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O que é estratégia?Michael E. Porter

Michael e. Porter é titular da cátedra Bishop William Lawrence University na Harvard Business School.

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i. efetividade oPeracional não é estratégiaDurante praticamente duas décadas, executivos apren-deram a jogar de acordo com um novo conjunto de re-gras. Empresas precisam ser flexíveis para responder rapidamente a mudanças competitivas e de mercado. Elas precisam medir constantemente seu desempenho para atingir as melhores práticas. Precisam terceirizar agressivamente para conseguir eficiência. E precisam desenvolver algumas competências centrais na corrida para manter-se na frente da concorrência.

Posicionamento — antes considerado o coração da estratégia — é rejeitado como estático demais para os mercados dinâmicos e mudanças tecnológicas atuais. De acordo com o novo paradigma, concorrentes po-dem copiar rapidamente qualquer posição de mercado e vantagem competitiva pelo menos temporariamente.

Mas essas crenças são perigosas meias verdades, e estão conduzindo cada vez mais empresas pelo cami-nho de uma competição destruidora. Na verdade, algu-mas barreiras que obstruem a competição estão sendo derrubadas à medida que a regulamentação é facilita-da e os mercados se globalizam. Em muitos negócios, no entanto, o que alguns chamam de hipercompetição é um autoflagelo, não o resultado inevitável de uma mu-dança de paradigma da competição.

A raiz do problema está na impossibilidade de dis-tinguir entre efetividade operacional e estratégia. A busca por produtividade, qualidade e velocidade pro-duziu um número incrível de ferramentas e técnicas de gestão: qualidade total, medição de desempenho, com-petição baseada em tempo, terceirização, parcerias, re-engenharia, gestão de mudanças. Embora os aperfei-çoamentos operacionais resultantes frequentemente sejam profundos, muitas empresas frustraram-se por sua incapacidade de traduzir esses ganhos em lucrati-vidade sustentável. E aos poucos, quase imperceptivel-mente, ferramentas de gestão foram substituindo a es-tratégia. À medida que os empresários pressionam para melhorar em todas as frentes, eles se afastam cada vez mais de posições competitivas viáveis.

efetividade oPeracional: necessária, Mas não suficienteEfetividade operacional e estratégia são fundamen-tais para um desempenho de excelência, que, afinal, é a meta mais importante de qualquer negócio. Mas elas trabalham de formas muito diferentes.

Uma empresa só superará a concorrência se conse-guir estabelecer um diferencial que possa preservar. Ela

precisa entregar mais valor aos clientes, manter valor equivalente a um custo mais baixo ou fazer as duas coi-sas. A aritmética da lucratividade máxima, então, é a seguinte: entregar maior valor permite que a empresa aumente o preço médio unitário. Maior eficiência resul-ta em preço médio unitário mais baixo.

Em última análise, todas as diferenças de custo ou preço entre empresas decorrem das centenas de ativi-dade necessárias para criar, produzir, vender e entre-gar seus produtos ou serviços, como visitar clientes, montar o produto final e treinar funcionários. O custo é gerado pela execução das atividades, e a vantagem do custo decorre da execução de determinadas atividades mais eficientemente que a concorrência. Da mesma for-ma, o diferencial resulta da escolha da atividade e de como ela é realizada. Atividades são, portanto, as uni-dades básicas da vantagem competitiva. Em geral, van-tagem ou desvantagem resulta de todas as atividades da empresa, e não apenas de algumas.1

Efetividade operacional (EO) significa executar ati-vidades equivalentes melhor que os concorrentes. Efe-tividade operacional inclui, mas não se limita à eficiên-cia. Ela se refere a práticas que permitem que a empre-sa faça bom uso de seus inputs, por exemplo reduzindo defeitos de fabricação ou desenvolvendo produtos su-periores e mais rapidamente. Por outro lado, posiciona-mento estratégico significa executar atividades diferen-tes das dos concorrentes, ou executar atividades simila-res de formas diferentes.

Diferenças em efetividade operacional entre empre-sas são profundas. Algumas empresas são capazes de extrair mais de seus inputs que outras porque eliminam desperdício de esforços, empregam tecnologias mais avançadas, motivam mais seus funcionários, ou têm insights que beneficiam a administração de atividades ou conjuntos de atividades específicas. Essas diferen-ças em EO são uma fonte importante de diferença de lu-cratividade entre competidores, porque elas afetam di-retamente posições de custos e níveis de diferenciação.

Diferenças em efetividade operacional ocupavam o centro do desafio japonês em relação às organizações ocidentais na década de 1980. Os japoneses estavam tão à frente dos concorrentes em EO que podiam ofe-recer, ao mesmo tempo, preços baixos e qualidade su-perior. Vale a pena insistir nesse ponto, porque boa par-te da compressão da competição depende dele. Pense numa fronteira de produtividade formada pela soma de todas as boas práticas existentes em dado momento. Imagine essa fronteira como o valor máximo que uma empresa que entrega determinado produto ou serviço pode criar a um dado custo graças à disponibilidade de

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aumento substancial de produtividade na fabricação e na utilização de ativos.

Pelo menos na última década, executivos se preo-cuparam em aprimorar a efetividade operacional. Por meio de programas como gestão de qualidade racional e competição baseada no tempo e em análise compara-tiva, eles mudaram a forma de desempenhar ativida-des a fim de eliminar ineficiências, aumentar a satisfa-ção do cliente e adotar as melhores práticas. Na expec-tativa de manter as mudanças na fronteira de produ-tividade, executivos adotaram práticas de aperfeiçoa-mento contínuo, delegação de autoridade, gestão de mudanças e a chamada organização que “aprende”. A popularidade da terceirização e da corporação virtual reflete a percepção, cada vez maior, de que é difícil exe-cutar todas as atividades tão produtivamente como fa-zem os especialistas.

À medida que as empresas avançam na direção da fronteira, às vezes conseguem implementar várias

tecnologias, habilidades, técnicas de gestão e inputs. A fronteira de produtividade aplica-se a atividades indi-viduais, a grupos de atividades afins, como expedição e manufatura, e às atividades de toda a empresa. Quando uma companhia aperfeiçoa sua efetividade operacio-nal, ela se move na direção da fronteira. Mas, para fa-zer isso, são necessários capital de investimento, pes-soal diferenciado ou simplesmente novas formas de administrar.

A fronteira de produtividade está constantemente expandindo à medida que novas abordagens tecnológi-cas e de gestão são desenvolvidas e à medida que novos inputs estão disponíveis. Laptops, comunicação móvel, internet e softwares como Lotus Notes, por exemplo, redefiniram a fronteira de produtividade para opera-ções de equipes de venda e criaram alternativas produ-tivas de conectar vendas com atividades como expedi-ção e apoio pós-vendas. Analogamente, produção en-xuta, que envolve uma família de atividades, permitiu

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dimensões de desempenho ao mesmo tempo. Por exemplo, produtores que adotaram a prática japonesa de mudanças rápidas de sistema de trabalho na década de 1980 conseguiram reduzir custos e, ao mesmo tem-po, aprimorar seu diferencial. Contrapartidas que mui-tos acreditavam serem verdadeiras — entre defeitos de fabricação e custos, por exemplo — revelaram-se ilu-sões criadas por baixa efetividade operacional. Execu-tivos aprenderam a rejeitar essas contrapartidas falsas.

Para atingir lucratividade máxima, é necessário aprimorar constantemente a efetividade operacional. No entanto, isso geralmente não é suficiente. Poucas empresas baseadas na EO competiram com sucesso durante um longo período, e por manterem-se à fren- te da concorrência tornam-se cada vez mais fortes. A razão mais óbvia para isso é a rápida difusão das me-lhores práticas. Competidores podem copiar rapida-mente técnicas de administração, novas tecnologias, novos inputs e formas diferenciadas de atender às ne-cessidades dos clientes. As soluções mais genéricas — aquelas que podem ser usadas em múltiplas situações — são as que se difundem mais rápido. Uma evidência da proliferação de técnicas de EO aceleradas pelo apoio de consultores.

Competição pela efetividade operacional expande a fronteira de produtividade, elevando efetivamente o nível para todos. Mas, embora essa competição pro-duza uma melhoria absoluta na EO, ela não resulta em melhoria relativa para ninguém. Veja o caso do setor de impressão comercial americana, um negócio de mais de U$5 bilhões. Os maiores protagonistas — R.R. Donnelley& Sons Company, Quebecor, World Color Press e Big Flower Press — estão competindo lado a la-do, atendendo a todos os tipos de cliente, oferecendo o mesmo conjunto de tecnologias de impressão (gravura e offset da web), investindo pesado nos mesmos novos equipamentos, rodando sistemas de impressão mais rápidos e reduzindo a quantidade de funcionários.

Mas os maiores ganhos de produtividade estão sendo captados pelos clientes e fornecedores de equi-pamentos, e não incluídos em lucratividade excelen-te. Até a margem de lucros da líder da indústria, Don-nelley, consistentemente acima de 7% na década de 1980, caiu para menos de 4,6% em 1995. Esse padrão está se manifestando em todos os setores. Até os japo-neses, pioneiros da nova competição, sofrem com lu-cros persistentemente baixos (ver quadro “Empresas japonesas raramente têm estratégias”).

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A segunda razão que explica por que melhoria da efetividade operacional é insuficiente — convergên-cia competitiva — é mais sutil e insidiosa. Quanto mais análise comparativa de desempenho as empresas fa-zem, mais elas se parecem. Quanto mais os competi-dores terceirizam atividades para contratantes eficien-tes, geralmente os mesmos, mais genéricas essas ati-vidades se tornam. Como competidores copiam, uns dos outros, aperfeiçoamentos de qualidade, tempos de ciclo, ou parceria com fornecedores, as estratégias convergem e a competição torna-se uma sucessão de corridas por percursos idênticos que ninguém conse-gue vencer. Competitividade baseada apenas em EO é mutuamente destruidora e leva a guerras desgastantes, que só serão evitadas quando se limitar a competição.

A onda recente de consolidação dos negócios, por meio de fusões, faz sentido no contexto da competição de efetividade operacional. Impulsionados por pres-sões de desempenho, mas sem visão estratégica, em-presas — uma atrás da outra — não tiveram ideia me-lhor que adquirir as concorrentes. Os competidores que ficaram de pé geralmente são aqueles que sobrevivem aos outros, e não empresas com vantagem competiti-va real.

Depois de uma década de ganhos expressivos em efetividade operacional, muitas empresas estão en-frentando retornos decrescentes. Melhorias contínu-as foram impressas na mente dos executivos. Mas suas ferramentas inadvertidamente conduziram as empre-sas na direção da imitação e da homogeneidade. Gra-dativamente os executivos deixaram a EO substituir a estratégia. O resultado é competição de soma zero, pre-ços estagnados ou em declínio, e pressões sobre custos que comprometem a capacidade das empresas de in-vestir a longo prazo no negócio.

ii. estratégia se aPoia nuMa única atividade Acontece que estratégia competitiva é diferente. Signifi-ca escolher deliberadamente um conjunto diferente de atividades para oferecer um único mix de valor.

A empresa aérea americana Southwest Airlines, por exemplo, oferece voos de curta distância ponto a pon-to entre cidades de porte médio e aeroportos secundá-rios de grandes cidades e com tarifas reduzidas. A Sou-thwest evita grandes aeroportos e não voa grandes dis-tâncias. Seus clientes incluem pessoas de negócios, fa-mílias e estudantes. Suas partidas frequentes e tarifas baixas atraem clientes sensíveis ao preço que de outra forma viajariam de ônibus ou de carro e usuários que

valorizam a praticidade e escolheriam uma empresa aérea de serviço completo em outras rotas.

A maioria dos executivos descreve posicionamento estratégico em termos de clientes: “A Southwest Airli-nes atende a usuários que desejam preço justo e pratici-dade”. Mas a essência da estratégia está nas atividades — Não só as atividades em si, mas também a forma de executar diferencia essa empresa dos concorrentes. Ca-so contrário, uma estratégia não é nada, senão um slo-gan de marketing que não resiste à competição.

Empresas aéreas com serviços completos são confi-guradas para transportar um passageiro de praticamen-te qualquer ponto A para qualquer ponto B. Para aten-der a uma grande variedade de destinos e passageiros com voos de conexão, empresas aéreas com serviço completo empregam um sistema radial de rotas com centros de distribuição em grandes aeroportos. Para atraírem passageiros que desejam mais conforto elas oferecem serviços de primeira classe ou de classe exe-cutiva. Para acomodar passageiros que precisam trocar de aeronave, coordenam horários, controle e transfe-rência de bagagens. Como alguns passageiros viajam durante horas, essas companhias aéreas também ser-vem refeições.

A Southwest, por outro lado, configura todas as su-as atividades para oferecer serviços convenientes a pre-ço baixo em suas rotas. Por meio de operações ágeis de embarque e desembarque de somente 15 minutos, a Southwest consegue manter os aviões no ar por mais tempo que os concorrentes e oferece mais voos com menos aeronaves. A Southwest não oferece refeições, nem reserva de assentos, não inclui controle de baga-gem entre linhas, ou serviços de classe especial. A com-pra automática de bilhetes em terminais de aeroportos estimula o cliente a evitar agentes de viagem, isentan-do assim a Southwest de pagar comissões. Uma frota padronizada de aeronaves 737 aumenta a eficiência da manutenção.

A Southwest sempre se preocupou em manter uma única posição estratégica de valor baseada num con-junto de atividades específicas. Talvez as rotas ofere-cidas pela Southwest não sejam tão convenientes ou de tão baixo custo para companhias aéreas de serviço completo.

A Ikea, varejista global do ramo de móveis e decora-ção da Suécia, também tem um posicionamento estra-tégico claro. O público-alvo da Ikea é formado por jo-vens compradores de móveis que desejam estilo e pre-ço baixo. O que torna esse conceito de marketing um po-sicionamento estratégico é o conjunto de atividades es-pecificamente configurado que o faz funcionar. Como a

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Southwest, a Ikea preferiu executar atividades de forma diferente da concorrência.

Pense numa loja típica de móveis. No showroom são exibidas amostras das mercadorias. Uma área po-de conter 25 sofás, e outra exibir cinco mesas de jantar. Mas esses itens representam somente uma fração das opções disponíveis para os clientes. Dezenas de mos-truários exibem padrões de tecido e amostras de lã ou estilos alternados, ou seja, os clientes têm à disposição milhares de variedades de produtos para escolher. Os vendedores geralmente os acompanham pela loja, res-pondendo a perguntas e ajudando-os a navegar por um vasto labirinto de opções. Uma vez que o cliente decide o que quer, o pedido é transmitido para um fabricante contratado. Com sorte, os móveis serão entregues na casa do cliente em seis a oito semanas. Essa é uma ca-deia de valor que maximiza customização e serviços, mas cobra caro por isso.

Por outro lado, a Ikea atende a clientes que prefe-rem trocar serviço por custo. Em vez de ter um contin-gente de assistentes de venda disperso pela loja, a Ikea usa um modelo de autoatendimento baseado em expli-cações claras exibidas nas lojas. Em vez de confiar so-mente nos fabricantes contratados, a Ikea projeta seus próprios móveis modulares — de baixo custo, prontos para montar —para definir seu posicionamento. Em lo-jas enormes, a Ikea exibe todos os produtos que comer-cializa em ambientes completamente mobiliados, de modo que o ciente não precisa de um decorador para ajudá-lo a juntar as peças. Anexa aos showrooms mobi-liados encontra-se uma seção de depósito com os pro-dutos embalados, sobre plataformas. Os clientes sim-plesmente pegam os produtos escolhidos e levam para casa. A Ikea até vende um rack para colocar no capô do carro; você pode devolver a peça e ser reembolsado na próxima visita.

Embora boa parte de seu posicionamento como loja de baixo custo venha do conceito “faça você mesmo”, a Ikea oferece vários serviços extras que a concorrência não oferece. Espaço dentro da loja reservado às crian-ças é um deles. Horário de funcionamento estendido é outro. Esses serviços são alinhados de forma única com as necessidades dos clientes jovens e ainda sem estabilidade financeira, que provavelmente terão fi-lhos (sem babá) e que geralmente trabalham em tempo integral, por isso precisam fazer compras em horários alternativos.

origens do PosicionaMento estratégicoPosições estratégicas originam-se de três fontes

distintas, não mutuamente excludentes, que geral-mente se superpõem. Primeira: posicionamento pode ser baseado na produção de um subconjunto de produ-tos ou serviços de uma atividade. Eu a chamo de posi-cionamento baseado em variedade, porque se baseia na escolha de variedade de produtos ou serviços e não em segmentos de clientes. Posicionamento baseado em variedade faz sentido economicamente quando a em-presa consegue produzir com mais qualidade determi-nados produtos ou serviços usando diferentes conjun-tos de atividades.

A Jiffy Lube International, por exemplo, especiali-zou-se em lubrificantes automotivos e não oferece ou-tros serviços, como reparos ou manutenção. Sua cadeia de valor produz serviços mais rápidos a custos meno-res que lojas de consertos de linha mais ampla. Essa foi uma combinação tão atraente que muitos clientes op-tam por trocar o óleo com a Jiffy Lube, e procuram a concorrência para outros serviços.

O grupo Vanguard, líder no setor de fundos mútu-os, é outro exemplo de posicionamento baseado em va-riedade. A Vanguard fornece um conjunto comum de ações, títulos e fundos do mercado financeiro com de-sempenho previsível e despesas com um custo irrisó-rio. A abordagem de investimento da empresa sacrifica deliberadamente a possibilidade de excelência de de-sempenho em qualquer ano por um bom desempenho relativo todos os anos. A Vanguard é conhecida, por exemplo, por seus índices de fundos. Ela evita apostar em taxas de juros e procura manter-se afastada de gru-pos pequenos de ações. Gestores de fundos mantêm baixos os níveis de comercialização, o que garante des-pesas menores. Além disso, a empresa desencoraja os clientes a comprar e vender rapidamente porque ao fa-zer isso os custos aumentam e podem forçar um gestor de fundos a comercializar a fim de redistribuir novo ca-pital e aumentar o caixa para resgates. A Vanguard tam-bém adota uma abordagem consistente de baixo custo para administrar distribuição, serviços ao cliente e ma-rketing. Muitos investidores incluem um ou mais fun-dos da Vanguard em seu portfólio, enquanto compram agressivamente fundos administrados ou especializa-dos da concorrência.

As pessoas que usam a Vanguard ou a Jiffy Lube res-pondem a uma cadeia de valor mais elevada para de-terminado tipo de serviço. Um posicionamento basea-do em variedade pode atender a um grande número de clientes, mas para muitos atenderá somente a um sub-conjunto de suas necessidades.

A segunda fonte de posicionamento atenderá maior parte ou a todas as necessidades de determinado grupo

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de clientes. Eu a chamo de posicionamento baseado em necessidades, que se aproxima do pensamento tradicio-nal de focar um segmento de clientes. Ele surge quan-do há grupos de clientes com necessidades diferentes, e quando um conjunto de atividades especificamente modelado pode suprir com mais eficiência essas neces-sidades. Alguns grupos de clientes são mais sensíveis

ao preço que outros, demandam características dife-rentes de produtos e precisam de quantidades variá-veis de informação, suporte e serviços. Os clientes da Ikea são um bom exemplo desses grupos. A Ikea pro-cura atender a todas as necessidades de móveis e de-coração para o lar de seu público-alvo e não apenas al-gumas delas.

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instituição aptos a oferecer pacotes de produtos. O sis-tema do Citibank é menos personalizado que o da Bes-semer e permite que ele tenha uma razão gerente-clien-te muito menor: 1 para 125. Somente clientes especiais têm reuniões no escritório: duas por ano apenas. Tan-to a Bessemer como o Citibank modelaram suas ativida-des para atender às necessidades de um grupo diferente de clientes do setor de bancos privados. A mesma ca-deia de valor não pode suprir lucrativamente necessida-des dos dois grupos.

A terceira fonte de posicionamento é a segmenta-ção de clientes que são acessíveis por diferentes for-mas. Embora suas necessidades sejam similares às de outros clientes, a configuração mais eficaz de ativida-des para atendê-los é diversa. Eu a chamo de posiciona-mento baseado em acessibilidade. Acesso pode ser fun-ção da geografia ou da escala do cliente — ou do que quer que exija um conjunto específico de atividades para atender aos clientes da melhor forma.

Segmentação por acesso é menos comum e menos bem entendida que as outras duas fontes. A Carmike Cinemas, por exemplo, opera cinemas exclusivamen-te em cidades com menos de 200 mil habitantes. Co-mo a Carmike consegue lucrar em mercados que não só são pequenos, mas também não suportam os pre-ços dos ingressos das grandes cidades? Seu faturamen-to baseia-se num conjunto de atividades que resultam numa enxuta estrutura de custos. Clientes da Carmike em pequenas cidades são atendidos em complexos ci-nematográficos padronizados e de baixo custo que exi-gem menos telas e tecnologia de projeção menos sofis-ticada que os cinemas de grandes cidades.

O sistema de informação patenteado da empresa e os processos de administração eliminam as necessida-des de staff administrativo local além de um gerente. A Carmike também se beneficia de um sistema de com-pra de ingresso centralizada, custos baixos de aluguel, folha de pagamento (devido às suas localizações) e des-pesas fixas corporativas — de 2%, bem abaixo da mé-dia do setor, de 5%. Operar em comunidades pequenas também permite à Carmike praticar uma forma de ma-rketing altamente personalizada: como o gerente do ci-nema conhece toda a clientela, ele convoca o público por meio de contatos pessoais. Por ser o cinema mais importante, senão o único do mercado — o principal concorrente é o time de futebol local —, a Carmike con-segue negociar seleção de filmes e melhores condições com as distribuidoras.

Clientes residentes em zonas urbanas versus clien-tes de zonas rurais são um exemplo de acesso que leva a diferenças nas atividades. Atender a poucos clientes

Quando o mesmo cliente tem diferentes necessi- dades em diferentes ocasiões, ou para diferentes tipos de transações, pode ser aplicada uma variante do posicionamento baseado em necessidades. A mes-ma pessoa pode ter diferentes necessidades quando viaja a negócios e quando viaja de férias com a famí- lia, por exemplo. Compradores de latas — como as em-presas de bebidas— provavelmente terão necessidades diferentes de seu fornecedor principal que de sua fon-te secundária.

A maioria dos executivos considera intuitivo con-ceber seus negócios em termos de necessidades dos clientes. Mas um elemento crítico do posicionamento baseado em necessidades não é nada intuitivo, e qua-se sempre é negligenciado. Isto porque, diferenças de necessidades não se traduzem em posições significa-tivas, a menos que o conjunto ideal de atividades para satisfazê-las também seja diferente. Se não fosse assim, todos os concorrentes atenderiam a essas mesmas ne-cessidades, e o posicionamento não seria nada único nem valioso.

Em serviços bancários privados, por exemplo, a Besse-mer Trust Company tem por alvo famílias com um ativo mínimo de US$ 5 milhões para investimento que desejem preservar o capital e ao mesmo tempo acumular bens. A Bessemer configurou suas atividades em serviços perso-nalizados. Para isso designou um sofisticado gerente de conta para cada 14 famílias. Reuniões podem ser feitas na fazenda ou no iate do cliente e não em seu escritório. A Bessemer oferece um amplo leque de serviços personali-zados, incluindo gestão de investimentos, administração de imóveis, supervisão de investimentos em petróleo e gás e contabilidade para cavalos de corrida e aeronaves. Empréstimos — um ponto essencial para a maioria dos bancos privados — raramente são solicitados por clien-tes da Bessemer e formam uma fração mínima do saldo e de renda de seus clientes. Apesar das gratificações ge-nerosas dos gerentes de conta e do alto custo com pes-soal especializado incluídos nas despesas de operação, o diferencial da Bessemer com as famílias a que atende produz uma rentabilidade de capital estimada como a mais alta que qualquer outro sistema bancário privado concorrente.

Por outro lado, o banco privado do Citibank, que atende a clientes com investimento mínimo de cerca de US$ 250 mil, ao contrário dos clientes da Bessemer, oferece empréstimos — grandes hipotecas a pequenos financiamentos. Os gerentes de conta do Ci-tibank são basicamente operadores de empréstimos. Quando os clientes precisam de outros serviços, o ge-rente de conta os encaminha para outros especialistas da

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em vez de muitos ou a clientes densamente aglome-rados em vez de esparsamente situados constitui um bom exemplo de configuração de atividades de marke-ting, expedição, logística e serviços pós-vendas que su-prem necessidades similares de grupos distintos.

Posicionamento não se refere somente a desco-brir um nicho. Uma posição que decorra de qualquer uma das fontes pode ser mais ampla ou mais estreita. Um concorrente focado, como a Ikea, tem como alvo as necessidades especiais de um subconjunto de clien-tes e configura suas atividades de acordo. Competido-res focados prosperam em grupos de clientes que são exaustivamente atendidos (e consequentemente pa-gam mais por isso) por competidores mais amplamente visados; ou precariamente atendidos (e consequente-mente pagam menos por isso). Um concorrente muito visado — por exemplo, a Vanguard ou a Delta Airlines — tem um amplo leque de clientes para os quais execu-ta um conjunto de atividades destinadas a atender su-as necessidades comuns. Ele ignora ou atende apenas parcialmente as necessidades mais idiossincráticas de clientes ou de grupos de clientes específicos.

Qualquer que seja a base — variedade, necessida-de, acessibilidade ou alguma combinação das três —, o posicionamento requer um conjunto de atividades es-pecificamente moldado porque ele é sempre uma fun-ção de diferenças do lado do fornecedor, isto é, de di-ferenças em atividades. Por outro lado, posicionamen-to não é sempre uma função de diferenças do lado da demanda, ou do cliente. Posicionamentos em varieda-de e acessibilidade, em particular, não dependem de quaisquer diferenças do cliente. Na prática, no entanto, diferenças de variedade ou acesso geralmente acom-panham diferenças de necessidade. Os gostos — isto é, as necessidades — dos clientes de pequenas cidades da Carmike, por exemplo, pendem mais para o lado de co-médias, faroestes, filmes de ação e entretenimento pa-ra a família. A Carmike não exibe nenhum filme proibi-do para menores de 18 anos.

Uma vez definido o que é posicionamento, pode-mos começar a definir “o que é estratégia”. Estratégia é a criação de uma posição única e de valor, envolven-do um conjunto diferente de atividades. Quando há apenas uma posição ideal, não há necessidade de es-tratégia e as empresas enfrentam uma única imposi-ção — vencer a corrida para descobri-la e antecipá-la. A essência do posicionamento estratégico é escolher atividades que sejam diferentes das dos concorrentes. Se o mesmo conjunto de atividades fosse o mais eficaz para produzir todas as variedades, satisfazer todas as necessidades e acessar todos os clientes, as empresas

poderiam facilmente navegar entre elas e a efetividade operacional determinaria o desempenho.

iii. Posição estratégica sustentável exige contraPartidasEscolher uma posição única, no entanto, não é sufi-ciente para garantir uma vantagem sustentável. Uma posição de valor atrai imitação por funcionários res-ponsáveis que provavelmente a copiam de uma ou du-as formas.

Primeira: um concorrente pode reposicionar-se para atingir excelência de desempenho. A J.C. Pen-ney, por exemplo, reposicionou-se de um clone da Sears numa próspera loja de departamentos de confec-ções orientada para moda. Um segundo tipo e mais co-mum de imitação é ambiguidade. O ambíguo procura combinar os benefícios de uma posição bem-sucedida e ao mesmo tempo manter sua posição atual. Ele incor-pora novos aspectos, serviços ou tecnologias nas ativi-dades que já executa.

Para aqueles que defendem que a concorrência po-de copiar qualquer posição de mercado, o segmento de linhas aéreas é um bom exemplo. Em princípio, prati-camente qualquer concorrente pode copiar quaisquer atividades de empresas aéreas. Qualquer uma pode comprar os mesmos modelos de aeronave, arrendar portões de embarque e adaptar serviços de catering, ta-rifação e manipulação de bagagem, oferecidos por ou-tras linhas aéreas.

A Continental Airlines viu como a Southwest esta-va se saindo bem e decidiu pela ambiguidade. Enquan-to mantinha sua posição de empresa aérea de servi-ço completo, a Continental também resolveu equipa- rar-se à Southwest em várias rotas ponto a ponto. A em-presa chamou o novo serviço de Continental Lite. Ele eliminava refeições e serviços de primeira classe, au-mentava a frequência de partidas, reduzia o preço dos bilhetes e o tempo de embarque e desembarque. Como a Continental permaneceu como uma empresa aérea com serviço completo em outras rotas, ela continuou a usar agentes de viagem e sua frota mista de aeronaves e a fornecer serviços de controle e transferência de ba-gagem e reserva de assentos.

Mas uma posição estratégica não é sustentável a menos que haja contrapartidas. Contrapartidas ocor-rem quando atividades são incompatíveis. De for-ma simples, contrapartida significa que quanto mais temos de uma coisa, menos necessitamos de outra. Uma empresa aérea pode decidir servir refeições — au-mentando custos e atrasando o tempo de embarque e

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desembarque — ou decidir não servir nada. Mas ela não poderá fazer ambas com eficiência.

Contrapartidas criam a necessidade de esco-lha e protegem contra reposicionamentos e ambi-guidade. Veja o caso do sabonete da Neutrogena. O posicionamento baseado em variedade da Neutroge-na Corporation foi construído sobre a ideia de um sa-bonete “benéfico para a pele”, sem resíduos, formula-do com um pH balanceado. A estratégia de marketing da Neutrogena parecia mais a de um laboratório farma-cêutico que de um fabricante de sabonete. A empresa colocava anúncios em revistas médicas, enviava mala direta aos médicos, promovia a participação em con-gressos médicos e realizava pesquisa em seu próprio instituto. Para reforçar seu posicionamento, original-mente focou a distribuição em drogarias e evitou a prá-tica de preços promocionais. Para produzir esse sabo-nete delicado, a Neutrogena utiliza um lento e oneroso processo de fabricação.

Ao escolher essa posição, a Neutrogena disse “não” aos desodorantes e hidratantes de pele que muitos clientes esperavam encontrar no sabonete. Ela abdicou de um provável grande volume de vendas em super-mercados e de aplicar preços promocionais. Ela sacrifi-cou eficiências de fabricação para conseguir a qualida-de desejada do sabonete. Em seu posicionamento origi-nal, numerosas contrapartidas como essas protegeram a empresa de imitadores.

Contrapartidas surgem por três motivos: o primei-ro são inconsistências na imagem ou reputação. Uma empresa conhecida por oferecer um tipo de valor po-de não ter credibilidade e confundir os clientes — ou até desgastar sua reputação — se entregar outro tipo de valor ou tentar entregar duas coisas inconsistentes ao mesmo tempo. Por exemplo, o sabonete Ivory, com sua posição de sabonete comum, barato para uso diá-rio deve ter passado maus bocados reformulando sua imagem para se equiparar à reputação “clínica” supe-rior da Neutrogena. Esforços para criar uma nova ima-gem normalmente custam dezenas ou até centenas de milhões de dólares de uma empresa de grande porte — uma barreira poderosa para a imitação.

A segunda e mais importante contrapartida decorre das próprias atividades. Diferentes posições (com suas atividades especificamente moldadas) requerem dife-rentes equipamentos e configurações do produto, com-portamento diferenciado dos funcionários, novas habi-lidades e novos sistemas de administração. Muitas con-trapartidas refletem inflexibilidade de máquinas, pes-soas ou sistemas. Quanto mais a Ikea configurava su-as atividades para baixar custos — já que seus clientes

se dispunham, eles mesmos, a montar e transportar os produtos — menos satisfazia seus clientes, que prefe-riam serviços de alto padrão.

No entanto, contrapartidas podem ser ainda mais básicas. Em geral, o valor é destruído se uma ativida-de foi superprojetada ou subprojetada. Mesmo que um dado vendedor seja capaz, por exemplo, de fornecer um alto nível de atendimento a um cliente e nenhum a outro, o talento desse vendedor (e algum custo) seria desperdiçado com o segundo cliente. Além disso, a pro-dutividade pode aumentar quando uma atividade tem uma variação limitada. Ao fornecer continuamente um alto padrão de atendimento, o vendedor e todo o setor de vendas podem, às vezes, atingir eficiência de apren-dizagem e de escala.

Finalmente, contrapartidas surgem de limi-tes sobre coordenação e controle internos. Quan-do a administração sênior decide competir pa-ra valer, ela deve expor claramente suas priorida-des organizacionais. Empresas que tentam ser tu-do para todos os clientes correm risco de ter confu-são nas trincheiras, uma vez que funcionários ten-tam tomar decisões operacionais do dia a dia sem nenhuma estrutura clara.

Contrapartidas de posicionamento são comuns na competição e essenciais para a estratégia. Elas criam a necessidade da escolha e limitam intencionalmente o que uma empresa oferece. Elas dissuadem a ambigui-dade ou o reposicionamento, porque competidores que se envolvem nessas abordagens desgastam suas estra-tégias e degradam o valor de suas atividades atuais.

No final, as contrapartidas afundaram a Continental Lite. A empresa aérea perdeu centenas de milhões de dólares e o CEO perdeu o emprego. Seus aviões sofriam atrasos porque saíam de cidades-polo congestionadas ou havia demora nos processos de transferência de ba-gagem. Voos atrasados e cancelados geravam milhares de reclamações diárias. A Continental Lite não tinha condições de suportar a concorrência de preço e ainda pagar comissões para agentes de viagem, mas também não podia dispensá-los. A companhia aérea concordou em cortar encargos para todos os voos da Continental, sem distinção.

Da mesma forma, ela não tinha condições de con-tinuar oferecendo os mesmos benefícios dos que vo-avam com frequência aos usuários que pagavam pas-sagens muito mais baratas pelos serviços Lite. Ela con-cordou novamente em reduzir os benefícios de todo o programa de milhagem da Continental. Resultado: des-contentamento dos agentes de viagem e dos clientes de serviço completo.

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A Continental tentou competir em duas frentes si-multaneamente. Ao tentar baixar os custos em algu-mas rotas e fornecer serviço completo em outras, arcou com enorme ônus por sua ambiguidade. Se não hou-vesse contrapartidas entre as duas posições, a Conti-nental poderia ter sido bem-sucedida. Mas a falta de contrapartidas é uma perigosa meia verdade que exe-cutivos precisam evitar. Qualidade nunca é de graça. Ocorre que a conveniência da Southwest, um tipo de alta qualidade, é consistente com baixos custos por-que suas partidas frequentes são facilitadas por várias práticas de baixo custo — operações de embarque e de-sembarque mais rápidas e compra automatizada de bi-lhetes, por exemplo. No entanto, o custo para fornecer outras dimensões de qualidade da companhia aérea — reserva de assentos, refeições ou transferência de ba-gagens — é alto.

Em geral, contrapartidas falsas entre custo e quali-dade ocorrem quando há esforço redundante ou des-perdiçado, controle ou precisão precários ou coordena-ção fraca. Melhorias simultâneas de custo e diferencia-ção só são possíveis quando uma empresa começa bem

atrás da fronteira de produtividade ou quando a fron-teira avança. Na fronteira, onde empresas aperfeiçoa-ram práticas, contrapartidas entre custo e diferencia-ção são de fato muito reais.

Depois de se beneficiarem por mais de uma década das vantagens da produtividade, a Honda Motor Com-pany e a Toyota Motor Corporation recentemente che-garam na fronteira. Em 1995, enfrentando uma crescen-te resistência dos clientes aos preços altos dos automó-veis, a Honda descobriu que o único jeito de produzir carro mais barato era abrir mão de alguns itens. Nos Es-tados Unidos ela substituiu os discos de freio traseiro do Civic por freios a tambor, de custo mais baixo, e usou tecido mais barato nos assentos traseiros acreditando que os clientes não perceberiam. A Toyota tentou ven-der uma versão de seu carro-chefe, o Corolla, no Japão com para-choque sem pintura e assentos mais baratos. Os clientes se revoltaram, e a companhia rapidamente desistiu do novo modelo.

Nas últimas décadas, à medida que executivos se es-meravam em aperfeiçoar a efetividade operacional, in-ternalizavam a ideia de que eliminar contrapartidas é

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bom. Mas sem contrapartidas as empresas nunca atin-girão vantagem sustentável. Elas terão de operar ca-da vez mais rápido para simplesmente permanecer no mesmo lugar.

Quando voltamos à questão “o que é estratégia?”, percebemos que contrapartidas acrescentam uma nova dimensão à resposta. A estratégia é usar contrapartida ao competir. A essência da estratégia é escolher o que não fazer. Sem contrapartida não seria necessário es-colher, por isso não haveria necessidade de estratégia. Qualquer boa ideia poderia e deveria ser rapidamente copiada. E, mais uma vez, o desempenho voltaria a de-pender da efetividade operacional.

iv. obtenha tanto vantageM coMPetitiva coMo sustentabilidadeEscolhas de posicionamento determinam não só que atividades uma empresa desempenhará e como confi-gurará atividades individuais relacionadas entre si. En-quanto a efetividade operacional procura atingir a ex-celência em atividades ou funções individuais, a estra-tégia trata de combinar atividades.

A agilidade dos procedimentos de embarque e de-sembarque da Southwest que permitem partidas fre-quentes e maior operacionalidade de aeronaves, é fun-damental para seu posicionamento de alta conveniên-cia e baixo custo. Mas como a Southwest conseguiu is-so? Parte da resposta está nas bem pagas tripulações de terra da empresa, cuja produtividade no embarque e no desembarque é facilitada por regras sindicais flexíveis. Mas a maior parte da resposta está na forma como a Southwest desempenha suas atividades. Sem refeições a bordo, sem reserva de assentos e sem transferência de bagagem entre linhas, a Southwest procura evitar ativi-dades que nas outras empresas provocam lentidão. Ela seleciona aeroportos e rotas para evitar congestiona-mentos, que geram atrasos. Os limites restritos da Sou-thwest quanto à extensão das rotas permitem o uso de aeronaves padronizadas: todos os aviões da Southwest são Boeing 737.

Qual é a competência central da Southwest? Quais são seus principais fatores de sucesso? A resposta cor-reta é: tudo é importante. A estratégia da Southwest en-volve um sistema completo de atividades, não um con-junto de partes. Sua vantagem competitiva decorre da forma como suas atividades se ajustam e se reforçam mutuamente.

Esse ajuste impede que imitadores criem uma ca-deia tão forte quanto seu vínculo mais forte. Como na maioria de empresas com boas estratégias, as atividades

da Southwest complementam-se mutuamente pa-ra criar valor econômico real. O custo de uma ativi-dade, por exemplo, é reduzido devido à forma como outras atividades são executadas. Da mesma forma, pa-ra os clientes o valor de uma atividade pode ser melhora-do por outras atividades da empresa. É assim que o ajus-te estratégico cria vantagem competitiva e produz alta lucratividade.

tiPos de ajusteA importância do ajuste entre políticas funcionais é uma das ideias mais antigas em estratégia. Gradativa-mente, no entanto, ela vem sendo substituída na agen-da da administração. Em vez de visualizar a empresa como um todo, os executivos focam em competên-cias “centrais”, recursos “críticos” e fatores de suces-so “essenciais”. Na verdade, o ajuste é um componente muito mais central de vantagem competitiva do que a maioria das pessoas imagina.

Ajustes são importantes porque atividades discre-tas geralmente afetam umas às outras. Uma sofistica-da equipe de vendas, por exemplo, confere uma van-tagem maior quando o produto da companhia incor-pora tecnologia de primeira linha e sua abordagem de marketing enfatiza assistência e apoio ao cliente. Uma linha de produção com alta variedade de modelos agre-ga mais valor quando combinada com sistemas de es-toque e expedição que minimizem a necessidade de es-tocar mercadorias prontas, com um processo de ven-das equipado para explicar e encorajar personalização e com um tema de publicidade que reforce vantagens de variação de produtos que satisfaçam algumas ne-cessidades específicas do cliente. Essas complementa-ridades são comuns em estratégia. Embora algum ajus-te entre atividades seja genérico e se aplique a muitas empresas, o ajuste de maior valor é especifico da estra-tégia porque ele ressalta a singularidade da posição e amplifica as contrapartidas.2

Existem três tipos de ajuste, embora não sejam mu-tuamente excludentes. O ajuste de primeira ordem é a simples consistência entre cada atividade (função) e a estratégia como um todo. A Vanguard, por exemplo, alinha todas as atividades com sua estratégia de baixo custo. Ela minimiza o retorno do portfólio e não precisa de executivos de finanças altamente remunerados. A empresa distribui seus dividendos diretamente, evitan-do corretagens. Ela também limita a publicidade, mas conta com relações públicas e propaganda boca a boca. A Vanguard vincula os bônus dos funcionários à eco-nomia de custos.

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A consistência garante que vantagens competitivas das atividades sejam acumuladas e não se desgastem ou se anulem. Ela permite que a estratégia seja comuni-cada mais facilmente aos clientes, funcionários e acio-nistas e facilita a implementação por meio de empatia na corporação.

Ajustes de segunda ordem ocorrem quando as ati-vidades são reforçadoras. A Neutrogena, por exemplo, negocia com hotéis luxuosos, ansiosos por oferecer aos hóspedes um sabonete recomendado por dermatolo-gistas. Os hotéis concedem à Neutrogena o privilégio de usar sua embalagem padrão, enquanto exigem que em sabonetes de outras marcas figure o nome do ho-tel. Uma vez que os hóspedes experimentam Neutroge-na num hotel de luxo, a probabilidade de adquirirem o

sabonete em drogarias ou de pedir a opinião de derma-tologistas sobre o produto é maior. Assim, o marketing da Neutrogena via médicos e hotéis é reforçado nas du-as frentes, reduzindo o custo total do marketing.

Outro exemplo é o das canetas Bic. A Bic Corporation vende uma linha limitada de canetas padrão de baixo pre-ço para praticamente todos os grandes mercados consu-midores (varejo, comercial, promocional e brindes) utili-zando praticamente todos os canais disponíveis. Como com qualquer posicionamento baseado em variedade que atende a um grande grupo de consumidores, a Bic enfati-za uma necessidade comum (preço baixo para uma caneta aceitável) e usa abordagens de marketing de amplo alcance (grandes equipes de venda e campanhas comerciais enfá-ticas na TV). A Bic recebe os benefícios da consistência em

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praticamente todas as atividades, incluindo o próprio pro-jeto do produto: facilidade de fabricação, fábricas configu-radas para baixo custo, compra de matéria-prima em gran-des quantidades para minimizar custos e produção parcial local, sempre que a economia permite.

Os diagramas de sistema de atividade da Vanguard podem ser úteis para analisar e fortalecer ajustes es-tratégicos. Um conjunto de questões básicas orienta o processo. Primeiro: cada atividade é consistente com o posicionamento geral — variedades foram produzi-das, necessidades foram atendidas, que tipo de clien-te atendemos? Peça aos responsáveis pelas atividades

que identifiquem como outras atividades dentro da companhia favorecem ou prejudicam seu desempe-nho. Segundo: existem meios de fortalecer a forma co-mo as atividades e grupos de atividades se reforçam mutuamente? Finalmente, mudanças em uma ativida-de poderiam eliminar a necessidade de realizar outras mudanças?

A Bic vai além da simples consistência porque suas atividades são reforçadoras. Utiliza, por exemplo, ex-positores em pontos de venda e muda frequentemente a embalagem para estimular impulsos de compra. Pa-ra executar as tarefas de pontos de venda, a empresa

Cauteloso com fundos de pequeno crescimento

Ampla distribuição de fundos mútuos com exclusão de algumas categorias de fundos

Fundos internacionais

limitados devido à volatilidade e aos

altos custos

Utilização de taxas de resgate

para desencorajar comercialização

Despesas muito pequenas são repassadas

aos clientes

Abordagem eficiente de administração de investimentos

com oferta de desempenho consistente e de qualidade

Bônus de funcionários vinculados à economia de

custos

Não há encargos

Administração interna para

fundos-padrão

Ênfase em papéis e índices

de fundos de empresas de participação

privada

Não há relacionamento

corretor/negociador

Não há mudanças

de marketing

Controle de custos restrito

Taxa de comercialização

muito baixa

Investimento de longo prazo é encorajado

Orientação aos acionistas que os previna

de riscos

Não há comissões para

corretores e distribuidores

Distribuição direta

Não há viagens de primeira classe para executivos Acesso

à informação online

Somente três locais de varejo

Orçamento limitado para publicidade Confiança

no boca a boca

Vanguard divulga sua

filosofia ativamente

Comunicação e instrução direta com cliente

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conta com grandes equipes de vendas. A Bic é a maior marca nesse segmento e controla a atividade de pontos de venda com mais eficiência que suas concorrentes. Além disso, a combinação de pontos de venda, publi-cidade maciça na televisão e mudanças de embalagem produz um impulso de compra muito mais forte que qualquer atividade isoladamente.

O ajuste de terceira ordem vai além da atividade de reforço, pois se refere à otimização de esforço. A GAP, rede varejista de moda casual, considera a disponibi-lidade de produtos em suas lojas um elemento crítico de sua estratégia. A GAP pode oferecer seus produtos aumentando o estoque nas lojas ou armazenando em grandes depósitos. A empresa otimiza seus esforços pa-ra essa atividade reestocando sua seleção de roupas bá-sicas quase que diariamente em três depósitos, minimi-zando assim a necessidade de realizar grandes inventá-rios de estoque nas lojas. A ênfase está na reestocagem porque a estratégia de comercialização da GAP resu- me-se a itens básicos, em relativamente poucas cores. Enquanto outros varejistas de mesmo porte repõem seus estoques três a quatro vezes ao ano, a GAP repõe

sete vezes e meia. Além disso, a rápida reposição de es-toque reduz o custo de implementar o modelo de ciclo curto da GAP de seis a oito semanas de duração.3

Coordenação e troca de informação entre ativida-des para eliminar redundância e minimizar desperdício de esforços são os tipos mais básicos de otimização de esforço. Mas também existem níveis mais altos. Decisões sobre projeto de produtos, por exemplo, po-dem eliminar a necessidade de serviços pós-vendas ou permitir que os clientes realizem, eles mesmos, ativi-dades de serviços. Coordenação com fornecedores ou canais de distribuição podem eliminar a necessidade de algumas atividades locais, como treinamento do usuário final.

Nos três tipos de ajuste, o todo é sempre mais im-portante que qualquer parte isoladamente. Vantagem competitiva aumenta em todo o sistema de atividades. Ajustes entre atividades reduzem substancialmente os custos ou aumentam a diferenciação. Além disso, o va-lor competitivo de atividades individuais — ou habili-dades, competências ou recursos associados — não po-de ser desvinculado do sistema ou da estratégia. Assim,

Não há refeições

Serviços ao passageiro

limitados

Não há transferência de bagagens

Não há reserva de assentos

Operações de embarque e

desembarque de 15 minutos

Uso limitado de agentes de viagem

Não há conexões com outras linhas

aéreas

Frota padronizada de aeronaves 737

Máquinas automáticas de

bilhetagemAlto sistema de bonificação para

funcionários

Acordos flexíveis com

sindicatos

Alto nível de participação acionária de funcionários

“Southwest, a empresa aérea

com tarifas mais baixas”

Partidas frequentes, confiáveis

Rotas de curta distância, ponto

a ponto entre cidades de porte

médio e aeroportos secundários

Alto aproveitamento das aeronaves

Tarifas muito baixas

Tripulação de terra e de portões

enxuta e altamente produtiva

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em companhias competitivas pode ser um equívoco tentar explicar o sucesso especificando forças indivi-duais, competências centrais ou recursos críticos. A lista de forças passa por várias funções e uma força se funde em outras. É mais útil pensar em termos de te-mas que permeiam muitas atividades, como baixo cus-to, uma noção particular do serviço ao cliente ou uma concepção particular do valor entregue. Esses temas fo-ram incorporados em ninhos de atividades fortemente conectados.

ajuste e sustentabilidadeAjuste estratégico entre várias atividades é fundamen-tal não só para a vantagem competitiva como também para a sustentabilidade dessa vantagem. É mais difícil para um concorrente ajustar um conjunto de atividades interligadas que simplesmente imitar uma abordagem específica de vendas, ajustar um processo tecnológico ou replicar um conjunto de características de um pro-duto. Posições construídas sobre sistemas de ativida-des são muito mais sustentáveis que aquelas construí-das sobre atividades individuais.

Observe este exercício simples: a probabilidade de que concorrentes possam igualar em qualquer ativi-dade é geralmente menor que um. As probabilidades então rapidamente se compõem para tornar a igualda-de de todo o sistema altamente improvável (0,9× 0,9= 0,81, 0,9 × 0,9 × 0,9 × 0,9 = 0,66 e assim por diante). Empresas existentes que tentam reposicionamento ou ambiguidade serão forçadas a reconfigurar muitas a tividades. E até novos ingressantes, embora não en-frentem as contrapartidas encaradas por concorrentes estabelecidos, ainda enfrentam barreiras enormes pa-ra a imitação.

Quanto mais o posicionamento de uma empresa se baseia em sistemas de atividade com ajustes de segun-da e terceira ordem, mais sustentável é a vantagem. Es-ses sistemas, por sua própria natureza, geralmente são difíceis de desemaranhar de fora da empresa, e por isso são difíceis de copiar. E mesmo que concorrentes pos-sam identificar interligações relevantes, eles terão difi-culdade em replicá-las. É difícil chegar ao ajuste porque ele exige a integração de decisões e ações entre várias subunidades independentes.

Um concorrente que procura copiar um sistema de atividade não consegue muita vantagem se imitar somente algumas atividades e não todas. O desempe-nho não melhora, e pode até diminuir. Lembre-se da tentativa desastrosa da Continental Lite de tentar imi-tar a Southwest.

Finalmente, ajuste entre atividades de uma empre-sa cria pressões e incentivos para aumentar a efetivida-de operacional e dificulta ainda mais a imitação. Ajuste significa que o desempenho insatisfatório de uma ati-vidade deteriorará o desempenho de outras, de modo que as fragilidades são mais expostas e a probabilidade de chamar a atenção é maior. Inversamente, melhorias em uma atividade rendem dividendos em outras. Em-presas com fortes ajustes entre atividades raramente são alvos convidativos. Sua excelência em estratégia e desempenho somente combinam suas vantagens e au-mentam obstáculos para os imitadores.

Quando as atividades são complementares, os con-correntes não se beneficiam muito da imitação, a me-nos que consigam igualar todo o sistema com sucesso. Situações como essas tendem a promover competições do tipo “o vencedor leva tudo”. A empresa que constrói o melhor sistema de atividade — Toys R Us, por exem-plo — vence, enquanto as concorrentes com estratégias semelhantes — Child World e Lionel Leisure — ficam para trás. Assim, muitas vezes é preferível encontrar uma nova posição estratégica a ser o segundo ou ter-ceiro imitador de uma posição já ocupada.

As posições mais viáveis são aquelas cujos sistemas de atividade são incompatíveis devido às contrapartidas. Posicionamento estratégico define as regras das contra-partidas que estabelecem como as atividades individuais são configuradas e integradas. Analisar a estratégia em termos de sistemas de atividade só esclarece porque sis-temas, estruturas e processos organizacionais precisam estar limitados à estratégia. Configurar a organização pa-ra a estratégia, por sua vez, torna as complementaridades mais plausíveis e contribui para a sustentabilidade.

Uma implicação é que posições estratégicas devem ter um horizonte de uma década ou mais, e não um úni-co ciclo de planejamento. A continuidade impulsiona melhorias em atividades individuais e o ajuste através das atividades, permitindo que a organização construa capacidades e habilidades únicas moldadas para sua estratégia. A continuidade também reforça a identida-de da empresa.

Por outro lado, mudanças frequentes de posiciona-mento são onerosas. A empresa não só precisa reconfi-gurar atividades individuais, mas também precisa re-alinhar sistemas inteiros. Algumas atividades podem nunca superar uma estratégia inconstante. O resultado inevitável de mudanças frequentes de estratégias, ou de insucesso em escolher uma posição distinta desde o começo, é o “eu também”, ou configurações de ativida-des restritas, inconsistências através das funções e dis-sonância organizacional.

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O que é estratégia? Agora estamos em condições de completar a resposta. Estratégia é criar um ajuste entre atividades empresariais. O sucesso de uma estratégia depende de realizar bem várias coisas —não somente algumas — e de forma integrada. Se não houver ajus-te entre atividades, não haverá estratégia diferente e pouca será a sustentabilidade. E a administração volta à simples condição anterior de fiscalizar funções inde-pendentes, e a efetividade operacional determina o de-sempenho relativo da organização.

v. redescobrindo a estratégia: incaPacidade de escolherPor que tantas empresas não conseguem criar uma es-tratégia? Por que executivos evitam fazer escolhas es-tratégicas? Ou, tendo-as feito no passado, por que as

estratégias acabam se deteriorando e esmaecendo com tanta frequência?

Geralmente as ameaças à estratégia vêm de fora da empresa devido a mudanças tecnológicas ou com-portamentais da concorrência. Embora mudanças ex-ternas possam ser um problema, a maior ameaça à es-tratégia normalmente tem origem dentro da empresa. Uma estratégia sólida pode ser minada por uma visão equivocada de competição, por falhas organizacionais e principalmente pela vontade de crescer.

Executivos têm se mostrado confusos quanto à ne-cessidade de fazer escolhas. Quando muitas empre-sas operam longe da fronteira de produtividade, con-trapartidas parecem desnecessárias. Pode parecer que uma companhia bem gerida tem condições de ven-cer concorrentes ineficientes em todas as dimensões,

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e simultaneamente. Executivos que aprenderam com pensadores de gestão popular que não precisam de contrapartidas adquiriram a visão machista de que aceitar contrapartidas é sinal de fraqueza.

Privados de coragem por previsões da hipercompe-tição, executivos aumentam sua tendência de imitar a concorrência em tudo. Exortados a pensar em termos de revolução, eles saem à caça de novas tecnologias por suas vantagens intrínsecas.

A busca por efetividade operacional é atraente por-que ela é concreta e contestável. Na última década, exe-cutivos sofreram crescente pressão para produzir me-lhorias de desempenho tangíveis e mensuráveis. Pro-gramas em efetividade operacional produziram pro-gresso tranquilizador, embora a alta lucratividade te-nha permanecido ilusória. Publicações e consultorias de negócios inundaram o mercado com informação

sobre o que outras companhias estão fazendo, refor-çando a mentalidade das boas práticas. Apanhados na corrida pela efetividade operacional, muitos executi-vos simplesmente não entendem a necessidade de criar uma estratégia.

Empresas também evitam ou depreciam escolhas estratégicas por outras razões. O bom senso convencio-nal interno de um setor geralmente é forte, homogenei-zando a competição. Alguns executivos aplicam equi-vocadamente o “foco no cliente” para dar a ideia de que precisam satisfazer todas as necessidades do cliente ou responder a todas as exigências dos canais de distribui-ção. Outros citam o desejo de preservar a flexibilidade.

Realidades organizacionais também trabalham contra a estratégia. Contrapartidas são assustadoras, e é preferível não fazer escolhas a arcar com a culpa de uma escolha malfeita. Empresas imitam umas às outras

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num tipo de comportamento de rebanho, cada uma pressupondo que a rival sabe de alguma coisa que ela não sabe. Aos funcionários recém-investidos de poder de decisão que são encorajados a buscar todas as fon-tes possíveis de melhorias geralmente falta uma visão do todo e a perspectiva de reconhecer contrapartidas. O fracasso da escolha, às vezes, pode chegar ao nível da relutância em decepcionar executivos ou funcionários categorizados.

arMadilha do cresciMentoEntre todas as outras influências, o desejo de crescer provoca talvez o efeito mais perverso na estratégia. Contrapartidas e limites parecem restringir o cresci-mento. Atender a um grupo de clientes e excluir ou-tros, por exemplo, impõe um limite real ou imaginário

no crescimento da receita. Estratégias com metas mui-to amplas enfatizam preço baixo e resultam em perdas de vendas com clientes sensíveis a especificidades ou serviços. Os que se diferenciam perdem vendas para clientes sensíveis a preços.

Executivos são constantemente tentados a dar passos graduais que ultrapassam esses limites, mas depreciam a posição estratégica da companhia. Final-mente, pressões para crescer ou saturação aparente do mercado-alvo levam executivos a ampliar o posi-cionamento aumentando linhas de produtos, adicio- nando novos itens, imitando os serviços populares da concorrência, imitando processos e até fazendo aquisições. Durante anos a Maytag Corporation foi bem-sucedida graças a seu foco em lavadoras e seca-doras confiáveis e duráveis, que posteriormente foi ampliado para incluir lava-louças. No entanto, o bom

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senso convencional florescente no setor apoiou a ideia de vender uma linha completa de produtos. Preocu-pados com o lento crescimento do setor e com a con-corrência de fabricantes de grandes linhas de eletro-domésticos, a Maytag foi pressionada pelos fornece-dores e encorajada pelos clientes a ampliar sua linha. A Maytag entrou no mercado de refrigeradores e fo- gões sob a marca Maytag e adquiriu outras marcas — Jenn-Air, HardwickStove, Hoover, Admiral e Magic Chef— com posições muito diferentes.

A Maytag cresceu substancialmente, passando de US$ 684 milhões em 1985 para um pico de US$ 3,4 bi-lhões em 1994, mas o retorno sobre as vendas diminuiu de 8% a 12% nas décadas de 1970 e 1980 para uma mé-dia abaixo de 1% entre 1989 e 1995. Corte de custos po-deria favorecer esse desempenho, mas produtos de la-vanderia e lava-louças ainda sustentam a lucratividade da Maytag.

A Neutrogena pode ter sido vítima da mesma ar-madilha. No início da década de 1990, a distribuição de seus produtos nos Estados Unidos foi ampliada pa-ra incluir comercialização em massa em lojas como a Walmart. Sob a marca Neutrogena, a empresa diver-sificou amplamente seus produtos — removedor de maquilagem para os olhos e xampus, por exemplo —, nos quais ela não era a única no mercado e que diluí-ram sua imagem, e ela então começou a praticar preços promocionais.

Acordos e inconsistências na busca de crescimento corroem a vantagem competitiva de uma empresa com sua variedade ou público-alvo originais. Tentativas de competir em diversas frentes, de imediato, podem criar confusão e solapar a motivação e o foco organizacional. Os lucros mínguam, mas o aumento de receita é visto como a solução. Executivos são incapazes de fazer es-colhas, por isso a empresa embarca num novo ciclo de ampliação e acordos. Geralmente, empresas concor-rentes continuam a se igualar umas às outras até que o desespero rompa o ciclo, resultando numa fusão ou re-torno ao posicionamento original.

cresciMento lucrativoMuitas empresas, depois de uma década de reestrutu-ração e corte de gastos, passaram a focar no crescimen-to. Muitas vezes, esforços de crescimento desvalorizam a singularidade, criam acordos, reduzem o ajuste e aca-bam solapando a vantagem competitiva. Na verdade, crescimento impositivo é perigoso para a estratégia.

Que abordagens de crescimento preservam e re-forçam a estratégia? De forma geral, a prescrição é

concentrar no aprofundamento de uma posição estra-tégica em vez de ampliá-la e comprometê-la. Uma abor-dagem é procurar ampliar a estratégia que alavanca o sistema de atividades existente, oferecendo produtos ou serviços que para os concorrentes é impossível — ou caro demais — imitar de forma independente. Em ou-tras palavras, executivos podem se perguntar que ativi-dades, aspectos ou formas de competição são mais vi-áveis ou menos onerosas tendo em vista as atividades complementares que sua empresa desempenha.

Aprofundar uma posição envolve tornar as ativida-des da empresa mais exclusivas, fortalecendo o ajus-te e comunicando com mais eficiência a estratégia pa-ra clientes que a valorizam. Mas muitas empresas se entregam à tentação de correr atrás de crescimento fácil adicionando itens “quentes”, produtos ou servi-ços sem examiná-los ou adaptá-los à sua estratégia ou visando novos clientes ou mercados para os quais o diferencial da empresa é insignificante. Uma compa-nhia pode crescer rapidamente — e com muito mais lucratividade — se houver melhor penetração de ne- cessidades e variedades pelas quais se diferencia, em vez de progredir lentamente em arenas de crescimen-to potencialmente mais altas nas quais, porém, não se distingue. A Carmike, atualmente a maior cadeia de cinemas nos Estados Unidos, deve seu rápido cres-cimento ao seu foco disciplinado em mercados me- nores. A empresa vende imediatamente qualquer cine-ma de grande cidade que chegue a ela como parte de uma aquisição.

A globalização geralmente permite crescimento consistente com estratégia, abrindo grandes mercados para uma estratégia focada. Em vez de expandir local-mente, é preferível expandir globalmente para alavan-car e reforçar a posição e a identidade únicas de uma companhia.

Empresas que tentam crescer expandindo-se den-tro de seu negócio são mais capazes de reduzir os riscos que ameaçam a estratégia, criando unidades indepen-dentes, cada uma com marca própria e atividades es-pecíficas. A Maytag claramente lutou contra essa ques-tão. De um lado, organizou suas marcas de alto padrão e valor em unidades separadas com diferentes posições estratégicas. De outro lado, criou uma empresa “guar-da-chuva” de eletrodomésticos para que todas as suas marcas ganhassem massa crítica. Quando se compar-tilham projetos, manufatura, distribuição e serviço ao cliente, fica difícil evitar homogeneização. Se uma dada unidade de negócio tenta competir com diferentes po-sições por diferentes produtos ou clientes, evitar acor-dos é praticamente impossível.

Porter

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PaPel da liderança Geralmente o desafio de desenvolver ou restabelecer uma estratégia clara é basicamente organizacional e depende de liderança. Com tantas forças agindo contra fazer escolhas e contrapartidas em organizações, uma estrutura intelectual clara para orientar a estratégia é um contrapeso necessário. Além disso, líderes fortes dispostos a fazer escolhas são fundamentais.

Em muitas empresas, a liderança se resume em or-questrar melhorias operacionais e fazer negócios. Mas o papel do líder vai mais além e é muito mais importan-te. Administração geral é mais que liderança de funções individuais. Seu núcleo é a estratégia: definir e comu-nicar a posição única da empresa, propor contraparti-das e criar ajustes entre atividades. O líder precisa for-necer a disciplina para decidir a que mudanças do setor

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O qUe é eStratégia?

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a empresa responderá e a que necessidades do cliente ela atenderá, e ao mesmo tempo evitar distrações orga-nizacionais e manter a singularidade da empresa. Aos executivos de nível mais baixo faltam a perspectiva e a confiança para manter a estratégia. Haverá pressões constantes por acordos, por contrapartidas mais bran-das e para imitar os concorrentes. Uma das tarefas do líder é ensinar às outras pessoas da organização o que é estratégia — e a dizer não.

Para a estratégia, a opção de escolher o que não fa-zer é tão importante quanto escolher o que fazer. Na verdade, estabelecer limites é outra função da lideran-ça. Decidir qual o grupo e clientes-alvo e quais varie-dades e necessidades a empresa deve atender é funda-mental para desenvolver uma estratégia. Mas também é igualmente importante decidir não atender a outros clientes ou necessidades e não oferecer certos produ-tos e serviços. Portanto, estratégia requer disciplina constante e comunicação clara. De fato, uma das fun-ções mais importantes de uma estratégia comunicada explicitamente é orientar os funcionários a fazer esco-lhas decorrentes de contrapartidas em suas atividades individuais e nas decisões cotidianas.

Melhorar a efetividade operacional faz parte da ges-tão, mas não é estratégia. Ao confundir os dois concei-tos, executivos — não intencionalmente — retrocede-ram para uma forma de pensar a competição que es-tá levando muitos negócios na direção da convergên-cia competitiva, que não atende aos interesses de nin-guém, e pode ser evitada.

Executivos precisam distinguir claramente efetivi-dade operacional de estratégia. As duas são essenciais, mas cada uma tem sua agenda específica.

A agenda operacional requer melhoria contínua sempre que não houver contrapartidas. Sem ela, mes-mo empresas com boas estratégias tornam-se vulne-ráveis. A agenda operacional é a forma adequada pa-ra mudança constante, flexibilidade e esforços árduos para atingir as práticas mais eficientes. Por outro lado, a agenda estratégica é a forma correta para definir uma posição única, para tornar claras as contrapartidas e afunilar ajustes. Isso envolve busca contínua por meios de fortalecer e ampliar a posição da empresa. A agenda estratégica exige disciplina e continuidade — seus ini-migos são falta de atenção e acordos.

Continuidade estratégica não implica visão estática da competição. Toda empresa precisa aprimorar con-tinuamente sua efetividade operacional e tentar ativa-mente expandir a fronteira da produtividade. É preciso haver um esforço permanente para manter sua singula-ridade e ao mesmo tempo fortalecer o ajuste entre suas

atividades. Continuidade estratégica, na verdade, de-veria aumentar a eficácia da melhoria contínua de uma organização.

Uma empresa pode ter de mudar sua estratégia se houver grandes mudanças estruturais nos negócios. Na verdade, novas posições estratégicas geralmente surgem por causa de mudanças no setor, e novos in-gressantes descomprometidos com a história da em-presa geralmente as exploram com mais facilidade. No entanto, a decisão de uma empresa de adotar uma no-va posição estratégica precisa ser guiada pela capacida-de de encontrar novas contrapartidas e transformar um novo sistema de atividades complementares em vanta-gem sustentável.

Publicado originalmente em novembro de 1996

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Porter

notas1. Descrevi pela primeira vez o conceito de atividades

e seus usos para entender vantagem competitiva em Vantagem competitiva (Ed. Campus, 1990). As ideias neste artigo exploraram e ampliaram esse conceito.

2. Paul Milgrom e John Roberts começaram a explorar a economia de sistemas de funções complementares, atividades e funções. Seu foco está na emergência de “manufatura moderna” como um novo conjunto de atividades complementares sobre a tendência das empresas de reagir a mudanças externas com um pacote coerente de respostas internas e sobre a necessidade de coordenação centralizadora — uma estratégia para alinhar executivos operacionais. No último caso, eles configuram o que tem sido há muito tempo um princípio basilar da estratégia. Veja “The Economics of Modern Manufacturing: Technology, Strategy, and Organization”, Paul Milgrom e John Roberts, em American Economic Review, vol. 80, págs. 511-528, 1990; “Complementarities, Momentum, and Evolution of Modern Manufacturing”, Paul Milgrom, Yingyi Qian e John Roberts, em American Economic Review, vol. 81, págs. 84-88, 1991; e “Complementarities and Fit: Strategy, Structure, and Organizational Changes in Manufacturing”, Paul Milgrom e John Roberts, em Journal of Accounting and Economics, vol. 19, págs. 179-208, março-maio de 1995.

3. Material sobre estratégias de varejo foi retirado em parte de “The Rise of Retail Category Killers”, por Jan Rivkin, artigo inédito de janeiro de 1995. Nicolaj Siggelkow preparou o estudo de caso sobre a GAP.

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Gary P. Pisano é professor de administração de empresas e membro do U.S. Competitiveness Project, da Harvard Business School.

É a única maneira de tomar boas decisões e escolher as práticas mais adequadas.Gary P. Pisano

Você precisa de uma estratégia de inoVação

a Grande ideia

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aPesar dos Pesados investimentos Para Gerir temPo e dinheiro, o Processo de inovação ainda é alGo bem frustrante Para muitas emPresas.

Sem uma estratégia, o empenho para aprimo-rar a habilidade de ser original pode facilmente se transformar num saco de surpresas de práticas vis-tas de maneira excessivamente favorável. Isso ten-de e dividir a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em equipes autônomas descentralizadas, gerar ini-ciativas empresariais internas, criar um ramo do capital de risco corporativo, favorecer a busca de alianças externas, a inovação aberta e o crowdsour-cing, a colaboração com os clientes e a implemen-tação de prototipagem rápida, para citar apenas alguns exemplos. Não há nada de errado com ne-nhuma dessas práticas em si. O problema é que a originalidade de uma organização depende de um sistema de inovação: um conjunto coerente de pro-cessos e estruturas interdependentes que determi-nam como a empresa lida com novos problemas e busca soluções, sintetiza as ideias em um concei-to de negócio e em projetos de produtos e selecio-na os que serão financiados. As melhores práticas individuais envolvem trade-offs. E adotar um jeito específico de trabalhar requer uma série de mudan-ças complementares em todo esse processo. Uma empresa sem uma estratégia nesse sentido tem poucas chances de tomar decisões conflitantes e

Iniciativas originais falham frequentemente. E boa parte das organizações que conseguem trazer novidades com sucesso tem dificuldade de manter o desempenho, como Polaroid, Nokia, Sun Microsys-tems, Yahoo, Hewlett-Packard e tantas outras. Por que é tão difícil cultivar e manter a capacidade de inovação? As razões são muito mais profundas do que falhas de execução, como muitos costumam di-zer. O problema está enraizado na falta de estratégia.

Isso nada mais é do que o compromisso com di-versas políticas que se reforçam mutuamente e um conjunto de comportamentos que visa alcançar uma meta competitiva específica. Táticas efetivas favore-cem o alinhamento entre os diversos grupos dentro da organização, clarificam objetivos e prioridades e ajudam a focar no desempenho em torno deles. Em-presas costumam definir regularmente a estratégia global de negócios (alcance e posicionamento) e es-pecificar de que forma diversas funções (como ma-rketing, operações, finanças e P&D) podem apoiá-la. Mas, depois de estudar organizações de diversas in-dústrias, além de prestar consultoria a elas, por mais de duas décadas, descobri que muitas raramente ar-ticulam seus planos para alinhar esforços de inova-ção e táticas de negócio.

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escolher os elementos que compõem um sistema de inovação.

Copiar processos alheios não é a resposta. Não há um sistema que se encaixa igualmente bem em to-das as empresas ou funciona nas mesmas circuns-tâncias. Não há nada de errado em aprender com os outros, claro, mas é um erro acreditar que o que ser-ve, digamos, para a Apple (inovadora favorita de ho-je), vai funcionar para a sua organização. Uma estra-tégia original ajuda a projetar um sistema para aten-der a necessidades competitivas específicas.

Finalmente, sem um plano, diferentes áreas da empresa podem facilmente investir em priorida-des conflitantes, mesmo com uma clara estratégia de negócio. Representantes de vendas ouvem dia-riamente sobre as necessidades urgentes dos maio-res clientes. O pessoal de marketing pode enxergar uma oportunidade de alavancar a marca com pro-dutos complementares ou expandir a cota de mer-cado com canais de distribuição. Chefes de unida-des de negócios estão focados no mercado-alvo e na pressão para demonstrar resultados. Cientistas e engenheiros P&D tendem a investir na tecnologia. Perspectivas diversas são fundamentais para inovar com sucesso. Mas, sem uma tática de integração e alinhamento das perspectivas em torno de priorida-des comuns, a diferença pode enfraquecer ou, pior, ser destrutiva.

Um bom exemplo de como uma estreita ligação entre estratégia empresarial e inovação pode condu-zir ao topo, em longo prazo, é a Corning, uma fabri-cante líder de componentes especiais utilizados em displays eletrônicos, sistemas de telecomunicações, produtos ambientais e instrumentos utilizados em ciências biológicas. (Consultei a empresa, mas as in-formações deste artigo foram retiradas do estudo de caso da HBS, de 2008, “Corning: 156 years of inno-vation” [Corning: 156 anos de inovação], por H. Kent Bowen e Courtney Purrington). Ao longo dos seus mais de 160 anos, a organização tem constantemen-te transformado seu negócio e crescido em novos mercados com novidades revolucionárias (veja a linha do tempo na próxima página). Quando compa-rada com as melhores práticas atuais, a abordagem da Corning pode parecer ultrapassada. A empresa é uma das poucas com laboratório de P&D centra-lizado (Sullivan Park, região rural do norte do Esta-do de Nova York). Investe muito em pesquisa bási-ca, uma prática de que muitas organizações desis-tiram há um bom tempo. E emprega ainda maiores

recursos em tecnologia de fabricação e locais in-dustriais, além de manter uma considerável área de manufatura nos Estados Unidos, contrariando a tendência de terceirização e relocação de processos da produção.

No entanto, vista através de uma lente estratégi-ca, a abordagem da Corning faz todo o sentido em relação à inovação. As táticas de negócio da empre-sa se concentram na venda de componentes-chave que melhoram significativamente o desempenho de produtos de sistemas complexos dos clientes. Para isso, a organização precisa se manter na vanguarda dos materiais utilizados na ciência para resolver pro-blemas excepcionalmente difíceis e descobrir novas aplicações para suas tecnologias. Isso exige investi-mentos pesados na pesquisa de longo prazo. Ao cen-tralizar a P&D, a companhia garante que especialistas das diversas áreas relacionadas com as suas princi-pais tecnologias possam colaborar. Sullivan Park se tornou um local de conhecimento acumulado para a aplicação de instrumentos científicos a problemas industriais. Novos materiais exigem inovações de processos complementares e pesados investimen-tos em fabricação e tecnologia. Ao manter pontos in-dustriais nacionais, a empresa pode suavizar a trans-ferência de novas tecnologias da P&D para a fabrica-ção e, assim, aumentar a produção.

Esta estratégia não serve para todos. Investimen-tos de longo prazo em pesquisa são arriscados: o fra-casso das telecomunicações no final de 1990 devas-tou o negócio de fibra óptica da Corning. Mas a em-presa mostra a importância de uma tática de inova-ção claramente articulada, ligada à estratégia de ne-gócios da empresa e à proposição de valor central. Sem um plano, a maioria das iniciativas para favore-cer a originalidade está fadada ao fracasso.

Conexão entre inovação e estratégiaHá aproximadamente dez anos, a companhia far-macêutica Bristol-Myers Squibb (BMS) decidiu, co-mo parte de um amplo reposicionamento estratégi-co, enfatizar o combate ao câncer como algo funda-mental para a empresa. Ao identificar medicamentos derivados da biotecnologia (anticorpos monoclonais, por exemplo) como armas poderosas contra a doen-ça e um frutífero campo de negócio, a BMS resolveu mudar o tradicional repertório tecnológico de base químico-orgânica para a biotecnologia. A nova tá-tica (ênfase no mercado de tratamento do câncer) exigiu outro plano de inovação (deslocamento da

a grande ideia Você precisa de uma estratégia de inoVação

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pesquisa de estado sólido (que levou à invenção do transistor) foi motivado pela necessidade de estabe-lecer as bases científi cas para o desenvolvimento de componentes mais modernos e confi áveis para o sis-tema de comunicação. A investigação sobre a trans-missão por satélite foi aguçada, em parte, pela limi-tada largura de banda e os riscos de segurança de ca-bos submarinos. A Apple concentra seus esforços de inovação de forma consistente para tornar seus pro-dutos mais fáceis de usar do que os dos concorrentes e proporcionar uma ótima experiência com a cres-cente família de dispositivos e serviços. Por isso faz total sentido a ênfase no desenvolvimento integra-do de hardwares e softwares, sistemas operacionais próprios e design.

De que maneira a empresa pode captar uma parcela do valor criado pelas inovações? Este tipo de novidade atrai imitadores tão rapidamente quanto clientes. A propriedade intelectual por si só raramente é sufi ciente para impedir os concorrentes. Considere a quantidade de tablets que surgiram após o sucesso do iPad, da Apple. Assim que entram no mercado, os imitadores criam pressão sobre os pre-ços, o que pode reduzir o valor original captado pela inovação. Além disso, se fornecedores, distribuido-res e outras empresas necessárias para entregar o no-vo produto forem muito dominantes, podem ter po-der de barganha o sufi ciente para fi car com a maior parte do valor. Considere como a maioria dos fabri-cantes de computadores pessoais estava, em grande parte, à mercê da Intel e da Microsoft.

As empresas devem pensar que ativos comple-mentares, habilidades, produtos ou serviços po-dem impedir os consumidores de escorregar para os oncorrentes. Assim, a companhia se mantém forte no ecossistema. A Apple desenvolve complementa-ridades entre seus dispositivos e serviços para que

tecnologia para a área de produtos biológicos). (Con-sultei a BMS, mas estas informações foram apuradas em fontes públicas.)

O processo de desenvolvimento de estratégias de inovação, assim como de qualquer plano efetivo, de-ve começar com a compreensão e articulação claras dos objetivos específi cos para ajudar a empresa a al-cançar vantagem competitiva sustentável. Isso exige muito além de generalizações, como “Precisamos ser originais para crescer”, “Inovamos para criar valor”,

“Temos que desenvolver coisas novas para nos man-termos à frente dos concorrentes”. Estes não são pla-nos táticos. Não ajudam a pensar em inovações valio-sas (ou desnecessárias). Uma estratégia robusta deve responder o seguinte:

Como a inovação pode criar valor para clien-tes em potencial? A menos que a originalidade in-duza possíveis consumidores a pagar mais ou guar-dar dinheiro ou ofereça benefícios sociais, como me-lhorias na saúde ou no fornecimento de água potá-vel, não produz vantagem competitiva. Obviamen-te, é possível criar valor de muitas maneiras, como aprimorar o desempenho de um produto ou torná-lo mais conveniente, confi ável, barato e assim por diante. Escolha o tipo de vantagem que sua inova-ção poderá criar e, em seguida, a fi xe àquilo que é in-dispensável, porque os recursos necessários para ca-da uma são bastante diferentes e exigem tempo. Por exemplo, a empresa de pesquisa e desenvolvimen-to científi co Bell Labs criou várias inovações revolu-cionárias e diversifi cadas por mais de meio século: o PABX, a célula fotovoltaica, o transistor, a comuni-cação por satélite, o laser, a telefonia móvel e o sis-tema operacional Unix, para citar apenas algumas. Mas as investigações da companhia foram guiadas pela estratégia de criar e aprimorar os recursos e a segurança das redes de telefone. O programa de

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ideias em resumoO PROBLEMAo processo de inovação pode ser bem frustrante. as taxas de fracasso são elevadas. até mesmo muitas empresas de sucesso têm difi culdade de sustentar seu desempenho. o principal motivo é cair na armadilha de adotar as melhores práticas atuais ou tentar imitar o inovador do momento.

A SOLUÇÃOé indicado que gestores articulem uma estratégia de inovação que determine como os esforços da empresa nesse sentido podem apoiar a tática global de negócios. isso vai ajudar a lidar com trade-off s e escolher as práticas mais adequadas, além de defi nir prioridades abrangentes que alinham todas as funções.

OS PASSOSCriar uma estratégia de inovação envolve determinar como isso poderá criar valor para os clientes potenciais, de que maneira a empresa poderá captá-lo e em quais tipos de novidade investir. assim como os projetos de produtos, as táticas de inovação devem evoluir para se manter à frente, considerando as mudanças no ambiente.

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patentes, o que não ajuda a garantir a continuidade do negócio. No entanto, a empresa conseguiu pros-perar, investindo tanto em novos projetos, o que permite ganhar a transação no início do ciclo de vida do produto, quanto em tecnologias de processos so-fi sticados, o que ajuda a empresa a se defender con-tra concorrentes de países de baixo custo enquanto os produtos amadurecem.

Quais tipos de inovação podem permitir criar e captar valor para a empresa e quais os recursos para isso? Certamente, novidades tec-nológicas podem gerar valor econômico e vantagem competitiva. Mas algumas grandes ideias originais podem ter pouco a ver com os avanços tecnológicos. Nas duas últimas décadas, temos observado diver-sas empresas (Netfl ix, Amazon, LinkedIn, Uber) do-minarem a arte dos negócios inovadores. Neste sen-tido, as empresas precisam escolher o quanto inves-tir em tecnologia e modelo empresarial.

O quadro “Mapa da originalidade” (ao lado) aju-da a pensar sobre isso. O esquema, com base na

um dono de iPhone ache mais atrativo usar um iPad do que um tablet rival. A multinacional também controla o sistema operacional, o que a torna uma jogadora indispensável no mundo digital. A estraté-gia de parceria com clientes da Corning ajuda a pro-teger as inovações da empresa contra imitadores: os componentes principais são projetados para o siste-ma do consumidor — caso procure outro fornecedor, o cliente terá de arcar com os custos da mudança.

Uma das melhores maneiras de preservar o po-der de barganha em um ecossistema e enfraquecer a influência de quem copia os produtos é investir na inovação. Recentemente, visitei uma empresa de móveis no norte da Itália, que abastece alguns grandes varejistas do mundo através de sua fábri-ca original local. Da perspectiva da captação de va-lor, depender de poucos varejistas globais para a dis-tribuição é arriscado. Os megavarejistas têm acesso a dezenas de outros fornecedores em todo o mun-do, muitos em países de baixo custo. Além disso, o design de móveis não é facilmente protegido pelas

a Grande ideia VoCê PReCiSa de Uma eStRatégia de inoVação

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durante seus mais de 160 anos, a empresa usou sua experiência com vidros e materiais usados nas ciências biológicas para produzir diversos produtos bem-sucedidos. Confi ra:

inovações revolucionárias da Corning

Invólucro de vidro para lâmpadas Thomas Edison

Vidro para lanternas de ferrovia resistentes a mudanças bruscas de temperatura

Vidro Pyrex resistente ao calor, utilizado em utensílios de cozinha e equipamentos de laboratório

Máquina de fi ta para a produção em massa de lâmpadas

Sílica fundida de alta pureza — à base de outras inovações da Corning, como espelhos de telescópio e fi bra óptica

Silicones, uma classe de materiais do cruzamento entre vidro e plástico

Método de produção em massa de tubos de imagem de televisão

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esta razão, também desafi a, ou rompe, os padrões de transações de outras empresas. Por exemplo, o sis-tema operacional para dispositivos móveis Android, da Google, pode desestabilizar empresas como Apple e Microsoft, não por causa de alguma grande diferença técnica, mas devido ao modelo de negócio: o Android é distribuído gratuitamente; os sistemas operacionais da Apple e da Microsoft, não.

Inovação radical é o oposto da disruptiva. O desafi o aqui é puramente tecnológico. O surgimen-to da engenharia genética e da biotecnologia nos anos 1970 e 1980 como uma abordagem para a descoberta de medicamentos é um exemplo. Sóli-das empresas farmacêuticas, com décadas de expe-riência na síntese química de drogas, enfrentaram grandes obstáculos para desenvolver competências na área da biologia molecular. Mas os fármacos deri-vados da biotecnologia se encaixaram bem em seus modelos de negócios, o que exigiu forte investimen-to em P&D, fi nanciado por alguns produtos de alta margem de lucro.

minha pesquisa e na de especialistas como William Abernathy, Kim Clark, Clayton Christensen, Rebecca Henderson e Michael Tushman, descreve criações originais em duas dimensões: o grau em que envol-ve mudanças na tecnologia ou no modelo de negó-cios. Embora cada aspecto exista num continuum, juntas sugerem quatro quadrantes, ou categorias, de inovação.

Inovação de rotina tem como base as competên-cias tecnológicas de uma empresa. O modelo se en-caixa com o jeito de trabalhar da organização e, por-tanto, com sua base de clientes. Um exemplo são os lançamentos de microprocessadores cada vez mais potentes da Intel, o que tem permitido manter altas margens de lucro e o crescimento da empresa por dé-cadas. Outro caso: as novas versões do Windows, da Microsoft, e do iPhone, da Apple.

Inovação disruptiva, uma categoria nomeada por meu colega Clay Christensen, da Harvard Business School, e que requer um novo modelo de negócio, mas não necessariamente avanços tecnológicos. Por

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Material cerâmico de vidro resistente ao calor (e à queda) utilizado nos utensílios de cozinha da linha Corning Ware e em cones de ogiva de míssil

Método de fusão overfl ow para a produção de vidro plano

Fibra óptica de baixa perda utilizada em redes de telecomunicações

Substratos cerâmicos celulares usados em catalisadores automotivos e motores a diesel atuais

Visor de vidro de matriz ativa de cristal líquido (LCD) de alta qualidade para monitores de tela plana

Gorilla glass — vidro fi no e excepcionalmente resistente a danos, para smartphones, tablets e outros produtos eletrônicos de consumo

Vidro leve, fl exível e ultraslim, para eletrônicos de consumo e aplicações na arquitetura e no design

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muitos consideram a inovação de rotina uma prática míope ou suicida. este raciocínio, porém, é bem simplista.

disparou um fluxo constante de atualizações pa-ra suas plataformas centrais (Mac, iPhone e iPad), gerando impressionantes US$ 190 bilhões em ga-nhos operacionais.

O ponto aqui não é que as empresas devem se concentrar apenas na inovação de rotina. Pelo con-trário, não há um tipo preferido. De fato, como su-gerem os exemplos acima, diferentes modelos po-dem ser complementares, em vez de substitutos, ao longo do tempo. Intel, Microsoft e Apple não te-riam lucros maciços desse modelo sem que tives-sem firmado as bases com vários avanços. Por ou-tro lado, é bem provável que uma companhia que introduza novidades disruptivas sem aprimorar seus produtos não segure seus novos clientes por muito tempo. Muitos executivos me perguntam:

“Qual proporção de recursos deve ser direcionada para cada tipo de inovação?”. Infelizmente, não existe uma fórmula mágica. Como acontece com qualquer questão estratégica, a resposta será deter-minada de acordo com cada empresa e dependen-te de diversos fatores, como o nível tecnológico e seu alcance, a intensidade da concorrência, a taxa de crescimento nos principais mercados, o quanto atende às necessidades dos clientes e os pontos for-tes da organização. Empresas em mercados em que o núcleo de tecnologia tem evoluído rapidamente (como de produtos farmacêuticos, mídia e comuni-cações) terão que focar muito mais na inovação ra-dical — e nas oportunidades e ameaças. Quando os negócios ainda estão em fase de amadurecimento, pode ser preciso inovar o modelo de transação co-mercial e investir em avanços tecnológicos radicais. Mas as organizações com plataformas que crescem rapidamente certamente devem concentrar a maior parte de seus recursos na estruturação e expansão.

Portanto, os quatro tipos de inovação envolvem dois fatores essenciais: soma e equilíbrio. A Google, sem dúvida, experimentou um rápido crescimen-to com a ajuda de inovações de rotina em seu negó-cio publicitário, mas não deixa de sondar novidades radicais e arquitetônicas, como o carro sem motoris-ta nas instalações do Google X. A Apple não descan-sa sobre os louros do iPhone – em vez disso explo-ra dispositivos portáteis e sistemas de pagamento. E, embora a maior parte da receita e dos lucros das em-presas de automóveis dominantes ainda seja gerada por veículos movidos a combustíveis tradicionais, a maioria já introduziu veículos de energia alternati-va (híbridos e totalmente elétricos) e tem investido

Inovação arquitetônica combina disrupções tec-nológicas e de modelos de negócios. Um exemplo é a fotografia digital. Para empresas como Kodak e Polaroid, entrar nesse mundo significava domi-nar completamente novas competências em relação a eletrônicos em estado sólido, design de câmera, softwares e tecnologia de exibição. Além de ter que encontrar maneiras de lucrar com as máquinas, e não com “descartáveis” (filme, papel, produtos quí-micos de processamento e serviços). Como se pode imaginar, esse processo traz os maiores desafios.

A estratégia de inovação deve especificar como os diferentes tipos de novidade se encaixam nas táticas de negócio da empresa e os recursos que exigem. Atualmente, boa parte da publicação so-bre o tema aponta os modelos radical, disruptivo e arquitetônico como chaves para o crescimento, e o de rotina, na melhor das hipóteses, míope, ou, na pior, suicida. Esta linda de pensamento, porém, é bastante simplista.

De fato, a maior parte dos lucros é gerada por este último tipo. Desde que lançou sua última grande inovação disruptiva (o chip i386), em 1985, a Intel faturou mais de US$ 200 bilhões em re- ceitas operacionais, que vieram, principalmen-te, dos microprocessadores de última geração. A Microsoft é frequentemente criticada por explo-rar suas tecnologias existentes em vez de introdu-zir verdadeiras disrupções. Essa estratégia, porém, gerou US$ 303 bilhões em lucros operacionais des-de o Windows NT, de 1993 (e US$ 258 bilhões des-de o Xbox, de 2001). O último grande avanço da Apple, o iPad (segundo o que está escrito), foi lançado em 2010. Desde então, a multinacional

a Grande ideia VoCê PReCiSa de Uma eStRatégia de inoVação

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para evitar perdas em curto prazo) e processos de aperfeiçoamento (solicitado pela fabricação para re-duzir custos, o que, por sua vez, havia sido requeri-do pelo departamento de fi nanças para preservar as margens de lucro, já que os preços caíam). Pior ain-da, quando a P&D fi nalmente criou uma lente de alto desempenho, com base num material novo, a fabri-cação não era capaz de produzi-la de forma consis-tente e em grande volume, porque não tinha investi-do nos recursos necessários. Apesar da intenção es-tratégica de se aventurar por um novo território, a empresa fi cou presa “em casa”.

A raiz do problema é que as unidades de negócio e funções tomaram decisões de redirecionamento de recursos, favorecendo os projetos que cada uma con-siderava mais urgente. Somente depois que a alta ad-ministração criou metas claras para diferentes tipos de produto (e direcionou uma porcentagem especí-fi ca de recursos para projetos de inovação radical) a empresa começou a progredir e desenvolver novas ofertas, o que ajudou a sustentar a estratégia de lon-go prazo. A organização aprendeu que táticas origi-nais são imprescindíveis quando é preciso mudar an-tigos padrões.

ao criar uma estratégia de inovação, as empresas devem determinar o quanto investir no avanço tecnológico e no modelo de negócio. a matriz ao lado, que considera de que maneira um plano para inovar se encaixa com o jeito de trabalhar e as capacidades técnicas da organização, pode ajudar a decidir.

Mapa da originalidade

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SOFTWARE de CÓdigo aBeRtoPaRa ComPanHiaS deSSe niCHo

SeRViçoS de PaSSeioS ComPaRtiLHadoSPaRa emPReSaS de tÁXi e LimoUSine

VÍdeo SoB demandaPaRa SeRViçoS de aLUgUeL de dVd

eXeMPLOS

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eXeMPLOS

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eXeMPLOS

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Cio diSrUPTiVO

intensamente na pesquisa e desenvolvimento em busca de opções avançadas, como motores de célu-las de combustível a hidrogênio.

Como superar tendências predominantesCostumo comparar a inovação de rotina com a van-tagem do time que joga em casa: é onde as organi-zações mostram sua força. Sem uma clara estratégia indicando o contrário, diversas forças organizacio-nais tendem a impulsionar as novidades em direção a um lugar cômodo.

Alguns anos atrás eu trabalhava com uma empre-sa de lentes de contato. Seus líderes decidiram fo-car menos em inovações de rotina, como adicionar matizes de cores e modifi car o design dos produtos, e investir mais agressivamente na busca de outros materiais que poderiam melhorar consideravelmen-te a acuidade visual e o conforto. No entanto, não avançaram muito nos anos que se seguiram. Duran-te uma reunião de diretoria, uma revisão dos inves-timentos em P&D revelou que a maioria das despe-sas nessa área estava relacionada com o refi namen-to de produtos existentes (exigido pelo marketing

Fevereiro 2016 Harvard Business Review 9

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Crowdsourcing, como outras práticas de inovação, envolve trade-offs.

se concentrar em componentes específicos sem se preocupar com outros.

Não se trata de um jeito positivo ou negativo de trabalhar. É simplesmente uma ferramenta (que con-ta com um grande número de pessoas que ajudam a resolver problemas) que tem força em alguns con-textos (base de conhecimento altamente difusa, for-mas relativamente baratas para testar soluções pro-postas, linguagens modulares), mas não em outros (competências concentradas, avaliações dispendio-sas e sistemas com arquiteturas integrais).

Outra prática sujeita a trade-offs é o envolvimen-to do cliente no processo de inovação. Defensores de abordagens “cocriativas” argumentam que uma es-treita colaboração com os consumidores aumenta as chances de ideias originais. (Consulte “Como erguer uma empresa cocriadora”, por Venkat Ramaswamy e Francis Gouillart, HBRBR, dezembro de 2011). Os que contestam essa ideia, porém, dizem que traba-lhar muito próximo dos clientes impede de encon-trar inovações verdadeiramente disruptivas. Steve Jobs é inflexível nesse ponto. Diz que consumidores nem sempre sabem o que querem, por isso ele deci-diu abrir mão da pesquisa de mercado.

Escolher um lado desse debate requer um frio cál-culo estratégico. A abordagem de inovação centrada no cliente da Corning é apropriada para uma empre-sa com táticas de negócio focadas na criação de com-ponentes essenciais de sistemas altamente origi-nais. Seria praticamente impossível desenvolver es-ses itens sem recorrer à compreensão profunda dos clientes a respeito da linguagem que utilizam. Além disso, essa estreita colaboração permite que empre-sa e consumidor adaptem mutuamente sistemas e componentes. Algo essencial, numa época em que alterações sutis podem afetar um ao outro.

No entanto, a abordagem demand-pull da Cor-ning (identificar problemas altamente desafiadores dos consumidores e, em seguida, descobrir como as tecnologias de ponta da empresa podem resolvê-los) pode ser limitada pelas ideias dos clientes e pela falta de disposição deles para assumir riscos. Esta estraté-gia também depende de escolher os consumidores certos; caso contrário, a empresa pode não acompa-nhar as transformações do mercado.

Uma estratégia supply-push (desenvolver uma tecnologia e encontrar ou criar um mercado) po-de ser mais adequada quando um nicho ainda não existe. Um bom exemplo é o circuito integrado, cria-do em 1950 pelas empresas Texas Instruments e

Como gerenciar trade-offs Estratégias de inovação, como já pontuei, ajudam a esclarecer o que se ajusta à sua organização. E tam-bém a navegar por inevitáveis trade-offs.

Considere uma prática popular: o crowdsourcing. A ideia é que, em vez de depender de alguns espe-cialistas (talvez os próprios funcionários) para re-solver questões específicas de inovação, a empresa abra o processo para qualquer um: o crowd (grupo). Um exemplo comum é quando uma organização en-via um problema para uma plataforma web (como a InnoCentive) e pede soluções, talvez oferecendo um prêmio financeiro. Ou como no caso de proje-tos de software de código aberto, em que os volun-tários contribuem com o desenvolvimento de um produto ou de um sistema (como o Linux). A prá-tica tem muitos pontos positivos: ao convidar um grande número de pessoas (que provavelmente não teria encontrado no país) para ajudar a enfrentar os

desafios, as chances de encontrar uma saída origi-nal aumentam. Uma pesquisa feita por meu colega Karim Lakhani, da Harvard Business School, e seu colaborador Kevin Boudreau, da London Business School, sugere fortes evidências de que o crowd-sourcing pode levar a soluções mais rápidas, eficien-tes e criativas.

No entanto, o método produz resultados mais satisfatórios em situações específicas. Exige, por exemplo, formas ágeis e eficazes de testar diversas saídas possíveis. Se isso custar muito tempo e di-nheiro, você precisa encontrar outra abordagem, co-mo solicitar respostas de apenas alguns especialis-tas ou poucas organizações. O crowdsourcing tende a ser mais funcional para lidar com sistemas altamen-te modulares, em que diferentes voluntários podem

a grande ideia Você precisa de uma estratégia de inoVação

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superar as barreiras do tipo de inovação que as trans-formações organizacionais muitas vezes exigem. Não resistimos à mudança porque somos teimosos e políticos, mas porque temos perspectivas diferen-tes, inclusive sobre como pesar decisões conflituosas nesse tipo de processo. Discernimento sobre trade- offs e prioridades é o primeiro passo importante para mobilizar a organização em torno de uma iniciativa de inovação.

O desafio da liderançaDesenvolver a capacidade de inovar começa com uma tática. Com isso, surge uma questão: de quem é o trabalho de definir a estratégia? A resposta é simples: dos líderes mais competentes da organiza-ção. O processo de criar algo novo atravessa todas as funções. Os profissionais seniores são os mais in-dicados para orquestrar um sistema tão complexo. Eles devem assumir a principal responsabilidade sobre os processos, as estruturas, os talentos e os comportamentos que moldam como a organiza-ção busca por oportunidades de inovação, sintetiza ideias em conceitos e projetos de produtos e esco-lhe como atuar.

Há quatro tarefas essenciais na criação e imple-mentação de uma tática de inovação. A primeira é responder: “Como esperamos que isso crie valor pa-ra os clientes e a empresa?”. E, em seguida, explicar para a organização. A segunda é desenvolver um pla-no de alto nível para direcionar recursos para os dife-rentes tipos de projeto. Em última análise, indepen-dentemente do que diga, sua estratégia será deter-minar onde gastar dinheiro, tempo e esforço. Geren-ciar trade-offs é a terceira. Cada função, obviamente, serve aos seus próprios interesses. Por isso, é papel dos líderes seniores fazer as melhores escolhas para toda a empresa.

O desafio final para líderes seniores é reconhecer que é preciso desenvolver estratégias de inovação. Táticas representam hipóteses, que serão testadas de acordo com o mercado, as tecnologias, os regu-lamentos e os concorrentes. Assim como projetos de produtos, as estratégias de inovação também devem evoluir para se manter à frente. E da mesma maneira que o processo de criar coisas novas, uma tática ori-ginal envolve contínua experimentação, aprendi-zado e adaptação.

HBr reprint R1602B–P

Fairchild Semiconductor. Ambas trouxeram a ideia de colocar vários transistores num chip para resol-ver um problema de segurança, sem produzir com-putadores menores. Mas, com exceção das Forças Armadas, poucos procuraram o produto. Fabrican-tes de computadores, equipamentos eletrônicos e sistemas de telecomunicações preferiam transisto-res discretos, que eram mais baratos e menos arris-cados. Para ajudar a criar demanda, a Texas Instru-ments desenvolveu e comercializou outro dispositi-vo: a calculadora de mão.

Algumas empresas farmacêuticas, como a No-vartis (onde consultei estes dados), impedem aber-tamente seus grupos de pesquisa de entrar em con-tato com informações de mercado na hora de decidir quais programas seguir. Muitas acreditam que os lon-gos períodos de desenvolvimento de medicamentos e as complexidades do mercado impossibilitam pre-visões exatas. (Consulte o estudo de caso da HBS, de 2008, “Novartis AG: science-based business”, por H. Kent Bowen e Courtney Purrington.)

Mais uma vez, escolher entre as abordagens demand-pull e suplly-push envolve considerar os trade-offs. Se escolher a primeira, arrisca investir em tecnologias que ainda não têm mercado. Se sua opção for a outra, pode criar novidades que não en-contram um nicho.

Trade-offs similares são próprias do processo de escolha de inovações. Por exemplo, muitas em-presas adotam modelos phase-gate bastante estru-turados para gerenciar métodos de inovação. Os defensores dizem que esse jeito de trabalhar favo-rece a previsibilidade e disciplina em tarefas que podem estar bem desorganizadas. Aqueles que se colocam contra argumentam que enfraquece a criatividade. Quem está certo? Ambos — mas pa-ra diferentes tipos de projeto. A primeira aborda-gem, que tende a focar na resolução de incertezas técnicas e de mercado o mais rapidamente possí-vel, é mais indicada para inovações que envolvem tecnologias conhecidas para um mercado familiar. Mas, em geral, não permitem muita inovação, que exigiria combinar novos nichos e tecnologias iné-ditas. Esses projetos complexos e incertos deman-dam um tipo diferente de processo, que envolve prototipagem rápida, experimentação antecipa-da, resolução de problemas paralelos e iteração.

Clareza sobre quais trade-offs são melhores para a empresa como um todo (algo que estratégias de mu-dança tendem a produzir) é extremamente útil para

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Liderando uma equipe herdadaNão é a mesma coisa que começar do zero. Michael D. WatkiNs

foco

David Benet precisou resolver vários problemas quando foi chamado para liderar a unidade de maior crescimento de uma grande companhia

de equipamentos clínicos. Embora as vendas tivessem aumentado desde o lançamento de dois novos produtos no ano anterior, os números ainda estavam bem abaixo das expectativas, mostrando claramente que as necessidades do cliente não estavam sendo atendidas. O futuro da empresa dependia do sucesso dos dois produtos — um instrumento para inserir stents em artérias entupidas e um implante eletrônico para estabilizar o batimento cardíaco.

Michael D. Watkins é presidente da GenesisAdvisers, professor do IMD e autor da edição expandida de The First 90 Days (Harvard Business Review Press, 2013).

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Por isso, as apostas no longo prazo eram altas e a equipe não estava nada satisfeita. Relatos de opor-tunidades perdidas e sinais de uma cultura tóxica ti-nham chegado até os ouvidos dos gestores seniores.

Todos esses fatores tinham contribuído para a decisão de substituir o vice-presidente (VP) exe- cutivo da unidade por alguém externo à empresa — e David preenchia os requisitos. Ele tinha um histórico fabuloso de realizações numa empresa concorrentte, na qual havia mudado os rumos de uma unidade de negócios e acelerado o crescimento de outra. Mas, ao assumir a nova função, enfrentou um desafio comum: ele não pôde escolher as pessoas com quem gostaria de trabalhar. Ele simplesmente herdou a equipe de seu antecessor — justamente a equi- pe responsável pela situação que David deveria ag-ora consertar.

Na verdade, a maioria dos executivos que acabam de assumir uma liderança não está familiarizada com a equipe, e não pode substituir de imediato seus inte-grantes por outras pessoas capazes de ajudar no cres-cimento ou na transformação do negócio. Nem sem-pre os líderes dispõem do poder político necessário ou de recursos para substituir rapidamente algumas pessoas, ou a cultura não permite. Muitas vezes os membros de equipes existentes são essenciais para o bom funcionamento do negócio no curto prazo, mas não são as pessoas certas para liderá-lo no futuro.

Todos esses fatos ilustram a importância de sa-ber como tratar eficientemente uma equipe herdada.

Cheio de trade-offs, o processo é como consertar um avião em pleno voo. Você não pode simplesmente desligar os motores enquanto os conserta — pelo menos não sem causar um acidente. Você precisa manter a sustentabilidade e ao mesmo tempo seguir em frente.

Há vários critérios que podem ajudar os líderes a formar novas equipes. Um dos mais conhecidos é “formar, dinamizar, normatizar e desempenhar”, criado por Bruce Tuckman, em 1965. De acordo com o modelo de Tuckman e outros semelhantes mais recentes, as equipes atravessam fases previsíveis de desenvolvimento que, com as intervenções certas, podem ser aceleradas. O problema é que esses mod-elos pressupõem que os líderes formem suas equi-pes a partir do zero, escolhendo cuidadosamente os membros e estabelecendo uma direção logo no início.

Em meu trabalho para ajudar líderes a navegar por grandes transições, descobri que a maioria das pessoas, como David, precisa de uma estrutura para assumir o cargo e transformar a equipe. É este o objetivo deste artigo. Primeiro, os líderes devem avaliar o capital humano e a dinâmica do grupo que herdaram e ter uma visão clara do estado atual. A se-guir, reformular a equipe de acordo com suas neces-sidades — olhando com novos olhos seus membros, seu propósito e direção, modelo operacional e os padrões comportamentais. Finalmente, eles podem acelerar o desenvolvimento da equipe e melhorar seu desempenho identificando oportunidades de conquistas iniciais e criando planos para garanti-las.

Avaliando a equipeAo liderar uma nova equipe, você precisa determinar rapidamente se dispõe das pessoas certas, nas posi-ções certas, e as formas certas de levar a organização adiante. Desde o primeiro dia você será submetido a fortes pressões de tempo e atenção, e essa pressão só aumentará. Por isso, é muito importante avaliar as equipes.

Essa avaliação precisa ser sistemática. Embora muitos líderes tenham herdado e avaliado várias equipes ao longo da carreira, poucos refletem sobre o que buscam nas pessoas. A própria experiência os leva a criar critérios e métodos de avaliação in-tuitiva — que são eficientes em situações já famili-ares, mas problemáticos em outras. Por quê? Porque, dependendo das circunstâncias, as característi-cas dos membros efetivos de uma equipe variam radicalmente.

Todo o processo de lidar com uma equipe herdada é cheio de trade-offs. Você precisa manter a estabilidade e, ao mesmo tempo, seguir adiante.2  Harvard Business Review Junho 2016

foco GESTÃO DE EQUIPES

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As avaliações serão mais rápidas e mais precisas se seus critérios forem claramente definidos. Que qualidades as pessoas devem ter para tentar resolver os desafios específicos que sua equipe enfrenta? Até que ponto habilidades diferentes ou comple-mentares são importantes no grupo? Que atributos você acredita que podem ser moldados com sua liderança? Você é capaz de melhorar, por exemplo, o envolvimento e o foco das pessoas, mas não sua integridade de caráter inerente? (ver quadro “Que qualidades você procura?”).

Seus pré-requisitos dependerão, em parte, do estado do negócio. Numa mudança de rumos, você procura pessoas que já estejam dispostas a acelerar a dinâmica da equipe — você não tem tempo a perder na construção de habilidades até que as coisas es-tejam mais estabilizadas. No entanto, se você está tentando manter a eficácia da equipe, certamente faz sentido desenvolver altos potenciais e investir mais tempo nisso.

As expectativas sobre os membros da equipe também serão moldadas de acordo com a importân-cia de suas atividades para alcançar as metas pro-postas. Pessoas em posições críticas serão avaliadas com maior urgência e com padrões mais altos. Da-vid Benet (os nomes são fictícios) dispunha de dois líderes de vendas. Ambos se julgavam decisivos porque seus grupos precisavam conscientizar os cardiologistas dos novos produtos. Os dois tinham a responsabilidade de transmitir rapidamente e com grande eficiência as vantagens dos produtos para os formadores de opinião. O chefe de RH também tinha um papel vital — fragilidades graves de talentos de nível intermediário em vendas e marketing tinham de ser resolvidas o mais rápido possível. O chefe de comunicações, no entanto, não era uma grande prio-ridade. Avaliações de seu trabalho e conversas com colegas revelaram que ele poderia ser mais inovador,

mas David decidiu deixá-lo como estava pelo menos naquele momento.

Outro fator a considerar é até que ponto seus subordinados precisam trabalhar como uma equipe, e em que tarefas. Pergunte a si mesmo: “As pessoas que supervisiono precisam colaborar muito, ou bas-ta que elas trabalhem de forma independente?”. A resposta o ajudará a determinar quanto é importante cultivar uma equipe de trabalho. Pense nas pessoas que normalmente se reportam a um financista cor-porativo, como o chefe de tributação, o administra-dor do caixa e o analista de fusões e aquisições. Es-ses profissionais deveriam se empenhar em trabalhar como um grupo de executivos de alto desempenho que comandam cada um seu departamento com independência e eficiência. Tentar reuni-los numa equipe por meio de atividades clássicas que exigem visão compartilhada e estabelecimento de metas de desempenho e métricas comuns simplesmente frustraria todos eles, porque exige pouco ou quase nenhum trabalho colaborativo. Nessas situações, a avaliação e a gestão devem focar mais no desem-penho individual que na capacidade de trabalharem juntos. No entanto, David dispunha de uma equipe de líderes funcionais muito interdependentes. Ele precisava que seus VPs de vendas, marketing e co-municações trabalhassem em estreita colaboração para elaborar e executar estratégias de comercializa-ção dos dois produtos. Por isso era necessário que ele avaliasse como eles se relacionavam e qual era sua capacidade de colaborar entre si.

Para conduzir uma avaliação eficiente, pro-mova um mix de reuniões individuais e da equipe e complemente-as com inputs de colaboradores importantes, como clientes, fornecedores e cole-gas externos à equipe (ver quadro “Avaliação indivi- dual”). E analise os registros históricos e as aval-iações de desempenho de cada membro. Essas

Ideia em resumoO QUE ESTÁ ERRADOMuitas estruturas para formação de equipes pressupõem que você deve escolher os melhores membros e definir a direção e o tom desde o primeiro dia. Mas, normalmente, os líderes não se dão a este luxo. Precisam trabalhar com as pessoas que eles herdaram.

O QUE É NECESSÁRIO?Os líderes que estão assumindo e transformando uma equipe precisam de orientação sobre como realizar a transição e melhorar o desempenho.

O QUE É EFICAZEis um modelo de três passos que funciona: primeiro, avalie as pessoas que herdou e a dinâmica em jogo. Segundo, remodele os membros da equipe, seu propósito e direção, modelo operacional e os padrões comportamentais, de acordo com os desafios do negócio que você enfrenta. Terceiro, acelere o desenvolvimento da equipe para obter algumas conquistas iniciais.

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LIDerAnDo uMA equIpe herDADA

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Composição. A forma mais óbvia de reformular a equipe é substituir as pessoas com baixo desem-penho e quaisquer outras cuja capacidade não se harmonize com a situação. Mas isso pode ser difícil cultural e politicamente e, em muitos casos, é sim-plesmente impossível — os líderes precisam traba-lhar com quem eles herdaram. Mesmo quando os funcionários podem ser dispensados e substituídos por outros, o processo leva tempo e consome ener-gia. Por isso, não é recomendável fazer substituições logo nos primeiros meses, mas sim em casos muito graves: funcionários em funções críticas que noto-riamente não conseguem executar o trabalho, ou personalidades tóxicas que estejam envenenando a organização, por exemplo.

Felizmente é possível reformular a composição da equipe de outras formas, como aguardar uma ro-tatividade de rotina para abrir espaço para as pessoas que você deseja incluir na equipe. Normalmente, isso leva tempo, mas você pode acelerar o processo sinalizando suas expectativas de desempenho mais alto — encorajando assim que atores menos impor-tantes procurem outras atividades. Você também pode procurar posições em outras áreas da organiza-ção para encaixar as pessoas de valor, mas inadequa-das em sua equipe.

Outra opção é preparar pessoas de alto potencial para assumir novas responsabilidades, desde que você disponha de tempo e outros recursos suficien-tes. Caso não disponha, talvez seja o caso de você mudar as atividades das pessoas para aproveitar

avaliações não mostraram nenhum sinal vermelho para David — mas ele sabia que o desempenho da equipe era ruim. As reuniões o ajudaram a determi-nar por quê, e o que fazer.

Logo ficou claro que ele precisava resolver duas questões importantes de pessoal. A primeira era Carlos, o VP de vendas cirúrgicas. Carlos tinha mais tempo de casa e, aparentemente, fortes conexões com o CEO. No entanto, seu desempenho sobre o novo produto cirúrgico tinha deixado a desejar. E, mais importante, os comentários de seus colegas e subordinados diretos indicavam um estilo de lide- rança de microgestão que minou o moral do grupo e revelou falta de colaboração com o resto da equipe. Entre outras coisas, ele estava sonegando informa-ção que poderia ser valiosa para o grupo de vendas interveniente e para o pessoal de marketing, e isso estava envenenando a dinâmica da equipe.

Henry, o VP de recursos humanos, era um desa-fio de outro tipo. Ele teria sido um excelente líder de RH em circunstâncias normais, porque tinha ha-bilidades para lidar com as dificuldades típicas de contratações, gestão de desempenho e recompensas e benefícios. Mas ele não era muito adequado para as necessidades de um ambiente de alto crescimento. David analisou o trabalho que Henry tinha feito na avaliação de talentos e no planejamento sucessório e atribuiu-lhe, no máximo, nota 7.

Depois de completar sua avaliação, David decidiu que manteria a maior parte dos membros da equipe, cuja carreira na empresa variava de 5 a 25 anos em média. Mas ele sabia que teria de burilar certas ati-tudes pessoais — principalmente a falta de confiança entre as áreas.

reformulando a equipeTerminadas as avaliações, a próxima tarefa é refor-mular a equipe respeitando as restrições da cultura organizacional e a autoridade do líder e aproveitan-do os talentos disponíveis. No final, o que todos os novos líderes desejam é que seu pessoal demonstre alto desempenho, como compartilhar informações livremente, identificar e lidar com conflitos com ra-pidez, resolver problemas criativamente, apoiar uns aos outros e apresentar uma imagem unificada para o mundo externo quando as decisões são tomadas. Os líderes podem promover essas atitudes focando em quatro fatores: composição da equipe, alinha-mento com uma visão compartilhada, modelo ope-racional e integração de novas regras e expectativas.

Às vezes, a direção estabelecida precisa mudar. Outras vezes, as pessoas simplesmente não estão unindo esforços.

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foco GESTÃO DE EQUIPES

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melhor suas capacidades. Essa forma poderosa e muitas vezes pouco valorizada de reformular equi-pes pode envolver ajustes no âmbito das funções ex-istentes, fazer as pessoas mudarem de atividade ou criar novas posições explorando o trabalho de outras formas. Qualquer uma dessas táticas pode revitalizar funcionários que foram subutilizados em suas fun-ções, mas poucos líderes se preocupam em buscar formas alternativas de realocar trabalho.

David usou um mix dessas abordagens para re-compor sua equipe. Ele concluiu que Carlos, o VP de vendas cirúrgicas, estava destruindo a eficácia do grupo e precisava ser excluído. Depois de consultar o gestor sênior e o RH, David ofereceu-lhe um pa-cote generoso de aposentadoria precoce, eliminou seu cargo e reestruturou os grupos de vendas sob um único VP. Ele indicou Lois, que ocupava o cargo equivalente de Carlos em vendas internacionais, pa-ra liderar as vendas unificadas da organização. Para ajudar Lois a ter êxito numa função mais elevada, David pediu ao RH que a inscrevesse num programa intensivo de desenvolvimento de liderança que in-cluísse coaching.

Outra grande mudança de David na área de pes-soal foi procurar uma nova posição para Henry, o VP de recursos humanos. Felizmente, o grupo de recompensa e benefícios tinha uma vaga, que foi um ótimo encaixe, e Henry a assumiu com satisfação, pois se sentia cansado com o estresse que a unidade de David vinha sofrendo. Isso permitiu que David procurasse um novo VP com talento para planeja-mento, aquisições e capacidades de desenvolvim-ento necessárias para fortalecer os níveis inferiores dos departamentos de vendas e marketing.

Alinhamento. É preciso garantir também que todos percebam claramente o sentido do objetivo e direção. Às vezes, a direção estabelecida pela equipe precisa ser mudada. Em outros casos, ela pode estar mais ou menos certa, mas as pessoas não estão unin-do esforços.

Para que todos estejam alinhados, a equipe preci-sa concordar nas respostas a quatro questões básicas:

O que será executado? Isso precisa estar declarado em sua missão, metas e métricas importantes.

Por que faremos isso? Aqui entram em jogo sua declaração de visão e os incentivos.

Como faremos? Isso inclui definir a estratégia da equipe em relação à da organização, bem como analisar os planos e atividades necessários à sua execução.

que qualidades você procura?Como a maioria dos líderes, você precisa ter uma percepção

“visceral” sobre o que procura prioritariamente nas pessoas. Mas situações e desafios diferentes requerem esforços diferentes. Este exercício o ajudará a entender melhor e articular suas prioridades toda vez que herdar uma equipe.

Atribua valores percentuais às qualidades abaixo, de acordo com a ênfase que acredita que cada uma merece, considerando circunstâncias e metas atuais. Certifique-se de que os números na coluna da direita somem 100.

Esses números obviamente são aproximados. Para alguns membros da equipe (por exemplo, o diretor financeiro), competência pode ter prioridade máxima. Para outros membros (por exemplo, o diretor de marketing), dinamismo ou habilidade em tratar com pessoas pode ser igualmente crítico ou até mais. A importância do cargo e o estado do negócio também podem afetar suas estimativas.

Ao concluírem este exercício, os executivos quase sempre atribuem maior peso à confiabilidade. Isso porque a veem como um sinal de caráter inerente

— não algo que pode ser desenvolvido com boa gestão. No entanto, os líderes realmente pensam que podem ajudar os membros da equipe a melhorar seu foco e dinamismo. Por isso, não é de surpreender que, desde o início, eles enfatizem menos essas qualidades que a confiabilidade.

O que seus rankings mostram sobre o que você valoriza mais agora e o que você acredita que pode mudar pela liderança? Alguns desses critérios são questões “permitido/proibido” para você?

quALIDADe DeScrIÇÃo IMporTÂncIA

Competência Tem expertise técnica e experiência para executar o trabalho com eficiência

Confiabilidade É confiável por ser direto com você e por cumprir os compromissos assumidos

Dinamismo Contribui com as atitudes certas para o trabalho (não está esgotado ou desinteressado)

Habilidade com pessoas

Tem bom relacionamento com outros membros da equipe e apoia a colaboração

Foco Estabelece prioridades e as baliza, em vez de rodar em todas as direções

Discernimento Usa o bom senso, principalmente sob pressão ou quando é preciso fazer sacrifícios por um bem maior

ToTAL 100%

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LIDerAnDo uMA equIpe herDADA

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central, criar subequipes, ajustar os tipos e frequên-cia das reuniões, conduzi-las de forma diferente e formular novos protocolos de acompanhamento.

Essas mudanças podem ser alavancas poderosas para melhorar o desempenho da equipe. Infelizmen-te, muitos novos líderes ou continuam com a mesma conduta de seus antecessores ou fazem apenas pe-quenos ajustes. Para pensar mais criativamente so-bre o modelo operacional de sua equipe, identifique as limitações reais sobre como o trabalho está sendo feito — por exemplo, em relação ao planejamento de transações comerciais e ao processo orçamentário de toda a organização — e depois pergunte a si mes-mo de que forma a equipe poderia trabalhá-los de forma mais eficiente e produtiva. Além disso, analise se é razoável criar subequipes (formal ou informal-mente) para melhorar a colaboração entre membros interdependentes. Verifique também se certas ati-vidades exigem atenção mais frequente que outras. Isso o ajudará a estabelecer um cronograma funcio-nal de reuniões, tanto para a equipe toda como para qualquer subequipe.

David identificou uma interdependência impor-tante entre vendas, marketing e comunicações, por isso criou uma subequipe de líderes dessas áreas. Para colimar melhor o foco da atenção e obter um feedback mais rápido dos líderes, ele decidiu se re-unir com eles semanalmente e com a equipe toda so-mente a cada dois meses — estas reuniões bimestrais eram reservadas para compartilhamento de informa-ção e discussões sobre questões estratégicas. A sub-equipe supervisionava os esforços para aperfeiçoar e executar estratégias de mercado para os dois produ-tos — prioridade imediata de David. O trabalho foi realizado por equipes transfuncionais formadas por subordinados diretos de líderes de vendas, marketing e comunicações. Com a integração de processos, au-mento da colaboração e aceleração dos tempos de re-sposta — além da reestruturação da equipe de vendas e da injeção de recursos financeiros adicionais para as equipes de marketing —, as vendas dispararam.

Reavaliar a frequência e a agenda de reuniões aju-da a entender os três tipos de reunião habituais das equipes de liderança — estratégica, operacional e de treinamento — para alocar tempo suficiente para cada uma. Reuniões estratégicas tratam de grandes decisões que precisam ser tomadas — sobre mod-elos de negócio, visão estratégica, configurações organizacionais e assim por diante. Embora, em geral, sejam relativamente raras, requerem muito

Quem fará isso? As funções e responsabilidades das pessoas precisam apoiar todos os itens acima.

Geralmente os líderes se sentem mais confor-táveis com o alinhamento que com outros aspectos da reformulação, porque dispõem de ferramentas e processos seguros para atacá-lo. Mas uma pergunta, em particular, costuma fazê-los hesitar: “por quê”. Se falta à equipe uma visão clara e atraente que os inspire, e se falta aos seus membros os incentivos adequados, eles provavelmente não agirão dinami-camente na direção certa. Remuneração e bene-fícios não são motivadores suficientes por si sós. Ofereça um conjunto completo de recompensas, in-cluindo trabalho interessante, status e potencial de crescimento.

Isso pode ser desafiador por uma série de razões: normalmente é difícil perceber quando incentivos escondidos (como comprometimentos competitivos com outras equipes) se interpõem no caminho. E, em certas recompensas, sua influência pode ser limitada, como quase sempre ocorre com as remunerações.

Durante as entrevistas de avaliação individual e nas discussões de grupo, David descobriu que as pes-soas não estavam alinhadas com as metas, métricas e incentivos como deveriam estar. Particularmente, as duas equipes de vendas não tinham incentivos para ajudar uma à outra. Além disso, as equipes de marketing dos dois produtos estavam sem recursos e competiam para conseguir fundos disponíveis de formas contraproducentes.

Para fazer com que os membros de sua equipe lu-tassem pelos mesmos objetivos, David desenvolveu com eles um painel abrangente de métricas que seria examinado regularmente. Ele também realinhou a equipe com o resto da empresa aumentando a barra de desempenho para atender às expectativas do comitê executivo. No processo de planejamento do negócio, a equipe se comprometeu a atingir um alto nível de crescimento. Mas, talvez o mais importante, ele resolveu a questão do desnivelamento de incen-tivos que tinha gerado o conflito entre os dois grupos de vendas. Com essas atividades agora unificadas, ele e Lois reestruturaram as equipes de vendas nu-ma base geográfica de tal modo que os vendedores pudessem representar os dois novos produtos e ser remunerados convenientemente.

Modelo operacional. Reformular uma equipe requer repensar como e quando as pessoas se reú-nem para executar o trabalho. Isso pode significar au-mentar ou diminuir o número de membros do núcleo

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foco GESTÃO DE EQUIPES

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o mix certo de reunião e programar cada tipo de acordo com uma periodicidade, poderá evitar esse problema. Normalmente, é melhor começar esta-belecendo um cronograma para as reuniões opera-cionais — decidir a periodicidade e os participantes. Depois você pode superpor as reuniões estratégicas, menos frequentes, alocando, desde já, tempo sufici-ente para as discussões. Finalmente, você define que tipos de situação podem acarretar a necessidade de reuniões de treinamento ad hoc. Você deve decidir, por exemplo, realizá-las depois de um grande evento de mercado, como a apresentação de um produto competitivo, ou logo depois de uma falha interna significativa, como o recall de um produto.

Integração. O elemento final da reformulação é a integração. Ela serve para estabelecer regras e proces-sos básicos para alimentar e manter o comportamento desejável e funciona como modelo para os membros da equipe. Obviamente, a composição, o alinhamento e o modelo operacional da equipe também influem no comportamento dos membros. Mas focar nesses ele-mentos não é suficiente, principalmente quando os lí-deres herdam equipes com dinâmica negativa. Essas situações requerem um trabalho terapêutico: mudar os padrões destrutivos de comportamento e estimular um senso de objetivo comum.

Foi isso que aconteceu com a equipe de David. O conflito entre os VPs de vendas e marketing, as-sociado à incapacidade do líder anterior de conter o comportamento desastroso de Carlos ou garantir recursos, abalou a confiança dos membros. Quando David reestruturou as vendas, a equipe percebeu que ele era sincero e objetivo (ao contrário de seu antecessor). Ele também passou a ser respeitado pelas mudanças que empreendeu e pelos recursos financeiros que obteve para o marketing. Ele estava numa boa posição para restabelecer a confiança. Ele começou recomendando uma avaliação mais focada da dinâmica da equipe. Era a hora certa para um mer-gulho profundo nessa questão. Como estava lá havia algum tempo, tinha criado laços de credibilidade com o grupo. Essa avaliação especializada indepen-dente incluía uma análise anônima dos membros da equipe e entrevistas de acompanhamento que se concentravam nos elementos-chave de confiança dentro das equipes de liderança:• Convicção de que todos os membros da equipe es-

tão capacitados a cunprir suas tarefas.• Transparência no compartilhamento de informação.• Crença de que os compromissos serão honrados.

tempo para discussões profundas. Reuniões opera-cionais têm o objetivo de rever previsões e medidas de desempenho de curto prazo e ajustar atividades e planos à luz de resultados. São geralmente mais curtas e mais frequentes que as estratégicas. Re-uniões de treinamento são programadas quando necessário, geralmente depois de crises ou para re-solver questões emergentes. Elas também podem focar na formação de equipes.

Quando as equipes tentam juntar todas essas atividades numa única reunião recorrente, as urgên-cias operacionais costumam atropelar as discussões estratégicas e de treinamento. Se você descobrir

Avaliação individualReuniões individuais, logo no início, são ferramentas valiosas para avaliar os membros da nova equipe. Dependendo de seu estilo, essas reuniões podem ser discussões informais, avaliações formais ou uma combinação delas, mas você deve abordá-las de forma padronizada.

prepare-se. Avalie o histórico da pessoa, dados de desempenho e recomendações. Familiarize-se com suas habilidades para poder avaliar como ela interage na equipe e em sua própria unidade ou grupo. Observe como os membros da equipe interagem. As relações parecem cordiais e produtivas? Tensas ou competitivas? Explique que você utilizará as reuniões para avaliar a equipe como um todo e os membros individualmente.

crie um modelo de entrevista. Faça as mesmas perguntas a todos e veja como seus insights variam. Por exemplo, quais são os pontos fortes e fracos de nossa estratégia atual? Quais são nossos maiores desafios e oportunidades no curto prazo? E no médio prazo? Que recursos poderíamos alavancar com mais eficiência? Como poderíamos melhorar a forma de a equipe trabalhar em conjunto? Se você estivesse em meu lugar, quais seriam suas prioridades?

procure pistas verbais e não verbais. Observe o que as pessoas dizem e o que não dizem. Elas fornecem

informação voluntariamente ou você precisa solicitá-las? Elas assumem a responsabilidade pelos problemas, dão desculpas ou apontam o dedo para os outros? Você também deve procurar inconsistências entre as palavras e a linguagem corporal. Esse tipo de desarticulação pode sinalizar desonestidade ou desconfiança — e em qualquer caso é uma questão que precisa ser resolvida. Preste atenção também nos tópicos que provocam fortes emoções. Esses pontos nevrálgicos fornecem pistas sobre o que motiva as pessoas e que tipo de mudança as energiza.

resuma e compartilhe suas conclusões. Depois de entrevistar a todos, discuta seus pontos de vista com a equipe. Isso demonstrará que você está disposto a agir rapidamente. Se seu feedback destacar diferenças de opinião ou levantar questões desconfortáveis, aproveite a oportunidade para observar como a equipe reage sob uma dose moderada de estresse. Observar como as pessoas respondem pode levar a insights valiosos sobre a cultura e a dinâmica do poder da equipe.

Junho 2016 Harvard Business Review 7

LIDerAnDo uMA equIpe herDADA

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8  Harvard Business Review Junho 2016

• Segurança psicológica para expressar opiniões diver-gentes sem medo de depreciação, crítica ou retaliação.

• Garantia de que a confiança será mantida.• Unidade sobre as decisões, uma vez que as pessoas

concordaram com elas. A avaliação revelou que transparência, segurança

psicológica e unidade foram as questões dominantes de confiabilidade da equipe. Para transmitir esses re-sultados, David convocou todos para uma reunião fo-ra do local de trabalho. Ele mostrou que jamais seriam uma equipe vitoriosa se os problemas de confiança persistissem. Ele também compartilhou o que para ele eram causas estruturais (incentivos desnivelados, falta de fundos, o impacto de Carlos) e as medidas to-madas para resolvê-las. Fundamentalmente, ele mos-trou que estava convencido de que a unidade poderia se tornar uma equipe de alto desempenho — e expres-sou seu compromisso em fazer isso acontecer.

David então expôs um esquema para reformular a dinâmica do grupo. Em primeiro lugar, todos deve-riam concordar com certos princípios comportamen-tais: eles compartilhariam informação, se tratariam com respeito e agiriam como “uma equipe” depois das decisões tomadas. Em seguida, abordariam a to-mada de decisão com mais transparência. Para cada decisão a ser tomada, ele comunicaria antecipada-mente quem a tomaria: ele próprio ou um grupo restrito — ou se buscaria consenso de toda a equipe.

Depois da reunião externa, David focou em “vi-venciar” ele mesmo esses novos princípios e proces-sos. Também enfatizou o tipo de comportamento

que desejava. E quando surgia qualquer comporta-mento improdutivo, intervinha imediatamente — ou em reuniões da equipe, ou em particular, com os envolvidos. Embora isso consumisse tempo, porque velhos hábitos são difíceis de erradicar, a dinâmica do grupo melhorou.

David foi cuidadoso ao rever esses princípios e pro-cessos quando seu novo VP de RH passou a integrar a equipe. Rever expectativas comportamentais deve ser uma prática padrão sempre que houver uma mudança nos membros ou na missão da equipe. Também é im-portante programar uma avaliação regular (trimestral ou semestral) para verificar como a equipe está evolu-indo e se os princípios estão sendo seguidos.

Acelerando o desenvolvimento da equipeBaseados em suas avaliações e na reformulação do trabalho, os líderes precisam dinamizar os membros da equipe com algumas conquistas iniciais. Graças à sua experiência, David sabia que isso aumenta a con-fiança das pessoas em suas capacidades e reforça o valor das novas regras e processos. David e sua equi-pe começaram estabelecendo metas desafiadoras de vendas nos três meses seguintes. Depois discutiram a entrega. Eles especificaram o trabalho envolvido e as responsabilidades para sua execução, determina-ram qual o suporte essencial que os colaboradores externos poderiam oferecer, alocaram responsabi-lidades para construir relacionamentos e desenvol-veram mensagens e métodos para compartilhar re-sultados com o resto da organização. Eles excederam suas metas por uma margem substancial.

Graças aos excelentes resultados, criou-se um círculo virtuoso de realizações e confiança. No fim do primeiro ano de trabalho de David, o crescimen-to das vendas tinha ultrapassado as metas — e mui-to. Na verdade, previsões já ambiciosas precisaram ser revistas para cima, três vezes. O comitê executi-vo, compreensivelmente fascinado com o progresso, deu abertura para David garantir recursos adicionais, expandir a equipe de vendas e ultrapassar os limites normais de salário para contratar novos talentos de peso. A trajetória de crescimento continuou nos dois anos seguintes, até que a introdução de novos produ-tos pela concorrência impuseram novos desafios. No entanto, na época, a equipe de David tinha atingido uma posição proeminente no mercado e estava pron-ta para lançar seus próprios e novos produtos.

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Reuniões de treinamento são programadas quando necessário, geralmente depois de crises ou para resolver questões emergentes.

foco GESTÃO DE EQUIPES

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Todas as equipes conTêm uma misTura desses Tipos de personalidade. saiba como exTrair o melhor de qualquer combinação. suzanne m. Johnson Vickberg e kim chrisTforT

SUZANNE M. JOHNSON VICKBERG é psicóloga, especialista em personalidade social e pesquisadora chefe do sistema de química de negócios da deloitte. KIM CHRISTFORT é diretora geral nacional de

experimentos da deloitte greenhouse. ela é uma das arquitetas pioneiras da química de negócios.

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As organizações não estão obtendo de suas equipes o desempenho de que precisam. Esta é a mensagem recebida de vários de nossos clien- tes que enfrentam desafios com- plexos que vão de planejamento

estratégico até mudança de gestão. Mas, com frequência, nossa pesquisa sugere que a cul-pa não é dos membros da equipe, mas dos lí-deres que não conseguem lidar efetivamente com diferentes estilos e perspectivas de tra-balho — até nos níveis de maior senioridade. Alguns gestores simplesmente não notam as profundas diferenças que existem em sua equipe. Outros não sabem como administrar as diferenças e tensões e não percebem os al-tos custos advindos dessa situação. Como resultado, algumas das melhores ideias não são ouvidas ou permanecem irrealizadas, e o desempenho é prejudicado.

Para ajudar os líderes a recuperar esse va-lor, a Deloitte criou um sistema chamado Bu-sinnes Chemistry (química de negócios, em tradução livre) que identifica quatro estilos básicos de trabalho e as estratégias envolvi-das para executar metas comuns. Os testes de personalidade existentes não são efica-zes porque não foram projetados para o local de trabalho e se baseiam muito na introspec-ção pessoal. Por isso, consultamos a bioantro-póloga Helen Fischer, da Rutgers University, cuja pesquisa sobre a química do cérebro em relacionamentos amorosos lança luzes nos estilos e interações interpessoais. A partir daí, desenvolvemos uma lista de traços e prefe-rências relevantes para os negócios que po-dem ser observados ou inferidos do compor-tamento no trabalho. Uma empresa de desen-volvimento de pesquisas nos ajudou a criar uma avaliação, que testamos e aprimoramos em três amostras independentes com mais de mil profissionais cada uma. Finalmente, tra-balhamos junto com o biólogo molecular Lee Silver, da Princeton University, para adaptar os modelos estatísticos por ele utilizados em análises genéticas de populações. Nosso ob-jetivo era obter padrões em nossos dados de populações empresariais e formular matema-ticamente quatro estilos de trabalho.

Desde então, mais de 190 mil pessoas se submeteram ao nosso teste. Posteriormente empreendemos estudos de acompanhamen-to para determinar como cada estilo respon-de ao estresse, as condições sob as quais os vários estilos prosperam e outros fatores que ajudem a administrar efetivamente os esti-los. Envolvemos líderes e equipes em mais de 3 mil “laboratórios” — sessões interativas

com duração de 90 minutos a três dias du-rante as quais reunimos mais dados e explo-ramos estratégias e técnicas para extrair o máximo dos diferentes estilos.

No artigo, expomos os valores de cada es-tilo, abordamos o desafio que é reunir pesso-as com enormes diferenças de estilo e expli-camos como aproveitar a diversidade cogni-tiva nas organizações.

ENTENdA OS ESTIlOSCada um de nós é uma combinação de qua-tro estilos de trabalho. No entanto, nosso comportamento e modo de pensar se ali-nham mais claramente com um ou dois de-les. Todos os estilos contribuem com pers-pectivas úteis e abordagens diferentes para gerar ideias, tomar decisões e resolver pro-blemas. De forma genérica:

Pioneiros valorizam os talentos e dispa-ram centelhas de energia e imaginação em suas equipes. Eles acreditam que vale a pe-na assumir riscos e que é bom seguir seus instintos. Focam no panorama. São atraídos por novas ideias audaciosas e abordagens criativas.

Guardiões valorizam a estabilidade e con-tribuem com ordem e rigor. São pragmáticos e hesitam em abraçar o risco. Para eles, da-dos e fatos são requisitos indispensáveis, e eles priorizam os detalhes. Acreditam que é razoável aprender com o passado.

Condutores valorizam o desafio e geram momentum. Para eles é muito importante obter resultados e vencer. Para os conduto-res, as questões são preto no branco. Eles atacam os problemas de frente, armados com dados e lógica.

Conciliadores valorizam as relações e mantêm as equipes unidas. Relacionamen-tos e responsabilidades são indispensáveis para o grupo. Os conciliadores tendem a acreditar que, em geral, as coisas são rela-tivas. São diplomáticos e preocupados em chegar ao consenso.

Teoricamente, as equipes que reúnem esses estilos aproveitam os benefícios da di-versidade cognitiva, especialmente criati-vidade, inovação e aprimoramento das to-madas de decisão. No entanto, vez por ou-tra equipes diversificadas têm dificuldade de progredir — ora estagnando, ora curvando-se sob o peso do conflito. Para os líderes que pretendem reverter esse quadro, O primeiro passo é identificar os diferentes estilos dos membros da equipe e descobrir o que faz o coração de cada um bater mais forte.

Os quAtrO estilOs Oferecem AOs líderes e equipes umA linguAgem cOmum pArA entender cOmO As pessOAs trAbAlhAm.

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Em nosso trabalho, agrupamos milha-res de equipes por estilo e pedimos a elas que listassem o que as motivava e o que lhes desviava a atenção no local de trabalho. As listas variaram tremendamente — o que faz um grupo vibrar pode sugar a vida de outro (ver quadro “Os perfi s num relance”). Algu-mas diferenças estão relacionadas com a for-ma como as pessoas interagem. Os concilia-dores, por exemplo, têm aversão a tudo que se traduza em confl ito, mas os condutores adoram um debate. Isso pode criar tensão e mal-entendidos. Numa de nossas sessões de laboratório, um CFO e sua equipe conver-savam sobre suas reuniões executivas. Uma participante, conciliadora, confessou que ti-nha pavor de levantar questões porque “isso sempre leva a uma discussão desagradável”. O CFO, de perfi l condutor, reagiu surpreso: “Mas é exatamente assim que as questões são discutidas”.

As diferentes formas de pensar e contri-buir podem causar problemas. Se um guar-dião, por exemplo, explica detalhadamente um plano, item por item, isso pode parecer um retrocesso para um pioneiro, que dese-ja pular essa parte e ir direto ao ponto ou co-municar uma ideia completamente diferen-te. Por outro lado, a desorganização de ideias do pioneiro, sem nenhuma agenda nem es-trutura, pode parecer uma confusão imprati-cável para o organizado guardião.

Os quatro estilos oferecem aos líderes e suas equipes uma linguagem comum para discutir semelhanças e diferenças na forma como as pessoas encaram os fatos e como preferem trabalhar. Os grupos acabam en-tendendo por que certas equipes se sentem tão provocadoras (isto é, que perspectivas e abordagens são discrepantes) e percebendo a potencial força dessas diferenças.

Uma equipe de liderança estava lutan-do para conseguir que todos se alinhas-sem com sua estratégia e, no processo, es-tava sofrendo um grande confl ito interpes-soal. Isso consumiu muito tempo e energia do líder, uma vez que os membros continu-avam a procurá-lo para se queixar dos ou-tros. Nas discussões que mantivemos com a equipe, descobrimos que algumas normas desagradavam todos os estilos: os guardi-ões sentiam que tinham sido pressionados por medidas prévias de precaução; os pio-neiros, que a inovação estava sendo esma-gada por uma interpretação rígida das nor-mas de compliance; os condutores estavam frustrados com a má vontade da equipe de se comprometer com uma decisão; e os

conciliadores, irritados com gestos evasi-vos, como revirar os olhos.

Nossas discussões destacaram as poten-cialidades da equipe, por exemplo: recepti-vidade para compartilhar perspectivas e ex-por preocupações, e um comprometimento para gerar ideias inovadoras e apoiar o ne-gócio. A equipe realizou um brainstorming sobre as estratégias para acomodar os di-ferentes estilos e aproveitar o valor da con-tribuição de cada membro. Um mês depois voltamos a nos reunir. Os membros nos in-formaram que haviam discutido seriamente os estilos uns dos outros e estavam tentando compreender melhor a equipe. Mas o mais importante foi o relato de que havia uma melhor percepção das metas partilhadas, um ambiente que lhes permitia contribuir com seu potencial máximo, e uma melhoria na capacidade do grupo de cumprir metas.

AdMINISTRE OS ESTIlOSUma vez identifi cados os estilos de trabalho dos membros da equipe e uma vez entendi-do que as diferenças podem ser benéfi cas ou problemáticas, você precisa administrá-las diligentemente para que toda a frustração não recaia sobre você e não lhe reste ne-nhum lado positivo. Faça isso de três formas:

Aproxime os opostos. Quando estilos opostos se chocam, os pontos nevrálgicos estão em geral nas relações entre duas pes-soas. Cada estilo é diferente dos outros, mas não são diferentes nas mesmas proporções. Os guardiões, por exemplo, geralmente são mais reservados que os condutores — mas os dois tipos são muito focados, o que po-de ajudá-los a encontrar um ponto de equilí-brio. Os guardiões e os pioneiros, no entanto, são realmente opostos, assim como os conci-liadores e os condutores.

Como se pode prever, os problemas in-terpessoais que são praticamente inevitá-veis quando estilos opostos se encontram podem degradar a colaboração. De fato, 40% das pessoas que pesquisamos sobre o tópico disseram que seus opostos eram as pessoas mais difíceis de tratar, e 50% afi rmaram que elas eram as pessoas menos agradáveis com quem trabalhar. Cada tipo relatou diferentes motivos para as difi culdades de interação.

Por exemplo, uma condutora expli-cou por que não gostava de trabalhar com conciliadores:

“Eu acho cansativa toda aquela conversa fi ada para fazer com que todos se sintam bem trabalhando juntos. Eu só quero que as coisas

RESUMO

O PROBlEMAQuando os líderes não sabem administrar as diferentes formas como as pessoas abordam o trabalho, o potencial das equipes se torna insufi ciente.

O RISCOOs quatro estilos de trabalho descritos — pioneiro, guardião, condutor e conciliador — têm muito a oferecer, mas podem provocar confl itos entre os membros das equipes.

A SOlUçÃOPara estimular o atrito produtivo, os líderes devem forçar tipos opostos a trabalhar juntos, procurar inputs de pessoas com estilos não dominantes e estar atentos aos introvertidos sensíveis, que correm o risco de ser silenciados apesar das contribuições importantes que têm a oferecer.

foco PIONEIROS, CONDUTORES, CONCIlIaDORES E GUaRDIÕES

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sejam feitas, que forneçam feedback franco e direto, e que sigam em frente. Ser obrigada a me preocupar com sensibilidades só me atrasa”.

Um conciliador que considera desafiador trabalhar com condutores revelou:

“Eu preciso processar as ideias para obter o background contextual do panorama geral. Os condutores, muitas vezes, falam em código ou expõem ideias fragmentadas que precisa-mos traduzir”.

Ouvimos de um guardião:“Estou sempre pensando em como vou

conseguir implementar alguma coisa... e em-bora os pioneiros tenham ótimas ideias, eles não gostam de ser incomodados com discus-sões sobre como executá-las. Mas se o resul-tado não concordar com a visão deles, eles se frustram”.

E um pioneiro admitiu:“Tenho muita dificuldade para me ajustar

ao estilo guardião. Eu sou decisivo e gosto de propor ideias sem ser criticado. Os guardiões podem intervir com observações críticas e im-pedir que a criatividade flua”.

Apesar da devastação que essas diferen-ças podem causar no desempenho da equi-pe, estilos opostos podem equilibrar-se mu-tuamente. Mas isso demanda tempo e esfor-ço. Trabalhamos com uma dupla guardiã/pioneira que sofreu muito no início, mas depois de discutirem abertamente suas di-ferenças, acabaram forjando uma parceria mais forte. A pioneira se sentia bastante con-fortável em falar de improviso diante de gru-pos. A guardiã tinha pavor de falar em públi-co, mesmo estando bem preparada — rara-mente ela se considerava suficientemente preparada. Quando precisavam apresentar alguma coisa juntas, a pioneira frequente-mente se sentia impaciente, e a guardiã as-sustada com o que para ela estava inadequa-damente planejado. À medida que o relacio-namento evoluiu, elas começaram a confiar mais e a se ajustar mais uma à outra. A pio-neira aprendeu que a meticulosidade da par-ceira as tirou diversas vezes de enrascadas, e que se ela se preparasse um pouco mais, isso ajudaria a aliviar a tensão da parceira. A guardiã aprendeu que a abordagem mais espontânea da parceira era envolvente e lhe permitia ser mais flexível e atender melhor às necessidades da assistência. Ela percebeu que quando trabalhavam juntas, ela podia relaxar um pouco e até assumir mais riscos.

Ao forçar a aproximação de opostos — es-calá-los para colaborar em pequenos proje-tos e depois em outros maiores, se a quími-ca estiver funcionando — você cria parcerias

Quando há desequilíbrio na formação da equipe, o viés cognitivo pode se infiltrar pro-duzindo “cascatas”. Suponha que você ten-te mudar a direção de uma grande cachoei-ra. Sem uma obra portentosa de engenharia, seria impossível. É assim que a cascata fun-ciona na equipe: uma vez que as ideias, dis-cussões e tomadas de decisão estão fluindo em determinada direção, o momentum se estabiliza nessa direção. Mesmo que exis-tam diferentes pontos de vista na equipe, os participantes provavelmente não mudarão o fluxo se ele já estiver estabelecido, pois as pessoas costumam hesitar em verbalizar sua discordância com uma ideia que recebe os-tensivo apoio prévio.

O momentum se baseia em várias razões: cascatas reputacionais, que geralmente re-sultam do medo de parecer do contra ou de ser punido por discordar; e cascatas infor-macionais, que podem surgir quando as pes-soas pressupõem que os primeiros a falar sa-bem alguma coisa que os outros não sabem. Em qualquer caso, você acaba se autocensu-rando e concordando com o pensamento do grupo. Isso significa que a equipe não está aproveitando os benefícios de suas diferen-tes perspectivas.

Das equipes com quem trabalhamos, cer-ca de metade é relativamente equilibrada, o resto é dominado por um ou dois estilos. Descobrimos que os líderes do alto escalão são prioritariamente pioneiros e em segun-do lugar são condutores (ver quadro “O perfil da liderança”). Em muitos casos, a maioria dos membros de equipes executivas partilha o estilo do líder, o que pode torná-las parti-cularmente suscetíveis a cascatas. Os pio-neiros tendem a ser espontâneos e expansi-vos. Têm raciocínio rápido e falam energica-mente, com frequência sem pensar. Da mes-ma forma, os condutores gostam de assumir responsabilidades da formação do grupo e, com seu estilo direto e competitivo, são mais inclinados a ir direto ao assunto e expor seu ponto de vista em vez de se conter e ouvir o que os outros têm a dizer. E se forem maioria ou contarem com o apoio de um líder com estilo similar, há uma grande chance de que pioneiros e condutores indiquem a direção da cascata com os primeiros comentários.

Uma líder nos pediu que a ajudasse a des-cobrir por que sua equipe, embora bastante produtiva, era repetidamente criticada pelos stakeholders internos por sua falta de diplo-macia. Analisamos a formação de sua equipe e verificamos que ela era dominada por con-dutores assertivos e francos. Quando lhes

Pioneiro

Condutor

Guardião

36%

ConCiliador

17%

O PERFIl dA lIdERANçAde acordo com nossa pesquisa com 661 executivos do C-level, a maioria dos líderes em altas posições tem estilo pioneiro ou estilo condutor. como esses são os estilos mais eloquentes, as equipes executivas devem procurar “cascatas” e evidências de concordância com o pensamento do grupo.

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complementares em suas equipes. Tam-bém é importante cercar-se de seus próprios opostos para equilibrar suas tendências co-mo líder. Trata-se, na verdade, de gerar atri-to produtivo. Pense em John Lennon e Paul McCartney, Serena e Venus Williams e os Steves (Jobs e Wozniak). As diferenças tor-naram essas colaborações poderosas.

Aumente os tokens de sua equipe. Se sua equipe for formada por dez pessoas, sete das quais são guardiãs, que abordagem de li-derança você favoreceria? Adotar uma abor-dagem que funcione bem para os guardiões — procurando o melhor para o maior núme-ro de pessoas — poderia parecer a coisa mais prática a fazer. Mas nossa experiência mos-tra que, muitas vezes, é mais eficiente fo-car nos estilos com representação minoritá-ria nas equipes, uma vez que é a perspectiva dessa minoria que você precisa cortejar para colher os benefícios da diversidade.

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perguntamos se esse estilo podia estar cau-sando transtornos, eles afirmaram que sa-biam o que precisava ser feito e não tinham tempo de se preocupar com os sentimentos dos outros.

A equipe tinha também um pequeno grupo de conciliadores — o estilo que mais tem facilidade de construir relacionamen-tos. Mas essas pessoas estavam marginali-zadas, raramente falavam e relataram que se sentiam excluídas e desvalorizadas. Embora estivessem ansiosas em compartilhar confi-dencialmente suas ideias e opiniões conos-co, não estavam dispostas a se levantar dian-te da equipe dominante de condutores. Co-mo resultado, o grupo parecia estar sendo prejudicado pelas potencialidades daqueles que estavam mais bem equipados para aju-dá-lo a melhorar seus relacionamentos com os stakeholders.

Como aumentar as perspectivas de mi-norias em sua equipe para evitar cascatas e marginalização — sem esquecer os demais? Apresentamos algumas táticas que podem ser úteis.

Se você está tentando fazer com que os guardiões compartilhem suas perspectivas, dê-lhes tempo e forneça os detalhes de que precisam para se preparar para uma discus-são ou uma decisão. Depois, permita que con-tribuam do jeito mais confortável para eles (por exemplo, por escrito) e não exija que dis-putem espaços — porque é possível que não queiram. Fazer da leitura e da preparação pré-via uma opção, e não uma exigência, alivia-rá o fardo dos que não estão interessados em perder tempo com isso, como os pioneiros.

Para provocar as ideias dos pioneiros, dê-lhes espaço para ampliar a discussão. Forneça quadros brancos e encoraje as pes-soas a se levantar e usar os pincéis. Definir antecipadamente o tempo que essas dis-cussões poderão durar ajudará aqueles que preferem mais detalhes — principalmente os guardiões — a relaxar num exercício que flua livremente.

Como no caso dos conciliadores, esfor- ce-se para formar relacionamentos verda-deiros com eles — e depois peça que se ma-nifestem. Também busque, e incentive-os a buscar, as perspectivas de outros mem-bros da equipe e dos stakeholders. Explore com eles o fato de que a discussão ou a de-cisão afeta o bem de todos. Algumas ações preliminares como essas, longe dos olhos da equipe, podem evitar que os condutores se tornem apreensivos com o que para eles po-de ser perda de tempo com minúcias.

O experimento clássico do psicólogo polo-nês Solomon Asch sobre a conformidade demonstra que se houver uma única pes-soa contra a maioria, a probabilidade de ou-tras divergirem aumenta consideravelmen-te. Aproveite esse postulado para promover uma dissidência saudável.

Peça às pessoas que façam um brainstor-ming prévio sobre si mesmas e depois par-tilhem suas ideias num esquema “um con-tra todos” quando o grupo se reunir. Estudos mostram que essa abordagem é mais eficiente que brainstorming em grupo. Do mesmo mo-do que se deve dar espaço primeiro para os es-tilos em minoria, o brainstorming individual pode adicionar mais diversidade de ideias à mistura antes que determinada direção ganhe momentum. Isso privilegia aqueles que prefe-rem processar e gerar ideias numa atmosfera mais calma ou em ritmo mais lento.

Se uma equipe for fraca em determina-do estilo, peça aos outros membros que ten-tem “pensar como” aquele estilo. Faça isso no início da conversa, antes que o ponto de vista da maioria domine. Muitos de nós cos-tumam dizer “estou simplesmente fazendo o papel de advogado do diabo”. Nesse ca-so, seria possível dizer “estou simplesmente interpretando o papel do guardião aqui” ou “se eu tivesse de analisar a questão pelas len-tes de um condutor...”. Descobrimos que as equipes que conhecem os quatro estilos têm mais facilidade de se colocar no lugar de ou-tros quando solicitadas, e ao fazer isso elas podem enriquecer e complementar uma dis-cussão que, de outra forma, seria unilateral.

Preste muita atenção aos introvertidos sensíveis. Embora uma equipe em casca-ta possa não aproveitar as contribuições de qualquer estilo minoritário, os membros ex-tremamente introvertidos ou sensíveis cor-rem mais risco de ser silenciados. Percebe-mos que há maior evidência de introversão e sensibilidade entre guardiões, mas encontra-mos esses traços também num subconjunto de conciliadores que denominamos “conci-liadores quietos”. Como é comum em pes-soas que não pertencem ao estilo dominante de sua equipe, os introvertidos sensíveis ra-ramente são ouvidos, a menos que os líderes tentem deliberadamente envolvê-los.

Uma cascata do pioneiro ou do condu-tor pode parecer com as cataratas do Niága-ra para os guardiões, que tendem a ser reser-vados, a ponderar cuidadosamente as de-cisões e evitar confrontos. Principalmente se estiverem em minoria, podem não que-rer falar quando outros estão ansiosos para

ESTRESSAdOSem nosso estudo com mais de 23 mil profissionais, guardiões e conciliadores majoritariamente relataram ser os mais estressados de todos. para aproveitar essas potencialidades de sua equipe, tente diminuir a tensão e ajude seus membros a se sentir psicologicamente seguros.

20%

Pioneiro

Condutor

Guardião

32%

ConCiliador

Com os condutores, mantenha um rit-mo dinâmico nas conversas e mostre claras conexões entre a discussão ou decisão em questão e o progresso na direção do objeti-vo geral. Cogite a introdução de um elemen-to de experimentação ou competição — por exemplo, aplicar a dinâmica de jogos num programa de treinamento — para mantê-los interessados e envolvidos. Alguns estilos co-mo os conciliadores podem ser menos moti-vados pela competição, por isso procure for-mas de criar ou reforçar relacionamentos — fornecendo, por exemplo, oportunidades de socialização para as equipes competidoras.

Além dessas táticas específicas para os tipos, há formas mais gerais de melhorar as perspectivas de minorias em sua equipe:

Encoraje todos os membros minoritários a falar logo no início para dar-lhes a oportu-nidade de influenciar na direção da conver-sa antes que o curso da cascata seja definido.

foco PIONEIROS, CONDUTORES, CONCIlIaDORES E GUaRDIÕES

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fazê-lo. Da mesma forma, os conciliadores quietos evitam o confronto e são focados no consenso — por isso, se a equipe tender pa-ra determinada direção, eles provavelmente não oferecerão uma perspectiva divergente. E como nem os guardiões nem os conciliado-res quietos são propensos a abraçar o risco, eles provavelmente não veem motivos para arriscar o pescoço desafiando o bom senso prevalente.

Acrescente a isso as formas com que os guardiões e conciliadores são afetados pela tensão. Num estudo com mais de 20 mil pro-fissionais externos e internos da Deloitte, foi observada uma grande probabilidade de es-ses estilos se sentirem com mais frequência sob tensão (ver quadro “Estressados”) que os pioneiros e condutores. Seus níveis de ten-são eram mais altos nas respostas a todos os tipos de situação que propusemos — intera-ções frente a frente, conflitos, sentido de ur-gência, pesadas cargas de trabalho e erros. Numa segunda amostra, desta vez com mais de 17 mil profissionais, os guardiões e os con-ciliadores mostraram também menor proba-bilidade de relatar que trabalhavam efetiva-mente sob tensão. Essas descobertas corro-boram os resultados do estudo de Susan Cain sobre introversão e do estudo da psicóloga Elaine Arons sobre pessoas extremamente sensíveis. Ambos sugerem que os atuais am-bientes de trabalho altamente colaborativos em ritmo alucinante e em grandes espaços é especialmente desafiador para esses grupos.

Agora pense em tudo isso à luz do fato de que os líderes do alto escalão são geralmente pioneiros ou condutores. As pessoas mais in-trovertidas, mais estressadas e menos adap-táveis geralmente são conduzidas pelos mais extrovertidos, menos estressados e mais adaptáveis. É fácil perceber como isso pode representar dificuldades para todos.

Então cabe a pergunta: por que paparicar os introvertidos sensíveis? As pessoas não deveriam ser capazes de se adaptar e con-trolar sua tensão? Falar mesmo quando é di-fícil? Talvez você simplesmente não queira aqueles que não conseguem.

Acreditamos que você os quer. Uma pes-quisa de autoria de Cain e Aron mostra que as pessoas mais introvertidas ou sensíveis são dotadas de determinados pontos po-sitivos altamente benéficos para as equi-pes e organizações. Elas tendem, por exem-plo, a ser conscienciosas e precisas — boas em identificar erros e potenciais riscos. Elas conseguem manter-se intensamente foca-das por longos períodos. São boas ouvintes

tiverem a oportunidade de refletir antes. Se tiverem a chance de se preparar e depois ti-verem espaço para se manifestar numa reu-nião, eles provavelmente se sentirão felizes em expor suas ideias. Uma líder com quem trabalhamos era particularmente compe-tente nisso. Antes de reuniões que incluíam membros introvertidos da equipe, ela costu-mava informar qual seria o foco da discus-são, e geralmente fornecia sugestões especí-ficas para facilitar a participação deles: “Vo-cês poderiam dizer alguma coisa sobre o tó-pico X ou comentar a seção Y quando che-garmos a eles na reunião?”.

Guardiões e conciliadores gastam muito tempo e energia avaliando seus próprios er-ros, por isso é importante criar um ambien-te onde esforços bem-intencionados são bem-vindos mesmo quando fracassam. Como se verificou, equipes que se sentem psicologicamente seguras mostram me-lhor desempenho que as que não se sentem apoiadas, e isso pode beneficiar membros de equipes de todos os estilos.

PRATICAMOS O qUE PREGAMOSPercebemos o poder dessa abordagem de trabalho com executivos e equipes e tivemos essa experiência pessoal em nossa própria parceria com estilos opostos. Uma de nós, Kim, é uma pioneira com uma boa dose de condutora. Ela valoriza expansão de ideias e avanços rápidos e lidera uma grande equi-pe dominada por outros pioneiros extrover-tidos e independentes. Suzanne é guardiã e conciliadora quieta — uma dose dupla de sensibilidade introvertida —, o que a torna um pouco diferente de muitos de seus cole-gas de equipe. Ela processa as coisas profun-damente, insiste no rigor, e não gosta de ser apressada. Trabalhar com Kim e com toda a equipe é para Suzanne como tentar enfiar a linha na agulha no meio de um furacão. E pa-ra Kim, trabalhar com Suzanne é como cor-rer em águas profundas.

Logo no início, as coisas nem sempre foram muito tranquilas para nós, mas com o tempo percebemos que trabalhando jun-tas somos muito mais fortes. Suzanne sabe que Kim sempre tem o panorama em mente e Kim sabe que Suzanne se preocupa com cada detalhe. E como líder da equipe, Kim criou um enclave protetor que permite que Suzanne se proteja e faça o que sabe fazer melhor. Nossa parceria é mais produtiva e nossa equipe também.

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encOrAje Os minOritáriOs A fAlAr lOgO nO iníciO, Antes que A “cAscAtA” se fOrme.

e mais propensas a promover grandes ideias dos outros que de se manter sob os holofo-tes. São decididas e excelentes em ativida-des envolvendo detalhes que outras pessoas não conseguem ou simplesmente não que-rem fazer. Por isso, embora a busca por in-trovertidos sensíveis possa ser extenuante, o esforço pode compensar.

Como ajudar guardiões e conciliadores quietos a controlar os altos níveis de tensão para extrair o máximo deles? Para isso pode ser necessário identificar formas de desace-lerar o passo, reduzir a sobrecarga de infor-mação, fornecer ambientes de trabalho mais calmos ou mais privativos, ou deixá-los à vontade para focar sem muita distração.

Em seguida, tomamos de empréstimo uma sugestão da popular TED Talk de Susan Cain sobre o poder dos introvertidos: “Pa-rem com essa tolice para os grupos de traba-lho! Simplesmente parem!” Envolva os guar-diões e os conciliadores quietos permitindo que passem algum tempo sozinhos em tare-fas que exijam mais reflexão. Em vez de des-prezá-los na equipe, pense que algumas ati-vidades, na verdade, são mais bem realiza-das na solidão.

Os introvertidos sensíveis podem não as-sumir o controle ou competir, nem mesmo falar muito, mas não pense que isso é falta de interesse. Eles certamente estarão obser-vando e processando. Se quiser saber quais são suas perspectivas, pergunte-lhes direta-mente, mas aja com sutileza — um telefone-ma fora de hora para guardiões e conciliado-res quietos pode sair pela culatra se eles não

mArçO 2017 harVard business reView 7 

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Manual da cultura corporativa para o líderComo administrar os oito elementos CrítiCos da vida organizaCional

Boris GroysBerG, Jeremiah Lee, Jesse Price e J. yo-Jud chenG

BORIS GROYSBERG é professor da harvard Business school e coautor, com michael slind, de Talk, Inc. (harvard Business review Press, 2012). JEREMIAH LEE é líder dos serviços de inovação para consultoria da spencer stuart. JESSE PRICE é líder em

serviços de cultura organizacional da spencer stuart. eles são cofundadores de dois negócios relacionados a cultura organizacional. J. YO-JUD CHENG é candidato a doutorado na unidade de estratégia da harvard Business school.

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A estratégia fornece a clareza e o foco pa-ra a ação coletiva e as tomadas de decisão. Ela se baseia em planos e conjuntos de es-colhas para mobilizar as pessoas e, muitas vezes, pode ser fortalecida tanto por recom-pensas por atingir metas, como pelas conse-quências de não atingi-las. Idealmente, ela também incorpora elementos adaptativos que podem monitorar e analisar o ambien-te externo e sentir quando as mudanças são necessárias para manter a continuidade e o crescimento. A liderança segue de mãos da-das com a formação da estratégia, e a maio-ria dos líderes entende os fundamentos. A cultura, no entanto, é uma alavanca mais esquiva, porque boa parte dela está ancora-da em comportamentos, modos de pensar e padrões sociais tácitos.

Para o bem ou para o mal, a cultura e a liderança estão indissoluvelmente associa-das. Fundadores e líderes influentes, mui-tas vezes, implantam novas culturas e incu-tem valores e pressupostos que persistem por décadas. Ao longo do tempo, os líde-res da organização também podem moldar a cultura por meio de ações conscientes e inconscientes (às vezes, com consequên-cias imprevisíveis). Os melhores líderes por nós observados que estão totalmente cien-tes das múltiplas culturas nas quais estão inseridos podem sentir quando uma mu-dança é necessária e habilmente influen-ciar o processo.

Estratégia e cultura estão entre as principais alavancas à disposição dos altos dirigentes em sua interminável busca para manter a viabilidade e a eficácia organizacionais. A estratégia oferece uma lógica formal para as metas da empresa e orienta as pessoas em torno delas. A cultura expressa metas por meio de valores e crenças e guia a atividade por meio de premissas e normas compartilhadas pelo grupo.

Infelizmente, são muito mais comuns que se imagina os líderes empenhados em criar organizações de alto desempe-nho, mas pouco interessados pela cultura. Na verdade, muitos ou deixam que ela si-ga fora de controle ou a relegam para o de-partamento de RH, onde se torna uma pre-ocupação secundária para a empresa. Eles podem traçar planos cuidadosos e deta-lhados de estratégia e execução, mas como não entendem o poder e a dinâmica da cul-tura, seus planos descarrilam. Como dis-se alguém, a cultura devora a estratégia no café da manhã.

Não é preciso ser assim. Nosso trabalho sugere que a cultura pode, na verdade, ser administrada. O primeiro e mais importan-te passo que os líderes podem dar para ma-ximizar valor e minimizar riscos é estar ab-solutamente cientes de como ela funciona. Integrando resultados de mais de cem dos modelos comportamentais e sociais mais comumente usados, identificamos oito es-tilos que distinguem determinada cultura e perfeitamente mensuráveis. (Reconhe-cemos com gratidão a rica história de estu-dos culturais — que remontam às mais anti-gas explorações da natureza humana — so-bre as quais nosso trabalho foi construído.) Com essa estrutura, os líderes podem mo-delar o impacto da cultura em seu negócio e avaliar seu alinhamento com a estraté-gia. Vamos aqui sugerir formas de como a

cultura pode ajudá-los a chegar à mudan-ça e construir organizações que prosperam mesmo em tempos difíceis.

DEfINIçãO DE CULtURAA cultura é a ordem social tácita de uma or-ganização: ela molda atitudes e comporta-mentos de amplo espectro e de forma dura-doura. As normas culturais definem o que é encorajado, desencorajado, aceito ou re-jeitado dentro do grupo. Quando adequa-damente alinhada com valores pessoais, tendências e necessidades, a cultura libera enorme energia para um propósito comum e estimula a capacidade da organização de prosperar.

A cultura também desenvolve flexibili-dade e autonomia em resposta a diferentes oportunidades e demandas. Enquanto a es-tratégia costuma ser determinada pelo al-to escalão, a cultura mescla de forma fluida as intenções dos altos executivos com o co-nhecimento e a experiência dos funcioná-rios da linha de frente.

A literatura acadêmica sobre o assunto é vasta. Nossa revisão revelou muitas defi-nições formais de cultura organizacional e uma grande variedade de modelos e méto-dos para avaliá-la. Geralmente os acordos sobre especificidades são raros entre essas definições, modelos e métodos, mas graças a uma síntese de um trabalho inspirador de

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organizacional como a líderes individuais. Nas últimas duas décadas, pesquisadores da Spencer Stuart (incluindo dois autores deste artigo) estudaram, de forma interde-pendente, e aprimoraram essa lista de estilo em ambos os níveis.

Acolhimento se refere a relacionamentos e confiança mútua. Os ambientes de traba-lho são locais calorosos, onde as pessoas ajudam e apoiam umas às outras. Os fun-cionários são unidos por lealdade, os líde-res enfatizam a sinceridade, o trabalho em equipe e os relacionamentos positivos.

Propósito se caracteriza por idealismo e altruísmo. Os ambientes de trabalho são locais tolerantes, solidários, onde as pesso-as tentam fazer o bem pelo futuro de longo prazo da humanidade. Os funcionários são unidos pelo foco na sustentabilidade e nas comunidades globais, e os líderes enfati-zam ideais comuns e contribuem para uma causa maior.

Aprendizado diz respeito a exploração, expansividade e criatividade. Os ambien-tes de trabalho são locais inovadores e li-berais onde as pessoas lançam ideias no-vas e exploram alternativas. Os funcioná-rios são unidos pela curiosidade e os líde-res enfatizam o conhecimento, a inovação e a aventura.

Prazer é expresso por meio de diver-timento e empolgação. Os ambientes de trabalho são locais despreocupados on-de as pessoas tendem a fazer o que as tor-na felizes. Os funcionários são unidos pela descontração e por estímulos, e os líderes enfatizam a espontaneidade e o senso de humor.

Resultados são caracterizados por realiza- ções e conquistas. Os ambientes de trabalho são locais orientados para resultados e ba- seados no mérito, onde as pessoas aspiram ao desempenho de excelência. Os funcioná-rios são unidos pela motivação da compe-tência e do sucesso, e os líderes enfatizam o cumprimento de metas.

Autoridade é definida pela força, deter-minação e ousadia. Os ambientes de traba-lho são locais competitivos onde as pessoas se esforçam para obter vantagem pessoal. Os funcionários são unidos por forte con-trole e os líderes enfatizam a confiança e a dominação.

Segurança se refere a planejamento, precaução e prevenção. Os ambientes de trabalho são locais previsíveis onde as pessoas têm consciência do risco e se pau-tam pela reflexão. Os funcionários são

Como disse alguém, a cultura devora a estratégia no café da manhã.

OItO DIfERENtES EStILOS DE CULtURANossa revisão da literatura para descobrir aspectos comuns e conceitos centrais reve-lou duas dimensões principais que se apli-cam a toda empresa, independentemente de sua área, porte, setor ou geografia: inte-rações interpessoais e resposta à mudança. Para entender a cultura da empresa é preci-so determinar onde ela se situa entre essas duas dimensões.

Interações interpessoais. A orienta-ção da organização para a coordenação e interações interpessoais está contida num espectro que varia de altamente indepen-dente a altamente interdependente. As cul-turas que se inclinam para a primeira valo-rizam a autonomia, ação individual e com-petição. As que se inclinam para a última enfatizam a integração, administrando re-lacionamentos e coordenando esforços em grupo, e nestas culturas as pessoas tendem a colaborar mais e veem o sucesso pelas len-tes do grupo.

Resposta à mudança. Enquan-to algumas culturas enfatizam a es-t a b i l i d a d e — p r i o r i z a n d o c o n s i s -tênc ia, previsibil idade e manuten-ção do statu quo — outras enfatizam a flexibilidade, adaptabilidade e receptivida-de para mudar. As que favorecem a estabi-lidade tendem a seguir regras que utilizam estruturas de controle — como staff basea-do em senioridade —, valorizam a hierar-quia e buscam a eficiência. As que favo-recem a flexibilidade tendem a priorizar a inovação, abertura, diversidade e orienta-ção de longo prazo. (Kim Cameron, Robert Quinn e Robert Ernest estão entre os pes-quisadores que utilizaram dimensões simi-lares em seus cenários culturais.)

Aplicando esse insight fundamental so-bre as dimensões das interações interpes-soais e a resposta à mudança, identificamos oito estilos que se aplicam tanto à cultura

autoria de Edgar Schein, Shalom Schwartz, Geert Hofstede e outros acadêmicos proe-minentes, identificamos quatro atributos amplamente aceitos:

Compartilhada. A cultura é um fenô-meno de grupo. Ela não pode existir isola-damente com uma única pessoa, nem é sim-plesmente a média de características indi-viduais. Ela se encontra nos comportamen-tos, valores e pressupostos compartilhados e é mais comumente vivenciada por meio de normas e expectativas do grupo — isto é, regras não escritas.

Difundida. A cultura penetra em vários níveis e se aplica de forma muito ampla na organização. Às vezes ela é até confundida com a própria organização. Ela se manifesta em comportamentos coletivos, ambientes físicos, rituais grupais, símbolos visíveis, histórias e lendas. Outros aspectos da cul-tura não são visíveis, como modos de pen-sar, motivações, pressupostos implícitos e o que David Rooke e William Torbert cha-mam de “lógica da ação” (modelos mentais de como interpretar e responder ao mundo ao redor).

Duradoura. A cultura pode dirigir os pensamentos e ações dos membros do gru-po no longo prazo. Ela se desenvolve por meio de eventos críticos na vida coletiva e no aprendizado desse grupo. Sua persistên-cia é explicada, em parte, pelo modelo atra-ção-seleçãoatrito introduzido pela primei-ra vez por Benjamin Schneider: as pessoas são atraídas por organizações com caracte-rísticas similares às suas. As organizações, por sua vez, têm probabilidade maior de selecionar as pessoas que aparentemente se “encaixam”, e ao longo do tempo as que não se encaixam tendem a deixá-las. Por is-so, a cultura torna-se um padrão social de autorreforço altamente resistente às mu-danças e influências externas.

Implícita. Um aspecto importante da cultura, muitas vezes desprezado, é que, apesar de sua natureza subliminar, as pes-soas são efetivamente conectadas para identificar e responder a ela instintivamen-te. Ela é uma espécie de linguagem silencio-sa. As pesquisas de Shalom Schwartz e E. O. Wilson mostraram como os processos evo-lucionários moldam a capacidade humana. Como a capacidade de sentir e responder à cultura é universal, seria esperado que cer-tos temas fossem recorrentes nos vários modelos, definições e estudos da área. Foi exatamente isso que descobrimos em nos-sa pesquisa nas últimas décadas.

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foCo Guia da cultura corporativa para líderes

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unidos pelo desejo de se sentir protegidos e antecipam a mudança, e os líderes enfati-zam o comportamento realista e o planeja-mento cuidadoso.

Ordem se concentra em respeito, es-trutura e normas comuns. Os ambientes de trabalho são locais metódicos onde as pessoas obedecem às regras do jogo e pro-curam se encaixar. Os funcionários são unidos pela cooperação e os líderes enfati-zam procedimentos compartilhados e cos-tumes seculares.

Esses oito estilos se enquadram em nos-sa estrutura de cultura integrada (ver qua-dro “Cultura integrada: a estrutura”) de acordo com o grau com que refletem a in-dependência ou a interdependência (inte-rações interpessoais) e flexibilidade ou es-tabilidade (resposta à mudança). No esque-ma, estilos adjacentes como segurança e or-dem frequentemente coexistem dentro das organizações e do pessoal. Por outro lado, é menor a probabilidade de estilos opostos como segurança e aprendizado estarem jun-tos, pois essa coexistência requer enorme quantidade de energia organizacional. Ca-da estilo tem vantagens e desvantagens, e nenhum estilo é inerentemente melhor que outro. A cultura organizacional pode ser de-finida por quantidades absolutas e relativas de cada um dos oito estilos e pelo grau de concordância dos funcionários sobre os es-tilos que caracterizam a organização. Um aspecto poderoso dessa estrutura, que a di-ferencia de outros modelos, é que ela pode ser usada para definir estilo e valores indivi-duais dos líderes e dos funcionários.

Inerentes à estrutura estão concessões fundamentais. Embora cada estilo possa ser benéfico, limitações naturais e deman-das competitivas impõem escolhas difíceis dos valores que devem ser enfatizados e do comportamento que se espera das pes- soas. É comum encontrar organizações cuja cultura enfatiza tanto resultados como aco-lhimento, mas essa combinação pode pare-cer confusa para os funcionários. Espera-se que eles aperfeiçoem as metas individuais e busquem resultados a qualquer preço, ou que trabalhem como equipe e enfatizem a colaboração e o sucesso compartilhado? A natureza do próprio trabalho, a estratégia empresarial ou o projeto organizacional po-dem constituir obstáculos para os funcioná-rios focarem igualmente em resultados e em acolhimento.

Por outro lado, a cultura que enfatiza acolhimento e ordem encoraja o ambiente

CULtURA INtEGRADA: A EStRUtURAapós décadas de experiência analisando organizações, executivos e funcionários, desenvolvemos um modelo abrangente e rigoroso para identificar os principais atributos dos estilos tanto da cultura do grupo como da liderança individual. Quando analisamos as culturas segundo duas dimensões, surgiram oito características: como as pessoas interagem (independência para interdependência) e suas respostas à mudança (flexibilidade e estabilidade). a relativa proeminência desses oito estilos difere entre as organizações; no entanto, praticamente todas são fortemente caracterizadas por resultados e acolhimento.

as relações espaciais são importantes. estilos próximos, como segurança e ordem, ou aprendizado e prazer, coexistirão mais facilmente que estilos que se encontram mais distantes no esquema, como autoridade e propósito, ou segurança e aprendizado. chegar à cultura de autoridade geralmente significa obter as vantagens (e conviver com as desvantagens) da cultura, mas perder as vantagens (e evitar as desvantagens) da cultura de propósito.

fonte Spencer Stuart

flexibilidade

estabilidade

interdependênciaindependência

Prazer

aPrendizado ProPósito

acolhimento

ordem

segurançaautoridade

resultados

com

o a

s pe

sso

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nde

m à

mud

ança

como as pessoas interaGem

fevereiro 2018 harvard Business review 5 

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identificam um “observador interno” fo-cado em aprendizado que desfrute da confiança dos colegas para ajudar a pro-mover a mudança por meio de redes de relacionamentos.

Os oito estilos podem ser usados para diagnosticar e descrever padrões compor-tamentais extremamente complexos de determinada cultura e modelar a proba- bilidade de um líder se alinhar à cultura pa-ra moldá-la. Usando essa estrutura e uma abordagem em múltiplos níveis, os gesto-res podem:• Entender a cultura de sua organização

e avaliar seus efeitos intencionais e não intencionais.

• Avaliar o nível de consistência da visão dos funcionários sobre a cultura.

• Identificar subculturas que expliquem desempenho mais alto ou mais baixo do grupo.

• Localizar diferenças entre culturas herdadas durante fusões e aquisições.

• Orientar rapidamente os novos executivos na cultura em que estão ingressando e ajudá-los a determinar a forma mais eficiente de liderar os funcionários.

• Medir o grau de alinhamento entre os estilos pessoais de liderança e a cultura organizacional para determinar o impacto que o líder pode ter.

• Criar uma cultura aspiracional e comunicar as mudanças necessárias para atingi-la.

O link ENtRE CULtURA E RESULtADOSNossa pesquisa e experiência mostraram que quando se avaliam os efeitos da cultura sobre os resultados, sobressai o contexto da organização, isto é, sua região geográfica, indústria, estratégia, liderança e estrutu-ra empresarial, bem como os pontos fortes de sua cultura (ver quadro “Contexto, con-dições e cultura”, pág. 36). O que funcionou no passado pode não funcionar no futuro e o que funcionou numa empresa pode não funcionar em outra.

Chegamos aos seguintes insights:Quando alinhada à estratégia e lide-

rança, a cultura forte produz resultados organizacionais positivos. Pense no caso da melhor varejista dos Estados Unidos. Sua prioridade era fornecer ao cliente atendi-mento fora de série. Isso foi feito com uma

flexibilidade

estabilidade

interdependênciaindependência

tesla aPrendizado“estou interessado em coisas que

mudam o mundo ou afetam o futuro e em novas e maravilhosas tecnologias diante das quais você reage com um

‘Uau, como isso foi possível?’.”— elton musk, cofundador e Ceo

zaPPos Prazer“divirta-se. o jogo é mais agradável quando você tenta fazer mais que ganhar dinheiro.”— tony Hsieh, Ceo

gsK resultados“Para nos modernizar, tentei manter nosso foco numa estratégia muito clara.”— sir andrew Witty, ex-Ceo

huawei autoridade“temos o espírito de ‘lobo’ em nossa

empresa. na luta com leões, os lobos têm habilidades assustadoras.

Com um forte desejo de vencer e sem medo de perder, eles se

lançam firmemente sobre o objetivo, deixando os leões exaustos, sem

capacidade de reagir.”— ren zhengfei, Ceo

lloyd’s of london segurança“as empresas deveriam dedicar tempo para entender as possíveis ameaças a que estão expostas, consultando especialistas se necessário.”— inga Beale, Ceo

sec ordem“Formular regras é uma

atribuição importante da Comissão de valores mobiliários

[seC, em inglês]. e quando estamos estabelecendo as

regras para os mercados mobiliários, há muitas

regras que, nós da seC, precisamos seguir.”

— Jay Clayton, presidente

disney acolhimento“É extremamente importante

estar aberto e acessível e tratar as pessoas de igual para igual,

olhando-as nos olhos e falando-lhes com sinceridade.”

— Bob iger, Ceo

whole foods ProPósito“a maioria das grandes empresas do mundo tem grandes propósitos. ter um propósito mais profundo, mais transcendente, é altamente energizante para todos os stakeholders interdependentes.”— John mackey, fundador e Ceo

CULtURA INtEGRADA: DECLARAçõES DO LíDERmuitas vezes, os altos executivos e fundadores expressam sentimentos culturais publicamente, de forma intencional ou não. Tais declarações fornecem pistas importantes sobre como eles pensam e conduzem a organização e a cultura organizacional.

de trabalho que prioriza o trabalho em equipe, a confiança e o respeito. Os dois estilos se reforçam mutuamente, o que po-de ser benéfico, mas pode também impor dificuldades. Os benefícios são forte leal-dade, retenção de talento, ausência de con-flitos e altos níveis de comprometimento. Os desafios são tendência ao pensamento de grupo, dependência de consenso deci-sório, distanciamento de questões comple-xas e senso calcificado de “nós versus eles”.

Os líderes focados em resultados e apren-dizado podem achar sufocante a combi- nação de acolhimento e ordem quando pre-cisam empreender mudanças. Líderes ha-bilidosos utilizam os pontos fortes das de-mais culturas e têm compreensão multi-facetada sobre como iniciar a mudança. Eles tiram proveito da natureza participa-tiva da cultura focada em acolhimento e da cultura focada em ordem para envolver os membros da equipe e, simultaneamente,

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foCo Guia da cultura corporativa para líderes

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regra simples — “fazer por nossos clientes o que é correto” — que encorajou os fun-cionários a usar o discernimento ao pres- tar atendimento. Uma prática central de treinamento do RH ajudava todos os ven- dedores a perceber as interações com o cliente como uma oportunidade de criar “histórias de atendimento que se tornas- sem lendárias”. Os funcionários eram incen-tivados a definir o atendimento segundo a perspectiva do cliente, envolvendo-o cons-tantemente com perguntas preparadas para perceber suas necessidades e preferências específicas e ir além de suas expectativas.

Ao medirmos a cultura dessa empresa, descobrimos que, como tantos grandes va-rejistas, ela se caracterizava basicamente pela combinação de resultados e acolhimen-to. No entanto, ao contrário de várias outras lojas de departamentos, sua cultura era fle-xível, orientada para o aprendizado e foca-da em propósito. Como explicou um de seus principais executivos, “temos liberdade, desde que tratemos muito bem o cliente”.

Além disso, seus valores e normas eram muito claros para todos e continuamente compartilhado por toda a organização. En-quanto a varejista se expandia em novos segmentos e geografias ao longo dos anos, a liderança se esforçava para manter um foco rígido no cliente, sem diluir sua esti-mada cultura. E embora tenha focado his-toricamente em desenvolver líderes inter-nos — transmissores naturais da cultura —, recrutar pessoas externas passou a ser uma necessidade à medida que a empresa cres-cia. Durante a mudança, ela preservou sua cultura avaliando criteriosamente os no- vos líderes e criando um processo de chega-da na empresa que reforçava valores e nor-mas centrais.

Para essa empresa a cultura é um di-ferencial poderoso por estar fortemente alinhada com a estratégia e a liderança. Ofe- recer um excelente atendimento ao clien-te requer cultura e mentalidade que en- fatizem realizações, serviço impecável e solução de problemas com autonomia e criatividade. Não é de surpreender que essas qualidades lhe tenham rendido uma série de resultados positivos, incluindo crescimento robusto e expansão interna-cional, vários prêmios de atendimento ao cliente e frequentes citações em listas das melhores empresas onde trabalhar.

Selecionar ou desenvolver líderes para o futuro requer cultura e estraté- gia com visão prospectiva. O diretor exe-

PRóS E CONtRAS DOS EStILOS DE CULtURATodos os estilos de cultura têm pontos fortes e fracos. a tabela abaixo resume as vantagens e desvantagens de cada estilo e a frequência com que eles aparecem como característica determinante da cultura das empresas que estudamos.

obs: a Soma daS porcentagenS é maior que 100% porque oS eStiloS conSideradoS dominanteS, no geral, pontuaram como 1 ou 2.

ESTILO DE CULTURA VANTAGENS DESVANTAGENS Ranked

1º OU 2º

ACOLHIMENTOcaloroso, sincero,

relacional

melhora o trabalho em equipe; engajamento; comunicação; confiança e senso de pertencimento.

Ênfase exagerada na criação de consenso pode reduzir a exploração de opções, sufocar a competitividade e retardar a tomada de decisão.

63%

PROPÓSITOorientado para

o propósito, idealista, tolerante

melhora a valorização da diversidade; sustentabilidade e responsabilidade social.

Ênfase exagerada em propósitos e em ideais de longo prazo pode atrapalhar interesses práticos e imediatos. 9%

APRENDIZADOaberto, inventivo,

explorador

melhora a inovação; agilidade e aprendizado organizacional.

Ênfase exagerada na exploração pode levar à falta de foco e à incapacidade de explorar vantagens existentes. 7%

PRAZERBrincalhão, instintivo, divertido

melhora o moral dos funcionários; engajamento e criatividade.

Ênfase exagerada na autonomia e no engajamento pode levar à falta de disciplina e criar possível compliance ou problemas governamentais.

2%

RESULTADOSorientado para o sucesso, focado

na meta

melhora a execução; foco externo; construção de capacidade e atingimento de metas.

Ênfase exagerada no atingimento de resultados pode levar ao colapso na comunicação e colaboração e a altos níveis de estresse e ansiedade.

89%

AUTORIDADEousado, decidido,

dominante

melhora a velocidade da tomada de decisão; rapidez de reação a ameaças ou crises.

Ênfase exagerada na autoridade e ousadia nas tomadas de decisão podem levar a politicagens, con-flitos e insegurança psicológica no ambiente profissional.

4%

SEGURANÇArealista,

cuidadoso, preparado

melhora a gestão do risco; estabilidade e continuidade do negócio.

Ênfase exagerada em padronização e formalização pode levar à inflexibilidade burocrática e à desumanização do ambiente de trabalho.

8%

ORDEMobediente às

regras, respeitoso, colaborativo

melhora a eficiência operacional, reduz conflito; maior consciência cívica.

Ênfase exagerada em regras e tradições pode reduzir o individualismo, sufocar a criatividade e limitar a agilidade organizacional.

15%

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cutivo de um agronegócio estava planejan-do se aposentar, incentivando rumores so-bre uma aquisição agressiva. O CEO estava preparando ativamente um sucessor, um interno que estava na empresa havia mais de 20 anos. Nossa análise revelou uma cul-tura organizacional que enfatizava forte-mente acolhimento e propósito.

O potencial sucessor entendia a cultura, mas era muito mais avesso ao risco (seguran-ça) e respeitador das tradições (ordem) que o resto da empresa. Dados os rumores da aquisição, os líderes e altos executivos re-comendaram ao CEO que a empresa adotas-se posição mais agressiva e orientada para ações no futuro.

Apareceram três candidatos externos: um que estava alinhado com a cultura atu-al (propósito), um inovador que gostava de assumir riscos (aprendizado) e o último que era linha- dura, dinâmico e competiti-vo (autoridade). Depois de muita delibera-ção, o conselho escolheu o líder altamente competitivo com o estilo autoridade. Logo depois um investidor ativista tentou uma aquisição agressiva e o novo CEO conseguiu navegar pela situação arriscada, manteve a empresa independente e ao mesmo tempo começou a reestruturá-la, preparando-a pa-ra o crescimento.

Em caso de fusão, a criação de uma nova cultura baseada em pontos posi- tivos complementares pode acelerar a integrações e criar mais valor ao lon-go do tempo. Fusões e aquisições podem criar ou destruir valor. Inúmeros estudos mostram que a dinâmica cultural repre-senta um dos maiores — embora mais co-mumente negligenciado — determinantes do sucesso da integração e do desempenho pós-fusão.

Líderes seniores de duas empresas do varejo de alimentos em fusão investiram cada um na cultura de ambas com o obje-tivo de preservar os pontos fortes únicos e as heranças distintas. Uma avaliação das culturas revelou valores comuns e áreas de compatibilidade que poderiam forne-cer uma base para uma cultura combina-da, juntamente com importantes diferen-ças que os líderes teriam de planejar: as du-as empresas enfatizavam resultados, acolhi-mento e ordem e valorizavam alimentos de alta qualidade, bons serviços, tratavam os funcionários com equidade e mantinham uma mentalidade local. Mas uma das em-presas se pautava por forte comando, de ci-ma para baixo, por isso sua pontuação em

ambiciosas durante uma década, notamos uma clara tendência de priorizar aprendiza-do para promover a inovação e agilidade à medida que os negócios respondiam a am-bientes cada vez mais imprevisíveis e mais complexos. E embora aprendizado ocupe a quarta posição de nossa base de dados mais ampla, pequenas empresas (com 200 fun-cionários ou menos) e empresas de novos setores industriais (como software, tecnolo-gia e equipamentos sem fio) atribuem a ele pontuação mais alta.

Vejamos o exemplo de uma empresa de tecnologia do Vale do Silício com quem trabalhamos. Embora ela tivesse construído um empreendimento forte e investido em tecnologia inédita e nos maiores talentos da engenharia, o crescimento da receita es-tava começando a diminuir à medida que competidores mais novos e engenhosos avançavam numa área dominada pela ino-vação e disrupção de modelos de negócios. Os líderes da empresa viam a cultura como um diferencial para os negócios e decidiram diagnosticar, reforçar e promovê-la. Encon-tramos uma cultura fortemente focada em resultados, baseada em equipes (acolhimen-to) e exploradora (combinação de prazer com aprendizado).

Depois de examinarem a estratégia de todo o negócio e receber input dos funcio-nários, os líderes se concentraram numa cultura ainda mais focada em aprendiza-do e adotaram nossa estrutura como uma nova linguagem nas atividades diárias da organização. Eles começaram a promover conversas entre gestores e funcionários sobre como enfatizar a inovação e a ex-ploração. Embora mudar uma cultura le-ve tempo, notamos que a empresa obti- vera progressos notáveis somente um ano depois. E mesmo enquanto estava se prepa-rando para uma venda iminente diante de competição e consolidação cada vez maio-res, os escores de engajamento dos funcio-nários aumentavam.

Cultura forte pode ser uma desvan-tagem significativa quando desalinha-da com a estratégia. Nós estudamos uma organização europeia de serviços indus-triais cujo setor começou a sofrer mudan-ças rápidas e sem precedentes nas expec-tativas do consumidor, exigências de re-gulamentação e dinâmica competitiva. Em resposta, a estratégia da empresa, que his-toricamente enfatizava a liderança pe-lo custo, precisava mudar para uma maior diferenciação de serviços. Mas sua for-

autoridade foi muito mais alta, principal-mente no comportamento dos líderes.

Como as duas empresas valorizavam o trabalho em equipe e investimentos na comunidade local, os líderes priorizaram acolhimento e propósito. Ao mesmo tempo, suas estratégias exigiam que elas mudas-sem de autoridade de cima para baixo pa-ra um estilo aprendizado que encorajaria a inovação no formato das novas lojas e no varejo online.

Uma vez de acordo sobre a cultura, um rigoroso processo de avaliação identificou líderes das duas organizações cujo estilo e valores pessoais permitiriam que eles ser-vissem como pontes e a defendessem. De-pois, foi lançado um programa para promo-ver o alinhamento cultural de 30 equipes de liderança, cuja ênfase era estabelecer prio-ridades, formar conexões autênticas e de-senvolver normas para as equipes que pu-dessem dar vida à nova cultura.

Finalmente, elementos estruturais da nova organização foram redesenhados com foco na cultura. Foi desenvolvido um mo-delo de liderança que englobava recruta-mento, avaliação de talentos, treinamen-to e desenvolvimento, gestão de desempe-nho, sistemas de recompensa e promoções. Essas considerações do projeto geralmente são negligenciadas durante a mudança or-ganizacional, mas se os sistemas e estru-turas não se alinham com as exigências da cultura e da liderança, o progresso pode ir por água abaixo.

Num ambiente dinâmico incerto, no qual as organizações precisam ser mais ágeis, o aprendizado é mais valoriza-do. Não é de admirar que resultados sejam o estilo de cultura mais comum em todas as companhias que estudamos. No entan-to, ao ajudarmos líderes a projetar culturas

A dinâmica cultural representa um dos maiores — embora negligenciado — fatores no desempenho pós-fusão.

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das diferenças sobre a forma de trabalhar dos líderes seniores. À medida que os fun-cionários percebem que seus líderes estão conversando sobre os resultados do novo negócio — inovação em vez de lucros tri-mestrais, por exemplo —, eles começam a se comportar de forma diferente, criando um loop de feedback positivo.

Vários tipos de conversa organizacio-nais — como road shows, tour para ouvir os funcionários, grupos de discussão estru-turados — podem dar sustentação à mu-dança. As plataformas de mídias sociais encorajam conversas entre os gestores se-niores e os funcionários da linha de frente. Influentes apoiadores da mudança podem defender a mudança de cultura por meio de palavras e ações. A empresa de tecnolo-gia empreendeu uma significativa mudança em sua cultura e no engajamento dos fun-cionários criando um esquema estrutura-do para o diálogo e cultivando uma ampla discussão.

Reforçar a mudança desejada por meio do projeto organizacional. Quando as estruturas, sistemas e processos da em-presa estão alinhados e apoiam a cultura e a estratégia aspiracional, é muito mais fácil incentivar novos estilos de cultura e com-portamento. A gestão de desempenho, por exemplo, pode ser usada para encorajar os funcionários a incorporar atributos aspi- racionais culturais. Práticas de treinamen- to podem reforçar a cultura-alvo à medida que a organização cresce e incorpora novas pessoas. O grau de centralização e o núme-ro de níveis hierárquicos da estrutura or-ganizacional podem ser ajustados para re-forçar comportamentos inerentes à cultu-ra aspiracional. Acadêmicos de projeção como Henry Mintzberg mostraram como a estrutura organizacional e outros aspectos do projeto podem ter um profundo impacto ao longo do tempo e como as pessoas pen-sam e se comportam dentro da organização.

JUNtE tUDOAs quatro alavancas foram reunidas numa fábrica tradicional que estava tentando se tornar um fornecedor de soluções comple-tas. A mudança começou com a reformu-lação da estratégia e foi reforçada por uma grande campanha da marca. Mas o presi-dente percebeu que a cultura da empresa representava a maior barreira à mudança e a alta gestão era a maior alavanca para a evolução da cultura.

Se os principais estilos da cultura da em-presa são, por exemplo, resultados e auto-ridade, mas ela se encontra numa indústria que muda rapidamente, deslocar o foco pa-ra aprendizado e prazer (e ao mesmo tem-po manter o foco em resultados) pode ser interessante.

Culturas aspiracionais sugerem os prin-cípios de alto nível que guiam as iniciativas organizacionais, como na empresa de tec-nologia que procurava encorajar a agilidade e a flexibilidade em meio a crescente com-petição. A mudança deve ser estrutura-da em termos de desafios e oportunidades empresariais reais e atuais, bem como em aspirações e tendências. Devido à nature-za um pouco ambígua e obscura da cultura, referir-se a problemas tangíveis como pres-sões do mercado ou desafios do crescimen-to ajuda as pessoas a identificar e entender a necessidade de mudança.

Selecionar e desenvolver líderes que se alinhem com a cultura-alvo preten-dida. Os líderes são importantes catalisa-dores para a mudança ao encorajá-la em to-dos os níveis e ao criar um clima seguro e o que Edgar Schein chama de “campos de prática”. Os candidatos ao recrutamento devem ser avaliados quanto ao seu alinha-mento com o alvo. Um único modelo que possa avaliar tanto os estilos da cultura or-ganizacional como de liderança individual é crítico para essa atividade.

Líderes atuantes que não apoiam a mu-dança desejada podem ser engajados e energizados por meio de treinamento e educação sobre a importante relação entre cultura e direção estratégica. Geralmente eles costumam apoiar a mudança depois de entender sua relevância, os benefícios previstos e o impacto que eles pessoalmen-te possam ter ao mudar o rumo da organi-zação para a aspiração. No entanto, a mu-dança cultural pode provocar — e realmen-te provoca — rotatividade: algumas pesso-as saem porque sentem que já não são um “bom encaixe” na organização, e outras, se puserem em risco a evolução necessária, poderão ser convidadas a sair.

Utilizar conversas organizacionais sobre cultura para ressaltar a impor-tância da mudança. Para mudar as nor-mas e crenças comuns e os acordos implíci-tos na organização, os colegas devem con-versar uns com os outros ao navegar pela mudança. Nossa estrutura de cultura inte-grada pode ser usada para discutir os esti-los de cultura atuais e os desejados, além

te cultura representava uma barreira para o sucesso.

Diagnosticamos a cultura como alta-mente orientada para resultados, acolhi-mento e em busca de ordem, com ênfase em autoridade de cima para baixo. Os líderes decidiram moldar a empresa para se tornar mais orientada para propósito, facilitadora, aberta e baseada em equipes, o que levaria ao aumento em acolhimento, juntamente com aprendizado e propósito e à diminui-ção em autoridade e resultados.

Essa mudança era particularmente de- safiadora porque a cultura atual servira muito bem à organização durante anos, en-quanto o setor enfatizava eficiência e resul-tados. A maioria dos gestores ainda a con-siderava um ponto forte e lutava para pre-servá-la, o que ameaçava o sucesso da nova direção estratégica.

Mudança cultural é assustador em qual-quer organização, mas não impossível, co-mo essa empresa percebeu. O CEO intro-duziu um novo desenvolvimento de lide-rança e programas de coaching de equipes e oportunidades de treinamento para aju-dar os líderes a se sentir mais confortáveis com a evolução cultural. Quando as pesso-as saíram, a empresa selecionou, cuidado-samente, novos líderes que apoiariam valo-res como acolhimento e aumentou a ênfase no propósito compartilhado. Os benefícios dessa mudança estratégica e cultural sur-giram como uma estrutura cada vez mais diversificada de oferta de serviços integra-dos e forte crescimento, principalmente em mercados emergentes.

QUAtRO ALAvANCAS PARA DESENvOLvER A CULtURAAo contrário de desenvolver e executar um plano de negócios, mudar culturas corpo-rativas é extremamente difícil do ponto de vista da dinâmica emocional e social das pessoas envolvidas. Descobrimos que qua-tro práticas, em particular, levam a mudan-ças de cultura bem-sucedidas.

Articular a aspiração. De forma mui-to semelhante a definir uma nova estraté-gia, criar uma nova cultura pode começar com uma análise da cultura atual, utilizan-do uma estrutura que pode ser discutida abertamente por toda a organização. Os lí-deres precisam entender que resultados a cultura produz e como ela se alinha ou não com o mercado atual, com as previsões do mercado e com as condições do negócio.

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A cultura era caracterizada pela orienta-ção por resultados seguida por acolhimen-to e propósito, e este era raro na indústria. Um funcionário descreveu a empresa como “um grupo de pessoas talentosas e compro-metidas focadas em fazer o bem para o pla-neta, movidas por vontade, apoio e encora-jamento genuínos para fazer a diferença na comunidade”. Enquanto a cultura mais am-pla era extremamente colaborativa, com to-madas de decisão descentralizadas, os líde-res eram vistos como hierárquicos, de cima para baixo e, às vezes, políticos que desen-corajavam a assunção de riscos.

Os líderes da cúpula revisaram os pontos fortes da cultura da empresa e suas próprias falhas de estilo e discutiram o que seria ne-cessário para atingir suas aspirações estra-tégicas. Eles concordaram que precisavam assumir mais riscos, ter mais autonomia e menos hierarquia e fazer com que as toma-das de decisão fossem centralizadas. O pre-sidente reestruturou a equipe de liderança em torno de fortes líderes das linhas de ne-gócios, de forma que tivessem mais tempo para se tornar melhores defensores da cul-tura e focar mais no cliente.

Depois, a equipe de líderes da cúpula convidou um grupo de cem executivos de nível intermediário para participar de uma série de conferências de liderança bianu-ais. A primeira estabeleceu uma plataforma para input, feedback e criação conjunta de um plano de mudança organizacional com claras prioridades culturais. O presidente organizou esses gestores em equipes foca-das em desafios de negócios críticos. Soli-citouse a cada equipe que buscasse ideias fora da empresa para desenvolver soluções e apresentar suas descobertas ao grupo co-mo feedback. Essa iniciativa colocou os exe-cutivos de nível intermediário em posições de articuladores da mudança que tradicio-nalmente seriam ocupadas por vice-presi-dentes, dandolhes autonomia para fomen-tar uma cultura baseada em aprendizado. A ideia era criar benefícios reais para o ne-gócio e ao mesmo tempo promover a evolu-ção da cultura.

O presidente também criou um progra-ma para identificar os funcionários que ti-vessem ideias e estilos de trabalho disrup-tivos positivos. Essas pessoas foram colo-cadas em equipes de projeto que tratavam de prioridades das inovações mais impor-tantes. As equipes começaram, imediata-mente, a melhorar os resultados dos negó-cios, tanto em métricas comerciais centrais

como em cultura e engajamento. Depois de apenas um ano os níveis de engajamen-to dos funcionários saltou dez pontos, e o Net Promoter Scores do cliente atingiu um recorde histórico — fornecendo referências sólidas aos clientes das novas e inovadoras soluções da empresa.

É PoSSÍVEL — na verdade, vital — melhorar o desempenho organizacional por meio da mudança de cultura com os modelos e mé-todos simples, mas poderosos, apresen-tados neste artigo. Inicialmente, os líde-res precisam estar cientes da cultura exis-tente em sua organização e só depois defi- nir uma cultura-alvo aspiracional. E final-mente dominar as práticas centrais de mu-dança da articulação da aspiração, o alinha-mento da liderança, conversas organizacio-nais e projeto organizacional. Liderar pela cultura pode estar entre as poucas fontes de vantagem competitiva sustentável de que as empresas dispõem atualmente. Os líderes bem-sucedidos não olharão mais a cultura com frustração, mas, ao contrário, poderão utilizá-la como ferramenta funda-mental de gestão.

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SOBRE A PESQUISA

realizamos um estudo abrangente sobre cultura organizacional e resultados para explorar a relação entre eles. analisamos a cultura de mais de 230 empresas e o estilo de liderança e valores de mais de 1.300 executivos de uma ampla faixa de indústrias, regiões e organizações (públicas, privadas e sem fins lucrativos). diagnosticamos essas culturas por meio das respostas obtidas em pesquisas online com aproximadamente 25 mil funcionários e mediante entrevistas com gestores de empresas.

nossa análise destacou a intensidade com que cada um dos oito estilos definiu as organizações estudadas. Resultados ficaram em primeiro lugar e acolhimento em segundo. esse padrão é consistente para os tipos de empresa, porte, regiões e setores industriais. Ordem e aprendizado ficaram respectivamente em terceiro e quarto lugar entre os estilos mais comuns em muitas culturas.

a cultura parece afetar mais diretamente o engajamento e a motivação dos funcionários, seguida pela orientação para o cliente. com o intuito de modelar sua relação com os resultados organizacionais, avaliamos os níveis de engajamento dos funcionários para todas as companhias usando questões de pesquisa amplamente aceitas e chegamos aos escores de orientação para o cliente com um questionário online. em muitos casos documentamos o estilo e os valores individuais dos líderes da alta direção.

descobrimos que o engajamento dos funcionários está mais fortemente relacionado com maior flexibilidade na forma de prazer, aprendizado, propósito e acolhimento. da mesma forma, observamos uma relação positiva entre estes quatro estilos, orientação para o cliente e resultados. surpreendentemente essas correlações foram consistentes em todas as empresas. descobrimos que o engajamento e a orientação para o cliente são mais fortes quando os funcionários concordam plenamente com as características da cultura.

nossa pesquisa foi influenciada pelo trabalho de inúmeros acadêmicos da área, muitos deles mencionados no artigo. além disso, nos apoiamos nos ombros de gigantes como david caldwell, Jennifer chatman, James heskett, John Kotter, charles o’reilly e muitos outros que inspiraram nossas ideias.

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antes de empreender a iniciativa de moldar a cultura de sua organização, é importante explorar o ponto em que a organização se encontra hoje. a planilha e as questões a seguir podem ajudá-lo a avaliar preliminarmente a cultura e começar a discuti-la.

Pense em como sua organização funciona atualmente, o que é valorizado, como as pessoas se comportam e o que as une. Forme dupla com um colega e de modo independente classifique como cada afirmação descreve sua organização.

some as duas pontuações de cada linha e depois classifique os oito estilos. Quanto mais alto o total, melhor a correspondência.

compare sua classificação com a de seus colegas e discuta as seguintes questões:

o que você mais aprecia na cultura atual?

Que comportamentos e modos de pensar você deve desenvolver?

Qual a eficácia dos líderes de sua organização como modeladores da cultura?

Quais são as características das pessoas mais bem-sucedidas na cultura da empresa?

Qual o motivo mais comum que impede as pessoas recém-contratadas de ser bem-sucedidas na cultura da empresa?

Qual é o perfil cultural de sua organização?

NUMA ESCALA DE 1-5, CLASSIfIqUE CADA UMA DESTAS AfIRMAÇõES CONfORME A fIDELIDADE COM qUE DESCREVE SUA ORGANIZAÇãO.1=Nada bem 2=Não muito bem 3=RelativameNte bem 4=muito bem 5=extRemameNte bem

A oRGANIZAÇÃo foCA EM:

ToTALA oRGANIZAÇÃo SE SENTE CoMo:

Colaboração e Confiança mútua

uma grande família

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

Compaixão e tolerânCia

uma Comunidade ou Causa idealista

exploração e Criatividade

um projeto dinâmiCo

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

diversão e empolgação

uma Comemoração

realização e Conquista

uma meritoCraCia

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

força e ousadia

uma arena de Competição

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

planejamento e preCaução

uma operação metiCu-losamente planejada

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

estrutura e estabilidade

uma máquina bem lubrifiCada

1 2 3 4 51 2 3 4 5

acoLhimenTo

ProPósiTo

aPrendizado

Prazer

resuLTados

auToridade

seGurança

ordem

obs: para uma verSão expandida da avaliação, aceSSe eSte artigo em HBr.org.

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embora a empresa fosse extremamente orientada para resultados e focada em ordem, disciplina e execução, o conselho era explorador e inquisitivo, orientado para aprendizado e focado em prazer. um diretor curioso, orientado para resultados, ajudaria a formar a ponte entre as duas culturas.

dois anos depois uma pessoa com o estilo desejado foi contratada, e o conselho e a equipe de gestão relataram maior eficiência nas atividades de planejamento estratégico e melhoria no desempenho da empresa.

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em primeiro lugar, você precisa identificar as metas de cultura. as melhores têm algumas características comuns: alinham-se com a direção estratégica da empresa, requerem empenho na execução e refletem as demandas do ambiente empresarial externo. a boa meta deve ser específica e atingível. Por exemplo, “nós valorizamos nossos clientes” pode

criar ambiguidade e levar a escolhas inconsistentes em relação à contratação, desenvolvimento de líderes e operacionalização da empresa. uma versão melhor seria “construímos relacionamentos autênticos e positivos com os clientes, atendemos nossos clientes com humildade e agimos como embaixadores da rica herança de nossa marca”.

Como moldar sua cultura?

ENTENDA A CULTURA ATUALexamine sua cultura — a fundação e a herança da companhia, valores, subcultura, estilo de liderança e dinâmica de equipes que ela abraça. (utilize a planilha da página anterior para iniciar uma conversa.)

identifique os pontos fortes de sua cultura e examine seu impacto na organização atual. entreviste os principais stakeholders e membros influentes da organização se necessário.

CoNSIDERE A ESTRATÉGIA E o AMbIENTEavalie as condições externas e as escolhas estratégicas atuais e futuras e determine os estilos culturais a serem fortalecidos ou abrandados.

formule uma meta de cultura de acordo com os estilos que serão adotados em mudanças futuras.

ENQUADRE A ASPIRAÇÃo NA REALIDADE Do NEGóCIotraduza a meta em prioridades de mudança organizacional. ela deve ser enquadrada não como uma iniciativa de mudança cultural, mas em termos de problemas do mundo real a serem resolvidos e de soluções que criam valor.

foque em alinhamento de liderança, conversas organizacionais e projeto organizacional como alavancas para nortear a evolução da cultura.

PARA ESTAbELECER UMA META DE CULTURA:

EXPERIÊNCIA DE UMA EMPRESAem sua busca por um novo diretor, uma grande empresa aproveitou a oportunidade para superar um gap problemático entre sua própria cultura e a cultura do conselho. Para isso, inicialmente, a liderança diagnosticou as duas culturas em relação a suas expectativas quanto ao futuro contratado.

flexibilidade

estabilidade

interdependênciaindependência

Prazer

aPrendizado ProPósito

acolhimento

ordem

segurançaautoridade

resultados

CULTURA DA EMPRESA

flexibilidade

estabilidade

interdependênciaindependência

Prazer

aPrendizado ProPósito

acolhimento

ordem

segurançaautoridade

resultados

CULTURA Do CoNSELho

flexibilidade

estabilidade

interdependênciaindependência

Prazer

aPrendizado ProPósito

acolhimento

ordem

segurançaautoridade

resultados

NoVo DIREToR

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A convergência é importanteQuando comparamos a visão dos funcionários sobre os atributos culturais mais proeminentes das organizações, surgiram dois tipos de organização: baixa convergência (os funcionários raramente estão de acordo sobre os atributos culturais mais importantes) e alta convergência (os pontos de vista dos funcionários estavam mais bem alinhados). nos dois gráficos, cada ponto representa um funcionário.

observe que, na organização de baixa convergência, sete dos oito atributos culturais foram citados como mais importantes, e cada quadrante está representado. isso significa que os funcionários viam a empresa de forma diferente e às vezes oposta. alguns a viam como empresa que enfatizava o acolhimento, por exemplo, enquanto outros a viam como empresa que enfatizava a autoridade.

Por que a alta convergência é importante? Porque ela está relacionada com o nível de engajamento dos funcionários e orientação para o cliente. no entanto, se a cultura que você tem não é a cultura que deseja, a alta convergência tornará a mudança mais difícil.

EMPRESA b: ALTA CoNVERGÊNCIA

flexibilidade

estabilidade

interdependênciaindependência

EMPRESA A: bAIXA CoNVERGÊNCIA

flexibilidade

estabilidade

interdependênciaindependência

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resultados segurança Prazer aPrendizado acolhimento ordem autoridade ProPósito

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o contexto é importante quando é preciso avaliar a efi cácia estratégica da cultura.

os líderes precisam considerar simultaneamente os es-tilos de cultura e as principais condições organizacionais e de mercado se quiserem que sua cultura ajude a promover o desempenho. a região e o setor estão entre os fatores externos mais relevantes a ter em mente. as mais impor-tantes considerações internas incluem o alinhamento com a estratégia, liderança e projeto organizacional.

Região. Os valores da cultura nacional e da cultura regional nas quais a empresa está inserida podem infl uenciar padrões de com-portamento interno da organização. (Essa relação foi explorada em profundidade por Geert Hofstede e os autores do estudo GLOBE.) Observamos, por exemplo, que em empresas que atuam em paí-ses que se caracterizam por alto grau de coletivismo institucional (valorização da igualdade entre grupos e da distribuição coletiva de recursos), como França e Brasil, a cultura enfatiza a ordem e a segurança. Empresas que operam em países com baixos níveis de prevenção de incerteza (ou seja, estão abertos à ambiguidade e incerteza quanto ao futuro), como Estados Unidos e Austrália, a ênfase é dada ao aprendizado, propósito e prazer. Essas infl uências externas são considerações importantes quando se trabalha além-fronteiras ou se projeta a cultura organizacional adequada.

Indústria. Pode ser necessário variar os atributos culturais para atender às regulações específi cas do setor e às necessidades dos clientes. Uma comparação de organizações transetoriais revela evidências de que as culturas precisam se adaptar para atender às demandas dos ambientes da indústria.

Culturas organizacionais em serviços financeiros mostram maior probabilidade de enfatizar a segurança. Dada a complexi-dade das regulamentações adotadas em resposta à crise fi nanceira, o trabalho criterioso e a gestão de risco são mais críticos que nunca neste setor. Por outro lado, as organizações sem fi ns lucrativos são muito mais orientadas para o propósito, o que reforça seu compro-metimento à missão de alinhar o comportamento dos funcionários com um objetivo comum.

todaS aS emPReSaS

diFeReNCiaÇãolideRaNÇade CuStoS

Estratégia. Para que todos os seus benefícios sejam percebi-dos, uma cultura precisa dar sustentação às metas estratégicas e aos planos do negócio. Encontramos diferenças entre, por exem-plo, empresas que adotam a estratégia de diferenciação e empresas que seguem a estratégia de liderança de custo. Embora resultados e acolhimento sejam características culturais importantes para os dois tipos de empresa, prazer, aprendizado e propósito são mais compatíveis com a diferenciação, e ordem e autoridade com liderança de custo. Culturas fl exíveis — que enfatizam prazer e aprendizado — podem estimular a inovação do produto em empresas que visam se diferenciar, enquanto culturas está-veis e previsíveis, que enfatizam ordem e autoridade, podem ajudar a sustentar a efi ciência operacional para manter os custos baixos.

Contexto, condições e cultura eStRatÉGia

ESTILoS DE CULTURA CLASSIfICADoS PoR ESTRATÉGIA E PoR INDÚSTRIA

ReSultadoS

aColHimeNto

oRdem

aPReNdiZado

PRoPÓSito

SeGuRaNÇa

PRaZeR

autoRidade

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Considerações estratégicas relacionadas ao ciclo de vida da em-presa fazem parte da cultura organizacional. Empresas cuja estraté-gia procura estabilizar ou manter sua posição no mercado priorizam o aprendizado, e as que operam com estratégia de mudança radical tendem a priorizar ordem e segurança em seus esforços para redire-cionar ou reorganizar unidades não lucrativas.

Liderança. É difícil superestimar a importância de alinhar cultura e liderança. O caráter e o comportamento do CEO e dos altos executivos podem ter um efeito profundo na cultura. Por outro lado, a cultura serve tanto para limitar como para melho-rar o desempenho dos líderes. Nossos próprios dados sobre ati-vidades de recrutamento de executivos mostram que a falta de en-caixe cultural é responsável por até 68% do fracasso das novas contratações no nível de liderança sênior. Para os líderes indi-

viduais, o encaixe cultural é tão importante como a competência e a experiência.

Projeto organizacional. A relação entre a cultura da empresa e sua estrutura particular é uma via de duas mãos. Em muitos ca-sos a estrutura e os sistemas acompanham a cultura. Companhias que priorizam o trabalho em equipe e a colaboração, por exemplo, devem projetar sistemas de incentivos que incluam equipes com-partilhadas por projetos e objetivos da empresa, além de recom-pensas que reconheçam o esforço coletivo. No entanto, a escolha de um projeto organizacional de longa duração pode levar à for-mação de uma cultura. Como a última é muito difícil de mudar, sugerimos que as mudanças estrutrais estejam alinhadas com a cultura desejada.

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iNdÚStRia

obs. BaSeado numa avaliação de maiS de 20 empreSaS (indÚStria) e uma SuBamoStra de 2 empreSaS (eStratégia).

aSSiStÊNCia mÉdiCa

PRodutoS iNduStRiaiS

ti/teleCom

SeRviÇoS FiNaNCeiRoS e PRoFiSSioNaiS

PRodutoS de CoNSumo Não eSSeNCiaiS

PRodutoS de CoNSumo eSSeNCiaiS

eNeRGia & SeRviÇoS PÚbliCoS

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DESENVOLVIMENTO Agile EM ESCALA

COMO PARTIR DE UM PEQUENO NÚMERO

DE EQUIPES E CHEGAR ÀS CENTENAS

Darrell K. rigby, Jeff SutherlanD

e anDy noble

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benefícios substanciais. Mas os líderes precisam ser realistas. Nem todas as funções devem ser organizadas em equipes ágeis — de fato, os métodos ágeis não são adequados para algumas atividades. Porém, quando você começa a lançar dezenas ou centenas de equipes ágeis, não dá para deixar de lado as outras partes da empresa. Se, constantemente, as suas unidades ágeis recém-convertidas forem frustradas por procedimen-tos burocráticos ou pela falta de colaboração entre as equipes de operação e de inovação, o atrito organiza-cional produzirá faíscas, o que redundará em colapsos e resultados ruins. Mudanças devem ser implementa-das para garantir que equipes ágeis sejam compatíveis com as funções que não operam dessa maneira.

SER ÁGIL PARA TORNAR-SE UM LÍDER ÁGIL Para quem não está familiarizado com a metodolo-gia ágil, segue um breve resumo. As equipes ágeis são mais adequadas para lidar com a inovação — ou seja, a aplicação prática da criatividade para aprimorar pro-dutos e serviços, processos ou modelos de negócios. Elas são pequenas e multidisciplinares. Confrontadas com um problema grande e complexo, elas o dividem em módulos, desenvolvem soluções para cada com-ponente por meio de prototipagem rápida e ciclos es-treitos de feedback e integram as soluções em um todo coerente. Elas valorizam mais a adaptação à mudança do que a adesão a um plano, e se responsabilizam por resultados (como crescimento, lucratividade e fideli-dade do cliente), não por produtividade (como linhas de código ou número de novos produtos).

Para equipes ágeis, o campo é fértil em qualquer si-tuação em que os problemas são complexos, as soluções não são claras, os requisitos do projeto provavelmen-te mudarão, uma estreita colaboração com os usuários

HOjE, A MAIORIA DOS LÍDERES EMPRESARIAIS jÁ ESTÁ fAMILIARIzADA COM EQUIPES DE INOvAçãO agile (ÁGIL, EM TRADUçãO LIvRE). ESSES PEQUENOS GRUPOS EMPREENDEDORES SãO PROjETADOS PARA fICAR PRóxIMOS AOS CLIENTES, ADAPTANDO-SE RAPIDAMENTE ÀS MUDANçAS. QUANDO IMPLEMENTADOS CORRETAMENTE, QUASE SEMPRE PROPORCIONAM AUMENTO DA PRODUTIvIDADE E DO MORAL DA EQUIPE, LANçAMENTO MAIS RÁPIDO, MELHOR QUALIDADE E MENORES RISCOS DO QUE AS AbORDAGENS TRADICIONAIS.

Como seria de se esperar, os líderes que tiveram ex-periência com equipes ágeis ou delas ouviram falar têm algumas dúvidas fundamentais. E se fossem im-plementadas dezenas, centenas, ou até milhares de equipes ágeis em toda a empresa? Será que segmen-tos inteiros conseguiriam operar assim? Implementar práticas ágeis em larga escala pode melhorar o desem-penho corporativo tanto quanto os métodos ágeis me-lhoram o desempenho individual da equipe?

No mercado tumultuado de hoje, em que empresas estabelecidas lutam freneticamente contra a concorrên-cia de startups e outros insurgentes, a perspectiva de uma empresa adaptável e em rápida transformação é muito atraente. Porém transformar isso em realidade não é fá-cil. E nem sempre as empresas sabem quais funções de-vem ser reorganizadas em equipes ágeis multidiscipli-nares e quais não devem. E, não raro, centenas de novas equipes ágeis são estranguladas pela lenta burocracia.

Estudamos o uso massivo da metodologia agile em centenas de organizações, incluindo empresas peque-nas que gerenciam todo o empreendimento com mé-todos ágeis; grandes empresas que, como a Spotify e a Netflix, nasceram ágeis e se tornaram mais fortes à medida que cresceram; e empresas que, como a Ama-zon e a USAA (empresa de serviços financeiros para a comunidade militar), estão fazendo a transição de hie-rarquias tradicionais para empresas mais ágeis. Junto com as muitas histórias de sucesso, há algumas decep-ções. Por exemplo, nos últimos cinco anos uma grande empresa industrial tentou inovar como uma startup enxuta, mas ainda não colheu os resultados financei-ros esperados por investidores ativistas e pelo conse-lho de administração, e, recentemente, vários execu-tivos seniores renunciaram.

Nossos estudos mostram que as empresas podem adotar práticas ágeis em larga escala e que isso cria

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DESENVOLVIMENTO AGILE EM ESCALA

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pelo CEO Volkmar Denner, decidiram adotar uma abordagem mais unificada para as equipes ágeis. O conselho atuou como uma comissão de coordenação e, para orientar a iniciativa, nomeou Felix Hieronymi, engenheiro de software que se tornou especialista ágil.

A princípio, Hieronymi esperava gerenciar a tarefa da mesma forma que a Bosch gerenciava a maioria dos projetos: com uma meta, uma data prevista de con-clusão e relatórios de status regulares para a direto-ria. Mas essa abordagem parecia inconsistente com os princípios ágeis, e as divisões da empresa eram muito céticas quanto a outro programa organizado central-mente. Então a equipe acelerou a marcha. “A comis-são de coordenação se transformou em uma comissão de trabalho”, disse Hieronymi. “As discussões ficaram muito mais interativas.” A equipe compilou e classi-ficou uma lista de prioridades corporativas, que era atualizada regularmente, e buscou remover, de for-ma constante, as barreiras da empresa para ganhar agilidade. Os membros se espalharam para envolver os líderes da divisão no diálogo. “De projeto anual a estratégia evoluiu para um processo contínuo”, diz Hieronymi. “Os membros do conselho dividiram-se em pequenas equipes ágeis e testaram várias abor-dagens — algumas com um ‘dono do produto’ e um ‘mestre ágil’ — para lidar com problemas difíceis ou trabalhar em tópicos fundamentais. Um grupo, por exemplo, elaborou os dez novos princípios de lideran-ça lançados em 2016. Eles pessoalmente experimenta-ram a satisfação de aumentar a velocidade e a eficácia. É impossível ter essa experiência lendo um livro. Hoje, a Bosch opera com uma combinação de equipes ágeis e unidades tradicionalmente estruturadas. Mas relata que quase todas as áreas adotaram valores ágeis, cola-boram mais efetivamente e se adaptam com maior ra-pidez a mercados cada vez mais dinâmicos.

COMO fAzER fUNCIONAR A METODOLOGIA agileComo outras empresas ágeis avançadas, a Bosch tem visão ambiciosa. De acordo com os princípios ágeis, no entanto, a equipe de liderança não planeja todos os de-talhes antecipadamente. Os líderes reconhecem que ainda não sabem quantas equipes ágeis serão necessá-rias, com que rapidez elas devem ser adicionadas e co-mo as restrições burocráticas podem ser resolvidas sem criar caos na organização. Por isso, geralmente, lançam uma primeira leva de equipes ágeis, coletam dados so-bre o valor que as equipes criaram e as restrições que enfrentam e decidem se, quando e como dar o próxi-mo passo. Isso permite que elas ponderem o valor de aumentar a agilidade (em termos de resultados finan-ceiros, resultados de clientes e desempenho dos fun-cionários) em relação aos custos (em termos de inves-timentos financeiros e desafios organizacionais). Se os benefícios superam os custos, os líderes continuam a aumentar a escala das práticas ágeis — implantando outra leva de equipes, desbloqueando restrições em

em resumo

A AmBIÇÃoSaltar de um punhado de equipes de inovação ágil em desenvolvimento de software, por exemplo, para dezenas, até centenas, em toda a empresa, fazendo da metodologia agile a forma padrão de operar.

os DesAFIosDescobrir onde começar, quão rápido avançar e até que ponto ir, decidindo quais funções podem e devem ser convertidas em equipes ágeis e quais não devem, e evitando que a burocracia atrapalhe as que fazem a conversão.

A soLuÇÃoOs líderes devem usar métodos ágeis e criar uma classificação de oportunidades para definir prioridades e dividir a trajetória em pequenas etapas. Os fluxos de trabalho devem ser modularizados e, em seguida, integrados com perfeição. Funções que não foram reorganizadas em equipes ágeis devem aprender a operar com valores ágeis. O processo de orçamento anual tem de ser complementado com uma abordagem de financiamento semelhante à do capital de risco.

finais é viável, e as equipes de criação superarão os gru-pos de comando e controle. Operações de rotina, como manutenção de fábrica, compra e contabilidade, são áre-as menos fecundas. Os métodos ágeis formam introdu-zidos primeiro nos departamentos de TI e agora são am-plamente usados no desenvolvimento de software. Com o passar do tempo, eles se disseminaram em funções co-mo desenvolvimento de produtos, marketing e até RH (ver Incorporando a agilidade, HBRBR, maio de 2016; e O RH torna-se ágil, HBRBR, abril de 2018.)

As equipes ágeis trabalham de maneira diferente das burocracias da cadeia de comando. Elas são, em grande parte, autogovernadas: os líderes seniores in-formam aos membros da equipe onde inovar, mas não como. E as equipes trabalham próximas aos clientes, externos e internos. A ideia é que isso coloque a res-ponsabilidade pela inovação nas mãos daqueles que estão mais próximos dos clientes, o que reduz as ca-madas de controle e aprovação, acelera o trabalho e aumenta a motivação das equipes. E ainda libera os lí-deres seniores para fazer o que só eles podem fazer: criar e comunicar visões de longo prazo, definir e se-quenciar prioridades estratégicas e construir as capa-cidades organizacionais para alcançar esses objetivos.

Quando os líderes não têm experiência e não en-tendem a abordagem ágil, talvez tentem implementar o desenvolvimento ágil em larga escala da mesma ma-neira como fizeram em outras iniciativas de mudan-ça: por meio de planos e diretrizes de cima para bai-xo. O histórico mostra que os resultados são melhores quando eles se comportam como uma equipe ágil. Isso significa visualizar várias partes da organização como seus clientes — pessoas e grupos cujas necessidades diferem, provavelmente são mal compreendidas, e evoluirão à medida que a prática ágil se instala. A equi-pe executiva define prioridades e cria uma sequência de oportunidades para melhorar as experiências des-ses clientes e promover seu sucesso. Líderes mergu-lham no assunto para resolver os problemas e remover as restrições, em vez de delegar esse trabalho aos su-bordinados. Como qualquer outro grupo ágil, a equipe de liderança ágil tem um “dono da iniciativa” respon-sável pelos resultados gerais e um facilitador que trei-na os integrantes e ajuda a mantê-los engajados.

A Bosch, líder global de tecnologia e serviços com mais de 400 mil associados e operações em mais de 60 países, adotou essa abordagem. Conforme os líde-res começaram a perceber que a gestão tradicional de cima para baixo já não era eficaz em um mundo globa-lizado e em rápida evolução, a empresa tornou-se uma das primeiras a adotar a metodologia agile. Mas dife-rentes áreas de negócios exigiam abordagens diferen-tes, e a primeira tentativa da Bosch de implementar o que chamou de “organização dupla” — na qual no-vas empresas eram geridas com equipes ágeis enquan-to funções tradicionais eram deixadas de lado — com-prometeu o objetivo de uma transformação holística. Em 2015, membros do conselho de gestão, liderados

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partes menos ágeis da organização e repetindo o ci-clo. Caso contrário, podem fazer uma pausa, monitorar o mercado e explorar formas de aumentar o valor das equipes ágeis já estabelecidas (por exemplo, estabele-cendo prioridades mais racionais de trabalho ou atua-lizando as capacidades de prototipagem) e diminuir os custos de mudança (divulgando sucessos da metodolo-gia ágil ou contratando entusiastas experientes).

Para iniciarem esse ciclo de testes e aprendizado, as equipes de liderança costumam empregar duas fer-ramentas essenciais: uma classificação de equipes em potencial e um plano de sequenciamento que reflete as principais prioridades da empresa. Primeiro, vamos ver como cada um pode ser empregado e depois ex-plorar o que é mais importante para lidar com iniciati-vas ágeis em larga escala e longo prazo.

Crie uma classificação de equipes. Assim como as equipes ágeis compilam uma lista de pendências a ser resolvidas no futuro, as empresas que conseguem implementar um desenvolvimento ágil em larga es-cala geralmente começam criando uma classificação completa de oportunidades. Seguindo a abordagem modular da metodologia ágil, elas podem dividir a classificação em três componentes — equipes de ex-periência do cliente, equipes de processos de negócios e equipes de sistemas de tecnologia — e integrá-las. O primeiro componente identifica todas as experiên-cias que podem afetar significativamente as decisões, comportamentos e satisfação dos clientes externos e internos. Elas geralmente podem ser divididas em uma dúzia de experiências importantes (por exem-plo, uma das principais experiências de um cliente de varejo é comprar e pagar por um produto), que, por sua vez, pode ser dividida em dezenas de experiências mais específicas (escolher um método de pagamento, usar um cupom, resgatar pontos de fidelidade, con-cluir o processo de pagamento e receber um recibo). O segundo componente examina as relações entre es-sas experiências e os principais processos de negócio (melhorias no caixa para reduzir o tempo de filas, por exemplo), com o objetivo de reduzir a sobreposição de responsabilidades e aumentar a colaboração en-tre equipes de processos e equipes de experiência do cliente. O terceiro se concentra no desenvolvimento de sistemas de tecnologia (como melhores aplicativos para pagamento móvel) para melhorar os processos que apoiarão as equipes de experiência do cliente.

A classificação de um negócio de US$ 10 bilhões po-de identificar de 350 a mil equipes em potencial — ou mais. Esses números parecem assustadores, e os execu-tivos seniores muitas vezes relutam em considerar tan-tas mudanças. (“Que tal se tentarmos duas ou três des-sas coisas para ver como elas funcionam?”) Mas o valor de uma taxionomia é que ela encoraja a exploração de uma visão transformacional, ao mesmo tempo que di-vide a jornada em pequenas etapas que podem ser pau-sadas, viradas ou interrompidas a qualquer momento. Também ajuda os líderes a identificar restrições. Por

exemplo, depois de identificar as equipes que você po-de lançar e os tipos de pessoa de que você precisa, é ne-cessário perguntar: temos essas pessoas? Se sim, onde estão? Uma classificação revela suas lacunas de talentos e os tipos de pessoa que você deve contratar ou reciclar para preenchê-las. Os líderes também podem perceber como cada equipe em potencial se encaixa no objetivo de oferecer uma melhor experiência aos clientes.

A USAA tem mais de 500 equipes ágeis em opera-ção e planeja adicionar mais 100 em 2018. A classifi-cação é totalmente visível para todos na empresa. “Se você não tem uma boa classificação, você acaba com redundância e duplicação”, disse o COO Carl Liebert. “Quero entrar em um auditório e perguntar ‘quem é dono da experiência de mudança de endereço deste cliente?’. Quero uma resposta clara e segura de uma equipe que seja a dona dessa experiência, seja para um cliente que liga para nós, faz login em nosso site de um laptop ou usa nosso aplicativo para dispositivos mó-veis. Não quero dedos apontados para ninguém. Nem respostas que comecem com ‘é complicado’.”

A classificação da USAA vincula as atividades das equipes ágeis às pessoas responsáveis pelas unidades de negócio e pelas linhas de produtos. O objetivo é ga-rantir que os gestores responsáveis por partes espe-cíficas do P&L (demonstrativo de perdas e lucros, em inglês) entendam como as equipes interfuncionais in-fluenciarão seus resultados. Líderes seniores da em-presa atuam como gestores gerais em cada linha de negócio e são responsáveis pelos seus resultados. Mas esses líderes dependem de equipes interorganizacio-nais focadas no cliente para executar grande parte do trabalho. A empresa também depende de recursos tec-nológicos e digitais disponibilizados aos donos da expe-riência. O objetivo, neste caso, é garantir que os líderes de negócio disponham de todos os recursos necessários para entregar os resultados com os quais se comprome-teram. A intenção de fazer uma classificação é deixar claro como envolver as pessoas certas no trabalho certo sem criar confusão. Esse tipo de vínculo é especialmen-te importante quando estruturas organizacionais hie-rárquicas não estão alinhadas com os comportamentos do cliente. Por exemplo, muitas empresas têm estrutu-ras e P&Ls independentes para operações online e offi-ne, mas os clientes querem experiências integradas sem interrupções, do tipo omnichannel. Uma classificação clara que implanta as equipes interorganizacionais cer-tas torna esse alinhamento possível.

Faça a transição em etapas. Com a classificação pronta, a equipe de liderança estabelece prioridades e uma sequência de iniciativas. Os líderes devem con-siderar vários critérios, como importância estratégica, limitações orçamentárias, disponibilidade de pessoal, retorno do investimento, custo de atraso, níveis de risco e interdependência entre equipes. Os mais importantes — e os mais negligenciados — são, de um lado, os pon-tos problemáticos percebidos pelos clientes e funcioná-rios e, de outro, as capacidades e restrições da empresa.

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DESENVOLVIMENTO AGILE EM ESCALA

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Eles determinam o equilíbrio certo entre a velocidade do lançamento e o número de equipes que a empresa pode manipular simultaneamente.

Empresas que precisam mudar radicalmente dian-te de ameaças estratégicas urgentes têm adotado, em algumas unidades, implementações do tipo Big-Bang ou tudo-ao-mesmo-tempo-agora. Por exemplo, em 2015, a ING Netherlands antecipou a crescente deman-da dos clientes por soluções digitais e o aumento das incursões de novos concorrentes digitais (as “fintechs”, empresas de tecnologia no setor de serviços financei-ros). A equipe de gestão decidiu mudar agressivamen-te. Dissolveu as estruturas organizacionais de suas funções mais inovadoras, incluindo desenvolvimen-to de TI, gestão de produtos, gestão de canal e marke-ting — ou seja, praticamente aboliu todos os empre-gos. Em seguida, criou pequenos “esquadrões” ágeis e determinou que quase 3.500 funcionários se candida-tassem às 2.500 vagas reprojetadas desses esquadrões. Cerca de 40% das pessoas precisaram aprender um no-vo trabalho, e todos tiveram de mudar profundamente sua mentalidade (ver Experimento de uma equipe: o caso de um banco, HBRBR, abril de 2018).

Mas as transições Big-Bang são difíceis. Elas exi-gem total comprometimento da liderança, cultura receptiva, praticantes ágeis talentosos, experientes e capazes de formar centenas de equipes sem compro-meter outras áreas, e manuais de instrução altamente prescritivos para alinhar a abordagem de todos. Exi-gem também alta tolerância de risco, juntamente com planos de contingência para lidar com falhas inespe-radas. O ING continua a aperfeiçoar os detalhes con-forme expande a prática ágil em toda a organização.

Para empresas sem esses recursos, é melhor ado-tar a metodologia ágil em etapas: cada unidade combi-na as oportunidades de implementação com suas ca-pacidades. No início de sua iniciativa ágil, o grupo de tecnologia avançada da 3M Health Information Syste-ms lançava oito a dez equipes mensalmente ou bimes-tralmente. Agora, dois anos depois, mais de 90 equi-pes estão em operação. O Laboratório de Sistemas de Pesquisa Empresarial da 3M começou mais tarde, mas lançou 20 equipes em três meses.

Seja qual for o ritmo ou o destino final, os resulta-dos devem começar a aparecer com rapidez. Resulta- dos financeiros podem demorar um pouco — Jeff Be-zos acredita que a maioria das iniciativas leva cin-co a sete anos para pagar dividendos para a Amazon —, mas mudanças positivas no comportamento dos clientes na resolução de problemas das equipes forne-cem sinais precoces de que as iniciativas estão no ca-minho certo. “A adoção da metodologia ágil já possibi-litou a entrega acelerada de produtos e o lançamento de um aplicativo beta seis meses antes do planejado”, diz Tammy Sparrow, gerente sênior de programa da 3M Health Information Systems.

Os líderes de divisão podem determinar o sequen-ciamento da mesma forma que qualquer equipe ágil.

Comece com as iniciativas que, potencialmente, ofe-recem mais valor e aprendizado. A SAP, empresa de software empresarial que lançou o processo há uma década, foi uma das primeiras a implantar o desen-volvimento ágil em larga escala. Primeiro, seus líde-res expandiram as práticas ágeis em suas unidades de desenvolvimento de software — um segmento alta-mente focado no cliente onde eles podiam testar e re-finar a abordagem. Eles formaram um pequeno grupo de consultoria para treinar, fazer coaching e incorporar a nova maneira de trabalhar, e criaram um rastreador de resultados para que todos pudessem acompanhar a evolução das equipes. “Mostrar exemplos concre-tos de ganhos de produtividade impressionantes da prática ágil gerava cada vez mais incentivo da empre-sa”, diz Sebastian Wagner, que na época era um gestor de consultoria nesse grupo. Nos dois anos seguintes, a empresa implantou a metodologia ágil em mais de 80% de suas organizações de desenvolvimento, crian-do mais de duas mil equipes. O pessoal de vendas e o de marketing perceberam que era necessário se adap-tar para manter o ritmo, então essas áreas foram as próximas. Uma vez que a linha de frente da empresa evoluía velozmente, era o momento de a retaguarda dar o salto. Então a SAP implantou a metodologia ágil no grupo que trabalhava com sistemas internos de TI.

Muitas empresas cometem o erro de buscar vitó-rias fáceis. Elas colocam equipes em incubadoras ex-ternas. Intervêm para criar soluções fáceis para obs-táculos sistêmicos. Essa superproteção aumenta as chances de sucesso de uma equipe, mas não produz o ambiente de aprendizado ou as mudanças orga-nizacionais necessárias para aumentar a escala de dezenas ou centenas de equipes. As primeiras equipes ágeis da empresa carregam o fardo do destino. Testá--las, assim como testar qualquer protótipo, deve re-fletir condições diversas e realistas. Como a SAP, as empresas de maior sucesso concentram-se em expe-riências vitais do cliente que causam as maiores frus-trações entre os silos funcionais.

Ainda assim, nenhuma equipe ágil deve ser imple-mentada a menos que esteja pronta para começar. Es-tar pronta não significa que ela deve ter sido planeja-da em detalhes e ter sucesso garantido. Significa que a equipe deve:

TRANSIçÕES REPENTINAS SãO DIfÍCEIS. É MELHOR ADOTAR AS PRÁTICAS ÁGEIS EM ETAPAS: CADA UNIDADE COMbINA AS OPORTUNIDADES DE IMPLEMENTAçãO COM SUAS CAPACIDADES.

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• estar focada em uma grande oportunidade de negó- cio de alto risco;• ser responsável por resultados específicos;• ser confiável para trabalhar de forma autônoma — guiada por claros direitos de propriedade, com re-cursos adequados, e com um pequeno grupo de es-pecialistas multidisciplinares entusiasmados pela oportunidade;• ter compromisso com a aplicação de valores, prin- cípios e práticas ágeis;• ser capacitada para colaborar estreitamente com os clientes;• ser capaz de criar protótipos rápidos e ciclos de feedback rápido;• ser apoiada por executivos seniores que lidarão com os impedimentos e impulsionarão a adoção do tra- balho da equipe.

Seguir essa lista ajudará você a planejar uma se-quência para obter o maior impacto possível para os clientes e para a empresa.

Domine iniciativas ágeis de larga escala. Muitos executivos não conseguem conceber que pequenas equipes ágeis possam enfrentar projetos de larga es-cala e de longo prazo. Mas, em princípio, não há limi-te para o número de equipes ágeis que você pode criar ou para o tamanho da iniciativa. Você pode estabele-cer “equipes de equipes” que trabalham em iniciativas relacionadas — uma abordagem que pode aumentar em muito a escala. O negócio aeronáutico da Saab, por exemplo, tem mais de 100 equipes ágeis operando no software, hardware e fuselagem para construir o caça Gripen — um item de US$ 43 milhões que, certamen-te, é um dos produtos mais complexos do mundo. A coordenação é diária e feita por meio de reuniões de equipe de equipes (todos de pé). Às 7h30, cada equipe ágil da linha de frente promove uma reunião de 15 mi-nutos para identificar impedimentos, alguns dos quais não podem ser resolvidos por essa equipe. Às 7h45, os impedimentos que exigem coordenação são escalados para uma equipe de equipes, na qual os líderes traba-lham para resolver ou escalar ainda mais os proble-mas. Essa abordagem continua, e às 8h45 a equipe de ação executiva tem uma lista das questões críticas a resolver para que que se continue avançando. A Aero-náutica também coordena suas equipes em ritmo co-mum de três semanas intensas, um plano mestre de

projeto que é tratado como um documento vivo, e o trabalho conjunto entre partes tradicionalmente dís-pares da organização — por exemplo, colocar pilotos de teste e simuladores com equipes de desenvolvi-mento. Os resultados são notáveis: a IHS Jane’s, edi-tora especializada em assuntos militares, considerou o Gripen o avião militar mais econômico do mundo.

COMO IMPLANTAR A METODOLOGIA agile EM TODA A EMPRESA Expandir o número de equipes ágeis é um passo impor-tante para aumentar a agilidade dos negócios. Mas é igualmente importante a forma como essas equipes in-teragem com o resto da empresa. Até mesmo as empre-sas ágeis mais avançadas — Amazon, Spotify, Google, NetBI, Bosch, Saab, SAP, Salesforce, Riot Games, Tesla e SpaceX, para citar apenas algumas — operam combinan-do equipes ágeis e estruturas tradicionais. Para garantir que as funções burocráticas não atrapalhem o trabalho das equipes ágeis ou deixem de adotar e comercializar as inovações desenvolvidas por essas equipes, essas empresas pressionam, constantemente, por mudanças maiores, pelo menos, nas quatro áreas abaixo.

Valores e princípios. Uma empresa hierárquica tradicional geralmente pode acomodar um pequeno número de equipes ágeis espalhadas pela organização. Os conflitos entre as equipes e os procedimentos con-vencionais são resolvidos ou contornados por meio de intervenções pessoais. Quando uma empresa lança várias centenas de equipes ágeis, esse tipo de acomo-dação improvisada não é mais possível. Equipes ágeis avançarão em todas as frentes. As estruturas tradicio-nais da organização defenderão ferozmente o statu quo. Como em qualquer mudança, os céticos produ-zirão todo tipo de anticorpo para atacar a metodolo-gia ágil, desde se recusar a trabalhar em um cronogra-ma ágil (“desculpe, por seis meses não conseguiremos chegar ao módulo de software de que você precisa”) até bloquear os fundos para grandes oportunidades que exigem soluções desconhecidas.

Assim, uma equipe de liderança que pretende au-mentar a escala das necessidades ágeis, deve incutir valores e princípios ágeis em toda a empresa, até mes-mo as áreas que não se organizam em equipes ágeis. É por isso que os líderes da Bosch desenvolveram novos princípios de liderança e se espalharam por toda a em-presa: eles queriam garantir que todos compreendes-sem que as coisas seriam diferentes e que a agilidade estaria no centro da cultura da empresa.

Arquiteturas operacionais. A implementação do desenvolvimento ágil em larga escala requer a modula-rização e, em seguida, a integração perfeita do fluxo de trabalho. Por exemplo, a Amazon pode implementar o software milhares de vezes por dia porque sua arquite-tura de TI foi projetada para ajudar os desenvolvedores a fazer lançamentos rápidos e frequentes sem compro-meter os sistemas complexos da empresa. Mas muitas

AS EQUIPES DE LIDERANçA PRECISAM INCUTIR vALORES ÁGEIS POR TODA A EMPRESA, INCLUINDO AS ÁREAS QUE NãO SE ORGANIzAM EM EQUIPES ÁGEIS.

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DESENVOLVIMENTO AGILE EM ESCALA

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outras empresas de grande porte, independentemente da rapidez com que conseguem escrever o código dos programas, podem implantar software apenas algumas poucas vezes por dia ou por semana — é assim que a sua arquitetura funciona.

Com base na abordagem modular para desenvol-vimento de produtos desenvolvida de modo pioneiro pela Toyota, a Tesla projeta meticulosamente interfa-ces entre os componentes de seus carros para permitir que cada módulo inove de forma independente. Assim, a equipe de para-choques pode mudar qualquer coisa desde que mantenha interfaces estáveis com as partes afetadas. A Tesla também está abandonando os tradi-cionais ciclos de lançamento anuais em favor de res-postas em tempo real ao feedback dos clientes. O CEO Elon Musk diz que a empresa faz cerca de 20 mudanças de engenharia por semana para melhorar a produção e o desempenho do Modelo S. Exemplos incluem novas baterias, segurança atualizada e hardware de piloto au-tomático e software que ajusta automaticamente volan-te e assento para facilitar a entrada e a saída.

Nas empresas ágeis mais avançadas, arquiteturas inovadoras de produtos e processos estão atacando al-gumas das restrições organizacionais mais espinho-sas com o objetivo de aumentar ainda mais a escala. A Riot Games, desenvolvedora do League of Legends, um bem-sucedido jogo eletrônico do gênero multiplayer online battle arena (arena de batalha multijogador onli-ne), está redefinindo as interfaces entre equipes ágeis e funções de suporte e controle que operam convencio-nalmente, como instalações, finanças e RH. Brandon Hsiung, líder de produto para essa iniciativa em desen-volvimento, diz que ela envolve pelo menos dois pas-sos principais. Um é mudar a definição das funções de seus clientes. “Seus clientes não são seus chefes funcio-nais, nem o CEO nem o conselho de gestão”, explica ele. “Seus clientes são as equipes de desenvolvimento que eles atendem, as quais, em última instância, atendem nossos jogadores.” A empresa instituiu pesquisas Net Promoter de satisfação do cliente para verificar se eles recomendariam as funções a outras pessoas e deixaram claro que, às vezes, os clientes insatisfeitos poderiam contratar fornecedores externos. “É a última coisa que queremos, mas é preferível garantir que nossas funções desenvolvam capacidades de classe mundial que pos-sam competir em um mercado livre”, diz Hsiung.

A Riot Games também reformulou o modo como suas funções corporativas interagem com suas equi-pes ágeis. Alguns membros de funções corporativas podem ser incorporados em equipes ágeis, ou uma parte da capacidade de uma função ser dedicada a so-licitações de equipes ágeis. Alternativamente, depois de colaborarem com as equipes para estabelecer cer-tos limites, as funções podem ter pouco envolvimen-to formal com elas. Hsiung diz: “Silos como imóveis e aprendizado e desenvolvimento podem publicar fi-losofias, diretrizes e regras e depois dizer: ‘Essas são nossas diretrizes. Desde que você opere dentro delas,

qualquer loucura é permitida — faça o que acredita ser o melhor para nossos jogadores’”.

Nas empresas que implementaram o desenvolvi-mento ágil em larga escala, os organogramas das fun-ções de suporte e das operações de rotina geralmente parecem muito com os anteriores, embora, frequen-temente, tenham menos níveis de gestão e interva-los de controle mais amplos à medida que os supervi-sores aprendem a confiar e a capacitar as pessoas. As maiores mudanças estão na maneira como os departa-mentos funcionais operam. As prioridades funcionais ficam, necessariamente, mais alinhadas com as estra-tégias empresariais. Se uma das prioridades-chave da empresa é melhorar a experiência mobile dos clientes, isso não pode ser o número 15 na lista de prioridades das finanças ou na lista de contratações do RH. E de-partamentos como o jurídico podem precisar de capa-cidade extra para lidar com solicitações urgentes de equipes ágeis de alta prioridade.

Com o tempo, mesmo as operações de rotina com estruturas hierárquicas provavelmente desenvolverão mentalidades mais ágeis. É claro que o departamen-to financeiro sempre administrará o orçamento, mas não precisa continuar questionando as decisões dos donos de iniciativas ágeis. “Nosso CFO sempre trans-fere a responsabilidade para as equipes ágeis capacita-das”, informa Ahmed Sidky, chefe de gestão de desen-volvimento da Riot Games. “Ele diz ‘Eu não estou aqui para administrar as finanças da empresa. Você, como líder de equipe, é que deve fazer isso. Estou aqui em uma função consultiva’. Na organização do dia a dia, os parceiros da área financeira são incorporados em todas as equipes. Eles não controlam o que as equipes fazem ou deixam de fazer. Eles atuam com um coach financeiro que faz perguntas difíceis e fornece conhe-cimento aprofundado. Mas, em última análise, é o lí-der da equipe que toma as decisões, de acordo com o que é melhor para os jogadores da Riot.”

Algumas empresas, e algumas pessoas, podem não aceitar essa relação de vantagens e desvantagens e contestar a implementação. Reduzir o controle é sem-pre assustador — até que você faça isso e descubra que as pessoas ficam mais felizes e as taxas de sucesso tri-plicam. Em uma recente pesquisa da Bain com cerca de 1.300 executivos globais, o enunciado sobre gestão que recebeu mais apoio foi: “Os líderes empresariais de hoje devem confiar e capacitar as pessoas, não co-mandá-las e controlá-las”. (Apenas 5% discordaram.)

Aquisição de talentos e motivação. Empresas que estão adotando o desenvolvimento ágil em larga esca-la precisam adquirir estrelas e motivá-las para tornar as equipes melhores. (Trate suas estrelas de forma in-justa, e elas correrão para uma startup atraente.) Elas também precisarão liberar o potencial represado de membros mais convencionais da equipe e criar com-promisso, confiança e responsabilidade conjunta pelos resultados. Não há uma forma prática de fazer isso sem mudar os procedimentos do RH. As empresas já não

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podem contratar apenas especialistas. Agora, preci-sam de equipes colaborativas que aliem conhecimento e entusiasmo. Não é possível avaliar se as pessoas atin-gem objetivos individuais. Agora, é preciso analisar seu desempenho em equipes ágeis e nas avaliações que os membros da equipe fazem uns do outros. As avaliações de desempenho anuais normalmente mudam para um sistema que fornece feedback e coaching relevantes em poucas semanas ou meses. Programas de treinamento e coaching encorajam o desenvolvimento de habilida-des multifuncionais customizadas para as necessida-des de cada funcionário. Títulos de trabalho impor-tam menos e mudam com menor frequência quando as equipes são autogeridas e há menos níveis hierárqui-cos. Trajetórias de carreira mostram como os donos de produtos — os indivíduos que definem a visão e são os titulares dos resultados de uma equipe ágil — podem continuar seu desenvolvimento pessoal, expandir sua influência e aumentar sua remuneração.

É possível que as empresas também precisem reno-var seus sistemas de remuneração para recompensar as realizações do grupo, e não as individuais. Elas neces-sitam de programas de reconhecimento que celebrem as contribuições de imediato. Para reforçar os valores ágeis, reconhecimento público é melhor que bônus confidencial em dinheiro —inspira a pessoa a melho-rar ainda mais e motiva os outros a emular os compor-tamentos elogiados. Os líderes também podem recom-pensar os participantes nota “A”, envolvendo-os nas oportunidades mais vitais, fornecendo-lhes as ferra-mentas mais avançadas e maior liberdade possível e co-nectando-os com os mentores mais talentosos da área.

Ciclos anuais de planejamento e orçamento. Em empresas burocráticas, as sessões anuais de es-tratégia e as negociações de orçamento são ferramen-tas poderosas para alinhar a empresa e firmar o com-promisso de aumentar as metas. Praticantes ágeis começam com diferentes suposições. Eles percebem que as necessidades do cliente mudam com frequên- cia e que insights inovadores podem ocorrer a qualquer momento. Na visão deles, os ciclos anuais restringem a inovação e a adaptação: projetos improdutivos quei-mam recursos até que seus orçamentos acabem, en-quanto inovações críticas esperam na fila para compe-tir por financiamento no próximo ciclo orçamentário.

Em empresas com muitas equipes ágeis, o sistema de financiamento é diferente. Os financiadores reco-nhecem que, em dois terços das inovações bem-sucedi-das, o conceito original mudará significativamente du-rante o processo de desenvolvimento. Eles sabem que as equipes podem abandonar alguns recursos e lançar outros antes do próximo ciclo anual. Como resultado, os procedimentos de financiamento evoluem até se pa-recer com os de um capitalista de risco. Geralmente, os capitalistas de risco veem as decisões de financiamen-to como oportunidades de comprar opções para novas descobertas. O objetivo não é criar, de imediato, um ne-gócio em grande escala, mas encontrar um componente

crítico da solução final. Isso leva a muitos fracassos apa-rentes, mas acelera e reduz o custo do aprendizado. Essa abordagem funciona bem em empreendimentos ágeis e melhora muito a velocidade e a eficiência da inovação.

EMPRESAS QUE IMPLEMENTAM o desenvolvimento ágil em larga escala obtêm grandes mudanças em seus negó-cios. O aumento de escala muda a combinação de tra-balho de modo que a empresa passa a inovar mais em relação às operações de rotina. Ela se torna mais capaz de interpretar as mudanças de condição e as priorida-des, desenvolver soluções adaptativas e evitar as cri-ses constantes que atingem as hierarquias tradicionais. Inovações disruptivas passam a ser menos perturbado-ras e mais parecidas com negócios adaptativos comuns. O aumento da escala também traz valores e princípios ágeis para as operações de negócio e funções de apoio, mesmo se muitas atividades rotineiras forem mantidas. Isso leva a maior eficiência e produtividade em alguns dos grandes centros de custo da empresa. E melhora a arquitetura operacional e o modelo organizacional para aperfeiçoar a coordenação entre equipes ágeis e opera-ções de rotina. As mudanças são implementadas online mais rapidamente e respondem melhor às necessidades do cliente. Por fim, as melhorias são mensuráveis nos resultados — não apenas melhores resultados financei-ros, mas também maior fidelidade do cliente e engaja-mento dos funcionários.

A abordagem de teste e aprendizado da metodo-logia ágil é geralmente descrita como incremental e iterativa, mas não se deve confundir processos de de-senvolvimento incrementais com o pensamento in-cremental. A SpaceX, por exemplo, pretende usar a inovação ágil para levar pessoas para Marte até 2024, com o objetivo de estabelecer uma colônia autossus-tentável no planeta. Como isso vai acontecer? Bem, as pessoas da empresa realmente não sabem... ain-da. Mas entendem que isso é possível, e têm algumas etapas em mente. Elas pretendem melhorar sobrema-neira a confiabilidade e reduzir as despesas, em parte reutilizando foguetes como se faz com os aviões. Elas preferem melhorar também o sistema de propulsão para lançar foguetes que possam transportar pelo me-nos 100 pessoas. Elas planejam descobrir uma forma de reabastecer no espaço. Algumas das etapas incluem levar as tecnologias atuais ao limite e, em seguida, es-perar que surjam novos parceiros e novas tecnologias.

Assim é a metodologia ágil na prática: grandes am-bições e progresso passo a passo. Ela mostra o cami-nho a seguir mesmo quando — como acontece com frequência — o futuro é incerto.

hBR Reprint r1806B–P

DARRELL K. RIGbY é sócio do escritório de Boston da Bain&Company. ele lidera as práticas globais de inovação e

varejo e é autor de Winning in turbulence. jEff SUTHERLAND é cocriador da versão scrum da inovação ágil e CeO da scrum inc., empresa de consultoria e treinamento. ANDY NObLE é sócio do escritório da Bain em Boston, especializado em varejo e organização.

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DESENVOLVIMENTO AGILE EM ESCALA

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