo: Atlas, 2009, p.162. 115 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 3ª Ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 356. 116 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado . São Paulo: Atlas, 2009, p. 164. 117 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 299. 118 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 299.

38

Terceiro: é de interesse do Estado assimilar os estrangeiros que vivem no

país pela lei do domicílio, pois se torna mais fácil sua adaptação e integração

cultural no país em que residem do que a lei da nacionalidade.120

Quarto: nos dias atuais, a família está cada vez mais transnacional; pela lei

do domicílio, simplificam-se as relações familiares no âmbito jurídico, pois o

magistrado julgará de acordo com sua própria lei, sempre mais bem conhecida do

que a lei estrangeira.121

Quinto: via de regra, a competência jurisdicional é a do domicílio, a aplicação

dessa regra proporciona uma certa segurança jurídica, pois o juiz aplicará a sua

própria lei, portanto, mais bem conhecida do que lei estrangeira.

Desde 1942, com a Lei de Introdução ao Código Civil, o domicílio rege como

elemento de conexão para o direito de família. Com isso, o estrangeiro aqui

domiciliado será regido pela lei do país em que reside. Portanto, o brasileiro

domiciliado fora do país não será mais regulado pela lei brasileira, e, sim, pela lei de

seu domicílio. Essa norma está consubstanciada no artigo 7º122 da Lei de Introdução

ao Código Civil. 123

119 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 299. 120 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 299. 121 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 299. 122 Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. § 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. § 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. § 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. § 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. § 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. § 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

39

Veja-se a definição do critério de domicílio no país.

A lex domicicilii, que rege o estatuto pessoal, é o critério que mais atende à conveniência nacional. Visto ser o Brasil um país de imigração tem o interesse de sujeitar o estrangeiro aqui domiciliado à sua lei, integrando-o à vida nacional, independentemente de sua subordinação política. Como se vê, o critério do domicílio é político, geográfico e jurídico, uma vez que a pessoa passará a fazer parte da população. Se estrangeira, adquirirá direitos e assumirá obrigações de ordem pública; é por isso no dizer de Niboyet uma subnacionalidade ou vice-nacionalidade. A nova Lei de Introdução introduziu o princípio domiciliar como elemento de conexão para determinar a lei aplicável, abandonando o princípio nacionalístico da antiga lei. Assim, atualmente, no Brasil, em virtude do disposto no art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil vigente, funda-se o estatuto pessoal na lei do domicílio ou na da sede jurídica da pessoa, ou seja, na lei do país onde a pessoa está domiciliada. O intérprete ou aplicador só irá obter a qualificação jurídica do estatuto pessoal e a dos direitos de família após chegar à análise da lei do país onde estiver domiciliada a pessoa. O órgão judicante deverá aplicar, quando for o caso, o direito alienígena em razão de determinação da lex fori, não podendo desprezá-lo para acolher o direito interno. A qualificação do domicílio será dada pela lex fori; logo o magistrado terá de saber, conforme o Código Civil (art. 31), qual o lugar onde a pessoa estabeleceu a sua residência com ânimo definitivo. O juiz brasileiro deverá fixar o domicílio segundo o direito nacional e não de conformidade com o direito estrangeiro, estabelecendo a ligação entre a pessoa e o país onde está domiciliada, para aplicar as normas de direito cabíveis. Existindo o dado 'domicílio', operar-se-á a conexão para o efeito da aplicabilidade da norma do Estado em que a pessoa tiver domicílio. Eis por que, no dizer de Haroldo Valladão, domicílio no direito internacional privado é o vínculo que liga uma pessoa a um territorium legis, ou seja, a uma ordem jurídica vigente em certo território. Como o domicílio (vecindad) é a sede jurídica da pessoa, o centro de seus negócios e das suas atividades, natural será que a lex domicilii discipline a sua vida na ordem privada, e, além disso, a exteriorização do domicílio facilitará e beneficiará terceiros interessados em manter relações jurídicas com ela. 124

O professor Edgar Carlos Amorim coloca, na sua obra, um breve histórico

acerca de como surgiu o elemento de conexão do domicílio no Brasil:

§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. 123 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 200, p. 419. 124 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado parte . 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 294.

40

O Brasil adota hoje o domicílio como elemento de conexão. Anteriormente seguia a nacionalidade. Entretanto, veio a Segunda Guerra Mundial e os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - tinham muito dos seus súditos domiciliados no Brasil. Vários navios brasileiros foram torpedeados em nossas costas e isto concorreu não só para que o Brasil declarasse guerra aquelas nações, como também para que os ânimos dos brasileiros se exaltassem a ponto de serem ocasionados vários distúrbios, internos com quebra-quebras de estabelecimentos comerciais pertencentes a italianos e japoneses. Em razão disto, se o Brasil tomasse como base o elemento de conexão nacionalidade, teria de aplicar aqui leis italianas, alemãs e japonesas nas demandas em que pessoas dessas nacionalidades fossem envolvidas. O elemento de conexão nacionalidade foi introduzido em nosso direito por influências de Pimenta Bueno que, por sua vez, inspirou-se nas idéias do advogado alemão radicado em Paris, de nome Foeliz, autor da obra que recebeu, em primeiro lugar, o Direito Internacional Privado.125

Assim, o conceito de domicílio varia de país para país. Mas o Brasil adota o

concurso concessivo de elementos de conexão: o domicílio, na sua ausência, a

residência e, inexistindo esta, o lugar onde a pessoa se encontra (Art. 7º, § 8º, Lei de

Introdução ao Código Civil).126Já a nacionalidade é um elemento de conexão

importante em virtude de ser adotado pelos países da Europa e de outros

continentes.

125 AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.31. 126 AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.33.

41

3 O CASAMENTO E SEUS EFEITOS PARA O DIREITO INTERNA CIONAL

PRIVADO

Arnoldo Wald descreve, com clareza, o período histórico em que o

casamento civil foi instituído:

Até o advento da República, o único casamento válido para os católicos era o religioso, e para os não católicos somente em 1861 é que surgiu a possibilidade de realizar o casamento civil. A separação do Estado e da Igreja fez com que, inspirado pelas correntes liberais e positivistas, o Governo provisório, no Decreto nº 181 de 1890, só admitisse como casamento válido o civil (art. 108 do Dec. 181), estabelecendo até, em ato de 26.06.1890, que: ‘o casamento civil, único válido nos termos do art. 108 do Dec., 181 de 24 de janeiro último, precederá sempre às cerimônias religiosas de qualquer culto, com quem desejem solenizá-las os nubentes. O ministro de qualquer confissão, que celebrar as cerimônias religiosas do casamento antes do ato civil, será punido com seis meses de prisão e multa correspondente à metade do tempo’.127

A doutrinadora Tatiana Moschetta Assef traz, em sua obra Direito de Família

e Sucessões, o que é o casamento nos dias atuais:

Casamento é um ato de exteriorização de manifestação de vontade de duas pessoas, de sexo opostos, que, após o cumprimento de certas formalidades legais, assumem comunhão plena de vida, pressupondo-se a reciprocidade de atos entre os consortes para a assistência moral, espiritual e financeira, bem como o auxílio recíproco na persecução de interesses individuais e na realização de interesses coincidentes (consortium). É pois isso que o atual código civil estabelece que o casamento é uma comunhão pela de vida, abarcando o termo em todos os seus aspectos e implicações.

O casamento civil gera direitos e deveres e produz efeitos que se constituem

nos efeitos jurídicos do casamento, os quais se classificam em efeitos pessoais e

patrimoniais. Os efeitos pessoais são os direitos e os deveres próprios e recíprocos

entre os cônjuges e dos pais em relação aos filhos, que não permitem auferir valor

econômico. Os deveres de ambos os cônjuges são: fidelidade recíproca; vida em

comum, no domicílio conjugal ou coabitação; assistência, respeito e consideração

mútua, e sustento, guarda e educação dos filhos (art. 1.566, do Código Civil)128,

além dos efeitos patrimoniais, sendo que, após o casamento, surgem direitos e

127 WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família . 15ª Ed. Saraiva, 2004, p. 58. 128 Art. 1.566 . São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos. Índice Fundamental do Direito . Disponível em: <http://www.dji.com.br/codigos/2002_lei_010406_cc/010406_2002_cc_1565_a_1570.htm>. Acesso em: 30 jun. 2009.

42

obrigações em relação à pessoa e aos bens patrimoniais do cônjuge, estabelecendo

limitações ao poder de administração do casal para praticar certos atos de conteúdo

patrimonial, necessitando de autorização do outro.129

Para o Direito Internacional Privado, o casamento é um ato complexo, pois

vai exigir tanto a determinação da lei aplicável da capacidade das partes em praticar

o ato como a lei aplicável à celebração do casamento.

Referente à determinação da lei aplicável às condições substanciais do

casamento, duas doutrinas se opõem:130 a que determina a aplicação da lei de

celebração (jus loci cebrationis) e a que determina a aplicação da lei pessoal.

A lei de celebração determina que o casamento deve ser regido pela lei do

local da celebração. Aqui se entende que o casamento é uma espécie de contrato,

então se aplica a lei do local da ocorrência do ato, como se dá em qualquer contrato

internacional. Os E.U.A. e maioria dos países da América do Sul, como o Brasil,

usam esse elemento de conexão.131

A lei pessoal está posicionada no sentido de que o direito aplicável ao

casamento deve ser a lei da pessoa, pois o casamento é um ato jurídico realizado

sobre estatuto pessoal. Os países que aplicam essa lei são a Dinamarca e a maioria

dos países da Europa.132

A Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da 1ª Zona de Novo

Hamburgo, a Dra. Elisabeth Pereira Rodrigues Schwab, afirma, em seu trabalho de

Pós-graduação em Direito Notarial e Registral, com o tema “O casamento e seus

efeitos patrimoniais do no direito civil internacional com um breve estudo o regime

legal de bens no direito comparado”, sua definição quanto à forma e à capacidade

no artigo 7° e seu § 1°. Veja-se:

Quanto à forma: (Lex Lócus regit actus) nas formalidades de habilitação e de celebração a lei a ser aplicada é a do local da celebração, seguindo a regra de que as normas do local regem o ato. Quanto à capacidade nupcial: (lex domicilii) a lei a ser aplicada quanto à capacidade nupcial dos nubentes deve ser o disposto na lei pessoal dos nubentes, ou seja, a lei do domicílio ou a lei da nacionalidade.133

129 ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de Família e das Sucessões . São Paulo: Editora Harbra, 2004, p. 07. 130 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2001, p. 492. 131 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2001, p. 492. 132 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2001, p. 492. 133 SCHWAB, Elisabeth Pereira Rodrigues. O casamento e seus efeitos patrimoniais do no direi to civil internacional com um breve estudo sobre o reg ime legal de bens no direito comparado .

43

Um exemplo poderia ser o de um casamento celebrado entre uma brasileira,

aqui domiciliada, com um alemão, domiciliado na Alemanha: a lei brasileira será

aplicada para as formalidades da habilitação matrimonial e para as formalidades de

celebração; para as questões de capacidade dos nubentes, a lei brasileira será

aplicada para a nubente e a lei alemã será aplicada para o nubente. Essas e outras

questões são abordadas na seqüência.

3.1 QUESTÕES SOBRE O CASAMENTO INTERNACIONAL

3.1.1 Casamento celebrado no Brasil

No casamento celebrado no Brasil, a Lei de Introdução ao Código Civil opta

pelo princípio do jus loci celebrationis, como traz o art. 7°, § 1º. 134 Portanto, os

cônjuges que optarem por obter patrimônio no Brasil terão que incluir as condições

substanciadas para sua consumação, bem como os impedimentos matrimoniais que

estão expressos no art. 1.521 do novo Código 135; os impedimentos sendo tratados

como causas de anulação no art. 1.550.136 As formalidades para a celebração do

casamento estão expressas nos arts. 1.525137 ao 1.542138 do mesmo Código Civil.139

1999. 69 f. Dissertação (Curso de Pós-graduação em Direito Notarial e Registral). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 1999. 134 Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. 135 Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Art. 1.522. Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz. Parágrafo único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo. 136 Art. 1.550. É anulável o casamento: I - de quem não completou a idade mínima para casar; II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI - por incompetência da autoridade celebrante. Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada. 137 Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos: I - certidão de nascimento ou documento equivalente; II - autorização por escrito das

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Recentemente, o Projeto de Lei n° 243/2002, de auto ria do Senador Moreira

Mendes, encontra-se em tramitação no Senado e, no seu art. 9°, 140 fica clara a

aplicação da regra de conexão da lei do local da celebração para determinação do

direito aplicável às formalidades do casamento. Assim, com esse dispositivo,

procura assentar o requisito do registro do casamento celebrado no exterior, caso os

cônjuges sejam domiciliados no Brasil, conforme previsto no art. 1.544 do Código

Civil. 141

Atualmente, esse projeto de lei está em tramitação em conjunto com o

Projeto de lei 269/2004.142

Ao buscar especificar a aplicação da lei do local em que o casamento é

celebrado, o art. 9° do Projeto de lei n° 269/2004 atribui um tratamento diferenciado

pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra; III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar; IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio; Art. 1.526. A habilitação será feita perante o oficial do Registro Civil e, após a audiência do Ministério Público, será homologada pelo juiz. Art. 1.527. Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver. Parágrafo único. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação. Art. 1.528. É dever do oficial do registro esclarecer os nubentes a respeito dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens. Art. 1.529. Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostos em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas. Art. 1.530. O oficial do registro dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem as ofereceu. Parágrafo único. Podem os nubentes requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados, e promover as ações civis e criminais contra o oponente de má-fé. Art. 1.531. Cumpridas as formalidades dos arts. 1.526 e 1.527 e verificada a inexistência de fato obstativo, o oficial do registro extrairá o certificado de habilitação. Art. 1.532. A eficácia da habilitação será de noventa dias, a contar da data em que foi extraído o certificado. 138 Art. 1.542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais. § 1o A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário; mas, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos. 139 ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de Família e das Sucessões . São Paulo: Editora Harbra, 2004, p. 22. 140 Projeto de Lei do Senado n° 269/2004: “Art. 9° Cas amento – As formalidades de celebração do casamento obedecerão a lei do local de sua realização. § 1° As pessoas domiciliadas no Brasil, que se casa rem no exterior, atenderão, antes ou depois do casamento, as formalidades para habilitação reguladas no Código Civil Brasileiro, registrando o casamento na forma prevista no seu art. 1.544”. 141 “Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1o Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir”. 142 PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 243 de 2002 - SENADOR - MOREIRA MENDES, Ementa: Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro . Data de apresentação: 05 nov. 2002. Situação atual: Local: 11 ago. 2009 - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 25 out. 2009.

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no âmbito do Direito Internacional Privado, prevê, ainda, que a capacidade nupcial

seja determinada pelo estatuto da pessoa.143

Cabe destacar que existem dois pontos no Direito Internacional Privado: os

relativos à capacidade dos nubentes e a analise dos efeitos de uma decisão

estrangeira, quando um nubente está se habilitando no Brasil, mas seu divórcio foi

no exterior.144

3.1.2 Capacidade para casar do indivíduo domiciliad o no exterior

Existe uma regra específica para casamentos, no artigo 7º, § 1°,

determinando a aplicação da lei brasileira aos casamentos realizados no Brasil,

tanto quanto a formalidades da celebração bem como em relação aos

impedimentos.145

Às formalidades da celebração do casamento é designada como elemento

de conexão a lex loci celebrationis, “regra do Direito Internacional Privado que

protege o favor matrimoii, tendo sido tema de uma das primeiras Convenções de

Haia, em 1902”.146

A lei brasileira traz à tona a discussão sobre a lei aplicável à capacidade

para contrair matrimônio. O art. 183 do Código Civil de 1916 elencava os

impedimentos dirimentes a que se refere o parágrafo primeiro do artigo 7º da Lei de

Introdução ao Código Civil.

O novo Código Civil de 2002 substituiu o artigo supramencionado pelos

artigos 1.521 e 1.523., tenho separado as causas suspensivas do casamento.

A Lei de Introdução ao Código Civil alterou a introdução do Código Civil de

1941, modificando a capacidade para o casamento da regra geral sobre capacidade

civil.

143 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado . São Paulo: Atlas, 2009, p. 164. 144 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 421. 145 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 421. 146 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 422.

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O Artigo 7º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil possui caráter

unilateral e imperativo. Aplica-se a lei brasileira a ambos os nubentes, sejam eles

domiciliados ou não no Brasil.147

Portanto, exige-se, para os casamentos aqui realizados, o cumprimento da

lei brasileira para as questões da celebração e aquelas sobre a capacidade dos

nubentes. 148

A celebração do casamento é ato complexo, que se inicia com processo de

habilitação, logo após a lavratura do termo em livro próprio, não se podendo fazê-lo

em etapas isoladas, eis que de seu conjunto é que terá a celebração do casamento

valido.

Para tornar o casamento válido, os nubentes deverão preencher os

requisitos legais para a celebração do matrimônio civil.

São requisitos para validade do casamento: idade núbil, capacidade sexual;

sanidade; consentimento íntegro e desimpedimento civil dos nubentes para o

casamento.149

3.1.3 Habilitação de nubentes divorciados no estran geiro

Tendo o divórcio sido realizado no exterior, há necessidade de proceder à

homologação dessa sentença como condição à concessão da habilitação. Com o

artigo 15150 da Lei de Introdução ao Código Civil, não haveria necessidade dessa

homologação. 151Mas foi pacificado o entendimento do Supremo tribunal Federal152,

que considerou derrogado tal dispositivo pelo artigo 483 do CPC153, considerando

147 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 423. 148 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 423. 149 ASSEF, Tatiana Moschetta. Direito de Família e das Sucessões . São Paulo: Editora Harbra, 2004, p. 15 150 Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. 151 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 424. 152 Atualmente Constituição Federal competência do Superior Tribunal de Justiça. 153 Art. 483. A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Parágrafo Único. A homologação obedecerá ao que

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obrigatória a homologação da sentença estrangeira, já que haverá efeitos no

Brasil.154

No dia 1° de outubro de 2009, pela lei nº 12.036/09 , foi incluído o parágrafo

sexto no art. 7º do Decreto-Lei nº 4.657,155 de 04 de setembro de 1942 - Lei de

Introdução ao Código Civil, que reduz de três anos para um ano da data da sentença

o prazo para o reconhecimento, no Brasil, de divórcio realizado no estrangeiro, se

um ou ambos os cônjuges forem brasileiros. Caso a sentença tenha sido antecedida

da separação judicial por um ano, a homologação produzirá efeito imediato.

EMENTA: SENTENÇA ESTRANGEIRA: W.V.K., brasileiro, qualificado na inicial, formulou pedido de homologação de divórcio, decretado em 26 de setembro de 2006, pelo Prefeito de Fujimino-shi, Saitama-ken, Japão, que dissolveu seu casamento com H.S., cidadã japonesa. O requerente juntou aos autos os documentos indispensáveis à homologação: procuração, com a respectiva chancela consular (fl. 4); certificado de recebimento da declaração de divórcio (fl.15), com a chancela do consulado brasileiro (15-v.) e traduzido por profissional juramentado (fls. 13/14); bem como certidão de registro civil (fl.12), devidamente chancelada (12-v.) e traduzida oficialmente (fls.9/11), na qual se atesta que, em 02/10/2006, o divórcio foi objeto de registro, conforme requerido pelas partes. A requerida expressou seu consentimento para a homologação do divórcio no Brasil, mediante declaração de anuência (fl. 27), autenticada (fl. 26) e traduzida oficialmente (fls. 24/25), tornando dispensável, assim, o procedimento citatório. O Ministério Público Federal, em cota lançada à fl. 30-v., opinou pelo deferimento do pedido, com a ressalva de que os efeitos do divórcio somente poderão ser plenos após o decurso de um ano da data de sua prolação. Decido. Por restarem atendidos os pressupostos indispensáveis ao deferimento do pedido; e por não ferir, a pretensão, a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes, homologo a decisão que decreta o divórcio entre as referidas partes, com a ressalva de que seus

dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Presidência da República Federativa do Brasil . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm>. Acesso em: 04 ago. 2009. 154 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 425. 155 Lei 12036/09, de 1º de outubro de 2009 - O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 - Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, para adequá-lo à Constituição Federal em vigor. Art. 2º O § 6º do art. 7º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 7º, § 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais." (NR) Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º Revogam-se o § 2º do art. 1º e o parágrafo único do art. 15 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Brasília, 1º de outubro de 2009; 188º da Independência e 121º da República. José Alencar Gomes da Silva e Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto. Senado Federal . Disponível em: <www.senado.gov.br>.

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efeitos plenos só ocorrerão após o dia 26 de setembro de 2007, observando-se, até essa data, o instituto da separação judicial. Posto isso, homologo o título judicial estrangeiro. Expeça-se a carta de sentença. (SENTENÇA ESTRANGEIRA Nº 2.366 - JP (2006/0257391-2) - Relator Brasília, 22 de fevereiro de 2007. MINISTRO BARROS MONTEIRO)

Na prática, os Estados, em regra, reconhecem sentenças estrangeiras,

desde que cumpridos determinados requisitos legais na espécie. Conforme a lei

brasileira, a sentença proferida por juiz ou tribunal estrangeiro somente será eficaz

no país após a sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Existem alguns

requisitos indispensáveis à homologação de sentença alienígena, segundo o artigo

5º da Resolução n. 9/2005:

“A sentença ter sido proferida por autoridade competente; as partes terem sido citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; a sentença tem que ter transitado em julgado; e estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil”.156

Trata a jurisprudência:

EMENTA: SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. SUÍÇA. DIVÓRCIO. ATO CONSULAR DE ‘LEGALIZAÇÃO’ DO DOCUMENTO. ATENDIMENTO DO REQUISITO DA AUTENTICAÇÃO. 1. A exigência de autenticação consular a que se refere o art. 5º, inciso IV, da Resolução STJ nº 9, de 05/05/2005, como requisito para homologação de sentença estrangeira, deve ser interpretada à luz das Normas de Serviço Consular e Jurídico (NSCJ), do Ministério das Relações Exteriores (expedidas nos termos da delegação outorgada pelo Decreto 84.788, de 16/06/1980), que regem as atividades consulares e às quais estão submetidas também as autoridades brasileiras que atuam no exterior. 2. Segundo tais normas, consolidadas no Manual de Serviço Consular e Jurídico - MSCJ (Instrução de Serviço 2/2000, do MRE), o ato de fé pública, representativo da autenticação consular oficial de documentos produzidos no exterior, é denominado genericamente de ‘legalização’, e se opera (a) mediante reconhecimento da assinatura da autoridade expedidora (que desempenha funções no âmbito da jurisdição consular), quando o documento a ser legalizado estiver assinado (MSCJ - 4.7.5), ou (b) mediante autenticação em sentido estrito, relativamente a documentos não-assinados ou em que conste assinatura impressa ou selos secos (MSCJ - 4.7.14). 3. No caso, a sentença estrangeira recebeu ato formal de ‘legalização’ do Consulado brasileiro mediante o reconhecimento da assinatura da autoridade estrangeira que expediu o documento, com o que fica atendido o requisito de autenticação. 4. Presentes os demais requisitos, inclusive o de inexistência de ofensa à soberania nacional ou à ordem pública (arts. 5º e 6º da Resolução STJ nº 9/2005). 5. Sentença estrangeira homologada. (SEC. 587/CH, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 11.02.2008, DJ 03.03.2008 p. 1)

156 Superior Tribunal de Justiça Presidência. Resolução Nº 9, de 4 de maio de 2005. Diário da Justiça , 6 Maio 2005. Seção 1, p. 154.

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3.1.4 Registro do casamento consular no Brasil

O casamento consular, apesar de realizado no Brasil, e pelo princípio da

extraterritorialidade, seguiu a lei do país do consulado, e será permitido somente a

estrangeiros.

Para o casamento consular ou Direito Internacional Privado diplomático,

aplica-se a lei pessoal dos noivos, uma exceção ao princípio do jus loci celebrationis,

pois é uma maneira de proteger os cônjuges. Por exemplo, se, em um dos países

onde foi celebrado o casamento, é exigido somente o casamento religioso, os noivos

não poderão casar nesse país, portanto, os noivos devem procurar um país que em

que possam se submeter à sua lei pessoal.157

Quando um dos cônjuges se naturalizar brasileiro, haverá necessidade de

registro de casamento realizado em consulado estrangeiro no Registro de Pessoas

Naturais. O STJ já teve uma decisão desse tipo.

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. DIVÓRCIO. HOMOLOGAÇÃO. REGISTRO DO CASAMENTO EM CARTÓRIO E CHANCELA CONSULAR. DESNECESSIDADE. ACORDO BRASIL-FRANÇA. ALIMENTOS, GUARDA E VISITAÇÃO DE FILHOS MENORES. RESSALVA. PRINCÍPIO DA SOBERANIA. 1. Competente a autoridade que prolatou a sentença, citada regularmente a parte e transitado em julgado o decisum homologando, acolhe-se o pedido, por atendidos os requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira que não ofende a soberania ou a ordem pública. 2. A existência do casamento realizado no exterior independe do traslado do assento respectivo no registro civil brasileiro, exigido quando se pretende que produza efeitos no país (Lei dos Registros Públicos, artigo 32). 3. O Decreto nº 3.598, de 12 de setembro de 2000, em seu artigo 23, dispensa de consularização ou de qualquer formalidade os documentos públicos franceses quando tenham de ser apresentados no território brasileiro. 4. Ressalva-se a homologação no tanto referente aos alimentos e à guarda e visitação dos filhos menores do casal, objeto de revisão em decisão proferida no Brasil após a prolação da sentença estrangeira, pena de violação do princípio da soberania. 5. Pedido de homologação de sentença estrangeira parcialmente deferido.

Para que um documento originário do exterior tenha efeito no Brasil, é

necessária a legalização, pela Autoridade Consular Brasileira, do original expedido

em sua jurisdição consular, seja por reconhecimento de assinatura, seja por

autenticação do próprio documento.158

157 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2001, p. 498. 158 BRASIL. Manual de Serviços Consular e Jurídico . Ministério das Relações Exteriores. Tomo I. Capítulo 4.

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Segundo o Manual de Serviços Consular e Jurídico, os requisitos de

validade dos documentos estrangeiros no Brasil são:

1.a tradução para o idioma nacional;

2.translado no livro “E” (quando envolver brasileiro);

“[...] deverá ser registrado em cento oitenta dias (06 meses), a contar da

volta de um ou ambos ao cônjuges ao Brasil.”

“[...] no cartório de respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1° Ofício da

Capital do Estado em que passarem a residir.”

O entendimento jurisprudencial referente ao casamento perante autoridades

consulares necessita do registro no primeiro ofício da cidade onde os cônjuges

residem. 159

EMENTA: * OBRIGAÇÃO DE FAZER - CASAMENTO REALIZADO NO EXTERIOR - AVERBAÇÃO DO ATO NA CERTIDÃO DE NASCIMENTO DA REQUERIDA NA COMARCA DE SEU ESTADO NATAL MINAS GERAIS - VALIDADE - DESNECESSÁRIO QUE TAMBÉM SE AVERBASSE CASAMENTO PERANTE O 1º CARTÓRIO DO SUBDISTRI-TO DA SÉ/SP, LOCAL DE SEU DOMICÍLIO - INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 32 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS - ACOLHIMENTO DO PEDIDO NOS TERMOS ESFRITOS DA INICIAL ~ IMPOSIÇÃO DE MULTA, EMBORA NÃO PEDIDA, QUE DECORRE DO COMANDO DO ARTIGO 461 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - PERDA DE OBJETO DA CAUTELAR EM APENSO - AÇÃO PRINCIPAL PROCEDENTE - Recurso provido em parte. Relator(a): Beretta da Silveira. Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado. Data de registro: 28/11/2005. Apelação Com Revisão 2451214400.

3.2 CASAMENTOS CELEBRADOS NO EXTERIOR

Um dos principais princípios de Direito Internacional Privado é a lex loci

celebrationis, criado para regular as formalidades do casamento. Portanto, conforme

159 EMENTA: CASAMENTO CELEBRADO NO ESTRANGEIRO. PEDIDO DE TRASLADAÇÃOO DO ASSENTO NO OFÍCIO DO REGISTRO CIVIL, FUNDADO NO ART. 32 DA LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS. PROVIDÊNCIA INCABÍVEL POR SE TRATAR DE CÔNJUGES ESTRANGEIROS. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 584049753, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Oscar Gomes Nunes, Julgado em 19/12/1984). EMENTA: REGISTRO CIVIL –CASAMENTO CELEBRADO NA BÉLGICA POR BRASILEIRA COM CÔNJUGE DAQUELE PAÍS - DOMICÍLIO ATUAL NO BRASIL - PRETENSÃO DE ACRESCER AO SEU NOME O PATRONÍMICO DO MANDO - INDEFERIMENTO - INEXISTÊNCIA DE TRASLADO NO CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO DO DISTRITO FEDERAL, OU DO DOMICÍLIO, PARA PRODUZIR EFEITO NESTE PAÍS (LRP, ART. 32, § 1°) - APLICAÇÃO, IN CASES, DO PRINCÍPIO FOCUS REGIT ACTUM - Recurso improvido. Relator(a): Carlos Roberto Gonçalves. Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado. Data de registro: 31/03/2000. Apelação Com Revisão 986044300.

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a lei da celebração, sempre será considerado válido em outro país o casamento

celebrado de acordo com a lei do local de sua realização. 160

Os efeitos desse casamento, no Brasil, causam grandes questionamentos.

A lei brasileira determinada a obrigatoriedade do registro no Brasil dos assentos de

casamentos de brasileiros realizados no exterior, ainda que estes não estejam aqui

domiciliados (art. 32, § 1 da Lei de Registro Públicos).161

Cabe salientar que, se um brasileiro que celebrar o casamento no exterior

quiser fazer fé pública no Brasil, deve primeiro registrar em um consulado brasileiro

o seu casamento e, posteriormente, deverá providenciar a transcrição do registro

consular em cartório do 1° Ofício de Registro Civil , onde resida. 162

No tocante aos estrangeiros, domiciliados ou não no Brasil, a lei não dá a

mesma importância. Inclusive sobre a possibilidade de ser esse registro efetuado, se

requerido pelas partes, em caso de naturalização superveniente de um ou ambos os

cônjuges.163

Um exemplo é o divorciado que contraiu matrimônio no exterior e, depois da

lei de divórcio, quis registrar o matrimônio no Registro Civil, sob a alegação de que

cessaram os impedimentos para aquele segundo casamento.

No entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é justificado o

registro requerido, por conta das modificações da Constituição de 1988, ao procurar

proteger a família e facilitar a conversão das situações de fato em casamento.

Deveria ter eficácia o casamento de brasileiro no exterior, anteriormente desquitado

no Brasil, afastando-se a argumentação de que a concessão do registro violaria a

ordem pública brasileira. 164

Porém o STJ modificou a decisão no Recurso Especial n° 34.093 165, ao

considerar que o casamento, em tais condições, não poderá ter validade no Brasil,

160 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 429. 161 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 430. 162 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2001, p. 341. 163 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431. 164 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431. 165 EMENTA: CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO NO EXTERIOR. ATO ANTERIOR A INTRODUÇÃO DO DIVÓRCIO NO BRASIL. SE, AO TEMPO DO CASAMENTO REALIZADO NO EXTERIOR, HAVIA IMPEDIMENTO DIRIMENTE ABSOLUTO, SEGUNDO A LEI BRASILEIRA, E POR ISSO MESMO O ATO NÃO ERA APTO A PRODUZIR EFEITOS NO PAIS, NA CONFORMIDADE DO DISPOSTO NO ART. 17 DA LICC, NÃO SE HA DE ADMITIR, POR RAZÃO

52

uma vez que o cônjuge não era apto a contrair matrimônio devido à sua poligamia

(existência de dois casamentos simultâneos), tornando-se ineficaz.166

Hoje, no Brasil, existem duas modalidades de extinção da sociedade

conjugal (art 1.571 do CC): a separação judicial e o divórcio. Enquanto o divórcio

tem caráter definitivo e irreversível, a separação judicial pode ter caráter temporário,

visto que os ex-cônjuges podem se reconciliar, sendo negativo converter-se em

divórcio.167

A bilaterização dispõe sobre a aplicação do Direito nacional e do elemento

de estraneidade. Um exemplo seria o art. 7º, § 1º,² da Lei de Introdução ao Código

Civil, cuja redação traz somente aplicação do domicílio como elemento de conexão,

ou seja, a aplicação de normas de Direito nacional. Porém a aplicação da norma

estrangeira é abstrata, pois não está especificada na Lei de Introdução do Código

Civil, trazendo, portanto, o elemento de conexão que será a aplicação da lei da

celebração do casamento.168

Contudo o elemento de conexão traz a ligação com a lei de celebração do

casamento. Assim, a capacidade torna-se o objeto de conexão, com isso, torna os

seus efeitos válidos desde o casamento no Brasil.

3.2.1 O casamento celebrado no exterior perante a a utoridade consular

brasileira

Trata o § 2º do artigo 7° da Lei de Introdução ao C ódigo Civil do chamado

casamento consular ou Direito Internacional Privado diplomático. São duas as

DE BOA LOGICA JURIDICA, QUE, DESAPARECIDO O IMPEDIMENTO, EM RAZÃO DA SUPERVENIENCIA DA LEI DO DIVÓRCIO, HAJA SE TORNADO EFICAZ, POIS TANTO IMPLICARIA RECONHECER POSSIVEL A SIMULTANEIDADE DE CASAMENTOS, VISTO QUE, NO DIVÓRCIO, A SENTENÇA SO POE TERMO AO CASAMENTO E AOS SEUS EFEITOS CIVIS EX NUNC. RECURSO CONHECIDOS E PROVIDOS. STJ - RECURSO ESPECIAL: RESP 34093 RJ 1993/0010170-6. 166 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 429. 167 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431. 168 RECHSTEINER, Beat. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 139.

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espécies de casamento consular: a do casamento de brasileiro no exterior e a do

casamento do estrangeiro no Brasil.169

As repartições consulares do Brasil destinam-se, primordialmente, a prestar

assistência consular aos brasileiros residentes no exterior e a turistas que venham a

ter dificuldades durante viagens a países estrangeiros.170

As funções consulares compreendem, por exemplo, a concessão e a

prorrogação de passaportes brasileiros, a concessão de vistos em passaportes

estrangeiros, a lavratura de atos de tabelionato (procurações, declarações,

atestados) e do registro Civil (certidões de nascimento, casamento e óbito), além de

autenticação de documentos estrangeiros (inclusive Direito Internacional Privado,

diplomas e históricos escolares).171

A Lei de Introdução ao Código Civil, no artigo 18,172 aos cônsules

estrangeiros para realizar casamentos em território brasileiro. As autoridades

consulares brasileiras também podem celebrar casamentos no exterior, visto que os

nubentes sejam brasileiros, e praticar todos os atos de registro civil e de

tabelionato.173

Existe uma pré-condição, ou seja, o consulado em que se situe o consulado

brasileiro deverá admitir esse tipo de casamento perante autoridade consular, para o

casamento ter validade no Brasil.174

Há atos que independem de qualquer nova legislação para sua validade no

Brasil, equiparados aos nacionais. Um exemplo foi um julgamento no TJSP175 em

que se permitiu a retificação de assento de casamento realizado no anexo da

169 Lei de Introdução Código Civil: § 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. 170 Embaixada e consulados Brasileiros nos Estados Unidos. Orientação dos cidadãos brasileiros. Cartilha Consular para Orientação dos Cidadãos Bras ileiros . Disponível em: < http://www.imigrar.com/embaixada_orientacao>. Acesso em: 03 out. 2009. 171 Embaixada e consulados Brasileiros nos Estados Unidos. Orientação dos cidadãos brasileiros. Cartilha Consular para Orientação dos Cidadãos Bras ileiros . Disponível em: < http://www.imigrar.com/embaixada_orientacao>. Acesso em: 03 out. 2009. 172 Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado. 173 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 437. 174 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2001, p. 498. 175 Tribunal de Justiça de São Paulo. REGISTRO CIVIL- Casamento – Retificação – Admissibilidade – Assento realizado em anexo de Embaixada Brasileira na África do Sul – Ato original pátrio – Sujeição às leis nacionais – Direito à Correção de erros e omissões – Recurso provido para esse fim. (Relator: Benini Cabral – Apelação Cível n° 207.631-1 – São P aulo – 25.05.94).

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embaixada do Brasil na África do Sul, sendo esse ato considerado como notarial

nacional.176

3.3 OS EFEITOS PESSOAIS DO CASAMENTO E AS REGRAS DE DIREITO

INTERNACIONAL PRIVADO

O matrimônio gera diversos efeitos ao modificar a situação das pessoas,

com conseqüências na vida jurídica, muitas vezes, com repercussão no Direito

Internacional Privado. Esses efeitos interessam ao Direito Internacional Privado,

como o domicílio conjugal, a escolha da modificação do nome, sendo facultativo com

o novo Código Civil; a qualidade de herdeiro do cônjuge; a não-expulsão de

estrangeiro casado com brasileira; o estabelecimento de um regime de bens; a

proteção especial do patrimônio familiar; a aquisição de bens no caso de um dos

consortes ser estrangeiro; a necessidade da outorga uxória para qualquer

modificação do patrimônio comum.177

A matéria relativa aos efeitos do casamento é submetida aos preceitos do

caput do artigo 7º da Lei de Introdução ao Código Civil, que utiliza o domicílio para

determinação das questões do direito de família.178

A lex fori traz a questão referente aos efeitos pessoais do casamento pela lei

do foro, porque mantém relação com a ordem social do lugar do tribunal. Já a lei

pessoal traz os efeitos pessoais do casamento e refere-se apenas à questão das

relações pessoais dos cônjuges.

3.3.1 O domicílio conjugal

O domicílio conjugal é uma das conseqüências do casamento. Antes da

proclamação da igualdade entre os cônjuges, não só no Brasil como no exterior,

176 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 437. 177 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 438. 178 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 438.

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determinava-se a lei aplicável à sociedade conjugal utilizando a lei pessoal do

marido, devido á condição de incapacidade relativa que a mulher casada tinha

perante ele; isso refletia diretamente na impossibilidade de ter um domicílio distinto

do marido. 179

Com a adoção do princípio da igualdade entre marido e mulher, os antigos

critérios deixaram de ser aplicáveis. E a Constituição Federal de 1988 veio para

confirmar a igualdade dos cônjuges.180

Com o Código Civil de 2002, a fixação do domicílio deve ser feita de comum

acordo por ambos os cônjuges, segundo o artigo 1.569181. O artigo 72° do Código

Civil182 prevê a possibilidade de um ou outro cônjuge vir a residir em local diverso do

domicílio conjugal por motivos profissionais. 183

A questão é de grande importância para o Direito Internacional Privado, pois

depende do domicílio conjugal a determinação da lei aplicável aos efeitos

patrimoniais do casamento.184

O domicílio e a residência são requisitos essenciais para o casamento (art.

180, II, do CC, mantido no artigo 1.525, IV, do CC). O domicílio declarado no

processo de habilitação irá constar na certidão de casamento e fará parte do

domicílio dos contraentes no momento do casamento. Será este o que definirá o

regime de bens. Se comum, poderão os cônjuges prestar declaração às autoridades

no momento de estabelecer o primeiro domicílio conjugal, a partir do qual se

estabelecer o regime de bens.185

Porém a Lei de Introdução ao Código Civil não é tão clara perante a lei

pessoal aplicada entre os cônjuges, sendo genericamente aplicável a regra do jus

domicilii no casamento realizado no exterior (art.7°, caput) e, especificamente,

179 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 438. 180 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 438. 181 Art. 1.569. O domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes. 182 Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem. 183 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 439. 184 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 439. 185 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 441.

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aplica-se a regra lex loci celebrationis no casamento realizado no Brasil (art.7, § 1º).

Isso porque os efeitos pessoais do casamento acontecem após sua celebração e,

pela lei brasileira, aplica-se a lex domicilii dos cônjuges. No entanto, se os nubentes

tiverem domicílios diversos, será considerado o primeiro domicílio conjugal como

elemento de conexão, levando em conta que hoje em dia é muito difícil considerar o

primeiro domicílio, dada a vida conjugal nos dias atuais.186

3.3.2 Outorga Uxória

A outorga uxória nada mais é do que o consentimento de seu cônjuge para a

prática de certos atos, especificamente os de disposição direta ou indireta do seu

patrimônio. 187

O novo Código Civil introduziu modificações nessa matéria, ao estabelecer

um novo regime de bens, o da separação absoluta, em que não haverá patrimônio

comum nem comunhão de aquestos. Dispensa-se, nesse regime, outorga uxória

(art. 1.647).188 Nos demais, é obrigado o consentimento dos cônjuges nos atos de

disposição patrimonial.189

A restrição à capacidade independe do regime de bens do casamento,

qualificada como efeito pessoal do casamento, pois impõe em função do estado civil

de casado para os realizados em território brasileiro.190

Um requisito ligado à questão de imóveis, na qual a lex rei sitae (lei da

situação da coisa) sempre prevalece sobre qualquer outra, sendo necessária a

186 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2001, p. 500. 187 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 442. 188 Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - prestar fiança ou aval; IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. 189 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431. 190 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431

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outorga uxória independentemente de já haver essa disposição na lei domiciliar do

casal.191

A jurisprudência qualificou a outorga uxória à capacidade pessoal e, por

essa razão, dispensável no caso de estrangeiros não domiciliados no Brasil.

EMENTA: A FIANÇA PRESTADA SEM OUTORGA UXÓRIA É APENAS ANULÁVEL, NÃO É NULA. O QUE SE PERCEBE FACILMENTE QUANDO SE VERIFICA QUE O PRÓPRIO CÓDIGO DE 1916 ESTABELECIA PRAZO PARA A PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DE QUE PODE SE UTILIZAR A MULHER PARA ANULÁ-LA, O QUE SERIA SUPÉRFLUO SE A LEI A JULGASSE NULA. Relator(a): Mendes Gomes. Órgão julgador: 11a. Câmara do Sexto Grupo (Extinto 2° TAC), Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Data do julgamento: 30/06/2003. Apelação Com Revisão 792592100.

Outro caso com necessidade de outorga uxória, mesmo quando não

estiverem envolvidos imóveis situados no Brasil, como fiança, doações etc.

Tratando-se de ato praticado no Brasil, a lei estipula as formalidades da lex fori para

sua realização, ainda que aplicável uma lei estrangeira, conforme artigo 9°

parágrafo 1º.192

Portanto, nos casos em que é preciso aplicar as regras de conexão do

Direito Internacional Privado, os tribunais brasileiros privilegiam, cada vez mais, o

elemento territorial - lex fori - aproximando-se do sistema americano e distanciando-

se de suas raízes clássicas européias.

3.3.3 Direito ao nome de família

A adoção, pela mulher, do sobrenome do marido tinha por função tornar

público o seu estado de casada. Esse ato, antes compulsório, é agora facultativo.

Mas essa matéria sofreu mudanças expressivas. 193

Antes mesmo do novo Código Civil, essa obrigação era facultativa. Com

isso, o novo Código traz critérios de igualdade entre os cônjuges para estender essa

191 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431. 192 Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato 193 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 445..

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faculdade ao cônjuge varão. Para o Direito Internacional Privado, o direito ao nome

rege-se pela lei pessoal, que, no Brasil, é a do domicílio.194

Essa questão do nome de família possui variada regulamentação em outros

países, podendo surgir conflitos de leis do local da celebração e a lei aplicável ao

direito de família.195

SENTENÇA ESTRANGEIRA. JUSTIÇA GRATUITA. NOME. SOLTEIRA. A requerente desejou deste Superior Tribunal a homologação da sentença de seu divórcio proferida pela Justiça alemã, bem como o reconhecimento de que passou a adotar seu nome de solteira. Por sua vez, o requerido apresentou contestação em que concorda com aquelas providências, porém alegou pobreza, o que não foi rebatido pela requerente, pois, em sua impugnação à contestação, apenas pleiteou fosse o ex-cônjuge condenado em honorários de sucumbência. Diante disso, a Corte Especial entendeu homologar a sentença, visto que atendidos os pressupostos contidos no art. 5º da Resolução n. 9/2005 da Presidência do STJ. Deferiu, também, a assistência judiciária gratuita e afastou a condenação às verbas de sucumbência, constatada a falta de dissídio entre as pessoas envolvidas. Note-se comprovado que a requerente retomou seu nome de solteira em razão de procedimento adotado pelo sistema jurídico alemão. Precedentes citados do STF: SE 7.612-EX, DJ 5/3/2003, e SE 7.831-EX, DJ 16/12/2004; do STJ: REsp 81.513-SP, DJ 3/2/1997. SEC 497-EX, Rel. Min. Peçanha Martins, julgada em 3/8/2005.

Nos tribunais, há uma tendência muito natural nos países a se aplicar a lei

do foro. Veja-se: no TJSP, foi decidido que a mulher poderia adicionar o sobrenome

do marido, apesar da proibição da lei do país da celebração quanto a essa adição. 196Já o TJSC julgou pela regra lócus regit actum, ou seja, aplicação da lei do lugar

que rege os atos.197

194 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 445. 195 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431. 196 Acórdão: Apelação Civil n° 47.444-4, Relator Munho z Soares. Data Decisão 06.08.1998. EMENTA: RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - CASAMENTO REALIZADO NO JAPÃO - POSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO DO NOME DO MARIDO AO DA ESPOSA VEDADO NO SISTEMA NIPÔNICO - PRETENSÃO FORMULADA CONFORME LEI NACIONAL BRASILEIRA - Possibilidade - Conflito de normas no espaço e direito internacional privado - Exceção à regra focus regit actum em razão da cláusula geral de ordem pública - Direito ao nome regulado pela lei civil substantiva (art. 204, p. único e LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVILB, art. 7°) - Pr incípio da unidade e integridade da família preservado – Analogia ao direito do filho ao nome paterno - Uso e costume decorrente da affectio e identidade familiar - Averbação determinada junto à transcrição procedida junto ao Consulado Brasileiro • Pedido procedente - Recurso provido. 197Acórdão Apelação civil 2002.018.547-2, Relator Des. Monteiro Rocha. Data da Decisão: 11/09/2003. EMENTA: REGISTRO PÚBLICO - CASAMENTO REALIZADO ENTRE BRASILEIRA E ITALIANO NA ITÁLIA - INSERÇÃO DO SOBRENOME DO MARIDO AO DA MULHER - IMPOSSIBILIDADE PELA LEGISLAÇÃO ITALIANA - TRANSCRIÇÃO DO ATO NUPCIAL COM INSERÇÃO DO SOBRENOME DO CÔNJUGE ITALIANO - IMPROCEDÊNCIA - PRINCÍPIO DO LOCUS REGIT ACTUM - RETIFICAÇÃO DO TRASLADO DO ATO CIVIL PRATICADO NO ESTRANGEIRO - ATO QUE NÃO PODE SER OBJETO DE QUALQUER INSERÇÃO OU SUPRIMENTO - PEDIDO IMPROCEDENTE - SENTENÇA MANTIDA - PROVIMENTO NEGADO. A

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3.3.4 Não-expulsão de estrangeiro

O estrangeiro tem o seu estatuto próprio chamado de “estatuto do

estrangeiro”. Trata-se da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, que garante o seu

direito de permanência no país, se casado com brasileiro (artigo 75 da Lei 6.815)198,

sempre comprovado o efetivo vínculo matrimonial no casamento de mais de cinco

anos. 199

Considera-se o divórcio ou a separação de fato ou de direito como motivos

da perda da garantia de não-expulsão em razão da qualidade de cônjuge de

brasileiro. Mas, cessado esse vínculo, cessa também essa garantia, podendo o

estrangeiro ser expulso.200

Houve uma decisão recentemente, pelo ministro do STF, Celso de Mello,

que rejeitou pedido de liberdade formulado pelo estrangeiro Leonard Kolschowsky,

que está no Brasil em regime de prisão para fins de extradição. O pedido foi feito

nos autos da EXT 1121 , solicitada pelo governo dos EUA.

EM E N T A: EXTRADIÇÃO - PRISÃO CAUTELAR - PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL AO REGULAR PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE EXTRADIÇÃO PASSIVA - INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE JUSTIFIQUE A REVOGAÇÃO DESSA MEDIDA CONSTRITIVA DA LIBERDADE DO EXTRADITANDO - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CAUTELAR PARA FINS EXTRADICIONAIS - RECEPÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO, DO ART. 84, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 6.815/80 - INAPLICABILIDADE, POR INSUBSISTENTE, DA SÚMULA 02/STF - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A PRISÃO CAUTELAR É PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL AO REGULAR PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE EXTRADIÇÃO

legislação concernente às relações privadas da pessoa natural é única - locus regit actum -, objetivando assegurar à pessoa e à sociedade, segurança e estabilidade através de um mesmo sistema jurídico. Não se insere, no Brasil, o sobrenome de cônjuge italiano ao nome de brasileira, após casamento realizado na Itália porque o direito peninsular - que regulou o ato jurídico -, não permite a inserção do nome de um cônjuge ao nome do outro nubente. O traslado é o ato registral por meio do qual é transcrito em livro cartorário competente o inteiro teor de documento original, em língua portuguesa, não podendo referido ato inserir quaisquer anotações, registros ou averbações não constantes do documento original. 198 Art. 75. Não se procederá à expulsão: I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou II - quando o estrangeiro tiver: a) Cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente. § 1º. Não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar. § 2º. Verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo. 199 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 447. 200 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431.

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PASSIVA. - A prisão do súdito estrangeiro constitui pressuposto indispensável ao regular processamento da ação de extradição passiva, sendo-lhe inaplicáveis, para efeito de sua válida decretação, os pressupostos e os fundamentos referidos no art. 312 do Código de Processo Penal. - A privação cautelar da liberdade individual do extraditando deve perdurar até o julgamento final, pelo Supremo Tribunal Federal, do pedido de extradição, vedada, em regra, a adoção de meios alternativos que a substituam, como a prisão domiciliar, a prisão-albergue ou a liberdade vigiada (Lei nº 6.815/80, art. 84, parágrafo único). Precedentes. Inocorrência, na espécie, de situação excepcional apta a justificar a revogação da prisão cautelar do extraditando. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CAUTELAR PARA FINS EXTRADICIONAIS. - A prisão cautelar, para efeitos extradicionais, reveste-se de plena legitimidade constitucional. A norma legal que prevê essa medida cautelar de ordem pessoal (Lei nº 6.815/80, art. 82) foi recebida pela vigente Constituição da República. Precedentes. INSUBSISTÊNCIA DA SÚMULA 02/STF. - O enunciado inscrito na Súmula 02/STF já não mais prevalece em nosso sistema de direito positivo, desde a revogação, pelo DL nº 941/69 (art. 95, § 1º), do art. 9º do Decreto- -lei nº 394/38, sob cuja égide foi editada a formulação sumular em questão. Doutrina. Precedentes.201

O Ministro afastou a alegação de que o acusado não poderia sofrer processo

de extradição em função do casamento civil com uma brasileira nata e que, portanto,

sua prisão preventiva no país não poderia ser mantida.

De acordo com o Ministro, "o casamento civil não se qualifica, em nosso

sistema jurídico-constitucional, como causa de aquisição da nacionalidade brasileira,

o que torna absolutamente inacolhível a afirmação do ora extraditando de que já

adquiriu a nacionalidade brasileira com o advento do casamento". Celso de Mello

explica ainda que o Estado brasileiro não pode inovar nesse tema, seja pelo

regramento legislativo, seja mediante tratados ou convenções internacionais,

podendo alterá-lo somente mediante emenda à Constituição Federal de 1988 .

3.4 EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO

3.4.1 A lei aplicável ao regime de bens do casament o

Os consortes, muitas vezes, já possuem bens e, durante a vida conjugal,

poderão vir adquirir outros, quer por aquisição própria, doação ou sucessão.

201 Ext 1121 agr / Estados Unidos da América. Ag.reg.na extradição. Relator(a): min. Celso de Mello. Julgamento: 04/09/2008 .Órgão julgador: tribunal pleno. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 25 out. 2009.

61

Portanto, faz-se necessário determinar como serão administrados esses bens, se

será em patrimônio comum ou reservados. 202

O doutrinador Carlos H. Vidal Taquini define o regime de bens: “é conjunto

de normas jurídicas que regulam a relação patrimonial entre os cônjuges e destes

perante terceiros”.203

Já a grande estudiosa Maria Helena Diniz diz que:

O regime matrimonial de bens é o conjunto de normas aplicados às relações e interesses econômicos resultantes do casamento. É constituído portanto, por normas que regem as relações patrimoniais entre marido e mulher, durante o matrimônio.204

No Brasil, o regime de bens decorre de lei ou de convenção entre os

nubentes, por pacto antenupcial. O Código Civil tinha como característica ser

imutável. O regime legal era o da comunhão total de bens, modificado com a lei do

divórcio, de 1977, para comunhão parcial.205

Com o novo Código Civil, manteve-se a comunhão parcial, mas admite-se

sua modificação, mediante autorização judicial (art. 1939, § 2º206). 207

O regime de bens será sempre regido pela lei do domicílio comum, pela

seguinte ordem: o domicílio que já existia antes do casamento, havendo

permanência deste domicílio; ou primeiro recém-criado pela sociedade conjugal; no

caso de os cônjuges morarem em domicílio diferente, predominará o primeiro

domicílio comum.208

Agora, com o novo Código Civil, a escolha do domicílio comum será

permitida e deve ser consensual, a autonomia da vontade para estabelecimento

202 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 449. 203 TAQUINI, Carlos H. Vidal. Regime de biens en el matrimonio . Buenos Aires: Editora Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1993, p. 4. 204 DINIZ, Maria Helena. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro . 3ª Ed. São Paulo: vol II, p. 152. 205 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 449. 206 Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 1o O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. § 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. 207 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 451. 208 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 451.

62

desse domicílio qualificado não se harmoniza com a regra do chefe de família, que

se estende aos outros cônjuges (art.7º, § 7º).209

O âmbito de aplicação do art. 7º, § 4°, da Lei de I ntrodução ao Código Civil

permite o reconhecimento de efeitos a fatos constituídos no estrangeiro, como o

casamento celebrado em outro estado que não no Brasil, e utiliza como elemento de

conexão a lei do local em que tiverem os nubentes domiciliados. 210

Julgado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Agravo de

Instrumento n° 87.722-4 salienta a descaracterizaçã o de ofensa ao artigo 7°, § 4º, da

Lei de Introdução ao Código Civil e reconhece que o objetivo da Lei de Introdução

ao Código Civil é de que a lei aplicável ao regime de bens seja aquela referente ao

domicílio comum da recém-instaurada sociedade conjugal:

Ementa: casamento. Regime de bens. Interpretação do artigo 7., par-4, da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro. 1) nubentes que, sem impedimento para casar, contraem matrimônio no Uruguai, depois de preencher, pela lei uruguaia, os requisitos exigidos para a fixação de domicílio nesse país. Decisão onde se reconhece que o domicílio se estabeleceu no lugar do casamento também segundo a lei brasileira. Conclusão que assentou, neste ponto, no exame da prova, sendo, pois, irrevisível em sede de recurso extraordinário (súmula 279). Inexistência, pois, de ofensa ao artigo 7., par-4., da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro; 2) da interpretação razoável, por outro lado, a esse dispositivo legal, o aresto impugnado, quando sustenta que não importa ofensa ao aludido preceito da lei de introdução, no que toca ao regime de bens, casamento efetuado no estrangeiro, segundo a lei local, para que incida determinado regime de bens, quando este e admitido, também, pela lei brasileira. No caso, o matrimônio efetuou-se no Uruguai, onde o regime comum é o da separação de bens, para que este fosse o regime do

209 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 451. 210 Veja decisão na Ap. Cível 10.334, de 2003, TJ RJ, julgamento em 8.06.2004, disponível em <www.tj.rj.gov.br>. EMENTA: REGISTRO CIVIL DE CASAMENTO. RETIFICAÇÃO. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. CASAMENTO NO EXTERIOR. ART. 32. LEI DE REGISTROS PÚBLICOS Retificação de registro civil. Regime de bens. Casamento realizado no estrangeiro. Comunhão total de bens. Certidão consular. Art. 32 da Lei 6.015/73. Validade. A certidão de casamento dos litigantes consta que o regime é o comum de bens, esclarecido no dia seguinte ao das núpcias como regime de comunhão de bens. Nesse diapasão, a certidão expedida pelo Consulado Geral da República Federativa do Brasil em Los Angeles e seu distrito, certifica que o regime de bens do casamento adotado na California, local onde se realizou o matrimônio, é o da comunhão total de bens. O casamento realizado na California teve sua certidão legalizada pelo consulado brasileiro, onde consta, expressamente, o regimento da comunhão total de bens, situação que configura ato jurídico perfeito. Assim, a transcrição do casamento, ato para efeito "erga omnes", deve respeitar integralmente, o documento expedido pelo consulado brasileiro, onde, repita-se, consta, expressamente, que o regime de bens é o da comunhão total. A outro tanto, o art. 32 da Lei 6.015/73, dispõe que assentos de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules. Não pode o Registro Civil desvirtuar-se do documento consular, e nem proceder retificação de documento expedido pelo EUA, fazendo inserir dado que não consta no documento estrangeiro. Verifica-se, dessa forma, que há casamento válido, como se prova pela certidão consular, com regime de bens especificado – comunhão total -, situação inadmissível de alteração em procedimento administrativo. Preliminar rejeitada. Provimento do recurso. Vencido o Des. Gilberto Rego.

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casamento, regime também admitido pelo nosso direito. 3) infração ao princípio geral de direito segundo o qual não pode a parte "venire contra factum proprium". Recurso extraordinário não conhecido (agravo de instrumento n° 87.722-4 - são Paulo - 6° câmara de direito privado - relator: Ernani de Paiva - 03.09.98). EMENTA: Na espécie, descabe a alegação de que foi obtido por induzimento a erro o acordo celebrado na Argentina, pacto que formalizou o pedido de divórcio consensual naquele país, quando, do exame do referido acordo de dissolução de sociedade conjugal, verificou-se, inclusive, que o requerido foi assistido por sua advogada de defesa. O fato de a sentença estrangeira ratificar acordo das partes acerca de imóvel localizado no território brasileiro não obsta sua homologação. Ressaltou o Min. Relator que o ato homologatório da sentença estrangeira limita-se à análise dos seus requisitos formais. É incabível o exame do mérito da decisão estrangeira à qual se pretende atribuir efeitos no território pátrio. Destarte, em sede de contestação ao pedido de homologação, é incabível a discussão acerca do direito material subjacente, porque tal ultrapassaria os limites fixados pelo art. 9º, caput, da Res. n. 9/2005 do STJ. Diante disso, a Corte Especial deferiu o pedido de homologação de sentença estrangeira. SEC 1.043-AR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgada em 28/5/2009.

Portanto, deve-se respeitar a autonomia da vontade para estabelecimento

de um domicílio conjugal por mútuo consenso, não só para os casais que tinham

domicílios diversos antes do casamento, mas também para os casais que tinham um

domicílio comum, mas que transferiram seu domicílio por ocasião do casamento.

Sente-se ausência de modificação da Lei de Introdução ao Código Civil com o Novo

Código Civil, que causará inúmeras polêmicas em temas agora modificados.211

3.4.2 A imutabilidade do regime de bens

Uma das características do sistema brasileiro sempre foi o da imutabilidade

do regime de bens a partir da celebração do casamento. O princípio, para o Direito

Internacional Privado, significava que a lei aplicável ao regime de bens, uma vez

determinada, também era imutável. Com a mudança de critérios de nacionalidade

pelo do domicílio (Lei de Introdução ao Código Civil), o STF, no Recurso

Extraordinário n° 19.686, julgado em 31/08/1953, de cidiu em favor da imutabilidade

do regime e da lei aplicável a ele.212 Ou seja, a regra da residência.

211 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 452. 212 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 453.

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A exceção à imutabilidade era a que permitia ao estrangeiro, no momento de

sua naturalização e com anuência de seu cônjuge, proceder à mudança do regime,

para o regime legal brasileiro, ou seja, de comunhão parcial.213

O novo Código Civil permitiu a alteração do regime, por via judicial, ao

pedido justificado de ambos os cônjuges, ressalvados os direitos de terceiros. Para o

Direito Internacional Privado é importante, pois possibilita a substituição da lei

aplicável ao regime de bens da época do casamento pela lei brasileira, mesmo

quando a lei estrangeira inicialmente aplicável é imutável.214

Dispõe o artigo 1639, § 2º, do Código Civil, que a alteração de regime de

bens do matrimônio é possível de ser promovida por meio de autorização judicial, in

verbis:

§ 2º. É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Veja-se o entendimento dos nossos tribunais:

REGISTRO CIVIL. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. MOTIVAÇÃO. 1. Para a alteração do regime de bens, devem ser preenchidos os requisitos postos no art. 1.639, § 2º, do CCB. 2. Havendo consenso entre as partes e estando o pedido embasado na necessidade de assegurar à esposa a administração de patrimônio futuro que poderá, eventualmente, ser atingido pela má administração da empresa do marido, bem como sendo comprovada a publicação de edital informando a troca de regime de bens (Provimento nº 24/03 da CGJ), merece acolhida o pedido. 3. Não há necessidade de comprovação da justificativa apresentada pelo casal para a alteração de regime de bens, pois o ordenamento jurídico pátrio passou a admitir a mutabilidade do regime de bens, exigindo apenas a motivação e a salvaguarda dos direitos de terceiros. Recurso provido. (Apelação Cível Nº 70022179634, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/12/2007). EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DO CASAMENTO. MUDANÇA DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL PARA O DA SEPARAÇÃO ABSOLUTA. APRESENTAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO NUPCIAL. Segundo o art. 1639, § 2º, do CCB, admite-se a alteração do regime de bens do casamento quando, submetido o pedido à autorização judicial, admite o magistrado pela relevância da fundamentação apresentada, ressalvados direitos de terceiros, procedendo o termo judicial a registro, restando desnecessária a lavratura de escritura pública de pacto nupcial, não exigida em lei para tal desiderato. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70026062281, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 08/10/2008).

213 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 453. 214 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 453.

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3.4.3 Regime convencional de bens - pactos antenupc iais

Os cônjuges, quando decidem estabelecer, no pacto antenupcial, o regime

de bens de seu patrimônio, diverso do legal, criam alguns problemas relacionados

ao Direito Internacional Privado, se esse ato for no exterior. O artigo 7º, § 4º da Lei

de Introdução ao Código Civil deixa clara essa questão: se o domicílio comum ou o

primeiro domicílio conjugal for no Brasil, a lei aplicável ao pacto será a brasileira.215

O pacto antenupcial nada mais é que um acordo de vontades de caráter

obrigacional, sujeito ao art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil. Para dar efeito a

esse pacto no Brasil, pode ser o domicílio comum dos nubentes ou o primeiro

domicílio conjugal, a interpretação de suas cláusulas será pelo direito brasileiro

sobre os regimes de bens.216

No entanto o pacto, mesmo sendo um contrato, não será subordinado ao

direito das obrigações, mas, sim, pelo direito de família.217

Referente à sua forma, surgem dúvidas se há necessidade de atender os

requisitos formais da lei brasileira. Para solucionar tal aplicação, cabe aplicar a regra

locus regit actum, tendo em vista que se seguiu a lei local no momento de sua

elaboração. Então, como regra, prevalece, quanto à forma, a regra lócus.218

No entanto, se pacto for celebrado no exterior, é dispensada a forma

essencial brasileira, ou seja, a forma pública.219

Mas, para produzir efeitos perante terceiros, precisa ser atendida a

existência do pacto no Registro de Imóveis. Se versar sobre os direitos reais sobre

o imóvel no Brasil, aplica-se a lex rei sitae, sendo essencial a sua publicidade.220

EMENTA: CASAMENTO NO ESTRANGEIRO. REGIME. BENS. Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por ex-esposa, objetivando a declaração de que o regime de bens a orientar a partilha do patrimônio do casal, separado desde 1990, é o de comunhão parcial. A autora casou sem pacto

215 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 454. 216 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 455. 217 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 455. 218 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 455. 219 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 456. 220 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 456.

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pré-nupcial com o réu, em Nevada - EUA, em 1975, onde o regime de bens assemelha-se ao da comunhão parcial atualmente adotado pelo Direito brasileiro, e possuíam domicílios diferentes, pois a esposa morava na Flórida-EUA. Entretanto é fato incontroverso que o primeiro domicílio do casal foi no Brasil. Note-se que a pretensão da autora foi lançada com base em um pacto ‘pós-nupcial’, bem como em suposto regime de separação total de bens propalado pelo varão em diversas ocasiões, em negócios jurídicos, junto a terceiros e agora ele declara que o regime seria o universal de bens, após dilapidar o enorme patrimônio que possuía. Renovado o julgamento, após empate, a Turma, por maioria, proveu o REsp, restabelecendo a sentença que reconhecia o regime da comunhão universal. Apesar de o casamento ter sido realizado nos EUA, define o regime o fato de o primeiro domicílio conjugal ter sido estabelecido no Brasil, tendo em vista, ainda, que os cônjuges tinham, antes do casamento, domicílios diversos, conforme o disposto no art. 7º, § 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil/1942. Outrossim, na época, era esse o regime legal de bens no Brasil, já que não foi celebrado pacto antenupcial. REsp 134.246-SP, Rel. originário Min. Ari Pargendler, Rel. para ac órdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 20/4/200 4.

Quanto às disposições do pacto, há países em que existe liberdade ampla,

permitindo estipulações desconhecidas no Brasil. Quando há o divórcio e/ou

sucessão, essas disposições são consideradas as instituições desconhecidas, não

são mais aplicadas para a ordem pública brasileira, mesmo tenso validade a lei

estrangeira.221

3.4.4 A questão da comunicação dos aquestos

No Direito Internacional Privado, há grandes diferenças no que diz respeito à

proteção da família entre países que adotam a comunhão total, parcial ou a

separação de bens.222

No Brasil, o tema foi consolidado pelo STF, pela Súmula 377223, que dispôs

serem comunicáveis os bens adquiridos na constância do casamento, mesmo o

regime legal do país da celebração do casamento sendo o da separação.224

Em regra, consolidou-se a comunhão dos aquestos, quando a lei estrangeira

for pela separação de bens, para os bens adquiridos pelos esforços de ambos.225

221 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 456. 222 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 457. 223Súmula 377 “No Regime se Separação Legal de Bens, comunicam-se os adquiridos na constância do Casamento”. Consulta site: www.stf.jus.br 224 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 458.

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EMENTA: PARTILHA. BENS. ESTRANGEIRO. MEAÇÃO Na espécie, o casal contraiu matrimônio em 11/7/1970 e, posteriormente, veio a se separar. Decretada a separação, foi iniciada a partilha dos bens, sendo que uns situam-se no Brasil e outros no Líbano. Assim, quanto à questão do regime de bens, deve-se aplicar a lei vigente à época da celebração do casamento, conforme dispõe o art. 7º, § 4º, do CC/1916, prevalecendo o regime da comunhão universal de bens. Com relação à sucessão da mãe da ex-esposa, ora recorrente, as regras que disciplinam a matéria devem ser as do Direito Internacional Privado brasileiro vigentes à data da sucessão, ou seja, 12/6/1993. Dessa forma, aplica-se o caput do art. 10 da Lei de Introdução ao CC de 1916. Logo não se pode afastar o direito do recorrido, o ex-marido, à meação incidente sobre os bens herdados pela recorrente, na constância de casamento sob o regime de comunhão universal de bens, os que se encontram no Brasil e no Líbano. Conseqüentemente, não há incomunicabilidade dos bens herdados pela recorrente no Líbano. O Tribunal a quo, então, suspendeu o processo de partilha para aguardar a solução do inventário no Líbano, a fim de compensar, no momento da divisão dos bens localizados no Brasil, a parcela relativa à meação do recorrido quanto aos bens lá existentes. Isso posto, prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, não conheceu do recurso, mantendo esse entendimento. REsp 275.985-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 17/6/2003.

3.4.5 Restrição à aquisição de bens imóveis por est rangeiros

A aquisição de imóvel urbano não sofre quaisquer impedimentos por parte

da legislação brasileira. É irrelevante se o comprador é nacional ou estrangeiro, se é

pessoa física ou jurídica, ou se está domiciliado ou tem a sua sede no Brasil ou no

exterior.226

Áreas rurais também poderão ser adquiridas por estrangeiros, desde que

observada certa restrição, tem que haver prévia autorização do INCRA. A aquisição

de terras consideradas indispensáveis à segurança nacional, como é o caso de

terras de fronteira e terrenos de marinha, é vedada a estrangeiros, a menos que haja

autorização expressa por parte do órgão competente.227

A Lei nº 5.709/71 encontra-se sob a égide do art. 190 da Constituição

Federal, que diz, in verbis: “A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento

de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os

casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”.

225 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 431. 226 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 458. 227 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 460.

68

3.4.6 A qualidade de herdeiro do cônjuge sobreviven te

No Código civil de 1916, o cônjuge não era considerado como herdeiro

necessário. Quando o regime de bens era a da comunhão de bens, o cônjuge fazia

jus à meação do patrimônio conjugal.228

Agora, com o novo Código Civil, o cônjuge concorre com os descendentes

na sucessão legítima em alguns casos.

Para o Direito Internacional Privado, embora a lei brasileira não qualificasse

o cônjuge sobrevivente como herdeiro, como se faz agora com o novo Código civil,

havia casos em que isso poderia ocorrer por força da regra de conexão, ao

determinar a aplicação da norma estrangeira à sucessão (art. 10 da Lei de

Introdução ao Código Civil).229

EMENTA: HOMOLOGAÇÃO. SENTENÇA ESTRANGEIRA. INVENTÁR IO. PARTILHA. Trata-se de pedido de homologação de sentença estrangeira (Inglaterra) que reconheceu o registro de testamento que declara a esposa como única herdeira de imóveis situados no Brasil. Observou o Min. Relator que a requerente deixou de providenciar a anuência dos demais interessados e o responsável pelas custas da carta rogatória de citação, conforme determinado. Mas, ainda que houvesse acatado essa determinação, não seria possível a homologação pleiteada, pois arrimada em ato relacionado a inventário e partilha de bens situados no Brasil, de competência tão-somente da autoridade judiciária brasileira (art. 89, II, do CPC). Precedente citado: SEC 843-LB, DJ 28/5/2007. SEC 1.032-GB, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgada em 19/12/2007

3.4.7 A dissolução do casamento

Pode haver dissolução do casamento em três casos: anulação, separação e

seguindo divórcio e morte de um dos cônjuges. Cada um desses motivos tem

repercussão no Direito Internacional Privado, como se vê a seguir.230

a) Anulação: o Direito Internacional Privado possui dispositivo

especial a respeito (art. 7º, § 3º), sendo que essa regra que dispõe

do regime de bens, manda aplicar o domicílio conjugal.231

228 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 461. 229 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 461. 230 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 462.

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b) Divórcio:

b.1) Divórcio realizado no Brasil de casamento realizado no exterior:

será competente a justiça brasileira para processar o feito, seguindo-se a

lei processual brasileira.232

EMENTA: CASAMENTO NO EXTERIOR. REGISTRO Para fins de prova de casamento celebrado no exterior, o reconhecimento de sua validade no Brasil independe de registro local. Desse modo, é nulo o segundo casamento de cônjuge brasileiro já casado no exterior com estrangeiro divorciado, quando ainda vigente o primeiro matrimônio, mesmo que não averbado no Brasil. REsp 280.197-RJ , Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 11/6/2002.

b.2) Efeitos de divórcios realizados no exterior: a produção de efeitos

no Brasil dependerá de sua homologação no STJ.

No direito brasileiro, as sentenças estrangeiras são homologáveis,

independentemente de serem declaratórias, constitutivas ou condenatórias. Assim,

salvo poucas exceções, toda e qualquer sentença estrangeira está sujeita à prévia

homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, para que possa produzir os seus

efeitos.233

O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem

brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de um ano da data da sentença,

salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que

a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas às condições estabelecidas

para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça,

na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do

interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças

estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os

efeitos legais.234

231 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 463. 232 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 464. 233 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 464. 234 “LEI Nº 12.036, DE 1º DE OUTUBRO DE 2009. Altera o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, para adequá-lo à Constituição Federal em vigor. O VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, para adequá-lo à Constituição Federal em vigor. Art. 2º O § 6º do art. 7º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa a vigorar com a seguinte redação:

70

Antigamente, a competência para homologação de sentenças estrangeiras

era do Supremo Tribunal Federal. Com as alterações trazidas com a Emenda

Constitucional nº 45/2004, essa competência foi transferida para o Superior Tribunal

de Justiça (CF, art. 105, inc. I, letra i), rompendo-se, assim, longa tradição no direito

brasileiro. Vale registrar que a jurisprudência e a doutrina do Supremo Tribunal

Federal trouxeram evoluções importantes sobre esse tema no Brasil, sendo que,

hoje em dia, muitas das antigas controvérsias já foram superadas.235

PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. DIVÓRCIO. CITAÇÃO EFETIVADA POR CARTA ROGATÓRIA. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA. 1. A sentença estrangeira, cumpridos os requisitos erigidos pelo art. 5º incisos I, II, III e IV da Resolução 09/STJ, revela-se apta à homologação perante o STJ. 2. In casu, o curador especial, designado em face da revelia da requerida - que apôs seu ciente sem apresentar contestação - manifestou-se contrariamente à homologação, ao argumento de que, no processo originário, não houve a intervenção de curador especial, razão pela qual ofenderia a ordem pública, mormente as garantias legais e constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 3. A homologação da Sentença Estrangeira pressupõe a obediência ao contraditório consubstanciado na convocação inequívoca realizada alhures. No caso sub judice, resta indubitável o fato de que a citação deu-se por carta rogatória, que restou devolvida, sem cumprimento, pelo fato de a Ré estar em local desconhecido, sendo certo que operou-se a convocação, na forma da ZPO (fls. 56/58). 4. Sob esse ângulo, assentou o MP (fls. 90), in verbis: ‘3. No processo alienígena foi tentada citação da requerida por carta rogatória, a qual foi devolvida, sem cumprimento, pela Justiça Brasileira (documento anexado aos autos, fls. 54/55 - tradução fls. 56/58). Donde a citação ficta, como relatado na sentença homologanda (fls. 44/47 - tradução fls. 48/53): onde a requerida vive atualmente é desconhecido. O pedido de divórcio lhe foi comunicado publicamente. 3. No presente pedido de homologação, a requerida foi encontrada e apôs o seu ciente, sem contudo apresentar contestação (fls. 69). 4. A Defensoria Pública, designada em face da revelia da requerida, manifestou-se contrariamente à homologação, argumentando que no processo de origem não houve intervenção de curador especial.

“Art. 7º, §6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais” (NR) Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º Revogam-se o § 2º do art. 1º e o parágrafo único do art. 15 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Brasília, 1º de outubro de 2009; 188º da Independência e 121º da República. JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto. Este texto não substitui o publicado no DOU de 2.10.2009”. 235 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008, p. 464.

71

5. A intervenção da Defensoria Pública não procede. A frustração da tentativa de citação pessoal da requerida no Brasil deu ensejo à citação ficta, não havendo como impor à Justiça alemã a observância de regras próprias do ordenamento processual brasileiro, no que tange às conseqüências processuais da revelia. Além disso, citada pessoalmente no processo de homologação, a requerida nada reclamou’. 5. É cediço na jurisprudência do Eg. STJ que a homologação da sentença estrangeira reclama prova de citação válida da parte requerida, seja no território prolator da decisão homologanda, seja no Brasil, mediante carta rogatória, consoante a ratio essendi do art. 217, II, do RISTJ. 6. Destarte, encontram-se preenchidos os requisitos erigidos pelo art. 5º incisos I, II, III e IV da Resolução 09/STJ: a sentença homologanda foi proferida por Juízo competente - Tribunal de Primeira Instância da Comarca de Tostedt, na Alemanha; houve a devida citação da requerida por carta rogatória (fls. 56/58); a sentença transitou em julgado, consoante certificado às fls 11 (tradução às fls. 49), seu inteiro teor encontra-se devidamente autenticado pelo cônsul brasileiro (fls. 47), e a sua tradução foi realizada por intérprete juramentado no Brasil (fls. 48-53), por isso que o presente ato jurisdicional estrangeiro revela a sua aptidão à pretendida homologação perante o STJ. 7. O curador especial atua obstando a homologabilidade, por isso que somente faz jus aos honorários acaso sucumbente o autor via oposição oferecido pelo exercente de munus público. 8. Homologação deferida. Despesas ex lege.236

A finalidade da homologação da sentença estrangeira é reconhecer a

eficácia jurídica perante a ordem jurídica brasileira. Essa eficácia, no sentido legal,

abrange toda a eficácia jurídica da sentença como ato decisório, não se limitando ao

seu efeito de execução.

Portanto, a necessidade da homologação da sentença estrangeira de

divórcio e de separação judiciais que envolvem brasileiros está preceituada no artigo

7º, § 6°, de nosso Código de Processo Civil, e a m atéria, em seus artigos 483 e 484

do Código de Processo Civil.237

236 SEC 3183 / DE SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA 2008/0283676. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=senten%E7a+estrangeira&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=9>. Acesso em: 25 out. 2009. 237 BRASIL. Código de Processo Civil Comentado. 7° Ed. São Paulo: 2003. Art. 483. A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Parágrafo único. A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Art. 484. A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza.

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CONCLUSÃO

Há afluxo de pessoas de todas as nacionalidades que aqui aportam e aqui

estabelecem relações individuais de ordem privada. Por outro lado, há um elevado

número de brasileiros que deixam nosso país rumo à Europa, Ásia ou aos Estados

Unidos.

Tudo em torno do mundo está em mudanças e o que mais chama a atenção

é que isso está se tornando cada vez mais rápido. Mas é possível aperfeiçoar e

tornar essas mudanças adequadas aos tempos atuais.

Nossa doutrina nem tanto, mais a lei e a jurisprudência dos dias atuais, no

âmbito do Direito Internacional Privado, encontram-se defasadas, com isso, torna-se

preocupante a sua aplicação. Cabe destacar que hoje o que mais importa para a

humanidade e para sua qualidade de vida é a aplicação dos direitos humanos e a

dignidade da pessoa humana, que talvez esteja passando despercebida no âmbito

do Direito Internacional Privado brasileiro da Lei de Introdução ao Código Civil.

A Constituição Federal assegura, nos seus artigos, a proteção da pessoa

humana, pois, atualmente, o objetivo do ordenamento jurídico ultrapassou fronteiras,

é a questão da proteção e de sua dignidade, em todas as áreas do direito.

No tocante a este trabalho, observa-se que a Lei de Introdução ao Código

Civil de 1942 está defasada, tornando difícil a sua aplicação nos dias atuais. Não

porque a lei seja pouco aplicada e, sim, porque ela é muito aplicada e, com isso,

entra em conflito com as leis atuais, como, por exemplo, o novo Código Civil, que

teve inúmeras modificações, no entanto a Lei de Introdução do Código Civil talvez

tenha passado despercebida.

A Lei de Introdução ao Código Civil necessita de modificações, ela nada

mais é do que uma lei de introdução ao direito como um todo, com normas de direito

e sobre Direito Internacional Privado. A primeira Lei de Introdução ao Código Civil

que tivemos foi aprovada em 1916, juntamente com o Código Civil de 1916. Daí o

nome que ela tomou.

No entanto foi substituída pelo Decreto Lei nº. 4.657/42, que está ainda em

vigor. Na aprovação do novo Código Civil de 2002, nem sequer se cogitou da

substituição da Lei de Introdução, justamente por estar pacificado o entendimento de

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que essa lei não tem ligação estrita com o Direito Civil, mas com todos os ramos do

direito.

Há muito tempo que se almeja uma nova Lei de Introdução ao Código Civil.

Vários projetos foram elaborados e, posteriormente, arquivados. Atualmente, o

Projeto nº. 243/2002, com 45 artigos, trata de assuntos como domicílio, sucessões,

separação e divórcio, regime de bens, dentro outros.

Observa-se que há uma certa dificuldade para os juristas quanto à aplicação

da Lei de Introdução ao Código Civil nos conflitos internacionais, até pelo

desconhecimento da lei internacional, então, acaba não se aplicando a lei mais

benéfica e, sim, a lei que os juristas conhecem.

Talvez entre o princípio da segurança jurídica, será que com aplicação da lei

mais conhecida se está aplicando a lei correta para o conflito? Ou se está somente

resolvendo o conflito e aplica-se o critério somente para sanar o fato concreto?

Em casos duvidosos, quando não se possa sair de alguma perplexidade,

deve dar-se prevalência ao direito comum, não porque seja melhor, mas porque o

fato não pode ficar sem apreciação jurídica, e sempre o ius communis é observado

com segurança maior do que a que se tem quando é imitado o direito estranho,

quase sempre menos conhecido dos juízes e dos próprios interessados.

Nesse caso, o princípio da segurança jurídica deve prevalecer, pois o Direito

Internacional, muitas vezes, é desconhecido pelo magistrado, com isso, não se pode

garantir se a norma estrangeira aplicada vai ser a melhor para as partes.

Cabe destacar que a ordem pública é o princípio mais usado para limitar a

aplicação da lei estrangeira. Ordem pública é a soma dos valores morais e políticos

de um povo. Trata-se de um conceito fluido, variável no tempo e no espaço. De um

período para outro, varia o que se entende por ordem pública em cada país, mas é

exceção.

Com isso, como conciliar a utilização dos princípios gerais de Direito

Internacional Privado com a proteção de algumas situações ligadas à família,

consagrada pela jurisprudência dos tribunais brasileiros?

Um dos princípios mais importantes é a proteção da dignidade da pessoa

humana constante do artigo 1°, inciso III, da Const ituição Federal. Não há ramo do

Direito Privado em que a dignidade da pessoa humana tenha mais ingerência ou

atuação do que o Direito de Família, como, por exemplo, a perda da importância do

patrimônio e a supervalorização da pessoa.

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Nos últimos tempos, a atenção aos problemas de Direito Internacional

Privado está com mais insistência, haja vista a necessidade, nesses casos, de se

determinar qual o direito a ser aplicado para a solução jurídica em questão. Contudo,

há de se destacar que a Lei de Introdução ao Código Civil necessita de mudanças

para o âmbito internacional, para que possa se tornar sua aplicação mais segura

perante os fatos jurídicos no âmbito internacional.

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