O que se conta e o que não se conta sobre a Proclamação da República

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 O QUE SE CONTA E O QUE NÃO SE CONTA SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA  REPÚBLICA NO BRA SIL Otto de Alencar Sá Pereira  De Petrópolis, o Impe rador desceu para d eparar-se com uma traição.  A origem da palavra Histór ia vem de "histor ", vocábulo grego, que significa "o que se sabe porque se viu". As fontes históricas, entretanto evoluíram.  Elas não são só o resultado do que se viu, mas também do que se contou  fidedignamente (tradição oral - importan tíssima nos tempos antigos), do que se encontrou em matéria de documentos escritos e do que se observou em "documenta monumenta", onde salientam-se como ciências auxiliares da História, Arqueologia, Antropologia, Etnologia, Museologia,  Paleografia, Bibliografia, Genealogia, Numismática, Heráldica, etc...  A História deixou de ser só "a narrativa liter ária de fatos passados", mas, sem perder sua característica de arte, adquiriu também seu aspecto científico, onde se encontram causas e consequências do "fato histórico", sob o aspecto religioso, político, econômico, o sociológico, cultural, etc...  Entretanto, a narrativa fide digna, literári a do fato histórico, dela não se  pode prescind ir. É a partir dela, da narrativa do fato hi stórico, que tudo se faz. Às vezes ela até se explica sozinha, pois suas causas estão implícitas e óbvias. Causas, interpretações, doutrinas, consequências, teses... Do que? Do fato histórico. Consequentement e a narrativa "tout court" é essencial.  No caso presente, da Proclamação da República no Brasil, a n arrativa dos acontecimentos dos 15 de Novembro de 1889, a nosso ver, são, por si

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O QUE SE CONTA E O QUE NÃO SE CONTA SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL

Otto de Alencar Sá Pereira

 De Petrópolis, o Imperador desceu para deparar-se com uma traição.

 A origem da palavra História vem de "histor", vocábulo grego, que

significa "o que se sabe porque se viu". As fontes históricas, entretantoevoluíram.

 Elas não são só o resultado do que se viu, mas também do que se contou fidedignamente (tradição oral - importantíssima nos tempos antigos), doque se encontrou em matéria de documentos escritos e do que se observouem "documenta monumenta", onde salientam-se como ciências auxiliares

da História, Arqueologia, Antropologia, Etnologia, Museologia, Paleografia, Bibliografia, Genealogia, Numismática, Heráldica, etc...

 A História deixou de ser só "a narrativa literária de fatos passados", mas,

sem perder sua característica de arte, adquiriu também seu aspectocientífico, onde se encontram causas e consequências do "fato histórico",sob o aspecto religioso, político, econômico, o sociológico, cultural, etc...

 Entretanto, a narrativa fidedigna, literária do fato histórico, dela não se pode prescindir. É a partir dela, da narrativa do fato histórico, que tudo

se faz. Às vezes ela até se explica sozinha, pois suas causas estãoimplícitas e óbvias.

Causas, interpretações, doutrinas, consequências, teses... Do que? Do fatohistórico. Consequentemente a narrativa "tout court" é essencial.

 No caso presente, da Proclamação da República no Brasil, a narrativados acontecimentos dos 15 de Novembro de 1889, a nosso ver, são, por si

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só, tão eloquentes, que toda a historiografia passada republicana quaseque se desvanece. Há aqueles que procuram concatenar manifestações

rebeldes contra a Coroa Portuguesa no período colonial, com osurgimento de ideias alienígenas vindas especialmente dos iluministas e

enciclopedistas franceses do século XVIII (inconfidentes), com a

revolução de 1817, com a de 1824, com a Balaiada, com a Cabanagem, coma Sabinada, com as revoluções liberais, estas últimas na minoridade de D.

 Pedro II e, finalmente, com a pequena tropa que cercou o Palácio doGoverno, comandada por Deodoro no 15 de Novembro (que não

 proclamou a República) ou com o verdadeiro ato de Instauração Republicana, motivado pelos ciúmes e ódios de Deodoro (decreto nº 01 da República). Estes fatos nada tiveram a ver uns com os outros. Não havia

concatenação. Não existiu um movimento republicano lentamenteelaborado no Brasil, que tivesse atingido o seu ponto de saturação no dia

 15 de Novembro. Deodoro, provavelmente nunca ouvira falar de

 Beckman, nem mesmo corretamente da Inconfidência Mineira e, seconhecia algo sobre as revoluções aludidas acima contra a Coroa, fosse a portuguesa ou a brasileira, conhecia-as como estudante de História

 Militar (revoltas sufocadas pelas forças das armas). Que tenha havidoalguns poucos republicanos autênticos, que procuraram, ao fazer a História do Brasil, ligar estes acontecimentos, com um dinamismo

 próprio do ideário republicano na nossa pátria, uma verdadeira evoluçãoda ideia republicana, certamente existiram tais idealistas, mas foram, na

realidade, românticos que não desceram das nuvens à terra. “Os

inconfidentes, por exemplo, tinham pouco apoio popular”. Nemconheciam fatos passados que emergissem no Brasil como ideias

republicanas. Além disto, havia vários inconfidentes que erammonarquistas, desejavam a independência de Minas Gerais na forma

monárquica de governo. Mas... não havia príncipes brasileiros. Assim, oque fazer? 

Os revoltosos de 1817 em Pernambuco, assim como os de 1824, erammovidos muito mais por nacionalismo do que por republicanismo (os de 1824 consideravam D. Pedro I mais português do que brasileiro, o que é

uma injustiça).

O certo é que nunca houve no Brasil um processo histórico nacional republicano, que se originasse ainda nos tempos coloniais, passasse pelo

 Reino Unido e atingisse o Império.

 Não se pode negar, evidentemente, que a partir de 1870, com a fundação,em Itu, do Partido Republicano, o seu ideário não tenha sido negado, nãotenha crescido, não tenha dado seus frutos. Entretanto esses frutos eramtão insignificantes, menores do que jabuticabas, que, como é sabido, osrepublicanos nunca conseguiram eleger mais de dois ou três deputadosem cada legislatura, mesmo possuindo o partido, diretórios em todas as

 províncias e municípios brasileiros. Estamos defendendo o ponto de vista

de que os acontecimentos do 15 de Novembro de 1889 foram maisimportantes para o advento da República do que tudo o que se tinha feito

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antes, simplesmente porque o que se tinha feito antes, pela República, foinada ou quase nada. Pelo menos, da parte dos republicanos. Porque se

algo foi feito pela República, antes do 15 de Novembro, seus autores foramos monarquistas e não os republicanos e, portanto, não houve ação,

antes, omissão e traição daqueles que tinham como obrigação defender o

Trono e não o fizeram, movidos por interesses econômicos, feridos pela Lei Áurea. Estes barões do Império foram muito mais culpados do que

qualquer Benjamin Constant, Silva Jardim, Quintino Bocaiúva ou Aristides Lobo. Estes, chamados de republicanos históricos, perceberam

que a guerra contra o Paraguai e o Abolicionismo, tinham gerado duassituações a eles favoráveis:

 1) Os militares galardoados com títulos e comendas, durante o conflito platino, se sentiam importantes e consequentemente passaram a desejar  participar na Política Imperial, o que contrariava a índole do Imperador 

e dos políticos que preferiam que cada classe "cumprisse o seu dever" eexercesse as suas funções precípuas: Os militares, para a defesa da pátria, do Imperador, da ordem pública e da Constituição e da Lei

 Magna. O monarca, os gabinetes de ministros (civis) e o Parlamento, para governarem a Nação. Consequentemente os militares, como é óbvio,

deviam obediência ao governo. Entretanto, não era isto que estava severificando. Os militares não só se imiscuíam na política, mas queriam

dela participar e, muitas das vezes, desobedeciam abertamente ogoverno, não o Imperador... mas o governo, sim!

 2) O abolicionismo, cada vez mais defendido pela Família Imperial e de

modo especial pela Princesa Isabel, fazia nascer um mal estar entre aCoroa e a aristocracia rural, como já dissemos, por uma falta desentimento cristão e de fidelidade ao Trono, daqueles senhores que só

viam em seus escravos fonte de lucros econômicos.

 Em face a estas duas situações, qual seria a estratégia do punhado de"republicanos históricos"? Já tinham constatado, pelos resultados das

eleições parlamentares, a ineficácia do regime democrático para a vitóriarepublicana. A República teria que ser imposta pela força. Naturalmente

 pela força militar, daí a adoção à doutrina positivista. Por isso osrepublicanos viviam a pôr lenha na fogueira dos atritos entre militares e

governantes civis (gabinetes de Ministro), contando assim conseguir aadesão dos militares à causa republicana, como explicamos no item 1acima. Sabedores da felonia de grande parte da aristocracia rural em

relação ao Trono (explicada no item 2 acima), era só espicaçar o exércitocontra a Coroa, que esta não seria defendida pelos seus naturais

defensores, a nobreza rural, já que o povo nada podia fazer. Por estarazão, os acontecimentos do dia 15 de Novembro de 1889 assumem umadimensão especial no advento da República, pois a tal questão militar,como veremos, fracassara, e a questão escravocrata, se não fossem os

acontecimentos do 15 de Novembro, acabaria se diluindo pela

acomodação da aristocracia rural ao fato de não possuir mais escravos. Aquestão militar só conseguirá derrubar um Gabinete de Ministros e não a

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 Monarquia, como passamos a ver: Havia, sem dúvida, uma indisposiçãoentre os militares (principalmente os do exército) e os governantes civisdo Império. No dia 15, um grupo de republicanos procurou o Marechal 

 Deodoro da Fonseca, em sua casa, onde acamado, se curava de diversasenfermidades dolorosas. Os republicanos pediram ao velho Marechal que

se levantasse, se fardasse e montasse a cavalo, para comandar umatropa, que cercasse o Palácio em que se reunia, na ocasião, o Gabinete de

 Ministros, presidido pelo Visconde de Ouro Preto, e o derrubasse do poder, pois, diziam eles, este governo estava ferindo seriamente o briodos militares. Deodoro podia não ser republicano, mas era mais militar 

do que monarquista. Jamais se oporia ao Imperador, a quem deviamuito, mas aos "casacas", como ele chamava aos políticos civis, era uma

outra coisa. Os militares encontravam-se ressentidos com atitudesautoritárias dos gabinetes de ministros. Urgia então fazer alguma coisa. Aceitou comandar a pequena tropa (os soldados por ele comandados e os

 poucos populares, que assistiram à pantomima, pensaram tratar-se deuma parada militar), cercou o Palácio, adentrou pessoalmente, teve umagressivo bate boca com o Presidente do Conselho de Ministros, o

Visconde de Ouro Preto, considerou-o demitido e preso pela força dasarmas. Ao descer pela escadaria do palácio, novamente montado a cavaloe reassumindo o comando, teve, entretanto, um gesto, que bem esclarece

que a chamada questão militar não derrubaria o Trono. À frente da tropae obedecendo ao cerimonial militar de saudação ao Chefe de Estado, com

o quepe erguido pela mão direita acima da cabeça deu um "viva ao Imperador". A questão militar derrubara inconstitucionalmente o

governo, mas não a Monarquia. O Visconde de Ouro Preto, mesmo preso,

teve autorização para telegrafar ao Imperador, que se encontrava em Petrópolis, pedindo uma descida ao Rio, a fim de reorganizar o Governo

 Imperial Parlamentar, já que o Brasil não podia ficar acéfalo. Istotambém nos esclarece que, da parte da maioria dos militares, que

 Deodoro bem representava, não havia a menor intenção de proclamar nenhuma República. Aliás, dias antes o Marechal escrevera a umsobrinho, na Bahia, dizendo: "No Brasil, república é sinônimo de

desgraça completa". Portanto, contrariando os historiadores que armamuma rede conectada de ideias e de homens, desde Beckman ao decreto nº 1 da República de 15 de Novembro de 1889, passando pelas conspirações

mineiras e baiana do século XVIII, às revoltas de 1817 e 1824, àCabanagem, à Balaiada, à revolução Sabina da Bahia, às revoltas

liberais de Minas e São Paulo, à guerra dos Farrapos na minoridade de D. Pedro II, e finalmente a derrubada do gabinete Ouro Preto, se formosestudar cada uma dessas manifestações de revolta, observaremos que:

 1) Cada uma delas se explica por causas próprias, contemporâneas;

 2) Que, portanto não estão interligadas por uma mesma linha de pensamento que aos poucos teria evoluído;

 3) Na realidade, elas todas foram absolutamente insignificantes, quasemerecedoras de não serem mencionadas na História, talvez com a única

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exceção da "Guerra dos Farrapos", que além de sua longa duração,constitui uma verdadeira guerra internacional, do Império do Brasil 

contra potências do Prata, que já naquela época (bem antes dasintervenções brasileiras contra Oribe, Rosas, Aguirre e Solano Lopes) pretendiam incorporar o Sul do Brasil a elas (velho sonho do Império

 Platino), uma vez que os Bentos Ribeiros estavam consciente ouinconscientemente traindo o Brasil ao servir aos interesses platinos.

 4) Que elas só se destacam na História do Brasil pela vontade dehistoriadores republicanos, que foram descobrir no fundo do baú da História brasileira, estas quarteladas com as intenções cínicas de

desejarem divorciar o brasileiro de uma de suas tradições maisorgânicas, naturais e autênticas que foi a Monarquia, tanto a

 portuguesa, quanto a brasileira.

 Assim, voltando aos fatos históricos do dia 15 de Novembro de 1889,

únicos que realmente foram importantes para a instauração da República, dizíamos que Ouro Preto, mesmo preso, solicitou a presença

do Imperador, que, de Petrópolis desceu calmamente para jogar água friana fervura militar. O Brasil não podia ficar sem governo, isto era o mais

importante. D. Pedro II, seguindo as normas parlamentaristas, reuniu-secom os políticos do partido majoritário, com a intenção de constituir um

novo governo. O que viria a fazer com Deodoro que agira fora da lei, ficava para depois. No momento, o importante era formar um Governo.

 Durante a reunião os deputados do Partido Majoritário sugeriram onome de Gaspar da Silveira Martins. Este nome, entretanto, logo foi

alijado, pois o político gaúcho viajara ao Sul, para contatos com suasbases eleitorais. Por acaso, na sala de reuniões, provavelmente comooficial ajudante, encontrava-se o Major Sólon Ribeiro; este, autênticorepublicano. Conhecedor que era de rusga seríssima que havia entre

 Deodoro e Silveira Martins teve ele uma ideia, que, no seu parecer, o qual estava absolutamente correto, seria a mola propulsora da Proclamação

da República.

Quando Deodoro exercera o Comando Militar do rio Grande do Sul, Silveira Martins ocupara a Presidência da Província. Tornaram-se

inimigos acérrimos, não só do ponto de vista político, mas principalmente

no âmbito doméstico. Embora ambos fossem casados, nas horas vagasdispunham dos favores de uma mesma dama viúva. E, tudo indica... ela

dava preferência ao Silveira Martins.

 Isto tudo rodopiou na cabeça do malévolo Major Sólon que, pedindolicença ao Imperador, retirou-se da sala e partiu a galope, com sua

calúnia venenosa que definia-se em dois boatos maquiavélicos: 1) Que o Imperador nomeara Presidente do Conselho de Ministros ao Gaspar da Silveira Martins; 2) Que dera ordem de prisão ao Marechal Deodoro da

 Fonseca.

 Em sua casa, o velho Marechal recusara-se a assinar, peremptoriamente,o decreto de Proclamação da República que uma dezena de republicanos

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 já tinha redigido. Estes, não se conformando da "questão militar" não ter resultado na queda da Monarquia, não largavam a sombra do Deodoro,não saiam de sua casa, como que esperando um milagre, que mudasse a

situação. O que veio a acontecer, não foi o milagre esperado, mas sim, umartifício ardiloso daquele que é o rei da mentira, e que pontifica no fogo

eterno, que usou como seu instrumento o boateiro Major Sólon Ribeiro.Quando ele chegou à casa de Deodoro e transmitiu ao velho homemalquebrando pelas doenças, a noticia caluniadora e falsa, o militar derrotado pela vida, enfureceu-se e julgando que o Imperador fazia

aquilo diretamente para feri-lo, destemperou em um grito aos líderesrepublicanos: "Dêem-me este papel", e assinou-o. Estava proclamada a República no Brasil. Quando a notícia verdadeira chegou, ele só pode

dizer: "Tarde demais". Para ele foi "tarde demais". Para os brasileiros foio entardecer da pátria.