O que fazem as mães? - LITURA - MARCUS ANDRÉ VIEIRA ... · utilizarmos uma passagem assinalada em...

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1 O que fazem as mães? (Mães Lacanianas) Marcus André Vieira e Romildo do Rêgo Barros IV – A mãe de Joyce Joyce e o Nome do Pai Marcus: Hoje partiremos de uma seleção, feita por Ram Mandil, de algumas cenas na obra de James Joyce tendo a mãe em primeiro plano. Tudo começou com a ideia de utilizarmos uma passagem assinalada em seu livro, Os efeitos da letra 1 , em que destaca uma situação vivida por Stephen Dedalus no internato com relação à sua mãe. A nosso pedido, Ram fez um recorte bem mais amplo, de valor único, acrescentando outras passagens. Tentarei mostrar como lemos esse recorte e ouviremos a seguir Ram que comentará este nosso comentário. Retomando o ponto em que estávamos, havíamos dito que não iríamos abordar nem em “Nota sobre a criança” 2 , nem no que se seguiu se estaríamos na psicose ou não. Tanto na situação da criança capturada como objeto a na fantasia materna quanto na devastação buscamos pequenos detalhes de diferença no interior do enquadre edípico. 3 Começaremos agora a introduzir o tema do que seria a função materna em um campo onde a regulação ou a separação não é garantida pelo Nome-do-Pai (lembro a vocês que nossa definição instrumental de Nome-do-Pai é um vazio separador no próprio discurso da mãe). Agora as coisas ficam muito mais radicais. Ao mesmo tempo podemos, através de Joyce, abordar as figuras tanto de pai quanto de mãe desse ponto de vista, digamos, exterior. É exatamente o que me chamou atenção de início: a maneira estrangeira como Joyce situa o Nome-do-Pai. Estar em posição de exterioridade com relação ao simbólico, como Lacan define com relação à psicose, não significa que o simbólico, para este sujeito não exista. Ele apenas existe em outro lugar. Este ponto é fundamental para falarmos da clínica da psicose, caso contrário vamos ficar afirmando por aí que eles não estão no simbólico, coisa que faz mais mal do que bem. Ao mesmo tempo sabemos que estes grandes cortes têm um valor pragmático, afinal dizermos que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, costuma ajudar a tomar decisões. Então não vamos desistir disso, mas no nosso caso, temos que imediatamente trazer uma dialética, voltar atrás e dizer que, certo, separamos e definimos, mas que ao mesmo tempo não é bem assim. Ler Joyce é uma maneira de retornar à diferença estrutural de outra maneira. Para começar, não estaremos dizendo que são escritos de um psicótico. Nesse sentido, a tese de Sérgio Laia, Os Escritos fora de si 4 , é exemplar, inclusive a expressão, pois “escritos fora de si” não precisam ser escritos de um psicótico, só precisam ser “fora de si”. Sem nos alongarmos demais nessa idéia, “fora de si”, aqui, significa fora dessa estruturação tão típica da neurose que assume a ideia de que o “si” seria algo profundo, sagrado e sempre em sua essência fora de alcance. Para ser um escrito fora

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O que fazem as mães? (Mães Lacanianas) Marcus André Vieira e Romildo do Rêgo Barros

IV – A mãe de Joyce

Joyce e o Nome do Pai

Marcus: Hoje partiremos de uma seleção, feita por Ram Mandil, de algumas cenas na obra de James Joyce tendo a mãe em primeiro plano. Tudo começou com a ideia de utilizarmos uma passagem assinalada em seu livro, Os efeitos da letra1, em que destaca uma situação vivida por Stephen Dedalus no internato com relação à sua mãe. A nosso pedido, Ram fez um recorte bem mais amplo, de valor único, acrescentando outras passagens. Tentarei mostrar como lemos esse recorte e ouviremos a seguir Ram que comentará este nosso comentário.

Retomando o ponto em que estávamos, havíamos dito que não iríamos abordar nem em “Nota sobre a criança”2, nem no que se seguiu se estaríamos na psicose ou não. Tanto na situação da criança capturada como objeto a na fantasia materna quanto na devastação buscamos pequenos detalhes de diferença no interior do enquadre edípico.3

Começaremos agora a introduzir o tema do que seria a função materna em um campo onde a regulação ou a separação não é garantida pelo Nome-do-Pai (lembro a vocês que nossa definição instrumental de Nome-do-Pai é um vazio separador no próprio discurso da mãe). Agora as coisas ficam muito mais radicais. Ao mesmo tempo podemos, através de Joyce, abordar as figuras tanto de pai quanto de mãe desse ponto de vista, digamos, exterior.

É exatamente o que me chamou atenção de início: a maneira estrangeira como Joyce situa o Nome-do-Pai. Estar em posição de exterioridade com relação ao simbólico, como Lacan define com relação à psicose, não significa que o simbólico, para este sujeito não exista. Ele apenas existe em outro lugar. Este ponto é fundamental para falarmos da clínica da psicose, caso contrário vamos ficar afirmando por aí que eles não estão no simbólico, coisa que faz mais mal do que bem. Ao mesmo tempo sabemos que estes grandes cortes têm um valor pragmático, afinal dizermos que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, costuma ajudar a tomar decisões. Então não vamos desistir disso, mas no nosso caso, temos que imediatamente trazer uma dialética, voltar atrás e dizer que, certo, separamos e definimos, mas que ao mesmo tempo não é bem assim. Ler Joyce é uma maneira de retornar à diferença estrutural de outra maneira.

Para começar, não estaremos dizendo que são escritos de um psicótico. Nesse sentido, a tese de Sérgio Laia, Os Escritos fora de si4, é exemplar, inclusive a expressão, pois “escritos fora de si” não precisam ser escritos de um psicótico, só precisam ser “fora de si”. Sem nos alongarmos demais nessa idéia, “fora de si”, aqui, significa fora dessa estruturação tão típica da neurose que assume a ideia de que o “si” seria algo profundo, sagrado e sempre em sua essência fora de alcance. Para ser um escrito fora

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de si basta que ele seja fora dessa postulação, fora da estruturação textual, mas também corporal, que este axioma define. De fato, o corpo para o neurótico será sempre uma área sagrada, por encerrar uma verdade profunda e fora de alcance em seu obscuro interior. Para ele, esta verdade estará sempre fora de alcance porque quem a detém é o Pai e ele é a função de uma ausência. Caso este axioma seja desconsiderado, caso esta função não seja operante, a estruturação será outra, sem essa profundidade vazia do neurótico.

Vamos tomar os escritos de Joyce como paradigmáticos dos escritos fora de si, sem este centro de gravidade oculto, que por isso mesmo, situam sua enunciação em um ponto de relativa exterioridade com este “vazio estruturante” que é como Lacan por vezes chama a significação fálica do Nome-do-Pai.5 A partir desse ponto de vista as indicações de Joyce sobre o Pai parecem uma aula sobre o Nome-do-Pai lacaniano6. De certa maneira talvez aprendemos mais sobre o Nome-do-Pai dessa posição de exterioridade do que do interior. Vamos à situação, lerei alguns recortes:

Um pai – disse Stephen, lutando contra a desesperança – é um mal necessário7.

Começa assim com a expressão “mal necessário”.

Paternidade, com o sentido de geração consciente, é desconhecida do homem8.

É o que diz Lacan quando afirma que nunca se analisa um pai. Podemos analisar uma mãe, mas o pai não se analisa porque ninguém fala do lugar de pai da mesma maneira que alguém fala do lugar de mãe. Paternidade com o sentido de “geração consciente, é desconhecido do homem”. Pai sempre é incerto, inclusive para ele mesmo.

É um estado místico, uma sucessão apostólica, de apenas um gerador para um apenas gerado. Sobre a incerteza, sobre a improbabilidade. Amor matris, genitivo subjetivo e objetivo, pode ser a única coisa verdadeira na vida. A paternidade pode ser uma ficção legal. Quem é o pai de algum filho que algum filho devesse amar ou ele algum filho? – O que os une na natureza? Um instante de cio cego9.

Eis alguém que realmente sabe falar sobre o pai até mesmo por essa posição de exterioridade. Há ironia, uma descrença com relação ao que é o pai que permite situá-lo em sua grandeza e miséria. Um pai é especialmente incerto. E hoje, que temos, a ciênia e seus testes de DNA, em que se acha que se conquistou a certeza sobre o pai, vemos uma chuva de programas do tipo do Ratinho, em que se oferece testes de DNA para resolver, ou criar, brigas familiares. O programa só demonstra o quanto o pai é incerto, pois se é preciso de um programa de TV, é sinal de que estamos lidando co alguma coisa que apenas recorrendo a um terceiro pode se estabilizar.

É um instante de cio cego que define um lugar, eventualmente para toda uma vida, mas para a do filho e não para a do pai. Do ponto de vista do pai, isso não funciona como direito natural. Fica evidente o quanto é preciso uma montagem que vai incluir algo mais, que uma mãe dê lugar para essa função, por exemplo, porque essa função não é todo-poderosa. Do ponto de vista em que estamos, ela se revela como uma função de ficção. Para que um vivente coordene seu gozo a partir da articulação dessa função com a mãe, será preciso toda uma dança que Freud chamou de Édipo.

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O corpo da mãe

E do lado da mãe? Uma sequência de passagens fortes trazem todo o peso materno na construção desse espaço de sujeito. É um peso também no sentido de uma força incoercível. Isso vale não apenas para a mãe, mas para o que é materno. Vejam o quanto mãe, pátria, a família, o lugar de onde se vem, os laços maternos formam aquilo do qual é preciso se desgarrar para poder fazer alguma coisa na vida:

Mamãe está pondo em ordem minhas novas roupas de segunda mão. Ela reza agora, diz ela, para que eu aprenda em minha própria vida e longe de minha casa e amigos o que o coração é e o que ele sente. Amém. Que assim seja. Bem vinda, oh vida! Eu vou encontrar pela milionésima vez a realidade da experiência e forjar na forja da minha alma a consciência incriada da minha raça10.

A “consciência incriada da raça” é uma frase que fez correr muita tinta. De todo modo, na comparação percebemos como é preciso forjar essa consciência e não exatamente ascender à verdade sobre a raça, a partir da tradição, como revelação. É preciso criar e forjar em um afastamento da mãe. No caminho desse trabalho aparece o fantasma da mãe ou de sua presença.

A mãe de Stephen, emaciada, se ergue hirta através do chão, vestida de cinzento morfético com uma coroa de flores de laranjeira murchas e um véu de noiva rasgado, seu rosto gasto e sem nariz, verde de bolor de sepultura. Se cabelo é escasso e escorrido. Ela fixa suas órbitas ocas e de olheiras azuis em Stephen e abre sua boca desdentada emitindo uma palavra silenciosa. Um coro de virgens e confessores canta sem voz. Liliata rutilantium te confessorum turma circundet: iubilantium te virginium chorus excipiat. Ela está brutalmente morta Eles dizem que eu te matei, mãe. Ele ofendeu a tua memória. Foi o câncer que fez isto, não eu. Quem salvou você na noite em que você saltou dentro do trem em Dalkey com Paddy Lee? Quem teve pena de você quando você ficou triste no meio de estranhos? A oração é toda poderosa. (...) Arrependa-se, Stephen. Eu rezo por você no meu outro mundo. Faça Dilly fazer aquele arroz cozido para você toda noite depois de seu trabalho intelectual. Por anos e anos eu amei você, Ó meu filho, meu primogênito, quando você jazia em meu ventre. (...) (com olhos ardendo) Arrependa-se! Ó, o fogo do inferno! A MÃE (seu rosto se aproximando mais e mais, exalando um sopro de cinzas): Cuidado! Preste atenção à mão de Deus! (ela ergue se braço direito escurecido e murcho lentamente para o peito de Stephen com o dedo esticado; um caranguejo verde com olhos malignos vermelhos finca suas garras sorridentes no coração de Stephen)11.

Como Ram, me ensinou, Joyce teria se recusado a rezar com sua mãe moribunda e isso é retomado de diversas formas em sua obra. O importante, por hora, é perceber como essa figura de mãe está a quilômetros de distância da mãe do Édipo, mesmo em suas manifestações de mãe-crocodilo.

Estou criando um fio condutor, artificial, para essas passagens, mas foi assim que elas apareceram para mim. O pai incerto, a mãe terrível. Como fazer para estabelecer um mínimo de ordem? Como fazer para estabelecer um mínimo de sentido? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa? Como fazer isso acontecer? As maneiras talvez sejam inúmeras, tantas quanto os sujeitos.

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Se isso é o desespero diante dessa figura, qual é a saída? Muito esquematicamente a é o que vai acontecer no internato. A situação não é tão visual, mas é tão desesperadora quanto. Vamos à ela.

Kiss

Stephen está no internato, frágil. As luzes estão quase por apagar, os meninos estão brincando e perguntam se ele beija a mãe antes de dormir. Ele afirma que sim e todos começam a rir zombando: “Stephen beija a mãe antes de dormir.” Então, Stephen diz que não beija a mãe. E todo mundo ri também.

Stephen fica em uma grande dificuldade. Afinal, ele disse que beijava e foi ruim, disse que não beijava e também foi ruim. O que é o certo? E uma cascata de questões se colocam, corroendo e desmontando as significações mais básicas. O que é beijar uma mãe? Deve-se beijar a mãe ou não? O que é um amor de mãe? São perguntas que poderiam ser colocadas no plano da dúvida abstrata, neurótica, mas que na leitura do texto vão se mostrando como rementendo a um plano bem mais absoluto. São os próprios fundamentos do sentido que vão se colocando em questão.

Qual é a verdade? Alguém me diga: qual é esse “a mais” necessário para que se possa saber as coisas com certeza? Esse “a mais”, o neurótico encontra no pai. Na verdade ele só encontra a crença no pai, mas isso já serve para caminhar. Nada disso acontece aqui. Ele será obrigado, primeiro a realizar uma verdadeira dissecção da situação chegando a um grau zero do sentido. No entanto, para que um sentido tenha efeito sobre o real é preciso que tenha havido a montagem da crença paterna. Então, neste estado sem recurso às analogias e crenças ele encontra uma âncora não no sentido, mas na materialidade do som. Acontece assim:

- Diga-nos Dedalus, você beija sua mãe antes de ir para a cama? Stephen respondeu: - Beijo. Wells se virou para os outros companheiros e disse: - Ora veja, aqui está um camarada que diz que beija sua mãe toda noite antes de ir para a cama. Os outros colegas pararam o jogo e se voltaram, rindo. Stephen corou sob seus olhares e disse: - Eu não beijo. Wells disse: - Ora veja, aqui está um camarada que diz que não beija sua mãe antes de ir para a cama. Todos riram novamente. Stephen tentou rir com eles. Sentiu todo o seu corpo ficar imediatamente confuso e quente. Qual era a resposta certa para a pergunta? Ele tinha dado duas e ainda assim Wells tinha rido. Mas Wells devia saber a resposta certa, pois ele estava na turma da gramática da divisão dos menores. Tentou pensar na mãe de Wells, mas não ousava erguer os olhos para o rosto de Wells. Ele não gostava da cara de Wells. Tinha sido Wellls que o tinha empurrado para dentro da fossa sanitária na véspera porque ele não tinha querido trocar sua caixinha de rapé pelo bastão de castanheira do jogo de castanhas de Wells, o vencedor de quarenta partidas. Tinha sido uma coisa mesquinha; todos os colegas disseram que era. E como era fria e pegajosa aquela água! E um colega tinha visto certa vez um rato cair fazendo barulho dentro da água espumosa. O lixo frio da fossa cobriu todo o seu corpo; e, quando a sineta tocou para o estudo e os meninos se enfileiraram fora da sala de jogos, ele sentiu o ar frio do corredor e da

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escada dentro de sua roupa. Ainda tentava pensar qual seria a resposta certa. Era certo beijar sua mãe ou era errado beijar sua mãe? O que significava aquilo, beijar? A gente erguia o rosto assim, para dar boa noite e então a mãe abaixava seu rosto. Isso era beijar. Sua mãe punha seus lábios em sua face, seus lábios eram suaves e molhavam sua face; e faziam um barulhinho mínimo: kiss. Por que as pessoas faziam isso com as suas duas faces?12.

Uma mãe ama um filho, um filho deve beijar a mãe, etc. Não é que ele não saiba disso, ele sabe. É só estudar, é só ler. São sentidos da cultura. Outra coisa é estar tomado por eles em um regime de crenças tendo seu gozo modelado, alicerçado por isso. Não é o caso. Ram recortou um pedaço a seguir de outra situação que o declina claramente:

- Deixe-me lhe fazer uma pergunta. Você ama a sua mãe? Stephen sacudiu a cabeça lentamente. -Não sei o que suas palavras significam – disse simplesmente. -Você já amou algum dia alguém? – perguntou Cranly. -Você quer dizer mulheres? -Não estou falando nisso – disse Cranly com um tom de voz mais frio. – Estou lhe perguntando se você já sentiu algum dia amor por alguém ou alguma coisa. (...) - Tentei amar a Deus – disse finalmente. – Parece-me agora que falhei. É muito difícil. Tentei unir a minha vontade à vontade de Deus a todo instante. Nisso nem sempre falhei13.

Então, como fazer para que algum sentido tome corpo quando isso não se deu pela via do Pai? Não é tão fácil. Pensamento lógico, raciocínio, junção dos sentidos, um momento um flash e nesse instante isso tudo amarrado, enlaçado por um som, um objeto, uma voz. O som que foi traduzido como barulhinho mínimo, Sérgio traduziu como beijoca e Ram deixou kiss.

Qual é a solução para que algum sentido tome o corpo? A solução é o Kiss. Esse é ponto para vocês terem idéia do que seria a possibilidade de uma organização não edípica de uma relação filho e mãe. Se não tiver o Kiss como a cereja sobre o bolo de toda uma montagem a coisa degringola. Vamos agora ouvir os comentários de Ram em intervenção virtual, a partir do Ipad.

A morte da mãe

Ram: Boa noite a todos, agradeço o convite a e oportunidade de estar aqui com vocês dessa forma virtual. Acho essa temática da mãe muito interessante, mais especificamente das mães lacanianas, e é algo pouco discutido entre nós. Pensando mais especificamente na relação de Joyce com a mãe, não se encontra muita coisa escrita a respeito. Pelo menos eu não consegui localizar. O que tentei fazer a partir do convite de Marcus e Romildo foi esse recorte de algumas passagens onde a figura da mãe aparece destacada. Pus em uma ordem cronológica, os fragmentados estão ordenados dessa maneira, não só dentro de um mesmo livro, mas também na seqüência de livros de Joyce.

No primeiro fragmento a gente vê a mãe zelosa, a mãe que não é passada para trás. A gente ainda não tem o personagem de Stephen Dedalus, mas já pode sentir muito bem o que é para Joyce a figura materna. Lacan define Stephen Dedalus como James Joyce tentando decifrar seus enigmas. Ele não tem nenhum pudor em fazer essa identificação entre Stephen Dedalus e James Joyce.

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Muitas coisas a gente poderia pensar, mas eu queria destacar de uma maneira geral o que podemos tomar como ponto de discussão. O que me chamou atenção é que Joyce incita em vários momentos a fazer uso do semblante para lidar com o desejo materno. Mas em várias dessas passagens ele não aceita essa via do semblante, sobretudo nos dois momentos da relação da mãe de Joyce com a religião.

Ela queria que ele seguisse a carreira religiosa e até no episódio, que de fato é biográfico que esta passagem evoca, isso se destaca. O episódio biográfico de Joyce, bastante comentado, é o momento da morte da mãe, ela faz um último pedido de que ele rezasse com ela. E Joyce se recusa e de certa maneira isso é tratado na obra dele.

É interessante como o desejo materno se expressava na forma de querer que ele ingressasse na vida religiosa. A passagem que Marcus leu fala do que eu estou colocando, de uma recusa do semblante como forma de abordar o desejo da mãe. A passagem é a seguinte:

- Sua mãe deve ter passado por muito sofrimento – disse [Cranly]. – Você não tentaria poupá-la de mais sofrimento se...ou não?14

Joyce, em uma carta à mulher dele, explica o que ele acha que teria levado a mãe à morte. Ele diz assim:

Minha mãe foi morrendo lentamente por conta do modo como meu pai tratava ela, em função dos vários problemas, dificuldades na vida e também pelo modo de agir de uma franqueza cínica15.

Ele evoca certo cinismo na relação dele com a mãe. E aqui nessa passagem o colega diz a ele:

- Sua mãe deve ter passado por muito sofrimento – disse [Cranly]. – Você não tentaria poupá-la de mais sofrimento se...ou não?

- Se eu pudesse – disse Stephen. – Isso me custaria muito pouco. -Então faça isso – disse Cranly. – Faça o que ela deseja que você faça. O que é que isso pode ser para você? Você descrê disso. É uma formalidade; nada mais. E você vai tranqüilizar o espírito dela16.

Dá para ver que Stephen Dedalus em nenhum momento aceita enveredar por essa vida, mesmo no episódio alucinatório.

Cuidado! Preste atenção à mão de Deus! (ela ergue se braço direito escurecido e murcho lentamente para o peito de Stephen com o dedo esticado; um caranguejo verde com olhos malignos vermelhos finca suas garras sorridentes no coração de Stephen).

STEPHEN: Merda! (...) Comigo ou tudo ou nada. Non serviam!17.

É curioso, eu não sabia que Non serviam é a famosa expressão com a qual Lúcifer teria sido jogado do céu na terra por Deus por ter passado na cabeça dele o pensamento de não servir a Deus. É interessante porque de alguma maneira isso envolve o tema da heresia, que Lacan retoma e talvez isso vá ao encontro do que Marcus estava dizendo. É como se Joyce escolhesse um caminho herético com seu modo de abordar ou circunscrever o desejo da mãe. Esse é um ponto.

Obra e função

A passagem que faz menção ao beijo é realmente muito impressionante porque de alguma maneira podemos ver o sujeito Stephen diante da inconsistência do Outro. É

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para beijar a mãe ou não? Se eu beijo todo mundo ri e se eu digo que não beijo todo mundo ri também. É como se o Outro neste momento aparecesse para ele totalmente inconsistente.

Um ponto curioso é que a forma como ele vai tratar isso é sendo banhado de fenômenos corporais. Os acontecimentos no corpo acompanham esse momento. A passagem que segue fala que ele sente o corpo ficar confuso e quente. A forma dele dar tratamento a tudo isso não é buscando o sentido do que significa beijar. Joyce vai direto para a linguagem como se fosse esvaziando todo o significado da palavra. Usando o procedimento de escrita, ele vai direto a uma espécie de fixação do significante através da materialidade. Ele se fixa no som propriamente dito. É a materialidade sonora do significante que está em jogo. De uma certa maneira ele vai fazer o procedimento do sintoma dele. Romildo: O interesse de Lacan por Joyce não se deve primeiramente a uma busca de saber algo a mais sobre a estrutura da psicose. Para aperfeiçoar o diagnóstico, por exemplo. Se me lembro bem, Lacan nunca afirmou claramente que Joyce era louco, psicótico menos ainda.

Ram: Ele pergunta constantemente18.

Romildo: Exatamente. Ele pergunta, mas não afirma. A questão não seria de um diagnóstico, mas sim, como Marcus André estava explorando, de saber como se pode achar uma saída sem ser pela mediação paterna. Afirmar isto não é dizer que o sujeito seja louco, mas também não está excluída a possibilidade dele ser psicótico.

A resposta que Joyce dá é através de uma obra, e, como Ram Mandil estava dizendo, é uma obra que não se caracteriza pela produção de sentido, pelo contrário, visa esvaziar o sentido na direção de um material significante quase em estado puro, chegar ao que Lacan também aspirava que é o uso do significante que não passe pelo sentido, apesar de isso, a rigor, ser impossível.

Como se dá o uso da linguagem abandonando relativamente o sentido, ou pelo menos complicando-o tanto que ele passa a ser secundário? É o esgotamento do sentido que permite a Joyce dizer que os professores universitários vão trabalhar a sua obra durante trezentos anos.

Esse tema nos interessa neste seminário porque introduz uma expressão, que usamos desde o primeiro dia, e que até agora ainda não definimos claramente que é a expressão “função materna”. Neste seminário essa expressão se origina da conferência de Eric Laurent na Academia Brasileira de Letras quando ele usou a expressão “função materna”19.

É um sintagma que sempre foi relegado. Existe, evidentemente, a direção de trabalhar a função materna como alternativa à função paterna. Mas eu gostaria de ver se Ram avançava em outra direção. Seria muito mais na direção de uma condição propriamente materna, que o pai nunca poderia cumprir. Na direção de estabelecer um destino para si através da construção de uma obra que transgride ou subverte a procura do sentido, talvez já exista em semente alguma coisa do que seria a função materna. Temos em Lacan algumas pistas para isso, em geral são pistas negativas como, por exemplo, o que ele chama no seminário R.S.I. de “nomear para”, que

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também implica certa alternativa à função significante do pai, alguma coisa que vai além da ficção legal da paternidade.20

A pergunta seria a seguinte: o que tem a ver esse rudimento de conceito, que é a função, ou condição materna, no que se refere a uma obra que, pelo esgotamento de sentido, se faz como uma maneira de dispensar o pai à maneira de Joyce? No plano deste seminário isto seria mais importante do que saber exatamente em que Joyce exemplificaria ou ilustraria a estrutura da psicose. Ram, você poderia falar um pouco sobre isso?

No fundo seria abandonar completamente, para sempre qualquer resquício de concepção deficitária da psicose. Através da procura de um sentido para esse sintagma “função materna”, ver se podemos falar, tendo Joyce como modelo, de uma alternativa, não como uma muleta que servisse para completar o déficit, mas como uma alternativa.

Ram: Essa discussão toca no ponto em que ainda temos uma referência importante que é a formatação edipiana. Eu acho que a formatação edipiana e que é traduzida por Lacan em termos de desejo materno, Nome-do-Pai, e toda a operação da metáfora paterna, ainda é uma maneira de circunscrever o que está em jogo. Talvez possamos abrir um pouco do que seria o que chamamos de desejo materno, se ele não é um dos nomes do real apreendido a partir da ótica do mito edipiano. Se ainda precisamos dessa referência do Édipo será que poderemos de alguma forma ampliar um pouco, deixar mais nítido o real que procuramos circunscrever com o desejo materno?

Quando Romildo colocou essa questão me ocorreu o que seria propriamente uma função materna, eu pensei imediatamente no matema da metáfora paterna de Lacan.

Essa é a escrita de uma função, ou seja, poderíamos pensar em certa circunscrição de alguma coisa da ordem do desejo. Estou me lembrando de um comentário de Miller21, em que, acho, ele afirma que essa foi a única vez que Lacan escreveu desejo com “d” maiúsculo.

De toda forma já é um tipo de circunscrição, ou seja, é um desejo, um significante cuja significação é enigmática, esse “x”. Isso me parece a escrita de uma função sobre a qual vai incidir o Nome-do-Pai. A grande pergunta, nossa, contemporânea, talvez seja a de que mesmo nessa substituição de uma função por outra ainda permanecem os resquícios da primeira função. E não deixa de ser uma certa indexação escrever DM sobre x. O que vocês acham?

Romildo: De fato podemos ler a fórmula da metáfora paterna como ilustração de uma função. O DM, desejo da mãe, e o NP, Nome-do-Pai, não podem ser separados, sob pena de destruição da própria metáfora. Não há DM sem NP. Não se trata aqui da figura mítica da mãe devoradora, primitiva, mas da mãe cujo desejo insaciável já é temperado pela relativização simbólica do Nome-do-Pai. É nesse sentido que o x pode representar um resultado da operação, efeito da operação, por exemplo, o sujeito criança. Ele vai significar esse entrechoque no qual o desejo da mãe já inclui o bastão

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de pedra da boca do crocodilo. No final das contas..., não há crocodilo, senão na tensão que existe entre o desejo e o significante que, no fundo, faz dele um desejo.

Não há Nome-do-Pai sem a perspectiva de um desejo que vai ser temperado por ele, assim como não podemos pensar em um desejo que não seja temperado. É mais ou menos nessa direção que temos tomado a fórmula da metáfora. Lacan diz no Seminário 17 que nunca disse outra coisa sobre o Édipo que não a metáfora paterna, para ele o Édipo é a metáfora paterna.22 Assim como também diz uma coisa bastante curiosa e que mereceria uma discussão mais aprofundada: o Édipo é a trilogia do imaginário, simbólico e real. Como se a metáfora paterna e o Complexo de Édipo, a unidade edipiana fosse uma grade de leitura. É a maneira não mítica que Lacan propõe para a compreensão das produções subjetivas.

Metáfora paterna e sinthoma

Ram: Acho que você tem razão de dizer que desejo da mãe já é um efeito de nomeação, já é uma certa circunscrição nem sempre presentificada pela figura da mãe. Acho que é isso que vocês também estão marcando bem.

Parece interessante, no caso de Joyce, na passagem que Marcus recomendou, no episódio do beijo, ver que há uma estrutura do DM sobre x de alguma forma. E o tratamento que Joyce vai dar não é NP sobre DM e resultado final, digamos assim. É outra forma de tratar isso aí, uma forma herética, é muito mais o RSI. Lacan faz o trocadilho falando que a heresia, que soa em francês como RSI, é uma forma, outra escolha possível para encaminhar23.

Marcus: De fato, estamos sendo bastante heréticos. Até aonde podemos avançar com essa ideia de destacar uma função, ou uma estruturação subjetiva não edípica? Até aonde a gente pode seguir rompendo com a fórmula da família, digamos “clássica”? Quando a gente se desgarra da formulação edípica, mesmo em termos de matema, quando a gente se separa disso e cai, por exemplo, no nó como saber que não estamos simplemente delirando? Explico: Se o desejo da mãe é um dos nomes do real por que não falar em real? E quando a gente começa a falar em real, simbólico e imaginário e sinthoma a gente tem a impressão que se separou das fórmulas da família passando para uma espécie de mundo de marcianos. Esta é a dificuldade. Nós sabemos que há um limite a não ser ultrapassado com a topologia, mas ao mesmo tempo a gente precisa ultrapassar certo limite da figuração familiar edípica tal como a gente conhece. Esse é o nosso forçamento aqui. Porque que é possível servir-se do Seminário 23 apenas em seus aspectos de aros de barbante, esquecendo completamente a relação profunda de Joyce com Deus, com mãe, com o pai, com religião etc. É possível tomar os nós como se fosse uma regra geral para toda e qualquer estruturação subjetiva, mas o perigo é cairmos em um pluralismo desenfreado, onde qualquer coisa é um nó e qualquer coisa pode não ser.

Ram: Pensar nossa clínica ou os efeitos culturais, não a partir do matema da metáfora paterna ou do mito edipiano e sim a partir da topologia do nó borromeano com real, simbólico e imaginário. Fazer esse deslocamento do Édipo ou da metáfora paterna para o RSI é um movimento que me parece ser um certo convite de Lacan. Teríamos que ver o que se ganha ao fazermos isto. Estou pensando nisso agora.

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Na metáfora paterna, se você observar, só há uma saída: ou se produz a significação

fálica ou não se produz a significação fálica, ou x vira ou não vira. No RSI, como no caso de Joyce, há várias formas de se produzir amarração. Joyce tem uma maneira de amarrar e outras formas de amarração são possíveis. Parece que a partir do RSI amplifica-se a formalização de um sem número de modos de manter real, simbólico e imaginário amarrados entre eles.

Marcus: A passagem do Édipo ao RSI é o difícil. É mais fácil pensar como ruptura, inclusive é assim que a coisa se apresenta pela primeira vez. O sinthoma seria para psicóticos e a metáfora paterna para neuróticos. É a leitura mais fácil de entender e de usar. Mas o que estamos tentando pensar, tendo como referência, por exemplo, a “Conversação de Arcachon”24, onde isso é amplamente discutido, é a metáfora paterna como um caso particular da regra geral de amarração e estruturação a partir de um nó.

Esta é uma articulação entre os dois, a neurose como um caso particular de solução, entre as várias possíveis contra um fundo de psicose generalizada. O Nó seria o geral e metáfora paterna o caso particular. A metáfora paterna seria uma solução repetitiva, industrial. Enquanto que os outros casos seriam formalizáveis, mas na base do um a uma e não a partir de uma lei geral.

Romildo: Tentando completar um pouco, essa ampliação na direção do RSI me parece que pode ser compreendida na perspectiva da clínica continuísta. A barreira que a metáfora paterna faz contra a loucura, contra a produção louca é um tanto dissolvida se a estruturação subjetiva se faz a partir da montagem dos nós. Esta é uma questão clínica, prática fundamental. Se há uma ruptura radical, é com a psiquiatria.

Ram: Parece que, com a utilização das referências aos três registros, amplifica-se um pouco mais as possibilidades de leituras, inclusive no mundo contemporâneo. Talvez fosse interessante pensar em, Marcus chamou atenção para isso, como ler a metáfora paterna no plano do RSI. O que a torna operacional quando ela lança mão dos discursos estabelecidos para produzir um tipo de efeito? É um momento ainda em curso pra gente aferir se o caminho é esse.

Flávia Hasky: Ram falou que a heresia seria um modo de circunscrição do desejo da mãe e ele também falou de heresia em relação a RSI. Então, fiquei pensando no que vocês estão definindo como heresia com relação à metáfora paterna e ao nó borromeano.

Marcus: Um maneira de dizer: todo neurótico é ortodoxo e o caminho geral fora da neurose é a heresia. Neste sentido heresia vem no nome de todas as amarrações não edípicas.

Romildo: De RSI.

Heresia

Ram: Etimologicamente a palavra heresia significa escolha. O sentido é de uma outra escolha produzindo enlace de sujeito com a própria linguagem ou circunscrever o seu gozo.

Romildo: A heresia seria no fundo um sinônimo de singular. Teríamos que ver se quando Lacan usa a homofonia entre RSI e heresia, ele inclui não as saídas edípicas. Qual seria

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o estatuto da singularidade dentro do Édipo? Teríamos que ver isso. Eu não tenho muita certeza se a rachadura que Lacan faz aí ela é tão radical quanto eram antes as estruturas clínicas da psicose. Ou se aí também existiria uma continuidade.

Ram: Talvez possamos pensar que mesmo na formatação edípica, ela fracassa. Talvez possamos pensar que a singularidade dentro do contexto edípico é a forma como o sujeito produz o seu sinthoma, como uma maneira de enlaçar, no lugar da singularidade, mesmo no contexto edipiano.

Marcus: Não sei se vocês percebem como somos tímidos, como avançamos muito suavemente. É assim mesmo, tem que ser assim mesmo.Ouvimos tanta gente falando de nova clínica, segunda clínica, última clínica, pós-moderno. Ao mesmo tempo falamos de algo que está em curso, como Ram estava dizendo, temos pelo vinte anos de experiência, de exploração do Campo Freudiano nesse mundo. Considero que questões como essa só podem elaboradas assim, por uma comunidade e não por este ou aquele.

Romildo: Tenho a impressão de que isso vai muito longe, a tal ponto que a gente vive na discussão clínica uma mudança de paradigma. A discussão clínica, completamente diferente da tradição freudiana, vai tender a ter como paradigmas a psicose e o passe. A partir do passe, do ato psicanalítico de um lado, e da psicose de outro, teremos uma ideia do que são as soluções singulares.

Neste sentido existe uma passagem da neurose para a não-neurose, que é feita não só pela cultura, mas também pelos psicanalistas. A discussão clínica muda de eixo, com todas essas passagens que descrevemos. Dentre elas o continuísmo, a mudança de paradigma da neurose para a psicose, etc. Há sinais do que ocorre na cultura e consequências das mudanças na discussão clínica dos psicanalistas. Temos o paradigma, não daquilo que o sujeito faz a partir da morte da coisa na palavra ou do recalque, mas dessa saída alternativa que é aberta por Lacan a partir do RSI com a heresia como saída singular. É por isso que eu falava da ruptura com a psiquiatria acima de tudo, pelo menos no que se refere à prática classificatória universal e à crença no poder que as estatísticas teriam de expressar o real. Para nós, torna-se desnecessária uma excessiva preocupação com a descrição da intimidade das estruturas. Não é que isso desapareça, naturalmente, mas a mira é dirigida para a singularidade, ou seja, para a solução que o sujeito encontrou, dentro ou fora da articulação edipiana. Neste sentido, a psicose e o passe seriam as grandes testemunhas da clínica psicanalítica lacaniana.

Ram: Talvez estejamos diante de uma inversão. Vou fazer uma frase de efeito: todo sinthoma é herético. O que talvez nos obrigue a pensar, nesse sentido da inversão, o que permitiria dizer que o sujeito é neurótico e não psicótico. E não o avesso de começar pela classe para chegar ao exemplar. Isto talvez abra para gente uma nova questão. Como dizer que alguém é neurótico? O que me permite dizer que esse é neurótico a partir da opção singular dele e aquele outro psicótico?

Tem essa passagem de Joyce de que eu gosto muito:

Quando a alma de um homem nasce neste país redes lhes são lançadas para impedi-lo de voar25.

O interessante é que ele diz quais são as redes:

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Você me fala de nacionalidade, linguagem, religião. Eu vou tentar escapar dessas redes26.

São três ordens simbólicas do discurso estabelecido, três significações com tendências universais e que ele diz que vai tentar escapar. Em inglês está: “I shall try to fly by those

nets”, fly by foi traduzido como escapar. No inglês tem mais a ver com contornar essas referências usando o que ele chama das três armas que ele tem e fala mais embaixo. As únicas armas que ele tem:

(...) usando em minha defesa as únicas armas que me permito usar: o silêncio, o exílio e a astúcia27.

De alguma maneira parece que são os elementos da heresia joyceana.

Marcus: Agradecemos imensamente ao Ram pela escolha dos textos, pela presença e comentários.

Quarto encontro do Curso Livre do ICP-RJ, ocorrido na Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio em 03/11/2011 (transcrição de Daniele Menezes, revista pelos autores; notas por Angélica Cantarella Tironi). 1 Mandil, R. (2003). Os efeitos da letra: Lacan leitor de Joyce. Belo Horizonte: Contra Capa Livraria. 2 Lacan, J. (2003[1969]). “Nota sobre a criança”. Em: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, pp. 369-370. 3 Mesmo neste último caso, nos mantivemos no horizonte edípico, utilizando a tese de Marie-Hélène Brousse em que a especificidade seria a de que, nestes casos, apesar do Nome-do-Pai e da significação fálica estarem na ordem do dia, a mãe não teria sido incluída, como objeto, no circuito das trocas. Cf. Brousse, M.-H. (2004[2002]). “Uma dificuldade na análise das mulheres: a devastação da relação com a mãe”. Em: Latusa – Revista da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção RJ, nº 9. Rio de Janeiro: EBP, pp. 203-218. 4 Laia, S. (2001). Os escritos fora de si: Joyce, Lacan e a loucura. Belo Horizonte: Autêntica. 5 Cf. Vieira, M. A. Restos – uma introdução lacaniana ao objeto da psicanálise, Rio de Janeiro, Contra Capa, 2008, verbete: “Vazio”). 6 Lacan, J. (2005[1964]). Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 7 Joyce, J. (1993[1922]). Ulisses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 231. 8 Idem. Ibidem. 9 Idem. Ibidem. 10 Idem. (1992[1916]). Um retrato do artista quando jovem. São Paulo: Siciliano. 11 Idem. (1993[1922]). Op. cit., pp. 603-606. 12 Idem. (1992[1916]). Op. cit., pp. 23-24. 13 Idem. Ibidem. 14 Idem. Ibidem. 15 Idem. Ibidem. 16 Idem. Ibidem. 17 Idem. (1993[1922]). Op. cit., pp. 603-606. 18 Lacan, J. (2007[1975-1976]). O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, pp. 75-98. 19 Laurent, É. (2011). “Além da felicidade, a época do ‘mais’!”. Palestra conferida na Academia Brasileira de Letras como atividade prévia ao V Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (ENAPOL) – A saúde para todos, não sem a loucura de cada um, no Rio de Janeiro em 07/06/2011 (inédita). 20 Lacan, J. O Seminário livro 21, Os não tolos erram, inédito lição de 19/03/1974. 21 Miller, J.-A. (2008-2009[1993]). “A lógica do tratamento do pequeno Hans segundo Lacan”. Conferência de abertura às II Jornadas anuais da EOL, A lógica da cura, nos dias 27, 28, 29 de agosto de 1993. Publicado originalmente em La logique de la cure, Colection de l’Orientation Lacanienne, dezembro de 1993. Disponível em: http://www.nucleosephora.com/asephallus/numero_07/traducao_1.html. 22 Lacan, J. (1992[1969-1970]). O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 105. 23 Idem. (2007[1975-1976]). Op. cit., p. 16. 24 Miller, J.-A. (2005[1998]). La conversación de Arcachon. Casos raros: los inclasificables de la clínica. Buenos Aires: Paidós. 25 Joyce, J. (1992[1916]). Op. cit. 26 Idem. Ibidem. 27 Idem. Ibidem.