o que é esse tal de backhaul? -...

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, , .: POLITICASPUBLICAS Mariana Mazza, de Brasília mariana. [email protected] o que é esse tal de backhaul? AnateIse atrapallia nas defInições do que seja backhaul, o que pode comprometer argumentos da própria agência para tratar de sua expansão como uma obrigação. uando se edita um conjunto de leis ou regulamentos é nor- mal encon1rar na compilação um glossário ou mesmo uma lista de definições prévias que iBalizama leitura das normas. Nosetor de 'telecomunicaçõesnão é diferente. Na pri- meira fase de definiçãodo novo setor pós- privatização, o Legislativo e o Executivo pnoduziram diversas regras e um glossá- rio foieditadopela Anatel "para assegurar uma interpretação inequívoca dos docu- mentos emitidos", segundo descreve a a1'ltarquiana abertura da compilação. Mas o que fazer quando os avanços tecnológicos criam políticas e, conse- E{Íientemente, novas regras embasadas elE.definições que não constam nesse liol? Longe de ser uma mera questão hipotética, essa pergunta tem sido feita fueqüentemente nos últimos meses por ceRta do lançamento de uma das mais importantes políticas públicas inaugura- dás pelo governo no setor de telecomuni- cações. Junto com o lançamento do 'Programa Nacional de Banda Larga, res- p(imsávelpor levar internet a todas as escolas públicas até 2010, uma dúvida cemeçou a fazer parte das discussões do setor: afinal, o que a Anatel entende por backhaul,a rede necessária para que este r - --- - I I I I Por enquanto, a Anatel tem sido eco- nômica no uso dessa definição. Por exem- plo, ao longo de todo o estudo técnico produzido pela agência reguladora para nortear a reforma do Plano Geral de Outorgas (PGO)e criar o Plano Geral de Regulamentação (PGR),com mais de 200 páginas, os ftmcionários da agência citam apenas uma única vez a definição do backhaul contida no decreto. Essa "economia" não ocorre porque a definição é clara, mas exatamente pelo con1rário. Den1roda agência há inúmeros liAGENTE ENTENDE nUEESSEBACKHAUL nUEA ANATElESTÁFALANDOÉOnUE CHAMAMOS DEPERIFERIA DOBACKBONE, MASNÃODÁPARATERCERTEZA:' Ivan Soares Ferreira, da lrifovias K !programasaia definitivamente do papel e Eflletevesua expansãó 1ransformada em uma obrigação das concessionárias? Nas 375 páginas do "Glossário" da ABatelnão há menção ao termo. A única i<Jefinição formal está no decreto 6.4241 2008, editado em abril último, que autori- za a 1rocada meta de instalação de Postos IdeServiçosdeTelecomunicação(PST)pela expansão da rede. No documento, backhaulé definidocomo "a infra-es1rutu- 'liade rede de suporte do STFCpara cone- xão em banda larga, interligando as redes :deacessoao backbone da operadora". entendimentos do que seja afinal backhaul e, conseqüentemente, do que pode ser classificado como tal. Para o superinten- dente técnico da Infovias, Ivan Soares Ferreira, os diversos entendimentos têm origem no fato de a Anatel e o governo terem adotado um termo de mercado para classificar a rede que pretende obri- gar as concessionárias a expandir. O pro- blema é que o termo não é muito usado nem pelas empresas atuantes nesse mer- cado. "Nós chamamos de backbone. A gente entende aqui que esse backhaul que a Anatel está falando é o que cham,.amos 20 TELETIMEAGO_2008 -. I de periferia do backbone, mas não dá I para ter certeza", afirma o responsável I técnico pela Infovias. I Contradição na Anatel I Se apenas a Infovias e ou1ras empre- I sas que vendem capacidade estivessem I em dúvida sobre a definição, a questão I poderia ser solucionadacom uma decla- I ração da Anatel esclarecendo o termo. O maior problema, no entanto, é que a pró- pria agência reguladora tem demonstra- do não ter uma posição comum sobre o assunto. Procurados por esta reporta- gem, técnicos das superintendências de Serviços Públicos (SPB) e Privados (SPV) da agência deram definições con1raditó- rias. A resposta ex1ra-oficialda SPVé que se 1rata de uma "rede de telecomunica- ções en1re pontos fixos". Já para a SPB, pode ser qualquer rede de 1ransporte de dados em alta velocidade. Note que a interpretação dada pelo técnico da SPV é menos flexível do que a do funcionário da SPB. Ou seja, a área de serviços públicos entende que outras redes, inclusive móveis, podem ter suas redes classificadas como backhaul, enquanto a de serviços privados acha que essa rede é intrinsecamente usada para serviços fixos de dados. Para além das interpretações dos téc- nicos, as declarações públicas da Anatel são mais coerentes em relação aos enten- dimentos de cada uma das áreas. Mas não expurgam a dualidade do termo den- 1ro da própria agência. Visão flexível Em apresentação à imprensa e ane- xada nos documentos tornados públicos pela agência, o superintendente de Serviços Privados, Jarbas Valente, coloca o backbone eo backhaul como sinôni- mos. Em dois slides, Valente elenca as "redes de backbonelbackhaul (médias e grandes operadoras)". O que à primeira vista parece corroborar com a interpreta- ção dada pelo técnico da Infovias não resiste a um olhar mais detalhado na lista que segue abaixo deste título.

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, ,.:POLITICASPUBLICAS Mariana Mazza, de Brasília

mariana. [email protected]

o que é esse tal de backhaul?AnateIse atrapallia nas defInições do que seja backhaul, o que pode comprometerargumentosda própria agência para tratar de sua expansão como uma obrigação.

uando se edita um conjuntode leis ou regulamentos é nor-mal encon1rar na compilaçãoum glossário ou mesmo umalista de definiçõesprévias que

iBalizama leitura das normas. No setor de'telecomunicaçõesnão é diferente. Na pri-meira fase de definiçãodo novo setor pós-privatização, o Legislativoe o Executivopnoduziramdiversas regras e um glossá-rio foieditadopela Anatel "para asseguraruma interpretação inequívoca dos docu-mentos emitidos", segundo descreve aa1'ltarquiana abertura da compilação.

Mas o que fazer quando os avançostecnológicos criam políticas e, conse-E{Íientemente,novas regras embasadaselE.definiçõesque não constam nesseliol? Longe de ser uma mera questãohipotética, essa pergunta tem sido feitafueqüentemente nos últimos meses porceRta do lançamento de uma das maisimportantes políticas públicas inaugura-dás pelogoverno no setor de telecomuni-cações. Junto com o lançamento do'Programa Nacional de Banda Larga, res-p(imsávelpor levar internet a todas asescolas públicas até 2010, uma dúvidacemeçou a fazer parte das discussões dosetor: afinal, o que a Anatel entende porbackhaul,a rede necessária para que este

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Por enquanto, a Anatel tem sido eco-nômica no uso dessa definição. Por exem-plo, ao longo de todo o estudo técnicoproduzido pela agência reguladora paranortear a reforma do Plano Geral deOutorgas (PGO)e criar o Plano Geral deRegulamentação (PGR),com mais de 200páginas, os ftmcionários da agência citamapenas uma única vez a definição dobackhaul contida no decreto.

Essa "economia" não ocorre porque adefinição é clara, mas exatamente pelocon1rário. Den1roda agência há inúmeros

liAGENTEENTENDEnUEESSEBACKHAULnUEA ANATElESTÁFALANDOÉOnUE

CHAMAMOSDEPERIFERIADOBACKBONE,MASNÃODÁPARATERCERTEZA:'

Ivan Soares Ferreira, da lrifoviasK

!programasaia definitivamente do papel eEflleteve sua expansãó 1ransformada emuma obrigação das concessionárias?

Nas 375 páginas do "Glossário" daABatelnão há menção ao termo. A únicai<Jefiniçãoformal está no decreto 6.42412008,editado em abril último, que autori-za a 1rocada meta de instalação de PostosIdeServiçosde Telecomunicação(PST)pelaexpansão da rede. No documento,backhaulé definidocomo "a infra-es1rutu-'liade rede de suporte do STFCpara cone-xão em banda larga, interligando as redes:deacessoao backbone da operadora".

entendimentos do que seja afinal backhaule, conseqüentemente, do que pode serclassificado como tal. Para o superinten-dente técnico da Infovias, Ivan SoaresFerreira, os diversos entendimentos têmorigem no fato de a Anatel e o governoterem adotado um termo de mercadopara classificar a rede que pretende obri-gar as concessionárias a expandir. O pro-blema é que o termo não é muito usadonem pelas empresas atuantes nesse mer-cado. "Nós chamamos de backbone. Agente entende aqui que esse backhaul quea Anatel está falando é o que cham,.amos

20 TELETIMEAGO_2008

- .I de periferia do backbone, mas não dáI para ter certeza", afirma o responsável

I técnico pela Infovias.I Contradição na AnatelI Se apenas a Infovias e ou1ras empre-I sas que vendem capacidade estivessemI em dúvida sobre a definição, a questãoI poderia ser solucionadacomuma decla-I ração da Anatel esclarecendo o termo. O

maior problema, no entanto, é que a pró-pria agência reguladora tem demonstra-do não ter uma posição comum sobre oassunto. Procurados por esta reporta-gem, técnicos das superintendências deServiços Públicos (SPB)e Privados (SPV)da agência deram definições con1raditó-rias. A resposta ex1ra-oficialda SPVé quese 1rata de uma "rede de telecomunica-ções en1re pontos fixos". Já para a SPB,pode ser qualquer rede de 1ransporte dedados em alta velocidade.

Note que a interpretação dada pelotécnico da SPV é menos flexível do quea do funcionário da SPB. Ou seja, a áreade serviços públicos entende que outrasredes, inclusive móveis, podem ter suasredes classificadas como backhaul,enquanto a de serviços privados achaque essa rede é intrinsecamente usadapara serviços fixos de dados.

Para além das interpretações dos téc-nicos, as declarações públicas da Anatelsão mais coerentes em relação aos enten-dimentos de cada uma das áreas. Masnão expurgam a dualidade do termo den-1ro da própria agência.

Visão flexívelEm apresentação à imprensa e ane-

xada nos documentos tornados públicospela agência, o superintendente deServiços Privados, Jarbas Valente, colocao backbone e o backhaul como sinôni-mos. Em dois slides, Valente elenca as"redes de backbonelbackhaul (médias egrandes operadoras)". O que à primeiravista parece corroborar com a interpreta-ção dada pelo técnico da Infovias nãoresiste a um olhar mais detalhado na listaque segue abaixo deste título.

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do consumidor, como a Proteste, queabriu um processo na Justiça contestan-do a legalidade do Programa Nacional deBanda Larga, sem a cláusula contratualnão haveria garantia alguma de queesses bens retomarão à União.

Estudo do Instituto Abusar para subsi-diar a ação da Protestemostracomoessecenário de diversas interpretações criouum~ ambiente frágil legalmente. Para aAbusar, a classificação dessa rede como

"de suporte ao STFC" é errô-nea. "Não se pode falar em'infra-estrutura de rede desuporte do STFC para conexãoem banda larga', porque a pla-taforma SSC-7 (Sistema deSinalização por Canal Comumn° 7), adotada pelo STFC,limitao tráfego de dados à velocidademáxima de 64 kbps", argumen-ta Horácio Belforts, presidenteda Abusar, no documento.

, Ou seja, ao se avaliar que obackhaul pode ser qualquer infra-estrutu-ra para o transporte de dados em altavelocidade, não seria possível classificararede de STFC como tal por conta da sualimitada capacidade de tráfego de dados.A Justiça já comunicou às partes envolvi-das no processo movido pela Proteste quepretende fazer uma perícia técnica paradefinir exatamente quais são os elemen-tos que compõem o backhaul antes detomar uma decisão de mérito sobre ocaso.Talvez a iniciativa ajude a esclare-cer qual a natureza desta rede, tratadahoje como o principal insumo do setorpor estar intimamente ligada ao provi-mento de serviços de banda larga. Atélá, nem mesmo a Anatel está livre dasinúmeras interpretações que esta pala-vrinha tem no setor. @

a "infra-estrutura de rede de suporte doSTFC para conexão em banda larga"como o decreto presidencial define, fica adúvida de como a Anatel tem admitidocomo backhaul redes móveis de 3G econexões por satélite.

A suposta base para essa ampliaçãodo entendimento está sinalizada no estu-do técnico da Anatel para o PGR.Os técni-cos consideram a possibilidade de exis-tência, no futuro, do backhaul em regimepúblico e privado, concomitan-temente. Teoricamente, se esseentendimento prevalecer, o"backhaul público seria a redede ofertá de EILD e todas asdemais redes de alta capacida-de seriam backhauls privados."

Se a Anatel fará essa clas-

Para Valente - e, oficialmente, para aAnatel, já que a apresentação constaentre os documentos oficiais sobre o PGR-, podem ser consideradas backhaul asredes de 3G e satélite, que vão além dotrivialmente usado pelo mercado, queentende serem apenas as redes do ServiçoTelefônicoFixo Comutado (STFC)para aExploração Industrial de Linha Dedicada(EILD) e do Serviço de ComunicaçãoMultimídia (SCM)classificáveis como tal.

Fontes da Anatel confirmam que aagência tem feito uma leitura "mais flexí-vel" do conceito mercadológico debackhaul, incluindo as redes móveis,dada a alta velocidade de transmissão.Assim, a leitura da Anatel estaria maisvoltada à capacidade das redes do que aosistema técnico usado no que é chamado

PARAO CONSELHEIRODAAGÊNCIAREGULADORA,PEDROJAIME ZILLER,

OTERMOSIGNIFICA"O nUE ANTIGAMENTESECHAMAVADEÚLTIMAMILHA"

sificação e como a colocará em práticaé mais uma dúvida em relação à refor-ma do setor. Tudo porque existe um sóserviço praticado nos dois regimes aomesmo tempo: o STFC. Assim, a solu-ção legal para essa "dupla natureza" darede é desconhecida.

Até o momento, o que vale legalmenteé a definição do decreto 6.424/2008,onde esta rede é "infra-estrutura desuporte ao STFC".A própria Anatel insis-te nessa definição nas discussões sobre anecessidade ou não de uma cláusula con-tratual que esclarecesse a reversibilidadedessa rede. Para a agência, o fato de odecreto associá-Ia ao STFC é suficientepara garantir que ela é reversível à Uniãono final da concessão, em 2025. Paraalgumas associações e órgãos de defesa

hoje de "backhaul" pelo mercado, basea-do nas redes de flbra óptica.

Outras confusões de interpretação jásurgiram em apresentações oficiais daAnatel. Ao fazer uma explanação para oConselho Consultivoda agência sobre asmudanças propostas para o PGO,o conse-lheiroPedro Jaime Zillertratou obackhaulcomo "o que antigamente se chamava deúltima milha". A reportagem não conse-guiu conflrmar esse sinônimo.

Público e privadoOs acalorados debates sobre a rever-

sibilidade do backhaul podem ganharrumos diferentes dependendo do cami-nho escolhido pela agência para interpre-tar quais redes se adaptam a este concei-to. Isso porque, se a definição for apenas

UM PRODUTO

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AGO_2008 TELETIME21