O Que é Garantismo Penal (Integral) - Douglas Fischer

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    O QUE GARANTISMO PENAL (INTEGRAL)?

    Douglas Fischer,Procurador Regional da Repblica na 4 Regio,

    Mestre em Instituies de Direito e do Estado pelaPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul,

    Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.Email:

    Sumrio: 1 Consideraes iniciais. 2 As concepes fundantes e ospilares da teoria garantista. 3 Garantismo penal: da teoria (integral)da doutrina de Ferrajoli para a fragmentao que denominamos degarantismo penal hiperblico monocular. 4 Alguns exemplos defragmentao da teoria garantista. 4.1 Possibilidade (ou no) de oMinistrio Pblico realizar procedimentos investigatrios. 4.2 Limitaoao prazo de 30 dias das interceptaes telefnicas. 4.3 Do patamar dainsignificncia para os tipos penais que protejam bens jurdicos de

    natureza tributria. 4.4 Da (im)possibilidade da execuo provisria depenas na pendncia de recursos de natureza extraordinria. 5Concluses.

    1 Consideraes iniciais

    Entre tantos pases em que violaes de direitos fundamentais

    individuais foram a tnica durante determinados perodos notadamente

    autoritrios1, tal como e apenas exemplificativamente ocorrido na

    Itlia, na Espanha, em Portugal, na Alemanha, na Argentina e no Chile,a democratizao iniciada na metade da dcada de 1980 no Brasil foi e

    ainda comemorada, pois no podia mais haver conformidade com um

    sistema poltico, social e jurdico que no se amoldava a princpios

    gerais de convivncia almejada entre os pares em sociedade. O

    movimento de redemocratizao do pas culminou com o advento da

    Constituio Federal de 1988, argutamente denominada Constituio

    Cidad pelo ento presidente do Congresso Nacional, UlyssesGuimares.

    Estabelecidos ento novos marcos tericos sociais, polticos e

    tambm jurdicos, a partir da metade da dcada de 1990 comearam a

    surgir manifestaes doutrinrias mais enfticas fazendo coro

    1 El garantismo se opone, pues, al autoritarismo en poltica y al decisionismo en

    derecho, propugnando, frente al primero, la democracia sustancial y, frente alsegundo, el principio de legalidad [...](GASCNABELLN, Marina. La teora generaldel garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro.

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    2necessidade de aplicao, tambm no Brasil, da doutrina de garantias.

    Em sntese inicial, no mais poderiam ser aplicveis inmeros

    dispositivos legais e entendimentos jurisprudenciais que se

    apresentassem completamente incompatveis com as garantias

    fundamentais dos cidados e que estivessem estampadas numa

    Constituio democrtica. Essa era a preocupao central, mas no a

    nica, segundo cremos e interpretamos.

    O garantismo penal no simplesmente legalismo, pois a teoria

    est calcada numa viso terica de um direito prprio de um Estado

    Social e Democrtico. dizer: ao tempo em que o investigado ou ru

    no pode ser mais visto como um objeto na instruo processual, e sim

    como um sujeito de direitos (referido aqui unicamente por esse prisma

    inicial do garantismo), a submisso do juiz lei no mais como

    sempre foi pela viso positivista tradicional e ilustrada letra da lei

    (ou mediante sua interpretao meramente literal) de modo acrtico e

    incondicionado, seno uma sujeio lei desde que coerente com a

    Constituio (validade) vista como um todo. Sem exarar consideraes

    crticas ou valorativas de nossa parte, ressalta-se que talvez por isso

    que Prieto Sanchs defenda que a justia constitucional

    verdadeiramente indispensvel (especialmente em sede penal) no do

    tribunal constitucional, mas da jurisdio ordinria 2.

    Na senda de Gascn Abelln, importante visualizar

    como primera aproximacin que un derecho garantista

    establece instrumentos para la defensa de los derechos de los

    individuos frente a su eventual agresin porparte de otros

    individuos y (sobre todo) por parte de poder estatal; lo que tiene

    lugar mediante el establecimiento de lmites y vnculos al

    Garantismo: estdios sobre el pensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta,2005. p. 22.2PRIETO SANCHS, Luis. Justicia constitucional y derechos fundamentales. Madrid:

    Trotta, 2003. p. 170. Apud ANDRS IBEZ, Perfecto. Garantismo: una teora crticade la jurisdiccin. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdiossobre el pensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 62.

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    3poder a fin de maximinar la realizacin de esos derechos y de

    minimizar sus amenazas3[grifos nossos].

    Concordamos plenamente que, como uma primeira aproximao,a

    teoria garantista cujo marco histrico fundamental a obra Direito e

    Razo de Luigi Ferrajolitem como pressuposto a proteo dos direitos

    fundamentais individuais (denominados direitos de primeira gerao)

    estabelecidos precipuamente na Constituio da Repblica. Todavia,

    garantismo penal pelo menos em nossa tica e, segundo

    compreendemos, tambm na de Ferrajoli no um marco terico

    calcado exclusivamente na premissa sintetizada acima. Louvamos e

    defendemos abertamente a proteo dos direitos fundamentais

    individuais, mas a ordem jurdico-constitucional prev outros direitos

    (no se olvide dos coletivos e sociais), tambm deveres (que so pouco

    considerados doutrinria e jurisprudencialmente no Brasil), e est

    calcada em inmeros princpios e valores que nopodem ser esquecidos

    ou relegados se a pretenso efetivamente fazer uma compreenso

    sistmicae integral dos comandos da Carta Maior.

    Qui pela preocupao de que fossem protegidos de forma urgente

    e imediata apenas os direitos fundamentais individuaisdos cidados (e

    havia na gnese do movimento razes plausveis para uma maior

    proteo de tais direitos), no raro vemos hodiernamente um certo

    desvirtuamento dos integrais postulados garantistas, na medida em que

    a nfase nica continua recaindo exclusivamente sobre direitos

    fundamentais individuais (como se houvesse apenas a exigncia de um

    no-fazer por parte do Estado como forma de garantir unicamente os

    direitos de primeira gerao).

    Tambm so correntes situaes tpicas de decisionismos

    (criticadas veementemente por Ferrajoli, mas em polo inverso de

    aplicao antes contra os rus)embasadas em doutrinas garantistas

    sem que se diga, cientfica e/ou dogmaticamente, qual a

    3GASCN ABELLN, Marina. La teora general del garantismo: rasgos principales.In:CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre el pensamientojurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 21.

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    4fundamentao coerente para a tomada de tal ou qual posio.

    Exemplificativamente, no incomum encontrar decises judiciais e

    posicionamentos doutrinrios defendendo que, modernamente,o Direito

    Penal somente poderia incidir de forma subsidiria, verdadeira ultima

    ratio,a ele acorrendo-se quando todos os demais ramos do Direito no

    cumpriram seus desideratos de proteo do bem jurdico. A assertiva

    verdadeira, mas quando utilizada sem uma mnima fundamentao

    racional, de forma indiscriminada e como verdadeira frase-pronta

    (hiptese modernamente conhecida como copiar-colar) para situaes

    em que no poderia incidir referido princpio (vide adiante o terceiro

    pilar fundante do garantismo penal), acaba gerando verdadeira

    desproteo sistmica. dizer: sem racionalidade (para no dizer sem

    fundamentao), protegem-se exclusivamente direitos individuais

    fundamentais sem que se note (preferimos pensar assim, um equvoco

    no modo de compreenso da doutrina aplicada) uma

    desproporcionalidade em relao aos demais direitos fundamentais que

    formam a complexa teia de bens e valores que possuem proteo

    constitucional.

    A questo central do presente e modesto trabalho est exatamente

    a: em doutrina e jurisprudncia, tm-se difundido os ideais garantistas

    sem que se analise pelo menos de um modo minimanente dogmtico o

    que, efetivamente, significa garantismo penal. a ntegra de seus

    postulados (devidamente concatenados) que pretendemos seja aplicada

    (porque assim a Constituio determina), e no o que tem havido em

    muitas situaes (valorizando-se unicamente direitos individuais

    fundamentais) e que temos denominado de garantismo hiperblico

    monocular 4, hiptese diversa do sentido proposto por Luigi Ferrajoli (ao

    menos na leitura que fizemos de seu integral pensamento).

    Que fique bem claro: temos a plena conscincia de que a

    compreenso do sistema jurdico e das doutrinas que o circundam (e o

    4 FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e no o garantismo hiperblicomonocular) e o princpio da proporcionalidade: breves anotaes de compreenso eaproximao dos seus ideais. Revista de Doutrina Revista de Doutrina da 4 Regio,

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    5garantismo penal uma delas) requer a humildade de se admitir que h

    antinomias e proposies contrrias ao pensamento que se desenvolve.

    Repristinando nossas premissas assentadas noutro momento5,

    pretender uma nica resposta correta pode inviabilizar a melhor

    interpretao (inclusive do teor de uma doutrina). Se certo que

    diferentes intrpretes podem produzir, a partir do mesmo texto,

    distintas normas jurdicas, no se pode afastar que, a partir de uma

    mesma doutrina, tambm podem defluir posicionamentos

    interpretativos pouco diversos. o caso em voga. O que se pretende

    buscar a compreenso do garantismo penal que se considera mais

    adequada, pois, na senda de Larenz, a alternativa verdadeiro/falso

    estranha ao Direito, em que existe apenas o aceitvel (justificvel).

    Como diz, em complemento, Recasns Siches,

    las tesis y los juicios en el Derecho son formulados dentro de

    determinados mrgenes de posibilidad, con pretensiones de

    probabilidad y nunca de un modo exacto, antes bien, slo de

    un modo aproximadamente adecuado6.

    O que se deve perseguir, ento, o que se denomina de melhor

    resposta, aquela que se apresenta de forma mais racional, mais razovel

    para a soluo do impasse.

    A questo que se pe em discusso ento : o que garantismo

    penal na ntegra das proposies de Ferrajoli? Tentaremos trazer a

    resposta que consideramos a mais consentnea com a doutrina

    retromencionada.

    2 As concepes fundantes e os pilares da teoria garantista

    Porto Alegre, n. 28, mar. 2009. Disponvel em: . Acesso em: 25 abr. 2009.5FISCHER, Douglas. Delinquncia econmica e estado social e democrtico de direito.

    Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2006. p. 37-38.6 RECASNS SICHES, Luis. Nueva filosofia de la interpretacin del derecho. 2. ed.Mxico: Porra, 1973. p. 120. [DIAGRAMADOR: nota pertencente pgina anterior]

    http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.htmlhttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.htmlhttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.htmlhttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html
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    6Numaprimeiraacepo,garantismo designa um modelo normativo

    de direito. Num plano poltico, revela-se como uma tcnica de tutela

    capaz de minimizar a violncia e de maximizar a liberdade, e num plano

    jurdico como un sistema de vnculos impuestos a la potestadpunitiva

    del estado en garanta de los derechos de los ciudadanos. Em

    consequncia, garantista todo sistema penal que se ajusta

    normativamente a tal modelo y lo satisface de manera efetiva7.

    J numa segunda acepo, o garantismo designa uma teoria

    jurdica de validade e efetividade como categorias distintas no somente

    entre si, mas tambm acerca da existncia e vignciadas normas. Sob

    esse espectro, garantismo expressa uma aproximao terica que

    mantm separados o ser e o dever ser em Direito8. Numa frase: o juiz

    no tem obrigao jurdica de aplicar as leis invlidas (incompatveis

    com o ordenamento constitucional), ainda que vigentes.

    Pelo prisma de uma terceira acepo, garantismo designa uma

    filosofia poltica que impe ao Direito e ao Estado a carga da justificao

    externa conforme os bens jurdicos (todos!) e os interesses cuja tutela e

    garantia constituem precisamente a finalidade de ambos9.

    Essas trs acepes de garantismo, diz Ferrajoli10, delineam uma

    teoria geral do garantismo: o carter vinculado do poder pblico ao

    estado de direito; a separao entre validade e vigncia; a distino

    entre ponto de vista externo (ou tico-poltico) e o ponto de vista interno

    (ou jurdico) e a correspondente divergncia entre justia e validade.

    Gascn Abelln11 enceta com preciso: num verdadeiro Estado

    garantista, o legislador (dizemos ns, em complemento: no s o

    legislador, mas todos os poderesdo Estado e tambm os particulares)

    7 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4. ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 851-852.8 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4 ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 852.9 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4 ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 853.10 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4 ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 854.

    11GASCN ABELLN, Marina. La teora general del garantismo: rasgos principales.In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo:estdios sobre el pensamientojurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 30.

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    7no tem um poder de disposio, pois est limitado pelos bens e valores

    constitucionais (donde se enquadram, repise-se, no apenasos direitos

    fundamentaisindividuais).

    Como salienta Prieto Sanchs12, Ferrajoli sempre insistiu que o

    paradigma garantista

    es uno y el mismo que el actual Estado constitucional de

    derecho, o en que representa la outra cara del

    constitucionalismo, concretamente aquella que se encarga de

    formular las tcnicas de garantas idoneas para asegurar el

    mximo grado de efectividad a los derechos [...] [todos os

    direitos, explicitamos]

    [...] reconocidos constitucionalmente.

    Com efeito, o Sistema Garantista(denominado por Ferrajoli como

    SG) tem pilares firmados sobre dez axiomas fundamentais, que,

    ordenados, conectados e harmonizados sistemicamente, determinam as

    regras do jogo fundamental de que se incumbe o Direito Penal e

    tambm o Direito Processual Penal13. No h se esquecer: soproposies assertivas e no prescritivas.

    Nas exatas palavras de Ferrajoli,

    el modelo garantista [] presenta las diez condiciones, lmites o

    prohibiciones que hemos identificado como garantas del

    ciudadano contra el arbitrio o el error penal: segn este

    modelo, no se admite ninguna imposicin de pena sin que se

    produzcan la comisin de un delito, su previsin por la ley

    como delito, la necesidad de su prohibicin y punicin, sus

    efectos lesivos para terceros, el carcter exterior o material de

    la accin criminosa, la imputabilidad y la culpabilidad de su

    autor y, adems, su prueba emprica llevada por una

    12PRIETO SANCHS, Luis. Constitucionalismo y garantismo.In: CARBONELL, Miguel;SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre el pensamiento jurdico de Luigi

    Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 41.13 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4. ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 93.

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    8acusacin ante un juez imparcial en un proceso pblico y

    contradictorio con la defensa y mediante procedimientos

    legalmente preestablecidos14.

    Numa sntese, os princpios fundantes do garantismo penal so os

    seguintes15: 1) princpio da retributividadeou da sucessividade da pena

    em relao ao delito cometido (que demonstra o expresso

    reconhecimento de Ferrajoli da necessidade do Direito Penal,

    contrariamente a vises abolicionistas. Alis, Ferrajoli reiteradamente

    tem dito que o garantismo penal a negao do abolicionismo16); 2)

    princpio da legalidade: invivel se cogitar a condenao de algum e a

    imposio de respectiva penalidade se no houver expressa previso

    legal, guardando esta a devida compatibilidade com o sistema

    constitucional vigente; 3) princpio da necessidadeou da economia do

    Direito Penal: somente se deve acorrer ao Direito Penal quando

    absolutamente necessrio, de modo que se deve buscar a possibilidade

    de soluo dos conflitos por outros meios. a ultima ratio do Direito

    Penal; 4) princpio da lesividade ou da ofensividade do ato: alm de

    tpico, o ato deve causar efetiva lesividade ou ofensividade ao bem

    jurdico protegido, desde que deflua da Constituio (direta ou

    indiretamente) mandato que ordene sua criminalizao17; 5) princpio

    da materialidade; 6) princpio da culpabilidade: a responsabilidade

    criminal do agente que praticou o ato, sendo necessria a devida e

    segura comprovao da culpabilidade do autor; remanescendo dvidas

    razoveis, h se aplicar o aforisma in dubio pro reu; 7) princpio da

    jurisdicionalidade: o devido processo legal est relacionado diretamente

    tambm com a estrita obedincia de que as penas de natureza criminal

    14 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4. ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 103-104.15 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4. ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 93.16Vide palestra proferida por Luigi Ferrajoli no dia 1 de maio de 2007, na FundaoEscola Superior do Ministrio Pblico do Estado do Rio Grande do Sul, em PortoAlegre, com traduo de Sandra DallOnder.

    17 A propsito, vide GONALVES, Luiz Carlos dos. Mandados expressos decriminalizao e a proteo de direitos fundamentais na Constituio brasileira de 1988.So Paulo: Frum, 2008.

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    9sejam impostas por quem investido de jurisdio luz das

    competncias estipuladas na Constituio; 8) princpio acusatrio ou da

    separao entre juiz e acusao: numa frase significa unicamenteque o

    julgador deve ser pessoa distinta da do acusador; 9) princpio do

    encargo da prova: ao ru no se deve impor o nus de que inocente,

    pois a acusao quem tem a obrigao de provar a responsabilidade

    criminal do imputado; 10) princpio do contraditrio: sendo

    inadmissveis procedimentos kafknianos, deflui do devido processo legal

    que o ru tem o direito fundamental de saber do que est sendo

    acusado e que lhe seja propiciada a mais ampla possibilidade de, se

    quiser, rebater (ampla defesa) as acusaes que lhe so feitas.

    Reportando-se a Ferrajoli, anota Miguel Carbonell que, para o

    mestre italiano, garantiaes una expresin del lxico jurdico con la que

    se desgina cualquier tcnica normativa de tutela de un derecho

    subjetivo [atente-se que no se destaca que, necessariamente, seja um

    direito subjetivo individual]. Podem haver

    garantas positivas y garantas negativas; las primeras

    obligaran a abstenciones por parte del Estado y de los

    particulares en respeto de algun derecho fundamental,

    mientras que las segundas generaran obligaciones de actuar

    positivamente para cumplir con la expectativa que derive de

    algun derecho18.

    A equao pode parecer complexa, mas na raiz bastante

    simples: para a (e na) proteo dos direitos e das garantiasfundamentais (individuais e coletivas) e na exigibilidade do

    cumprimento dos deveres fundamentais, h se observar que os

    18 CARBONELL, Miguel. La garanta de los derechos sociales en la teora de LuigiFerrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre elpensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p.182. Na verdade, olivro GARANTISMO ESTUDOS SOBRE O PENSAMENTO JURDICO DE LUIGIFERRAJOLI.

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    10princpios elencados funcionam como guias na dinmica e harmnica

    configurao (na melhor medida possvel) de todos os bens e valores

    protegidos constitucionalmente.

    3 Garantismo penal: da teoria (integral) da doutrina de Ferrajoli

    para a fragmentao que denominamos de garantismo penal

    hiperblico monocular

    Compreendemos que a tese central do garantismo est em que

    sejam observados rigidamente no s os direitos fundamentais

    (individuais e tambm coletivos), mas tambm os deveres fundamentais

    (do Estado e dos cidados), previstos na Constituio.

    Normas de hierarquia inferior (e at em alteraes constitucionais)

    ou ento interpretaes judiciais no podem solapar ou restringir o que

    j est (e bem) delineado constitucionalmente na seara dos direitos (e

    deveres) fundamentais. Embora eles no estejam previstos nica e

    topicamente ali, convm acentuar que o art. 5 da Constituio est

    inserto em captulo que trata dos direitos e deveres individuais e

    coletivos. Assim, como forma de maximizar os fundamentos

    garantistas, a funo do hermeneuta est em buscar quais os valores e

    critrios que possam limitar ou conformar constitucionalmenteo Direito

    Penal e o Direito Processual Penal.

    No temos dvidas, a Constituio Federal brasileira garantista

    e assenta seus pilares nos princpios ordenadores de um Estado Social

    e Democrtico de Direito, mas insistimos: a teoria garantista no existe

    apenaspara proteo de interesses e direitos fundamentais individuais.

    Como bem salienta Jos Luis Mart Mrmol,

    el paradigma constitucional incluye asimismo, segn Ferrajoli,

    los siguientes grupos de derechos fundamentales: derechos

    polticos (o de autonomia pblica), derechos civiles (o de

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    11autonoma privada), derechos liberales (o de libertad) y

    derechos sociales1920[grifos nossos].

    Se a Constituio o ponto de partida para (tambm) a anlise

    (vertical21) do influxo dos princpios fundamentais de natureza penal e

    processual penal, decorre da que o processo hermenutico no poder

    assentar-se sobre frmulas rgidas e pela simples anlise pura (muito

    menos literal) dos textos dos dispositivos legais (inclusive da prpria

    Constituio).

    Na linha dos prprios fundamentos basilares do garantismo,no

    se afigura difcil compreender que a Constituio ocupa uma funo

    central no sistema vigente (sem gerar um panconstitucionalismo),

    podendo-se dizer que seus comandos traduzem-se como ordenadores e

    dirigentes22 aos criadores e aos aplicadores (intrpretes) das leis (a

    includa a prpria Constituio, por evidente).

    19 MART MRMOL, Jos Luis. El fundamentalismo de Luigi Ferrajoli: un anlisiscrtico de su teora de los derechos fundamentales. In: CARBONELL, Miguel;SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre el pensamiento jurdico de LuigiFerrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 384.20Jos Casalta Nabais(Por uma liberdade com responsabilidade: estudos sobre direitos

    e deveres fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2007) defende que os deveresfundamentais constituem-se em categoria jurdica constitucional especfica. Nessasenda, abordando o tema relativo aos custos dos direitos, ensina que uma comunidadeorganizada na forma que mais xito teve at o momento, na forma de estado moderno,est necessariamente ancorada em deveres fundamentais, que so justamente oscustos lato sensu ou suportes da existncia e funcionamento dessa mesmacomunidade. Comunidade cuja organizao visa justamente realizar um determinadonvel de direitos fundamentais, sejam os clssicos direitos e liberdades, sejam os maismodernos direitos sociais. Nada obstante suas reservas acerca da premissa de quehaveria uma necessria correlao entre direitos e deveres fundamentais, JosJoaquim Gomes Canotilho (Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1996. p.548) reconhece explicitamente que ao lado de deveres conexos com direitos

    fundamentais existem tambm deveres autnomos (exs: art. 106, dever de pagarimpostos). [DIAGRAMADOR, esta nota pertence pgina anterior]21Como diz Maria Fernanda Palma (Direito constitucional penal. Coimbra: Almedina,2006. p. 16), a Constituio pode conformar o Direito Penal porque funciona comouma espcie de norma fundamental autorizadora do Direito ordinrio, assumindo umpapel hierarquicamente superior.22Ao abordar os problemas decorrentes das relaes entre a Constituio e a lei emsua obra intituladaConstituio dirigente e vinculao do legislador, Canotilho [2. ed.Coimbra: Coimbra, 2001. p. 11] reconhece que o ncleo essencial do debate queprope est no que deve (e pode) uma constituio ordenar aos rgos legiferantes e oque deve (como e quando deve) fazer o legislador para cumprir, de forma regular,adequada e oportuna, as imposies constitucionais. Em razo do contedoconclusivo do mestre de Coimbra no prefcio da segunda edio de sua obra,

    interpretaes doutrinrias notadamente no Brasil comearam a apontar nosentido de que, hodiernamente, no mais permaneceriam hgidas suas proposiesacerca da vinculao do legislador a uma Constituio dirigente. O cerne do

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    12Como se v da doutrina de Maria Fernanda Palma,

    a Constituio quem define as obrigaes essenciais do

    legislador23perante a sociedade. Ora, esta funo de proteco

    activa da Sociedade configura um Estado no meramente

    liberal, no sentido clssico, mas promotor de bens, direitos e

    valores24.

    Nessa linha, entendemos tambm deva ser a interpretao do prprio

    contedo dos dispositivos constitucionais.

    Para ns, significa que a compreenso e a defesa dos

    ordenamentos penal e processual penal tambm reclamam uma

    interpretao sistemtica dos princpios, das regras e dos valores

    constitucionais para tentar justificar que, a partir da Constituio

    Federal de 1988 (o novo marco terico que referimos inicialmente), h

    tambm novos paradigmas influentes em matria penal e processual

    penal. Diante de uma Constituio que preveja, explcita ou

    implicitamente, a necessidade de proteo de bens jurdicos (individuais

    e coletivos) e de proteo ativa dos interesses da sociedade e dos

    investigados e/ou processados, incumbe o dever de se visualizar os

    contornos integraisdo sistema garantista.

    pensamento permanece. A assertiva do prprio Canotilho, que apenas admite que ascondies sociopolticas que inspiraram a edio da obra no ano de 1982 semodificaram. Contudo, ratificando que uma Constituio dirigente representa umprojeto de limitao do legislador, da liberdade de conformao do legislador, e devinculao deste aos fins que integram o programa constitucional, enfatiza que

    continuamos a ter algumas dimenses de programaticidade: o legislador no temabsoluta liberdade de conformao, antes tem de mover-se dentro do enquadramentoconstitucional (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Canotilho e aconstituio sirigente. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 15). O que se deveapreender da noo de Constituio dirigente a vinculao do legislador aosditames da materialidade da Constituio, pela exata razo de que, nesse contexto, oDireito continua a ser um instrumento de implementao de polticas pblicas.Compreendendo-se certo grau de dirigismo da Constituio, necessrio haver ocumprimento dos preceitos e princpios nsitos aos Direitos Fundamentais-Sociais eao ncleo poltico do Estado Social imanente ao paradigma do Estado Democrtico deDireito (STRECK, Lnio. Teoria da constituio e jurisdio constitucional. Porto Alegre,Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4 Regio, 31 mar. 2006.Palestra conferida no mdulo V do Curso de Direito Constitucional, p. 40).

    23Insistimos: tambm todos os demais Poderes e rgos do Estado.24PALMA, Maria Fernanda. Direito constitucional penal. Coimbra: Almedina, 2006. p.106-107. [DIAGRAMADOR, esta nota pertence pgina anterior]

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    13Com efeito, e na linha do que j foi dito, tm-se encontrado

    reiteradas manifestaes doutrinrias e jurisprudenciais em que h

    simples referncia aos ditames do garantismo penal, sem que se veja

    nelas a assimilao, na essncia, de qual a extenso e quais os critrios

    da aplicao das bases tericas invocadas. Em muitas situaes, ainda,

    h (pelo menos alguma) distoro dos reais pilares fundantes da

    doutrina de Luigi Ferrajoli (qui pela compreenso no integral dos

    seus postulados). Da que falamos que se tem difundido um garantismo

    penal unicamente monocular e hiperblico: evidencia-se

    desproporcionalmente (hiperblico) e de forma isolada (monocular) a

    necessidade de proteo apenas dos direitos fundamentais individuais

    dos cidados que se vem investigados, processados ou condenados.

    De relevo o que diz Perfecto Andrs Ibez, para quem se deve

    analisar a existncia atualmente de um

    garantismo dinmico, que es el que trasciende el marco de o

    proceso penal y tambin el de la mera garanta individual de

    carcter reactivo para ampliarse al asegurarmiento de otros

    derechos e de los correspondientes espacios hbiles para su

    ejercicio.

    Prossegue apontando que se deve buscar uma estratgia baseada no

    respeito das regras constitucionais do jogo em matria penal e

    processual penal e, de forma geral, no estabelecimento de um regime de

    garantias para a totalidade dos direitos fundamentaiscomo um modo de

    sedimentar a democracia25.Miguel Carbonell mais incisivo e objetivo ao defender que a

    teoria garantista de Luigi Ferrajoli apresenta-se como um paradigma

    25 ANDRS IBEZ, Perfecto. Garantismo: una teora crtica de la jurisdiccin. In:CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre el pensamientojurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 60.

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    14inacabado, como uma obra no meio do caminho, carente de

    complementao e devida compreenso26.

    De certa forma Ferrajoli parece aceitar a crtica construtiva de

    Carbonell ao admitir expressamente que

    el paradigma garantista puede expandirse (y en el plano

    normativo ha ido efectivamente expandindose) en tres

    direcciones: hacia la tutela de los derechos sociales y no solo

    de los derechos de libertad, frente a los poderesprivados y no

    solo a los poderes pblicos y en mbito internacional y n solo

    estatal27.

    Da leitura que fizemos, e j destacamos exordialmente, a grande

    razo histrica para o surgimento do pensamento garantista (que

    aplaudimos e defendemos, insista-se) decorreu de se estar diante de um

    Estado em que os direitos fundamentais (notadamente os individuais)

    no eram minimamente respeitados, especialmente diante do fato do

    sistema totalitrio vigente poca. Como sintetizado por Paulo

    Rangel28, a teoria do garantismo penal defendida por Luigi Ferrajoli originria de um movimento do uso alternativo do direito nascido na

    Itlia nos anos setenta por intermdio de juzes do grupo Magistratura

    Democrtica (dentre eles Ferrajoli)29, sendo uma consequncia da

    evoluo histrica dos direitos da humanidade, que, hodiernamente,

    considera o acusadonocomo objeto de investigao estatal, mas sim

    como sujeito de direitos, tutelado pelo Estado, que passa a ter o poder-

    dever de proteg-lo, em qualquer fase do processo (investigatrio oupropriamente punitivo). Segundo a frmula garantista, na produo das

    26 CARBONELL, Miguel. La garanta de los derechos sociales en la teora de LuigiFerrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre elpensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p.171.27FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: una discusin sobre derecho y democracia.Madrid:Trotta, 2006. p. 113.28 O clone da inquisio terrorista. Disponvel em: .Acesso em: 21 nov. 2008.

    29 Vide tambm ANDRS IBEZ, Perfecto. Garantismo: una teora crtica de lajurisdiccin. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre elpensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 60.

    http://jusvi.com/artigos/1319http://jusvi.com/artigos/1319
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    15leis (e tambm nas suas interpretaes e aplicaes), seus contedos

    materiais devem ser vinculados a princpios e valores estampados nas

    constituies dos estados democrticos em que vigorem.

    dizer: todos os direitos fundamentais equivalem a vnculos de

    substncia, que, por sua vez, condicionam a validez da essncia das

    normas produzidas (e tambm nas suas aplicaes), expressando, ao

    mesmo tempo, os fins aos quais est orientado o denominado Estado

    Constitucional de Direito30. Na construo do mestre italiano, nunca

    demais realar, as garantias so verdadeiras tcnicas insertas no

    ordenamento que tm por finalidade reduzir a distncia estrutural entre

    a normatividade e a efetividade, possibilitando, assim, uma mxima

    eficcia dos direitos fundamentais (mas de todos os gruposde direitos

    fundamentais) segundo determinado pela Constituio31.

    Parece bastante simples constatar que a teoria do garantismo se

    traduz numa tutela daqueles valores e/ou dos direitos fundamentais,

    cuja satisfao, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o

    objetivo justificante do Direito Penal. Vale dizer: quer-se estabelecer

    uma imunidade e no im(p)unidade dos cidados contra a

    arbitrariedade das proibies e das punies, a defesa dos fracos

    mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da pessoa do

    imputado e tambm a proteo dos interesses individuais e coletivos32.

    Assim, se todos os Poderes esto vinculados a esses paradigmas

    como de fato esto , especialmente o Poder Judicirio quem tem o

    dever de dar garantia tambm aos cidados (sem descurar da necessria

    proteo dos interesses sociais e coletivos) diante das eventuais

    violaes que eles vierem a sofrer. exatamente por isso que Miguel

    Carbonell refere que

    30FERRAJOLI, Luigi.Derechos y garantias: la ley del ms dbil. 4. ed. Madrid: Trotta,2004. p. 152.31FERRAJOLI, Luigi.Derechos y garantias: la ley del ms dbil. 4. ed. Madrid: Trotta,

    2004. p. 25.32 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4. ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 271.

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    16en el modelo del Estado social los poderes pblicos dejan de

    ser percibidos como enemigos de los derechos fundamentales y

    comienzan a tomar, por el contrario, el papel de promotores de

    esos derechos, sobre todo de los de caracter social33.

    Em nossa compreenso (integral) dos postulados garantistas, o

    Estado deve levar em conta que, na aplicao dos direitos fundamentais

    (individuais e sociais), h a necessidade de garantir tambm ao cidado

    a eficincia e segurana.

    Nesse momento do silogismo, digno de nota que, tambmcomo

    imperativo constitucional (art. 144, caput, CF), o dever de garantir

    segurana (que se desdobra em direitos subjetivos individuais e

    coletivos) no est em apenas evitar condutas criminosas que atinjam

    direitos fundamentais de terceiros, mas tambm na devida apurao

    (com respeito aos direitos dos investigados ou processados) do ato ilcito

    e, em sendo o caso, da punio do responsvel. Nesse diapaso, calham

    ao caso novamente as consideraes de Miguel Carbonell, quando

    assenta que

    la obligacin de proteger significa que el Estado debe adoptar

    medidas destinadas a evitar que otros agentes o sujetos violen

    los derechos sociales, lo que incluye mecanismos no solamente

    reactivos frente a las violaciones [...], sino tambin esquemas

    de carcter preventivo que eviten que agentes privados pudean

    hacerse con el control de los recursos necesarios para la

    realizacin de un derecho34.

    Exatamente por isso que compreendemos que o processo

    criminal e a respectiva imposio de pena aos infratores uma forma

    de, mediante as irradiaes dos efeitos da preveno geral positiva,

    33 CARBONELL, Miguel. La garantia de los derechos sociales en la teora de LuigiFerrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre elpensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 179.

    34 CARBONELL, Miguel. La garantia de los derechos sociales en la teora de LuigiFerrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre elpensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 194.

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    17garantir a segurana e convivncia entre os pares que no infringiram o

    ordenamento jurdico.

    Analisando o tema relacionado aos deveres de proteo e os

    direitos fundamentais, Gilmar Mendes reconheceu (com acerto, para

    ns) que

    os direitos fundamentais no contm apenas uma proibio de

    interveno [...], expressando tambm um postulado de

    proteo [...]. Haveria, assim, para utilizar uma expresso de

    Canaris, no apenas uma proibio do excesso

    (bermassverbot), mas tambm uma proibio de omisso

    (Untermassverbot). Nos termos da doutrina e com base na

    jurisprudncia da Corte Constitucional alem, pode-se

    estabelecer a seguinte classificao do dever de proteo: [...]

    (b) Dever de segurana [...], que impe ao Estado o dever de

    proteger o indivduo contra ataques de terceiros mediante

    adoo de medidas diversas; [...] Discutiu-se intensamente se

    haveria um direito subjetivo observncia do dever de

    proteo ou, em outros termos, se haveria um direito

    fundamental proteo. A Corte Constitucional acabou por

    reconhecer esse direito, enfatizando que a no observncia de

    um dever proteo corresponde a uma leso do direito

    fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental [...]35.

    Nessa mesma linha so as percucientes observaes de Bernal

    Pulido, quando destaca que

    la clusula del Estado social de derecho modifica el contenido

    que los derechos fundamentales tenan en el Estado liberal.

    [] De este modo, junto a la tradicional dimensin de derechos

    de defensa, que impone al Estado el deber de no lesionar la

    esfera de libertad constitucionalmente protegida, se genera un

    nuevo tipo de vinculacin, la vinculacin positiva. En esta

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    18segunda dimensin, los derechos fundamentales imponen al

    Estado un conjunto de deberes de proteccin [dizemos ns:

    de proteo tima] que encarnan en conjunto el deber de

    contribuir a la efectividad de tales derechos y de los valores

    que representan36.

    Na sequncia de sua doutrina, destacando que el efecto disuasorio o

    preventivo de la pena es una de las estrategias ms efectivas para

    proteger los derechos fundamentales de ataques provenientes de

    terceros,enfatiza que

    [...] La segunda variante del principio de proporcionalidad, que

    tambin se aplica para controlar la constitucionalidad de la

    legislacin penal, pero desde el punto de vista de la

    satisfaccin e las exigencias impuestas por los derechos de

    proteccin, es la prohibicin de proteccin deficiente. En esta

    variante, el principio de proporcionalidad supone tambin

    interpretar los derechos fundamentales de proteccin como

    principios y aceptar que de ellos se deriva la pretensin prima

    facie de que el legislador los garantice en la mayor medida

    posible, habida cuenta de las posibilidades jurdicas y fcticas.

    Esto quiere decir que estos derechos imponen prima facie al

    legislador el desarrollo de todas las acciones (no redundantes)

    que favorezcan la proteccin de su objeto normativo, y que no

    impliquen la vulneracin de otros derechos e principios que

    juegen en sentido contrario. El carcter prima facie de estos

    derechos implica que las intervenciones del legislador de lasque sean objeto slo puedan ser constitucionalmente

    admisibles y vlidas de manera definitiva se observan las

    exigencias del principio de proporcionalidad. La versin del

    principio de proporcionalidad que se aplica frente a los

    derechos de proteccin se llama prohibicin de proteccin

    35MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus mltiplos significadosna ordem constitucional. Revista Jurdica Virtual, Braslia, v. 2, n. 13, jun. 1999.

    Tambm em Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, n. 8, 2004, p. 131-142.36 BERNAL PULIDO, Carlos. El derecho de los derechos. Bogot: UniversidadExternado de Colombia, 2005. p.126.

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    19deficiente (el Untermassverbot) de la doctrina alemana. Este

    principio se aplica para determinar si las omisones legislativas,

    que no ofrecen un mximo nivel de aseguramiento de los

    derechos de proteccin, constituyen violaciones de estos

    derechos. Cuando se interpretan como principios, los derechos

    de proteccin implican que el legislador les otorgue prima facie

    la mxima proteccin. Si ste no es el caso, y, por el contrario,

    el legislador protege un derecho slo de manera parcial o elude

    brindarle toda proteccin, la falta de proteccin ptima deve

    enjuiciarse entonces desde el punto de vista constitucional

    mediante la prohibicin de proteccin deficiente. Esta

    prohibicin se compne de los siguientes subprincipios. Una

    abstencin legislativa o una norma legal que no proteja un

    derecho fundamental de manera ptima vulnera las exigencias

    de principio de idoneidadcuando no favorece la realizacin de

    un fin legislativo que sea constitucionalmente legitimo. [...]

    Una abstencin legislativa o una norma legal que no proteja

    un derecho fundamental de manera ptima, vulnera las

    exigencias del principio de necesidad cuando existe outra

    abstencin y outra medida legal alternativa que favorezca larealizacin del fin del Congreso por lo menos con la misma

    intensidad, y a la vez favorezca ms la realizacin del derecho

    fundamental de proteccin. [...] Una abstencin legislativa o

    una norma legal que no proteja un derecho fundamental de

    manera ptima, vulnera las exigencias del principio de

    proporcionalidad en sentido estricto cuando el grado de

    favorecimiento del fin legislativo (la no-intervencin de la

    libertad) es inferior al grado en que no se realiza el derecho

    fundamental de proteccin. Si se adopta la escala tridica

    expuesta con ocasin de la interdiccin del exceso, se

    concluir entonces que, segn la prohibicin de proteccin

    deficiente, est prohibido que la intensidad en que no se

    garantiza un derecho de proteccin seja intensa y que la

    magnitud de la no-intervencin en la libertad o en otro derecho

    de defensa sea leve o media, o que la intensidad de la no-

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    20proteccin sea media y la no-interrvencin sea leve. [...] [grifos

    nossos]37.

    Denominado de garantismo positivo, esse dever de proteo (no

    qual se inclui a segurana dos cidados) implica a obrigao de o

    Estado, nos casos em que for necessrio, adequado e proporcional em

    sentido estrito, restringir direitos fundamentais individuais dos

    cidados.

    Ratificamos nossa compreenso38 no sentido de que, embora

    construdos por premissas pouco diversas, o princpio da

    proporcionalidade (em seus dois parmetros: o que no ultrapassar as

    balizas do excesso bermassverbot e da deficincia

    untermassverbot proporcional) e a teoria do garantismo penal

    expressam a mesma preocupao: o equilbrio na proteo de todos

    (individuais ou coletivos) os direitos e deveresfundamentais expressos

    na Carta Maior.

    4 Alguns exemplos defragmentaoda teoria garantista

    No h como enfrentar tantas situaes que, ao menos para ns,

    se tm revelado como comprovaes do que aqui defendido. A

    exemplificao pode ser, pelo menos, complementar e, de certa forma,

    qui elucidativa do que pretendido explicitar no presente e modesto

    estudo.

    4.1 Possibilidade (ou no) de o Ministrio Pblico realizar

    procedimentos investigatrios

    H muitos questionamentos acerca da legitimidade de o

    Ministrio Pblico poder, eventualmente, realizar procedimentos

    investigatrios. H certa propagao por meras repeties que a

    37 BERNAL PULIDO, Carlos. El derecho de los derechos. Bogot: UniversidadExternado de Colombia, 2005. p. 139-142.

    38 FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e no o garantismo hiperblicomonocular) e o princpio da proporcionalidade: breves anotaes de compreenso eaproximao dos seus ideais. Revista de Doutrina da 4 Regio, Porto Alegre, n. 28,

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    21admisso de tal circunstncia violaria o sistema acusatrio, bem como

    se revelaria incompatvel com o ordenamento constitucional vigente e

    com os paradigmas garantistas. Respeitosamente, no nos parece a

    melhor compreenso. Primeiro, porque no h incompatibilidade

    alguma entre o sistema acusatrio com a circunstncia de o Ministrio

    Pblico eventualmenteproceder coleta de provas39. Em segundo lugar,

    porque, como se v das suas prprias palavras, Ferrajoli defende

    abertamente que, muitas vezes, evidente que as investigaes da

    Polcia devem ser efetuadas em segredo, sob a direo da acusao

    pblica, mas isso significa apenas que no devem as provas ser

    realizadas pelo juiz40. o que deflui do oitavo princpio, o princpio

    acusatrio ou da separao do juiz e da acusao. Alis, foi o que disse

    de modo hialino e expresso o prprio Ferrajoli em palestra proferida no

    ano de 2007 em Porto Alegre-RS. Ao ser indagado acerca dos poderes

    investigatrios do Ministrio Pblico, foi explcito o mestre italiano no

    sentido de que o rgo Ministerial deveinvestigar, mas, no exerccio de

    seu mister (o que bvio), est vinculado aos preceitos fundamentais

    garantistas insertos na Constituio quando realizar atos de

    investigao41. Nada mais.

    4.2 Limitao ao prazo de 30 dias das interceptaes telefnicas

    Tambm se encontram posicionamentos doutrinrios defendendo

    que, por um prisma garantista, interceptaes telefnicas no poderiam

    ultrapassar o prazo de 30 dias (15 dias + 15 dias)42.

    Primeiramente, h se convir que, se mantido o entendimento de

    que seria apenas possvel uma prorrogao das interceptaes

    mar. 2009. Disponvel em: .Acesso em: 22 abr. 2009.39ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas processuais penais e seus princpios reitores.Curitiba: Juru, 2008. p. 466.40 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4. ed. Madrid:Trotta, 2000. p. 621. No mesmo sentido, confira-se FONSECA, Mauro de Andrade.Ministrio Pblico e sua investigao criminal. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juru,

    2006. p. 116.41Fundao Escola Superior do Ministrio Pblico do Estado do Rio Grande do Sul,2007, com traduo de Sandra DallOnder.

    http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028%20/douglas_fischer.html%3ehttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028%20/douglas_fischer.html%3ehttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028%20/douglas_fischer.html%3ehttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028%20/douglas_fischer.html%3e
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    22telefnicas, somente se garantiria a possibilidade de investigao por 30

    dias mediante a interceptao telefnica. Passado o lapso temporal

    matemtico, conferir-se-ia verdadeira imunidade aos delinquentes para

    continuarem na senda dos crimes. No porque o entendimento a

    respeito da possibilidade de ser ultrapassado o prazo encontra guarida

    no STF (v.g.RHC n. 88.731-SP, Plenrio, unnime, publicado noDJ de

    2.2.2007) e, majoritariamente, no STJ (v.g. HC n. 116.482-SP, 5

    Turma, unnime, publicado no DJ de 2.2.2009) que se deva entender

    como correta a posio. que, efetivametne, no h como se fazer uma

    interpretao meramente literal do dispositivo de lei. Se verdade que o

    Estado no pode agir com excessos injustificados em detrimento do

    cidado (bermassverbot, segundo expresso de Canaris ou tambm

    hodiernamente denominado de garantismo negativo), no menos correto

    que deva agir proporcionalmente para a proteo da coletividade em

    razo de prticas delitivas por quaisquer que sejam seus agentes

    (Untermassverbot). Compreendemos que a interpretao (sistmica e

    no meramente literal) ratificada pelo STF acerca da possibilidade de

    ser ultrapassado o prazo de 30 dias nas interceptaes telefnicas,

    desde que necessrias e fundamentadas as ordens judiciais que as

    autorizam, e da desnecessidade de degravao de todas as

    interceptaes coadunam-se com os princpios basilares da Carta da

    Repblica e no arrostam, por si s, abstratamente, direitos

    fundamentais individuais. Se os direitos fundamentais dos investigados

    devem ser preservados, insistimos que eles no soabsolutos. Podem

    ser relativizados se presente(s) no caso concreto outro(s) valor(es)

    constitucional(ais) relevante(s) em sopesamento.

    4.3 Do patamar da insignificncia para os tipos penais que

    protejam bens jurdicos de natureza tributria

    Dispe o art. 20 da Lei n. 10.522/2002, na redao que lhe deu a

    Lei n. 11.033/2004, que

    42 A propsito, vide SILVA JNIOR, Dcio Lins e. Calabreza, Garantiafundamental.Boletim IBCCrim, n. 194, jan. 2009. [DIAGRAMADOR, nota da p. 21]

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    23

    sero arquivados, sem baixa na distribuio, mediante

    requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos

    das execues fiscais de dbitos inscritos como Dvida Ativa da

    Unio pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela

    cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$10.000,00

    (dez mil reais).

    Ancorados numa interpretao (para ns) isolada e literal do

    dispositivo retromencionado e reportando-se a uma (suposta)

    necessidade de manuteno da segurana jurdica (cremos que

    provavelmente s pelo prisma dos direitos fundamentais individuais)43,

    muitos precedentes jurisprudenciais (unnimes no mbito do Tribunal

    Regional Federal da 4 Regio e ainda com dissdio no STJ44e no STF

    at o presente momento) vm reconhecendo ser inadmissvel que a

    conduta seja irrelevante para a Administrao Fazendria e relevante

    no plano do direito penal, na medida em que o Estado somente deve

    ocupar-se de condutas que impliquem grave violao do bem

    juridicamente tutelado [princpio da interveno mnima em direito

    penal], concluindo-se assim que a iluso de tributos (impostos ou

    contribuies de natureza previdenciria) em patamar inferior a

    R$10.000,00 penalmente insignificante45 (v.g. Habeas Corpus n.

    89.722-3, STF, rel. min. Eros Grau, 2 Turma, unnime, j. em

    16.12.2008, publicado noDJ de 3.4.2009).

    Com todo respeito aos posicionamentos retromencionados, no

    trazem em seu bojo o que denominamos de melhor interpretaopara asoluo do problema jurdico.

    43 V.g.: Apelao Criminal n. 2006.71.00.002257-9/RS, TRF da 4 Regio, j. em18.11.2008, publicado no DJde 7.1.2009; Apelao Criminal n. 2005.71.13.002361-0/RS, TRF da 4 Regio, j. em 14.10.2008, publicado no DJde 22.10.2008.44H se destacar que a 3 Seo do Superior Tribunal de Justia, no julgamento dosEmbargos de Divergncia em Recurso Especial n. 966.077-GO, assentou, em27.5.2009, que o parmetro da insignificncia penal no pode ser o valor de

    R$10.000,00.45Apelao Criminal n. 2007.71.04.000879-3/RS, TRF da 4 Regio, j. em 18.3.2009,publicado em 15.4.2009.

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    24Para quem se vincula unicamente questo de execuo

    (cobrana) no mbito cvel, de se ver inicialmente que, como muito

    bem salienta o ministro Eros Grau em sua famosa obra de

    hermenutica jurdica (embora no nos parea seja essa sua conduo

    silogstica ao proferir a deciso retromencionada), no se pode(ria)

    interpretar o direito em tiras. Em sua ltera, a interpretao do direito

    interpretao do direito, no seu todo, no de textos isolados,

    desprendidos do direito. No se interpreta o direito em tiras, aos

    pedaos46. Sem aprofundar noutras searas hermenuticas, h se

    atentar que o art. 20 (invocado aos cntaros) no est isolado. Ele

    contm (entre outros) o 1 (vinculado ao caput, conforme disposto na

    LC n. 95), que dispe os autos de execuo a que se refere este artigo

    sero reativados quando os valores dos dbitos ultrapassarem os limites

    indicados.

    Compreende-se que a circunstncia de o Estado no promover a

    cobrana dos valores inferiores hoje a R$10.000,00 (ou qualquer outro

    que venha ulteriormente ser estipulado) no significa dizer que no haja

    interesse em receber as quantias que lhe foram subtradas (lato sensu).

    A providncia insculpida em norma legal que autoriza o arquivamento

    (como regra, momentneo) na distribuio das execues fiscais diz to-

    somente com uma questo de poltica econmica e operacional da

    mquina de cobrana do Estado; ou seja, a insero de tal dispositivo

    justifica-se pelo fato de ser mais oneroso para o Estado cobrar as

    quantias objeto da prtica criminosa, dado que as despesas para tanto

    superam aquele limite referido na norma retrorreferida. Todavia, o dano

    social relacionado com o bem jurdico protegido pela norma penal

    continua, em princpio, evidente. Em suma, o fundamento das regras de

    mbito cvel de no execuo e/ou cobrana dos valores evitar

    exatamente que a sociedade seja novamente penalizada, gastando-se

    mais que o prprio objeto do dano perseguido o qual pertence aos

    46

    GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretao/aplicao do direito. 3 ed. SoPaulo: Malheiros, 2005. p. 40.

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    25cofres pblicos. Assim, mesmo no havendo eventual interesse da

    cobrana no mbito civil, o dano social (penal) continua evidente.

    No entanto, no s. A incidncia (sempre excepcional) do

    princpio da insignificncia penal no est vinculado unicamente ao

    valor do prejuzoem delitos de dano. Como reconhecido pelo Supremo

    Tribunal Federal (mas noutros tipos de delitosnormalmente em delitos

    de furto contra o patrimnio privado),

    a aplicao do princpio da insignificncia h de ser criteriosa,

    cautelosa e casustica. Devem estar presentes em cada caso,

    cumulativamente, requisitos de ordem objetiva: ofensividade

    mnima da conduta do agente, ausncia de periculosidade

    social da ao, reduzido grau de reprovabilidade do

    comportamento do agente e inexpressividade da leso ao bem

    juridicamente tutelado. Hiptese em que a impetrante se limita

    a argumentar to-somente com o valor do bem subtrado, sem

    demonstrar a presena dos demais requisitos.[...] (Habeas

    Corpus n. 92.743-2/RS, rel. min. Eros Grau, 2 Turma,

    unnime, j. em 19.8.2008, publicado no DJde 14.11.2008).

    Noutro julgado, assentou-se prefacialmente que

    o princpio da insignificncia que deve ser analisado em

    conexo com os postulados da fragmentariedade e da

    interveno mnima do Estado em matria penal tem o

    sentido de excluir ou de afastar a prpria tipicidade penal,

    examinada na perspectiva de seu carter material,

    de modo que

    tal postuladoque considera necessria, na aferio do relevo

    material da tipicidade penal, a presena de certos vetores, tais

    como (a) a mnima ofensividade da conduta do agente, (b) a

    nenhuma periculosidade social da ao, (c) o reduzidssimograu de reprovabilidade do comportamento e (d) a

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    26inexpressividade da leso jurdica provocada apoiou-se, em

    seu processo de formulao terica, no reconhecimento de que

    o carter subsidirio do sistema penal reclama e impe, em

    funo dos prprios objetivos por ele visados, a interveno

    mnima do Poder Pblico. (Habeas Corpusn. 93.482-0/PR, rel.

    min. Celso de Mello, 2 Turma, unnime, j. em 7.10.2008,

    publicado no DJde 6.3.2009).

    Nada obstante tais premissas, concluiu-se no caso unicamente com

    base no valor que a prtica de delito de descaminho com iluso

    tributria inferior ao patamar de R$10.000,00 seria insignificante.

    Efetivamente no concordamos com esse verdadeiro tarifamentopara incidncia do princpio da insignificncia penal com violao

    manifesta do princpio da legalidade. De outro norte, fica bastante

    complexo (seno impossvel) compreender pelo prisma da lgica

    argumentativa por quais motivos se aplica o princpio da insignificncia

    aos delitos de sonegao fiscal (arts. 1 e 2 da Lei n. 8.137/1990 e

    arts. 168-A, 1, I, e 337-A, ambos do CP), levando-se em conta

    unicamente o patamar de R$10.000,00 da leso causada, e no seadota o mesmo no caso de delitos de estelionato em detrimento do

    Estado47, na medida em que os bens jurdicos tutelados nos delitos

    referidos so o errio pblico, pois se tratam de delitos (unicamente)

    patrimoniais e que, em sua maioria, envolvem fraudes perpetradas48.

    Alis, o delito previsto no art. 1 da Lei n. 8.137/1990 guarda bastante

    similitude com o de estelionato (art. 171, CP). Em ambos h a prtica

    de uma fraude em que o objetivo a obteno de uma vantagem

    47PENAL. ESTELIONATO. PREVIDNCIA SOCIAL. PRINCPIO DA INSIGNIFICNCIA.Conforme recente orientao da 4 Seo, no se aplica o princpio da insignificnciaaos delitos de estelionato contra a seguridade social, porquanto o bem jurdicoprotegido, nesses casos, no possui apenas natureza patrimonial. [...] (RecursoCriminal n. 2008.72.05.002498-4/SC, TRF da 4 Regio, j. em 15. 4.2009, publicadono DJde 22.4.2009).48HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno. Comentrios ao cdigo penal. 4. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1980. p. 164 e 227; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito

    penal: parte especial. 23. ed. So Paulo: Atlas, 2005. p. 303 e 305; NUCCI, Guilhermede Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 3. ed. rev., atual. eampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 739; PRADO, Luiz Regis. Curso de

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    27indevida, com o nico detalhe tipolgico que, nos delitos de sonegao

    fiscal, a vantagem perseguida a reduo ou supresso de tributo (ou

    de contribuio previdenciria, se analisado o crime do art. 337-A, CP).

    Exatamente por isso que (e concordamos com tal posicionamento) a

    jurisprudncia majoritariamente vem reconhecendo que, se a fraude

    cometida em detrimento do Estado foi para obter uma restituio de

    imposto de renda maior do que a que seria devida, no h se falar em

    sonegao fiscal (porque no suprimido ou reduzido tributo), mas sim

    em estelionato em detrimento da Unio49.

    Entendemos que esse uso indiscriminado de um verdadeiro

    minimalismo penal (que no se amolda integra dos postulados

    garantistas: como diz Ferrajoli, o abolicionismo a anttese do

    garantismo), notadamente nos casos em que a vtima o Estado,

    poder conduzir a uma total desproteo sistmica.

    4.4 Da (im)possibilidade da execuo provisria de penas na

    pendncia de recursos de natureza extraordinria

    Em deciso proferida no dia 5.2.2009, no julgamento do HC n.

    84.078 (acrdo no publicado at o presente momento), por maioria de

    votos (7x4, vencidos os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie,

    Crmen Lcia e Menezes Direito), o Plenrio do Supremo Tribunal

    Federal entendeu invivel a execuo provisria de pena antes de

    exauridas todas as instncias, inclusive as extraordinrias (salvo se

    houver necessidade de priso de ndole cautelar), partindo-se da

    premissa central de que a Constituio estabelece uma garantia

    fundamental de que ningum ser considerado culpado antes do

    trnsito em julgado da sentena condenatria.

    direito penal brasileiro. 7. ed. rev., atual. e ampl., 2. tir. So Paulo: Revista dosTribunais, 2008. p. 443.49PENAL. ESTELIONATO CONTRA A FAZENDA PBLICA. ARTIGO 171, 3, DO CP.RESTITUIO DE IMPOSTO DE RENDA OBTIDA MEDIANTE DIRPFIDEOLOGICAMENTE FALSA. AUTORIA.Pratica crime de estelionato, na forma agravada do 3 do art. 171 do CP, o agenteque apresenta Receita Federal declarao de imposto de renda ideologicamente falsa,

    visando obter vantagem indevida, consistente em indbita restituio de imposto derenda (Apelao Criminal n. 2006.71.08.016718-0/RS, TRF da 4 Regio, j. em14.1.2009, publicado no DJde 11.2.2009).

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    28Malgrado o entendimento firmado pela Corte Suprema, e com

    todas as vnias, continuamos entendendo que a execuo provisria

    das penas privativas de liberdade na pendncia de recursos de natureza

    extraordinria (extraordinrio e especial) no ofende o princpio da

    inocncia, insculpido constitucionalmente. Em nossa compreenso

    inicial, o (respeitosamente) equvoco do STF decorreu do fato de fazer

    uma leitura isolada qui textual do disposto no art. 5, LVII, da

    Constituio Federal. Uma observao relevante: a anlise aqui

    desenvolvida dar-se- apenas pelo prisma ora proposto, sendo de relevo

    destacar que, em percuciente trabalho analtico tambm constante da

    presente obra, as ilustres procuradoras regionais da Repblica Luiza

    Cristina Fonseca Frischeisen e Mnica Nicida Garcia, com Fbio

    Gusman, demonstram de forma hialina que, luz do direito comparado,

    no h violao a direitos fundamentais de rus processados e

    condenados exigibilidade de cumprimento das penas na pendncia de

    recursos extremos.

    Com efeito, em sede de recurso extraordinrio, como primeira

    premissa, no mais se discute culpaou inocnciado agente criminoso j

    condenado pelas instncias competentes, mas sim eventual afronta

    Constituio nas situaes bastante restritas nela prevista. Na exata

    dico do julgado na Questo de Ordem no AI n. 664.567-2-RS (em que

    foram traados os parmetros fundamentais do tratamento referente

    repercusso geral), o recurso extraordinrio busca preservar a

    autoridade e a uniformidade da inteligncia da Constituio.

    Segundo, concordando-se ou no com tais premissas, o Supremo

    Tribunal Federal tem assentado que, tambm para fins de

    admissibilidade, a afronta deve ser direta e no reflexa (o que

    invariavelmente tida por reflexa, pelo modo que vem sendo

    interpretado tal requisito pelo prprio Supremo Tribunal Federal 50).

    50 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA REFLEXA.IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINRIO.As alegaes de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da

    motivao dos atos decisrios, do contraditrio, dos limites da coisa julgada e daprestao jurisdicional, se dependentes de reexame prvio de normas inferiores,podem configurar, quando muito, situaes de ofensa meramente reflexa ao texto da

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    29Em terceiro lugar, reforado agora pela exigncia da

    demonstrao da repercusso geral, no cabe mais falar em

    possibilidade de interposio do recurso extraordinrio para discusso

    de questes meramente individuais da parte envolvida na demanda

    criminal

    Em quarto lugar, em situaes excepcionais em que se

    demonstrar a flagrante violao pela deciso colegiada de direitos

    fundamentais individuais que no possam ser reparados prontamente

    em sede de recursos extraordinrios, h sempre a possibilidade de

    concesso de efeito suspensivo s irresignaes51, desde que

    comprovados

    Constituio. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental noAgravo de Instrumento n. 723.167-4/RS, 2 Turma, unnime, j. em 30.9.2008,publicado no DJde 7.11.2008).AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL. PREQUESTIONAMENTO. OFENSAREFLEXA. REAPRECIAO DE FATOS E PROVAS. PRECEDENTES DA CORTE.1. No se admite o recurso extraordinrio quando o dispositivo constitucional que nelese alega violado no est devidamente prequestionado. Incidncia das Smulas n. 282

    e 356/STF.2. Nos termos da jurisprudncia deste Supremo Tribunal Federal, as alegaes deafronta aos princpios da ampla defesa e do contraditrio, entre outros, configuramofensa indireta ou reflexa Constituio Federal e, por isso, no abrem passagem aorecurso extraordinrio.3. No possvel, em sede de recurso extraordinrio, reexaminar fatos e provas a teordo que dispe a Smula n. 279/STF.4. Agravo a que se nega provimento. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.603.952-5/SP, 1 Turma, unnime, j. em 13.5.2008, publicado no DJde 27.6.2008).51MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. APELO RAROADMITIDO NA ORIGEM. DISPENSA DE FORMALIDADE EM LICITAO. AUSNCIADE PREJUZO AO RGO PBLICO. PACIENTE ABSOLVIDO EM PRIMEIRO GRAU E

    CONDENADO PELO TRIBUNAL ESTADUAL A PENA RESTRITIVA DE DIREITO E MULTA.PRESENA DOS PRESSUPOSTOS FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. ART.147 DA LEI 7.210/84 (LEP). MEDIDA CAUTELAR JULGADA PROCEDENTE.1. Em casos excepcionais, em que a execuo provisria da pena possa causar lesograve ou de difcil reparao ao recorrente, a jurisprudncia desta Corte vem aceitandoo ajuizamento de Ao Cautelar Inominada destinada a dar efeito suspensivo aoRecurso Excepcional, nas hipteses em que presentes os requisitos autorizadores damedida (periculum in mora e fumus boni iuris).2. No caso em apreo, alm de j ter sido processado e admitido o Recurso Especial,ao qual se pretende atribuir o almejado efeito suspensivo, a questo objeto deimpugnao, qual seja, a necessidade de efetiva existncia de prejuzo patrimonial aorgo Pblico, por fora de dispensa de formalidade em procedimento licitatrio,merece ser melhor apreciada por esta Corte [...].

    4. Medida Cautelar julgada procedente. (Medida Cautelar n. 13.219/RS, rel. min.Napoleo Nunes Maia Filho, 5 Turma, unnime, j. em 3.6.2008, publicado no DJde4.8.2008).

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    30o juzo positivo de admissibilidade do recurso extraordinrio

    no tribunal de origem, a viabilidade processual do recurso

    extraordinrio devido presena dos pressupostos extrnsecos

    e intrnsecos do referido recurso, a plausibilidade jurdica da

    pretenso de direito material deduzida no recurso

    extraordinrio e a comprovao da urgncia da pretenso

    cautelar (Agravo Regimental na Medida Cautelar na Ao

    Cautelar n. 1.494-4/RS, rel. min. Ellen Gracie, 2 Turma,

    unnime, j. em 24.6.2008, publicado no DJde 22.8.2008).

    Portanto, fcil se ver que h possibilidadenos casos excepcionaisde

    obstar o cumprimento imediato da pena imposta (privativa de liberdadeou restritiva de direitos), resguardando-se os direitos fundamentais

    individuais do ru processado no caso concreto.

    Quinto e talvez mais relevanteem nossa concepo , porque,

    como muito bem destacado no mesmo precedente leading case acerca

    da repercusso geral, para obviar a ameaa ou leso l iberdade de

    locomoo por remotas que sejam , h sempre a garantia

    constitucional do habeas corpus(CF, art. 5, LXVIII). dizer: por umainterpretao sistmica dos instrumentos constitucionais existentes

    para a proteo dos interesses individuais dos rus-processados,

    garante-se a utilizao do habeas corpus,meio muito mais amplo e apto

    (eficaz) a proteger de forma absolutamente mais objetiva e na mxima

    medida possvel os direitos individuais fundamentais eventualmente

    violados dos rus-condenados.

    Mais: a cognio admitida em sede de habeas corpus at maisampla do que aquela admitida no mbito das restritas hipteses dos

    recursos extraordinrios, mormente agora em que exigida para esse

    (mas no para o writ) a demonstrao da repercusso geral.

    A propsito, esse raciocnio, desenvolvido mais detalhadamente

    em outra oportunidade52, foi acolhido como argumento a mais pelo

    52FISCHER, Douglas. A execuo de pena na pendncia de recursos extraordinrio eespecial: possibilidade em face da interpretao sistmica da Constituio. Revista deDireito Pblico, v. 25, p. 7-30, 2009. Tambm publicado na Revista de Interesse

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    31ministro Menezes Direito, que, ao proferir seu voto no julgamento do HC

    n. 84.078, firmou entendimento no sentido de que a execuo da pena

    na pendncia de recursos extraordinrios no importaria em

    malferimento ao princpio constitucional de inocncia.

    Assim, se vivel a execuo provisria das penas privativas de

    liberdade, no h empeo lgico-sistmico para tambm se permitir a

    execuo imediata dapenas restritivas de direito.

    5 Concluses

    Ferrajoli entende que no possvel falar com decncia de

    democracia, igualdade, garantias, direitos humanos e universalidade de

    direitos se no levarmos (na ntegra) finalmente a srio segundo a

    frmula de Dworkin a Declarao Universal dos Direitos da ONU de

    1948 e os Pactos sobre os Direitos de 196653.

    Acorrendo-se Declarao Universal dos Direitos Humanos54(que

    serviu de paradigma para muitos dispositivos de nossa Carta

    Constitucional), fcil visualizar que h obrigatoriedade de proteo a

    direitos individuais e coletivos e que seja considerada a existncia

    tambm de deveres fundamentais (exemplificativamente, vide artigos III,

    X, XI e XXIV).

    Diante do exposto, no concordamos com as posies

    doutrinrias e os entendimentos jurisprudenciais que (mesmo sem

    explicitamente reconhecer) interpretam que o garantismo penal importe

    a prevalncia indiscriminada somente de direitos fundamentais

    individuais sobre os demais direitos, valores, princpios e regras

    constitucionais, sem sopesao alguma e, sobretudo, diante de

    interpretaes ltero-gramaticais e acorrendo a verdadeiros argumentos

    Pblico, n. 47, mar. 2008 e no Boletim dos Procuradores da Repblica, n. 79, mar.2008, p. 16-24.53FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantas:la ley del ms dbil. 4. ed. Madrid: Trotta,

    2004. p. 31.54 Disponvel em: . Acesso em: 21 abr. 2009.

    http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_%20universal.htmhttp://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_%20universal.htmhttp://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_%20universal.htmhttp://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_%20universal.htm
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    32de autoridade (e no autoridade dos argumentos) como forma de

    justificar a deciso tomada.

    H muito adverte Garca de Enterra55 que o juiz constitucional

    (entendemos ns, todos os juzes, mormente no Brasil, em que se

    permite a filtragem difusa), ao decidir o caso concreto, no pode

    perder de vista, em momento algum, as consequncias prticas da

    deciso que tomar e que certas sentenas tm efeitos vinculantes gerais

    ou com fora de lei. Essas sentenas podem ocasionar catstrofes no

    apenas para o caso concreto, mas para outros inmeros casos, e,

    quando tais sentenas so politicamente inexatas ou falsas (no sentido

    de que arrunam as tarefas polticas legtimas de administrao do

    Estado e de efetiva proteo dos interesses individuais e coletivos), a

    leso pode alcanar toda a comunidade. Encerra com assertiva incisiva,

    porm correta, ao menos para ns: el Tribunal Constitucional [dizemos

    ns: todos os tribunais] no puede ser ciego a las consecuencias polticas

    de sus decisiones.

    Em sntese, do garantismo penal integral decorre a necessidade

    de proteo de bens jurdicos (individuais e tambm coletivos) e de

    proteo ativa dos interesses da sociedade e dos investigados e/ou

    processados. Integralmente aplicado, o garantismo impe que sejam

    observados rigidamenteno s os direitos fundamentais (individuais e

    coletivos), mas tambm os deveres fundamentais (do Estado e dos

    cidados), previstos na Constituio. O Estado no pode agir

    desproporcionalmente: deve evitar excessos e, ao mesmo tempo, no

    incorrer em deficincias na proteo de todos os bens jurdicos,

    princpios, valores e interesses que possuam dignidade constitucional,

    sempre acorrendo proporcionalidade quando necessria a restrio de

    algum deles. Qualquer pretenso prevalncia indiscriminada apenas

    de direitos fundamentais individuais implicaao menos para nsuma

    teoria que denominamos de garantismo penal hiperblico monocular:

    evidencia-se desproporcionalmente (hiperblico) e de forma isolada

    55 GARCA DE ENTERRIA, Eduardo. La constitucin como norma y el tribunalconstitucional. 3. ed. Madrid: Civitas, 2001. p. 179, 180 e 183.

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    33(monocular) a necessidade de proteo apenas dos direitos

    fundamentais individuais dos cidados, o que, como visto, no e nunca

    foio propsito nico do garantismo penal integral.

    REFERNCIAS

    ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas processuais penais e seus princpiosreitores. Curitiba: Juru, 2008.

    ______. Ministrio Pblico e sua investigao criminal. 2. ed. rev. e atual.Curitiba: Juru, 2006.

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    In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estdios sobre elpensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005.

    BERNAL PULIDO, Carlos. El derecho de los derechos. Bogot: UniversidadExternado de Colombia, 2005.

    CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Constituio Dirigente e Vinculao doLegislador. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

    CARBONELL, Miguel. La garanta de los derechos sociales en la teora deLuigi Ferrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro.Garantismo:estdiossobre el pensamiento jurdico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005.

    COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Canotilho e a constituiosirigente. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

    FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 4. ed.Madrid: Trotta, 2000.

    ______. Garantismo: una discusin sobre derecho y democracia.Madrid: Trotta,2006.

    ______.Derechos y garantias: la ley del ms dbil. 4. ed. Madrid: Trotta, 2004.

    FISCHER, Douglas. Delinquncia econmica e estado social e democrtico dedireito. Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2006.

    ______.Garantismo penal integral (e no o garantismo hiperblico monocular)e o princpio da proporcionalidade: breves anotaes de compreenso e aproximao

    dos seus ideais. Revista de Doutrina Revista de Doutrina da 4 Regio,Porto Alegre, n.28, mar. 2009. Disponvel em: .

    http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.htmlhttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.htmlhttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.htmlhttp://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html
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