O PT e a Revolução Burguesa No Brasil - Mauro Luís Iasi

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O PT e a Revolução Burguesa no Brasil.

 Mauro Luis Iasi

“Um torneiro mecânico com tendências socialistas

 se tornou presidente do Brasil para fazero capitalismo funcionar” 

 Luiz Inácio Lula da Silva

O ciclo histórico em que nos encontramos caracteriza-se pela predominância da EstratégiaDemocrática Popular. Tal formulação encontra no Partido dos Trabalhadores (PT) sua forma de expressãoorganizativa e política e seu desenvolvimento corresponde ao percurso histórico deste partido desde suaformação em 1980 até a experiência de governo que completa em 2013 dez anos.

Seria este último período, o do PT no governo, um abandono desta estratégia naquilo que lhe éessencial, ou, estaríamos diante de um momento de seu desenvolvimento no qual se manifesta em uma formadistinta daquela que a revestia quando de sua formulação original?

Para nós, a resposta a esta questão não pode ser buscada no âmbito da pequena política, nos termosgramscianos, isto é, ao sabor do governismo ou da necessidade de justificativa de uma oposição fundadasambas no quadro conjuntural de uma correlação de forças quase que exclusivamente presa à lógica eleitoral.As determinações mais profundas deste fenômeno político encontram-se, ao nosso ver, no desenvolvimentohistórico de nossa formação social, da luta de classes e do Estado, referindo-se, necessariamente, a dimensãoestratégica e não meramente tática.

Colocada nesta perspectiva, a experiência política do PT no governo se insere no debate sobre acaracterística da Revolução Burguesa no Brasil que já foi vista como não realizada, incompleta, tardia, oumesmo “superada” como tema. No pensamento pós-moderno que acabou por imperar, não se trata mais dadiferença qualitativa entre a revolução burguesa e a revolução proletária, ou, se preferirem, entre aemancipação política e a emancipação humana, mas sim do suposto auto-aperfeiçoamento da ordemeconômica, social e política existente por via da democratização da sociedade burguesa. As supostas ou reais

diferenças entre os projetos em disputa acabam por aceitar a economia capitalista e a forma burguesa doEstado como pressupostos insuperáveis. Recusando esta aproximação, pensaremos a experiência do PT comoexpressão do ciclo da revolução burguesa.

A via clássica e não clássica da revolução burguesa. Tratar o tema na perspectiva do desenvolvimento histórico da revolução burguesa no Brasil, significa

entendê-la, nos termos de Florestan Fernandes (1976) como processo pelo qual se consolidou a ordem burguesa. Isso significa que podemos hoje iniciar nossa análise  post festum  partindo da constatação que aformação social brasileira se fundamenta em relações sociais de produção burguesas que tem por base umaeconomia capitalista consolidada e uma superestrutura política, jurídica e ideológica que expressam o domínio

e a hegemonia burguesa.

1

 Um país capitalista que resolveu seu desenvolvimento no quadro da acumulação decapital caracterizada pela alta centralização e concentração da produção levando aos monopólios inseridos deforma dependente e integrada ao sistema imperialista mundial.

Uma formação social capitalista monopolista, com relações sociais de produção determinantemente burguesas exige como parte integrante e incontornável de seu sociometabolismo (Meszáros, 2002), um EstadoBurguês e este, um sistema jurídico e político capaz de equacionar os problemas de domínio e hegemonia, decoerção e de consentimento, necessários a garantia e reprodução da ordem burguesa e da acumulação decapital.

1 Carlos Nelson Coutinho (2008) ao analisar o Estado no Brasil afirma que “malgrado todos os limites, a transição revelou, em seu ponto de chegada, um dado novo e extremamente significativo: o fato do Brasil, após vinte anos de ditadura, havia se tornado

definitivamente uma sociedade ‘ocidental’ no sentido gramsciano do termo  (...). O que caracteriza a condição ‘ocidental’ é que temosnela também uma sociedade civil forte e articulada, que equilibra e controla a ação do Estado  stricto sensu” (Coutinho, 2008: 133-134).

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  Colocado nestes termos, ao nosso ver, consideramos que a ordem burguesa existente e consolidadaindica que o ciclo do domínio burguês realizou-se e completou-se, remetendo nossa reflexão para a forma particular pela qual se deu este processo.

Ao analisar o tema, Florestan Fernandes aborda desta maneira a questão:

A questão estaria mal colocada, de fato, se se pretendesse que a história do Brasil teria de ser uma repetiçãodeformada e anacrônica da história daqueles povos (EUA e Europa). Mas não se trata disso. Trata-se, aocontrário, de determinar como se processou a absorção de um padrão estrutural e dinâmico de organização daeconomia, da sociedade e da cultura. Sem a universalização do trabalho assalariado e a expansão da ordemsocial competitiva, como iríamos organizar uma economia de mercado de bases monetárias e capitalistas?(Fernandes, 1976: 20). 

Como sabemos o sociólogo brasileiro resolve este problema de maneira bastante original. Toda vezque buscamos compreender esta questão tendo por parâmetro a revolução burguesa clássica (Inglaterra, EUA,França, etc.), acabamos por deformar nossa análise. O caminho teórico proposto pelo autor é que o domínio burguês no Brasil teve que se dar no seio de um paradoxo, qual seja, uma formação social de origem coloniale que se insere no mercado mundial que do ponto de vista político se manifestava em uma ordem oligárquica eque, portanto, não produzia aqui as condições de formação de uma burguesia. Uma revolução burguesa que

não podia partir do solo material da passagem das corporações de ofício para as manufaturas e daí para agrande indústria moderna, nem do processo de cercamentos formando de um lado uma força de trabalho livree de outro a arrendatário capitalista no campo (Marx, 2013: 785 e seguintes).

Influenciado neste momento de sua análise pelos referenciais weberianos, Florestan irá propor que fazsentido falar em revolução burguesa no Brasil se entendermos que aqui ela não foi uma mera repetição do processo clássico, uma vez que não existiam na crise da sociedade oligárquica os elementos que podiam levara formação de uma classe burguesa. Quem cumpriu este papel teria sido uma congiere social , literalmente umamontoado de setores sociais que assumiram como seus os valores da ordem burguesa e constituíram umaação social nesta direção. Um “tipo de atitude” voltada ao lucro e a acumulação de riqueza, ligada à inovação,talento empresarial, organização de grandes empreendimentos econômicos. Setores da oligarquia e outrossegmentos (o autor cita a presença dos empresários imigrantes) ao assumir como seus os valores da ordem burguesa, pela proximidade e contato com a vida urbana moderna, o grande comércio, a necessidade derelação com os bancos, vai assumindo o padrão civilizatório burguês como seu e se torna o sujeito darevolução burguesa no Brasil.

Tal aproximação implica que não se trata apenas de uma via não clássica, como aquela Lêninidentificou como via prussiana, mas, diríamos nós, uma via não clássica da via não clássica.

O resultado desta singularidade é que a ordem burguesa não precisou se impor contra a velha ordem,levando os protagonistas da ordem burguesa a necessidade de uma aliança com “os de baixo”, pelo contrário,nos termos do autor a crise do poder oligárquico não significou um colapso, mas uma transição “ainda sob ahegemonia da oligarquia”  (idem: 203) e mais, “a oligarquia não perdeu a base de poder que lograra antes,enquanto aristocracia agrária e encontrou condições ideais para enfrentar a transição” (idem: 204)modernizando-se a adaptando-se a nova ordem que surgia.

Desta maneira a revolução burguesa no Brasil se dá por uma aliança entre os setores que assumiram o

“espírito burguês” e parte das velhas elites oligárquicas e o que os une é a necessidade de frear a revoluçãovinda de baixo, dos trabalhadores urbanos e rurais e demais segmentos explorados pela ordem oligárquica. Aforma particular desta economia colonial inserida no mercado mundial e, portanto, no desenvolvimentointernacional do modo de produção capitalista, também leva à incorporação do imperialismo neste bloco dealianças que torna possível a consolidação da ordem burguesa entre nós.

O resultado destas determinações é uma revolução “dentro da ordem”, “de cima”, contra a base dasociedade, portanto, uma revolução burguesa, nos termos de Florestan, que divorcia o conteúdo burguês deseu aspecto nacional e democrático, assumindo a forma de uma “contra-revolução preventiva”.2 

 Neste aspecto a análise se aproxima da critica de Caio Prado Jr sobre a pertinência de falarmos deuma burguesia nacional. Diz Prado Jr:

2  Em outro texto ao comentar a validade da obra aqui citada, Florestan Fernandes coloca da seguinte maneira o problema: “as

 burguesias associadas e dependentes são incapazes de fomentar e dirigir as três grandes revoluções (a nacional, a industrial e ademocrática) que definiram o significado construtivo do chamado ‘capitalismo clássico’ na história das civilizações e da humanidade”

(Fernandes, [1979], 2011: 100).

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 Em suma, embora a burguesia brasileira, ou antes, alguns de seus representantes possam individualmente entrarem conflito com a poderosa concorrência de empreendimentos estrangeiros, e esse conflito se traduzaeventualmente em ressentimentos contra o capital estrangeiro, não se verificam na situação brasileiracircunstâncias capazes de darem a tais conflitos um conteúdo de oposição radical e bem caracterizada, e muitomenos de natureza política. A “burguesia nacional”, tal como é ordinariamente conceituada, isto é, como força

essencialmente antiimperialista e por isso progressista, não tem realidade no Brasil, e não passa de mais umdestes mitos criados para justificar teorias preconcebidas; quando não pior, ou seja, para trazer, com fins políticos imediatistas, a um correlato e igualmente mítico “capitalismo progressista”, o apoio das forças políticas

 populares e de esquerda (Prado Jr., 1978: 121).

Evidente que nem Fernandes, nem Prado Jr. estão analisando este processo com preocupaçõesmeramente historiográficas, esta leitura é parte do esforço teórico de ambos para pensar os rumos darevolução brasileira e, portanto, dos fundamentos de uma estratégia da revolução socialista. Por caminhosdistintos, ambos chegam à critica dos fundamentos da estratégia que predominou no primeiro período denossa história republicana até o golpe militar e empresarial de 1964 e que teve no PCB sua forma política maisexpressiva: a estratégia democrática e nacional. 

Os fundamentos mais essenciais à essa formulação estão na compreensão de que a contradição

 principal de nossa formação social se encontrava nos elementos que obstaculizavam o desenvolvimento domodo de produção capitalista no Brasil, notadamente a permanência da estrutura agrária tradicional e oimperialismo. O incipiente desenvolvimento de uma economia capitalista no Brasil, a formação de ummercado interno, uma política de substituição de importações que gera o início da formação de uma indústriamoderna, teria criado uma burguesia industrial moderna que se chocava com os interesses das elites agrárias edo imperialismo. Esta contradição se expressaria politicamente na luta da burguesia contra estes setores e anecessidade de aliança com as massas assalariadas urbanas e rurais constituindo as bases de uma revoluçãodemocrática e nacional.

Esta formulação estratégica coincide com a orientação da Internacional Comunista, como ressaltaCaio Prado Jr citando as resoluções do VI Congresso da IC ao avaliar os caminhos da revolução noschamados países coloniais ou semi-coloniais: 

A passagem à ditadura do proletariado não é possível nesses países, em regra geral, senão através de uma sériede etapas preparatórias, por todo um período de desenvolvimento da revolução democrático-burguesa emrevolução socialista (VI Congresso da IC, 1928, apud, Prado Jr.: 65).

A estratégia democrática e nacional predominante não significa, em hipótese alguma, que neste período ela tenha assumido uma forma de expressão homogênea, pelo contrário, manifestou-se em diferentesdefinições sobre a via de sua realização, seu programa e em diferentes políticas de aliança. Como exemplodesta diversidade podemos apenas indicar a profunda diferença entre a restrita política de alianças de caráterobreirista que orientou o Bloco Operário e Camponês nos anos vinte e início dos anos trinta, e a ampla políticade alianças que impulsionava a formação da ANL nos anos trinta e, significativamente, no primeiro casooptando-se por uma via eleitoral e no segundo por uma via insurrecional e armada; ou ainda a linhaestabelecida no V Congresso do PCB em setembro de 1960, que definiu a pressão pacífica de massas, a

centralidade da luta sindical e a aliança com a burguesia nacional no campo eleitoral materializada na aliançacom o PTB, em contraste com os termos do Manifesto de agosto de 1950 que pregava a formação de umexército de libertação nacional e o armamento do povo.

Estas alterações de forma devem ser compreendidas pelas profundas alterações conjunturais quemarcaram o período, basta lembrar que entre 1922, ano de fundação do PCB, e 1964, passamos desde a crisegeral do capitalismo de 1929, a ditadura do Estado Novo (1937-1945), a segunda guerra mundial, o processodemocratização autoritária de Dutra, o segundo governo Vargas, sua deposição, o governo Juscelino nocontexto já da guerra fria, a luta pelas reformas de base no governo Goulart.

O que afirmamos é que, mesmo considerando equivocada a estratégia democrática nacional, isto nãodeve nos levar a acreditar que o PCB ao implementá-la não tenha criado condições de amplas mobilização eorganização proletária e popular e o tenha feito na perspectiva de uma revolução socialista.3  O etapismo

3 De certa maneira isso serve, também, ao analisar mos a estratégia democrática e popular. O fato de a considerarmos, como veremos,equivocada, não impede de no âmbito de sua influência possa ter tido capacidade de mobilização e dinamização da luta de classes nadireção de uma política emancipatória.

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 presente nesta concepção levou a gravíssimas conseqüências políticas, no entanto, como afirma Del Roio(2012: 217) “uma pretensa visão dualista e etapista da história, presente no conjunto da cultura comunista noBrasil, se falsa não é, deve ser, pelo menos matizada”. 

O autor nos oferece alguns exemplos significativos. Na I Conferencia Nacional do PCB em 1934,ainda que a estratégia democrática nacional estivesse mantida, ressalta-se que: 

a linguagem para expressar a natureza da revolução democrática tenha se alterado, observando-se como mais seusou o conteúdo da revolução –  agrária e anti-imperialista  –  ou as forças motrizes –  operária e camponesa  –  doque a natureza  –   democrática-burguesa. A chamada I Conferencia Nacional do PCB, de julho de 1934,apregoava a luta da aliança operário e camponesa e outras camadas populares pela instauração de uma ditadurademocrática com um governo operário e camponês contra o “bloco feudal- burguês” (Del Roio, op. cit.: 220). 

Dez anos depois, em 1944, Prestes falava da necessidade da classe operária liquidar os “restos feudais,de maneira que se torne possível o desenvolvimento o mais amplo, o mais livre e o mais rápido do capitalismono pais” e um ano depois afirmaria: 

Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidadede aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com parte democrata e progressista da burguesia

nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeiro colonizador(Carone, v. 2, 1982: 29, apud Del Roio, op. cit: 223).

O problema fundamental desta análise reside na compreensão do Brasil como uma formação pré-capitalista ou mesmo semi-feudal, uma vez que assim procedendo o caminho da revolução brasileira sefundaria num comportamento das classes em luta e na dinâmica de seus interesses de forma que seconstituiriam dois blocos: um bloco conservador e reacionário formado pelos latifundiários e a burguesiamonopolista ligada diretamente ao imperialismo, e um bloco identificado como progressista que aglutinaria o proletariado, os camponeses, as massas urbanas e setores da chamada burguesia nacional.

A principal tarefa desta revolução, como fica claro nas palavras de Prestes citadas por Del Roio, eraeliminar os “restos feudais” e criar as condições para o desenvolvimento do capitalismo, considerado com o pré-condição para a formação de uma sociedade moderna na qual a contradição transitaria para o eixo capital

e trabalho, permitindo a proletarização da sociedade e a possibilidade de uma alternativa socialista.A prova prática desta estratégia se deu em abril de 1964 com o golpe militar que articulou osinteresses dos latifundiários, do imperialismo e da burguesia brasileira rompendo o bloco de classes suposto pela estratégia democrática nacional. Este episódio representa em nossa história o momento da tragédia, àestratégia democrática e popular caberia o papel da farsa. 

O PT e a estratégia democrática e popular.

O Partido dos Trabalhadores é produto direto da crise da autocracia burguesa e de seu modeloeconômico. Ao contrário do que supunha o pensamento sociológico brasileiro, expresso, por exemplo, pelostrabalhos de Juarez Brandão Lopes (1971) e Leôncio Martins Rodrigues (1970),4 a classe trabalhadora acabou por apresentar um desenvolvimento quase ortodoxo quanto ao seu comportamento político e a possibilidade

de uma consciência de classe.As condições de trabalho, a intensificação da produção, os salários corroídos pela inflação mascarada

 pelas manobras oficiais do então ministro Delfim Netto, levaram à eclosão das greves no final da década de1970 e produziram as condições do rápido alastramento das lutas para além do setor operário permitindo umafusão de classe contra a ameaça comum materializada na autocracia burguesa.

A rápida passagem de um “apoliticismo” que buscava preservar a pureza dos ob jetivos meramentesindicais, para a constatação da necessidade de criar uma organização política, demonstra o processo deconstituição de uma classe em si e a consciência que lhe é correspondente.5 

4 Lopes (1971) e Rodrigues (1970), partindo de um referencial weberiano, afirmaram que a origem camponesa do operariado brasileiro

o faz vivenciar as condições fabris como um “aumento de  status”, da mesma forma que sua entrada na indústria já se dá na formafordista, impedindo assim que vivenciem a perda da condição operária, base, segundo os autores, para o desenvolvimento de uma

consciência de classe típica. 5 Lula, ao dar uma entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura em 1979, afirmou que era um sindicalista e que jamais em toda asua vida iria entrar na política partidária e se candidatar a nada. Logo após, em abril de 1980, afirmaria: “cheguei a conclusão de que a

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  O novo partido surgido entre 1979 e 1980 teria que firmar sua posição diferenciando-se da tradiçãocomunista, e isso não pela necessidade de compreensão aprofundada desta herança, mas pela intensa lutadentro do sindicalismo que obrigava uma demarcação com a linha do PCB e PCdoB que apoiavam e participavam de máquinas sindicais controladas por pelegos como é o caso de Joaquim dos Santos Andrade noSindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Outra razão, não menos importante, é que o PT acabou por ser o desaguadouro de um conjunto demilitantes e organização que romperam com o PCB no contexto da derrota de 1964, ou que dele já vinhamdivergindo, como é o caso da corrente trotskista desde os anos vinte, e que haviam acumulado criticas àformulação estratégica determinante no período passado.

Este contexto se manifesta nas primeiras formulações do PT e ganha forma mais acabada a partir do VEncontro Nacional em 1987. Neste encontro se afirma, quase como uma síntese dos esforços realizados no IVEncontro sobre a caracterização da sociedade brasileira e seu desenvolvimento, que: 

(...) o PT rejeita a formulação de uma alternativa nacional e democrática, que o PCB defendeu durante décadas,e coloca claramente a questão do socialismo. Porque o uso do termo nacional, nessa formulação, indica a

 participação da burguesia nessa aliança de classes –  burguesia que é uma classe que não tem nada a oferecer aonosso povo (apud Almeida ett alli, 1998: 322).

Esta rejeição deve ser, como veremos, matizada, uma vez que, apesar de se referir aos elementos daestratégia democrática nacional, notadamente a aliança com a chamada burguesia nacional, podemos estardiante de uma superação formal que enfrentando os aspectos mais aparentes corre o risco de reproduzir asdeterminações mais essenciais.

Um dos aspectos formais mais evidentes é a tentativa de diferenciar-se da estratégia democráticanacional pela afirmação da meta socialista. Ressaltando que, enquanto meta, este horizonte nunca foidescartado pelo PCB, a afirmação da meta socialista pelo PT vinha, desde o 1º Encontro Nacional (1981), já buscando uma originalidade que diferenciaria o partido que naquele momento surgia de duas tradições: dasocial-democracia e do chamado socialismo real. O socialismo afirmado pelo PT, neste momento, era maisresultado de sua postura anticapitalista. Em seu discurso no encontro, Lula afirmou que os trabalhadoressabiam que o “mundo caminha para o socialismo”  e já o sabiam mesmo antes de tomar a iniciativa deconstruir um partido, pelo fato de que “os trabalhadores são os maiores explorados da sociedade atual” e por

isso sentiriam “na própria carne” esta situação e os levando a querer uma sociedade sem exploração. Etermina dizendo: “que sociedade é essa senão uma sociedade socialista?” (Discurso de Lula na 1 ª Convenção Nacional do PT, apud Almeida ett alli, op. cit: 114).

Este socialismo deveria diferenciar-se, como dissemos, de duas referências: 

Sabemos que caminhamos para o socialismo, para o tipo de socialismo que nos convém. Sabemos que não nosconvém, nem está em nosso horizonte, adotar a ideia do socialismo para buscar medidas paliativas aos malessociais causados pelo capitalismo ou para gerenciar a crise em que este sistema econômico se encontra.Sabemos, também, que não nos convém adotar como perspectiva um socialismo burocrático, que atende mais àsnovas castas de tecnocratas e de privilegiados que aos trabalhadores e ao povo (idem, ibidem).

Ainda que já se apresentasse aqui o mito segundo o qual o tipo de “socialismo petista” iria ser

construído no dia a dia das lutas, a forma como ele é apresentado como meta estratégica chega a ser, nestemomento, quase ortodoxo. No mesmo discurso Lula assim o define:

O sindicato é ferramenta adequada para melhorar as relações entre capital e trabalho, mas não queremos só isso. Não queremos apenas melhorar as condições do trabalhador explorado pelo capitalista. Queremos mudar arelação entre capital e trabalho. Queremos que os trabalhadores sejam donos dos meios de produção e dos frutosde seu trabalho. E isso só se consegue com a política (idem: 107).

 Não é portanto a definição do objetivo estratégico que define as diferenças entre certas concepçõesestratégicas, mas o caminho proposto para alcançá-lo. Neste sentido parece que o PT procurava romper com aformulação democrática nacional pela critica do “etapismo” e pela aliança com a burguesia. Vejamos, no

entanto, esta consideração de maneira mais detida.

classe trabalhadora não poderia pura e simplesmente chegar à época das eleições e dar seu voto, oferecendo, às vezes, favores; daí, portanto, que eu entendi que os trabalhadores precisavam se organizar politicamente” (apud Meneguello, 1989: 51). 

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  Já no IV Encontro Nacional do PT (1986), ao analisa a formação social brasileira, se afirmava que: 

O Estado brasileiro destes últimos anos do século XX é um Estado moderno, poderoso, aparelhado material eculturalmente; ramifica-se em ministérios, órgãos, repartições e instituições que detêm grande conhecimentoconcreto da realidade em seu benefício, vale dizer, em benefício da classe burguesa (idem: 249).

E logo adiante conclui:

Como conclusão desta análise é possível dizer que o capitalismo no Brasil se desenvolve de maneira desigual esubordinada ao imperialismo, com uma burguesia e um Estado burguês modernos, organizados e aparelhadosem luta contra uma classe trabalhadora em diferentes graus de organização: a classe média, de contornosambíguos e híbridos, semi-organizada, e o proletariado urbano e rural em crescente organização, embora aindafrágil (idem, ibidem).

Esta caracterização nos levaria a acreditar que dadas estas condições do desenvolvimento docapitalismo e da sociedade burguesa no Brasil o equívoco da formulação do PCB, segundo as formulações petistas, seria a suposição de uma estratégia fundada na hipótese de que haveria uma fase não concluída destedesenvolvimento, daí a lógica das “etapas”. No entanto, é aqui que aparece o elemento constituidor da

chamada estratégia democrático e popular. Apesar do desenvolvimento do capitalismo no Brasil e daconsolidação de uma sociedade burguês moderna, a forma dependente em relação ao imperialismo e a permanência de uma estrutura agrária tradicional marcavam nossa formação social e a natureza destedesenvolvimento.

A singularidade do Brasil estaria no fato de que o desenvolvimento capitalista perpetuou contradiçõesque a revolução burguesa não deu conta, como, por exemplo, as desigualdades sociais e regionais, aconcentração de terras e o caráter autoritário do Estado. Tal aproximação fica evidente nesta passagem:

Ao contrário de outros países, entre nós o capitalismo tem se desenvolvido respeitando o monopólio da propriedade da terra, recorrendo constantemente à força repressiva do Estado para mediar as relações entre otrabalho e o capital e integrando-se de modo subordinado ao mercado e ao sistema financeiro do imperialismo.(V Encontro [1987], idem: 320)

Em outra parte nas resoluções do mesmo encontro vemos que o crescimento do capitalismo teria sedado pela intensificação da dependência em relação ao capitalismo internacional impondo patamares desuperexploração e a um alto grau de monopolização de setores importantes da economia brasileira. Oresultado de tal dependência se apresenta na acentuação das desigualdades regionais, principalmente devido àdistribuição do parque industrial (concentrado nas regiões Sul e Sudeste), assim como a convivência degrandes propriedades fundiárias identificadas como “latifúndios capitalistas e a agroindústria” ao lado demilhões de pequenos produtores rurais (idem: 319). A persistência das desigualdades incidiria nas formas políticas e no Estado brasileiro, de forma que:

A incapacidade do capitalismo incorporar, ainda que minimamente, milhões de pessoas aos frutos dodesenvolvimento limita a possibilidade da burguesia exercer sua hegemonia política na sociedade, o que está naraiz das freqüentes intervenções militares na vida do pais (idem: 320).

O que vai se delineando na definição de uma estratégia alternativa à concepção dos comunistas brasileiros, se fundamenta em alguns pressupostos que se apresentam mesmo antes da estratégia democrática popular se constituir. O PCB supunha um desenvolvimento capitalista como condição prévia de umarevolução proletária, enquanto o PT, acreditando que o desenvolvimento capitalista já havia se dado, ainda pressupõe uma mediação anterior ao socialismo que denomina de democrático e popular.

Uma estratégia não pode ser compreendida como resultante da mera intencionalidade dos sujeitos políticos, ela é produto de todo um conjunto de fatores entre os quais o grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais e o grau de amadurecimento da contradição que daí deriva em relação às relações sociaisde produção existentes, a dinâmica da luta de classes, o caráter do Estado e, naquilo que nos interessadiretamente, da expressão destas contradições na consciência social de uma época, no quadro cultural eteórico existente.

As raízes da estratégia democrática e popular: um inventário.

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 As criticas empreendidas por intelectuais como Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Carlos Nelson

Coutinho e outros, constituem a matéria prima a partir da qual uma nova formulação estratégica podia seredificada. Deve-se destacar que não é possível, nem pertinente, atribuir a responsabilidade pelodesenvolvimento de uma estratégia nem de seu desdobramento a um ou outro intelectual, no entanto, oselementos das diversas formulações teóricas que buscavam acertar contas com o período que se encerravaguardam os germes daquilo que se desenvolveria como formulação determinante no período que se abria.

Caio Prado Jr. ([1966] 1978), partindo da critica ao conceito de “burguesia nacional” pelos motivosanteriormente citados, avalia que o desenvolvimento em nosso país não se daria pela mera motivação do lucro privado. Aquilo que ele denominava como “vícios estruturais” de nossa formação social permitiam que aacumulação de capitais se desse com taxas de lucro aceitáveis para os monopólios e o imperialismo, ainda quemantendo a maioria da população à margem dos patamares de consumo e de condições de vida. Conclui, portanto, que diferentemente do centro do sistema: 

 No Brasil e nas condições atuais, a questão se propõe de forma diferente, porque falta aqui, por efeito precisamente dos vícios orgânicos de nossa estrutura econômica e social que apontamos (...), uma demandasuficiente em consonância com as necessidades fundamentais e gerais, e capaz por isso de permanentementeincentivar uma atividade produtiva que, em ação de retorno, viesse ampliá-la ainda mais (Prado Jr., 1978: 164).

Esta contradição poderia ser resolvida, segundo o autor, na medida em que o desenvolvimento fossedirigido para a atenção às demandas desta maioria da população formada pelos assalariados urbanos e rurais,além das camadas médias empobrecidas. Este redirecionamento levaria ao impulso ao desenvolvimento pelocaminho do crescimento da demanda, substituindo o lucro como mola propulsora clássica. O caminho nãoseria mais da produção para o consumo, mas do consumo para a produção. Diz Caio Prado Jr:

(...) há de essencialmente se atacar a reforma do sistema a fim de impulsionar o seu funcionamento no sentido deum desenvolvimento geral  e  sustentado. É do aumento da demanda solvável, e sua articulação com asnecessidades gerais e fundamentais do país e de sua população, que se há de partir para o incentivo às atividades

 produtivas que em seguida incentivarão a demanda. Não é possível, repetindo o ocorrido no desenvolvimentocapitalista originário, ir no sentido contrário, isto é, da produção para o consumo e a demanda (idem: 164)

(grifos meus).

Tal transformação prescindiria de profundos câmbios nas formas de propriedade e nas relações sociaisde produção, uma vez que, segundo o autor, não se trataria de superar a economia de mercado, massimplesmente a “livre economia de mercado”6, isto é, a livre definição por parte dos empresários sobre odestino de suas aplicações e investimentos, dirigindo-as para ao atendimento das demandas ligadas ascondições de vida e trabalho da maioria. Tratar-se-ia, portanto, de desenvolver o capitalismo, reorientando-onesta direção descrita. Completa:

É preciso não esquecer que a situação da economia brasileira, a pobreza e os baixos padrões da populaçãotrabalhadora derivam menos, frequentemente, da exploração do trabalhador pela iniciativa privada, que da faltadessa iniciativa com que se restringem as oportunidades de trabalho e ocupação (idem: 165-166).

 No entanto, de que forma tal formulação se articula com a meta socialista? Para Caio Prado Junior éevidente que o horizonte no qual se desembocaria a revolução brasileira é o socialismo, mas o socialismo, dizo autor, é a “direção na qual marcha o capitalismo”, é a “dinâmica do capitalismo projetado no seu futuro”(idem: 16). Contudo, assegura o autor, isso representa, não mais que uma “previsão histórica” para a qual não podemos antecipar nem quando, nem ritmo de realização, nem mesmo um “programa determinado” (idem,ibidem). A convicção do autor reside na constatação que as condições para o salto de qualidade que levaria,cedo ou tarde, a humanidade ao socialismo não estavam dadas, principalmente no Brasil. Diz o autor:

A eliminação da iniciativa privada somente é possível com a implantação do socialismo, o que na situação presente é desde logo irrealizável no Brasil por faltarem, se outros motivos não houvesse, condições mínimas de

6 “Não se pretende com isso eliminar a iniciativa privada, e sim unicamente a livre iniciativa privada que, esta sim, não se harmonizacom os interesses gerais e fundamentais do país e da grande maioria de sua população, por não lhe assegurar suficiente perspectiva de progresso e melhoria de condições de vida” (Prado Jr., idem: 165). 

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  consistência e estruturação econômico, social, política e mesmo simplesmente administrativa, suficientes paratransformação daquele vulto e alcance (Idem: 165).

Desta maneira, ao criticar os pilares da formulação democrática nacional, ainda que não fosse suaintenção, Caio Prado Junior alinhava os elementos germinais da formulação que se seguiria e com a qual nãoteve nenhuma relação direta. Em linhas gerais estes elementos, pelo que foi até aqui indicado são: a) a críticacontra a existência de uma “burguesia nacional” que tivesse como intencionalidade política odesenvolvimento de um capitalismo autônomo em relação ao imperialismo; b) a permanência dedesigualdades e contradições que se explicam pelo caráter do desenvolvimento capitalista brasileiro e suarelação com o imperialismo; c) o protagonismo dos setores populares, massas assalariadas do campo e dacidade em aliança com setores médios na busca de afirmação de suas condições de vida, trabalho eremuneração que não podem ser atendidas pela simples reprodução da lógica do lucro e do mercado privado;d) a necessidade de uma reorientação da produção incentivada pela apresentação organizada de uma demanda pelos bens e serviços que materializam as necessidades destas massas, superando o “livre mercado” pelaorientação destas demandas como impulsionador do desenvolvimento da produção.

Restava um elemento importante: como estas demandas se apresentariam com força para seremconsideradas pela produção ainda regida pela propriedade privada e a economia de mercado? A resposta doautor é que a única maneira destas demandas se apresentarem com força política para serem levadas em contaé fazer com que o Estado as apresente como expressão de uma vontade política majoritária e legitima. Háneste ponto uma ausência marcante em  A Revolução Brasileira, ou seja, falta uma reflexão mais profundasobre o Estado brasileiro, suas determinações e sua evolução histórica. Entretanto, os elementos centraisestavam deste modo lançados.

Será em Florestan Fernandes e sua obra  A Revolução Burguesa no Brasil , cuja redação se inicia em1964 e 1966 e que se completa em 1974, que o tema volta à cena e que outros elementos do projeto que setornaria determinante se apresentam. Existem vários pontos de aproximação entre os esforços de Caio PradoJunior e do sociólogo paulista, no entanto, a primeira reação de Florestan Fernandes é de crítica ao colega.Em um artigo de 1968, após destacar vários pontos em que compartilhava com Caio Prado, Fernandes afirmaque: 

Somente em um ponto estou em desacordo com as opiniões de Caio Prado Junior. Trata-se do delineamento do programa político, que é apresentado aos leitores. Não descobri nele uma irrefutável substância socialista. Existeuma intenção socialista, sem dúvida, mas o programa proposto seria perfeitamente exequível por uma burguesianacional bastante autônoma, inteligente e criadora para combinar, em bases puramente capitalistas, alguma sortede welfare state com crescimento econômico acelerado (Fernandes, 2011: 129).7 

Analisemos uma pouco mais detidamente o pensamento de Florestan Fernandes neste momento para buscarmos compreender em que se baseiam suas reticências e quais alternativas propõe. Como sabemos emsua obra sobre a revolução burguesa no Brasil, o autor nos afirma que a ordem burguesa em nosso país seimplantou de uma forma particular na qual um setor social oriundo da própria ordem oligárquica assumiu osvalores da civilização burguesa. Neste contexto a ordem burguesa não necessitou derrotar o antigo regime emaliança com os trabalhadores, pelo contrário, os defensores da ordem burguesa aliaram-se aos setoresoligárquicos e ao imperialismo e se voltaram contra qualquer possibilidade de uma revolução que viesse oumobilizasse os “de baixo”, assumindo a forma, como dissemos de uma “contra-revolução preventiva”. Umarevolução “dentro da ordem” (Fernandes, 1975: 212). 

Esta caracterização explica, aos olhos do autor, que o caráter do Estado no Brasil não é casual oucontingencial, mas expressa características estruturais derivadas da forma do capitalismo dependente que aquide se desenvolveu. O divorcio entre os conteúdos burgueses e nacionais leva a uma particular forma de EstadoBurguês no Brasil, no qual: 

Isso faz com que a intolerância tenha raiz e sentido políticos; que a democracia burguesa, nessa situação, seja,de fato uma “democracia restrita”, aberta e funcional só para os que têm acesso à dominação burguesa (idem,

ibidem).

7  Presente na coletânea publicada pela editora da UFRJ em 2011, este texto foi originalmente publicado no jornal  A Senzala  de janeiro/fevereiro de 1968 com o titulo, dado pela redação do periódico: “Caio Prado não disse tudo” (nota do editor da obra citada,

2011).

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A forma política do Estado Burguês teria que ser a da “autocracia”, isto é:  

Um poder que se impõe sem rebuços de cima para baixo, recorrendo à quaisquer meios para prevalecer,erigindo-se a si mesmo em fonte de sua própria legitimidade e convertendo, por fim, o Estado nacional edemocrático em instrumento puro e simples de uma ditadura de classe preventiva (idem: 297).

Cada momento histórico pode evidenciar uma maior ou menor necessidade deste Estado Burguêsmascarar este caráter autocrático, como no segundo governo Vargas até 1945, ou no períododesenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, ou expressá-lo sem rebuços em sua pureza como no período daDitadura Militar após 1964. O caráter autocrático não se confunde com a forma política da ditadura, mas sefundamentaria estruturalmente na forma capitalista dependente e suas implicações inevitáveis na estrutura declasses e na dinâmica da luta política.

Assim é que o autor, nos marcos da  Revolução Burguesa no Brasil , irá afirmar que as burguesias próprias das formações sociais de capitalismo dependente e subdesenvolvido não podem ser identificadascomo segmentos débeis ou frágeis, pelo contrario, elas costumam apresentar um grande poder econômicolocal (nacional), graças aos quais angariam um equivalente poder social e político, reforçado pelo controle damáquina do Estado. Conclui, portanto, que: 

Torna-se, assim, muito difícil deslocá-las politicamente através de pressões e conflitos mantidos ‘dentro daordem’; e é quase impraticável usar o espaço político, assegurado pela ordem legal, para fazer explodir ascontradições de classe (idem: 296).

A autocracia burguesa teria a particular característica de ser “inflexível”, fato do qual deriva suatendência a se utilizar dos meios repressivos institucionais contra as demandas do de baixo, não por ser débil,mas pelo contrário, muito forte. Seu caráter de força política à favor da contra-revolução preventiva, faz doEstado Burguês no Brasil uma expressão política de fins políticos particularistas em defesa de interessesmateriais privados (idem, ibidem). Ora, eis aqui um paradoxo: como um Estado assim caracterizado poderiaservir como instrumento para que os setores majoritários da população apresentassem suas demandas comovontade geral a ser levada em conta pelo mercado e os produtores privados, como esperava Caio Prado?

É possível verificar que neste ponto a análise de Florestan se distancia daquela anteriormenteapresentada. Para o autor o ciclo da revolução burguesa se colocaria na confluência histórica de dois processosno qual duas revoluções antagônicas coexistem: “uma que vem do passado e chega a termo sem maiores perspectivas; outra, que lança suas raízes diretamente sobre ‘a construção do futuro no presente’” (idem: 295).Por isso, uma crítica à formulação estratégia predominante até 1964 teria que ter por fundamento a ideia derevolução permanente tal como formulada por Marx em 1852 e retomada posteriormente por Trotski. Naquiloque nos interessa diretamente aqui, tal aproximação política e teórica afirma que a contradição principal noBrasil contemporâneo é aquela que reside no eixo que contrapõe de um lado a manutenção e reprodução daordem capitalista e de outra a sua negação na forma e uma alternativa socialista.

Em sua já citada critica ao livro de Caio Prado, Florestan Fernandes explicitara este raciocínio aodizer que:

Em nossa época já não se pode acreditar piamente no encadeamento histórico inexorável das etapas dodesenvolvimento econômico e social. Uma burguesia fortalecida sem lutas dá origem a uma sociedade nacionalsem forças de oposição socialista. O que significa que poderá usar o Estado para qualquer fim, inclusive para seeternizar como substrato social das elites no poder (Fernandes, 2011: 130).

 Na ausência de uma alternativa socialista que se fundamente claramente em valores e meios políticosde caráter socialista, as forças de esquerda assumem o papel do inconformista que “resguarda e fortalece aordem social existente”, ou, de maneira ainda mais dura, convertendo-se em um “aliado útil mas incômododas elites, na fase burguesa da revolução” (idem: 131). Neste quadro de referencia as lutas políticas “dentro da

ordem” só poderiam interessar aos socialistas se demonstrassem o potencial de mobilizar as massas detrabalhadores urbanos e rurais na direção de uma perspectiva “fora da ordem” e, tomando a America Latina

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como paradigma, quando as massas populares irrompem no acontecer histórico esta revolução é umarevolução socialista (Florestan, 2011: 107).8 

Aqui nos deparamos com um elemento importante. A contradição da ordem burguesa no Brasil étratada ao final da obra analisada como um paradoxo próprio da autocracia burguesa, isto é, por sua natureza aautocracia é uma saída sempre temporária, mas que pelos motivos assinalados assume a forma estrutural doEstado Burguês em nossa formação social (Florestan, 1975: 321). Sem uma oposição socialista e, o que éfundamental, sem um movimento socialista que faça com que esta alternativa se expresse como interesse político organizado das massas populares, a crise da autocracia burguesa encontraria uma saída nos marcos daordem burguesa.

Pensando sobre as formas possíveis através das quais a burguesia poderia resolver seu problema dehegemonia, Fernandes afirma que dois cenários se apresentariam. Dadas as características estruturais quefundamentam a autocracia burguesa e pelos motivos até então assinalados, a burguesia transitaria de umaforma ditatorial para uma outra na qual o caráter autoritária e autocrático seria mantido, ainda que em formasalteradas. Nesta alternativa, como vemos, o paradoxo persistiria. Uma segunda possibilidade seria que a burguesia enfrentaria na raiz seu problema de hegemonia, isto é, buscando a incorporação de setores dasclasses trabalhadoras e dos extratos explorados na ordem capitalista burguesa, ainda que nos marcos docapitalismo dependente. Neste segundo cenário a ordem poderia oferecer pouco aos trabalhadores em troca de

sua aceitação da ordem burguesa, mas mesmo este pouco seria considerado muito pelos setores burgueses nocontrole do Estado. O autor denomina este segundo cenário de “democracia de cooptação” (idem: 363). Considerando a conjuntura de meados da década de 1970, o autor descarta esta segunda alternativa e

acredita que o desenvolvimento imediato do quadro político brasileiro seria o do fortalecimento da autocracia. 

Até onde pudemos chegar, por via analítica e interpretativa, não padece dúvida de que as contradições entre aaceleração do desenvolvimento econômico e a contra-revolução preventiva só podem ser resolvidas, “dentro da

ordem”, não pela atenuação, mas pelo recrudescimento do despotismo burguês (idem: 365).

Caso consideremos o desdobrar imediato dos fatos que ficaram conhecidos como processo dedemocratização (do governo Figueiredo até Sarney e depois com Collor e FHC), parece evidente o acerto da perspectiva do sociólogo paulista. No entanto, um fato relevante fará com que sua perspectiva se alterasse profundamente, ainda que mantendo os princípios de sua análise.

Lembrando que o autor entendia como limite que impedia a alteração de qualidade da conjuntura emque se dava a luta de classes no Brasil a ausência de uma ação autônoma das classes trabalhadoras como partede um movimento socialista, a entrada em cena dos trabalhadores em 1978 se configura em suas palavrascomo um divisor de águas (Florestan, 2011: 278).9 O movimento grevista que se inicia no ABC paulista e sealastra por todo o pais colocaria em evidencia uma nova força da revolução democrática, ou seja, o limite darevolução burguesa era o de se fundamentar na repressão dos de baixo e daí assumir a forma de umademocracia sempre restrita; agora temos uma força social que atua no sentido da ampliação desta democracia.

Este novo elemento permite à Fernandes pensar a dinâmica da revolução brasileira (lembre-se daimagem de duas revoluções que confluem no mesmo tempo histórico) como um movimento que levasse deuma revolução “dentro da ordem”, o epílogo da revolução que vem do passado, a se transformar em   umarevolução “contra a ordem”, aquela que se lança no presente em direção ao futuro, portanto, uma revolução

socialista.Para isso para o autor o movimento socialista deveria se articular profundamente com aquilo que eledenomina de “rebelião operária” e caso isso ocorresse alteraria o   caráter da luta de classes e inscreveria a proposta alternativa socialista no terreno concreto da história. Diz Florestan: 

É preciso operar dentro da ordem e com objetivos circunscritos. Fazer o que as classes possuidoras não fizeram, porque nunca tiveram de dividir o espaço político com as classes subalternas. Isso poderá parecer tacanho, porém algo promissor. Ao se incluírem nesse mesmo espaço político, as classes trabalhadoras forçarão areativação da revolução nacional e imprimirão à revolução democrática um novo padrão histórico. Em suma,começarão por liberar a revolução nacional (contida e esmagada pelo desenvolvimento com segurança para fora)e enterrarão de vez a democracia restrita, construída sob o escravismo e imposta ao trabalho livre por uma

8

 Presente na mesma coletânea utilizada, este texto já é de 1979 no qual o autor avalia o significado de seu livro sobre  A Revolução Burguesa no Brasil  em aula inaugural na FFLCH da USP. 9 Passamos a citar a partir deste ponto o texto Perspectivas políticas e novos partidos de 1978 (Fernandes, 2011).

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  burguesia incapaz de alimentar a revolução nacional, ligando entre si desenvolvimento com democracia(Florestan, [1978], 2011: 279).

Podemos resumir a posição do autor da seguinte maneira. A forma particular da revolução burguesano Brasil implicou em um afastamento da maioria da população, fundamentalmente, da classe trabalhadorados espaços políticos que acabaram por se restringir ao bloco dominante. A novidade histórica se apresentaria

na medida em que uma força social de baixo, ligada aos trabalhadores, passaria a pressionar pela “ampliaçãoda democracia” abrindo a possibilidade de uma revolução democrática. No entanto, por que esta revolução“dentro da ordem” poderia levar ao objetivo socialista? 

A resposta de Florestan Fernandes parece estar na sua caracterização do Estado no Brasil e do caráterda burguesia em um capitalismo dependente. Vimos que para o autor a principal característica da RevoluçãoBurguesa no Brasil é que dada suas particularidades de uma contra-revolução preventiva, a burguesiadesenvolve uma intransigência, uma inflexibilidade, isto é, o Estado Burguês se mostra impermeável àsdemandas vindas de “baixo”. 

Um poderoso movimento de massas, organicamente vinculado à classe operária e que apresentasse asdemandas das classes trabalhadoras, mesmo nos limites da ordem burguesa, se chocaria com este Estado e aintransigência dos setores dominantes, exigindo uma ruptura que levaria à revolução “fora da ordem”. Comovemos, é o caráter da autocracia burguesa que permite a dinâmica que leva à revolução permanente.

Este seria o ponto em que a análise de Florestan vai além da apresentada de Caio Prado. Enquanto ointelectual do PCB vê como possibilidade de superação da estratégia democrática nacional um conjunto deforças populares capazes de pautar suas demandas por meio do Estado no sentido de um desenvolvimentosustentável de caráter nacional, o intelectual paulista vê na impermeabilidade do Estado Burguês brasileiro àestas demandas a possibilidade de um programa democrático levar à possibilidade de desenvolvimento dosocialismo.

Existiria um conteúdo da revolução burguesa não realizada, como vimos, e que o autor denominará detarefas democráticas em atraso e que, no quadro argumentativo exposto, só poderiam ser realizada por umaaliança de classes no campo popular e no sentido do socialismo.

Resumidamente, os elementos centrais que Florestan Fernandes agrega à constituição da futuraestratégia democrática popular são: a) A autocracia burguesa se funda em aspectos estruturais derivados da

forma dependente do capitalismo brasileiro; b) A evolução particular da Revolução Burguesa no Brasil produziu uma separação entre o caráter burguês (a consolidação da ordem burguesa, que foi realizado) e ocaráter democrático e nacional (que pelas determinações apontadas não foi realizado ou está “em atraso”); c) aausência de um movimento de massas de caráter socialista organicamente vinculado aos trabalhadores emgeral e a classe operária em particular, leva ao fortalecimento da autocracia e de uma democracia restrita; d) aentrada em cena dos trabalhadores em 1978 permite a luta por uma democracia ampliada que inserindo os de baixo no campo político permitiria que uma revolução dentro da ordem se transforma-se em uma revolução“fora da ordem”; e) finalmente, esta passagem seria possível pela intransigência da burguesia e aimpermeabilidade do Estado Burguês em relação às demandas populares.

Cabe ressaltar que esta mediação política fundada na concepção de revolução permanente se apresentaem Florestan, também, pelo fato de que o autor está convencido que apesar de estarmos em um momentohistórico da Revolução Socialista, não haveria na conjuntura política da luta de classes (lembremos que o

autor escreve nos momentos iniciais da transição democrática) as condições para uma ruptura socialista. Noentanto, neste autor os motivos são distintos daqueles apresentados por Caio Prado. Para Fernandes trata-se dadiferença entre “partidos políticos” e “movimento socialista”,10 isto é, não bastaria que a meta socialista fosseapresentada por uma organização política ela precisaria se vincular às lutas da classe trabalhadora colocadaem movimento pelas contradições próprias da ordem do capital. O autor vê esta possibilidade com o adventodas greves operárias em 1978 e a generalização da luta contra a autocracia em crise.

A possibilidade real aberta pela crise da autocracia burguesa e pela qualidade nova de um movimentovindo de baixo pressionando por uma democracia ampliada, recoloca no centro do debate a questão do Estadoe da Democracia. Este é outro elemento importante neste inventário que busca os germes que constituiriam aestratégia Democrática e Popular. Neste ponto específico, um outro intelectual teria papel central: Carlos Nelson Coutinho.

10 Ver a respeito o texto Movimento Socialista e Partidos Políticos, que foi inicialmente uma palestra realizada no Colégio Equipe emSão Paulo em outubro de 1978 e posteriormente publicada pela HUCITEC com o mesmo título em 1980 (Fernandes, 2011:241 e segs).

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  Com seu texto, Democracia como valor universal , de 1980, Coutinho está profundamente envolvidocom o debate interno do PCB, o que significa que seu quadro de referencias ainda se aproxima das resoluçõesdo V Congresso do PCB e dos horizontes de uma revolução nacional e democrática.11 No entanto, ali estão emgerme alguns aspectos essenciais da futura estratégia democrática popular e que no desdobrar da obra desteautor se explicitam.

O ponto de partida de Coutinho é, neste momento, a categoria de via Prussiana12  e podemosresumidamente afirmar que partindo deste ponto o autor caracteriza a contradição da sociedade brasileiracomo sendo centralmente a separação entre Estado e Sociedade Civil, isto é, a particularidade da via dedesenvolvimento capitalista em nosso país teria se dado por um pacto entre as frações da classe dominante eimposto de cima para baixo com a marginalização das massas populares. Ressalta, ainda, que as bases deste processo político é a aliança entre os setores agrários tradicionais e as forças do imperialismo levando àconsolidação de um tipo de Estado no qual predomina os meios coercitivos,13  fazendo com que a principaltarefa das classes trabalhadoras e seus aliados venha a ser a inversão desta tendência elitista identificada comovia prussiana (Coutinho [1980], in Lowy, 2006).

O centro do debate apresentado é sobre o caráter estratégico da democracia em uma critica às visõesque a entendiam como mero expediente tático na luta pelo socialismo. Profundamente influenciado pelochamado eurocomunismo, o autor explicita a referência à Enrico Berlinguer, Coutinho apresenta sua posição

da seguinte maneira: 

Segundo tal visão política (tática e instrumental), a democracia política  –   embora útil à luta das massas populares por sua organização e em defesa dos seus interesses econômicos-corporativos  –  não seria, em últimainstância e por sua própria natureza, senão uma nova forma de dominação da burguesia, ou, mais concretamente,no caso brasileiro, dos monopólios nacionais e internacionais (Coutinho, op. cit., 449).

Recuperando Berlinguer, Coutinho afirmará que nos tempos atuais a democracia tem que sercompreendida muito além do mero campo no qual as classes trabalhadoras impõe demandas aos dominantes,mas seria uma “valor historicamente universal sobre o qual fundar uma original sociedade socialista”(Berlinguer em seu discurso no 60º aniversário da Revolução Soviética em Moscou, 1977). Desta forma ademocracia não poderia ser “encarada como um objetivo tático imediato, mas aparece como o conteúdoestratégico da etapa atual da revolução brasileira” (idem, ibidem).

Também em Coutinho aparece a convicção segundo a qual pensar a estratégia para a revolução brasileira exige a diferenciação entre o momento atual e sua conjuntura política e a meta socialista. SegundoCoutinho as forças populares, por vezes, apresentam uma visão equivocada que confunde as tarefas imediatasda luta política que não poderiam “ser identificadas com a luta pelo socialismo”, uma vez que estas últimasexigiriam “um combate árduo e provavelmente longo pela criação dos pressupostos políticos, econômicos eideológicos que tornarão possível o estabelecimento do socialismo” (idem, ibidem). 

Coutinho estabelece, desta maneira, uma conexão entre esta visão equivocada (concepção restrita dademocracia como tática e a confusão entre as lutas imediatas e os objetivos históricos) e uma determinadaconcepção de Estado que teria prevalecido na esquerda e na tradição marxista. Diz Coutinho: 

Esta visão estreita se baseia, antes de mais nada, numa errada concepção da teoria marxista do Estado, numafalsa identificação entre democracia política e dominação burguesa (idem, ibidem).

O suposto equívoco teria suas raízes naquilo que o autor denomina de uma concepção “restrita deEstado” presente em Marx e  Engels, assim como em Lênin (Coutinho, 2008), contrapondo a uma visão“ampliada” de Estado que pode-se encontrar em Gramsci. No essencial esta concepção contrapõe o Estadovisto como “mero comitê executivo da burguesia”, como definido por Marx e Engels no  Manifesto

11  Ver Marcelo Braz (2012) sobre o contexto e implicações do ensaio de Carlos Nelson Coutinho  –   A democracia como valor

universal. 12 Coutinho irá posteriormente trabalhar com o conceito gramsciano de revolução passiva, mas adverte que quando se trata do períodoque vai de Collor em diante considera que tais conceitos são poucos adequados, optando com Behring (2003) pelo termo “contra-reforma”. 13 Segundo Coutinho, a via prussiana incide diretamente na própria estrutura do relacionamento entre o Estado e a sociedade civil “já  que o caráter extremamente forte e autoritário do primeiro correspondeu à natureza amorfa e atomizada da segunda” (Coutinho, op. cit,451).

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Comunista, a uma compreensão do Estado como unidade de coerção e consentimento, portanto, comomomento político em unidade dialética com a sociedade civil.

Tomada por este angulo, as lutas sociais que se abrem com a crise da ditadura tornaria possível um processo de democratização que poderia produzir um salto de qualidade histórico, qual seja, superar asdeterminações da chamada via prussiana. Diz o autor: 

Essa renovação democrática do conjunto da vida brasileira (…) aparece, portanto, não apenas como alternativahistórica à via prussiana, como modo de realizar em condições novas as tarefas que a ausência de umarevolução democrático-burguesa deixou abertas em nosso país, mas também  –  e precisamente –  como processode criação dos pressupostos necessários para o avanço do Brasil no rumo do socialismo (idem: 451).

Esse elemento contido no processo de democratização, capaz de enfrentar as tarefas que a revolução bur guesa teria deixado “em aberto”, teria o potencial de se articular com o horizonte estratégico dostrabalhadores, o socialismo, pelo fato de produzir as condições para uma inversão que atuaria diretamente nasdeterminações estruturais apresentadas, isto é, no eixo da relação entre Estado e sociedade civil, como pareceficar claro nesta passagem:

O fortalecimento da sociedade civil abre a possibilidade concreta de intensificar a luta pelo aprofundamento da

democracia política no sentido de uma democracia organizada de massas, que desloque cada vez mais ‘para baixo’ o eixo das grandes decisões hoje tomadas exclusivamente ‘pelo alto’ (idem: 454). 

 Notem que aqui também se apresentam dois elementos comuns com a análise de Fernandes: aschamadas tarefas em aberto da revolução burguesa e o papel das lutas sociais vindas das massas populares nosentido de ampliação da democracia. Apesar de em 1980 não abandonar a inclusão da questão nacional emesmo da aliança com setores da “burguesia nacional”, Coutinho aponta para o fato que o centro estratégicodeste processo de democratização se encontraria nas camadas populares e na formação daquilo quedenominava de um “bloco democrático e nacional- popular” (idem, ibidem). 

O caminho da democratização seria estratégico, também, pelo fato de tocar em um aspectoconstitutivo da singularidade brasileira, isto é, o fato de que o Estado no Brasil “sempre ter sido dominado porinteresses privados” (Coutinho [2006], 2008: 126). Ressaltando que esta é uma característica de todo Estado

no capitalismo em geral, o autor afirma que no desenvolvimento do Estado no Brasil, marcadamente de 1930até o golpe empresarial e militar de 1964 e a ditadura que o seguiu, presenciamos um processo claro de“dominação sem hegemonia”, ou seja, uma dominação na qual o caráter coercitivo é o determinante. Tal fatoaproximaria o Brasil da caracterização de Gramsci de um Estado “oriental”, no sentido de uma sociedade política forte e uma sociedade civil “gelatinosa” (Gramsci, 2007, v. 3: 261-262). Diz Coutinho: 

 Numa formação social de tipo “oriental” –   ou, como no caso brasileiro e latino-americano em geral, de“ocidentalização” ainda não plenamente desenvolvida - , as classes dominantes não precisam recorrer àmecanismos próprios da sociedade civil quando querem frear a ascensão das classes subalternas por meio deuma ditadura, de uma dominação sem hegemonia (Coutinho, 2008: 129).

Em 1989, já no PT, Carlos Nelson Coutinho em um seminário organizado em São Paulo, 14 afirmará

que o processo de democratização em curso havia produzido uma alteração significativa, qual seja, em umafor mação social de tipo “oriental”, ou com uma “ocidentalização em desenvolvimento”, a luta de classes se dá“predominantemente em torno da conquista do Estado-coerção”, e a forma comum desta luta de classes é aguerra de movimentos, ou seja, o “assalto ao poder”; enquanto que nas chamadas sociedades “ocidentais”  oEstado teria se ampliado e isso implicaria para a luta de classes uma alteração significativa:

(...) as lutas por transformações radicais travam-se no âmbito da “sociedade civil”, visando a conquista doconsenso da maioria da população, mas se orientam, desde o início, no sentido de influir e de obter espaços noseio dos próprios aparelhos do Estado, já que esses são agora permeáveis à ação das forças em conflito(Coutinho, [1989] 2008: 40).

14 Trata-se do texto  Democracia e Socialismo: questão de princípio apresentado no seminário organizado pelo PT em abril de 1989

 PT: um projeto para o Brasil , publicado no mesmo ano pela editora Brasiliense. 

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   Notem que há aqui uma diferença em relação à formulação de Florestan Fernandes no que diz respeitoao caráter impermeável do Estado Burguês às demandas dos de baixo, mesmo considerando este umacaracterística histórica do Estado no Brasil, Coutinho acredita que o processo de democratização e mesmoantes dele na ditadura militar, teria havido um acelerado desenvolvimento da sociedade civil o que de certaforma obrigaria às classes dominantes a levar em conta as demandas vindas dos diferentes segmentos sociaisara garantir seu domínio, transitando, desta forma, de uma dominação sem hegemonia para uma dominaçãocom hegemonia. Tal fato levaria à possibilidade daquilo que o autor denominou de “reformismorevolucionário” (idem:39). Sinteticamente afirma Coutinho: 

 Não há reformas radicais na ordem econômica e social sem uma concomitante reforma radical da maquina doEstado. Em outras palavras: só numa democracia de massas, onde o protagonismo político passa cada vez mais

 para um Estado controlado pela sociedade civil e seus atores, é possível fazer com que uma política consequentede reformas de estrutura conduza gradualmente à superação do capitalismo. É nesta exata medida que a luta pelademocracia e a luta pelo socialismo são duas faces solidárias da mesma moeda (Coutinho, idem: 48).

Enquanto em Fernandes a possibilidade de equacionar a revolução dentro da ordem com a revoluçãofora da ordem é a intransigência da burguesia e a impermeabilidade do estado Burguês, para Coutinho é asuperação desta contradição, isto é, o desenvolvimento da sociedade civil que permitiria que um conjunto de

reformas radicais, ainda que dentro da ordem capitalista, pudessem levar à “gradualmente” se superar ocapitalismo.

Ressaltando que a influência de Carlos Nelson e suas contribuições teóricas sobre o partido que seformava não é direta nem pessoal apesar de sua adesão ao PT, mas muito mais no sentido daquele contextocultural e político que falávamos, estamos convencidos que estas formulações constituem um elementoimportante na constituição daquilo que se denominou de estratégia Democrática e Popular. Podemos,sinteticamente apontar os seguintes aspectos: a) a centralidade da questão democrática; b) a convicçãosegundo a qual o processo de democratização aberto pela crise da ditadura alterou a correlação de forças e permitiu a consolidação de uma sociedade civil forte; c) uma concepção “ampliada” de Estado na qual estacorrelação de forças poderia imprimir uma direção política ao Estado que não poderia mais ser visto como o“comitê executivo dos interesses burgueses”, mas como síntese da luta entre as classes; d) a possibilidade dereformas radicais produzirem “gradualmente” mudanças estruturais que levariam a superação do capitalismo.  

O PT: a estratégia democrática popular e o governo.

 No V Encontro Nacional do PT (1987) a estratégia democrática e popular toma forma. Buscando sediferenciar da experiência do PCB e da revolução democrática nacional, o PT propunha uma aliança dossetores explorados no capitalismo, os trabalhadores da cidade e do campo com os setores médiosempobrecidos, para realizar uma série de reformas estruturais de caráter antimonopolista, antilatifundiária eanti-imperialista. A lógica presente nestas formulações ainda se reveste de um radicalismo evidente, isto é,ainda que estas reformas ocorram na ordem burguesa existente, prevalece aqui uma visão que se aproxima daconcepção de Florestan Fernandes, ou seja, que a afirmação das demandas dos trabalhadores ao se chocar coma ordem autocrática burguesa só poderia se completar com uma ruptura. Desta maneira, um governo que

resultaria de uma acumulação de forças e na constituição de um movimento de massas de caráter socialista,deveria assumir a seguinte forma: 

 Nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas democráticas e populares, de caráterantiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista  –   tarefas não efetivadas pela burguesia  – , tem duplosignificado: em primeiro lugar, é um governo de forças sociais em choque com o capitalismo e a ordem

 burguesa, portanto um governo hegemonizado pelo proletariado, e que só poderá viabilizar-se com uma rupturarevolucionária; em segundo lugar, a realização das tarefas a que se propõe exige a adoção concomitantemente demedidas de caráter socialista em setores essenciais da economia e com o enfraquecimento da resistênciacapitalista. Por essas condições, um governo dessa natureza não representa a formulação de uma nova teoria dasetapas, imaginando uma etapa democrático-popular, e, o que é mais grave, criando ilusões, em amplos setores,na possibilidade de uma nova fase do capitalismo, uma fase democrática popular (V Encontro Nacional [1987],in Almeida e Cancelli etti all, 1998: 322).

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  Tal formulação contrasta profundamente com os termos do 12º Encontro Nacional que antecede achegada do PT pela primeira vez ao Governo Federal quando afirma que:

Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país, exige o apoio de amplas forças sociaisque dêem suporte ao Estado-nação. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a promover uma amplainclusão social  –  portanto distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes rentistas e especuladores serão

atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nestas condições, não se beneficiarão do novo contratosocial. Já os empresários produtivos de qualquer porte  estarão contemplados com a ampliação do mercado deconsumo de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa que caracteriza o atual modeloeconômico. Crescer a partir do mercado interno significa dar previsibilidade para o capital produtivo (12.ºEncontro Nacional (2001: 38).

Uma análise superficial nos levaria a crer que a segunda formulação comprova o abandono da perspectiva democrática e popular e revela a adesão a uma clara opção pragmática que marcaria a experiênciado PT no governo. Infelizmente, ao que parece, as coisas não são tão simples.

Vejamos quais seriam os aspectos formais e os mais fundamentais da formulação Democrática ePopular e até que ponto temos mudanças e permanências. Pelo que foi exposto os elementos que embasam a proposta democrática popular seriam: a) uma caracterização do Brasil como tendo um desenvolvimento

capitalista no qual se reproduzem desigualdades regionais e sociais e que é marcado pela marginalização dossetores populares do espaço político; b) Um Estado Burguês que historicamente assumiu uma feição predominantemente coercitiva e que com a abertura democrática abre a possibilidade de uma real ampliaçãoda política para os “de baixo”; c) a impossibilidade de uma passagem imediata ao socialismo o que implicaem uma política de acúmulo de forças; d) este acúmulo de forças se fundamenta na organização das demandas populares a serem apresentadas tendo por eixo um programa antimonopolista, anti-imperialista eantilatifundiário que ao se chocar com o caráter autocrático do Estado Burguês levaria a uma ruptura (em umaaproximação), ou que devido ao fortalecimento da sociedade civil poderia levar gradualmente a um conjuntode reformas que superariam o capitalismo (em outra); e) o terreno desta luta seria o da democracia e os principais instrumentos seriam as lutas sociais e a participação nas eleições que combinadas levariam, numadeterminada alteração na correlação de forças, a chegar a pontos institucionais que poderiam desencadear asreformas radicais.

Quando avaliamos o desenvolvimento das formulações do PT desde sua fundação até o momento quechega ao governo (Iasi, 2006) percebemos uma lenta mais evidente metamorfose que transita, em termosgerais, de uma postura de negação da ordem burguesa ao acomodamento nos limites desta ordem. Nomomento em que realizamos esta análise,15 chamávamos a atenção o fato de que a aparente diferenciação emrelação à estratégia democrática nacional poderia não estar simplesmente na recusa de uma aliança com a“burguesia nacional” e a afirmação da meta socialista como recusa de um certo “etapismo”. Naquele momentoafirmávamos que haviam indicações de uma superação incompleta, isto é, podiam ser notadas algunselementos comuns ao universo das formulações do PCB que corriam o risco de passar desapercebidos.

Podemos, apenas indicativamente, apontar a coincidência na constatação de que a natureza dodesenvolvimento econômico, social e político brasileiro resultar em desigualdades e estas serem derivadas da permanência de uma estrutura agrária tradicional e da vinculação ao imperialismo, levando na essência a um programa antilatifundiário e anti-imperialista (agregando-se o antimonopolista quase como adequação diantedo desenvolvimento produzido no ciclo autocrático ditatorial). Segue-se a necessária mediação de umatransição política que se apresente antes das transformações socialistas objetivadas (seja no PCB como etapademocrática burguesa, seja no caso do PT do acúmulo de forças para um governo democrático e popular).Essencialmente trata-se de duas formulações muito distintas, mas que partilham de uma mesma convicção:não é possível uma estratégia e um programa de caráter socialista o que implica em uma mediaçãodemocrática (nacional no caso do PCB, popular no caso do PT).

Dadas estas aproximações, parecia-me que se o PCB podia amparar a necessidade desta mediação pela leitura que fazia da formação social brasileira como pré-capitalista (que seria compreensível, ainda quenão aceitável, à luz do desenvolvimento brasileiro até a década de 1950 e 1960), no entanto no caso do PT quecompreendia o desenvolvimento capitalista, esta mediação parecia como paradoxal. No caso das formulações petistas este aparente paradoxo se esvanece na medida em que fundado no pleno desenvolvimento do

15 Trata-se da tese de doutorado produzida entre 2001 e 2004 no programa de pós graduação da FFLCH da USP e publicada pelaExpressão Popular em 2006.

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capitalismo e da ordem burguesa, a meta socialista estaria garantida, no entanto, o caráter destedesenvolvimento (a permanência das desigualdades e o caráter coercitivo do Estado) e a correlação de forçasimpunham a mediação democrática, ainda que não a aliança com a burguesia, o caráter nacional e a lógica deuma etapa de desenvolvimento de uma “capitalismo democrático”. Tal constatação me fez afirmar que:  

Significativamente as formulações do PT acabaram presas na fronteira entre o rompimento e a reprodução desta

armadilha. Rompe com a formulação de etapas do PCB para reapresentá-la novamente de forma tragicamentecaricatural. Na versão original a aliança de classes era com a burguesia nacional e a tarefa era desenvolver ocapitalismo. Na reencenação do drama a aliança é com a pequena burguesia para construir o “socialismo”. Para

que fosse idêntica a formulação deveria assumir um caráter nacional e supor alianças com a burguesia propriamente dita. Como veremos, nem um nem outro destes fatores, lamentavelmente, faltarão na seqüênciados acontecimentos (Iasi, 2006: 441).

Infelizmente de fato não faltaram. Uma das características da metamorfose operada é que pouco a pouco, amplia-se o leque de alianças até incluir os empresários “de qualquer porte”, a prioridade do

crescimento econômico de caráter capitalista e a lógica “nacional”, não com qualquer resquício de anti -imperialismo, mas como interesse geral acima do particularismo de classe. O caráter pequeno burguês queespera criar as condições para o “socialismo” acaba, como outras experiências políticas desta natureza, sendo

um criativo e eficiente modo de evitá-lo.Tanto o aspecto da recusa da aliança com a burguesia, como em relação à meta socialista seesvanecem, mas em relação a que aspecto que permanece e se fortalece? Parece-me que o aspecto central seencontra na lógica de uma determinada concepção de acúmulo de forças e, particularmente, numa certacompreensão do Estado neste processo.

O que de fato determina a possibilidade de execução do programa democrático popular original(contra os monopólios, o latifúndio e o imperialismo que só se completaria com uma ruptura) seria umacorrelação de forças que permitisse chegar ao governo e dispor de apoio popular para executar as reformasradicais. Ora, na equação real a maneira de consolidar o apoio popular pelas reformas e a possibilidade dechegar ao governo para executá-las se mostram, pelo menos ao juízo da maioria que se formou no PT e ocontrola, como antagônicas, isto é, a radicalidade que consolida um apoio à transformações democráticas quesó se completariam em uma ruptura socialista, estreitaria a base eleitoral que permitiria a chegada ao governo.

Sabemos como esta contradição se resolveu. Dada a centralidade da vitória eleitoral presidencial naestratégia assumida, abre-se mão da radicalidade inicial, modera-se o programa, e busca-se uma ampliação dasalianças rumo ao “centro”. Este cenário abria uma questão importante: seria possível seguir no acúmulo deforças participando de um espaço estratégico do Estado (o Governo Federal)? José Genoino em uma atividade política formula da seguinte forma o debate que ocorria na direção nacional do PT: a) devemos disputar a presidência? b) é possível uma vitória e eleitoral? c) caso seja possível, é desejável governar ainda que acorrelação de forças não permita a plena execução de um programa democrático popular tal comooriginalmente se apresentava?

O PT responde positivamente a estas indagações, ou seja, é possível e desejável chegar a presidência econtinuar o acumulo de forças a partir de um ponto mais elevado e estratégico. Esta resposta só é efetiva seconsiderarmos que se embasa na visão de Estado anteriormente descrita, ou seja, que a sociedade políticareflete a correlação de forças presente na sociedade civil.

A situação real de governo apenas aprofunda a contradição. As alianças necessárias para ganhar nãosão suficientes para governar e se ampliam pra além do centro, para a direita do espectro político. Segue-senova moderação programática e finalmente a rendição ao pragmatismo.

As alianças e o programa se mostram, desta forma, secundários em relação ao acumulo de forças, amediação democrática é mais essencial que seu caráter popular, não por acaso, nas formulações o termo forte passa a ser “uma revolução democrática”, caindo para segundo plano o qualitativo popular. 

Resta saber se este desfecho implica na ruptura da estratégia ou é uma consequência de sua efetivação. Nos parece que a única maneira de assumir que o produto não corresponde a intenção política inicial é suporque as formas de implementação política poderiam levar a um resultado qualitativamente e essencialmentediverso.

Evidente que a ação política imprime direções diversas e os resultados históricos não podem ser

compreendidos num quadro de desdobramentos inflexíveis e unidirecionais, no entanto, se estamos correto emnossa análise, os fatores essenciais apontados determinariam um pano de fundo no qual as mudanças de

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forma, ainda que importantes e com resultados políticos muito diversos, não teriam o poder de alterar oslimites da formulação estratégica.

Creio que os processos venezuelano e boliviano, por motivos que não cabe analisar aqui, sãoexpressões de uma estratégia democrática e popular que assume uma forma radical que potencializa a luta declasses naqueles países, principalmente se compararmos com o governo e pacto social e de apassivamento talcomo se expressou no Brasil. No entanto, até o momento, tais processos ainda não culminaram em rupturas decaráter socialista e suas contradições, ainda que num patamar muito mais avançado, ainda são as mesmas deum momento de mediação democrática radicalmente popular de um ordem burguesa capitalista preservada.

 No caso brasileiro a situação ainda é pior, pois o preço da governabilidade e do aparente sucesso degoverno é o desarme das condições políticas, organizativas e de consciência de classe que poderiam apontar para uma ruptura com a ordem do capital. O que presenciamos aqui é, paradoxalmente, o fato que aexperiência do PT se não levou à meta socialista suposta inicialmente, cumpriu factualmente uma outra tarefa:encerrou o ciclo de consolidação da revolução burguesa no Brasil.

Como vimos, o problema da burguesia e da ordem burguesa dado o caráter dependente e associado docapitalismo em nossa formação social era o estreito limite em que a classe dominante poderia operar suahegemonia. Nos termos apresentados por Florestan, a burguesia precisava legitimar sua ordem para alem doslimites estreitos do pacto burguês/oligárquico, construindo as condições de uma “hegemonia externa” em

relação a este circulo, o que implicava a incorporação dos de baixo. A super-exploração, as desigualdades e adependência impunham um caráter limitado de uma democracia restrita e uma ampliação só poderia se dar naforma de uma democracia de cooptação.

 No entanto, esta esbarrava na intransigência dos setores burgueses e na compreensiva resistência dostrabalhadores que não aceitariam a cooptação com o pouco que seria possível oferecer-lhes. O PT ofereceu asaída para este impasse. Organizou o consenso entorno de uma alternativa que garante os patamares deacumulação de capitais e o apassivamento dos trabalhadores nos limites da ordem burguesa em troca de doisaspectos essenciais: emprego e capacidade de consumo para os empregados e programas sociaiscompensatórios, focalizados e neo-assistenciais, para os miseráveis.

 No lado da acumulação de capitais os 10% mais ricos que em 1989 acumulavam 53,2% da riquezanacional passam em 2008 a acumular 75,4% desta riqueza, enquanto aqueles submetidos à miséria absolutaque viviam com menos de U$ 2,00 ao dia, hoje, graças aos programas compensatórios, passaram a viver com

U$ 3,00 ao dia, ou seja, saíram da miséria absoluta para viver na miséria. Nada mais ilustrador dos termos deuma “democracia de cooptação”. 

Em entrevista ao programa norte-americano 60 minutes  o presidente Lula ao final de seu segundomandato esclarece uma dúvida do repórter e que, nos parece, evidencia o sentido do processo político em quenos encontramos:

Repórter: havia muitos empresários no Brasil e no estrangeiro muito preocupados com sua posse que pensavamque era um socialista e que daria uma virada completamente à esquerda. Agora são estas pessoas que são seusmaiores apoiadores. Como isso aconteceu?

Lula: Veja, eu de vez em quando brinco que um torneiro mecânico com tendências socialistas se tornou presidente do Brasil para fazer o capitalismo funcionar. Porque éramos uma sociedade capitalista sem capital. Ese você olhar para os balanços dos bancos neste ano, verá que nunca antes os Bancos ganharam tanto dinheirono Brasil como eles ganharam no meu governo. E as grandes montadoras nunca venderam tantos carros comono meu governo. Mas os trabalhadores também fizeram dinheiro.

O PT não foi o protagonista de uma alternativa socialista para o Brasil, foi o protagonistaindispensável para a consolidação de uma democracia de cooptação e, com ela, a consolidação da ordem burguesa em nosso país. A origem social de classe do PT e seu comprometimento inicial com as demandas populares não garantem ad eternum  sua localização no campo da perspectiva socialista e revolucionária.Como adiantou brilhantemente Florestan Fernandes em 1979 sobre o quadro histórico e político no qualnascia o PT: “um movimento trabalhista, ainda que muito forte, integro e autônomo, se não contiver um profundo conteúdo socialista revolucionário, irá acabar num reformismo e, quem sabe, até num oportunismo”(Fernandes, 2011: 351).

A ordem burguesa cujo desenvolvimento econômico logrou consolidar-se sob a forma de umaautocracia, encontrou as condições para chegar à forma madura de sua expressão política em uma sociedadecivil burguesa, sob a forma democrática constrangida pelas determinações da forma capitalista que lhe serve

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de base. Transitamos, finalmente, de uma dominação burguesa “sem hegemonia”, para uma forma dedominação burguesa “com hegemonia”. Isso não seria possível sem o PT. 

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