O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro a participação dos docentes da 7 CRE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro: a participação dos docentes da 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) como avaliadores da política educacional Carla da Mota Souza Niterói - RJ 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro: a

participação dos docentes da 7ª Coordenadoria Regional de

Educação (CRE) como avaliadores da política educacional

Carla da Mota Souza

Niterói - RJ

2012

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CARLA DA MOTA SOUZA

O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro: a

participação dos docentes da 7ª Coordenadoria Regional de

Educação (CRE) como avaliadores da política educacional.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Faculdade de

Educação da Universidade Federal Fluminense,

como requisito para obtenção do Grau de Mestre

em Educação. Campo de Confluência: Políticas

Públicas, Movimentos Instituintes e Educação.

Orientador: Prof. Dr. Waldeck Carneiro

Niterói – RJ

2012

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

S729 Souza, Carla da Mota.

O Projeto Realfabetização no município do Rio de Janeiro: a participação

dos docentes da 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) como

avaliadores da política educacional / Carla da Mota Souza. – 2012.

272 f.

Orientador: Waldeck Carneiro.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade

de Educação, 2012.

Bibliografia: f. 186-198.

1. Projeto educacional. 2. Alfabetização. 3. Rio de Janeiro (RJ). 4.

Política educacional. 5. Políticas públicas. 6. Avaliação. I. Carneiro, Waldeck.

II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.

CDD 372.4

1. 371.010981

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Universidade Federal Fluminense

Faculdade de Educação

Programa de Pós-graduação em Educação

Mestrado em Educação

CARLA DA MOTA SOUZA

O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro: a

participação dos docentes da 7ª Coordenadoria Regional de

Educação (CRE) como avaliadores da política educacional.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal

Fluminense, como requisito para a obtenção do

Grau de Mestre em Educação. Campo de

Confluência: Políticas Públicas, Movimentos

Instituintes e Educação.

Data de aprovação: 27 de Abril de 2012.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Waldeck Carneiro (UFF, Orientador)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF/ Presidente)

Prof. Dr. Jorge Najjar

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

(Profª Drª Lívia Freitas Fonseca Borges

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB)

Niterói – RJ

2012

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DEDICATÓRIA

Ao melhor amigo que muitas pessoas sonham ter, Antônio de Cístolo Ribeiro,

por sua ajuda imprescindível, desde o início dos estudos para a seleção ao Mestrado até a

elaboração da dissertação. Por seu amor e dedicação às crianças e aos problemas

educacionais. Pelo apoio afetivo com palavras otimistas em todos os momentos da

caminhada, pela simplicidade, por sua paciência comigo e pela sabedoria compartilhada.

À minha avó querida, amada e doce, Hercídia de Azevedo Dias, em homenagem

póstuma, pela confiança em minha capacidade de aprendizado, pelo incentivo e valorização

dos estudos, pela luta constante e exemplo de força de vontade para a superação de

obstáculos.

Aos meus filhos amados, Thiago da Mota Souza e Caio César da Mota Souza,

por estarem próximos, apoiando e participando da minha história...

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Waldeck Carneiro, pelo seu acolhimento em momento difícil, por sua

orientação, por sua capacidade intelectual, passando-me segurança e sinalizando maneiras de

construir o conhecimento e, também, por sempre estar disposto a dialogar.

À Profª Drª Flavia Monteiro de Barros Araújo, pelo olhar carinhoso, pela sabedoria

compartilhada em vários momentos, por seus conselhos sábios e prudentes, por sua

amorosidade e, acima de tudo, por sua humanidade para com todos.

Ao Prof. Dr. Jorge Najjar, pela disposição em sempre ajudar, pela vivacidade de suas

colocações, pela inteligência bem-humorada e pelo seu carinho.

À Prof. Drª Lívia Borges, pela presteza em participar da banca examinadora de

minha dissertação.

A todos os Professores da 7ª CRE, entre docentes regentes, itinerantes e

coordenadora, pela disponibilidade e por seu trabalho responsável e imprescindível à

educação.

A todos os Educandos, que me inspiraram a realizar este trabalho e a compreender a

importância de aprender e ensinar em comunhão.

A todos os Companheiros do GRUPPE-UFF, pelos conhecimentos construídos em

debates e pelo carinho de todos.

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é analisar o Projeto Realfabetização, implantado em 2009, na Rede

Municipal de Educação do Rio de Janeiro, por meio de parceria celebrada entre a Secretaria

Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME) e o Instituto Ayrton Senna (IAS). O estudo

buscou analisar o Projeto Realfabetização, nos anos de 2009 e 2010, tomando como referência

a avaliação do Projeto feita por professores da 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE)

do Município do Rio de Janeiro. O Projeto Realfabetização tem como objetivo promover a

correção de fluxo dos alunos com distorção idade/série, não alfabetizados, do 3º, 4º e 5º anos

do Ensino Fundamental. A metodologia adotada buscou combinar as abordagens qualitativa e

quantitativa, com emprego de diferentes instrumentos de produção de dados, tais como

questionário, entrevista semiestruturada, observação e análise documental. A avaliação dos

professores sobre o Projeto Realfabetização foi teoricamente fundamentada no corpo

conceitual formulado por Pierre Bourdieu, notadamente nos conceitos de campo, agente,

habitus, estratégia e capital, bem como na concepção de educação emancipatória de Paulo

Freire. Para a contextualização da pesquisa, foi discutido o ciclo das políticas públicas

descrito por Stephen Ball e Richard Bowe, com maior ênfase no contexto da prática. Também

foram considerados o conceito de participação, em Antonio Faundez e Pedro Demo, e as

contribuições do paradigma da avaliação emancipatória, formulado por Ana Maria Saul, como

mediações para discutir a avaliação de políticas educacionais. Também foi problematizada a

relação entre o público e o privado na educação, na medida em que a natureza da colaboração

que sustenta o Projeto Realfabetização na Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro é

uma parceria público-privada. Entre as principais conclusões, o estudo apontou, na

perspectiva dos professores, a frágil e ultrapassada fundamentação pedagógica do Projeto

Realfabetização, bem como seu caráter autoritário, na medida em que nega o protagonismo

docente na prática pedagógica. A pesquisa revelou, também, que é discutível a efetividade do

Projeto na correção do fluxo escolar dos alunos, visto que os percentuais de êxito constatados

são bem inferiores às metas estabelecidas pelo próprio Projeto. Entretanto, os professores

consideraram válido o Projeto porque perceberam avanços no seu propósito de enfrentar o

desafio da alfabetização dos alunos com distorção idade/série.

Palavras-Chave: Projeto Realfabetização - Município do Rio de Janeiro; Política

Educacional; Avaliação de Políticas Públicas.

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RESUME

Le but de la présente recherche est d’analyser le Projet “Realfabetização”, mis en place en

2009, dans le Réseau Municipal d’Education de la Ville de Rio de Janeiro, par le biais d’un

partenariat célebré entre le Sécretariat Municipal d’Education de Rio de Janeiro et l’Institut

Ayrton Senna. L‘étude a cherché d’examiner le Projet “Realfabetização”, dans les années

2009 et 2010, tout en prennant comme référence l´évaluation du Projet qui a été faite par les

enseignants de la 7ème Coordination Régional d’Education de la Ville de Rio de Janeiro. Le

Projet “Realfabetização” a pour but de promouvoir la correction du parcours scolaire des

élèves non alphabétisés, de la 3éme, 4ème et 5ème années de l’enseignement fondamental. La

méthodologie de cette recherche a essayé de combiner les approches qualitatives et

quantitatives, avec l’emploi de questionnaire, entretien semistructuré, observation et analyse

de documents. L’évaluation des enseignants sur le Projet “Realfabetização” est fondée sur le

corpus théorique formulé par Pierre Bourdieu, en particulier les concepts de champ, agent,

habitus, stratégie et capital, aussi bien que sur la conception d’éducation pour l’émancipation

chez Paulo Freire. Pour la prise du contexte de la recherche, on a évoqué le cycle de

politiques, tel qu’il est présenté par Stephen Ball et Richard Bowe, mettant en évidence le

contexte de la pratique. On a égalément consideré la notion de participation, chez Antonio

Faundez et Pedro Demo, et les contributions du paradigme de l’évaluation émancipatrice,

conçu par Ana Maria Saul, comme médiations pour faire le débat sur l’évaluation des

politiques éducatives. On a mis en question aussi le rapport entre public et privé dans

l’éducation, puisque la nature de la collaboration qui soutient le Projet ‘Realfabetização” est

un partenariat public-privé. Parmi les principales conclusions, l’étude a montré que, selon les

enseignants, les fondements pédagogiques du Projet “Realfabetização” sont fragiles et

dépassés. Les enseignants signalent aussi la dimension autoritaire du Projet, dans la mesure

où il refuse leur protagonisme dans la pratique pédagogique. La recherche a égalément mis en

évidence que c’est fort discutable l’efficacité du Projet dans la correction du parcours scolaire

des élèves, puisque les pourcentages de succès constatés sont nettement inférieurs aux buts

fixés par le Projet lui-même. Cependant, les enseignants considèrent comme valable le Projet

parce qu’ils ont remarqué des avancements dans le but de surmonter le challenge de

l’alphabétisation des élèves qui présentent distorsion dans leurs parcours scolaires.

Mots-Clés: Projet “Realfabetização” - Ville de Rio de Janeiro; Politique Educative;

Evaluation de Politiques Publiques.

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LISTA DE SIGLAS / ABREVIATURAS

CETEB - Centro de Ensino Tecnológico de Brasília

CIEP - Centro Integrado de Educação Pública

CRE - Coordenadoria Regional de Educação

DEM - Partido dos Democratas

DF - Distrito Federal

ECO 1992 - Conferência da ONU sobre Meio-Ambiente (realizada na Cidade do Rio de

Janeiro)

FMI - Fundo Monetário Internacional

GRUPPE - Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Educação (UFF/CNPq)

IAS - Instituto Ayrton Senna

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

INODEP - Institut pour le Développement des Peuples (Paris, França)

LDB - Lei de Diretrizes e Bases

MEC - Ministério da Educação

OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio

PNE - Plano Nacional de Educação

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPP - Projeto Político-Pedagógico

RJ - Rio de Janeiro

SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SCA - Sistema de Cadastro Acadêmico

SIASI - Sistema do Instituto Ayrton Senna de Informações

SME – Secretaria Municipal de Educação

UFF – Universidade Federal Fluminense

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Alunos Participantes do Projeto 2009 e 2010.................................................21

Tabela 2: Quantitativo de defasagem de idade/ série.....................................................21

Tabela 3: Composição da Rede Escolar Municipal.........................................................23

Tabela 4: IDEB 2005, 2007, 2009 e Projeções para o Brasil............................................25

Tabela 5: IDEB municipal Rio de Janeiro 4º e 5º anos – Ensino Fundamental................26

Tabela 6: ESCOLAS PREMIADAS - 1º SEGMENTO...................................................27

Tabela 7: O Paradigma da Avaliação Emancipatória.....................................................102

Tabela 8: Projetos em funcionamento em 2011...........................................................106

Tabela 9: Passos da aula do Projeto Realfabetização.....................................................108

Tabela 10: Aulas sequenciais do Projeto Realfabetização..............................................108

Tabela 11: Analfabetismo Funcional por estado no Brasil 2009....................................113

Tabela 12: Composição da Amostra da pesquisa..........................................................122

Tabela 13: Síntese de Atendimento ao Projeto Realfabetização em 2009 e 2010...........124

Tabela 14: Indicadores Município do Rio de Janeiro....................................................162

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Quadro Geral - Agentes do Projeto Realfabetização (2009/2010)..................49

Quadro 2: Ficha mensal de leitura e escrita 1 – Projeto Se Liga...................................112

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Dados quantitativos e percentuais dos alunos com distorções série/idade.......20

Figura 2: Escolas municipais com o IDEB do segundo segmento do ensino

fundamental, por Coordenadoria Regional de Educação..............................................24

Figura 3: Abrangência do Instituto Ayrton Senna......................................................118

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Pergunta 14..............................................................................................136

Gráfico 2: Pergunta 12...............................................................................................139

Gráfico 3: Pergunta 11...............................................................................................152

Gráfico 4: Pergunta 3................................................................................................158

Gráfico 5: Pergunta 18...............................................................................................158

Gráfico 6: Pergunta 4.................................................................................................160

Gráfico 7: Leitura dos Alunos no final de 2010...........................................................167

Gráfico 8: Escrita dos alunos no final de 2010.............................................................168

Gráfico 9: Pergunta 8.................................................................................................170

Gráfico 10: Pergunta 17.............................................................................................171

Gráfico 11: Pergunta 16.............................................................................................172

Gráfico 12: Pergunta 19.............................................................................................172

Gráfico 13: Pergunta 20.............................................................................................174

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 16

CAPÍTULO I - OBJETO DE PESQUISA E REFERENCIAIS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS ............................................................................................................. 19

1.1 Contextualização, Problematização e Relevância do Tema de Pesquisa ........................... 19

1.2 Quadro Teórico.....................................................................................................28

1.3. Objetivos ............................................................................................................................ 42

1.3.1 Objetivo Geral ................................................................................................................. 42

1.3.2 Objetivos Específicos ...................................................................................................... 42

1.4. Artesanato Metodológico .................................................................................................. 42

1.4.1 O Campo de Pesquisa ...................................................................................................... 49

1.4.2 Agentes da Pesquisa e Corte Temporal ........................................................................... 49

1.4.3 Instrumentos de Produção de Dados ............................................................................... 50

1.4.4 Análise dos Dados ........................................................................................................... 50

CAPÍTULO II - APONTAMENTOS PARA A ABORDAGEM DO CAMPO DAS

POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................................................................................... 51

2.1. Abordagem Introdutória .................................................................................................... 51

2.2. Reflexões Sobre Políticas Públicas.................................................................................... 51

2.3. O Papel do Estado nas Principais Abordagens de Políticas Públicas ................................ 57

2.3.1 Abordagem Neoliberal .................................................................................................... 57

2.3.2Abordagem Pluralista ....................................................................................................... 59

2.3.3 Abordagem Social-Democrata ........................................................................................ 61

2.3.4 Abordagem Marxista ....................................................................................................... 62

2.4. Política Pública Educacional Brasileira ............................................................................. 65

2.5. Relação entre o Público e o Privado na Educação sob Novos Contornos ......................... 69

2.6. Políticas Educacionais e o Papel do Terceiro Setor no Brasil ........................................... 76

2.7. Reflexões sobre Possibilidades de uma Escola Pública Igualitária ................................... 80

2.8. Pedagogia da Hegemonia: o Estado Educador .................................................................. 82

2.9. Etapas de uma Política Pública .......................................................................................... 86

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2.9.1 Formulação da Agenda ou Agenda de Ajuste ................................................................. 86

2.9.2 Implementação da Política .............................................................................................. 87

2.9.3 Avaliação da Política ....................................................................................................... 87

2.10. Análise do Ciclo de Políticas: contribuições de Ball e Bowe ......................................... 88

2.10.1 Contexto da Influência................................................................................................... 89

2.10.2 Contexto da Produção de Texto..................................................................................... 90

2.10.3 Contexto da Prática ........................................................................................................ 91

2.10.4 Contexto dos Resultados (Efeitos) ................................................................................ 92

2.10.5 Contexto das Estratégias ................................................................................................ 93

2.10.6 Reflexões sobre o Ciclo de Políticas ............................................................................. 94

2.11. Paradigma da Avaliação Emancipatória .......................................................................... 96

2.11.1 Avaliação Democrática.................................................................................................. 96

2.11.2 Crítica Institucional e Criação Coletiva......................................................................... 97

2.11.3 Pesquisa Participativa .................................................................................................... 99

CAPÍTULO III - O PROJETO REALFABETIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DO RIO DE

JANEIRO ............................................................................................................................... 104

3.1. Abordagem Introdutória .................................................................................................. 104

3.2. O Surgimento do Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro ................... 104

3.3. Pressupostos Pedagógicos ............................................................................................... 106

3.4. Avaliação no Projeto Realfabetização ............................................................................. 111

3.5. Problematização da Alfabetização................................................................................... 112

3.6. Abrangência do Instituto Ayrton Senna no Brasil ........................................................... 119

CAPÍTULO IV - O PROJETO REALFABETIZAÇÃO SOB O CRIVO DOS

DOCENTES DA 7ª CRE ...................................................................................................... 121

4.1. Abordagem Introdutória .................................................................................................. 121

4.2. Perfil dos Docentes do Projeto Realfabetização da 7ª CRE ............................................ 121

4.3. Análise dos Momentos de Participação dos Professores da 7ª CRE na Avaliação do

Projeto Realfabetização: Conteúdo e Forma .......................................................................... 124

4.3.1 Momento da Avaliação Inicial ...................................................................................... 125

4.3.2 Momento da Avaliação dos/com Discentes................................................................... 131

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4.3.3 Momento da Avaliação em Reuniões Periódicas .......................................................... 135

4.3.4 Momento da Avaliação Final ........................................................................................ 140

4.4. Avaliação dos Professores da 7ª CRE sobre o Projeto Realfabetização: concepções

pedagógicas que fundamentam o Projeto ............................................................................... 149

4.5. Avaliação dos Professores da 7ª CRE sobre o Projeto Realfabetização: sua efetividade

como política de correção de fluxo no processo de alfabetização .......................................... 151

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 176

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 186

APÊNDICE A - Questionário Exploratório (para Professores Regentes de turmas do Projeto

Realfabetização) ...................................................................................................................... 199

APÊNDICE B - Roteiro de entrevista – semi-estruturada- Professores Regentes ............... 202

APÊNDICE C - Roteiro de entrevista semi-estruturada - Coordenador Regional ................. 203

APÊNDICE D - Roteiro de entrevista semi-estruturada – para o Professor Itinerante ........... 204

APÊNDICE E - NOTA EXPLICATIVA DA PESQUISADORA .......................................... 205

APÊNDICE F - Tabela das profissões dos familiares do docentes da 7ª CRE ....................... 206

ANEXO A - ENTREVISTAS da docente regente AAAAA .................................................. 207

ANEXO B - ENTREVISTA: docente regente BBBBB .......................................................... 228

ANEXO C - ENTREVISTA: coordenadora HHHHH ............................................................ 239

ANEXO D - ENTREVISTA: itinerante CCCCC .................................................................... 254

ANEXO E: Desabafo de uma Docente (1ª fase dos questionários) ........................................ 271

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16

INTRODUÇÃO

A opção de pesquisar o Projeto Realfabetização surgiu em virtude de minhas reflexões

pessoais e profissionais a respeito da política pública educacional, ora vigente no Município

do Rio de Janeiro, com a qual fui convidada a contribuir. Trabalhei em 2009, como professora

de apoio do Projeto no segundo turno do CIEP Margaret Mee, localizado no bairro do Recreio

dos Bandeirantes e pertencente à 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) do

Município. Embora não tivesse que seguir os passos metodológicos do Projeto, dava

continuidade à aprendizagem dos alunos, auxiliando-os nas tarefas de casa. Tinha contato

contínuo com a professora regente e com a professora itinerante, uma vez por semana, pois

trabalhava também no turno da manhã na mesma unidade escolar. Conversávamos sobre o

desenvolvimento dos alunos e sobre como melhorar seu aproveitamento no processo ensino-

aprendizagem. Naquela época, já refletia sobre a importância de se escutar os docentes,

visando ao aperfeiçoamento das políticas educacionais. Acreditava que meus questionamentos

poderiam estar replicados na voz de outros professores, que, se ouvidos, poderiam trazer

contribuições qualitativas à educação, devendo ser esta uma prática aprimorada como

instrumento de formulação, implementação e avaliação de qualquer política pública de

educação.

Em 2010, já inserida no Campo de Confluência “Políticas Públicas, Movimentos

Instituintes e Educação”, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal Fluminense (UFF), com o foco de interesse acima mencionado, dei continuidade aos

estudos teórico-metodológicos que me auxiliaram a compreender o campo no qual a política

educacional está inserida. Nesse processo, entrei em contato com muitos autores, mas foi com

a obra de Pierre Bourdieu que mais me identifiquei. A apropriação de seus conceitos me

ajudou a compreender a realidade que vivenciei na rede municipal em 2009 e com a qual me

deparei, de forma mais complexa, no campo de pesquisa, em 2011, já como pesquisadora.

A partir de então, aprofundei meus estudos e elegi Bourdieu (1983) para dar

sustentabilidade central à pesquisa. Na interlocução com os conceitos de agente, estratégia,

campo, habitus e capital, creio ter conseguido correlacionar e entender os movimentos

estratégicos dentro dos campos, mediante a espécie e o volume do capital de cada agente,

tentando articular o constructo bourdieusiano com a visão de mundo libertadora de Freire

(2005). Também passei a comungar das concepções conceituais de Faundez (1993) e Demo

(2009), quando teorizam sobre o poder da participação, bem como dialoguei com o conceito

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17

de política educacional de Azevedo (2004). Utilizei o referencial teórico-analítico dos autores

Ball e Bowe (Bowe et al., 1992) para refletir sobre a importância de se articular processos

globais e locais com as avaliações de políticas setoriais, como no caso da educação, o que se

aplica diretamente ao presente estudo, em que tento abordar a avaliação de uma política

educacional. Apropriei-me de muitos outros conhecimentos nesta dinâmica complexa de

embates de forças, em várias esferas da estrutura do poder, onde são costurados acordos

políticos. Problematizei a expansão de políticas educacionais por meio de parcerias público-

privadas, dando ênfase maior ao Instituto Ayrton Senna (IAS). Problematizei também o

paradigma da avaliação emancipatória como possibilidade para avaliar políticas sociais.

Todos estes conhecimentos me ajudaram a refletir sobre o contexto social vivenciado fora e

dentro do país e suas influências no campo educacional, em especial, no município do Rio de

Janeiro, que pratica políticas públicas de educação baseadas na parceria público-privada.

Assim, consigo apreender que a avaliação é uma etapa apropriada para se estabelecer

um balanço entre ações desenvolvidas e os resultados alcançados. Ela pode ocorrer durante o

processo de desenvolvimento da ação, num movimento dinâmico e dialógico entre os agentes

envolvidos, ou, no final de um período ou etapa da ação. Avaliar apenas para classificar e

quantificar não costuma trazer melhorias, mas simplesmente evidenciar dados estatísticos.

Desta forma, fixei-me na avaliação dos professores da 7ª CRE sobre uma política ou um dos

componentes da política educacional no município do Rio de Janeiro, qual seja, o Projeto

Realfabetização, tentando contribuir para o seu desvelamento crítico e para aprofundar o

debate nessa área do conhecimento.

A pesquisa foi estruturada em quatro capítulos. No primeiro, OBJETO DE

PESQUISA E REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS, procurei demarcar o

objeto de pesquisa, evidenciando os pressupostos teórico-medolológicos que fundamentam a

sua construção. Dialoguei com as teorias e tentei me apropriar de conceitos que pudessem me

auxiliar como mediadores das análises, assim como contextualizei o cenário social no qual o

objeto está inserido.

No segundo capítulo, APONTAMENTOS PARA UMA ABORDAGEM DO

CAMPO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS, apropriei-me de conceitos importantes para

refletir sobre o campo das políticas públicas e como elas se estabelecem numa sociedade

baseada no modo de produção capitalista. Elaborei uma reflexão crítica sobre o terceiro setor

e trouxe ao centro das discussões as contribuições epistemológicas das principais abordagens

de política pública, enfatizando o ciclo de políticas descrito por Bowe et al. (1992) e discutido

por Mainardes (2006). Também problematizei o paradigma da avaliação emancipatória como

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18

aporte à democracia, como avanço qualitativo na educação e como potente instrumento para

avaliar políticas públicas de educação.

No terceiro capítulo, O PROJETO REALFABETIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DO

RIO DE JANEIRO, explicitei a sistemática de funcionamento do Projeto Realfabetização,

seus pressupostos pedagógicos basilares e o material didático a ele vinculado. Desenvolvi,

ainda, uma reflexão sobre o conceito de alfabetização e mapeei os Estados da Federação onde

o Instituto Ayrton Senna participa da política educacional, em regime de parceria público-

privada, mostrando a sua influência sobre o sistema educacional do país.

No quarto capítulo, O PROJETO REALFABETIZAÇÃO SOB O CRIVO DOS

DOCENTES DA 7ª CRE, sistematizo as principais análises que realizei, com base nos

pressupostos teórico-metodológicos que sustentam a pesquisa. Analisei o perfil sociocultural

dos professores alfabetizadores e avancei, principalmente, no exame da perspectiva do

professor sobre os fundamentos pedagógicos do Projeto Realfabetização e sobre a efetividade

do referido Projeto na superação dos problemas relacionados à distorção idade-série nos anos

iniciais do ensino fundamental. Neste capítulo, o professor ocupou o papel de protagonista na

avaliação da política pública educacional, no caso, o Projeto Realfabetização.

Nas CONSIDERAÇÕES FINAIS, busquei construir algumas relações e

conclusões, a partir das análises desenvolvidas nos capítulos anteriores, em torno do papel e

da perspectiva dos docentes da 7ª CRE como avaliadores do Projeto Realfabetização, com a

intenção de contribuir para o debate na área de avaliação de políticas públicas de educação e

de estimular o protagonismo docente nas diferentes etapas de desenvolvimento da política

pública de educação. Apresentei, ainda, sugestões para a melhoria do ensino-aprendizagem

nas escolas municipais do Rio de Janeiro e lancei algumas pistas de investigação decorrentes

da presente pesquisa.

Page 19: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

19

CAPÍTULO I

OBJETO DE PESQUISA E REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

1.1 Contextualização, Problematização e Relevância do Tema de Pesquisa

Em primeiro de janeiro de 2009, tomou posse na Câmara Municipal do Rio de Janeiro

o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, ao lado do vice-prefeito, Carlos Alberto

Muniz, ambos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), para um mandato

que se estende até 31 de dezembro de 2102.

O prefeito prometeu trabalhar para melhorar a gestão municipal e organizar os gastos

da máquina pública. Uma das primeiras mudanças para a área educacional foi a revogação do

Decreto nº 28.878/00, de 17/12/2000, que estabelecia o Sistema de Ciclos para todo o Ensino

Fundamental, instituído na gestão de seu antecessor, César Maia, que é integrante do Partido

Democrata (DEM).

Nesta conjuntura, o prefeito montou sua equipe de trabalho e, na pasta da educação,

chamou para ocupar o cargo de Secretária Municipal a administradora Cláudia Costin. A

secretária de educação do município, nomeada por Paes, com autonomia total para atuar na

Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro (SME-Rio), optou por manter os três

primeiros anos do Sistema de Ciclos do Ensino Fundamental (1ª, 2ª e 3ª). Portanto, manteve

apenas o Ciclo de Alfabetização. Entre mudanças diversas, a secretária estabeleceu um plano

de ação para detectar o número de analfabetos na rede educacional. O governo optou por uma

política pública em parceria com o terceiro setor. Foi chamado a participar da gestão pública o

Instituto Ayrton Senna (IAS).

Em 10/03/09, a SME-Rio, em conjunto com o Instituto Ayrton Senna (IAS), aplicou

uma avaliação para toda a rede municipal, nos 4°, 5° e 6° anos do Ensino Fundamental,

objetivando identificar os alunos considerados como analfabetos funcionais, que, segundo a

definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), compreendem as pessoas

analfabetas com até quatro anos de escolaridade oficial incompleta. Esta parceria resultou em

um contrato que estabeleceu fornecimento de bens e serviços por parte do IAS, mediante

obrigações financeiras a serem cumpridas pelo município. Foram identificados cerca de

28.000 analfabetos funcionais nos 4º, 5º e 6º anos do ensino fundamental da rede municipal

(RIO DE JANEIRO, 2009).

Page 20: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

20

Em 17/03/2009, foi veiculada pela mídia a situação educacional do município. A

manchete do jornal O Globo ressaltava que a rede possuía 25 mil analfabetos funcionais, dos

4º, 5º e 6º anos do Ensino Fundamental.

Os dados estatísticos ficam confusos nas diferentes fontes consultadas, pois, ora são

agrupados os dados dos 4º e 5º anos, ora dos 3º, 4º e 5º anos. Em documento informativo,

datado de 05/06/10, feito pela Secretaria Municipal de Educação, são apresentados “cerca” de

13 mil alunos iniciantes no Projeto Realfabetização, em 2009. Destes, 10.679 alunos,

considerados alfabetizados, foram reenturmados no final do ano para o Projeto Acelera,

também de autoria do IAS. Segue Figura da SME, em 2009, com os quantitativos e

percentuais dos alunos com distorções série/idade.

Figura 1: Dados quantitativos e percentuais dos alunos com distorções série/idade

PROJETO REALFABETIZAÇÃO4° E 5° ANOS

Características:

•Alunos do 4º e 5º anos analfabetos funcionais

•Alunos reenturmados e acompanhados

sistematicamente

•Participaram em torno de 13 000 alunos

Resultados (novembro 2009):

•Cerca de 90% leem frases e pequenos textos

•Cerca de 80% produzem pequenos textos

Trabalho em 2010

• Alunos alfabetizados em 2009

seguiram para o projeto de aceleração

para diminuir a defasagem idade/série.

•Cerca de 10.679 alunos foram

reenturmados e acompanhados

sistematicamente.

•Cerca de 4.165 alunos do 3º, 4º e 5º

anos com defasagem idade /série e

não inseridos no Realfabetização 2009,

diagnosticados por uma avaliação

externa como analfabetos funcionais,

estão participando de novo processo

de Realfabetização .

Prefeitura do Rio de Janeiro- Secretaria Municipal de Educação

Fonte: Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-Rio), 2010.

Na Tabela 1, é apresentado o panorama geral dos alunos participantes do Projeto

Realfabetização na rede municipal do Rio de Janeiro e na 7ª CRE, no início dos anos de 2009

e 2010. Na Tabela 2, são apresentados os indicadores de distorção idade/série.

Page 21: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

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Tabela 1: Alunos Participantes do Projeto 2009 e 2010

Anos Rede/Início do ano

Alunos/Projeto

Realfabetização

7ªCRE/ Início do ano

Alunos/Projeto

Realfabetização

% Rede/7ª CRE

(início do ano)

2009 13.000 2057 16%

2010 4.165 345 8%

Fonte: SME-Rio, 2010

Tabela 2: Quantitativo de defasagem de idade/série

Ação: correção

de defasagem de idade/ série

Quantitativo p/ ano e porcentagens

Períodos do Ciclo e

Anos

Alunos

matriculados

Alunos em

defasagem Idade/

Série

Percentual de Alunos

sobre o Total

Ciclo de Formação

Período Inicial 52.540 959 1,82%

Ciclo de Formação

Período

Intermediário 54.692 1.578 2,88%

Ciclo de Formação

Período Final 69.664 4.985 7,15%

4º Ano 60.516 5.118 8,46%

5º Ano 59.780 4.564 7,63%

6º Ano 84.934 18.764 22,09%

7º Ano 58.638 9.950 16,97%

8º Ano 57.964 9.060 15,63%

9º Ano 54.683 7.815 14,29%

Total Geral 553.411 62.793 11,35%

Prefeitura do Rio de Janeiro- Secretaria Municipal de Educação

Fonte: SME-Rio, 2010.

Estas informações fazem parte do PDF: Avaliação em Políticas Públicas em Educação,

divulgado pela SME-Rio, evidenciando os dados alcançados em 2010 com a implementação

do Projeto Realfabetização.

A responsabilidade pelos baixos índices escolares, em 2009, recaía sobre a política de

César Maia, que vulgarmente ficou popularizada por ”aprovação automática”. Então, foi

adotada pelo atual prefeito e pela atual secretária de educação a política de parceria entre os

setores público e privado. No município do Rio, tal iniciativa foi possível por existir a Lei

Page 22: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

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Federal nº 9.790/99, de 23/03/99 (BRASIL, 1999), que criou e definiu o Termo de Parceria,

disciplinado no Art. 9º:

Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser

firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação

entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público

previstas no art. 3º desta Lei.

O Decreto nº 3.100/99, de 30/06/99 (BRASIL, 1999), deu sequência à Lei no 9.790/99,

regulamentando-a:

dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins

lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e

disciplina o Termo de Parceria.

Portanto, a lei e o decreto, respectivamente, criou e regulamentou as Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que, a partir de então, puderam atuar no espaço

público. Importante ressaltar que foi com a Lei Federal nº 11.079/04, de 30 de dezembro de

2004, que se estabeleceram regras para contratações e licitações, no âmbito de parcerias entre

as entidades públicas e privadas na gestão pública, em todos os entes federados da União.

O Instituto Ayrton Senna pode participar da gestão do Município do Rio de Janeiro,

mediante vontade política do governo municipal e publicação do Decreto Municipal nº

30.780/09, de 2 de junho de 2009, que regulamentou a Lei Municipal nº 5.026, de 19 de maio

de 2009, fixando e detalhando as formalidades contratuais exigidas para parcerias na gestão

pública municipal entre os setores público e privado.

No Decreto nº 30.780/09, ainda foram estabelecidas as metas para serem cumpridas e

aplicadas ao sistema educacional, mediante condicionantes pré-estabelecidos, publicados no

Diário Oficial do Município e fiscalizados pela SME-Rio.

O município do Rio de Janeiro tem uma área de 1.224,56 km². Sua população se

constitui de 6.320.446 habitantes. A taxa de analfabetismo é de 2,94% da população com 15

anos ou mais (IBGE, 2010).

A administração educacional do município é composta por dez Coordenadorias

Regionais de Educação (CRE), sendo a rede municipal de educação carioca considerada como

a maior rede educacional da América Latina. Cada CRE constitui-se como microrregião com

características socioeconômicas próprias. A 7ª CRE, meu campo de pesquisa, é composta por

18 bairros, onde se contabilizam 117 escolas, 25 creches, 2 espaços de desenvolvimento

infantil, 2 núcleos de artes, 3 clubes escolares e um polo de educação pelo trabalho. Abaixo

Page 23: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

23

segue a relação geral dos dados educacionais do município, retirados do site oficial da

Secretaria Municipal de Educação (SME-Rio), consultados no dia 18/09/11.

Tabela 3: Composição da Rede Escolar Municipal

Escolas 1065

Creches com horário integral 255

Unidades escolares que atendem com creche 109

Creches conveniadas 178

Espaços de Desenvolvimento Infantil 26

Alunos Matriculados:

Educação Infantil – creche 38861

Pré-Escola 73781

Ensino Fundamental 1º segmento (1º ao 5º ano) 303.588

Ensino Fundamental 1º segmento (6º ao 9º ano) 229.947

Alunos em Classe Especial 5.006

Programa de Educação de Jovens e Adultos – EJA 23.346

Total de Alunos Matriculados 674.529

Clubes Escolares 12

Núcleos de Artes 10

Polos de Educação pelo Trabalho 18

Professores 39.552

Agentes auxiliares de creche 5.362

Funcionários de apoio administrativo 15631

Fonte: Dados Coletados pela autora junto a SME - 2011

A figura abaixo mostra por meio da legenda, que a 7ª CRE, junto com mais duas

outras CRES, possuem “melhor” desempenho escolar, medido pelo Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), indicador de qualidade da educação básica no

Page 24: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

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país instituído pelo Ministério da Educação (MEC). Numa escala que vai de zero (0) a dez

(10), o MEC estabeleceu a nota seis (6), como meta para a média de todas as escolas do país,

a ser atingida até o ano de 2021. Esta meta correlaciona os índices de competência dos países

desenvolvidos da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que

é uma organização internacional e intergovernamental que agrupa os países mais

industrializados. O mapa abaixo corresponde ao município do Rio de Janeiro, dividido em 10

CREs, com o desempenho do IDEB em 2009.

Figura 2: Escolas municipais com o IDEB do segundo segmento do ensino fundamental,

por Coordenadoria Regional de Educação

Fonte: Censo Escolar / INEP, - Instituto Desiderata

Disponível em: <http://desiderata.org.br/indicadores/i0209.html> Acessado em 23/01/2012

Este indicador é calculado com base na taxa de rendimento escolar, ou seja, no

percentual de aprovação e evasão escolar e pelo desempenho dos alunos na Prova Brasil, no

caso específico dos municípios. A Prova Brasil foi criada pelo Instituto Nacional de Estudos e

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Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e integra o Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Básica (SAEB).

O IDEB foi criado em 2005, como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE) e serve, tanto como diagnóstico da qualidade do ensino brasileiro, como de referencial

para as políticas de distribuição de recursos. De acordo com o desempenho das escolas, o

MEC prioriza investimentos financeiros, tecnológicos e pedagógicos, visando ajudar às

escolas com maior déficit educacional. Seguem os índices comparativos.

Tabela 4: IDEB 2005, 2007, 2009 e Projeções para o Brasil

Anos Iniciais do Ensino Fundamental

IDEB Observado Metas

2005 2007 2009 2007 2009 2021

TOTAL 3,8 4,2 4,6 3,9 4,2 6

Dependência Administrativa

Pública 3,6 4 4,4 3,6 4 5,8

Estadual 3,9 4,3 4,9 4 4,3 6,1

Municipal 3,4 4 4,4 3,5 3,8 5,7

Privada 5,9 6 6,4 6 6,3 7,5 Fonte: Saeb e Censo Escolar. - INEP - 2011

O que se constata na tabela 4 é que o IDEB brasileiro vem melhorando em todas as

esferas educacionais. Além disso, pode-se perceber uma diferença de 2,0 (dois) pontos entre a

esfera privada em relação à municipal, no ano de 2009, o que leva a inferir que, por este

método, as escolas particulares estão bem melhor colocadas do que as públicas. Na tabela 5,

apreende-se que o IDEB do município do Rio de Janeiro também mostra evolução, sendo o

índice de 5,1 (cinco inteiros e um décimo), registrado em 2009, maior do que a meta nacional

observada (4,6). Os dados estatísticos mostram projeções positivas, que precisam ser mais

bem compreendidas, para além do esforço analítico aqui apenas esboçado.

É pertinente ressaltar que a política de premiação docente adotada pelo município

utilizou o IDEB como parâmetro para contemplar com o 14º salário os professores que, em

2010, tiveram as metas alcançadas em suas escolas, de acordo com as projeções estipuladas.

Para tanto, foi homologado e sancionado o Decreto nº 30.860/10, pelo prefeito Eduardo Paes,

que regulamentou a premiação, segundo o critério de produtividade. Esta política dita

meritocrática causou insatisfação entre os professores que não foram, por assim dizer,

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premiados, que afirmam ter feito um bom trabalho, com avaliações responsáveis. Segue a

evolução do IDEB, desde sua operacionalização no município do Rio de Janeiro.

Tabela 5: IDEB municipal Rio de Janeiro - 4º e 5º anos - Ensino Fundamental

2005 2007 2009

4,2 4,5 5,1

Fonte: Dados obtidos a partir do INEP

A tabela 6, abaixo apresentada, contém dados retirados da SME que evidenciam as

escolas pertencentes à 7ª CRE do município do Rio de Janeiro, no tocante aos docentes

premiados com o 14º salário. Foram 29 escolas contempladas num universo de 117 delas, ou

seja, 24,8% do total. Cumpre lembrar que tal premiação tomou por base metas projetadas

pelas próprias escolas, independentemente da meta nacional estipulada pelo MEC. O presente

conjunto de informações até aqui declinado, indicadores de avaliação e reflexões iniciais,

serve para contextualizar o panorama educacional do município do Rio de Janeiro e permitem

vislumbrar a correlação de forças que disputam, em diferentes instâncias, a concepção e a

concretização das políticas públicas de educação. Portanto, ao se analisar uma política

educacional específica – o Projeto Realfabetização - faz-se necessário entender o contexto

político, cultural e social em que ela se insere, bem como compreender e interligar

características socioeconômicas e políticas, no contexto macro e micro das relações que se

estabelecem dentro do sistema educacional, e as influências que sofrem da esfera nacional e

mundial. Apreender essa complexidade contribui para a contextualização do tema da pesquisa

e baliza a sua problematização, que, no caso do presente estudo, caminha no sentido de

interrogar a maneira pela qual os professores avaliam a política educacional, ou melhor, um

aspecto ou dimensão da política educacional atualmente praticada pela SME-Rio, qual seja, a

implementação do Projeto Realfabetização, em parceria com o Instituto Ayrton Senna.

diferentes políticas adotadas para enfrentar tal desafio e, quando possível, propor soluções

exequíveis para a superação do fenômeno do analfabetismo nas redes públicas de educação. A

pesquisa é relevante por atentar para o grave problema social que envolve o analfabetismo de

alunos ainda inseridos no sistema educacional, os chamados “excluídos por dentro”, tal como

Boneti (2000) adjetiva.

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Tabela 6: ESCOLAS PREMIADAS - 1º SEGMENTO

IDEB e METAS 2009 MRJ (DECRETO N° 30860)

CR

E

CÓDIGO DA

ESCOLA

DE

SIG

NA

ÇÃ

O

UNIDADE ESCOLAR

ANOS INICIAIS

META IDEB

2009

7ª 33077827 07.16.006 E.M. DES NEY PALMEIRO 4,8 5,0

7ª 33078122 07.16.008 E.M. MANO DECIO DA VIOLA 4,8 4,9

7ª 33077835 07.16.025 E.M. EDGARD WERNECK 4,6 4,7

7ª 33078211 07.16.028 E.M. PAROQUIAL NS DO LORETO 5,9 6,2

7ª 33078084 07.16.036 E.M. LINCOLN BICALHO ROQUE 5,4 5,8

7ª 33078386 07.16.039 E.M. VITOR MEIRELES 5,5 5,9

7ª 33078130 07.16.042 ESCOLA MUNICIPAL MARECHAL

THAUMATURGO DE AZEVEDO 5,8 6,0

7ª 33078033 07.16.044 E.M. JUAN MONTALVO 4,9 5,0

7ª 33078319 07.16.049 E.M. RENATO LEITE 5,3 6,0

7ª 33078254 07.16.051 E.M. PROFESSOR AUGUSTO CONY 5,4 5,5

7ª 33077843 07.16.057 E.M. EMB DIAS CARNEIRO 4,8 4,9

7ª 33077592 07.16.060 EM DOM ARMANDO LOMBARDI 5,5 5,6

7ª 33078025 07.16.062 E.M. JOSE JOAQUIM DE QUEIROZ J. 4,6 5,6

7ª 33077762 07.16.065 E.M. CARLOS DE LAET 5,2 5,9

7ª 33078017 07.16.066 E.M. JOSE ENRIQUE RODO 5,7 6,7

7ª 33078149 07.16.068 E.M. MARIA DA SILVA F. 5,5 5,5

7ª 33076901 07.16.204 CIEP GOVERNADOR ROBERTO DA

SILVEIRA 4,8 5,3

7ª 33076944 07.16.207 CIEP PABLO NERUDA 6,0 7,2

7ª 33094551 07.16.503 CIEP DR ADELINO DA PALMA CARLOS 4,6 4,7

7ª 33087792 07.24.002 E.M. ALMEIDA GARRETT 5,4 5,4

7ª 33087849 07.24.003 E.M. JACKSON DE FIGUEIREDO 4,7 5,0

7ª 33087830 07.24.007 E.M. GOLDA MEIR 6,0 6,0

7ª 33087962 07.24.011 E.M. VICE ALM ALVARO ALBERTO 5,5 5,8

7ª 33077851 07.24.020 EM ENGENHEIRO ALVARO SODRE 4,5 4,9

7ª 33087954 07.24.025 E.M. TRISTAO DE ATHAYDE 5,8 5,8

7ª 33077720 07.34.001 E.M. AUGUSTO MAGNE 4,6 5,2

7ª 33078076 07.34.002 E.M. PROFª LEILA B. DE CARVALHO 4,1 5,0

7ª 33077738 07.34.003 E.M. AVERTANO ROCHA 4,6 4,7

7ª 33077908 07.34.006 E.M. FREDERICO EYER 5,2 5,7

7ª 33076936 07.34.501 CIEP LUIZ CARLOS PRESTES 3,5 4,1

Fonte: Dados da SME-2009

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Este grave desafio educacional, sem dúvida, justifica esforços pedagógicos,

tecnológicos e financeiros, por parte dos governos, mas também valida o desenvolvimento de

estudos aprofundados, com o fito de investigar as razões estruturais do fenômeno.

A presente pesquisa traz ainda ao centro das discussões a importância de uma

avaliação participativa de todos os agentes implicados nas políticas públicas, destacando a

relevância do professor enquanto protagonista e avaliador da política educacional, como pista

para a construção de uma educação pública academicamente qualificada, democrática e

emancipatória. Nesse sentido, há necessidade de uma ampla discussão com todos os agentes

interessados para se compreender equívocos e obstáculos; perceber os avanços e

possibilidades e propor novas rotas para o sistema educacional.

Outro ponto relevante é que, ao buscar explicitar a consciência crítica dos professores,

através de suas avaliações em relação ao Projeto Realfabetização, inquirindo sobre sua própria

atividade prática, o presente estudo suscitou o exercício de um momento de autocrítica

coletiva, instigador da síntese reflexiva da consciência destes professores e da própria

pesquisadora.

Portanto, o trabalho se configura como atividade legítima da universidade, que

problematiza a realidade, apontando caminhos e tendências para a sua transformação, e, neste

caso específico, cumpre seu papel, no que tange ao estreitamento de relações entre a

universidade e o ensino fundamental, desafio ainda mais amplo da educação nacional.

1.2 Quadro Teórico

O trabalho científico é indissociável de um referencial teórico-metodológico. À

medida que a realidade não é uma situação instalada per si, mas um constructo social, o

referencial teórico-metodológico utilizado pelo pesquisador na construção do seu objeto de

pesquisa subsidia a compreensão das próprias características do objeto construído. Isso pode

gerar problema: como manter a coerência da pesquisa de forma a não “impregnar” o objeto

construído com as premissas do próprio referencial teórico-metodológico adotado? A resposta

é dada em termos de um constante exame dialético entre o objeto de pesquisa construído e o

próprio referencial utilizado. Aqui, a teoria e o método se mostram, ao mesmo tempo, fruto da

pesquisa e impulsionadora da mesma, vide a necessidade de apoiá-la sobre a totalidade e a

complexidade do conhecimento do objeto, ou seja, sobre o momento atual do real. A esse

respeito, assinala Cunha (1984):

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29

Desta maneira, a concepção dialética do conhecimento recupera a noção de verdade

própria do realismo clássico para o qual a questão da verdade/falsidade se coloca

para uma proposição: é verdadeira a que está conforme o objeto real a que se refere.

Assim, a verdade é sempre objetiva, pois a proposição que se pretende verdadeira

procura conhecer uma realidade objetiva, numa relação cognoscitiva também

objetiva. Por essa razão, colocando-se como questão no interior de um processo (o

do conhecimento), a verdade só pode ser entendida em termos dinâmicos: a verdade

é um processo, um devir. "O conhecimento é (...) um processo infinito, mas um

processo acumulando as verdades parciais que a humanidade estabelece nas diversas

fases do seu desenvolvimento histórico: alargando, limitando, superando estas

verdades parciais, o conhecimento baseia-se sempre nelas e toma-as como ponto de

partida para um novo desenvolvimento. Nesse processo infinito, o conhecimento

tende para a verdade total, absoluta. As verdades parciais não são erros; são

incompletas e nem por isto perdem sua objetividade (CUNHA, 1984 p.17-18)

Durante o percurso de construção destas bases teórico-metodológicas, realizei estudos

exploratórios que correlacionassem avaliações de políticas públicas e a participação dos

professores enquanto avaliadores. A partir de então, constatei a singularidade da pesquisa.

Não foram encontrados temas desta natureza, porém, muitos assuntos transversais me

auxiliaram na construção do conhecimento sobre o objeto ora analisado. Destaco o trabalho

de Leite e Fernandes (2004), com relação à importância da avaliação do trabalho docente.

Quanto ao terceiro setor, foram encontrados muitos trabalhos sobre a atuação de Organizações

Não Governamentais (ONG) no Brasil, dentre os quais destaco o estudo das autoras Peroni e

Adrião (2005), no Rio Grande do Sul, com estudos sobre o Instituto Ayrton Senna. Estas

leituras muito me ajudaram na compreensão da lógica do IAS e suas concepções pedagógicas

no Brasil. Enalteço o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Educação

(GRUPPE/UFF/CNPq), que também muito me auxiliou na produção destas reflexões.

O objeto desta investigação consiste em analisar a avaliação dos professores da 7ª

CRE do município do Rio de Janeiro sobre o Projeto Realfabetização. A mencionada política

é, a rigor, uma parceria público-privada entre a Secretaria Municipal de Educação do Rio de

Janeiro (SME-Rio) e o Instituto Ayrton Senna (IAS).

O Projeto visa a corrigir distorções série/idade dos alunos não alfabetizados, dos 3º, 4º

e 5º anos do Ensino Fundamental no município. Apresenta-se como uma perspectiva nova de

inclusão social, que promete integrar alunos analfabetos, corrigindo o fluxo escolar

série/idade em um ano de escolarização. O Projeto Realfabetização foi implantado em 2009,

contemplando inicialmente os alunos analfabetos identificados nos 4º e 5º anos do Ensino

Fundamental, tendo sido ampliado, no ano seguinte, em 2010, para os grupos de 3º ano e, em

alguns casos raros, até os grupos de 2º ano.

A seleção dos discentes participantes em 2009 se deu através da aplicação de provas

estanques, elaboradas pelo IAS e destinadas a todos os alunos dos 4º, 5º e 6º anos da rede

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municipal. Após a correção, os alunos foram retirados de suas classes originais para a

formação da turma do Projeto, que compreende no máximo 25 alunos. O Projeto segue uma

metodologia própria, que deve ser aplicada rigorosamente pelo professor regente e, para tanto,

conta com uma professora itinerante. A professora itinerante se responsabiliza por

acompanhar e fiscalizar quatro turmas do Projeto Realfabetização. Seu trabalho consiste em

apoiar o trabalho pedagógico da professora regente e preencher relatório de controle das

atividades desenvolvidas pela mesma. A participação da professora itinerante ainda

compreende visita-surpresa à sala de aula. A visita ocorre uma vez por semana e

quinzenalmente há encontros entre a professora itinerante e as quatro professoras regentes,

numa escola polo escolhida na área, para discussões sobre o desenvolvimento do Projeto. No

próximo capítulo, detalharei, com maior vagar, o Projeto em questão.

A temática “Analfabetismo”, enquanto campo de estudo e reflexões, não se constitui

como questão nova no Brasil. Dados recentes da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio

(PNAD, 2009) mostram que uma parcela expressiva da população brasileira permanece

analfabeta. São 14,1 milhões de analfabetos “absolutos”, que correspondem a 9,7% da

população brasileira, e outros 29,5 milhões, ou seja, 23,3% de analfabetos funcionais, entre a

população com 15 anos ou mais. A taxa de analfabetos absolutos de 2008 era de 10%. A

diferença percentual é de apenas 0,3% de um ano para outro e, no período de 2004 a 2009, a

queda acumulada atinge módicos 1,8%, portanto, uma melhora praticamente inexpressiva

diante do contingente remanescente de analfabetos, sem contar os jovens que, anualmente, ao

completarem 15 anos, engrossam esta perversa estatística. A questão do acesso formal à

escola está praticamente resolvida, pois, segundo dados do UNICEF (2009), no Brasil, 97,6%

das crianças e adolescentes entre 7-14 anos estão matriculados, porém, a questão central é a

qualidade educacional que se tem oferecido aos educandos. Inúmeros jovens que frequentam

as escolas permanecem analfabetos depois de 5 anos ou mais de escolaridade, o que

representa um desafio a ser encarado com seriedade por todos os governantes do país.

O primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), responsável por determinar as metas

da educação do País, no período de 2001-2010, sancionado na forma da Lei nº 10.172/2001,

tinha como objetivos principais: o aumento da escolaridade da população, a redução das

desigualdades sociais e regionais, a democratização da gestão do ensino público, a melhoria

da qualidade do ensino em todos os níveis e a erradicação do analfabetismo. Os desafios

foram postergados para o segundo PNE (2011-2020), isto porque, embora se tenha

conseguido avançar na questão do acesso à escola, não se erradicou o analfabetismo e a

qualidade educacional ainda permanece sofrível. Diante desta realidade, com um sistema

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escolar que continua produzindo analfabetos, não se pode esperar uma solução em curto

prazo. Desse modo, justifica-se a implantação de políticas públicas duradouras, que busquem

sanar o problema ainda em curso.

Podemos afirmar que, desde o Brasil Colônia, tem predominado uma concepção

dualista e elitista de educação, que diferencia drasticamente a escolarização das elites e a

escolarização das classes populares. No século XXI, este quadro permanece como desafio,

pois, embora se tenha avançado no estreitamento desta dualidade, ainda subsiste na escola

pública seu caráter excludente, conforme assinalado por Cunha (2005), quando evidencia a

estrutura educacional na sociedade imperial-escravocrata, em sintonia com a reflexão de

Fetzner (2001), quando questiona o que os educandos têm aprendido nas escolas

contemporâneas. Eis um extrato da contribuição de Cunha (2005) sobre a questão:

A educação escolar se organizava em função de dois polos opostos que definiam

dois mundos escolares: de um lado, o ensino superior destinado à formação das

elites, em função do qual existia o ensino secundário e, em função deste, um tipo

especial de ensino primário; de outro lado, o ensino profissional ministrado nas

escolas agrícolas e nas escolas de aprendizes-artífices, destinado à formação da

força de trabalho a partir de crianças órfão, abandonado ou simplesmente miserável.

A maior parte da população permanecia, entretanto, sem acesso a escolas de

qualquer tipo. (CUNHA, 2005, p. 31)

O caráter excludente permanece visível na forma pela qual a educação pública tem

sido tratada pelos governos. O acesso à escola não garante a qualidade da aprendizagem nem

oportuniza conhecimento relevante aos discentes, como assevera Fetzner (2001):

A progressiva universalização do acesso a escola não tem se transformado em

acesso ao conhecimento. As classes populares têm acessado a escola publica de

ensino fundamental sem que a perspectiva de um conhecimento relevante lhes tenha

sido oportunizado. Não se trata, apenas, dos altos índices de reprovação e evasão

apresentados pelo ensino fundamental no Brasil, mas, para além disto, de um

questionamento sobre o que tem sido aprendido nas aulas escolares (FETZNER,

2001, p. 7).

Muito se tem discutido sobre gestão participativa, autonomia escolar, metodologia

de ensino, gestão democrática, assim como sobre o preparo dos professores para enfrentar os

desafios de promover educação de qualidade na escola pública. Políticas educacionais têm

sido implantadas, porém, o que se observa é uma descontinuidade de propostas pedagógicas,

o que acarreta dificuldades para avaliar os efeitos produzidos por tais ações públicas, que

acabam gerando desconfiança e resistência por parte do corpo docente (CUNHA, 1994). As

responsabilidades institucionais estão em xeque nesta proposição. Avaliar os resultados da

política pública enfocada por esta pesquisa – o Projeto Realfabetização - ajudará a refletir

sobre os vários porquês de sua existência, assim como a conhecer os avanços alcançados após

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a sua implementação. Nesse processo, a participação do professor passa a ser elemento chave

na avaliação desta política pública educacional.

Na sociedade brasileira contemporânea, onde as concepções neoliberais são visíveis

nas práticas sociais, a educação passa a ser entendida como um negócio, uma mercadoria, um

serviço, concepções estas muitas vezes consagradas em leis, planos e projetos. Esta ideologia

é difundida pela classe hegemônica no poder e disseminada à sociedade, sendo inculcada e

naturalizada como senso comum. A nova cultura disseminada tem caráter privatizante,

mediante uma política de transferência de responsabilidades, do Estado ao setor privado,

instituindo uma novo padrão de descentralização. As ONGs passam a atuar em espaços

públicos, com respaldo legal para usarem suas próprias metodologias pedagógicas e para

empregarem seus próprios padrões de gestão da educação.

A perspectiva neoliberal, segundo Gentili (2009), é antidemocrática e dualista, à

medida que o neoliberalismo estabelece com êxito a missão cultural e a proposta política. A

educação neste modelo se afasta da condição de elemento primordial para a liberdade das

consciências e a democratização da sociedade e passa a ser precondição que garante ou pelo

menos possibilita o sucesso mercantilista:

O neoliberalismo precisa - em primeiro lugar, ainda que não unicamente-

despolitizar a educação, dando-lhe um novo significado como mercadoria para

garantir, assim, o triunfo de suas estratégias mercantilizantes e o necessário

consenso em torno delas (GENTILLI, 2009, p. 230).

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) estabelece, no Art. 205, que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho”. E, no Art. 206, estabelece entre os oito princípios, que o ensino será

ministrado com base em: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de

instituições públicas e privadas de ensino; VII - garantia de padrão de qualidade,

embora não se defina o que seja um ensino de qualidade.

Ao determinar a igualdade de condições, pode-se entender que a Carta Magna quis

assegurar oportunidades para todos os brasileiros de forma igualitária. Mas, o que de fato é

identificado nos espaços escolares, como mostrou Bourdieu (1998), é um sistema de

reprodução e legitimação das desigualdades sociais. A escola pública não é um espaço neutro

que transmite um conhecimento superior, no sentido formativo e emancipatório. Nem tão

pouco avalia os alunos a partir de critérios universalistas, mas, ao contrário, se coloca a

serviço da reprodução e da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes.

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Estas desigualdades são exemplificadas no número de analfabetos existentes na sociedade

brasileira e de muitos outros que se encontram no interior das escolas públicas. Bourdieu

(1998) esclarece que a escolha da prática pedagógica, assim como sua dinamização, é

legitimamente atinente às escolas, que dissimulam o caráter arbitrário e socialmente imposto

da cultura escolar. O autor correlaciona legitimidade com neutralidade cultural da escola,

evidenciando a necessidade de as escolas trabalharem conteúdos culturais, independentemente

da classe social do discente:

[...] para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais

desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos

conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos

critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes

classes sociais. (BOURDIEU, 1998, p.53).

A alfabetização é uma das grandes conquistas para que os cidadãos se emancipem com

consciência e responsabilidade pelas suas histórias de vida, como já assinalava Freire (2005,

p. 8): “Talvez seja este o sentido mais exato da alfabetização: aprender a escrever a sua vida,

como autor e testemunha de sua história, isto é, biografar-se, existenciar-se, historicizar-se.”

Logo, deve ser uma meta perseguida em prol de uma sociedade democrática de direito e de

fato para seus cidadãos, onde os indivíduos tenham condições de julgamento, poder de

participação e em que a “alfabetização inicial” seja apenas um dos passos para a obtenção

desta e de outras conquistas, em todos os setores da vida pessoal e social. Afinal, a

consciência política é construída com a autonomia de refletir e participar da vida sociopolítica

de seu país. Esta consciência faz parte da própria dialética do ensinar e do aprender, como

assevera o pensamento freireano: “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os

homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2005, p. 58).

Tendo esta concepção libertária do ensino-aprendizagem, dentro do processo de

conscientização política, o gestor público não pode ser meramente administrativo, precisa ser

pedagógico, crítico, autônomo e democrático. As políticas públicas educacionais refletem os

antagonismos, o jogo de forças de grupos com projetos políticos diferentes que coexistem no

próprio corpo da sociedade. Ao se programar uma política pública específica, surgida como

resposta prática de uma determinada ideologia afeta a certo grupo político, o gestor se envolve

com diversos agentes, que, por sua vez, têm suas ideologias, o que configura um microcosmo

político com disputas e tensões próprias. Os antagonismos que surgem no próprio processo de

tomada de decisão devem ser entendidos, assim, como momentos de disputa dos próprios

grupos que estão envolvidos neste microcosmo ou campo. A maneira pela qual o Projeto

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Realfabetização se estabelece no município do Rio de Janeiro, especificamente na 7ª CRE,

deve ser analisada, observando-se a dinâmica das forças que ali circulam e o reflexo dos

embates destas forças no corpo social das instituições. A participação de vários agentes neste

processo é vital para o equilíbrio do poder, como esclarece Faundez (1993, p.12): “A

participação que não se transforma em poder não é uma participação eficaz”. O conceito de

participação eficaz, para Faundez (1993), está relacionado à manifestação do poder do

conhecimento, do poder decisório e do poder social, no sentido bourdieusiano de capital

social. Os indivíduos devem exercer na sociedade seus espíritos críticos, assumindo-se como

sujeitos ativos e permanentemente inteirados das decisões políticas.

Numa gestão democrática, o envolvimento e a participação dos agentes interessados

na aplicação da política pública são fundamentais. No caso do campo educacional, em

particular nas escolas, tal característica favorecerá a efetivação da política pública nas salas de

aula (BALL, 1999). Portanto, se faz necessária a interação entre comunidade, corpo docente,

pesquisadores, gestores, alunos e técnicos, numa constante avaliação com vistas à melhoria da

educação da comunidade: “Então o processo educacional deveria começar pela descrição e

análise da realidade comunitária” (FAUNDEZ, 1993, p.35). A esse respeito, pode-se concluir

que não se conseguirá o mesmo resultado de uma política instaurada numa determinada

comunidade dentro de uma dada região e trazida para outra comunidade de realidade

totalmente adversa, sem adaptações, sem ouvir os agentes diretamente interessados na

política. O aspecto sociocultural é marcante e precisa ser levado em consideração. A escola,

enquanto campo de efetivação da política pública de educação deve manter sua equipe voltada

a participar do processo de gestão democrática, sinalizando seu andamento, necessidades e

conquistas. Esta dinâmica deve ser praticada em qualquer instância do poder, contribuindo

para uma educação democrática e emancipatória, conforme evidenciam Najjar e Ferreira

(2009):

As práticas democráticas devem ser implementadas na dinâmica cotidiana das

escolas, desde a forma como ela e seu trabalho se organizam, passando pelas

relações humanas que acontecem no seu interior e chegando até a maneira como são

definidos seus objetivos de médio e de longo prazo. [...] dentro de uma concepção

de gestão mais ampla, o diretor não é o único gestor da escola [...] gestores escolares

que escute o que esse profissional tem a dizer e que dialogue com aquilo que é por

eles dito é importante para construirmos coletivamente conhecimento a cerca do que

acontece hoje nas escolas, requisito fundamental para podermos almejar uma

educação mais democrática e emancipadora (NAJJAR, FERREIRA, 2009, p. 35).

O professor constitui-se como agente deste campo educacional, com a particularidade

de estar sempre presente, qualquer que seja a configuração de forças que tenha determinado as

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diretrizes fixadas pela gestão pública da educação. O papel do docente neste contexto não é de

mero executor, uma vez que interage e joga o jogo, dentro do campo em que está inserido.

Criam e recriam regras, desarticulam propostas, modificam normas, na práxis (BOURDIEU,

1998). Este conjunto de atos e atitudes refletem a política na práxis, conforme destacam Ball

e Bowe (1999), e revelam a força do habitus, na acepção de Bourdieu (1974), ou seja,

posicionamentos ideológicos inconscientes que são incorporados nas práticas cotidianas, no

campo. Os docentes têm um papel muito importante neste processo, pois mediam a todo

tempo a aplicabilidade da política educacional instalada, no caso em análise, o Projeto

Realfabetização. O professor é, portanto, agente-chave na execução e na avaliação dos

resultados esperados e obtidos, o que justifica que esse protagonismo seja também por ele

vivenciado no plano da formulação da política educacional.

Nesta dinâmica, o diálogo passa ser o princípio democrático que media as relações

sociais nas tomadas de decisões, quer sejam na escola ou em instâncias superiores. As

interações entre os membros envolvidos neste processo, durante as fases de criação, aplicação

e avaliação da política, ajudam a nortear as próximas ações dentro da realidade em que a

política se desenvolve. Este diálogo deve se estabelecer nas diferentes dimensões, a saber,

pedagógica, administrativa, ética e política, de modo que haja um comprometimento

responsável e interativo de todos os agentes. A esse respeito, afirma Libâneo (2004):

Ao assumir esse papel o gestor deve, necessariamente buscar a articulação dos

diferentes atores em torno de uma educação de qualidade, o que implica uma

liderança democrática, capaz de interagir com todos os segmentos da comunidade

escolar. A liderança do gestor requer uma formação pedagógica crítica e autônoma

dos ideais neoliberais. Nesse sentido, o objetivo é construir uma verdadeira

educação com sensibilidade e também com destrezas para que se possa obter o

máximo de contribuição e participação dos membros da comunidade (LIBÂNEO,

2004, p. 102).

Quando Demo (2009) conceitua “participação como conquista”, quer dizer que é um

processo de autopromoção, que só existe enquanto conquista permanente. Ela não pode ser

compreendida como dádiva ou concessão. O autor problematiza o conceito , ressaltando que o

espaço da participação não pode ser entendido como algo preexistente, pois não “cai do céu

por descuido” nem é um fenômeno natural da política social. Segundo Demo (2009), a

sociedade brasileira historicamente se constituiu por uma tendência à dominação, através de

polarizações hierárquicas, predominando as posturas que se movem de cima para baixo. O

autor afirma que é peculiar ao fenômeno do poder que haja um lado minoritário de pessoas

dominando uma grande massa. De um lado, os dominadores e, do outro, os dominados. Neste

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contexto, é imperioso compreender que, se existe espaço para participação, isso em geral é

fruto de luta, de conquista.

Demo (2009) ainda adverte para se observar o verdadeiro caráter de muitas propostas

participativas, que se travestem de democráticas, mas, na verdade, são manobras sutis de que

visam reprimir, moldar e conformar. Na prática, a ideologia do poder se mascara de

participação. Propostas e programas costumam ser instituídos de cima para baixo, sem que se

envolvam os docentes nas diferentes etapas da política, pressionando o profissional docente a

agir como mero tarefeiro ou executor. Este descredenciamento do professor é comumente

intencional, pois, no contexto das influências, as soluções já foram “costuradas”, o que

dispensa a interferência por parte de outros grupos. Outras vezes são criadas “comissões

representativas” de professores que, mediante posições de cargos e salários que ocupam

dentro da estrutura hierárquica, acabam por validar propostas que, em circunstâncias

diferenciadas, não apoiariam. A participação do docente deve ser resgatada e analisada para

que a voz do educador possa servir de instrumento de avaliação no aprimoramento da

educação.

Ainda problematizando a participação no campo educacional, Faundez (1993) definiu

a educação em termos de processo de criação de conhecimento através de um diálogo

permanente, de uma participação ativa, criativa e crítica pela e para a democracia. O autor

destaca que o elemento chave para o desenvolvimento da educação é a participação, e que os

especialistas e responsáveis políticos dos projetos não podem negligenciar o aspecto

sociocultural, pois, quando marginalizam este fator, tendem a comprometer suas propostas e

projetos porque deixam de conhecer, no diálogo com a cultura da comunidade, questões

fundamentais na montagem da política educacional. Nesse sentido, torna-se fundamental

compreender como se constituiu o Projeto Realfabetização, já que o Projeto é derivado do

Programa “Se Liga”, do IAS, e possui uma metodologia própria e rígida, estando hoje

capilarizado em todos os estados da Federação.

Carvalho (2009) faz uma interessante reflexão sobre a avaliação participativa,

ressaltando a debilidade da avaliação tradicional baseada em dados quantitativos, quase

lineares em relação às metas iniciais, em detrimento de informações dos agentes sociais

envolvidos em programas e projetos. Associa-se a avaliação às práticas técnico-burocráticas

das instituições, que, segundo a autora, estão mais preocupadas em prestar conta dos

resultados dos projetos às suas chefias do que à comunidade interessada em geral. Carvalho

(2009) ainda enfatiza a importância de uma avaliação totalizante, que busque compreender a

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ação desde sua formulação, passando pela implementação ou execução, até a fase de

resultados e impactos.

Os estudos sobre avaliação de políticas públicas educacionais são recentes no país,

necessitando de debates mais imperiosos neste setor, que suscita tantas disputas de mando e

poder. Trata-se de um assunto que envolve uma gama de indicadores e reflexos diversos a

serem observados em cada caso. “A avaliação precisa captar esta multiplicidade sinalizada

pelas especificidades do social”, reitera Carvalho (2009, p. 90). Ressalto que neste cenário a

avaliação participativa ganha destaque nos programas ou projetos e nas instituições. Os

agentes envolvidos, portanto, são de total relevância na avaliação de qualquer política pública,

pois quem participou na prática pode trazer elementos relevantes para se pensar a política.

Dessa forma, ratifica-se a importância de estudar a avaliação dos professores a respeito do

Projeto Realfabetização, como forma de contribuição dos docentes face à política municipal

ora em curso na SME-Rio. A esse respeito, Carvalho (2009) esclarece que:

envolver estes sujeitos no processo avaliativo tem sido considerado de extrema

importância para apreender os múltiplos fatores, processos e resultados da ação

pública. È o coletivo de sujeitos implicados na ação que pode aportar a diversidade

de valores, opiniões e verdades sobre o programa em avaliação. Nesta direção a

avaliação se compromete em dar vez e voz ao pluralismo social que estes

interlocutores expressam”(Carvalho, 2009, p.90).

Saul (2009) afirma que, no Brasil, até meados de 1975, influenciadas pelo pensamento

norte-americano, as avaliações se norteavam pelo eixo positivista, com fortes marcas

individualistas e cientificistas. A autora ainda destaca que, sob tal influência, as avaliações, de

modo geral, não se prestam às ações transformadoras. Saul (2009, p. 97) assegura que: “os

estudos avaliativos têm assumido um papel eminentemente burocrático, os relatórios de

avaliação têm tido, via de regra, o destino de gavetas e prateleiras”. Partindo desta afirmativa

e alargando as análises críticas, mediante os índices educacionais divulgados no país e a

realidade que vivencio como professora do Ensino Fundamental no município do Rio de

janeiro percebo que os relatórios são engavetados, sim, mas intencionalmente, podendo ser

usados em momento propício por quem vier a se interessar por eles: ora para evidenciar o

sucesso de uma política, justificando as ações que a levaram até ela; ora para criticar a gestão

anterior e desmontar a política vigente. Falta compromisso político por parte dos dirigentes

que, ao mudar o governo, querem deixar suas impressões na nova gestão e desqualificam o

trabalho anterior sem que se faça uma avaliação séria junto à comunidade e demais membros

envolvidos no processo, conforme sinaliza Cunha (1994). A avaliação deve ter a função

reveladora e contribuir para a melhoria da gestão.

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Não existe, a priori, um único modelo de avaliação, todavia não se deve reduzir

avaliação a uma escolha de combinação de métodos e técnicas em função da preferência do

avaliador. Saul (2009) objetiva a função da avaliação educacional como uma dimensão de

prática social que influencia e é influenciada pelas pressões dentro dos campos onde está

circunscrita e, para tanto, deve trazer consigo uma proposta que envolve questões teóricas e

políticas. A autora enumera as características marcantes de uma avaliação positivista,

concepção tecnicista que não prioriza, na práxis, os efeitos produzidos nos microcosmos

diversos e com isto se afasta da realidade local. O modelo é baseado em:

[...] defesa do princípio de objetividade na avaliação; busca de validade e

fidedignidade dos instrumentos de coleta e análise dos dados; utilização de

tratamento estatístico dos dados e quantificação das observações; operacionalização

exaustiva de variáveis; utilização de pré e pró-teste para mensurar o êxito de uma

ação; controle rigoroso de variáveis; tendência do emprego de grande amostras de

casos que permitam generalizações estatísticas. (SAUL, 2009, p.97)

A esse respeito, pode-se observar que é exatamente isto que vem ocorrendo com os

dados do IDEB, pelos quais os alunos são avaliados, com base em resultados, estabelecendo-

se um desnecessário ranqueamento entre as escolas, sem que a avaliação ofereça feedback à

transformação do conhecimento dos discentes.

Um novo paradigma está lançado para se avaliar políticas educacionais. Segundo Saul

(2009), a avaliação emancipatória baseia-se em três vertentes teórico-metodológicas: a

primeira é a avaliação democrática; a segunda é a crítica institucional e criação coletiva e a

terceira é a pesquisa participante. Estas vertentes estão descritas e comentadas no último

capítulo desta dissertação, no item Avaliação Emancipatória.

Para compreender como se estabeleceu o Projeto Realfabetização na 7ª CRE e quais as

contribuições participativas dos professores na avaliação, foram usados os conceitos de

habitus, campo, agente, estratégia e capital de Bourdieu (1997), como arcabouço teórico-

metodológico dos esforços analíticos dos diversos atores na dinâmica interrelacional que se

estabeleceu no campo com os diversos agentes que disputaram ou participaram desta política.

Os campos são permeados por normas próprias, portanto, identificá-las se torna

imprescindível às análises científicas dos processos de relações sociais. Segundo Bourdieu

(1997), o conceito de campo é definido pelo espaço estruturado e estruturante de posições

entre dominados e dominantes, que lutam pela conservação e pela obtenção de cargos e

posições na escala hierárquica de poder e prestígio. A estrutura dos campos envolve

articulações em torno da distribuição e posse de um capital específico:

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Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do

conhecimento do mundo e o que dá suporte são as relações de força entre os agentes

(indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia, isto é, o

monopólio da autoridade, que concede o poder de ditar as regras e de repartir o

capital específico de cada campo (BOURDIEU, 1984, p.114).

No campo, é percebida a maneira de interagir dos agentes com as normas da estrutura

social, pois, mesmo quando se dá de forma inconsciente, ela revela o habitus, tal como

definido por Bourdieu (1990): “a orientação para a prática, que não é consciente nem

calculada, nem mecanicamente determinada”. Este comportamento é intrínseco a cada sujeito

e está diretamente ligado com sua formação pessoal e social. Dessa forma, o agente avalia as

regras do jogo e interage sobre elas, portanto, joga o jogo de acordo com suas convicções, de

forma que não se pode caracterizar este comportamento como pré-estabelecido. Percebi as

posturas, táticas e estratégias usadas pelos diversos professores/agentes, mediante a posição

hierárquica que ocupavam face a esta política pública, bem como seu posicionamento perante

as regras fechadas do Projeto. Este comportamento revelou o senso prático do professor,

evidenciado pelo conjunto de princípios e ações práticas que se articularam no cotidiano. Um

jogo social que, pela experiência acumulada e adquirida do conhecimento inerente ao próprio

campo, componente do habitus, possibilitou ao professor perceber rotas a seguir ou das quais

desviar. Ele agiu de forma inconsciente, escolhendo estratégias de conversão ou de subversão,

de acordo com suas posições relativas dentro do campo, quer em sala de aula, na supervisão

do projeto ou na coordenação do mesmo. Os professores podem desenvolver estratégias,

seguindo os passos metodológicos de um projeto, modificando-os, adaptando-os ou

substituindo-os. O conceito de estratégia está estreitamente vinculado aos conceitos de campo

e habitus, na perspectiva de Bourdieu (1990). As estratégias podem ser entendidas como

comportamentos lógicos de práticas estruturadas, de atos e atitudes distribuídas e dirigidas

pelos agentes em função de um habitus construído e das probabilidades de um campo

específico para a manutenção ou promoção de ganhos particulares em uma dinâmica

constante do jogo no campo. As estratégias são ações que têm particularidades de serem:

[...] razoáveis sem serem o produto de um raciocínio proposital ou com mais razão

de cálculo racional; motivadas por um tipo de finalidade objetiva sem serem

conscientemente organizadas em relação a um fim explicitamente constituído;

interligáveis e coerentes sem serem o produto de uma intenção inteligente ou de

uma decisão deliberada; ajustadas ao futuro sem serem o produto de um projeto ou

de um plano. (BOURDIEU, 1974. p.3)

Todo agente ou grupo, para subsistir socialmente, deve participar de um jogo que lhe

impõe certos ônus. Neste jogo, os agentes estão imersos em regras nem sempre aparentes e

sofrem influências diversas, seja qual for seu cargo/poder. A esse respeito, Bourdieu (2003)

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esclarece que os agentes são produtos de estruturas profundas, que têm intrinsecamente seus

princípios geradores e organizadores das práticas e representações das ações e pensamentos.

Esta explicação remete ao seu conceito de agente: “Os indivíduos são agentes à medida que

atuam e sabem que são dotados de um senso prático, um sistema adquirido de preferências, de

classificações, de percepção” (BOURDIEU, 1996, p.44).

Cada campo tem suas próprias especificidades e interesses comuns a todos os agentes.

Esta dinâmica no campo está diretamente vinculada às diversas formas de capital, ou seja, aos

recursos úteis na determinação e na reprodução das posições sociais (Bourdieu, 1984).

O capital é estabelecido por aquisição e sua acumulação ocorre através de diversas

formas de investimento. Bourdieu (1979) diferencia os tipos de capitais. O capital cultural

compõe-se dos diversos conhecimentos, das habilidades demonstradas nas preferências

musicais, preferências culinárias, entre outras. Estas adjetivações intelectuais são adquiridas e

transmitidas pelas famílias e pelas instituições escolares. O capital cultural ainda pode ser

identificado como: no estado incorporado, mediante a postura do corpo (hexis); no estado

objetivado, quando se materializa a aquisição de bens culturais; e no estado institucionalizado,

com as titulações acadêmicas e demais certificações conferidas aos agentes:

El capital cultural puede existir bajo tres formas: en el estado incorporado, es

decir, bajo La forma de disposiciones duraderas del organismo; en el estado

objetivado, bajo la forma de bienes culturales, cuadros, libros, diccionarios,

instrumentos, maquinaria, los cuales son La huella o la realización de teorías o de

críticas a dichas teorías, y de problemáticas, etc., y finalmente en el estado

institucionalizado, como forma de objetivación muy particular, porque tal como se

puede ver con el titulo escolar, confiere al capital cultural —que supuestamente

debe de garantizar— las propiedades totalmente originales. (BOURDIEU, 1979,

p.11).

Bourdieu (1984, p.114) também esclarece que: “as formas de capital são conversíveis

umas nas outras, por exemplo, o capital econômico pode ser convertido em capital simbólico

e vice-versa”. O capital social é estabelecido a partir dos ciclos sociais de que os agentes

participam e de seus conhecimentos com e sobre os outros agentes, ou seja, das redes sociais

de que participam. Já o capital simbólico corresponde aos protocolos e cerimônias perante o

reconhecimento social, ou seja, a maneira como o agente é reverenciado, prestigiado, honrado

ou não dentro da rede social. Portanto, dialoga com todos as outras formas de capital

(econômico, cultural e social). Estes conceitos foram utilizados durante o transcorrer da

pesquisa e ajudaram a compreender a política pública ora estudada em sua dimensão

essencial. Além disso, este corpo conceitual me ajudou a observar a postura dos diversos

agentes,em relação ao Projeto Realfabetização. Eles se fizeram presentes no corpo, na fala,

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41

nas informações prestadas sem necessidades, na maneira de vestir e de se posicionar perante a

política educacional.

É importante ressaltar que não existe obediência cega às regras pré-estabelecidas e sim

um jogo, onde o agente “joga”, conhecendo as regras, improvisando e recriando-as. Bourdieu

(1990, p. 26) ressalta o “lado ativo do agente, que, apesar de internalizar as representações

sociais, age sobre elas, não sendo apenas seu reflexo ou respondendo mecanicamente aos

condicionamentos sociais”. Afinal, os agentes constroem seu habitus nas diferentes

experiências de socialização que vivenciam. Este comportamento é percebido nas análises

feitas por Bowe et al. (1992) sobre o ciclo de políticas, principalmente quando evidenciam o

contexto da prática, onde de fato, para os autores, a política será estabelecida.

[...] os profissionais que atuam no contexto da prática [escolas, por exemplo] não

enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias,

experiências, valores e propósitos (...). Políticas serão interpretada diferentemente

uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são

diversos.(BOWE et al., 1992, p. 22)

Na história da educação brasileira, muitos projetos foram lançados como propostas

políticas de erradicação do analfabetismo, mas pouco se sabe sobre a participação e as

contribuições dos professores nas etapas constitutivas de tais ações. Dentro do campo, o

capital não é distribuído de forma igualitária, gerando por parte dos agentes um conflito

permanente por posse e mandos, o que impõe a necessidade de que seja compreendida a

sistemática desta parceria público-privada que configura o Projeto aqui examinado.

As pesquisas que se propõem a avaliar políticas públicas, principalmente as

educacionais, devem se preocupar em definir os diferentes contextos de sua construção e

realização na prática. Nesta área, destacam-se as contribuições de Bowe et al. (1992),

difundidas no Brasil por Mainardes (2007), sobre a abordagem do ciclo de políticas.

Mainardes (2007) destaca que as políticas públicas precisam ser analisadas num

ciclo não linear e como elementos interligados. Deve-se atentar para a complexidade dos

interesses dos agentes sociais e os embates que estão em andamento. Esta concepção tem

contribuído de forma relevante para se pensar a avaliação de políticas públicas educacionais

no Brasil. O ciclo de políticas de Bowe et al. (1992) é assim composto: contexto da

influência; contexto da produção de texto; contexto da prática; contexto dos resultados ou

efeitos e o contexto da estratégia política. No terceiro capítulo, foram problematizados estes

passos do ciclo de políticas, como forma de reflexão para se avaliar qualquer política

educacional.

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A política pública ora estudada, Projeto Realfabetização, se estabeleceu na prática,

no campo onde se circunscreveu, conforme interpretação dos pressupostos de Mainardes

(2007). Ouvir as avaliações feitas pelos professores a respeito do Projeto possibilitou

conhecer a política no contexto da prática e, ao mesmo tempo, trouxe subsídios e mecanismos

para se pensar a importância dos agentes sociais interessados na política educacional,

destacando o papel dos professores no processo de tomadas de decisão, antes, durante e

depois de qualquer política educacional.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral

Analisar o Projeto Realfabetização implementado na Rede Municipal de Educação do Rio de

Janeiro.

1.3.2 Objetivos Específicos

Analisar os momentos, as formas e o conteúdo da participação dos professores da 7ª

CRE no Projeto Realfabetização.

Analisar a avaliação dos professores da 7ª CRE sobre o Projeto Realfabetização, no

que se refere às concepções pedagógicas que fundamentam o Projeto.

Analisar a avaliação dos professores da 7ª CRE sobre a efetividade do Projeto

Realfabetização como política de correção da distorção idade/série no processo de

alfabetização.

1.4 Artesanato Metodológico

As escolhas metodológicas são inseparáveis das escolhas teóricas, no processo de

construção do objeto de pesquisa, como adverte Bourdieu (1989). A metodologia é uma teoria

em ato, necessitando, portanto, estar respaldada necessariamente num arcabouço teórico.

Definir a metodologia a ser usada na pesquisa é uma etapa muito importante para o sucesso

do trabalho. Não basta escolher um método e segui-lo como se fosse uma receita de bolo.

Definir o objetivo, delimitá-lo e não perder o foco do que se quer pesquisar é imprescindível

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como primeiro passo. Mas para que se possa ter êxito científico, é preciso, além da clareza

quanto ao foco da pesquisa, definir, passo a passo, a metodologia a ser empregada.

Dois aspectos são importantes na produção do artesanato metodológico. Em primeiro

lugar, o conhecimento do tema estudado, situando-o no campo em que está inserido e

identificando as forças e interesses que participam das disputas em torno do tema. Em

segundo lugar, as características do próprio pesquisador: sua formação acadêmica e

profissional, sua história de vida, seus valores, sua familiaridade e habilidade no emprego de

técnicas e instrumentos de pesquisa e de análise. Dessa forma, a validade da pesquisa, seja ela

quantitativa, qualitativa ou que busca combinar essas vertentes, depende do rigor

científico e da adequação da metodologia à natureza do objeto investigado e das fontes de

informação necessárias à realização do estudo (ROY, 1993). Em outras palavras, cabe

reconhecer a importância da interação do pesquisador com o mundo social para encontrar um

caminho metodológico apropriado, afastando os modelos únicos e apriorísticos, em proveito

da construção adequada ao que se pretende investigar (ENSSLIN, 2000; ENSSLIN et al.,

2001).

A pesquisa de predominância que bisca combinar as abordagens qualitativa e

quantitativa pode ser utilizada para explorar melhor as questões pouco estruturadas; os

territórios ainda não mapeados e extensos; os horizontes inexplorados de problemas que

envolvam: atores, contextos e processos em estado genuíno. E esta é a trilha metodológica

que pretendo seguir, dada a sua adequação às características do objeto e da pesquisadora, no

contexto social da rede municipal de educação do Rio de Janeiro.

Como já afirmei, a rede educacional do município do Rio de Janeiro é composta por

10 CREs, sendo a maior da América Latina, com 1.065 escolas, 255 creches públicas

municipais em horário integral, 109 unidades escolares que atendem na modalidade creche,

178 creches conveniadas e 26 Espaços de Desenvolvimento Infantil. Embora o campo de

pesquisa tenha sido restringido à 7ª CRE, ainda assim o universo pesquisado é extenso: 18

bairros, com 117 escolas, 25 creches, 2 espaços de desenvolvimento infantil, 2 núcleos de

artes, 3 clubes escolares e um pólo de educação pelo trabalho. Trata-se não apenas de um

universo extenso, mas também inexplorado, pois não há estudos sobre a 7ª CRE, ao menos

com foco semelhante ao que faço nesta dissertação.

A escolha pela região da 7ª CRE como campo de pesquisa se deu em relação ao meu

conhecimento geográfico da área, à compreensão da estrutura institucional pela pesquisadora

e à diversidade sócio-econômica-cultural da região. Outro fator levado em consideração ao se

escolher a pesquisa qualiquantitativa diz respeito à minha formação profissional. Sou

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graduada em Ciências Econômicas e domino com certa facilidade ferramentas de análises

estatísticas, como gráficos e tabelas, o que acredito que me auxiliou na interpretação de dados,

para confrontar ou ratificar dados produzidos por outros instrumentos, em especial nas

entrevistas. Dessa forma, foram empregados aqui elementos quantitativos e qualitativos em

proveito da ampliação do escopo das análises empreendidas neste estudo:

O processo de validação das condições de aplicação da pesquisa de predominância

quali-quantitativa possibilita que o desenvolvimento de um design de pesquisa

enquanto mapa de navegação favoreça a avaliação por critérios de cientificidade e

aderência ao problema como percebido por seu interlocutor (decisor). A primeira

etapa denominada validação e a segunda, legitimação. O design da pesquisa deve

explicitar os tipos de escalas a serem utilizadas em cada uma de suas etapas e a

forma de sua transformação em escalas cardinais, se for esse o caso (ENSSLIN;

ENSSLIN;VIANNA, 2007, p.178).

A configuração desta pesquisa se estabelece em dois momentos: o primeiro com

questionários exploratórios. Esta fase é chamada de validação e, no segundo momento, com

entrevistas presenciais, semiestruturadas, chamando-se esta fase de legitimação.

Os questionários foram enviados para todos os professores regentes e itinerantes da 7ª

CRE que participaram do Projeto nos anos de 2009 e 2010. Este questionário se constituiu de

uma escala de 7 pontos - Escala de Likert -, criada em 1932 por Rensis Likert para medir os

níveis de aceitação dos consumidores aos produtos e serviços, conforme suas experiências e

influências sociais, e foram empregadas nesta pesquisa por ser um instrumento de análise fácil

e por proporcionar respostas mais diretivas. Backer (1995) afirma que as escalas de Likert ou

Escalas Somadas requerem que os entrevistados indiquem seu grau de concordância ou

discordância com declarações relativas à atitude que está sendo investigada. O autor ainda

comenta que se atribuem valores numéricos e/ou sinais às respostas para refletir a força e a

direção da reação do entrevistado à declaração. As declarações de concordância devem

receber valores positivos ou altos, enquanto as declarações das quais discordam devem

receber valores negativos ou baixos.

As escalas seguem sequências ímpares, contendo um ponto mediano, representado

pela indiferença em relação à proposição. As escalas mais usuais neste sistema são: 1 a 5; 1 a

7; ou de +2 a -2, passando por zero. Esta escala descarta respostas ambíguas e possibilita

respostas mais precisas. Mattar (2001) atribui vantagens e desvantagens a esta escala.

Vantagens: a simplicidade de construção e a facilidade de adaptação da mesma a qualquer

pergunta empírica. Desvantagem: por ser uma escala essencialmente ordinal, não permite

dizer quanto um respondente é mais favorável do que o outro.

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A escala usada foi estruturada com perguntas assertivas, possibilitando repostas

graduadas de 1 a 7 pontos. Foi usada esta legenda no questionário para servir como medida

referencial para os professores: 7 = concordo totalmente; 6 = concordo; 5 = concordo

ligeiramente; 4 = nem concordo nem discordo; 3 = discordo ligeiramente; 2 = discordo; 1 =

discordo totalmente.

Após explicação e justificativa da escolha da escala, sinalizo a maneira pela qual

foram abordados os primeiros contatos com os professores. Os questionários foram enviados

pelo endereço eletrônico oficial da 7ª CRE a todas as escolas desta Coordenadoria (mesmo

aquelas que não tiveram o projeto, pois os professores não são fixos nas escolas, podendo ser

encontrados em outra unidade escolar. O período de recorte da pesquisa foi de 2009 a 2010.

Telefonei para as escolas para confirmar o recebimento da correspondência eletrônica e a

reenviei para aquelas que sinalizavam não tê-la recebido. Muitas interações foram feitas para

obter informações sobre os professores, pois muitos docentes já não se encontravam nas

escolas, precisando se estabelecer um processo investigativo para se chegar aos sujeitos. Boa

parte deles não foi possível contatar, pois estavam de licença, pediram demissão, não

quiseram responder, entre outras situações infrutíferas para a pesquisa. Para os professores

itinerantes, foram enviados os questionários diretamente pela Coordenadora da 7ª CRE, pois

este profissional, como o termo itinerante explicita, não tem ponto fixo.

O questionário para os professores regentes constou de uma identificação inicial

sociocultural a ser informada e 20 questões objetivas (ver anexo), todas formuladas de tal

forma que buscassem se concentrar e responder aos objetivos específicos propostos pela

pesquisa. Para os professores itinerantes, a mesma parte inicial, com uma identificação

sociocultural, e 13 outras questões objetivas. O retorno dos questionários se deu, em grande

parte, via correio eletrônico, mas também muitos foram entregues na 7ª CRE e outros,

recolhidos diretamente nas escolas. Após este primeiro momento, foram selecionados aqueles

que se colocaram à disposição para serem entrevistados (no questionário, constava um espaço

para que o professor pudesse se expressar e se identificar, caso aceitasse participar de

entrevista presencial).

A segunda fase, então, com os professores regentes, constituiu-se de entrevistas semi-

estruturadas para aqueles que se dispuseram a participar. No total, 15 (quinze) professores

regentes se colocaram à disposição. Selecionei os professores, priorizando aqueles que

participaram nos dois anos consecutivos do Projeto e/ou seguiram a turma em outro projeto.

Iniciei as entrevistas observando este critério, até que observei o seguinte: as respostas

começaram a se repetir na quinta entrevista, o que me fez adotar a técnica de saturação,

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considerando que não busquei, neste estudo, nem a abordagem exaustiva dos sujeitos nem a

composição de amostra quantitativamente representativa.

O processo de escolha dos professores itinerantes foi mais complexo, pois muitos

deles não se mostraram dispostos a participar, o que pode ser observado pelo baixo número de

respondentes (conforme quadro 1). Foi necessário, nesse caso, recorrer à coordenadora do

Projeto. A mesma indicou dois nomes de professores itinerantes a serem entrevistados e a

terceira opção foi feita em função de minhas relações profissionais, como professora de apoio

do Projeto Realfabetização, no Ciep Margaret Mee, em 2009. Foram entrevistadas as três

professoras itinerantes. As entrevistas foram realizadas com perguntas semelhantes às dos

questionários, porém, não de forma inquisitiva e, sim, em tom de conversa, deixando os

professores exporem, de forma espontânea, suas avaliações sobre o Projeto Realfabetização,

porém com mediação diretiva da pesquisadora. Dessa forma, foi traçado e executado o plano

de ação.

Yin (2001) caracteriza um projeto de pesquisa como um plano de ação. Ele ressalta a

importância de se objetivar as questões a serem respondidas e cria uma rota de procedimentos

para se alcançar as possíveis respostas. Esta praticidade de procedimentos ajuda a

esquematizar uma proposta de ações a serem desenvolvidas, que são complexas no meio

social e que irão nortear as questões mais relevantes relacionadas ao trabalho. Portanto, é no

fazer da pesquisa que o pesquisador irá encontrar novas possibilidades de pensar e repensar o

objeto. Foi com este entendimento que percebi que os professores abrangeram em suas

respostas elementos ligados ao ano de 2011, pois, compararam os dois anos anteriores de

trabalho (2009 e 2010) com o ano em que a pesquisa de campo se realizou (2011). Assim, é

importante ressaltar que, embora o recorte tenha incidido nos anos já mencionados de 2009 e

2010, houve, por parte dos professores, o levantamento de pontos prementes do exercício

docente em 2011.

Não se pode esquecer que cada situação empírica é uma situação particular e impõe

desafios em nível teórico, sempre a partir da concretude prática do objeto, portanto, a

imbricação da Teoria/Prática não pode ser descartada:

Conteúdos, que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se

engendram em que cuja visão ganhariam significação. A palavra, nesta dissertação

se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em

verbosidade alienada e alienante (FREIRE, 2005, p 65-66).

As relações entre teorias e práticas se dão primeiro e antes de tudo na relação homem-

mundo. Esta relação busca coerência entre pensamento e ação, que é práxis. Conforme Freire

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(2005, p.65-66): “Do contrário, a ação sem pensamento é ativismo, e o pensamento sem ação

é verbalismo.”

Segundo Bourdieu (1989), a etapa da construção do objeto é uma das etapas mais

importantes no trabalho científico, requerendo do pesquisador a ruptura com concepções pré-

construídas. Da mesma forma, Merrian (1998) considera que a primeira tarefa na condução de

uma pesquisa é o objetivo da resolução do problema. A estrutura teórica é o esqueleto da

pesquisa. Nessa estrutura são apresentados os questionamentos da pesquisa, a identificação do

que é relevante, o projeto de como representá-lo e mensurá-lo, a forma como será feito o

levantamento de dados, que métodos serão utilizados para analisar os dados produzidos e de

que forma os dados serão interpretados. A autora afirma que, independentemente do tipo de

pesquisa adotado, a base filosófica está normalmente fundamentada na visão de que a

realidade é construída por indivíduos que interagem com seu mundo social.

As lentes com as quais foi desenvolvido o presente trabalho foram aquelas dadas pela

metodologia qualiquantitativa, porque percebi que esta abordagem era a mais adequada para

captar objetivações e subjetividades entre o pesquisador, objeto e meio social. Para tanto,

houve uma preocupação no rigor científico, não no sentido positivista, mas para não

estabelecer normas ao bel prazer do pesquisador, sem se preocupar com a cientificidade do

estudo. O tamanho da amostra das entrevistas foi definida, usando-se o critério de fechamento

amostral por saturação ou amostras fechadas por saturação teórica. Uma técnica para “fechar”

as amostras, ou seja, para limitar o número de sujeitos a serem pesquisados:

“Fechar" a amostra significa definir o conjunto que subsidiará a análise e

interpretação dos dados. Nas amostras não-probabilísticas (intencionais), tal

definição é feita a partir da experiência do pesquisador no campo de pesquisa, numa

empiria pautada em raciocínios instruídos por conhecimentos teóricos da relação

entre o objeto de estudo e o corpus a ser estudado. (FONTANELLA et al., 2011,

p.389).

Minayo (2001) afirma que a pesquisa qualitativa responde a questões muito

particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode

ser quantificado. Quanto a este aspecto, a autora considera uma amostra ideal aquela que

reflete as múltiplas dimensões do objeto de estudo. A amostragem boa é, portanto, aquela que

possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas múltiplas definições,

independentemente do número de entrevistados. Para se abranger esta amostra boa, foi levada

em consideração o ponto de saturação empírica: o pesquisador constata que entre o campo de

pesquisa e o investigador não existe elementos novos que justifiquem outras investigações.

Entrevistei os professores até que percebi a reincidência de respostas, chegando a um ponto de

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saturação do real observado e materializado. Foram entrevistados pessoalmente: 1

coordenador, 5 professores regentes e 3 professoras itinerantes.

Conforme Boudieu (2008), entrevistar é participar de uma relação de intrusão sempre

um pouco arbitrária, pois a troca se dá de forma especulativa, visando medir a amplitude e a

natureza da distância entre a finalidade da pesquisa, tal como é percebida e interpretada pelo

pesquisado, e a finalidade que o pesquisador tem em mente. A assimetria entre pesquisado e

pesquisador deve ser amenizada pelo ajuste do discurso do capital cultural (mercado dos bens

linguísticos e simbólicos) e o respeito ao sujeito, estabelecendo-se regras consensuais da

entrevista e, desta forma, atenuando-se a violência simbólica:

Levando em conta estas duas propriedades inerentes à relação de entrevista,

esforçamo-nos para fazer tudo para dominar os efeitos (sem pretender anulá-los)

quer dizer, mais precisamente, para reduzir no máximo a violência simbólica que se

pode exercer através dele (BOURDIEU, 2008, p.695).

Para o trabalho de transcrição das entrevistas, procurarei seguir os ensinamentos de

Bourdieu (2008, p.709), no tocante “aos riscos da escrita.” Sendo assim, iniciei a transcrição

das mesmas com títulos e subtítulos, para orientar a atenção do leitor sobre traços

sociologicamente pertinentes, observando os gestos, respeitando as pausas durantes a escrita,

pois acredito que um momento de silenciamento, embaraço ou emoção pode explicitar uma

conotação diferente do discurso falado:

Assim, transcrever é necessariamente escrever, no sentido de reescrever: como a

passagem do escrito para o oral que o teatro faz [...]que são sem dúvida a condição

de uma verdadeira fidelidade. As antinomias bem conhecidas da literatura popular

lembram que dar realmente àqueles que habitualmente não a têm, é apenas lhes dar a

palavra tal qual (BOURDIEU, 2008, p. 710).

As noves entrevistas realizadas foram transcritas, sendo quatro delas integralmente

restituídas em anexo, por serem, a meu juízo, mais claramente representativas das principais

ideias veiculadas pelos agentes, de acordo com seu lugar social no Projeto: coordenadora do

Projeto desde 2009; duas professoras regentes (uma trabalhou com o projeto em 2009 e 2010

e a outra, em 2009, tendo acompanhado a turma no ano seguinte e retornado ao Projeto

Realfabetização em 2011); e uma professora itinerante que trabalhou em 2009 e 2010 e

retornou em 2011. Essa escolha se deu em virtude do conteúdo da entrevista, ou seja, são as

interlocutoras que mais diretamente responderam às questões da pesquisa. Diante do exposto,

procurei, enquanto pesquisadora, ser clara na colocação de meu conhecimento investigativo e

crítico em proveito das Ciências Humanas e Sociais, realizando um trabalho de respeito e

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crescimento junto aos sujeitos e nas diversas situações que foram vivenciadas durante o

transcorrer da pesquisa (BOURDIEU, 2008).

1.4.1 O Campo de Pesquisa

O trabalho de pesquisa ocorreu na 7ª CRE do Município do Rio de Janeiro, que

compreende os seguintes bairros: Barra da Tijuca, ltanhangá, Vargem Pequena, Vargem

Grande, Recreio dos Bandeirantes, Jacarepaguá, Taquara, Cidade de Deus, Anil, Gardênia

Azul, Camorim, Freguesia, Rio das Pedras, Tanque, Curicica, Pechincha, Praça Seca e Vila

Valqueire.

1.4.2 Agentes da Pesquisa e Corte Temporal

A pesquisa abrangeu os professores participantes do Projeto Realfabetização da 7ª

CRE. O universo total de professores à frente do projeto foi de 129 docentes, distribuídos nos

anos de 2009 e 2010, entre professores regentes (99), professores itinerantes (29) e um

coordenador (1). Alguns ainda permaneceram à frente do Projeto em 2011, seja como

professores regentes, itinerantes ou coordenador. Foram 56 escolas atendidas pelo Projeto em

2009 e 18 em 2010. O número de alunos iniciais participantes em 2009 foi de 2.057 e, em

2010, foram 345.

De um universo de 129 agentes, entre professores regentes (99), coordenador (1) e

professores itinerantes (29), somados nos anos de recorte de 2009 e 2010, participaram da

pesquisa ao todo 50 docentes. Segue detalhes no Quadro 1.

Quadro 1: Quadro Geral - Agentes do Projeto

Realfabetização (2009/2010)

Regentes Itinerantes Coordenadora Total

99 29 1 129

Agentes Entrevistados (2009-2010) 5 3 1 9

Agentes Respondentes dos Questionários

44 5 - 49

Total de Participantes da Pesquisa (2009 – 2010)

44 5 1 50

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50

1.4.3 Instrumentos de Produção de Dados

- Entrevistas semiestruturadas com os docentes da 7ª CRE;

- Aplicação de questionário objetivo (Survey com escala Linkert de 7 pontos);

- Análise de Documentos: em arquivos da 7ª CRE da SME-Rio, no acervo documental das

escolas municipais, na documentação produzida pelo IAS (vide Apêndice);

1.4.4 Análise dos Dados

Os dados obtidos em campo foram analisados mediante os fundamentos de Bourdieu

(1989), baseados principalmente nos conceitos de agente, campo, estratégia, habitus e capital.

Com os questionários tabulados, foi possível construir e interpretar gráficos e tabelas,

utilizando as ferramentas de estatística descritiva. Utilizando a metodologia qualiquantitativa,

confrontando os questionários e entrevistas, pude ter uma gama de informações que

consubstanciaram as análises interpretativas. As entrevistas constam nos anexos, deixando-se,

portanto, a quem interessar, a possibilidade de novas interpretações.

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CAPÍTULO II

APONTAMENTOS PARA A ABORDAGEM DO CAMPO DAS POLÍTICAS

PÚBLICAS

2.1 Abordagem Introdutória

As concepções apresentadas neste capítulo servem de referenciais teórico-analíticos

para reflexões críticas sobre as configurações de uma política pública, em particular da

política educacional analisada. Para tanto, discutirei o conceito de Estado, de governo, de

sociedade civil, de política pública e de política pública educacional. Apresentarei as

principais correntes de políticas públicas numa contextualização analítica: Neoliberais;

Pluralistas; Social-Democratas e tentarei esboçar uma reflexão sobre elas dentro da visão

marxista. Ainda neste capítulo, destaco e analiso a concepção do Ciclo das Políticas, baseado

nos autores Ball e Bowe (1999), realçando as contribuições de Mainardes (2006) ao campo

educacional e enfatizando o contexto da prática. Evidenciarei o surgimento e funcionamento

da chamada terceira via no setor educacional, com enfoque no IAS. Analisarei a relação entre

o terceiro setor e o Estado educador, com contribuições de Leher (2008). Finalizo,

problematizando o emprego do Paradigma da Avaliação Emancipatória descrito por Saul

(1988), como campo recente de avaliação de políticas públicas e correlaciono os ganhos desta

avaliação, quando todos os agentes da escola participam da gestão, numa perspectiva

emancipatória de transformação, reafirmada por Libâneo (2004), no ambiente escolar.

2.2 Reflexões Sobre Políticas Públicas

Ao analisar qualquer política pública, deve-se abarcar um conjunto de conceitos e

teorias, lembrando que os mesmos estão em permanentes (re)significações na trajetória

histórica de qualquer país, portanto, se faz necessário estruturá-los de forma a examiná-los

nos diversos contextos por onde perpassam, desde sua origem até sua concretude na prática,

compreendendo as influências ideológicas, locais e globais na configuração das mesmas.

Estes conceitos e teorias servirão de mediadores para as análises refletivas das relações sociais

estabelecidas entre os diversos agentes da sociedade. São conceitos complexos que se

interpenetram e dependendo do meio onde circulem, poderão se apresentar com outros

contornos.

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52

Höfling (2001, p.31) diferencia Estado de Governo e analisa a relação com as políticas

sociais com o propósito de melhor esclarecer a linha de raciocínio usada na consecução de

planos de intervenção governamental. A autora chama atenção para as concepções que

nortearão as ações do Estado, chamadas por ela de “questões de fundo”. Estas são decisões

tomadas, caminhos percorridos, modelos utilizados em relação às escolhas políticas. Ela

define Estado e governo da seguinte maneira:

[...]o conjunto de instituições permanentes, como órgãos legislativos, tribunais,

exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente, que

possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e

projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e

outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação

política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado

por um determinado período (HÖFLING, 2001, p.31).

Já a definição dada no campo do Direito Administrativo sobre o que vem a ser Estado

e governo, segundo Knoplock (2008, p. 6-10):

Estado é pessoa jurídica de Direito Público, ou seja, é um ente com personalidade,

possuindo direitos e obrigações e esses direitos e obrigações são regulados conforme

os princípios de direito público (...). Soberano. Constituído por três elementos: povo,

território e governo soberano. Já Governo representa a função política, a expressão

política de comando, de iniciativa, de fixação de metas e objetivos do Estado

(KNOPLOCK, 2008, p. 6-10).

Voltando à análise de Höfling (2001), a autora esclarece que o Estado não pode ser

restringido à burocracia pública, aos organismos estatais que efetivam as políticas públicas.

Ela salienta que:

[...] as políticas públicas são compreendidas como as de responsabilidade do Estado,

quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de

decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da

sociedade relacionados à política implementada (HÖFLING, 2001, p.31).

Osga (2000) reflete sobre o conceito de políticas públicas. A autora esclarece que não

existe uma única definição de política pública. Ela concebe política pública como processo,

ou seja, arena de negociação e de lutas entre os diferentes agentes e grupos envolvidos. Este é

um ponto importante desta pesquisa, que compartilho com a autora Osga (2000), a respeito do

terreno de embates que se constituem as políticas públicas, portanto, ao se analisar o Projeto

Realfabetização faz-se necessário compreender o campo ao qual está vinculado e quais são os

grupos que influenciam esta política. Outro ponto norteador é que, os professores influenciam

as políticas à medida que interagem e se apropriam na práxis dos textos legislativos, mesmo

que por vezes de forma inconsciente. Sou categórica em afirmar que autores como Bourdieu

(1994), Ball (1993), e a própria Osga (2000), acabam por ressaltar, cada qual com suas

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concepções e conceitos, que os docentes reinterpretam as diretrizes governamentais, ou seja,

as políticas educacionais, à medida que ressignificam as diretrizes e os textos legais na práxis.

Cada professor, mediante suas características intrínsecas dentro de um campo específico,

aplicará a política de uma determinada forma.

Nessa perspectiva, há uma tensão entre os contextos da influência/ contexto da

produção de texto e o contexto da prática. Ball (1993) salienta, que entre os objetivos e a

prática das políticas, é que ocorre a política propriamente dita. Existe uma adaptação da

política tal como vem para ser aplicada e como são efetivadas nas escolas, com todos que

participam do processo educativo. Osga (2000) sinaliza a maneira direta e indireta de

controle, pela qual os governos buscam debelar ao máximo as resistências que possam

insurgir da categoria docente. Idéias propagadas e reafirmadas pela classe no poder, que

buscam modelar o pensar dos professores, através de pacotes ideológicos e atitudes positivas,

perante ideias hegemônicas. Os docentes podem se tornar um fator complicador, nas palavras

da autora, um “problema político”. Muitas estratégias são usadas como forma de conquistar os

professores e neutralizar possíveis descontentamentos.

A educação é uma política pública social, de responsabilidade do Estado. Este pode

delegar poderes a grupos para fazer cumprir suas obrigações. Como bem explicitado na

introdução do trabalho, para que o setor privado pudesse participar da gestão pública, precisou

se apoiar em leis: federal, estadual, municipal e decretos, legalizando e definindo sua atuação.

Compreender a participação e influência destes grupos, dispostos a participarem, em cogestão

com o governo, nas decisões e escolha das políticas públicas a serem contempladas pelo

Estado ajudam a explicar o quantitativo de ONGs no sistema educacional.

Há de se entender o conceito de Estado e sociedade civil de forma reflexiva. Trazer

contribuições de autores renomados no entendimento das políticas públicas dentro de um

contexto histórico e os reinterpretar para o contexto atual. Para tanto, compactuo com as

interpretações e análises feitas por Bobbio (1987, p. 49), quando enfatiza o entendimento de

Gramsci e realça sua contribuição para o entendimento do cenário contemporâneo, mostrando

que embora o mesmo diferenciasse o entendimento entre sociedade civil e Estado, direcionou

os embates políticos para a esfera superestrutural. Bobbio (1987) afirma a dificuldade dos

termos serem entendidos, pois a contradição persiste ainda hoje, porém com novos contornos.

Os dois processos são contraditórios – do Estado que se faz sociedade e da sociedade que se

faz Estado. A primeira proposição segundo o autor levaria ao Estado totalitário e a segunda,

ao fim do próprio Estado.

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É pertinente esclarecer que são as políticas que dão visibilidade ao Estado e é na

sociedade civil que se dão os embates entre os movimentos sociais organizados, onde as

políticas públicas serão contempladas, reformadas, onde surgirão ou deixarão de existir de

acordo com a influência de agentes/grupos no governo. Problematizando sobre o conceito de

sociedade civil, Bobbio (1987, p.52) nos auxilia a compreender os meandros da construção de

uma política pública sob moldes modernos numa sociedade capitalista. O autor faz uma

análise sobre Estado e sociedade, empregando a noção de “Estado Social” e sugerindo que

estes dois elementos imbricados entre si mostram dois tipos de cidadãos: cidadão participante

e cidadão protegido, que estão em permanentes conflitos entre si e às vezes na mesma pessoa.

O autor reitera: “Sob este aspecto, sociedade e Estado atuam como dois momentos

necessários, separados, mas contíguos, distintos, mas interdependentes, do sistema social em

sua complexidade e em sua articulação interna” (BOBBIO, 1987, p.52).

Campiloongo (1988) esclarece que no século XIX, na perspectiva do liberalismo

clássico, havia uma nítida separação entre o Estado e a sociedade civil, no século XX esta

linha divisória deixou de ser tão nítida. O que está em jogo entre o Estado e a sociedade civil

é a tentativa recíproca de permeação de um pelo outro.

Neste início de século XXI, as parcerias entre os mesmos se consolidam e cada vez

mais os interesses dos agentes capitalistas e dos agentes do governo, que representam o

Estado, caminham na mesma direção. Novos movimentos surgem, com designações de

ONGs, constituindo-se o terceiro setor. Os interesses são mútuos e, portanto, a convivência é

pacífica. Existe um mercado paralelo a este nível que se consolida em benefícios velados

recíprocos. De um lado os capitalistas oferecem/favorecem vantagens desde cargos

empregatícios aos familiares a presentes “singulares” aos agentes públicos e em contrapartida

o homem público oferece a “fidelidade” (contrato) de um determinado produto/serviço

oferecido pelo capitalista, por um longo tempo. São as vendas de soluções em forma de

pacotes educacionais, consultorias a várias instituições públicas, contratos de equipamentos,

entre outros.

Crio uma metáfora para descrever este processo permeado por interesses nas arenas

políticas. Nas comunidades bióticas, dentro de um ecossistema, encontram-se várias formas

de interações entre os seres vivos que as formam, denominadas relações ecológicas. Elas se

caracterizam pelos tipos de dependência que os organismos mantêm entre si. Algumas dessas

relações se caracterizam pelo benefício mútuo de ambos os seres vivos, ou de apenas um

deles, sem o prejuízo do outro. Essas relações são denominadas harmônicas. Portanto, por

analogia O terceiro setor é o “Comensal” nesta relação harmônica, enquanto o Estado, o

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Anfitrião representado pelo governo. Este proporciona alimento fácil ao comensal, ou seja,

condições de participação lucrativa na co-gestão da “coisa pública.”E o Estado desobriga-se

de suas responsabilidades. Sendo assim, ambos se beneficiam, ou seja, anfitrião e comensal

partilham da mesma política. Na prática, o terceiro setor apoia políticas sociais em prol dos

desfavorecidos na educação, saúde, entre outros setores, desde que sua participação enquanto

sociedade civil seja efetiva e portanto lucrativa e o Estado se mantém como cumpridor de suas

obrigações sociais.

Segundo Leher (2008, p.157), o termo sociedade civil é polissêmico e polêmico,

necessitando para sua compreensão captar o sentido operatório, concreto, nos embates sociais.

O autor confere:

uma dupla dimensão ao conceito, a saber: por um lado, ele diz respeito às

“sociedades capitalistas”, ou seja, às condições de vida materiais, ao sistema privado

de produção. Por outro lado, implica os aparelhos ideológicos-culturais da

hegemonia, o aspecto educador do Estado. Finalmente, não pode haver sociedade

civil sem determinação daquilo que constitui o seu fundamento: relações de

produção (LEHER, 2008, p.157).

Leher (2008, p.157), entre outras palavras, vai dizer que ao longo da década de 1990,

estas dimensões levaram a novos movimentos da sociedade civil, pregando o fim da

centralidade do trabalho na vida social, desvinculando o locus da dimensão econômica-social.

O autor destaca que a marca dos novos movimentos da sociedade civil, (ONGs) instituídos a

partir da década de 90, é o abandono das categorias e conceitos totalizantes baseados no

trabalho. Estes novos movimentos estão interessados em mudanças pontuais, inspiradas em

demandas da subjetividade como a questão homossexual, religiosa, nacional, dentre outras,

que lhe possibilitem a concretude nas políticas de governo. Colocando-se na posição de

parceiros do Estado. Penetram em setores de responsabilidade do Estado e no regime de

parcerias, ditam as regras, baseadas em valores empresariais. Pregam a competitividade,

flexibilidade, entre outros valores capitalistas, e com isto escamoteiam seus propósitos

econômicos com um jargão democrático de ampliação da participação da sociedade civil nas

decisões e efetividades governamentais. Desta forma, torna-se importante compreender os

terrenos sociais que as políticas públicas são concebidas e com quais propósitos os

governantes se associam ou não com estas ou aquelas ONGs.

Dialogando com outros autores sobre políticas públicas e ampliando as análises

funcionais, serão apresentados alguns outros conceitos. Castro (2008), explicita duas

definições clássicas, utilizadas no campo da ciência política. Uma centralizada no Estado,

como sendo entidade soberana e responsável com suas ações e omissões e a outra ligada aos

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conceitos de política social seguindo uma linha de pensamento não marxista, influenciada

pela democracia liberal e pela socialdemocracia. A primeira abordagem é centrada no Estado,

(Castro, 2008, p. 66). “política pública é o Estado em ação”. A segunda abordagem clássica,

seguindo a linha de pensamento do precursor . Marshall (1949, apud CASTRO, 2008), que

afirmou que: “política social é todo bem produzido para promover as coletividades em

diferentes campos” (Marshall, 1949, apud CASTRO, 2008, p. 66).

As políticas públicas se manifestam por meio da “política” e esta é um conjunto de

ações do Estado no exercício de suas competências, que requerem planejamento para que se

possa configurar em pública, ou seja, para todos. Desta forma, a ação do Estado é relativizada

no entendimento da análise do que venha ser “para todos”.

[...]o jogo de análise das políticas públicas vai, portanto muito além da

compreensão das competências decisórias do Estado. Trata-se, em definitivo, de se

interrogar sobre o funcionamento da democracia a partir do momento em que a

dimensão técnica (...) da ação pública se torna importante, a ponto de colocar o

problema da reintegração do cidadão no circuito da decisão Muller e Surel (1998,

p.7 apud BARROS 2008, p. 30).

Definir política pública é complexo, pois envolve o entendimento de vários aspectos

do que seja política e onde ela se concebe, ou seja, qual o campo de atuação geográfico, grau

de prioridades imediatas ou perenes. Esferas: administrativa, jurídica, trabalhista, educacional,

entre tantas outras esferas. Sendo assim, ao se implantar uma ação pública ou política pública,

deve-se esclarecer com tamanha objetividade: o propósito de tal política, os mecanismos que

serão usados para alcançar os objetivos, os agentes interessados que participaram da sua

elaboração dentro do contexto social. Na prática, os embates começam em outros campos.

No campo das superestruturas se manifesta o caráter contraditório das políticas. Estes

são permeados por interesses dos diferentes agentes/setores, ou seja, de um grupo portador de

personalidade coletiva, que condensa valores e poder, dado seu capital social. Pressionam o

governo por meio de bancadas partidárias representativas, aliadas às suas causas, utilizam os

“lobistas”de plantão para costurar alianças nos plenários, assembléias, visando aprovação ou

não de textos legais que poderiam ou podem ajudá-los em seus interesses. Um jogo de poder

no sentido interacionista e de habitus, no sentido bourdieusiano.

As condutas dos sujeitos são orientadas de acordo com suas convicções e valores

pessoais, sem que este processo seja consciente. Assim, não existe obediência cega às regras

pré-estabelecidas,e sim um jogo, onde o agente joga conhecendo as regras, improvisando e

recriando em qualquer campo. Bourdieu (1990, p.26), ressalta o lado ativo do agente, que

apesar de internalizar as representações sociais, age sobre elas, não sendo apenas seu reflexo

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ou respondendo mecanicamente aos conhecimentos sociais. Os agentes constroem seus

habitus na prática;

Construir a noção de habitus como sistema de esquemas adquiridos que funciona no

nível prático como categorias de percepção e apreciação, [...] como princípios

organizadores da ação, significava construir o agente social na sua verdade de

operador prático de construção de objetos (BOURDIEU, 1990, p.26).

O construto desta abordagem é que toda política pública é fruto da ação-reflexão-ação

e, portanto, todo o seu processo de desenvolvimento se dá pelas combinações de vários

elementos contraditórios que vão exprimir a ambiguidade que caracterizam as políticas ditas

públicas. Os agentes sociais ou homens públicos, vão sofrer pressões da sociedade organizada

em grupos distintos, que reivindicarão suas concepções e neste duelo de forças, que se dará a

inclinação desta ou daquela ação pública. Este é o contexto das influências descrito por Ball e

Bowe (1998). Os autores apontam o caráter complexo e contraditório da política pública,

enfatizando os processos micropolíticos e as ações dos agentes locais. Os autores destacam a

necessidade de articular o macro e o micro na análise de políticas educacionais para desvelar

seu caráter original. São muitos os Organismos Internacionais que influenciam as políticas

públicas, principalmente no campo educacional, pois eles são os financiadores de muitos

Programas. Chauí (2000), cita os colaboradores técnicos e financeiros: Banco Mundial (BM)

e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a UNESCO; Organização dos Estados

Ibero- Americanos, CEPAL (Comissão Econômica para a America latina e o Caribe).

Passo a explicitar as principais abordagens de política, baseada principalmente na

autora Azevedo(2004) com o intuito de alargar e refletir sobre o entendimento dos contextos

que se originam as políticas públicas, no entanto, não tenho o propósito de aprofundar as

concepções.

2.3 O Papel do Estado nas Principais Abordagens de Políticas Públicas

2.3.1 Abordagem Neoliberal

As raízes desta corrente encontram-se na Teoria do Estado, a partir do século XVII,

expressando o ideário do Liberalismo Clássico e com o tempo foi sendo modificada e

adaptada ao capitalismo e à nova estrutura de classes. Com base na economia política

clássica, surge a concepção utilitarista, postulando a neutralidade do Estado. Esta teoria prega

o papel do Estado como guardião dos interesses públicos. Os fundamentos da liberdade e do

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individualismo são os sustentáculos do mercado como regulador e distribuidor da riqueza e da

renda. Seguindo a lógica que a competitividade entre os cidadãos levará ao bem-estar social.

Esta concepção vigorou segundo Azevedo (2004), até o século XIX, contudo foi se

modificando pela própria dinâmica do capitalismo, onde se estabelece os embates entre os

trabalhistas e os capitalistas, com a incorporação do progresso técnico e científico.

Alguns acontecimentos podem ser considerados marcos de transição do

Liberalismo para o Neoliberalismo. Entre este, Azevedo (2004), cita a crise de 1870, a

revolução de 1917, a recessão de 1930, as duas grandes guerras, a redefinição do espaço

internacional.

Esta nova concepção apoia-se nos autores Hayek (1987) e Friedman (1977). Ao

ler os livros: Caminho para Servidão e Capitalismo e Liberdade, dos autores respectivamente,

se perceberá que o neoliberalismo questiona o próprio modo de organização social e política

do Estado. “Menos estado e mais mercado” é o entendimento central do postulado, que se

apoia na liberdade individual tal como estabelecida no Liberalismo Clássico. Hayek (1987),

diz em sua tese que o princípio e a busca da igualdade social levam à servidão. Os defensores

deste sistema acreditavam que o mercado tinha condições de regular o trabalho e o capital e

consideravam as políticas públicas as principais responsáveis pela crise que assolaram as

sociedades. Clamavam pelo respeito do ethos capitalista, ou seja, as diferenças individuais e

apontavam o mercado como mediador das relações de produção. Harvey postulava que no

capitalismo da produção e do consumo flexível, dominado pelas corporações, o controle das

informações, e do conhecimento são fatores vitais para os lucros.

O padrão flexível de produção, marcado pelo fordismo/toyotismo, interfere

diretamente no consumo, nas atitudes individuais e em toda estrutura social. As atribuições do

homem passam neste sistema a serem mais complexas. Exige-se do homem capacidades

múltiplas em tempo recorde, com criatividade e eficiência. As relações humanas se esvaziam

na fluidez do ser e se tornam supérfluas, pois o consumismo é apregoado como fórmula para o

sucesso e respeito social. A escola nesta nova ótica prepara o discente para entrar no mercado

de trabalho, dando condições intelectuais e não só mecânicas para atender a nova exigência do

capital. A mídia tem um papel propagador neste processo, inculcando um discurso de homem

coletivo, pró- ativo, produtivo, o próprio “Operário Padrão”

Importante ressaltar que esta abordagem não questiona a responsabilidade do

governo em garantir, por exemplo, o acesso ao ensino básico. A lógica é compartilhar ou

transferir suas responsabilidades administrativas para o setor privado, estimulando a

competição e aquecendo o mercado.

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Friedman (1997), com suas concepções neoliberais, propôs os vales educacionais,

onde através destes, os pais poderiam ter poder de escolhas ao matricular seus filhos neste ou

naquele estabelecimento de ensino. Ele pregava a colaboração via mercado como a solução

mais eficiente e econômica para que homens convivessem com a liberdade. O autor mostrava

uma preocupação com a escola, por perceber a falência do ensino público, que conjugava

péssima qualidade e custos altos, portanto para ele, justificava a entrada do setor privado nesta

área educacional e a retirada do Estado ineficiente. Para ele, o dinheiro gasto em educação

deveria ser convertido em “vouchers”, vales, cupons para cada aluno, que pagariam as escolas

privadas. Este procedimento estimularia a competição sadia no mercado entre as escolas.

2.3.2 Abordagem Pluralista

Esta abordagem é extraída da Teoria Liberal Moderna da Cidadania. Seus postulados

se assentam no bem-estar e na igualdade como pré-requisitos indispensáveis ao exercício da

individualidade e da liberdade. Desta forma, o Estado interfere na economia e em outros

setores privados, com o propósito maior do bem-estar social de seus cidadãos. Importa

ressaltar que esta abordagem surge em meio a contradições e crises, engendradas no processo

de desenvolvimento das sociedades capitalistas, ou seja, o conflito de classes sociais entre

capital e trabalho. Ela ainda compartilha suas raízes no liberalismo clássico, com o

neoliberalismo, funcionalismo e a própria teoria liberal moderna da cidadania, mas se difere

por seu modo particular de relacionar o padrão de justiça com o papel das políticas sociais.

São as pressões sociais que acabam por direcionar ações públicas, contudo, o Estado não

possui recursos suficientes para atender as demandas diversas da sociedade; então, as chances

passam a vir da participação do processo político de representatividade. O cidadão através do

seu voto, portanto, da sua livre escolha, elegerá aquele que melhor se identifique com sua

causa.

Este é o ponto fundamental desta abordagem, porque se preocupa em captar o modo

como as reivindicações e demandas originadas na estrutura social são processadas pelo

sistema político. Os partidos políticos serão os mediadores, através dos seus programas e

candidatos. Sendo assim, a corrente pluralista apoia-se na “teoria do consumidor”, construída

a partir da analogia entre mercado econômico e o mercado de bens públicos (DAHI, 1956

apud AZEVEDO, 2004 p. 25).

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Nesta abordagem, o poder de compra dos eleitores no mercado político constitui a

fonte do poder de decisão das ofertas públicas, pois mesmo que cada indivíduo aja segundo

seus interesses próprios, ainda assim, estaria racionalizando junto aos demais eleitores uma

preferência por este ou aquele partido e, neste processo, contribuindo para uma maior

concentração da área a ser privilegiada pelo Estado. Desta forma, o poder real advém dos

cidadãos. Esta concepção, que se baseia na Teoria do Consumidor de Dye (1972), mostra a

política pública como instrumento do Estado, ao atender ou não a certas demandas sociais:

[...] a noção de política pública deve incluir todas as ações do governo- e não apenas

as intenções estabelecidas pelo governo ou pelos funcionários. [...] Nós devemos

considerar a não-ação do governo- o que o governo escolhe não fazer- como

política. Obviamente, a (não-ação pode ter tanto impacto sobre a sociedade quanto a

ação governamental Dye, (1972 apud AZEVEDO, 2004).

O que está em xeque é o poder decisório do Estado, através de seus agentes

governamentais e, sendo assim, é atribuído ao sistema político o papel de administrador dos

conflitos na sociedade. Em outras palavras, Coimbra (1987) diz que os resultados destes jogos

se efetivarão na ação de uma política pública, que beneficiará um determinado grupo de

acordo com sua capacidade de articulação, ou seja, o poder do “lobby” junto ao aparelho

estatal.

A abordagem pluralista destaca a educação como um dos mais poderosos meios de

transformação das mentalidades tradicionais, em direção à equalização do poder, assim como

a socialização política. Isto porque reconhece-se que na sociedade existem cidadãos menos

capazes, por falta de escolarização, de fazer boas escolhas políticas:

Considerando esta situação é que abordagem pluralista vai destacar a importância

da educação como um dos mais poderosos meios de transformação das mentalidades

tradicionais rumo à racionalidade. A escola, enquanto uma das principais agências

socializadoras, tem por função inculcar nos indivíduos normais, valores e atitudes

que possibilitem a formação de agentes sociais e políticos, dentro dos marcos

racionais requeridos pela modernidade. (ALMOND; VERBA, 1963 apud

AZEVEDO,2004, p.28).

Vale a pena destacar e comparar as abordagens até aqui comentadas, entre pluralistas e

neoliberais : os pluralistas acreditam que o foco das desigualdades encontra-se na distribuição

diferenciada do poder, situação que se atenua à medida que os cidadãos adquirem maior

educação; enquanto os neoliberais creem que é a distribuição desigual das oportunidades

educacionais que leva à desigualdade de renda e, por conseguinte, a desigualdades de

riquezas.

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2.3.3 Abordagem Social-Democrata

Nos marcos de uma sociedade capitalista, esta abordagem vem contribuir para o

entendimento do que venha a ser o Estado de bem-estar social. Titmuss (1963) classifica a

abordagem socialdemocrata em três tipos básicos: modelo residual de bem-estar social;

modelo industrial de ampla realização e o modelo institucional redistributivo.

No primeiro modelo, o Estado só intervirá no mercado, quando houver falha dos

recursos privados, ou seja, apenas em situação emergencial. No segundo modelo, o Estado

intervirá parcialmente, tentando corrigir os efeitos do mercado, utilizando-se das políticas

sociais como complemento às instituições econômicas. E o terceiro modelo tratará de

direcionar todos os bens e serviços públicos aos cidadãos sem qualquer tipo de discriminação

e sem vínculos com o mercado. Ao participar desse debate, Arretch (1995) definiu Welfare

State como:

Uma transformação do próprio Estado a partir das suas estruturas, funções e

legitimidade. Ele é uma resposta à demanda por serviços de segurança sócio-

econômica. Com a industrialização surge a divisão social do trabalho, isto implica

num crescimento individual em relação à sociedade. Desse modo, os serviços sociais

surgem para dar respostas às dificuldades individuais, visando garantir a

sobrevivência das sociedades. (Arretch, 1995:11)

Gough (1979) esclarece que a origem do Welfare State é encontrada no conflito de

classes e no crescimento da classe trabalhadora. A crise do Welfare State apresentou seus

principais sintomas no começo da década de 70. Segundo outros autores. acredita-se que esta

crise tenha surgido com a parceria entre Política Social e Política Econômica (Keynesiana),

onde o Welfare deveria regular e estimular o crescimento econômico a ao mesmo tempo

solucionar conflitos sociais. (DRAIBE & HENRIQUE, 1998)

Sendo esta abordagem resultado da organização e ação das massas, permanece

desvinculada da estreita relação com os direitos da cidadania. Ela centraliza seus anátemas

nas lutas políticas das classes subalternas e o seu poder de conquista. Uma convivência

conflituosa entre capitalismo e democracia, conforme demonstrado por O’Donnell (1988).

Os avanços democráticos nas sociedades capitalistas nunca resultaram de

concessões unilaterais da parte da burguesia; resultaram da organização, lutas e

pressões do setor popular (especialmente, mas não exclusivamente, dos

trabalhadores urbanos), que terminaram convencendo a burguesia e\ou os governos

da conveniência (ou necessidade, para preservar o sistema de dominação social) de

convalidar esses avanços democratizantes. Geralmente estas pressões de baixo não

foram suficientes, mas em quase os casos foram necessárias para a obtenção desses

avanços. Na Europa, o tema dessas lutas não foi o sufrágio universal e a legalização

dos partidos que proclamavam representantes dos até então excluídos. Outros temas

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foram [...] os direitos de organização e representação no mundo do trabalho e de

acesso aos serviços públicos do Estado, não como objetivos de uma esclarecida

benevolência, mas como algo a que os cidadãos, pelo fato de serem tais, faziam-se

credores . (O’DONNELL, 1988 apud AZEVEDO 2004 p.31).

Przeworski diz que:

As políticas adotadas pelo Estado em sociedade capitalista- projetadas para vigorar e

fortalecer o sistema capitalista de organização social- já não são vistas como funções

de um Estado autônomo que se defronta com a ameaça de uma classe trabalhadora

revolucionária. Essas políticas- e o próprio Estado- agora aparecem como

expressões de um compromisso; são bastante úteis do ponto de vista dos interesses

de uma colisão de classes que inclui tanto capitalistas como trabalhadores

organizados. Quando os trabalhadores adotam estratégias que conduzem a um

compromisso, o Estado faz o que parece ser necessário para reproduzir o capitalismo

porque esta escolha dos trabalhadores, bem como a dos capitalistas [...] O Estado

tem de impor a ambas as classes o cumprimento das condições de cada

compromisso e proteger os segmentos de cada classe participante do compromisso

de comportamento não-cooperativo de membros dessas mesmas classes. Przeworski (1989 apud AZEVEDO, 2004, p.36)

Estas análises apresentam fragilidade, pois atribuem ao Estado um comportamento

neutro em relação aos conflitos de classes. A estrutura histórica de cada país não pode ser

deixada de lado, pois o poder de dominação influenciará sobremaneira no modo de produção

e nas relações sociais na sociedade

2.3.4 Abordagem Marxista

O pensamento paradigmático marxista deu origem a várias tendências e teorias que

ainda hoje ajudam a compreender as políticas sociais.

Importante compreender que as políticas sociais como hoje são entendidas, não

receberam atenção específica das primeiras escolas marxistas. A teoria Marxista acaba por

englobá-las em sua análise, sob uma ótica orgânica do próprio Estado. Azevedo (2004) afirma

que a maior contribuição de Marx foi mostrar as raízes das desigualdades e da exploração

inerentes às sociedades de classe e nesta ótica possibilita uma melhor compreensão das

políticas sociais, portanto, também das políticas educacionais.

Embora Marx não tenha se debruçado sobre as questões educacionais, compreendia a

educação como instrumento de apoio na organização e na luta do proletariado contra a

burguesia. Embora se questione o papel do Estado burguês como responsável pela educação

popular.

A autora acima ainda comenta que, no livro O Capital, Marx evidencia a importância

da luta dos trabalhadores para a diminuição da jornada de trabalho e a sua regulação pelo

Estado, ele ainda reconhece, que a organização do mundo do trabalho permitiria a obtenção

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de conquistas amenizadoras do grau de exploração nos marcos da ordem capitalista, contudo

percebia que o poder público, mesmo legislando a favor do trabalho, permitia a produção e

reprodução daquela ordem. Esta contradição se manifesta na convivência do capitalismo e a

democracia. Diante deste quadro os direitos sociais dos indivíduos passaram a ser

contemplados ou ainda mediados. A maneira como se estabelece esta mediação, ou seja, com

políticas públicas, é que se torna ponto de análise na Teoria marxista do Estado.

O Estado em certas situações se mostra autônomo para além da representação dos

interesses econômicos dominantes, tornando o papel dos burocratas da mesma forma

conflitante. Hirch (1978; 1979 apud AZEVEDO, 2004) evidencia que o próprio dinamismo

do processo de acumulação é o causador das contínuas transformações das estruturas do

Estado. Diz este autor, em outras palavras, que somente descortinando a maneira de

operacionalizar o aparelho estatal é que se poderá compreender o papel das políticas. Outro

autor que ajuda a analisar estas relações na ótica capitalista é Poulantzas (1977). De outra

forma, dizia que é a ocultação das relações capitalistas - que só podem ser legalmente

estabelecidas pelo Estado na esfera político-jurídico - que são os pilares da ordem, pois

mascara todas as classes na categoria “indivíduos.”

Outra contribuição no campo marxista vem com o autor Offe (1984 apud AZEVEDO

2004), que evidencia o “mecanismo de seletividade”, termo usado com outro nome como aqui

já exposto pela autora Heloísa Holfling, quando analisa as “questões de fundo”. Ambos se

referem aos mecanismos de decisões pelos quais são formuladas as políticas públicas. O autor

compreende a dificuldade para captar a concretude de tais estratégias ou mecanismos, pela

própria contradição da estrutura que envolve o Estado. E diz: “O Estado não defende os

interesses particulares de uma classe, mas sim os interesses comuns de todos os membros de

uma sociedade capitalista de classes” (OFFE; RONGE, 1984, p.123).

Azevedo (2004) cita Offe e Lenhardt (1984), quando afirmam que as políticas sociais

são fundamentais na própria sociabilidade capitalista, o que fica claro na citação:

para assegurar o controle sobre o trabalhador assalariado, é necessário definir,

através de uma regulamentação política, quem pode e quem não pode tornar-se

trabalhador assalariado. De outra forma, seria difícil explicar por que a introdução

de um sistema escolar universal ( ou seja, a substituição de formas de socialização e

formação internas à família) vieram acompanhadas [sic] da introdução da

obrigatoriedade escolar geral, temporalmente definida( ou seja, a organização

obrigatória de certas etapas da vida fora do mercado de trabalho). Somente quando

as condições sob as quais a não- participação no mercado de trabalho é possível

estiverem regulamentadas pelo poder público (pois as medidas repressivas como o

castigo da mendicância e o roubo não bastam), e consequentemente, quando a

escolha entre as formas de existência do trabalho assalariado e as formas de

subsistência do trabalho assalariado e as formas de subsistência externas ao mercado

de trabalho não mais dependerem da decisão do próprio trabalhador, poderemos

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contar com uma integração confiável e permanente dos trabalhadores “restantes” nas

relações de trabalho assalariado. (LENHARDT E OFFE, 1984 apud AZEVEDO,

2004, p. 50)

Nesta compreensão os autores acima entendem a política educacional como um meio

de garantir a sociabilidade da força de trabalho segundo os princípios capitalistas e, sendo

assim, pregam sistema público de ensino obrigatório e universal. Estratégia que visa manter a

mão-de-obra assalariada instruída à medida que interessa aos propósitos acumulativos do

capital.

Oliveira (1988) não dicotomiza a esfera econômica da política, ao

contrário,mostra a centralidade dos fundos públicos, ou seja, a intervenção do Estado na

acumulação do capital e ainda produz intensas alterações sociais e políticas. Esclarecedora a

citação deste autor:

A tarefa da esfera pública é, pois, a de criar medidas, tendo como pressupostos as

diversas necessidades da reprodução social em todos os sentidos. Não é apenas a

valorização do valor per se: é a necessidade, por exemplo, da reprodução do capital

em setores que, por sua própria lógica, talvez não tivessem capacidade de

reproduzir-se: [...] desenvolvimento científico e tecnológico, defesa, defesa nacional,

são das mais comuns, ou tal como nos oferece hoje o exemplo da luta contra Aids,

necessidades sociais em escala mais ampla que não podem depender unicamente da

autocapacidade de nenhum capital especial. Na área da reprodução da força de

trabalho, tais necessidades também se impõem: não se trata agora de prover

educação apenas para transformar a população em força de trabalho; são

necessidades, que são definidas aprioristicamente como relevantes em si mesmas;

que elas terminem servindo, diretamente, para o aumento da produtividade, não

dissolve o fato principal, que é o de que, agora aquele não é mais seu pressuposto.

(OLIVEIRA, 1988 p 22-23).

Numa sociedade capitalista, onde predomina a classe dominante do Estado burguês

exercendo o poder político através de instituições políticas na sociedade, as diretrizes serão

ditadas pela classe no poder. Entender e desvelar os reais interesses que estão por trás de

política públicas sociais e neste caso especificamente, as educacionais, ajuda a combater o

sistema de exploração e reprodução do aparelho ideológico do Estado. Neste sistema, a escola

se constitui em locus imprescindível para quebrar com a lógica reprodutivista, que sustenta o

sistema de produção capitalista, mas precisará praticar outro tipo de educação. Para que esta

educação seja emancipatória, no sentido freudiano, é preciso que a sociedade tenha uma

proposta com bases teóricas de transformação.

A sociedade contemporânea vive o paradigma pós-moderno, onde ocorre um

deslocamento de valores em todas as esferas humanas. Isto tem levado os seres humanos ao

niilismo, à medida que não se configura um baseamento conjuntural para esta nova sociedade.

O pós-neoliberalismo ou neosocialismo ainda é uma corrente nova de esquerda, que busca

soluções para este novo paradigma. O assunto ainda requer muitos estudos, mas o certo é que

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necessitamos discutir o tipo de cidadão que queremos para esta sociedade. Este

questionamento também é feito por Ribeiro et al. (2011, p.247 - 265), quando discutem o

termo “qualidade na educação”. Os autores mostram que, para abordar o problema da

“qualidade educacional”, é fulcral discutir que tipo de cidadão se quer formar e para que

padrão de sociabilidade. Cito ainda os principais elementos elencados por Anderson (1995),

na busca de uma nova proposta de sociedade: ênfase no princípio da igualdade, como centro

de uma sociedade verdadeiramente livre; necessidade de invenção de novas formas de

propriedade popular; remodelamento da democracia, com sua ampliação, neste cenário de

queda da participação eleitoral. Estes elementos se tornam premissas para o combate ao

sistema capitalista de produção.

2.4 Política Pública Educacional Brasileira

As políticas públicas educacionais são políticas públicas de natureza social.

Encontram-se no bojo das discussões nas classes brasileiras e denotam embates quanto a sua

formulação e estrutura. Monlevade (2002, p.2) define política educacional como o “conjunto

de intenções e ações com as quais os Poderes Públicos respondem às necessidades de

escolarização dos diversos grupos da sociedade atual.”

Reafirmando este entendimento, cito a Constituição Federal de 1988 (BRASIL 1988).

No artigo 205 da CF diz que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,

será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para

o trabalho”.

A questão que se coloca é entender de que forma se responde a estas necessidades.

Imprescindível compreender a lógica política que se encontra por trás de programas e

projetos. Tornar transparente os porquês da política, entender quais atores participaram da

escolha e quais as avaliações os agentes diretamente envolvidos fazem ao fim do processo, se

torna uma contribuição democrática à sociedade.

O conceito elaborado por Schneckenberg (2000 apud BARROS, p.36), estabelece uma

correlação de forças no poder: “A política educacional tem relação com a estrutura de poder,

influencia e é influenciada por forças de ação política.” Portanto, políticas são frutos da ação

humana, do enfrentamento de desafios no dia-a-dia e das necessidades cotidianas.

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Höfling (2001, p.38), entre outra palavras, definirá política pública como reflexos de

interesses, acordos feitos na esfera do poder, que são concebidos nas instituições do Estado,

com pressões da sociedade civil. Nesse sentido, pode-se afirmar que política educacional de

um setor, tem imbricação com a estrutura de poder e com as ideologias dominantes. O embate

numa sociedade democrática se dá entre a sociedade civil e o Estado, sendo as políticas

setoriais, e em especial a traduzida no Projeto Realfabetização, uma decisão política que

precisa ser avaliada, de forma a se conhecer os reais ganhos para os educandos participantes

deste Projeto.

Azevedo (2004) define política educacional como policy, programa de ação que se

reproduz no contexto das relações de poder expressas na politic, política no sentido da

dominação e, portanto, no contexto das relações sociais que plasmam as assimetrias, a

exclusão e as desigualdades que se configuram na sociedade.

Problematizando a ideia neoliberal brasileira, da cultura e da ideologia, segundo

Baron (1999), a mesma se enraizou como senso comum nos padrões de relação entre o

Estado, sociedade e mercado. Santos (2000) vai além da confirmação dessa proposição e

afirma que as classes dominantes estão tão certas que não existe alternativa, que não

questionam se é bom ou mau, e sim percebem a realidade inevitável.

Nesta ótica, a educação ganhou centralidade por representar as bases para o

desenvolvimento científico e tecnológico, onde estas acabam por se transformar em forças

produtivas e também por forjar uma ortodoxia reguladora através das leis de mercado nas

relações entre política, governo e educação.

As reformas educacionais, operadas mundialmente, têm em comum a tentativa de

melhorar as economias nacionais pelo fortalecimento dos laços entre escolarização, trabalho,

produtividade, serviços e mercado. A lógica é se obter controles mais diretos sobre conteúdos

curriculares e sua avaliação, adotando técnicas de gerenciamento próprio do campo

administrativo das empresas. Tudo isto é feito e “dito” em prol da redução dos gastos

governamentais e num estreitamento no trato com as comunidades (BALL, 1998).

Estas reflexões acima, servem para situar as políticas educacionais de governo no

Brasil, as quais são constatadas por Azevedo (2004), quando correlaciona: um direto

entrelaçamento entre os princípios que regem as reformas administrativas do Estado e as

políticas educacionais. Esta visão é compartilhada da mesma forma por Cunha (1987), quando

enfoca o comportamento transitório de um governo para outro.

Höfling (2001) explicita que a política de governo está relacionada diretamente com

um mandato eletivo, podendo perdurar por muitos mandatos se o partido permanece no poder.

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As políticas de governo podem ser entendidas como políticas públicas, correspondendo a um

conjunto de planos e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio

social.

No Brasil tem se observado que, a cada mudança de governo, há uma preocupação da

administração em mudar programas, muitas das vezes sem se levar em conta o que está sendo

feito ou analisar os resultados do exercício passado, sem vieses eleitoreiros. A dinâmica não

tem sido analisar a proposta anterior e melhorá-la, mas sim inovar, corrigir distorções “já”.

Emplacar a marca da gestão o quanto antes. No caso específico da educação, se percebe estas

práticas quando é implantado um novo plano de carreira, uma nova proposta curricular, uma

arquitetura escolar diferente; quando são feitas parcerias com entidades diversas, entre outras.

As consequências desta administração descontínua para a rede pública de ensino é a

impossibilidade de avaliar tais políticas educacionais, que exigem certo tempo de operação.

Neste frigir de ações, os professores sentem-se desmotivados e desconfiados, passando a

desenvolver resistências, como diz Cunha, ao “mudancismo”, mesmo quando as propostas

sejam “sadias e apropriadas. Estas oscilações ou alternâncias sistêmicas resultam em

instabilidade e prejuízo para a educação. É pertinente observar que este “mudancismo”

ressaltado por Cunha já se transformou em práticas permanentes, até mesmo dentro do

próprio governo, bastando se trocar o responsável no comando para que mudem as políticas

públicas. O que se alterna são os atores que passarão a integrar a nova gestão. Neste caso a

mudança é permanente e significa:

(...) oscilações resultantes do fato de que cada ministro ou secretário de educação

tenha a sua idéia 'salvadora' para a crise da educação, o seu plano de carreira, a sua

proposta curricular, o seu tipo de arquitetura escolar, as suas prioridades (CUNHA,

1997, p. 1,).

Cunha (2005) discorre sobre três razões, que justificam o que ele denomina como a

tônica “zig-zagueante” das administrações: o “eleitoreirismo”, o experimentalismo

pedagógico e o voluntarismo ideológico. Traduzindo esta máxima, verificar-se-á que, a cada

gestão, são lançadas políticas salvadoras, com receituários miraculosos, causando impactos à

sociedade. São projetos, na maioria das vezes, sem bases científicas, apressados por resolver

os problemas educacionais em pouco tempo ou, quando não, são ações de boa vontade e com

pouca aplicabilidade real.

Azevedo (2004) lembra que a política educacional se efetiva na escola e

especificamente na sala de aula. São espaços em que se materializam as definições sobre

política e o planejamento que as sociedades estabelecem para si, como projetos ou modelos

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educativos que se tentam por em ação – o cotidiano escolar representa o elo final de uma

complexa cadeia que se monta para dar concretude a uma política. Mainardes (2007), define

esta fase como contexto da prática e com outras palavras reafirma a idéia de Azevedo (2004).

Afonso (2000 apud AZEVEDO, 2004), ao examinar os condicionamentos

sociológicos das políticas avaliativas contemporâneas em outros países, vai afirmar que o

modelo dominante pelos pressupostos neoliberais são de uma avaliação estandartizada

criterial, que visa um controle de objetivos previamente definido. Segundo o autor, este

modelo tanto favorece a expansão do Estado como a publicização dos resultados desta mesma

avaliação e, por conseguinte pode expandir o mercado educacional.

Com relação a este ponto, no início da pesquisa, na parte da contextualização, foi

analisado o IDEB como índice referencial da política gerencial de produtividade, que

estabelece premiações e acabam por ranquear as escolas. As avaliações devem ter finalidade

transformadora, devem ser instrumentos propulsores de novas rotas para se melhorar aquilo

que se está medindo. Segundo Chauí (2000, p.97), a lógica de qualidade total iniciou no

Brasil na década de 1990, quando o governo:

Divulgou e inculcou através da opinião pública que o analfabetismo e o alto grau de

repetência e evasão escolar eram resultados de uma ineficiência no sistema público e

apresentava a qualidade total como estratégia para melhorar as empresas e a

educação e assim promover o desenvolvimento do país. Então a iniciativa privada

passou a prestar assessoria na reforma educacional. Há então um deslocamento de

responsabilidades do governo para a sociedade civil e logo apareceram índices de

avaliação para justificar o financiamento de instituições que se apresentassem como

mais produtivas (CHAUÍ, 2000, p.97).

A política de Educação Municipal do Rio de Janeiro segue a lógica neoliberal à

medida que restringe a atuação do Estado. Esta afirmativa pode ser comparada a descrição

acima de Chauí (2000), quando ressalta a delegação de obrigações do Estado à sociedade

civil. O IAS representa a sociedade civil e apresenta resultados de um elevado índice de

sucesso na alfabetização de alunos com distorções série/idade no sistema educacional público,

em vários municípios, confirmando sua produtividade e eficiência educacional, através de

índices. Essa matriz conduz ao raciocínio lógico que sua intervenção é benéfica e, por

conseguinte, o financiamento por parte do governo é bem empregado.

Existe um elo entre a Teoria Neoliberal e as concepções do terceiro setor, ambos

julgam o Estado ineficiente para gerenciar as políticas públicas, no caso específico,

educacionais, mas se distanciam no tocante participação. Os neoliberais pregam a privatização

como solução para uma educação eficiente e de qualidade, enquanto o terceiro setor propõe

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parceria como proposta democrática num movimento participativo entre a sociedade civil e o

Estado.

Tanto a teoria neoliberal quanto o terceiro setor entendem que o Estado não seria

mais capaz de executar as políticas públicas, ou seja, o fracasso das políticas

públicas não estaria no sistema capitalista, mas na figura ineficiente do Estado.

Enquanto o neoliberalismo vê na privatização a solução para a suposta incapacidade

de gestão do Estado, o terceiro setor vê a solução nas parcerias do Estado para

execução dos serviços públicos (MOTTA, 2007, p. 202).

Nas últimas décadas o movimento participativo em regime de colaboração entre os

setores públicos e privados aumentou muito no Brasil. A sua influência na gestão de

programas e projetos está espalhada por muitos municípios que seguem orientações do

terceiro setor. No capítulo anterior, mostrei que, até 2010, o IAS se encontrava em 802

municípios somente com o Projeto “se Liga”.

2.5 Relação entre o Público e o Privado na Educação sob Novos Contornos

Antes de iniciar a discorrer sobre a relação entre os setores públicos e privados na

educação de forma mais analítica, vale a pena conceituar o que seja o terceiro setor e quais

seus direcionamentos na atualidade, pois, como explicado por Holfling (2004), a história está

em constante movimento, necessitando ajustar os conceitos e teorias para dar suporte ao que

ocorre na prática.

O que é terceiro setor? A Organização de Advogados do Brasil (OAB) define terceiro

setor como o conjunto de organizações privadas sem fins lucrativos que realizam atividades

complementares às públicas, buscando contribuir com soluções de problemas sociais (OAB,

2005).

Na literatura, encontram-se várias denominações que, de modo geral, se agrupam ao

terceiro setor: organizações não-governamentais (ONG´s), setor sem fins lucrativos, setor

voluntário, setor da sociedade civil, economia social e tantas outras (COELHO, 2000)

Compartilho com a análise de Coelho (2000, p.58), quando afirma que “essa

multiplicidade de denominações apenas demonstra a falta de precisão conceitual, o que, por

sua vez, revela a dificuldade de enquadrar toda a diversidade de organizações em parâmetros

comuns”.

Segundo Gohn (1997, p. 297), o termo “ONG” foi utilizado na década de 1940 pela

(ONU) Organização das Nações Unidas, para designar entidades voltadas a projetos

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humanitários ou de interesses públicos. No Brasil, a expressão se referia, principalmente, às

organizações de Cooperação Internacional formadas por diferentes igrejas. Estas objetivavam

ajudar movimentos sociais nos países do sul, para consolidar a democracia. Doimo (1995)

esclarece que, no Brasil:

nas décadas de 1960/70 surgiram vários centros de “educação popular” e de

assessorias a movimentos sociais, com ênfase na “conscientização” e

“transformação social”. A “educação popular”,fundamentada no método de Paulo

Freire, era utilizada no sentido organizativo-conscientizador, e palavras de ordem

como “democracia de base” e “autonomia” constituíam o eixo de seu repertório.

Grupos, já existentes, abandonaram práticas assistenciais-filantrópicas e outros

foram criados para incentivar a “organização popular” (DOIMO, 1995, p.129-30).

Estas organizações financiadas pelas “ONGs/Agências” internacionais denunciavam

violações dos direitos humanos e a pauperização da população. Passaram a trabalhar com

pastorais, atendendo pessoas oprimidas da América Latina, principalmente aos pobres,

mulheres, crianças e jovens, negros e índios.

Gohn (1987, p.297) evidencia que o termo se generalizou mais precisamente na

década de 1990 no Brasil, com a ECO 1992 (Conferência da ONU sobre Meio Ambiente,

realizada na cidade do Rio de Janeiro). Então as ONGs se multiplicaram, designando tanto as

de “Cooperação Internacional como de Cooperação Nacional, ou seja, todas as organizações

não-estatais - genericamente consideradas “não- governamentais”.

Na década de 1970, as ONGs estavam ligadas aos movimentos sociais, mas a partir

dos anos 1990 passaram ser regidas pela lógica das “parcerias” com o Estado e/ou empresas

que trabalhasse visando à responsabilidade social, as chamas empresas cidadãs. O perfil era

de filantropia empresarial e as mesmas mantinham relações estreitas com o Banco Mundial,

sendo financiadas pelo grande capital. Gonh (1987) cita o caso das Fundações Ford,

Rockfeller, Kellogg, MacArthur, entre outras, como exemplos.

As organizações não-governamentais têm graus de autonomia diferenciados, podendo

ser geridas por recursos próprios em suas atividades-fim, mas devem atuar num campo

específico, financiadas e fiscalizadas pelo governo, organizações internacionais ou empresas

do setor público e privado. A legislação reguladora das organizações do Terceiro Setor

propicia subvenções e isenção de taxas e impostos, pois elas atuam onde o governo deveria

atuar, provendo as necessidades sociais (COELHO, 2000). Este pode ser um dos fatores que

ajudam a compreender o porquê da expansão das ONGs no Brasil.

Juridicamente, as organizações de Terceiro Setor são regidas pelo Código Civil (Lei n°

10.402/02) (Brasil, 2002) e constituídas sob a forma de associações e fundações. A expressão

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“ONGs” (Organizações Não Governamentais) é apenas uma das denominações utilizadas para

designar essas instituições. Nessa perspectiva, considera-se associação a

pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos ou lucrativos, que se forma

pela reunião de pessoas em prol de um objetivo comum”. E fundação como a

“pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos ou lucrativos, que se forma

a partir da existência de um patrimônio destacado pelo seu instituidor para servir a

um objetivo específico, voltado a causas de interesse público (OAB, 2005, p. 07).

Leher (2008, p.167) correlaciona o aspecto descentralizador e o envolvimento do

terceiro setor com a política de focalização, em especial na educação, que por meio de

políticas neoliberais priorizam a educação rudimentar. Nas palavras do autor: “minimalista,

definida como uma política capaz de aliviar a pobreza para garantir a governabilidade”. O

autor afirma que estas políticas se expressam com maior abrangência na municipalização do

Ensino Fundamental voltada à população de baixa renda.

Importa saber que foi com a Lei Federal: nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004

(Brasil, 2004), que se estabeleceram regras para contratações e licitações de parcerias entre as

entidades públicas e privadas na gestão pública entre os Entes Federados da União. O Instituto

Ayrton Senna pode participar da gestão educacional do Município do Rio de Janeiro, com a

regulamentação desta Lei Federal; com a Lei municipal nº 5026 e com o Decreto nº 30780 de

2 de junho de 2009, que foi sancionado pelo atual prefeito Eduardo Paes.

Leher (2008) aponta um dos argumentos mais reiterados pelo Banco Mundial e pelos

governos neoliberais a favor da descentralização, da municipalização e da maior autonomia às

escolas.

É que além de torná-las mais eficazes e eficientes, tais medidas permitem uma maior

democratização do Estado devido à ampliação da participação da comunidade. [...]

uma forma de efetivar esta participação é o estabelecimento de parcerias, no entanto

os parceiros preferenciais são as entidades chamas de “terceiro setor”, ditas capazes

de construir uma esfera pública não-estatal (LEHER, 2008, p.167).

Como bem explicitado conceitualmente sobre o terceiro setor pelos diversos órgãos e

autores acima, se conclui que a característica marcante do passado para definir o terceiro setor

ou ONGs, era o voluntarismo, onde as pessoa ou organizações eram incentivadas a

participarem e praticarem a solidariedade, doando seu tempo e trabalho de maneira

espontânea e não remunerada à favor das causas sociais, mesmo que financiadas por entidades

internacionais ou nacionais. Porém num segundo momento numa sociedade com sistema de

produção capitalista e concepções neoliberais, as relações que se estabelecem são lucrativas

e, portanto, “toda filantropia” passa ser remunerada. Assim, o Marketing de impacto social

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acaba remunerando estas instituições ou ONGs pela sua participação social aos olhos da

sociedade. A ONG ou “Marca da ONG”, por exemplo, no IAS a marca “Seninha” – vende

camisetas, sandálias, bonés, entre tantos outros produtos, que passam a ser comercializados

em grande escala, quando não, são seus próprios produtos e/ou serviços que acabam vendidos

para o próprio Estado. Como funciona o terceiro setor e quais suas contradições no

capitalismo?

Montaño (2008) problematiza o terceiro setor na relação público – privada na

sociedade capitalista contemporânea usando concepções marxistas. Mostra quatro relações

conflituosas: a primeira contradição é socialização da produção e a apropriação privada do seu

produto. A sociedade capitalista gera uma oposição entre o público, entendida aqui, como a

produção realizada pelos trabalhadores e o privado, correspondendo aos meios de produção

nas mãos dos capitalistas, que garantirá a exploração e a apropriação privada do produto

alheio. Para Marx (1859) as crises eram inerentes a este sistema de produção, movimentos

cíclicos, ora superprodução, ora superacumulação. O capitalista então na esfera produtiva –

explora o trabalhador em busca de mais-valia e, por conseguinte mais lucro; e na esfera da

circulação – compete contra outro capitalista, por meio de concorrência no mercado, tendo

que reduzir os custos. Nesta relação o autor mostra que produção se torna coletiva e pública e

cada vez mais nas mãos dos capitalistas.

A segunda contradição mostrada é a falsa liberdade, igualdade e a justiça social, que

pressupõe a desigualdade entre os indivíduos, considerada natural e motor do Estado. Esta

desigualdade é considerada necessária para os liberais e propulsora do desenvolvimento

social, ou seja, o livre mercado levaria as pessoas a se superarem em suas atividades

profissionais e pessoais.

A terceira contradição diz respeito ao papel do Estado como instrumento de

reprodução da ordem e garantidor da propriedade privada assim como da acumulação

capitalista e propulsor de desenvolvimento, contribuindo desta forma como alavancador da

diminuição social uma vez que possibilita políticas sociais que reduzem as desigualdades

sociais e ainda garantem a ordem social através de leis, decretos, entre outros meios

institucionais. Desta maneira, estabelecendo a paz do sistema capitalista de produção.

Montãno (2008) ainda ressalta o papel histórico do Estado como pacificador de conflitos

sociais e motivador do crescimento econômico capitalista, segundo incentivos às bases

tecnológicas de produção. Nesta perspectiva antagônica, o Estado assume função pública

(diminuição das desigualdades sociais) e privada (garantia da propriedade privada e da

acumulação capitalista). O que se percebe é uma precarização na qualidade de serviços

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públicos oferecidos direto ou indiretamente pelo Estado à população; uma irresponsabilidade

com o nome de descentralização das obrigações públicas; um mascaramento de direitos

constitucionais sendo ofertados como benefícios para os trabalhadores. Políticas públicas

assistencialista, que são implementadas com a ajuda do terceiro setor numa lógica

democratizante forjada; direitos legais, sociais e políticos restringidos dos trabalhadores com

contratos terceirizados, seguridade social sucateada entre outros direitos extintos.

A quarta contradição diz respeito à setorização do Estado, do mercado e da

transmutação da sociedade civil em terceiro setor. Montãno (2008) sinaliza que a

solidariedade individual ou voluntária passa a ser usada em substituição à solidariedade

sistêmica, ou seja, as responsabilidades do Estado com as necessidades sociais. Um exemplo

emblemático citado por este autor é o Projeto Amigo da Escola. Fica estabelecido entre a

comunidade local atendida por projetos desta linha um vínculo solidário. São empresários e

políticos que apoiam o projeto, a mídia, ONGs e até a inocência de cidadão de boa fé que

contribuem para a naturalização e defesa do terceiro setor (sociedade civil atuante). O

altruísmo, solidariedade, participação, colaboração cidadã, são estimuladas e desta forma se

estabelece o censo comum de que o terceiro setor é a solução. Então, Fundações, Associações

entre outras modalidades existentes de comunidades na sociedade civil são criadas para

minimizar ao menos os problemas sociais que o Estado não pode resolver. A questão aqui

latente não são os atos solidários, mas a obrigação do Estado que fica mediada por ações

piedosas e altruístas de corporações que se beneficiam com a ineficiência administrativa,

operacional e política do Estado em fazer cumprir direitos dos trabalhadores.

Como problematizado, os autores Leher (2009) e Montãno (2007), concordam que no

sistema de produção capitalista, onde as estratégias de superação se transmutam de tempos em

tempos, surgem novos tipos de relações entre os setores públicos e privados. São fenômenos

mundiais que utilizam a educação para alavancar a lucratividade do capital. Peroni (2005)

reitera este entendimento e aponta as estratégias de superação desta crise: a estruturação

produtiva, a globalização, o neoliberalismo e o terceiro setor. Nesta análise, pode ser

ressaltado o toyotismo ou capitalismo flexível como estrutura produtiva, que se constitui de

uma prática capitalista mascarada. São interesses metamorfoseados em forma de conceitos e

práticas em prol da falácia da unificação do mundo do trabalho à educação, como redentora

do fim dos conflitos de classes.

Esta nova forma de organização e gestão aparece com um falso discurso socialista,

que, segundo Kuenzer (2005, p.15), entre outras palavras, consiste numa concepção de

indivíduo “multi” para atender ao mercado de trabalho e na educação com a pedagogia das

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competências, tentando unir os conteúdos fragmentados ao mundo tecnológico automatizado

entre teorias e práticas. Mas o que de fato consegue é uma precarização maior do trabalhador,

que se esvazia em suas tarefas simples, já que agora precisa apenas “apertar botões”, e até nas

mais complexas, porque exigem conhecimentos múltiplos. Além disto, acaba por disciplinar

os indivíduos para que sejam produtivos e colaborativos; que incrementem a produção com

criatividade e tragam maior lucratividade. A escola, nos moldes de uma lógica de inclusão-

excludente, permanece negando oportunidades de romper com esta dicotomia entre

dominantes e dominados. A exclusão includente é uma lógica que priva os sujeitos de

participarem de forma plena do mundo do trabalho, precarizando os direitos trabalhistas e a

educação; a inclusão excludente, ou seja, as estratégias de inclusão nos diversos níveis e

modalidades da educação escolar sustentam o sistema capitalista, criando reservas de mão-

de-obra barata. Estas práticas supostamente inclusivas são chamadas de

“empurroterapia”, as quais têm decorrido de uma distorcida apropriação de

processos desenvolvidos no campo da esquerda para minimizar os efeitos da

precarização cultural decorrente da precarização econômica, com a única

preocupação de melhorar as estatísticas educacionais: ciclagem, aceleração de fluxo,

progressão automática, classes de aceleração, e assim por diante. É importante

destacar que estas estratégias, se adequadamente implementadas, favorecem a

democratização das oportunidades educacionais. Assim ,através dos processos de

inclusão excludente, a educação escolar e não escolar se articula dialeticamente aos

processos de exclusão includente existentes no mundo do trabalho, fornecendo ao

cliente – o capital – a força de trabalho disciplinada técnica e socialmente, na

medida das suas necessidades, como reza a boa “cartilha” do toytismo (KUENZER,

2005, p.15).

O embate entre público e privado na educação passa ser mais acirrado com a onda de

um mundo globalizado. A relação público - privado ganha uma nova dimensão, com termos

genuínos para classificar e conceituar relações antigas, porém com novos contornos. Há um

deslocamento no setor produtivo para o setor financeiro, agravando o desemprego e crises

econômicas. A estratégia daqueles que professam o neoliberalismo é “esclarecer” que não é o

capitalismo que está em crise, mas sim o Estado, que gasta mais que arrecada, gerando

inflação, portanto, gerando crise fiscal. Pregam a reforma do Estado com uma participação

mínima nos gastos sociais e apresentam o mercado como alternativa para superação da crise.

No campo educacional a solução vem com o terceiro setor que auxiliará através de uma nova

administração gerencial ao Estado, para que se torne mais eficiente e produtivo. Vale a pena

ressaltar que o neoliberalismo propõe a privatização como solução à crise econômica. Os

defensores neoliberais entendem que quando os cidadãos reivindicam políticas públicas e são

atendidos, promovem crises fiscais, porque oneram o Estado que se apresenta com recursos

limitados para atendê-los. Então propõe que o Estado seja o coordenador, fiscalizador das

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atividades praticadas pelo mercado. Nesta lógica, acabam restringindo os direitos

democráticos dos cidadãos.

Já a Terceira Via apesar de ratificar a crise por culpa do Estado ineficiente como os

neoliberais, não comungam o ataque a democracia, pelo contrário, sugere a participação ativa

da sociedade civil no gerenciamento da “coisa pública”. O que propõem é o repasse de

responsabilidades administrativas com o financiamento do Estado. Para ser mais claro: o

Estado paga a conta e as ONGs gerenciam.

Segundo Frigotto (2009), desde o golpe militar e com maior ênfase nos anos de 1990,

a ideologia neoliberal propõe uma alternativa teórica, econômica, ética, política e educativa à

crise do capitalismo, centrada no “homem de negócio”, que se materializa em prêmios às

escolas com melhores resultados nos exames classificatórios. É a lógica do “ranqueamento”.

Esta prática leva a uma postura fragmentada do mercado no campo educacional, que coaduna

com a postura pós-modernista, reificando a particularidade, o subjetivismo, o local, o dialeto,

o capilar, o fortuito, o acaso com o nome de autonomia e descentralização. Fragmenta-se a

educação e os processos de conhecimento, com falsos subsídios, onde ocorre um repasse

financeiro do Estado para o capital privado, através de parceria com escolas comunitárias,

escolas cooperativas, ONGs. Alternativas mascaradas como democráticas, frutos de uma

“razão cívica”, segundo Frigotto (2009).

Com a avaliação arbitrária influenciada pelos órgãos internacionais, o Brasil passa a

adotar o Padrão Qualidade Total às escolas. Estas passam a ser gerenciadas com visão

empresarial, como aponta Peroni (2008), em trabalho realizado no Rio Grande do Sul. A

autora mostra as bases conceituais que balizam o “trabalho pedagógico” do Instituto Ayrton

Senna, seguindo a linha do livro “Pedagogia do Sucesso” (Oliveira, 2001) . Segundo este

autor, o problema da administração pública no Brasil se concentra no gerencialismo,

principalmente na área educacional. Portanto, o foco a ser perseguido para o sucesso

educacional, segundo Oliveira (2001), é o gerenciamento educacional.

Ainda segundo Peroni (2008),

a gestão educacional é fortemente influenciada pela ideologia de que o mercado é

parâmetro de qualidade, o que leva muitos sistemas públicos a buscarem parceria

com instituições que vendem produtos com promessa da qualidade (PERONI 2008,

p.115).

A autora diz de outra forma que, na década de 1990, portanto, reafirmando os estudos

até aqui apresentados, o papel do Estado e sua materialização nas políticas públicas de

educação tem mostrado o repasse das obrigações do Estado à sociedade, esvaziando-se de seu

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poder no que tange aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), assim como os projetos

avaliativos, que passaram a ser terceirizados. Num primeiro momento poderia se pensar num

Estado mínimo, mas ao contrário o que se observa é um Estado atuante, porque ao mesmo

tempo em que se descentraliza, cria espaço para a Terceira Via. A autora faz a citação:

Constatamos aqui, mais uma vez, a contradição centralização/descentralização, já

que os PCN e a avaliação foram centralizados, como já mencionamos, como uma

forma de controle, mas ao mesmo tempo eles foram descentralizados, entendendo

descentralização como terceirização e não como participação e controle social dos

setores representativos da área da educação. Apontamos, ainda para os riscos de que

os próximos estágios sejam a publicização e a privatização no sentido ESTRITO

[...]( PERONI, 2003, p. 179; PERONI, 2008, p. 116).

Dourado (2008), entre outras palavras, diz que

[...] no caso brasileiro este embate à efetivação do direito à educação e,

paradoxalmente, à garantia da liberdade de ensinar, leva o Estado transfigurar-se,

sem alterar a lógica hegemônica da propriedade privada e do clientelismo. O que

leva a novos arranjos sociais duvidosos nos processos de gestão e financiamento

educativo (DOURADO, 2008).

Assim há de se compreender e fiscalizar as maneiras pelas quais estão surgindo e se fixando

as parcerias entre os setores público e o privado nos espaços educacionais.

2.6 Políticas Educacionais e o Papel do Terceiro Setor no Brasil

Diversas organizações buscam parcerias entre o setor público e privado como forma

de garantir a sustentabilidade social, ambiental e, principalmente, econômica. Peroni (2005),

em seu artigo: “A relação público/privado e a gestão da educação em tempos de redefinição

do papel do Estado”, explicita de forma alusiva o nome de Instituições privadas que exercem

grande influência no educação pública, como Kroton Educacional, o qual faz parte do grupo

Pitágoras (destina-se ao ensino superior presencial e à distância e ensino básico, para a classe

média) e o Ined (destina-se ao cursos de tecnólogo, duração de dois anos, para a classe

trabalhadora), que, dependendo dos preços a serem negociados, oferecem diferentes

mercadorias (educação), para atender ao público-alvo, respeitando as concepções de mercado

com diferença na qualidade ofertada.

Como o objetivo deste trabalho é analisar o Projeto Realfabetização e compreender

como os professores da 7ª CRE avaliam este Projeto, entendido como uma política pública,

vale a pena descrever o surgimento desta instituição e, desta forma, perceber quais órgãos

estão vinculados, desde então, assim como entender como se deu a penetração desta

organização não governamental na esfera educacional em todos os estados brasileiros.

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77

Segundo Peroni (2008), a história do IAS está ligada ao Centro de Ensino Tecnológico

de Brasília (CETEB), uma instituição jurídica de direito privado, assistencial e filantrópica

sem fins lucrativos. Ainda, segundo a autora, o Programa Aceleração da Aprendizagem,

instituído pelo CETEB em 1985, teve seu material didático desenvolvido pelo convênio com a

Fundação Desenvolvimento de São Paulo e financiado pelo MEC e foi amplamente utilizado

no país. Como nenhuma relação se constitui no vazio, há de se pesquisar o meio onde as

pessoas públicas circulam pois o entendimento de parcerias, poderá ser explicado em parte,

pelo conhecimento prévio deste caminhar profissional.

A secretária de educação do municipio do Rio de Janeiro é paulista com um currículo

extenso, como pode ser verificado em sua home page1 e descritos nas linhas que se seguem.

Esteve em contato com várias Instituições que por certo justificam seu envolvimento e sua

administração frente a área política.

Entre os cargos assumidos durante sua vida profissional, foi vice-presidente da

Fundação Victor Civita, que abrange a Editora Abril, que é uma editora brasileira, sediada na

cidade de São Paulo, parte integrante do Grupo Abril. Fundado em 1950 por Victor Civita

como Editora Abril, o Grupo Abril é hoje um dos maiores e mais influentes grupos de

comunicação da América Latina. Ao longo de sua história expandiu e diversificou suas

operações, e hoje fornece conteúdo em multiplataformas. Entre seus trabalhos, se encontra a

revista Nova Escola que é distribuida mensamente por toda a Rede de ensino aos professores,

trazendo reportagens de docentes e suas práticas pedagógicas, além de outras utilidades

educacionais relevantes. Publicada desde março de 1986, a revista conta com apoio

institucional do governo federal, que permite sua venda a baixo preço e distribuição para a

rede escolar. Até o ano de 1996, publicava nove exemplares ao ano e, a partir de 1997,

passaram a ser dez edições anuais. A revista instituiu o Prêmio Victor Civita Professor Nota

10, que agracia trabalhos pedagógicos, anualmente, confirmando a lógica de premiação

analisada por Frigotto (2009).

A secretária foi gerente de políticas públicas do Banco Mundial , ministra da

Administração Federal e Reforma do Estado durante o governo Fernando Henrique em 1998 e

1999, entre outros cargos políticos. Com isto, quero enfatizar que nenhuma relação se dá no

vazio e, sendo assim, o Projeto Realfabetização encontra justificativa de escolha, nas

concepções da mulher pública, investida ao longo de sua trajetória profissional em diversos

cargo públicos, como seu capital cultural e hoje encontrando-se à frente da Secretaria de

1 Disponível em<http://www.claudiacostin.com.br/interna.php?cat=10&artigo=47>: Acessado; 21.05.2011

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Educação do município do Rio de Janeiro. Esta trajetória remete ao conceito de habitus.

Bourdieu adverte que o habitus não é

atribuir ao cálculo racional, ou mesmo à intenção estratégica, as práticas através das

quais se afirma a tendência dos dominantes, dentro de si mesmos, de perseverar. É

lembrar somente que o número de práticas fenomenalmente muito diferentes

organizam-se objetivamente, sem ter sido explicitamente concebidas e postas com

relação a este fim, de tal modo que essas práticas contribuem para a reprodução do

capital possuído. Isto porque essas ações têm por princípio o habitus, que tende a

reproduzir as condições de sua própria produção, gerando, nos domínios mais

diferentes da prática, as estratégias objetivamente coerentes e as características

sistemáticas de um modo de reprodução (BOURDIEU, 1989, p. 386-87).

Seguem alguns cargos e funções exercidas pela Secretária de Educação do Rio de

Janeiro, Claudia Costin, que foi nomeada pelo Prefeito Eduardo Paes no dia 07/01/2009:

Professora-visitante do curso Estado e Globalização da Escola Nacional de Educação

Pública, da Universidade de Quebec, no Canadá.

Vice-presidente da Fundação Victor Civita de junho de 2005 a junho de 2007.

Secretária de Cultura do Estado de São Paulo (2003-2005)

Coordenadora de Projetos da Fundação de Desenvolvimento Administrativo (Fundap)

Diretora de Planejamento e Avaliação Empresarial do Serviço Federal de

Processamento de Dados (Serpro)

Secretária-adjunta de Previdência Complementar

Ministra da Administração Federal e Reforma do Estado

Gerente de Políticas Públicas do Banco Mundial e CEO da Promon Intelligens,

empresa de e-learning do Grupo Promon.

Professora universitária de renomadas instituições de ensino, como FGV, PUC-SP,

Unicamp, Universidade de Taubaté e Universidade de Brasília.

O Prejeto Realfabetização encaminhou e encaminha a maior parte dos discentes para

outro projeto: Projeto Acelera. Neste, os alunos consolidam os conhecimentos aquiridos com

a alfabetização.Vale a pena ressaltar que o “programa Acelera Brasil” do Instituto Ayrton

Senna foi vinculado à Ceteb, de 1997 até 2000. João Oliveira disse que o Programa em

questão não é uma proposta pedagógica. Sobre o Instituto, o autor comenta:

O Instituto Ayrton Senna (IAS) tomou uma decisão estratégica ao decidir apoiar o

desenvolvimento do programa como forma de testar e documentar a viabilidade de

sua execução nas mais variadas circunstâncias. O objetivo – diferentemente de uma

rede de ensino – não era corrigir o fluxo escolar em larga escala, mas consolidar os

instrumentos e a estratégia do programa e documentar os resultados, tomando-os

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como base para promover a sua disseminação em todo o país (OLIVEIRA, 2000,

apud ADRIÃO, 2008, p 120).

A partir de 2001, o Instituto passou a operar o programa de forma autônoma. O IAS

desenvolveu vários programas. O que interessa neste momento no artigo é o chamado: Rede

Vencer de 2005. Neste sistema se encontra o Programa Se Liga ( no Município do Rio de

Janeiro, com o nome de Projeto Realfabetização). Visa a correção de fluxo escolar dos alunos

com defasagem série/idade

Os professores do Instituto Ayrton Senna foram orientados pela Pitágoras –TEC, por

meio de um programa de treinamento à distância, denominado “Capacitar”, seguindo a lógica

de gestão empresarial. O IAS exerce influência na educação em todos os estados brasileiros e

no DF, atende 11.640.930 crianças e jovens, já formou 553.512 educadores e já investiu R$

203.000.000,00, segundo dados do próprio site da instituição consultado no dia 14/12/10. O

IAS aponta como problema central a qualidade educacional, por ineficiência na gestão.

Descreve em seu site:

Dados da realidade educacional brasileira, no entanto, nos mostram o frequente

insucesso do processo de alfabetização, sobretudo nas primeiras séries, com

altíssimos índices de reprovação, abandono e distorção entre a idade dos alunos e a

série que deveriam cursar. Além disso, os sistemas educacionais não operam suas

redes com foco nos resultados dos alunos, o que configura um problema de gestão.

O Próprio Instituto (IAS) possui um sistema de informações sobre os dados

educacionais, o Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações (Siasi). Peroni (2008,,

esclarece que, para os municípios manterem seus dados cadastrais no Siasi, pagam por este

serviço. A autora questiona que não faz sentido os municípios pagarem para atualizarem seus

dados escolares. Ela ainda comenta que, o banco de dados desta instituição é invejável. A

autora ainda esclarece que o Instituto vive de doações de empresas, que muitas das vezes ,são

isentadas de impostos fiscais (34%) que iriam para a educação e dos royalities do

licenciamento das marcas Senna, Seninha, Seninha Baby e da imagem do Ayrton Senna,

doados pela família do piloto.

Um outro questionamento muito pertinente que a autora levanta é com relação ao

Programa Nota 10, onde o Instituto elenca e acompanha as responsabilidades gerenciais de

governadores, prefeitos, secretário de educação, diretor e superintendente escolar, além do

coordenador gestão nota 10. Num país dito democrático, como pode instituição pública,

(onde os homens públicos, foram eleitos pelo povo), submeter-se a regras privadas? Uma

gestão democrática não se constitui com imposições do setor privado ao público. Onde está a

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participação dos atores interessados neste setor? A esse respeito, Dale (1994, apud PERONI,

2008, p.122), diz: “é a lógica do privado redefinindo o público.”

2.7 Reflexões sobre Possibilidades de uma Escola Pública Igualitária

O Estado em sociedades capitalistas dos meios de produção, tendem a expressar os

interesses das classes dominantes, desta forma, o entendimento de gestão democrática ainda

está longe de ser vivenciado na práxis. Chamar a sociedade a participar dos interesses

educacionais comuns de uma região e, em particular, garantir a autonomia da escola através

de eleições, abrir para diálogos sobre forma de avaliação com alunos e pais e deixar que os

professores possam ter liberdade de escolha do método de ensino verdadeiramente sem que

tenham que seguir o manual passo a passo como é o caso das aulas programadas do Projeto

Realfabetização, são alguns exemplos de atitudes democráticas, que não estão sendo

respeitadas. Isto porque a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 nos artigos 14º e 15º

(BRASIL, 1996) estabelecem a liberdade de escolha de métodos pedagógicos. No art. 14 está

estabelecido que os sistemas de ensinos definam as normas de gestão democrática do ensino

público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes

princípios:

I- Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto

pedagógico da escola;

II- Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou

equivalentes.

Art 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de

educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e

administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito

financeiro público.

Importa ressaltar que o Projeto Político Pedagógico (PPP) é um instrumento possível

na realidade de hoje para que se possa praticar e exercer a participação democrática. Para

tanto, a dimensão social e a dimensão política não podem estar desassociadas das ações

educativas. Todos os atores devem congregar esforços para encontrar mediante suas

realidades, saídas possíveis para a melhoria da educação (AZEVEDO, 2004).

Para tanto, faz-se necessário contar com a presença de mediadores na escola

comprometidos com um projeto de educação e sociedade emancipatórias, bem como

o acionamento de mecanismos que considerem que a gestão democrática e a

construção e a implementação do projeto político-pedagógico (faces de uma

mesma moeda) não podem ter por parâmetro uma lógica institucional apenas

baseada na racionalidade, desconhecendo que as dimensões subjetivas, a cultura e o

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desejo de mudar constituem, também, forças impulsionadoras no sentido de que a

escola pública brasileira realize as funções dela esperadas. (AZEVEDO, 2004)

Neste sentido, traçar planos estratégicos que elevem a qualidade educacional faz parte

desta possibilidade e ação educativa. Novamente a participação do professor deve ser

ressaltada, mas jamais diminuída a importância dos atores envolvidos neste processo. Uma

boa parte da população atendida nas escolas públicas de Ensino Básico não sabe de seus

direitos, desconhecem o que seja o PPP.

[...] a pesquisa “Retrato da Escola no Brasil”, ao tratar do projeto político -

pedagógico, identificou que, em cinco estados da Federação, mais de 30% das

escolas não o possuíam e que, em mais de 20%, elas o possuíam, mas havia sido

construído por agentes externos à unidade escolar. Mesmo com um percentual bem

menor, em dez estados os dados

indicaram que o projeto foi fruto apenas da experiência do diretor (GRACINDO,

2004).

A proposta é um movimento dinâmico/participativo entre a comunidade escolar, que

articule necessidades locais e globais. Fortificar os Conselhos, Grêmios Estudantis,

fortalecimento de Associação de Pais, que necessitam ser apropriados de acordo com uma

significação diferente da lógica “democrática” neoliberal.

A este respeito, algumas propostas são apresentadas por Nicholas Davies (1999) para

se pensar as possibilidades de uma escola pública de fato e de direito. O autor problematiza: o

controle social sobre o Estado, a gestão democrática da escola e do ensino, a participação da

comunidade como condições dadas para uma democratização da escola pública. Evidencia

que não se pode negligenciar os fatores e contribuições a nível micro (escola) até o nível

macro (o sistema). Porém estabelece uma discussão muito atual:

Embora tal participação possa ser um mecanismo de democratização, ela também

permite a expressão das características privatistas presentes na "comunidade", que

não é constituída de grupos homogêneos ou interesses comuns, mas sim pela

diversidade e contradições que caracterizam toda sociedade desigual. É preciso,

pois, definir melhor. No caso da escola estatal, o controle social será limitado se não

houver um projeto pedagógico político mais amplo que objetive mudar o caráter

dela no sentido de servir a todos. Sem este projeto, o controle social significará

apenas um controle formal, no sentido de que não resultará necessariamente em

mudança do caráter da escola estatal, que continuará excludente, desqualificando o

saber das crianças das classes trabalhadoras/populares, e legitimando as

desigualdades sociais com base na maior escolaridade (DAVIES,1999 p. 166).

O autor afirma que para se ter uma escola igualitária para todos, seria preciso

radicalmente transformar a natureza e finalidade do saber transmitido e produzido nas

instituições educacionais. O autor ainda esclarece que, enquanto as escolas estatais forem

oferecidas em quantidade em detrimento da qualidade, o seu caráter público será minado.

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Não existe lógica vantajosa quando o Poder Público financia, desonera através de formas de

isenção de impostos ou ainda repassar verbas para instituições realizarem, a custos mais

elevados, a obrigação que é do Estado. O sistema educacional brasileiro precisa ser

rediscutido e avaliado. Para tanto todos os interessados precisam participar, conforme Davies

(1999):

Outra condição, escassamente concretizada ainda hoje e dificilmente realizável

plenamente numa ordem fundada na desigualdade social, seria a transparência na

gestão da instituição e participação, em pé de igualdade, dos interessados no plano

imediato (alunos, professores, pais, funcionários) e no âmbito mais amplo

(entidades representativas da sociedade) na formulação, acompanhamento, e

avaliação de decisões relativas a processos e sistemas educacionais (DAVIES, 1999

p. 165).

Neste sentido, as instituições e sistemas educacionais estatais, apesar dos avanços

realizados nas últimas décadas com a eleição de diretores e a participação variável dos vários

segmentos da comunidade escolar na gestão, ainda está longe de conquistar o caráter público

da escola. Esta escola pode começar a ser pública com a conscientização da massa oprimida,

que precisa participar, fiscalizar e exigir transparências das decisões políticas.

2.8 Pedagogia da Hegemonia: o Estado Educador

O crescimento do terceiro setor mostra concepções, ideias e práticas voltadas para a

construção de uma nova pedagogia da hegemonia. A educação se apresenta com novos

sentidos democráticos, cidadãos éticos e participativos. Os capitalistas da educação, com seus

reais interesses lucrativos, adéquam interesses privados do grande capital nacional e

internacional e inculcam na maioria da população a inabilidade do Estado em gerir o bem

público “educação” e, portanto, encontram aliados civis na expansão do setor privado frente

ao público. Esta é a concepção neoliberal, que utiliza o discurso de um Estado ineficiente

como justificativa para que o mercado configure-se como solução.

A relação comensalista entre Estado e o terceiro setor deve ser repensada. A proposta

é enquadrá-lo enquanto empresa e ser regida por legislação própria, pagando impostos e

contribuindo com suas obrigações. O que estamos a vivenciar nestes tempos de pós-

modernidade é o Estado educador com seu “auxiliar- substituto” abarcando todas as diretrizes

do processo educativo, desde a gerência a pressupostos pedagógicos. A penetração da terceira

via pelo país, principalmente no setor educacional, deixa clara esta afirmação. Esta

dissertação mostra o caso específico do IAS, com o estudo do Projeto Realfabetização, mas

não se pode esquecer, de tantas outras ONGs, a exemplo no próprio município do Rio de

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Janeiro, com o Instituto Roberto Marinho, com o projeto chamado: Autonomia Carioca, que

oficialmente se chama Aceleração de Estudos II.

A ampliação da democracia e o Estado educador têm uma relação direta com a perda

de direitos trabalhistas, que redefine suas práticas, instaurando, por meio de uma nova

pedagogia da hegemonia, entre aparelhagem estatal e sociedade civil, com vistas a estabilizar,

no espaço brasileiro, o projeto neoliberal de sociabilidade. Lima e Martin (2005),

problematizam os princípios e estratégias que a terceira via tenta consolidar em nível mundial.

Os autores mostram o interesse do terceiro setor que defende a necessidade de se criar uma

nova interpretação do mundo – uma nova “ideologia”, ou seja, modelo baseado no diálogo e

reflexão e, que seja capaz de restaurar e conciliar os interesses de classe. Então o terceiro

setor ou terceira via, assume o papel deste novo mundo entre o Estado e o mercado. Esta é a

nova pedagogia da hegemonia. Coutinho (2004) define a terceira via como:

[...] a chamada “terceira via” me parece um sintoma de que o neoliberalismo

começa a relevar seus limites. Os defensores da “terceira via” são pessoas que

aplicam uma política neoliberal [...], mas que têm ou tiveram no passado um certo

compromisso com valores de esquerda e tentam propor, como se isso fosse possível,

um neoliberalismo com rosto humano. Isso, evidentemente, é ideologia no sentido

ruim da palavra, ou seja, uma maneira de encobrir políticas que continuam a ser

estritamente neoliberais. [...]. A meu ver, trata-se de uma manifestação hipócrita do

neoliberalismo. [...] A “terceira via” é isso: uma manifestação hipócrita do

neoliberalismo, que sabe muito bem que a virtude está com outro tipo de política. É

um fenômeno indicativo de que aquela hegemonia pura e simples do neoliberalismo,

aberta e escancarada, está sofrendo abalos Coutinho (2004, p .328 apud NEVES,

2005, p.77).

Neves (2005) chama a atenção do fenômeno da socialização da participação política,

ou seja, a crescente organização de grupos e classes sociais na defesa de seus interesses, por

meio de aparelhos privados de hegemonia na sociedade civil. A autora fala da disputa dos

vários sujeitos políticos e coletivos na sociedade civil e mostra que há uma indissociabilidade

entre economia e política. Fala entre outras palavras que há acomodação entre a sociedade

política e civil em torno das políticas ‘ditas’ públicas. Esta associação da sociedade burguesa

brasileira atual é que leva a uma conjuntura de desenvolvimento neoliberal.

O Estado se torna educador à medida que redefine práticas hegemônicas educativas,

inculcando na sociedade civil ativa ou passiva os novos conceitos de homem múltiplo e

cidadão coletivo. A exploração do homem trabalhador se torna mais visível e ao mesmo

tempo naturaliza-se a concepção da necessidade da terceira via, que passa ser vista como

“necessária” para corrigir falhas e lagunas do poder público. A fragmentação de grupos

sindicais e interesses específicos da categoria contribui para a fragilidade da luta de classe

dos trabalhadores e, como observa Coutinho (2004):

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[...] com a multiplicação das organizações dos trabalhadores (partidos, sindicatos

etc.), a própria burguesia tem também de criar organismos fora do Estado, a fim de

concorrer com os operários. Também ela cria associações profissionais, cria ou

hegemoniza partidos de massa que defendem seu projeto de classe. O mesmo ocorre,

em seguida, com as camadas médias. [...] Já não existem mais, de um lado,

indivíduos atomizados, puramente “privados”, lutando por seus interesses

econômicos imediatos, e, de outro, o Estado e seus aparelhos, como únicos

representantes dos interesses ditos “públicos”. Surge uma complexa rede de

organizações de massa, de sujeitos políticos coletivos. (COUTINHO, 1994 p.77

apud NEVES, 2005, p. 100)

Essa “nova” sociedade civil organizada é concebida como uma esfera pública não-

estatal de cidadania, como espaço de interação social que, também homogeneamente,

aglutina esforços na direção do bem comum, do interesse público (DURIGUETTO, 2003 apud

NEVES, 2005).

Neves (2005), discorre sobre a influência das mídias da nova cultura cívica neoliberal.

Ela cita três principais aparelhos privados de hegemonia: a mídia, a escola e as igrejas, em

especial, a Igreja Católica. Entre outros novos que surgem como as fundações empresariais,

organização sindical, apoios diversos de governos estaduais por intermédio de subsídios

financeiros das empresas estatais, de organizações não-governamentais aos esportes, artes,

educação e tanto outras atividades. Estreita-se a empatia entre estas instituições e as

comunidades carentes assistidas nos inúmeros projetos sociais.

A nova pedagogia da hegemonia incentiva ações denominadas de responsabilidade

social. Neves (2005) fala das Organizações Globo, que, devido a seu largo alcance, prestígio e

poder de transmissão, leva o projeto burguês de sociabilidade aos diversos lares brasileiros e

internacionais. Dentre estas ações sociais, a autora cita a difusão midiática das atividades

educacionais, desenvolvidas pela Rede Globo de Televisão e pela Fundação Roberto

Marinho. Este veículo de comunicação poderoso atua com várias instituições nacionais,

internacionais e da sociedade civil. Como exemplo, cito os seguintes projetos: Ação Global,

Globo Serviço, Criança Esperança, Amigos da Escola, Portal do Voluntário, Merchandising

Social e, mais recentemente, Geração da Paz. Segundo a autora, o Estado neoliberal segue

estimulando a criação de novos sujeitos políticos coletivos, responsáveis prioritários pela

difusão de suas estratégias de legitimação, no papel de educadores da coesão social. A

autora cita Gramsci (2000 apud NEVES, 2005) e ressalta a sua definição de Estado.

[...] o Estado é certamente concebido como organismo próprio de um grupo,

destinado a criar as condições favoráveis a esta expansão, concebidos e apresentados

como força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as

Page 85: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

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energias “nacionais”, isto é, o grupo dominante é coordenado concretamente com os

interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como uma

contínua formação e superação de um equilíbrio instável (no âmbito da lei) entre os

interesses do grupo fundamental e dos grupos subordinados, equilíbrio em que os

interesses do grupo dominante prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja,

não até o estreito interesse econômico corporativo. (GRAMSCI, 2000 apud NEVES,

2005, p149).

Este Estado é o educador e difusor da nova Pedagogia da hegemonia. Ele garante e

assegura em bases legais, as ideias e interesses capitalistas. As ONGs, fundações e

associações civis sem fins lucrativos, ou seja o Terceiro Setor, em sua maioria, segundo a

autora, praticam e difundem a hegemonia direta ou indiretamente, reproduzindo a ideia de

mundo burguês mundial no espaço nacional.

A autora ainda em seu livro faz referência a dados estatísticos do IBGE entre 1996 e

2002, onde estas instituições cresceram em 157%. Totalizando 275.895 estabelecimentos e

absorvendo 1,54 milhão de trabalhadores assalariados, com salários médios de R$ 871,00.

Neves (2005), deixa claro que este número de trabalhadores é três vezes o total de

servidores públicos federal na ativa em 2002. Compreendendo a defesa da permanência de

tais ONGs, por parte de uma massa trabalhadora que teme perder seus empregos.

O Estado capitaliza recursos oriundos de impostos diversos, que são pagos pelos

trabalhadores e capitalistas e não consegue suprir às necessidades sociais educacionais. O

Estado repassa boa parte de suas obrigações pagando diretamente ou indiretamente

(através de isenções de impostos tributários) a instituições conhecidas como Terceiro Setor e

com isto cresce a dificuldade de se estabelecer o que é público e o que é privado e desta

forma, passam ser as ONGs as responsáveis pelas diretrizes educacionais do país.

Compreender como as políticas são construídas facilitará o entendimento desta

complexa rede de interesses nos diferentes campos por onde circule as políticas públicas e

para tanto se faz necessário entender as etapas de uma política pública. Lembrando que é

um terreno controvertido, onde não pretendo apontar um modelo e sim problematizar

analises que ajudem a se pensar em políticas públicas em suas complexas dimensões.

Importante perceber que todas estas análises estão intimamente embricadas com o sistema

educacional e o tipo de cidadão que está sendo formados nas escolas públicas.

Page 86: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

86

2.9 Etapas de uma Política Pública

Dentre muitos modelos de análise de políticas públicas serão expostas algumas

reflexões para melhor entendimento das etapas de uma ação pública, porém ressalto que esta

pesquisa pretende concentrar-se na visão do ciclo de política, descrito por Ball e Bowe (1999

p.19-22), por entendê-lo mais dinâmico e conseguir captar maiores subjetividades inerentes as

sociedades capitalistas modernas, principalmente na elaboração de políticas públicas sociais.

Souza (2006) enfatiza que não é apenas o governo que formula políticas públicas. No Brasil

tem-se pouca clareza quanto à formulação das políticas públicas e como são aplicadas. Ela

afirma que, o problema consiste no uso de rótulos especialmente às políticas sociais. Não

existe um consenso com relação às etapas e nem se pode linearizá-las, visto que as mesmas

podem ocorrer simultaneamente, com dinâmica complexa de participação entre os muitos

agentes envolvidos. Para problematizar apresentarei as três etapas mais usuais e lineares para

entendimento do desenvolvimento de uma política pública, segundo outros autores e grupo

.

2.9.1 Formulação da Agenda ou Agenda de Ajuste

A primeira fase – Formulação - pode se dar com decisão democrática e participativa

ou autoritária e de “gabinete”. Pode ainda ser classificada quanto sua imposição de baixo para

cima ou ainda, de cima para baixo, (top down e bottom up), pode ser racional e planejada ou

incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atores intervenientes; ou seja, implementada

com pressões de certos grupos influentes que controlam a agenda. A fase de Formulação pode

seguir passos importantes com pesquisas técnicas e sociais de impactos sobre a área e sobre as

pessoas que se pretenda atender. Desta forma, se terá mais informações precisas e melhor

poder de decisão. A fase da Formulação é um campo onde são constituídas as questões a

serem executadas pelos agentes públicos, por necessidade de urgência real ou por pressões

“invisíveis”, ou seja, agentes ou setores que pressionam o governo para serematendidos em

seus interesses. Kingdon (s.d., apud VIANNA 1999), define três tipos de agendas:

Sistêmica ou não-governamental – são agendas com assuntos

preocupantes sabidos pelo país.

Governamental – são agendas com questões que “exigem”

atenção do Governo.

De decisão – agenda com inúmeras questões a serem priorizadas

Page 87: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

87

2.9.2 Implementação da Política

A segunda etapa - implementação da política - serão ajustadas mediante mecanismos

existentes ou criadas pelos gestores públicos, que são possuidores de poderes discricionários

e sendo assim, agem com o poder legal a seu favor e segundo suas convicções e hierarquia

no poder público. Estes agentes vão formular e/ ou aplicar leis para atender à realidade entre

o Estado e a Sociedade Civil equilibrando a receita do Estado Federado e do interesse

político. Esta fase também pode apresentar conflitos, porque diferentes instituições e atores,

que participarão desta etapa podem ter ideologias diferentes e, com isto, criar obstáculo no

momento da implementação da política se não forem os mesmos que participaram da

primeira etapa.

2.9.3 Avaliação da Política

A última etapa - Avaliação da política – está vinculado com o grau de racionalidade

da fase de Formulação e o estilo de Implementação. Uma fase necessária para se medir os

impactos ocorridos após um período de tempo para se detectar os avanços concebidos ou

não diante as duas etapas anteriores. A Avaliação apontará as direções de mudanças ou não,

com ações a serem focadas diante aos objetivos esperados.

Não existe um consenso do que seja avaliar uma política pública, segundo Ala-Harja e

Helgason (2000, p.8), os condicionantes que se usam para medir perpassam por várias

instituições e executores, abrangendo pessoas, questões e prioridades. Porém, os mesmos

definem avaliação em termos simples: “o termo compreende a avaliação dos resultados de um

programa em relação aos objetivos propostos”.

Como acontece com o termo avaliação, isoladamente tomado, também há mais de

uma definição do que seja avaliação de programa. De modo mais simples, o termo

compreende a avaliação dos resultados de um programa em relação aos objetivos

propostos. Há quem sugira que o termo avaliação de programa abrange qualquer

estágio do ciclo de vida de um programa. Somando-se à avaliação ex post, o termo

inclui a avaliação ex ante e a avaliação intermediária (bastante comum na prática). O

primeiro tipo de avaliação prospectiva é geralmente referido como análise ou

avaliação de políticas. Se por um lado a análise de políticas explora as opções

disponíveis e seus prováveis efeitos, a avaliação estuda os efeitos reais e busca um

juízo de valor das políticas em si. Contudo, os conceitos são inter-relacionados e os

processos de avaliação interativos (ALA-HARJA; HELGASON, 2000 p.8).

Existe, portanto, muitas formas de se avaliar ações públicas. Segundo ainda Dagnino

(2002), estas formas podem ainda se intercalar de acordo com o(s) analista(s). Neste

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88

processo avaliativo todos os atores educacionais são elementos importantes para o ajuste de

determinadas políticas públicas. A avaliação poderá ocorrer em curso, periodicamente ou no

final do processo. As formas de avaliar são muitas e dependem das escolhas metodológicas

dos analistas responsáveis.

Estas etapas acima não oferecem uma visão mais ampliada e realística, pois segue

um padrão cartesiano e, portanto, não contempla uma visão sistêmica e dinâmica das

sociedades contemporâneas. Passo a apresentar a abordagem pós-estruturalista do ciclo de

políticas aplicado à educação, que priorizam a ação dos sujeitos como um fator fundamental

para compreensão das políticas e reiteram a fluência da poder e distribuição do mesmo nos

campos pelos diferentes agentes ao se avaliar qualquer política social. Mainardes (2007,

p.10) esclarece que esta concepção é “um exercício teórico heurístico. É intencionalmente

provisório, aberto e flexível".

2.10 Análise do Ciclo de Políticas: contribuições de Ball e Bowe

Sendo a educação um campo da política social em desenvolvimento, o autor

Mainardes (2006) propõe a “policy cycle approach” ou “abordagem do ciclo de políticas”

desenvolvido por Ball e Bowe (1998), como contribuição para o avanço das análises de

políticas educacionais por meio de estudo referencial- analítico. Mainardes (2006, p.47-69)

destaca, que as políticas públicas devem ser analisadas dentro do contexto ao qual se

desenvolvem, levando em conta os processos de sua produção assim como seus resultados e

efeitos produzidos. Evidencio que esta abordagem não é um modelo, mas uma concepção

analítica.

Mainardes (2006 p.47-69) interpreta o ciclo de políticas de Ball, que se configura de

perspectiva pós-estruturalista, cujas peculiaridades constam a desconstrução de conceitos e

certezas atuais, propõe a reflexão crítica de práticas cotidianas (micropolíticas),

heterogeneidade, pluralismo e articulações de contextos macro e micro, com a proposta

subjacente de contribuir com o campo da política social. Nesta perspectiva, o ciclo de política

corresponde a instrumento analítico da trajetória de política, ou seja, das etapas de construção

até os efeitos da mesma. O autor concebe que a teoria seja necessária para compreender a

realidade, porém ressalta a preocupação de se estar testando. O autor faz a seguinte citação:

O papel da teoria, como explica Bernstein, é o de oferecer uma linguagem de

descrição (1999). Naturalmente, como qualquer referencial teórico, o pesquisador

precisa interrogaras teorias e ser capaz de reconhecer possíveis fragilidades e

lacunas do referencial teórico adotado. (MAINARDES, 2006 p.58-59)

Page 89: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

89

Passo a problematizar as cincos etapas ou ciclo, lembrando que não são lineares e não

seguem a ordem apresentada neste esquema. Segundo a abordagem do ciclo de políticas,

existem influências de atores em todas as etapas, em cada movimento descrito aqui. A ideia é

um movimento cíclico e complexo, que não se pode demarcar com exatidão seu início ou fim.

Didaticamente será apresentada nesta ordem: Contexto da Influência; Contexto da Produção

de Texto; Contexto da Prática; Contexto dos Resultados e Efeitos; Contexto das Estratégias

Políticas.

2.10.1 Contexto da Influência

Esta é a etapa onde normalmente iniciam-se as políticas públicas. São conversas entre

os agentes, expressando ideias políticas em forma de discursos que venham a se transformar

em programas e/ou projetos. Este contexto está frequentemente relacionado com interesses

mais estritos e ideologias dogmáticas. Estes grupos disputarão seu poder de influenciar os

propósitos e finalidades sociais para educação. Nesta etapa, as redes sociais dentro e em torno

de partidos políticos, do governo e do processo legislativo farão pressões para darem

legitimidade às concepções do que seja educação. Também neste contexto competem

comissões e grupos representativos num conjunto mais formal de arenas públicas. Mainardes

(2007), refere-se à disseminação de influências internacionais e distingue pelo menos duas

maneiras de ser entendida.

A primeira, a mais direta, consiste no fluxo de idéias por meio de redes políticas e

sociais que envolvem: a circulação internacional de idéias; o processo de

empréstimo de políticas e os grupos e indivíduos que ‘vendem’ suas soluções no

mercado político e acadêmico. A segunda refere-se ao patrocínio e, em alguns

aspectos, à imposição de algumas ‘soluções’ oferecidas e recomendadas por

agências multilaterais. (MAINARDES, 2007, p.51-52)

O texto apresenta agências como: Banco Mundial, OCDE (organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico, UNESCO, FMI que influenciam o processo de

criação de uma política pública, sem perder de vista a relação dialética que existe entre o

global e o local. Organismos já mencionados neste capítulo, quando a Chauí (2000, p.562)

mostrou a influência das mesmas nas políticas neoliberais voltadas à educação. Em outras

palavras, a globalização promove a migração de políticas, mas esse processo não é uma

transposição, cópia ou transferência, há o processo de (re)contextualização e (re)interpretação

dos países, dentro dos contextos locais.

Page 90: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

90

O autor sugere procedimentos a serem adotados para se averiguar esta etapa da

política. Ao coletar dados utilizar a pesquisa bibliográfica, entrevista com formuladores de

políticas e com demais profissionais envolvidos (professores e demais profissionais,

representantes de sindicatos, associações, conselhos, entre outros agentes.

2.10.2 Contexto da Produção de Texto

Os textos políticos nesta etapa estão voltados à linguagem do interesse público geral.

Os textos representam a política. Podem ser observados de várias formas: textos legais

oficiais e textos políticos, comentários formais ou informais. Importante salientar que, os

textos oficiais não se obrigam a ser inteiramente coerentes quanto seus objetivos e amplitude,

entre outros aspectos, podendo, portanto, ser contraditórios.

Mainardes (2007) distingue “política como texto” e “política como discurso”. Na

primeira abordagem a política será compilada de maneira complexa, pois terá inúmeras

interpretações em virtude dos inúmeros leitores. Cada leitor, cidadão, interpretará o texto de

uma forma. “Os textos são produtos de múltiplas influências e agendas e são formulações que

envolvem intenções e negociações dentro do Estado e dentro do processo de formulação da

política” (MAINARDES, 2007, p 53-54). Na segunda abordagem Mainardes (2007) esclarece

que os discursos incorporam sentidos e se utilizam de teorias, conjecturas e palavras, onde

certas possibilidades de pensamentos são edificadas. “A política como discurso estabelece

limites sobre o que é permitido pensar e tem o efeito de distribuir “vozes”, uma vez que

somente algumas vozes serão ouvidas como legítimas e investidas de autoridade. Desse

modo, com base em Foucault, Mainardes (2007) explica que as políticas podem tornar-se

“regimes de verdade”. Na prática, os atores estão imersos numa variedade de discursos, mas

alguns discursos serão mais dominantes que outros. Mainardes (2007, p. 53-54) esclarece:

Política como texto e política como discurso são conceituações complementares. Ao

passo que a política como discurso enfatiza os limites impostos pelo próprio

discurso, a política como texto enfatiza o controle que está nas mãos dos leitores.

Ambos são processos complexos porque os textos não são somente o que eles

parecem ser em sua superfície e, de acordo com Foucault, discursos nunca são

independentes de história, poder e interesses.

Bowe et al. (1992, p. 52-53) ressaltam que a política não se origina e finda no

momento legislativo, precisando ser lidas levando em consideração o tempo e o local de sua

produção. “Os textos políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que

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91

atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as

representações da política”. Portanto, políticas são intervenções textuais que carregam em si

limitações materiais e possibilidades relativas, quando são aplicadas na realidade, visto que

acabam sendo (re)significadas na prática.

Nesta etapa, o autor sugere se investigar utilizando análise de textos e documentos,

entrevistas com autores de textos de políticas, entrevistas com aqueles para os quais tais textos

foram escritos e distribuídos.

2.10.3 Contexto da Prática

Nesta etapa a política está sujeita à interpretação e recriação. A prática é criativa e

dependerá dos agentes envolvidos. Quando a política em forma de texto é aplicada na prática,

produzirá efeitos e implicações que podem representar alterações expressivas. Bowe et al.

(1992) entendem este contexto como ponto-chave nas políticas. Sua concretude dependerá

dos agentes envolvidos e como as implementarão dentro desta arena (contexto da prática).

Importante mostrar a proximidade de ideias entre os autores Bourdieu (2008) quando

conceitua habitus num campo específico e os autores Bowe et al. (1992) quando apontam

estudos de referenciais- analíticos do ciclo das políticas públicas educacionais no contexto da

prática.

Os profissionais que atuam no contexto da prática [escolas, por exemplo] não

enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias,

experiências, valores e propósitos (...). Políticas serão interpretadas diferentemente

uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A

questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de

seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente

mal entendidas, réplicas podem ser superficiais etc. Além disso, interpretação é uma

questão de disputa. Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez que se

relacionam com interesses diversos, uma ou outra interpretação predominará,

embora desvios ou interpretações minoritárias possam ser importantes. (BOWE et

al., 1992, p. 22)

Esta abordagem mostra que os agentes educacionais, principalmente os professores em

sala de aula desempenham um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação das

políticas educacionais e desta maneira entender como eles pensam e avaliam a política -

Projeto Realfabetização - se torna fundamental para o processo de avaliação de resultados da

política ora estudada, conforme exposto pela citação acima.

Neste contexto, o autor sugere como processo investigativo, uma inserção nas

instituições e em espaços onde a política se desenvolveu. Utilizar observações ou pesquisa

Page 92: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

92

etnográfica, e ainda entrevistas com profissionais da educação, pais, alunos, entre outros

agentes. O contexto da prática pode ser considerado um microprocesso político. Neste

contexto, pode-se identificar a existência de um contexto de influência, de um contexto de

produção de texto (escrito ou não) e de um contexto da prática. Reafirmando que os contextos

são caóticos, mostrando uma complexidade tamanha entre seus agentes e instâncias.

Segundos os pesquisadores ingleses, que fazem parte da equipe de trabalho de Ball, os

profissionais que atuam nas escolas não são totalmente excluídos do processo de formulação e

implementação de políticas. Isto porque os mesmos ressignificam os textos legais na prática.

“Isso envolve identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo

dentro e entre as arenas da prática, e o delineamento de conflitos e disparidades entre os

discursos nessas arenas.” Bowe et al. (1992, p.50). Isto porque a

questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de

seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente

mal entendidas, réplicas podem ser superficiais etc. Além disso, interpretação é uma

questão de disputa. Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez que se

relacionam com interesses diversos, uma ou outra interpretação predominará,

embora desvios ou interpretações minoritárias possam ser importantes. (BOWE et

al., 1992, p. 22)

Cada indivíduo age de acordo com seus princípios, mediante suas estratégias e,

portanto, acabam participando do processo. Ao refletir sobre esta colocação chego a

conclusão que os professores modificam as políticas em suas salas de aula, mediante a

processo democrático ou não, visto que modificam a política na prática segundo o habitus

envolvido no campo, conforme Bourdieu (1990, p.26):

Construir a noção de habitus como sistema de esquemas adquiridos que funciona no

nível prático como categorias de percepção e apreciação, [...] como princípios

organizadores da ação, significava construir o agente social na sua verdade de

operador prático de construção de objetos.

Ainda compreendo que a mudança entre o contexto da produção de texto e a prática

pode se dar mais acentuadamente no contexto da prática. Quanto mais participação, mais

concordância e, portanto, menos resistência ao projeto original.

2.10.4 Contexto dos Resultados (Efeitos)

Em Ball (1994, apud MAINARDES, 2007) acrescenta ao seu ciclo de políticas outros

dois contextos voltados às questões sociais: o contexto dos resultados (efeitos), prioriza

entender a justiça, igualdade e liberdade individual. Neste ciclo, as políticas têm que ser

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93

analisadas tendo como direção o seu impacto e interações com as desigualdades sociais.

Deverão dialeticamente ser identificados os efeitos mais específicos e gerais que a política

gerou ao serem implementados na prática.

Mainardes (2007) sugere que a análise de uma política “deve envolver o exame das

várias facetas e dimensões de uma política e suas implicações; das interfaces da política com

outras políticas setoriais e com o conjunto das políticas” (MAINARDES, 2007, p. 54-55).

O autor especifica dois efeitos: de primeira ordem e de segunda ordem. O primeiro são

os efeitos tangíveis referem-se a mudanças na prática ou na estrutura e são evidentes em

lugares específicos ou no sistema como um todo e, o segundo, refere-se ao impacto desta

mudança. É mais sutil, pois se refere ao impacto nos padrões de acesso e justiça social,

oportunidades diversas. Por exemplo: à medida que os professores melhorem suas posturas

políticas, seu cabedal cultural, (efeito de primeira ordem) - irão proporcionar efeitos na

aprendizagem dos alunos (efeitos de segunda ordem).

Medir estes efeitos/resultados não se torna tarefa fácil. Mainardes (2007) sugere que se

use nesta etapa análises de dados estatísticos, dados de avaliação do desempenho de alunos e

outros dados; a aplicação de testes; entrevistas, entre outros mecanismos aplicáveis que

possibilitem “ver e sentir” a ação da política. As questões centrais nesta etapa dizem respeito

a questões conjunturais e sobre as desigualdades sociais. A escola deve quebrar com esta

lógica de reprodução das desigualdades sociais. As políticas públicas educacionais

especificamente, não podem forjar mecanismos de ascensão social com políticas mascaradas.

Mainardes (2007) evidencia que as políticas só podem ser avaliadas no contexto da prática

por meio de observações prolongadas, entrevistas ou pesquisa etnográfica.

Num país onde a distribuição de renda se concentra nas mãos de poucos, as distorções

sociais não podem sequer ser amenizadas. Quando se nega as condições essenciais de

sobrevivência aos cidadãos, tudo mais é supérfluo e neste sentido, a educação não

corresponde ao instrumento propulsor de mudanças sociais.

2.10.5 Contexto das Estratégias

Neste contexto se envolverá um conjunto de atividades sociais e políticas capazes de

promover possibilidades reais de igualdades sociais. São instrumentos, estratégias de se

praticar a política. Os melhores caminhos para se atingir promoções sociais.

Neste contexto da política, o autor ressalta que o pesquisador ao investigar esta etapa,

precisa assumir a responsabilidade ética com o tema investigado. Apresentando estratégias e

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atividades para se lidar mais eficazmente com as desigualdades identificadas na política. Tais

estratégias – que podem ser genéricas ou mais específicas – não devem limitar-se a um

pragmatismo ingênuo ou ter a pretensão de serem redentoras. O aspecto essencial desse

contexto é o compromisso do pesquisador em contribuir efetivamente para o debate em torno

da política, bem como para sua compreensão crítica.

Passo a refletir sobre as contribuições e fragilidades deste referencial teórico-analitico

do ciclo de políticas de Ball (1990, apud. MAINARDES, 2006).

2.10.6 Reflexões sobre o Ciclo de Políticas

Mainardes (2006) muito tem contribuído no Brasil para difundir e refletir sobre as

ideias de Ball (1990). Ele agregou vários autores que criticaram o ciclo de política de Ball e

procurou confrontá-las com a defesa do próprio autor, trazendo elementos para se refletir

sobre esta concepção que se mostra promissora ao caminhar para uma estruturação teórica.

As primeiras críticas vieram com os autores: Lingard (1993, apud MAINARDES,

2006), Hatcher e Troyna (1994, apud MAINARDES, 2006). Estes dizem faltar uma teoria de

Estado clara. Ball (1990, apud MAINARDES, 2006) em defesa, argumenta que tentou

formular uma perspectiva neo – marxista, centrada no Estado,

com suas “generalidades ordenadas” (ênfase em questões mais amplas) e uma

perspectiva pluralista com suas “realidades desordenadas de influência, pressão,

dogmas, conflitos, acordos, intransigência, resistência, erros, oposição e

pragmatismo (BALL, 1990, apud MAINARDES, 2006, p. 9).

Ball (1994, apud MAINARDES, 2007) reconhece a importância da análise do Estado

afirmando que qualquer teoria decente de política educacional deve analisar o funcionamento

e o papel do Estado. Porém, afirma que “qualquer teoria decente de política educacional não

deveria limitar-se à perspectiva do controle estatal” (BALL, 1994, apud MAINARDES, 2007,

p. 10).

Mainardes (2007, p.89) reflete sobre as concepções de Estado e aponta as três etapas

iniciais do ciclo das políticas como resposta: influência, produção do texto e contexto da

prática. O autor reitera que a concepção de Estado e de política educacional precisa ser

considerada nas pesquisas de políticas educacionais. Ele cita as seguintes preocupações que

devem ser observadas:

- O “local” ou a “pesquisa de campo” deveriam ser tomados como ponto de partida

para a compreensão de questões mais amplas.

- Abordar macro e micro demanda uma pesquisa de maior duração e abrangência.

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- Exige o domínio de diferentes estratégias de coleta de dados: análise de

documentos, entrevistas, observações etc.

- Exige o domínio de diferentes campos e áreas de conhecimento: política

educacional, prática pedagógica, etc. (MAINARDES 2007, p.89).

Outra crítica feita pelos autores Henry (1993, apud MAINARDES, 2006), Hatcher e

Troyna (1994, apud MAINARDES, 2006), e Lingard (1996, apud MAINARDES, 2006).

Estes questionam a falta de uma perspectiva de gênero e raça - Ball (1993) concordou com as

críticas, mas reafirmou o contraste entre o “desordenamento” que caracteriza a realidade das

políticas e a abordagem macro analítica, preocupada com a análise de questões mais amplas

Ball baseado na perspectiva pós-estruturalista, considera relevante considerar a disputa e a

resistência para transformação social.

Ball (1993) considera que no contexto dos resultados /efeitos e no contexto de

estratégia política se aborda as questões de raça e gênero. Ball é um autor que mostra a todo

tempo sua preocupação com as questões voltadas às oportunidades sociais. Ele as evidencia

quando explicita os efeitos de primeira e segunda ordem.

Outra crítica ainda vem com o autor Mészáros (2005, p.64). Este autor critica Ball,

dizendo não ter em sua concepção um indicador de processo de reestruturação radical, ou

seja, a chave para a ruptura com a lógica do capital. Mészáros (2005) afirma que o mesmo

embora explicite a reprodução de desigualdades de classe e o impacto das políticas sobre

grupos sociais desprivilegiados, parecem alinhá-las ao discurso reformista de mudanças

pontuais, tais como “pequenas receitas”.

Estas críticas e defesas mostram que esta concepção não está acabada, mas é um bom

referencial para se analisar políticas públicas, o qual reitero sua relevância no campo

educacional, mediante análise do trabalho realizado em campo.

Algumas questões elaboradas nesta concepção, eu ressalto como relevantes na maneira

de se conceber uma política pública educacional: os fatores macro e micro e suas imbricações

em todas as fases do ciclo; envolver no contexto de influência a análise das interferências de

agências globais e os textos oficiais, assim como perceber os discursos que circulam nos

campos estruturais por onde circulam. No contexto da prática, reitero a importância de

analisar juntos aos profissionais da área como ressignificaram os textos legislativos, ou seja,

investigar como procederam mediante os textos legais e desta forma, recolher informações e

contribuições dos mesmos. Perceber possíveis pressões existentes no campo e avaliar os

ganhos sociais produzidos pelas ações políticas. Identificar as estratégias que corresponderam

aos avanços ou desigualdades sociais, para aqueles envolvidos diretamente com a política

educacional. Esta postura leva o pesquisador/coordenador de análise das políticas

Page 96: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

96

educacionais a assumir compromisso ético, crítico, tornando o processo mais transparente,

visível e possibilitando apontar soluções mediante a reunião de interações junto aos agentes

envolvidos com a política educacional.

Após ter problematizadas estas questões volto para “avaliação”. As contribuições

nesta área para se avaliar políticas públicas, também são recentes como já explicitado acima,

mas de forma mais sistemática apresento o quadro com características e descrição do

Paradigma da Avaliação Emancipatória proposto por Saul (1988) para refletir sobre os

avanços na área educacional.

2.11 Paradigma da Avaliação Emancipatória

Este paradigma foi construído baseado em três vertentes teórico-metodológicas: a

primeira Avaliação Democrática, a segunda “Crítica Institucional e Criação Coletiva” e a

terceira é a “Pesquisa Participante.” As características deste paradigma são congruentes com

as contribuições do ciclo de política descrito por Bowe et al. (1992), quando aplicados à

avaliação das políticas educacionais. Isso mostra a tendência de se usar critério voltados

para a investigação subjetiva junto aos agentes participantes do processo, para obtenção de

resultados mais próximos da realidade. Segue exposição dos passos para posteriores

reflexões.

2.11.1 Avaliação Democrática

Seus principais aspectos foram descritos por Barry Mac Donald (1997) ao apresentar

uma classificação política de assuntos avaliativos A avaliação democrática é uma visão bem

recente da política educacional.

É um serviço informativo, prestado à comunidade, acerca das características de um

programa educacional. Reconhece a existência de um pluralismo de valores e procura

representar uma gama variada de interesses ao formular suas indagações principais. O valor

básico é o de uma cidadania consciente e o avaliador age como um intermediário nas trocas

de informações entre diferentes grupos. Suas técnicas de coleta e apresentação de dados

devem ser acessíveis a audiências não especializadas. A principal atividade do avaliador

consiste no levantamento das concepções e reações acerca do programa estudado. Ele

oferece sigilo aos informantes, dando-lhes ao mesmo tempo controle sobre o uso que farão

das informações obtidas. O relatório avaliativo não traz recomendações e o avaliador não

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97

pensa num mau uso que fará das informações levantadas. Suas relações com patrocinadores

e participantes são objetos de negociações periódicas com ambas as partes.

O critério do sucesso é o alcance do estudo avaliativo, medido em termos das

audiências beneficiadas por ele [...]. Os conceitos-chave da avaliação democrática

são “sigilo”, “negociação” e “acessibilidade”. O conceito fundamental que

justifica é o “direito à informação (SAUL, 2009, p. 99).

Este é um modelo emergente a ser observado numa avaliação democrática. Ouvir os

agentes envolvidos na política pública e avaliar os resultados conseguidos em prol de uma

melhora de qualidade do trabalho ofertado à população e ao mesmo tempo refletir sobre os

impactos sociais. Um serviço informativo prestado aà comunidade acerca de um programa

educacional.

2.11.2 Crítica Institucional e Criação Coletiva

Saul (2009) aponta a proposta de investigação apresentada por Séguier (1976). O

autor propõe investigar uma determinada realidade a partir da aplicação do método de

conscientização aos mais variados tipos de organização. A experiência foi desenvolvida pelo

INODEP (Institut pour le Développement des Peuples – Paris) e se estendeu a instituições

sociopolíticas, em especial às pedagógicas e comunitárias. O primeiro presidente deste

instituto foi Paulo Freire e a ideia geradora fundamental é:

A conscientização é, neste sentido, um teste da realidade. Quanto mais

conscientização, mais se “dês-vela”a realidade, mais se penetra na essência

fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta

mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente a realidade”

assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir

fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética

constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que

caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso

histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que

os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os

homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece [...]

A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de

outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário está baseada na

relação consciência-mundo. (FREIRE, 1980, p.26-27)

O processo de conscientização é a chave da pedagogia emancipatória. Os membros

das organizações são tidos como autodeterminados, ou seja, são capazes de criticamente

desenvolver suas próprias ações.

Este processo privilegia as ações multidisciplinares e integradas da instituição com a

sociedade, deste forma supera as análises parciais e compartimentalizadas. O processo

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epistemológico desta concepção é o processo dialógico, entendido “como encontro entre os

homens, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1978, p.93).

O diálogo nesta concepção é crítico e comunicativo, que leva à verdadeira

emancipação em educação, mediatizada pelo mundo repleto de possibilidades e adversidades.

Neste mundo, o homem irá interagir num movimento entre ação-reflexão para ocorrer

transformação.

Esta vertente se articula com três momentos que se unificam: expressão e descrição da

realidade; crítica do material expresso; e criação coletiva.

O primeiro momento – expressão e descrição da realidade – é um momento de

verbalização e contextualização da realidade com todas as nuances captadas e expressas por

seus participantes, que se materializam com conceitos, relatos, diálogos figurados e qualquer

forma de retratar e problematizar a realidade vivida pelo grupo.

Importante ressaltar que na escola este momento se caracteriza inicialmente por

questões pedagógicas como: avaliações, dificuldades de aprendizagem dos alunos, conteúdos,

condições de trabalhos, salários, avaliações, entre outras. Diante destas colocações com os

profissionais da escola e alunos se poderá avançar em relação às relações institucionais e com

a sociedade.

O segundo momento – crítica do material expresso - caracteriza por uma reflexão-ação

por parte dos elementos da instituição, que irão mudar seus posicionamentos em prol de

melhorias para todo o sistema. Esta transformação se dará pela conscientização. Nas escolas

se pode começar pelos confrontos refletivos entre as práticas pedagógicas e os objetivos

educacionais; Confrontos em relação a hábitos e atitudes de todos e as causas e efeitos que

podem ser alcançados mediante novas posturas de todos e por outras questões detectadas

durante o primeiro momento.

O terceiro momento – Criação Coletiva – um momento que prevê um delineamento de

alterações em curso das ações. Esta nova ação será construída pelo grupo. No caso da escola,

por exemplo, poderá ser recriado o PPP. Novas alternativas para se alfabetizar, por exemplo.

Mecanismos de socialização entre pais, alunos e corpo escolar. Ações que promovam

aproximação e conscientização de todos pela importância da participação do âmbito escolar

para a efetivação da educação de qualidade.

Perguntas basilares são importantes serem respondidas neste momento: que tipo de

homem se quer formar com que meios? Que tipo de sociedade se deseja? O que a instituição

pode e deve fazer, considerando a realidade na qual se insere?

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Esta proposta é radicalmente contra avaliações externas diagnósticas, comumente

aplicadas por especialistas estranhos à comunidade e à instituição, que desconhecem a

essência dos problemas locais.

A essência do processo de Crítica Institucional e Criação Coletiva não é um relatório,

podendo ser útil e praticado, porém a essência é a conscientização das pessoas entre as

possibilidades de mudanças, seus limites e de suas autênticas vontades de mudanças,

encontrem soluções criativas para os problemas identificados.

Este processo leva o grupo a um processo de autogestão, propondo a assumir

propostas elaboradas com colaboração de todos.

2.11.3 Pesquisa Participativa

Saul (2009) atesta que o responsável por esta proposta é Huynh (1981). Esta

concepção se baseia em seis princípios metodológicos: autenticidade e compromisso;

antidogmatismo; restituição sistemática; feedback aos intelectuais orgânicos; ritmo e

equilíbrio de ação – reflexão;e ciência modesta e técnicas dialogais. Huynh (1981) define

pesquisa participativa como:

Pesquisa da ação voltada para as necessidades básicas do indivíduo e que responde

especialmente às necessidades da população que compreende operários,

camponeses, agricultores, e índios – as classes mais carentes nas estruturas sociais

contemporâneas – levando em conta suas aspirações e potencialidades de conhecer e

agir; é a metodologia que procura incentivar o desenvolvimento autônomo

(autoconfiante) a partir das bases e uma relativa independência do exterior

(HUYNH, 1981).

O primeiro princípio - Autenticidade e compromisso – Demarca o compromisso que o

pesquisador deve ter com seus atos. A honestidade com seu propósito, ou seja, com a

preocupação em oferecer contribuições com a causa em questão.

O segundo princípio – Antidogmatismo – este se preocupa em dar credibilidade a

pesquisa e para tanto não estabelece princípios ideológicos a serem seguidos.

O terceiro – Restituição sistemática - Consiste em retornar as informações obtidas com

a pesquisa aos interessados. Deve ser apresentada de forma sistêmica e organizada.

O quarto – Feedback aos intelectuais orgânicos – consiste em repassar informações e

reivindicações dos grupos pesquisados aos intelectuais engajados. Esta é uma forma dialética

de se obter interação. Este passo ao meu parecer é muito negligenciado pelos muitos

intelectuais orgânicos, que por muitas vezes se encastelam nas universidades, em suas

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produções científicas sem terem tempo e disposição para irem a campo extrair e contribuir

,ouvindo e problematizando questões do cotidiano.

O quinto – Ritmo e equilíbrio de ação – reflexão – Esta etapa consiste em se manter

um nível sincronizado entre ação- reflexão entre os dados do campo e o permanente equilíbrio

intelectual. O conhecimento é extraído e processado num primeiro momento e após este

momento as informações são sintetizadas e a reflexão ocorre em um nível mais geral para

novamente ser retornada à realidade de forma consciente e ordenada e novamente se estuda as

consequências desta intervenção. Este movimento deve ocorrer sempre de maneira

equilibrada pela própria luta e por suas necessidades.

A sexta – Ciência modesta e técnicas dialogais – Uma concepção que chama atenção

para a prática da humildade do pesquisador mediante aos esforços ditos de “segunda classe”,

ou seja, que se pode realizar um trabalho científico em condições primitivas e adversas com

recursos locais. Desta forma, aponta para determinadas observâncias de conduta do

pesquisador em relação aos seus trabalhos: abandonar a arrogância; romper com a dissemetria

entre pesquisador e pesquisado. Neste aspecto relembro Bourdieu (2008), que enfatiza que

não se poderá extingui-la, mas que o pesquisador deve ter a preocupação de se adequar,

minimizando ao máximo a violência simbólica e por último, incorporar pessoas da

comunidade como agentes ativos e pensantes nos esforços de pesquisa.

Após ter relatado as três vertentes que compõe o Paradigma da Avaliação

Emancipatória, retorno a explicitá-lo, lembrando que este se caracteriza por um processo de

descrição, análise e crítica de uma dada realidade, visando transformá-la. Destina-se a

programas educacionais ou sociais.

Este paradigma situa-se numa vertente político-pedagógica e o interesse é

emancipador. O compromisso principal desta avaliação é que as pessoas consigam se libertar

da condição determinística. Que sejam alertados de certa forma e despertados, portanto, a

reescreverem suas próprias histórias

Esta concepção possui dois objetivos prementes: “iluminar o caminho da

transformação e beneficiar as audiências em termos de torná-las autodeternimantes” (SAUL,

2009 p. 105). Estes objetivos estão relacionados com a mudança de paradigmas presentes em

função da consciência crítica e do autoconhecimento na relação eu-outro e o mundo.

Saul (2009, p.105) cita os conceitos pela qual estão assentadas este Paradigma da

avaliação Emancipatória: emancipação, decisão democrática, transformação e crítica

educativa. Passo a problematizá-los:

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A emancipação prevê que a consciência crítica, a qual Freire (1997), pregou e

praticou, é a que se constitui em elemento de luta transformadora para os diferentes

participantes da avaliação. Por certo, o pesquisador enquanto observador/avaliador, ao entrar

no campo e interagir, já sairá modificado e o pesquisado da mesma forma será outro.

A decisão democrática implica numa responsabilidade compartilhada com os

elementos que participaram de uma decisão ou avaliação em conjunto. Uma ampla

participação de todos, contemplando as vozes do consenso e do dissenso.

A transformação se volta para o compromisso que os elementos comungam de mudar

propostas caso sejam necessárias, visando o compromisso social e político em todas as etapas

dos programas/ projetos.

A crítica educativa - nesta etapa não se considera parâmetros universais. A crítica é

feita por cada participante do projeto sobre a análise que este faz em relação ao Projeto ou

Programa. Exatamente o que este trabalho de pesquisa enquanto trabalho investigativo acaba

por fazer, transformando-se em instrumento de luta e contribuição à educação, ao dar voz e

visibilidade aos professores da 7ª CRE no município do Rio de Janeiro a respeito desta

política educacional - Projeto Realfabetização.

O Paradigma da Avaliação assume um conjunto de elementos que se observam nas

três vertentes, sendo, portanto, aportes da mesma. Pressupostos metodológicos como: o

antidogmatismo, a autenticidade e compromisso, a restituição sistemática e o ritmo da ação-

reflexão. Estes também são os pressupostos que consiste a pesquisa participante. Os três

momentos característicos desta avaliação: descrição da realidade; a crítica da realidade e a

criação coletiva. Ressaltando que estes momentos não são estanques, podendo se

interpenetram. Este paradigma se guia pela abordagem qualitativa prioritariamente, sem

desprezar a ótica quantitativa. Neste paradigma, o avaliador assume papel de coordenador e

orientador das ações, buscando sempre estabelecer o diálogo crítico com o propósito de

reformular quando necessário os programas e projetos junto aos demais agentes escolares.

Este coordenador, nesta concepção, deve preferencialmente fazer parte da equipe, pois estará

mais próximo com os problemas vivenciados por aquele grupo.

Este paradigma coloca como requisito necessário ao avaliador que, realize uma

coordenação e avaliação participativa nos moldes emancipatórios e que tenha relacionamento

interpessoal com o coletivo.

Importante ressaltar segundo (SAUL, 2009) que o Paradigma da Avaliação

Emancipatória se apontará apropriado na avaliação de programas, projetos e políticas, quando

houver uma perspectiva crítico-transformadora da realidade e se deseje, como processo

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avaliativo, uma prática democrática. A autora ainda ressalta a importância de ao se assumir

este paradigma avaliativo, ter a clareza de que é um campo recém - iniciado. Segue tabela 7

com características descrição do paradigma:

Tabela 7: O Paradigma da Avaliação Emancipatória

Características Descrição

Natureza da avaliação Processo de análise e crítica de uma dada

realidade visando a sua transformação

Enfoque Qualitativo

Paraxiológico:busca apreender o fenômeno

em seus movimentos e em relação com a

realidade, objetivando a sua transformação

e não apenas a sua descrição

Interesse Emancipador, ou seja, libertador, visa

provocar a crítica, libertando o sujeito de

condicionamentos determinados

Vertente Político Pedagógica

Compromissos Propiciar que pessoas direta ou

indiretamente atingidas por uma ação

educacional escrevam

Conceitos básicos Emancipação

Decisão democrática

Transformação

Crítica educativa

Objetivos “Iluminar”o caminho da transformação

Beneficiar audiência em termos de torná-las

autodeterminadas

Alvos de avaliação Programas educacionais ou sociais

Pressupostos Metodológicos Antidogmatismo

Autenticidade e compromisso

Restituição sistemática (direito à

informação)

Ritmo e equilíbrio da ação-reflexão

Momento da Avaliação Descrição da realidade

Critica da realidade

Criação coletiva

Procedimentos Diálogo

Participante

Utilização de técnicas do tipo: entrevistas

livres, debates

Tipos de Dados Predominantemente qualitativos

Utilizam-se também quantitativos

Coordenador e orientador dôo trabalho

avaliativo Fonte: Saul (2009), p. 108

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Esta concepção do Paradigma da Avaliativa Emancipatória é importante, porque como

definido por Ball (1998) a política está sujeita a reinterpretações no contexto da prática, no

caso da educação, no cotidiano da sala de aula. Então, avaliar os resultados e efeitos pelos

agentes que participaram efetivamente dela é uma contribuição metodológica ao campo

educacional. O Contexto da Prática é definido por Ball, onde: “a política está sujeita à

interpretação e recriação e onde a política produz efeitos e consequências que podem

representar mudanças e transformações significativas nas políticas originais” (BALL, 1998).

Compreender estas modificações passa ser importante para a compreensão da política na

prática, isto porque, os agentes do governo detêm capacidade de controle e restrição parcial

das ações efetivadas pelos professores em sala de aula. Portanto, não têm o controle a ponto

de imobilizar as reinterpretações feitas na prática pelos professores.

Libâneo, Oliveira e Toschi (2009) ressaltam a consolidação da gestão participativa

para eficácia dos objetivos educacionais. Os autores frisam que a compreensão dos

professores sobre os processos de tomada de decisões do Estado e do sistema educativo,

quanto ao papel da escola no contexto social, político e cultural é um passo fundamental

para a melhoria da qualidade da educação. Quanto mais participativo for o professor mais

contribuições trará à escola. Os autores em questão citam o pesquisador Lima (1996, p.31,

apud LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2009) quando escrevem sobre a relativa e saudável

dependência que a escola deve guardar com o sistema de ensino.

A subjugação total da escola à imposição normativa, levada a cabo pelo estado e

pelos sistemas globais de controle, transforma-a num campo de reprodução,

condenando os atores e despojando-os das suas margens de autonomia e liberdade e

das suas capacidades estratégias [...] [Por outro lado] a escola não será apenas uma

instância hetero- organizada para a reprodução, mas será também uma instância

auto-organizada para a produção de regras e a tomada de decisões, expressão

passível de atualização de estratégias e de usos de margens de autonomia dos atores

Lima, (1996, p.31, apud LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2009).

Portanto a co-gestão é uma prática de respeito e compromisso entre todos os atores

educacionais. Compatibilizar decisões sem desconhecer as tensões que no campo circulam.

“nos terrenos da ação em contexto escolar, nenhuma das partes [pode] exercer

hegemonicamente o controle total sobre a outra” Lima, (1996, p.32 apud Libâneo 2004)

Neste sentido, as etapas de uma ação pública devem estar claras para todos os

agentes que participam do processo educativo, porque em curso poderão mediar os

processos, reformulando fases. Desta forma, as participações dos docentes quanto à política

pública – Projeto Realfabetização - ora objeto de análise desta dissertação se tornam

importantes instrumentos de investigação para o processo de avaliação desta política

educacional, estabelecida entre os setores:público e privado.

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104

CAPÍTULO III

O PROJETO REALFABETIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

3.1 Abordagem Introdutória

Neste capítulo, pretendo expor a proposta desta política pública, com toda dinâmica do

Projeto: composição dos materiais didáticos, concepções que fundamentam o Projeto segundo

o IAS, assim como sua operacionalidade dentro de sala de aula. Pretendo, ainda, evidenciar o

modelo de avaliação usado pelo Projeto Realfabetização e problematizar a alfabetização no

contexto social, mostrando os Estados brasileiros que utilizam a metodologia do Programa

“Se Liga”.

3.2 O Surgimento do Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro

O Projeto surgiu em 2009, como proposta política de correção de fluxo dos alunos não

alfabetizados com distorções série/idade dos 4º, 5º e 6º anos não alfabetizados. O Prefeito

Eduardo Paes e a Secretária de Educação Cláudia Costin optaram por uma política de parceria

público-privada. Logo nos primeiros meses, foi firmado um contrato entre a Secretaria de

Educação do Município do Rio de Janeiro e o Instituto Ayrton Senna (IAS). O Projeto está

em funcionamento na rede municipal desde então. Foi adaptado do Programa “Se Liga” de

propriedade do IAS à estrutura administrativa do município, sendo oficialmente conhecido

como Projeto Realfabetização. Uma das adaptações ocorreu em virtude de ser usado no IAS,

o cargo de supervisor, com a função de fiscalizar as rotinas do Programa “Se Liga” e no

município para não se criar uma nova função, optou-se pela designação de professor

itinerante. Ambos com as mesmas tarefas.

Importante esclarecer a diferença conceitual de programa para projeto, pois a política

educacional estudada é um projeto, portanto uma parte de um todo. Padilha (2001, p.42),

conceitua programa como sendo "constituído de um ou mais projetos de determinados órgãos

ou setores, num período de tempo definido". Portanto, o programa é uma proposta abrangente

que engloba propostas menores chamadas de projetos. Projeto é definido por Gadotti (1994):

Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar

significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um

período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função de promessa que cada

projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser

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tomado como promessa frente determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis

os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores (GADOTTI,

1994, p.579).

Por esta definição se compreende que projeto faz parte de um universo menor e que

está inserido dentro de um programa. Um programa pode conter vários projetos para cumprir

sua finalidade. Numa linguagem matemática pode ser entendido que o programa contém o

projeto ou ainda, que o projeto está contido no programa.

As primeiras turmas do Projeto Realfabetização em 2009 foram formadas, após

“diagnóstico”, por meio de uma avaliação de responsabilidade do Instituto Ayrton Senna,

aplicada a toda rede Ensino Fundamental dos 4º, 5º e 6º anos, para medir conhecimentos de

leitura/escrita dos alunos. A partir desta seleção e entendimento, que aqueles alunos eram

analfabetos funcionais, formaram-se turmas com um quantitativo de no mínimo 11 alunos e

no máximo 25. As escolas que não obtiveram o número de alunos para abrirem turmas, os

mandaram para outras unidades próximas. Os dados encontrados informam que, em 2009,

“cerca” 13.000 alunos dos 4º e 5º anos iniciaram o Projeto em toda rede municipal.

Importante ressaltar que, a pesquisa visa analisar o primeiro ciclo do Ensino Fundamental,

portanto o 6º ano não está incluso. Dados oficiais oferecidos pela 7ª CRE, contabilizam 2057

alunos em 2009 e 345 alunos em 2010, sendo que a partir de 2010 houve participação de

turmas do 3º e 2º anos.

Em 2010, novas turmas do Projeto Realfabetização são organizadas em toda rede

municipal e, desta vez, o número de participante cai para cerca de 4.165 novos discentes. No

ano de 2011, outra nomenclatura passa a vigorar, conforme resolução da SME nº 1079 de

27/05/11 e publicado no Diário Oficial do Município (DOM) de 28/05/11. A Secretária

Municipal de Educação, considerando a alínea “b” do inciso V do artigo 24 da Lei Federal nº

9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasil (BRASIL,1996), Resolve:

Art. 1º Ficam instituídos os projetos de correção de fluxo abaixo discriminados:

I – Realfabetização 1 – para alunos do 2º ao 5º Ano, não alfabetizados, com

defasagem idade/série igual ou superior a 2 anos;

II – Realfabetização 2 – para alunos do 6º Ano, considerados não alfabetizados;

III – Aceleração 1 – para alunos oriundos do projeto Realfabetização 1;

IV – Aceleração 2 – para alunos do 7º e do 8º Ano, com defasagem idade/série igual

ou superior a 2 anos.

Com esta nova constituição, o Projeto Realfabetização passa a atender alunos dos 2º

ao 5º anos a partir de 2011. Importante esclarecer que alunos integrados, ou seja, com

necessidades especiais, não podem fazer parte do Projeto e os alunos participantes, uma única

vez, pois a proposta é alfabetizá-lo em um ano.

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Com a quantidade de Projetos na rede escolar e o duplo nome entre o oficial dado pela

SME e o original, dado pelas Instituições, em parceira com o governo, ocorre uma enorme

confusão entre os responsáveis pelos educandos e os próprios professores em exercício. Eles

desconhecem as nomenclaturas oficiais e/ou confundem-nas. Segue correlação dos nomes

entre os Programas originais e a adaptação no Sistema de Cadastro Acadêmico SCA do

município do Rio de Janeiro:

Tabela 8: Projetos em funcionamento em 2011

Ordem Projeto Nome no SCA Código

1 Se Liga Realfabetização I 81

2 Novo Realfabetização Realfabetização 2A 82

3 Fórmula da Vitória Realfabetização 2B 83

4 Acelera Brasil Aceleração 1A 84

5 Tecendo o Saber Aceleração 1B 85

6 Autonomia Carioca: Aceleração de Estudos II Aceleração 2 88

7 Autonomia Carioca: Aceleração de estudos III Aceleração 3 89

Fonte: Dados gerados pelo autor com base informações SME – RJ.

Dentre estes Projetos, ainda consta o “Projeto Nenhuma a Menos”, no ano de 2011.

Este Projeto visa a atender os alunos reprovados que não foram encaminhados para nenhum

projeto. Cada escola deve traçar um Plano Ação para atender estes alunos. Os assistidos

compreendem: alunos retidos no 3º ano e alunos que fizeram o Realfabetização no ano de

2010 e não avançaram.

Ao término de cada Projeto, os alunos são reenturmados de acordo com suas idades e

desempenho, podendo ser encaminhados para projetos que condensem duas séries em um ano

letivo, para o PEJA, ou seguirem o fluxo normal, neste caso já adequado em relação a

idade/série. O objetivo é corrigir o fluxo escolar idade/série.

3.3 Pressupostos Pedagógicos

Os alunos no Projeto Realfabetização são orientados pela metodologia (IAS) – esta é

voltada para uma gestão de resultado, baseado em metodologia própria composta por:

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recursos gerenciais, didáticos e humanos. Dentre o material de apoio do projeto, existem as

matrizes, que são descritores de habilidades, com os indicadores de sucesso a serem

monitorados: deveres de casa, contabilidade de falta dos professores, contabilidade de falta

dos alunos, livros paradidáticos lidos pelos alunos e professor e dados posicionais da situação

de leitura e escrita dos alunos; diagnósticos da realidade educacional, com relatórios de

acompanhamento e avaliações (provas do IAS).

Após o professor preencher as matrizes avaliativas de cada aluno mensalmente, são

recolhidos os dados e entregues para o itinerante, que leva os dados para serem condensados

pelo Sistema do Instituto Ayrton Senna de Informações (SIASI). O IAS desenvolveu

inúmeros projetos. A Rede Vencer se constitui dos seguintes programas:

• Os programas Se Liga (atende os alunos não alfabetizados com distorção

idade/série) e o Acelera Brasil (atende os alunos oriundos do programa Se Liga para

aceleração da aprendizagem);

• O programa Circuito Campeão, responsável pela alfabetização, nas séries

regulares do Ensino Fundamental, fazendo o gerenciamento das quatro primeiras séries;

• O programa Gestão Nota 10, que cuida da gestão das unidades escolares e das

secretarias municipais e estaduais de educação;

O Programa Se Liga, portanto, faz parte da Rede Vencer. Desta forma, o Projeto

Realfabetização que utiliza a mesma metodologia do programa Se Liga, também se baseia no

Método Dom Bosco. Segundo explicação documental do próprio IAS, a proposta pedagógica

deste método voltado em sua origem para a alfabetização de jovens e adultos, foi adaptada

pelo IAS para crianças. Este método é conhecido no Brasil desde a década de 1960.

Reconhecido como método eclético por trabalhar as sílabas das palavras-chaves, apresentando

um desenho gerador. No manual de orientações IAS, escrito por Miskalo (2009, p.4), consta

que o mesmo é inspirado em duas orientações do educador Paulo Freire:

- contextualização para compreensão crítica do significado da leitura; e

- uso de palavras-chave para promover essa contextualização.

Quanto aos materiais pedagógicos, cada turma do Projeto Realfabetização recebeu um

kit com materiais didáticos específicos, contendo uma caixa de livros de literatura, composta

de 30 títulos diferentes, material dourado, para trabalhar a matemática e alfabeto

emborrachado (letras móveis). Cada discente recebeu um módulo de alfabetização (“cartilha”)

e um caderno de atividades.

O método segue um cronograma com 42 aulas para ser seguido pelo professor. São 25

palavras-chave cuja apresentação deve ser contextualizada por meio de uma discussão-

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diálogo a partir do conhecimento prévio dos alunos. O desenho-gerador é o recurso que dá

origem à grafia da palavra-chave, expressa significado e associa ideias. A escrita deve ser

feita em letra cursiva e de imprensa, para que o aluno se familiarize simultaneamente com os

dois tipos de letras.

O instituto garante em documentos oficial e no seu próprio site, que o sucesso chega a

atingir 95% de alfabetizados. Ainda esclarece que, em muitos casos, os alunos aceleram sua

aprendizagem “pulando” para séries seguintes. As aulas são pensadas para cumprir 200 dias

letivos com atividades. A rotina deve ser rigorosamente marcada com tempos previstos para

as atividades. As etapas da rotina básica são:

Tabela 9: Passos da aula do Projeto Realfabetização

ATIVIDADE TEMPO

Acolhida

Curtindo as leituras

Correção do para casa

Desenvolvimento das atividades (palavra chave-diálogo; exploração do

módulo de alfabetização; exploração do caderno de atividades)

Revisão do dia

Para casa

Fonte: Dados de Instruções do Instituto Ayrton Senna (2011)

O importante no Projeto é que o professor siga os passos bem orientados,

acompanhando a metodologia exposta acima. Uma rotina que não deve ser modificada, com

passos demarcados. A tabela 10 mostra o número das aulas e o conteúdo a ser seguido.

Tabela 10: Aulas sequenciais do Projeto Realfabetização

Número da aula Conteúdo

01 TA

02 PA e FA

03 VA e BA

04 DA e LA

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05 MA e NA

06 Vogais, artigos e encontros vocálicos

07 Vogais nasais e vogais acentuadas

08 Famílias silábicas

09 Família silábica do TA

10 Família silábica do PA e FA

11 Família silábica do ????

12 Família silábica do DA

13 Família silábica do LA MA

14 Família silábica do NA

15 Família silábica do RA

16 Família silábica do RRA

17 R intermediário

18 Família silábica do ZA

19 Família silábica do AS

20 Família silábica do SSA

21 Família silábica do CA

22 Família silábica do ÇA

23 Família silábica do CE CI

24 Família silábica do QUA

25 Família silábica do JÁ

26 Família silábica do GA

27 Família silábica do GUA

28 GE GI

29 Família silábica do HÁ

30 Família silábica do LHA

31 Família silábica do NHA

32 Família silábica do CHA

33 Família silábica do

34 Encontro consonantais tra ter tri tro tru / pra pre pri pro pru/ fra fre

fri fro fru

35 Encontros consonantais

Vra vre vri vro vru/ bra bre bri bro bru brão/ Dra dre dri dro dru/

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cra cre cri cro cru crão

36 Encontros consonantais

tla tle tli tlo tlu/ fla fle fli flo flu/ bla ble bli blo blu

37 al el Il ol ul

38 S, Z e R finais

39 N intermediário

40 M intermediário

41 Alfabeto

42 Quadro silábico

Fonte: Dados do Instruções Instituto Ayrton Senna (2011)

As aulas devem seguir a ordem. Não podem ser “puladas”, pois segundo o manual de

orientações do professor, no Programa Se Liga ou Projeto Realfabetização, nada acontece de

improviso e por acaso. “Todas as ações seguem a lógica do sucesso do aluno, do trabalho

pedagógico eficiente e da construção de ambientes favoráveis à aprendizagem” Miskalo

(2009, p.8).

Existe uma sistemática diária que deve ser respeitada. O aluno é acolhido com uma

dinâmica motivadora criada pelo professor, que deve durar em torno de 20 minutos. Logo

após, na etapa “Curtindo as leituras”, os alunos devem contar o que leram nos livros, que

fazem parte da caixa de literatura e que fora levado para casa (mesmo sem terem lido, devem

relatar o que alguém leu ou contar uma história mediante sua imaginação quando os livros só

tiverem gravuras). Então marcam um “X” no quadro correspondente ao título do livro. Depois

a professora pergunta quem fez os trabalhos de casa. Neste momento, cada aluno se levanta e

assinala no quadro (material do projeto que deve ficar visível na sala) um “X” com uma

canetinha nas cores: vermelho, verde e amarelo, onde respectivamente significam: não fez o

trabalho de casa, fez o trabalho de casa e faltou.

Ao término desta, a professora vai “Desenvolver a Atividade”- deve lançar o fonema

do dia e respeitar a nomenclatura da aula programada conforme descrito na tabela acima, que

pode variar, entre dois ou três dias de aplicação. O aluno ainda conta com dois livros: sendo

um de exercícios para dar continuidade ao seu aprendizado e o outro uma ““cartilha”” ou

módulo de alfabetização. Com relação ao item Revisão do Dia – o professor deve levar o

aluno ao final da aula a dizer e ele vai registrando no quadro o que fez no dia em sala. O “Para

Casa”, consiste em criar hábitos de responsabilidade no educando, reforçando as aulas com

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111

tarefas para serem feitas em casa. No dia seguinte, a rotina começa e logo depois da Acolhida

se corrige o dever de casa, sinalizando no cartaz fixo à sala, quem fez e quem não fez,

começando tudo novamente.

A sistemática da supervisão do Projeto - O professor itinerante (elo de ligação entre o

professor regente da turma, e a CRE), compete em reportar suas anotações, feitas uma vez por

semana em sala de aula com o Projeto Realfabetização e condensá-las em um relatório mensal

para entregar a CRE, que remeterá ao SIASI do IAS. O professor itinerante passa a

apoiar/monitorar o professor regente em suas ações pedagógicas. O itinerante se

responsabiliza por quatro turmas do projeto, dentro da CRE. Ele faz uma “visita- surpresa”

semanal aleatória às turmas para controle da efetivação do projeto. Durantes os encontros

quinzenais ou mensais, o professor itinerante socializa informações e experiências com os

demais professores regentes do pólo. No primeiro ano de implantação, este encontro ocorreu

com intervalos maiores seguindo o calendário de encontros programados pela SME para todos

os professores da rede, independente daqueles que estiveram à frente com Projetos. No ano

seguinte, em 2010 os encontros se escassearam mais ainda.

3.4 Avaliação no Projeto Realfabetização

A avaliação durante o ano letivo é feita de maneira formal, por meio dos dados

processual e censitário dos alunos, através de instrumentos padronizados e desenvolvidos pelo

Instituto Ayrton Senna, ou seja, as matrizes de habilidades. Nelas, constam os conteúdos a

serem desenvolvidos pelo professor, nas disciplinas: de Português e Matemática. Durante o

ano letivo são aplicadas as provas oriundas do IAS, que devem ser corrigidas pelo professor

mediante uma sistemática de pontuação que acompanha as provas. Em média são seis

avaliações: três de português e três de matemática. Elas devem ocorrer logo após as aulas de

números: 14; 21 e 32 com bases nas matrizes de descritores de habilidades. O professor pode

realizar suas avaliações, mas a que constará é a avaliação do Projeto.

O Instituto Carlos Chagas avalia, desde 2001, o Programa Se liga e, com esta

avaliação, o IAS montou uma escala de proficiência em alfabetização, organizadas em níveis

de desenvolvimento de habilidades esperadas para o período – as matrizes de habilidades.

As matrizes de habilidades devem ser preenchidas pelo professor informando se cada

aluno consegue ler palavras, frases ou pequenos textos; se escreve palavras, frases ou se

consegue elaborar um pequeno texto, entre outras habilidades seguindo esta métrica avaliativa

e censitária, que deve ser entregue àa professora itinerante. Existe também a matriz de

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112

habilidades dos livros paradidáticos, onde são assinalados os livros lidos por cada aluno, pois

a meta é que o aluno leia os 30 livros da Cesta de Livros que acompanha o Projeto, até o final

do ano letivo. Ao fim do projeto, os alunos são encaminhados para o Projeto Acelera de

autoria do IAS, para acelerar a aprendizagem. Importante ressaltar que, a aprovação deste

aluno é competência exclusiva do IAS, que se baseia nos dados de controle da matriz

gerencial do programa e, portanto, o professor não participa desta decisão.

Segue modelo da matriz mensal onde deverá constar a produtividade, (palavra

repetitivamente usada para explicitar as orientações pedagógicas do Programa) de todos os

alunos da turma.

Quadro 2: Ficha mensal de leitura e escrita 1 - Programa Se Liga

Município____________________________Ano de referência__________________

Código da escola_______________________Escola___________________________

Código da turma_______________________Supervisor_______________________

Professor_____________________________Mês____________________________

Nº Nome do

Aluno

Leitura Escrita

1-A

ind

a n

ão lê

2-

som

ente

p

alav

ras

3-

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to

Co

eso

s

1 2

Fonte: Dados do Instruções Instituto Ayrton Senna

3.5. Problematização da Alfabetização

A população brasileira, segundo dados do IBGE (2009), é constituída de 191.480.630

cidadãos e destes 30%, ou seja, 57.444.189 brasileiros são classificados entre analfabetos e/ou

analfabetos funcionas, entre a população com mais de 15 anos (dados obtidos através do

PNAD (2009), onde 9,7% são analfabetos absolutos e 20,3% analfabetos funcionais). Ao

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113

comparar o número de analfabetos do Brasil e o número da população total da Argentina em

2009, onde se constituía de 40.134.000 (PNAD 2009) habitantes, se pode perceber que o

número de analfabetos do Brasil é maior que a população da Argentina. Brasileiros que se

encontram marginalizados de diversas formas dentro do seu próprio país.

A tabela 11 mostra os percentuais de analfabetos e analfabetos funcionais em todos os

estados do país. A posição do estado do Rio de Janeiro no mapa do analfabetismo absoluto é a

3ª melhor, e a 5ª posição em relação aos analfabetos funcionais e, o município do Rio de

Janeiro possui a taxa de 2,94% analfabetos em 2010 segundo o IBGE (IBGE, 2010).

Tabela 11: Analfabetismo Funcional por estado no Brasil 2009

Estado Posição Analfabetismo (%) Posição

Analfabetismo

funcional (%)

Amapá 1 2,8 7 16,1

Distrito Federal 2 3,4 1 8,9

Rio de Janeiro 3 4,0 5 14,1

Rio Grande do Sul 4 4,6 4 14,1

São Paulo 5 4,7 2 13,2

Santa Catarina 6 4,9 3 14

Paraná 7 6,7 9 18

Roraima 8 6,7 6 15,9

Amazonas 9 7 8 17,8

Espírito Santo 10 8,5 12 20

Minas Gerais 11 8,5 10 19,6

Goiás 12 8,6 11 19,7

Mato Grosso do Sul 13 8,7 13 21,5

Rondônia 14 9,8 15 23,6

Mato Grosso 15 10,2 14 21,9

Pará 16 12,2 17 25,7

Tocantins 17 13,5 16 25,3

Acre 18 15,4 18 26,1

Sergipe 19 16,3 21 28,6

Bahia 20 16,7 23 30,6

Pernambuco 21 17,6 19 27,8

Rio Grande do Norte 22 18,1 20 28

Ceará 23 18,6 22 29,5

Maranhão 24 19,1 24 31,7

Paraíba 25 21,6 25 33,4

Piauí 26 23,4 27 37,5

Alagoas 27 24,6 26 36,5

Page 114: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

114

Brasil 9,7 20,3

Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - 2009

A Organização das Nações Unidas divulgou uma classificação feita pelo Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNAD, 2009), onde a classificação da educação

brasileira ficou em (73ª) lugar. O Brasil ficou atrás do Chile (45º), Argentina (46º), Uruguai

(52º), México (56º) e Peru (63º), num universo de 169 países pesquisados. A meta do Plano

Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2009) que deveria ter sido atingida até 2010, para

erradicar o analfabetismo não foi alcançada. Os desafios permanecem para este início de

século XXI. Erradicar o analfabetismo não é uma questão simples num país com macros

regiões, mas deve ser tratado como prioridade na agenda política.

O Brasil, em conjunto com 191 países-membros, assinou um pacto para atingir oito

metas prioritárias para o milênio (Declaração do Milênio, aprovada pelas Nações Unidas

(ONU) em 2000) Entre esta, a segunda foi de “atingir o ensino básico universal” (ONU,

2000). A questão do acesso escolar pode-se dizer resolvida, mas a questão crucial é garantir a

educação de qualidade, para que as escolas não sejam usinas de analfabetos.

Foi instituído o dia oito de janeiro, como o “dia mundial da alfabetização”. Um passo

pontual que sinaliza apenas o conhecimento mundial da situação de exclusão nos diversos

países. No Brasil, alunos nos interiores das escolas, continuam analfabetos e, isto é patente

pelo número de programas implantados em todo Território Nacional. O assunto deve ser

trazido para o centro das discussões e, se pensar em conjunto, soluções que venham a

erradicar o analfabetismo no Brasil.

As escolas não podem produzir analfabetos, portanto não se pode fechar os olhos para

os discentes que se encontram nos interiores das mesmas, excluídos do mundo da leitura e da

escrita. Esta é uma exclusão includente. O aluno está inserido no espaço físico escolar, porém

sem usufruir dos benefícios da educação, sendo conduzido a alimentar o processo econômico

de produção e fortalecer as bases da economia capitalista, mediante reserva de mão-de-obra

barata no mercado futuro.

Sem educação não existe saída. Ela sozinha não garante a liberdade e a democracia,

mas é um caminho, uma arma do cidadão na luta por justiça e igualdade social. Com

educação, o indivíduo reivindica, correlaciona, interpreta, avalia, escolhe caminhos que

melhor se adequam com suas perspectivas. Com educação, a civilidade pode frutificar no

sentido de se obter relações de fraternidade e humanidade com os semelhantes e o mundo que

os rodeia, porque o sentido maior da educação é tornar o indivíduo pleno, é compartilhar, é

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115

possibilitar permanentes aprendizagens, é compreender e respeitar as diferenças humanas.

Para tanto, educação precisa significar oportunidades igualitárias para todos.Os primeiros

passos para esta educação perpassam pela alfabetização.

Soares (2003, p.15), diz que alfabetização é "em seu sentido próprio, específico:

processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita". A autora afirma

que, "a alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas, e vice-versa,

mas é também um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código

escrito" (SOARES, 2003, p.16). A autora analisa a etimologia do termo alfabetização. “Levar

a aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de

ler e escrever”. Soares (2003) explica que

[...] há dois processos correlatos, que devem ser observados ao se referir a uma

pessoa alfabetizada. O primeiro é o Processo da aquisição da língua oral e escrita,

que dará bases para a continuidade do aprender e o segundo processo, é o de

desenvolvimento desta oralidade e da escrita com função social. Esta passará ser

consubstanciado com a capacidade expansiva do ser humano até a morte. (SOARES,

2003 p.15)

Ela ainda chama a atenção que, dependendo da sociedade, o conceito poderá

modificar, pois envolvem valores culturais, econômicos, políticos de um determinado povo. A

alfabetização envolve muitos aspectos e nestes devem estar implícitos a capacidade do

indivíduo de ler e compreender vários textos, adequar e interpretar gestos e falas não ditas;

decodificar expressões matemáticas, desenhos, gráficos, criticar opiniões, criar

conhecimentos, entre tantas outras formas simbólicas de se ler, escrever, sentir e viver o

“mundo”. Este mundo está em constante resignificações e o conceito de alfabetização também

se transforma, substanciando-se, frente às relações humanas multifacetadas. A definição dada

por Gagliari (1989, p.53) evidencia a função social da alfabetização, mostrando que uma

pessoa alfabetizada sabe fazer uso dos códigos linguístico-gráficos.

Alfabetização é o processo pelo qual as pessoas aprendem a ler e a escrever.

Entretanto, esse aprendizado vai muito além de transcrever a linguagem oral para a

linguagem escrita. Alfabetizar-se é muito mais do que reconhecer as letras e saber

decifrar palavras. Aprender a ler e a escrever é apropriar-se do código linguístico-

gráfico e tornar-se, de fato, um usuário da leitura e da escrita (CAGLIARI, 1989,

p.53).

Outra definição foi dada pela Conferência Internacional de EJA, onde a UNESCO

conceituou a alfabetização como:

[...]conhecimento básico, necessário a todos num mundo em transformação; em

sentido amplo, é um direito humano fundamental. Em toda a sociedade, a

alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o

desenvolvimento de outras habilidades. [...] a alfabetização tem também o papel de

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116

promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais,

além de ser requisito básico para a educação continuada durante a vida (UNESCO,

1999, p. 23).

O IAS, em documentos oficiais de sua autoria, conceitua alunos alfabetizados,

explicitando que:

[...] no programa “Se Liga” para fins de registro nos formulários “Resultados

Finais”, do SIASI, os alunos que, além do estabelecimento da relação entre letras e

sons, são capazes de relacionar palavras e frases a desenhos, localizar informação

explícita, em destaque, em um cartaz ou em pequeno texto; escrever, com

possibilidade de leitura, pelo menos, um parágrafo de acordo com o tema solicitado.

Nessas condições o aluno segundo o IAS ultrapassou a barreira do analfabetismo ao

ser capaz de associar fonema-grafema, embora desconheça as convenções da

escrita” (IAS, 2009, p. 62)

Esta conceituação do IAS demonstra uma fragilidade, pois o aluno não pode ser

considerado alfabetizado por ler e escrever bola. Ler não é um ato simples em unir apenas

grafemas e fonemas. Necessita que o indivíduo analfabeto compreenda a funcionalidade do

ler/escrever para se sentir motivado a fazê-lo. Freire (1989, p.71) é categórico ao analisar o

conceito de analfabeto: “O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler e

escrever. Prepara-se para ser o agente desta aprendizagem. E consegue fazê-lo na medida em

que a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler”.

Portanto, o ato de ler e escrever não são atos mecânicos. A alfabetização é um

processo de desvendamento do mundo, que precisa estar apoiado nas experiências pessoais e

coletivas do indivíduo. Freire (1989) combatia a educação bancária que considera o aluno em

uma “tábua rasa” um receptáculo do saber, um ser passivo nos moldes tradicionais (FREIRE,

1989), indicava a educação como ferramenta de transformações sociais, que levasse o homem

a ser capaz de modificar o curso de sua própria história, através da conscientização coletiva.

Acreditava que a educação deveria se assentar no diálogo, na criticidade, na participação ativa

entre os sujeitos com respeito mútuo às diferenças.

Soares (2005 p. 24) define alfabetização como: “um fator propulsor do exercício

consciente da cidadania e do desenvolvimento da sociedade como um todo”. Pode-se

entender, que a alfabetização é um processo humano, onde as habilidades cognitivas, afetivas,

psicológicas, sociais, motoras, entre outras, se desenvolvem em consonância com os códigos

linguísticos e passam a ter significação, no meio onde se esteja inserido. Parafraseando Paulo

Freire, é o meio pelo qual o indivíduo passa a ser o autor de sua própria história. Esta história

se aprimora com a decodificação destes símbolos e uma vez apreendido, será possível dar

continuidade à educação para a vida.

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117

Ao se refletir sobre o nome do Projeto Realfabetização, apreende-se que o nome do

Projeto não é adequado, pois remete a ideia, que se esteja alfabetizando outra vez o discente.

No “Projeto (Re)alfabetização” em questão, o aluno não está sendo (re) alfabetizado. Ele está

se alfabetizando, ou seja, compreendendo e interpretando os códigos linguísticos, que até

então, eram desconhecidos, portanto, esta designação remete a uma ideia imprecisa do

conceito de alfabetização. Uma vez o indivíduo alfabetizado, não terá necessidade de voltar a

ser alfabetizado, ou seja, refazer aquilo que já sabe.

No município do Rio de Janeiro, o Projeto Realfabetização é a prova patente que,

alunos estão frequentando as salas de aulas nos 2º, 3º, 4º e 5º anos e permanecem analfabetos.

Neste sentido, políticas governamentais que venham ao encontro de soluções, são bem-

vindas. Para tanto, os dados precisam ser melhor divulgados e analisados. O envolvimento

dos professores neste processo é imprescindível para sinalizar os ganhos dos alunos, assim

como o resultado da política aplicada.

Falar em alfabetização é falar em letramento. O termo letramento surgiu em 1985, por

Kato (1986), e existe um desconhecimento sobre o que seja, ou que um conceito tenha

suplantado o outro. Alfabetização e Letramento são conceitos contíguos, que se completam no

processo ensino-aprendizagem. Soares define letramento como:

letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e escrita, em um

contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades,

valores e práticas sociais, ou seja, é o conjunto de práticas sociais relacionadas à

leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social.

Soares (1998, p.72),

Interpretando o conceito se percebe que letrada é a pessoa que faz uso das habilidades

de leitura e escrita no contexto da prática, ou seja, da alfabetização; que compreende o que lê

num rótulo de produto no supermercado e faz inferências; que lê um jornal ou revista e critica

a notícia. Por isto, a realidade em sala de aula deve privilegiar o mundo real, os diversos

textos que circulam no cotidiano das pessoas: receitas de remédios, de bolos, jornais, encartes

de supermercados, entre tantas escritas e leituras. Portanto, alfabetização e letramento não

podem estar dissociados, são momentos interdependentes.

Há muito que as “cartilhas” foram reformuladas pelos educadores, por se entender que

não se contextualizava a realidade vivida pelos educandos, então, não é profícuo reativá-las.

O material para se trabalhar “alfabetizaletrando” deve ser aqueles que estão em circulação na

sociedade, criando situações de representatividade na vida dos discentes. Para tanto, há de se

partir de um conhecimento prévio dos educandos, da sua realidade. Construir com eles novos

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118

passos e refletir sobre novas possibilidades. Um processo dinâmico de desconstrução e

construção permanente.

3.6 Abrangência do Instituto Ayrton Senna no Brasil

Segundo o site do próprio Instituto Ayrton Senna, consultado no dia 23/09/2011, o

Programa “Se liga” foi criado no ano de 2001 e já atendeu 71.661 crianças; formou 4.475

educadores e se encontra em 25 estados da Federação e mais o DF. Sendo um total de 802

municípios atendidos até 2010. Objetiva em um ano alfabetizar os alunos participantes, para

que possa na próxima etapa frequentar outro Programa, o Acelera Brasil e depois retornar à

rede regular. A área demarcada corresponde aos municípios que adotaram a metodologia do

IAS

Figura 3: Abrangência do Instituto Ayrton Senna

Fonte: IAS, 2010.

A Presidenta do Instituto Ayrton Senna é a Srª. Viviane Senna. O IAS é uma

Organização não-governamental sem fins lucrativos. Foi fundada em novembro de 1994 pela

irmã do falecido piloto Ayrton Senna. O Instituto participa ativamente do sistema educacional

de vários municípios, sendo conhecido internacionalmente por Organismos Internacionais.

Segue a linha do tempo do IAS:

1994 – Ayrton Senna lança o personagem Senninha em fevereiro. Fundação do Instituto

Ayrton Senna em novembro.

1995 – Começa o atendimento a crianças e jovens com o Programa Educação pelo Esporte.

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119

1996 – Início da estratégia de atuação em escala, aliando criação de soluções educacionais e

mobilização da sociedade.

1997 – Lançado o Programa Acelera Brasil.

1998 – Início da aliança com a imprensa: 1º Grande Prêmio Ayrton Senna de jornalismo

1999 – A base da construção do conhecimento e das ações educacionais passa a ser o

Paradigma do Desenvolvimento Humano e os Quatro Pilares da Educação

2001 – Lançado o Programa Se Liga.

Criação do SIASI – Sistema Ayrton Senna de Informação.

2002 – As soluções educacionais são adotadas em quase todos os Estados brasileiros.

Lançado o Programa Gestão Nota 10.

2003 – A UNESCO concede a chancela para a Cátedra de Educação e Desenvolvimento

Humano.

2004 – Criação do Centro Avançado de Tecnologias Sociais.

Lançado o Programa Circuito Campeão.

1ª Maratona de Revezamento Ayrton Senna Racing Day

2005 – Lançados Programas: Comunidade Conectada e Escola Conectada.

2006 – O GP de Jornalismo passa a ser bienal.

2007 – Início do Curso de Desenvolvimento Humano para Jornalistas, em parceria com a

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com o apoio do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

2009 – Comemoração dos 15 anos do Instituto Ayrton Senna.

Lançado o Programa Fórmula da Vitória.

Mediante os dados quantitativos apresentados pelo IAS, onde no ano de 2010 se

contabilizava 71.661 educandos alfabetizados pelo programa “Se Liga” e o número de

municípios que adotaram e adotam seus Programas, ou seja, 802 municípios, somente com

este Programa, ficam muitas indagações para os agentes responsáveis pelo Sistema

Educacional do país. Os dados corroboram para se pensar que as escolas públicas perderam

suas capacidades pedagógicas de educar. Uma inquietação para ser investigada em outros

trabalhos de pesquisa.

O IAS tem uma participação ativa nas políticas públicas educacionais no Brasil.

Entender sua dinâmica fora das estatísticas apresentadas, pode ajudar a compreender seus

altos índices de sucesso com seus programas em forma de política educacional e trazer

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120

proveitos à educação. Para tanto, há de se compreender como se constituem as políticas

públicas na prática.

Esta pesquisa busca analisar as avaliações que o professores da 7ª CRE fazem a

respeito do Projeto Realfabetização, como forma de contribuir para o avanço da educação,

trazendo possíveis respostas e indicando possíveis soluções.

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121

CAPÍTULO IV

O PROJETO REALFABETIZAÇÃO SOB O CRIVO DOS DOCENTES DA 7ª CRE

4.1 Abordagem Introdutória

Protagonizar é ocupar o papel de ator principal, é promover, ocupar o primeiro lugar

em algum acontecimento, mas pode ser também a ação de uma pessoa como interveniente em

episódio da vida cotidiana. Desta forma, os docentes protagonizaram a política – Projeto

Realfabetização – no contexto da prática, em sala de aula e na avaliação desta política pública

mediante pesquisa desenvolvida. Apresentaram-se como avaliadores e “inauguraram” um

novo “lugar” dentro da arena política. A apreensão avaliativa dos professores foi interpretada

com base nos conceitos de campo, agente, habitus, capital simbólico e estratégia de Bourdieu,

no contexto da prática, visto que a pesquisa buscou analisar a política educacional com

relação à avaliação feita pelos docentes da 7ª CRE do município do Rio de Janeiro.

Foram analisadas entrevistas e questionários dos principais agentes: professores

regentes, coordenadora e professores itinerantes, permitindo que as vozes dos mesmos

pudessem emergir, servindo de instrumento de avaliação. Os pontos investigados

responderam aos seguintes objetivos específicos: 1- Analisar os momentos e as formas de

participação dos professores da 7ª CRE na avaliação do Projeto Realfabetização; 2- Analisar a

avaliação dos professores da 7ª CRE sobre o Projeto Realfabetização, no que se refere às

concepções pedagógicas que fundamentam o Projeto; 3- Analisar a avaliação dos professores

da 7ª CRE sobre a efetividade do Projeto Realfabetização como política de correção de fluxo

através da alfabetização.

4.2 Perfil dos Docentes do Projeto Realfabetização da 7ª CRE

De um universo de 129 docentes pertencentes a 7ª CRE, entre os anos de 2009 e 2010,

foram pesquisados 50 profissionais, que correspondem a 38,76% do total. Dentre os quais: (1)

professor coordenador, (44) professores regentes e (5) professores itinerantes. Por meio da

primeira parte do questionário foi possível montar um sucinto quadro sociológico do perfil do

professor participante. Os condicionantes ressaltados foram: grau de instrução, o tempo de

exercício da prática docente, o estado civil, o número de filhos, a posse de residência própria,

a proximidade que mora do trabalho, a faixa etária de concentração, assim como o gênero dos

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122

entrevistados e a composição familiar. A tabela 12 mostra detalhadamente os agentes

participantes da pesquisa por anos separados.

Tabela 12: Composição da Amostra da pesquisa

Estes dados e os que se seguem ajudaram a estabelecer uma visão dos docentes

participantes da pesquisa e, com os mesmos, foi possível dimensionar, mesmo que de forma

simplificada, a representação do quadro funcional dos trabalhadores da 7ª CRE frente à

política pública. Cada indivíduo é constituído de uma bagagem cultural mediante ao seu ciclo

social, as oportunidades educacionais que teve, ao meio que vive, entre outros condicionantes,

portanto, conhecer um pouco mais sobre os professores auxilia a interpretar suas avaliações a

respeito do Projeto Realfabetização.

O retrato da amostra apontou para uma massiva concentração do gênero feminino,

com 49 professoras (98 %) e apenas 1 professor do gênero masculino, equivalendo a (2 %). O

que demonstra que os docentes do primeiro seguimento do Ensino Fundamental a frente do

Projeto Realfabetização, são predominantemente constituídos da figura feminina. Estes detêm

a responsabilidade em ampla escala de iniciar os primeiros passos da alfabetização dos

discentes. Foi identificado 25 professores (50%) casados. A faixa etária predominante é de

40-60 anos. A metade dos entrevistados (50%) tem 2 filhos. Verifica-se por estes dados que

são profissionais vividos, que trazem suas experiências de vida de modo geral às salas de aula,

enriquecendo o trato cotidiano com os discentes.

O número de participantes da pesquisa à frente do Projeto Realfabetização de 2009,

foram de 58% dos professores, enquanto os participantes de 2010, foram de 22% que pode

ser justificado pelo quantitativo de turma formado dentro da 7ª CRE, ou seja, 94 turmas em

Anos 13009 2009/2010

Interseção

2009/2010 2010

Interseção

2009/2010

TOTAL

2009/2010 TOTAL

2009/2010

Agentes Professores

participan-

tes do

Projeto

Questioná-

rios

respondi-

dos

Entrevista-

dos e

respondentes

dos

questioná-

rios

Docentes

participan-

tes do

Projeto

Profissio-

nais que

aturam nos

dois anos

Universo

total de

docentes da

7 CRE no

Projeto

Amostra:

docentes

particintes

Regente 88 44 5 20 9 88+20-9=99 44

Itinerante 24 5 3 7 2 24+7-2= 29 5

Coordena-

Dor 1 - 1 1 1 1 1

Total 113 49 9 28 12 1 2 9 50

Fonte: Dados Gerados pela Autora

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2009 enquanto no ano de 2010, foram contabilizadas apenas 19 classes. E 20% participaram

nos dois anos consecutivos de 2009/2010. Foi notado ainda, que 80% destes profissionais

possuem residência própria e 52 % não trabalha no mesmo bairro que residem, mas pela

proximidade de sua residência. Interpretando ainda os dados da parte inicial dos

questionários, constatei que, a maioria das mães dos entrevistados são “Do Lar” e os pais

aposentados, o que justifica-se pela faixa etária da maioria dos docentes participantes na

pesquisa. Os filhos, a maioria ainda são estudantes. Profissões diversas foram registradas dos

parceiros conjugais, quer sejam namorados, maridos ou cônjuge de união estável, porém as

maiores incidências foram para profissões técnicas e de professores, lembrando que muitos

respondentes não preencheram este campo.

Os professores são profissionais experientes quanto ao tempo de profissão.

Comparando as duas faixas de concentração na prática docente, encontrei: de 20-25 anos,

correspondendo a (43%) e na primeira faixa de tempo de serviço de 5-10 anos com (27%).

Pode-se atestar que a maioria dos professores são experientes na prática docente, ao se

valorizar o tempo profissional.

Um dado bastante relevante foi a constatação que 33 professores, correspondendo a

(66%) dos entrevistados, têm nível superior; que 11 têm pós-graduação, representando (22%);

1 professora possui mestrado, ou seja (2%) e apenas 5 professores, equivalendo a (10%)

detém o nível normal. Os dados expostos aqui revelam, que o corpo docente a frente deste

Projeto é formado por pessoas com nível educacional elevado, embora isto não garanta a

melhora na qualidade educacional, tanto que é real a existência de crianças analfabetas dentro

das escolas nos 4º e 5º anos ainda hoje na rede municipal do Rio de janeiro. A escolaridade

dos professores brasileiros vem crescendo sensivelmente nos últimos anos, em virtude da

legislação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9.394/96 passou a recomendar

formação em nível superior para os docentes dos primeiros anos do Ensino Fundamental.

A Tabela 13 abaixo atesta as análises feitas, por meio dos dados construídos no

trabalho em campo retirados de documentação oficial repassados pela 7ª CRE com relação ao

Projeto Realfabetização.

Passo a responder as questões propostas pela pesquisa mediante construção de tabelas,

exposição de documentos, extratos de entrevistas para consubstanciar as análises feitas.

Ressalto que, em muitos momentos, a avaliação do Projeto Realfabetização enquanto política

pública funde-se com o próprio trabalho docente, pois ao fazer suas escolhas e agir de acordo

com sua convicção o professor participa da política pública e adapta os textos legais à prática

cotidiana, confirmando a concepção do ciclo de política descrito por Bowe et al. (1992).

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Tabela 13: Síntese de Atendimento ao Projeto Realfabetização em 2009 e 2010

Anos

Número de

escolas

Número de

turmas

Número de

alunos no

início do ano

letivo

Número de

alunos no final

do ano

2009 56 94 2057 1862

2010 18 19 345 306

Fonte: 7ª CRE SME – RJ

4.3 Análise dos Momentos de Participação dos Professores da 7ª CRE na

Avaliação do Projeto Realfabetização: Conteúdo e Forma

Para efeitos de análise dividirei estes momentos participativos em quatro etapas:

Momento da avaliação inicial; Momento da avaliação dos/com alunos; Momento da avaliação

nas reuniões periódicas e Momento da avaliação final.

Antes de responder a esta questão é importante restituir fatos que são significantes

para se entender os momentos de avaliação dos docentes perante o Projeto, visto que a

maioria dos docentes desconhecia totalmente a proposta desta política pública, ainda no ato de

sua implantação. Segunda a coordenadora da 7ª CRE (Anexo C) houve uma comissão de

professores que foi chamada pela SME para discutir a proposta, porém foi surpresa para os

demais professores e diretores de toda a rede, que de um momento para outro foram

informados do Projeto sem saber do que se tratava. Portanto, não participaram da formulação

e durante a implantação desta política pública em 2009 e 2010 tiveram suas ações

comprimidas. O que prevaleceu foi toda metodologia vinda do IAS, desde os momentos

iniciais até o término do ano letivo.

Antes que os professores regentes assumissem as turmas, em 2009 já havia sido

aplicada e corrigida as provas diagnósticas do IAS a todos os alunos do 4º e 5º anos da rede

municipal. Os professores foram convidados na maioria dos casos pelas escolas e

coordenação a participarem como professores regentes alfabetizadores e professores

itinerantes do projeto, respectivamente, ou seja, como tarefeiros da política pública.

Inicialmente não sabiam da constituição da proposta. O primeiro momento de contato

da grande massa de professores da rede municipal do Rio de Janeiro com esta política

educacional ocorreu já na semana de capacitação no Hotel Windsor, situado na Barra da

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Tijuca- RJ. Não houve uma consulta prévia aos professores da rede, onde pudessem discutir

as melhores estratégias para se alfabetizar os alunos com defasagem idade/série, conhecer a

proposta do governo. Portanto, estes primeiros momentos da discussão inicial da proposta e

implantação da mesma, foram negados a ampla participação dos professores. A partir destes

fatos é que se compreendem as discordâncias dos docentes em relação as ideológicas, aos

métodos e processos na concretude do Projeto Realfabetização.

4.3.1 Momento da Avaliação Inicial

Durante a semana de capacitação, quando os professores foram apresentados ao

Projeto houve uma surpresa em relação ao método que seria utilizado, pois a volta da

“cartilha” era eminente. Muitos professores questionaram este retrocesso, porém, boa parte

dos professores no ato da apresentação se sentiu confortável pela familiaridade com as

“cartilha”s. Por certo as entrevistas mostram divergências entre a concordância com o método

utilizado pelo IAS, entre as docentes BBBBB e AAAAA, mas o fato é que todos adaptaram o

método antigo com novas concepções, isto fica claro nas vozes de todos entrevistados.

Esta semana de capacitação em 2009 teve uma carga horária de (8) oito horas diárias,

durante uma semana completa. Nela foi ensinada toda a sistemática que envolvia e envolve o

Projeto, ou seja, como fazer o plano de aula, seguindo os tempos determinados para cada

atividade, ponto muito importante do Projeto; preencher os descritores avaliativos de

leitura/escrita, mensais, de cada aluno; usar os quadros expositivos de deveres de casa e de

como era feito a marcação das leituras feitas pelos alunos perante o quantitativo de livros

paradidáticos no quadro de controle, entre outras tarefas.

Esta primeira avaliação foi um misto de “novidades antigas”, ou seja, a volta da

“cartilha” e a silabação, porém com a constatação que haveria um controle rigoroso das

atividades, sejam por preenchimento de fichas como pela presença do itinerante que passaria a

observar as aulas uma vez por semana. Muitas dúvidas presentes neste momento, pois o

Projeto estava sendo apresentado e, portanto, fugia ao controle das adversidades que iriam ser

encontradas no decorrer do Projeto. Algumas questões foram levantadas, mas eram mediadas

pela supervisora do IAS e a mesma relatava histórias de 100% de sucesso dos alunos do

nordeste, que participaram do Projeto, tentando tranquilizar e passar confiança para os

professores regentes. Segue recorte da entrevista, com a professora regente AAAAA ao se

deparar pela primeira vez com a sistemática e materiais pedagógico do Projeto

Realfabetização:

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Professora regente AAAAA: [...] No dia que eu conheci o Projeto, naquele belo

domingo de sol, né?!(tom crítico), no primeiro ano, que eu estava no Windors , nós

conhecemos...né?! O primeiro ano foi lá..né?!..que eu estava no Windors, né?! Que antes do

almoço, ela falou, que para nossa alegria, ela ia deixar a gente olhar o material, eu não voltei

mais!..eu fui embora...depois que eu vi aquela “cartilha”, que tinha que cobrir o “D”o “P” eu

não voltei mais! Eu fui embora do curso e não voltei. disse para XXXXX (diretora): - estou

horrorizada, porque eu acho que isto não condiz...eu nem conhecia a turma, mas eu sabia que

eram oriundos do 5º ano..independente do que eles sabem ou não sabem, não é isto que ia

atrair, mas aí eu acho assim, para você criticar alguma coisa, você tem que conhecer... E tem

que conhecer bem, para você mostrar onde está o problema. Eu SEGUI TOTALMENTE a

proposta do Se Liga e enxertava com coisas que eu achava interessante...colocava coisas

novas... fazia a criança TER prazer naquilo que ela estava fazendo, apesar de eu não ter. Eu

tentava mostrar para ela que aquilo era “legal,”né?! Quando a gente tinha que ler o texto do

“tatu”...Gente...onde o tatu entrou no buraco? (Referindo-se á sua prática em sala conversando

com os alunos) ..desenhe ele num buraco e vamos ver onde ele vai parar?....e a agente fez o

tatu de lixa...isto mesmo com a turma dos mais velhos.entendeu?.porque eles curtiram...olha o

tatu...vamos ver o vídeo do tatu...quer dizer....tentei estimular a criança e mostrar que aquilo

era prazeroso e interessante....eu não podia chegar para ela e falar: olha esta porcaria deste

material é torto ...sem uma cor, sem um desenho, sem nada.....primeira coisa que eu falei: [voz

doce neste momento] quando eles olharam o material..né?! Nós embrulhamos para

presenteee...para entregar para as crianças, né?!...porque...só é desta turma quem é

ESPECIAL (falava em tom mostrando sua prática em sala conversando com os

discentes)quem tem um QUÊ a mais! Quem não tem, não é! A escola deu esta visão pintou a

sala, a escola comprou papel de presente, a escola pintou a sala , única sala de 2009 que foi

pintada.

Entre surpresas, discórdias e concordâncias com a metodologia do projeto, ele já era

dado como certo, ou seja, ele seria implantado nos dias que se seguiam em toda a rede. A

política foi implantada de cima para baixo, cabendo aos professores neste instante,

aprenderem a sistemática do Projeto apenas, não que o descontentamento não tivesse havido,

mas foram contornados pelas dinamizadoras do IAS.

O primeiro momento efetivo do professor regente veio com luta, em terreno conhecido

pelo professor, ou seja, na sala de aula, no contexto da prática, onde os docentes constataram

que havia alunos com perfis inadequados ao Projeto. A partir de então foi reivindicada a saída

destes alunos já alfabetizados da turma através de negociações entre a direção da escola e a

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coordenação da CRE. No final do processo os professores foram atendidos parcialmente, isto

porque houve divergências quanto à permanência destes alunos na turma. Diante da rigidez do

quantitativo de alunos em sala, só foi possível negociar o retorno de certos alunos mediante o

ingresso de novos alunos na turma do Projeto. Desta forma, a participação dos docentes

regentes nesta fase, se deu por meio de contestação, ou seja, de maneira conquistada.

Trouxe dois extratos de entrevistas com professores regentes para servirem de

comprovação dos momentos expostos acima:

Pesquisadora: e essa prova que foi aplicada aqui na escola... nessa escola que você

trabalhava, ela foi corrigida por vocês então... ou por alguém do Instituto?

Professora regente AAAAA: não, nós já pegamos a prova corrigida, tá. Quando a

prova chegou em nossas mãos ela já tinha sido aplicada, corrigida e já tinha uma lista das

crianças que ficariam na turma.

No trecho abaixo, a docente fala da sua descoberta com relação ao perfil do aluno do

Projeto Realfabetização, o qual ela chama o tempo todo de “Se Liga” pois o nome oficial do

Projeto só veio em meio do processo.

Professora regente AAAAA: “quem realmente são as crianças do SE LIGA? E aí

descobrimos, crianças que tinham que limpar o texto, crianças que tinham a leitura, mas que

precisavam apenas de uma fluência, não eram para esse grupo. Então nós já eliminamos

crianças aí! Quando nós voltamos para escola foi a mesma coisa... [...] Sendo que essa lista já

tinha mais de 50 crianças. E aí o que nós fizemos? Nós fizemos uma relação das dúvidas das

provas do SE LIGA... né? Algumas crianças, ficamos com dúvidas, então assim, nós

montamos uma outra atividade e convidamos essas crianças para ficarem com a gente na sala

de leitura por um momento para a gente ver o nível, pra gente ver se realmente aquilo que

aconteceu na prova estava de acordo com tudo que a gente viu de SE LIGA no curso ou se

não estava. [...]. Eles podiam ser crianças com conceito I no quinto ano, por ter questões de

leitura e escrita, mas que não tivesse o perfil de alfabetização inicial. Entendeu?”

A fala do docente pode ser restituída na íntegra nos anexos, o que mostra com riqueza

de detalhes todo o desenrolar dos anos de 2009 e 2010, com os variados problemas da

avaliação inicial para a formação de turmas do Projeto. O professor discorre sobre dois

momentos totalmente diferentes no perfil dos alunos das turmas contempladas. Ele explicita

durante sua entrevista que ao conhecer os fundamentos do Projeto na semana de capacitação,

em 2009 percebeu que um grande número de alunos selecionados não se enquadrava dentro

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da proposta do Projeto, pois apresentavam problemas a serem superados, o que ele chamou

de: “limpar o texto”, ou seja, alunos que apresentavam dificuldades na escrita mais elaborada,

porém não eram analfabetos. O professor AAAAA com apoio da direção criou uma estratégia

de reavaliação com seus discentes que não estava prevista no escopo do Projeto. Este

professor fala o tempo todo no apoio que teve da sua diretora. Este é um ponto importante

para ser observado, pois quanto maior convergência de ideias entre a equipe de trabalho

dentro da escola, foi possível constatar um trabalho mais coeso.

Outra fala deste momento inicial vem com a professora regente BBBBB. No trecho

abaixo trago um parte do diálogo que tive com a mesma e pergunto se ela constatou ser sua

turma constituída por todos os alunos analfabetos no início do Projeto e a resposta foi:

Professora: não!

Pesquisadora: tinha alunos alfabetizados?

Pesquisadora: como continua tendo....como continua tendo...

Pesquisadora: e aí você questionou sobre isto em algum momento?

Professora: sim, mas o que acontece.... a determinação é...( ) foi aplicada uma prova pra

estes alunos e de acordo com a pontuação dessa prova eles eram encaminhados para o

projeto.

Pesquisadora: então a voz do professor não foi levada em consideração neste momento?

Professora: eu acredito que não...porque eles ficaram na mesma turma e não puderam

voltar...

Professora: eles já tinham entrado....e aluno também que depois, o professor, percebia que

ele podia estar no projeto, também não podiam ir...nem sair e nem entrar” (nesta fala, a

entrevistada se refere aos professores dos 4º e 5º anos que perceberam que alguns alunos

avaliados pelo IAS, como aptos para continuarem nestas turmas, tinham o perfil de aluno para

o Projeto Realfabetização e, mesmo assim, não podiam fazer parte do Projeto).

Estes trechos de entrevistas mostram a deficiência desta política pública, que se

apresentou inconsistente na forma de avaliar os alunos para a fase inicial da montagem da

turma, porque o professor não foi chamado a participar deste processo. Provas estanques,

estáticas e, por isso mesmo, se mostrou ineficiente.

A segunda professora apesar de ter percebido que havia problema de adequação, se

sentiu impossibilitada de ir contra aquela avaliação inicial e manteve a turma original tal

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como veio da avaliação do IAS. A primeira professora com o apoio da diretora, fez valer em

muitos pontos seus posicionamentos.

Esta tensão inicial pode ser atestada pelo outro lado, representando a ideologia do

governo, com a coordenadora, no trecho da entrevista, onde pergunto se houve participação

avaliativa do professor na montagem da turma junto ao IAS. Pela resposta dada e por todas as

outras entrevistas e observações feita por mim, afirmo que houve embates de força entre os

professores e diretores de um lado e a 7ª CRE do outro, pois houve resistência no acolhimento

da opinião dos profissionais da escola. A coordenadora deixa claro que responsabilizava à

escola enquanto professor e diretor pelo sucesso do aluno, ao ceder e mudar a avaliação feita

pelo IAS e ainda afirma que iria monitorar o trabalho deste professor, situação que, não

ocorreria desta maneira em circunstâncias normais. Segue parte da entrevista:

Pesquisadora: quem corrigiu o teste diagnóstico?

Coordenadora: o professor...aplicou e corrigiu..traziam as provas pra gente e a gente

trocava....o que é importante deixar claro, que não era só aquele instrumento que determinava

se o aluno ia para o Projeto, porque ele podia ir bem ali e não está pronto, por alguma situação

ele precisava sim..por múltipla escolha.... a escola está toda documentada. Ou, ao contrário,

então sentava com este professor. A escuta do professor é o que tem muito valor para nós, não

só um teste. O teste diagnóstico veio para dar um norte. No inicio eles tiveram muita

dificuldade, no inicio os diretores vinham com “tudo” para gente e a gente sentava e analisava

e acompanhava...(grifo da pesquisadora)

Pesquisadora: então houve essa participação... não só o diagnóstico do IAS...no caso do

aluno que não foi bem na prova e o professor teve outra opinião ..o aluno não foi para o

Projeto...certo?

Coordenadora: se o professor garantisse isso, mas nós conversamos com a escola, que ela

teria que garantir isso..se esse aluno realmente, ela diz que não é, não chega para cá para este

projeto..então a gente vai acompanhar e a gente vai querer...ele tá tendo sucesso do outro

lado? É um momento de muita responsabilidade, tanto colocar um aluno no projeto, quanto

você tirar... não é e tirar a oportunidade.”

Na parte grifada da fala da coordenadora, quero ressalvar, pois, embora a mesma não

tenha dito claramente que teve problemas de aceitação da avaliação com a prova diagnóstica

do IAS, deixa implícito no trecho “as diretoras das escolas vinham com tudo”, quer dizer,

vinham para discordar das avaliações do Instituto em questão. Outro ponto que quero ressaltar

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é que o termo início significa anos iniciais do Projeto, ou seja 2009/2010, já que segundo a

professora regente BBBBB houve modificação deste processo em 2011. Outra fala a se

considerar dentro deste momento inicial é da itinerante quando perguntada se participou de

alguma etapa do projeto. A mesma inicialmente afirma ter participado da “formação” depois

quando compreende melhor a pergunta refaz sua fala. Ela entendeu como formação a

capacitação que obteve. Segue fragmento da entrevista com a professora itinerante:

Pesquisadora: Você participou de alguma etapa deste Projeto?

Professora Itinerante: da formação específica. (ela quis dizer que participou, recebendo

instruções sobre o Projeto na semana de implantação junto com outros professores no hotel

Windsor na Barra da Tijuca). Nós ficamos assim...durante uma semana imersas.

Pesquisadora: sim. Certo. Aí fez o convite para você e você ficou imersa e como foi esta

imersão?

Professora Itinerante: a imersão se deu fora deste ambiente de trabalho. Nós ficamos num

hotel durante um final de semana e mais 5 dias da semana seguinte ..ESTUDANDO o que era

esta metodologia e qual era o propósito...

Pesquisadora Foi na mesma época da capacitação dos regentes?

Professora Itinerante: em 2009. Foi! Nós estivemos juntos. E foi a mesma capacitação.

Pesquisadora: mas então assim...isto já seria praticamente execução do Plano...do Projeto. A

formulação você não participou...

Professora: não! Este projeto não é específico para o RJ, ele começa do IAS em áreas mais

carente do BR , principalmente no nordeste e ele chegou no RJ até porque a secretária já tinha

esse contato como Instituto , sabia do trabalho, sabia dos resultados fora do eixo RJ- SP, né?!

Então, quando ela trouxe, trouxe após uma avaliação da rede toda em que se descobre um

número muito alto de crianças analfabetas funcionais.

A reconstituição destas falas esclarecem os embates travados nas diferentes arenas

dentro do campo educacional, tal como conceituado por Bourdieu (1990). Observa-se o jogo

sendo jogado e cada agente de acordo com o poder distribuído neste campo, buscando

assegurar seu poder mediante suas posições funcionais.

Esta Avaliação inicial mostra que o professor em alguns casos interveio no processo

da formação da turma, num processo de luta e conquista participativa como Faundez (1993)

bem conceitua, quando ressalta que participação é uma forma de poder. A fala da itinerante

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mostra que a secretária já tinha conhecimento do trabalho de alfabetização do IAS, desta

forma já havia um direcionamento de posição ideológica.

Embora esta pesquisa tenha como recorte os anos de 2009 e 2010, não se pode deixar

de explicitar que os professores itinerantes e regentes entrevistados, neste ano de 2011 (ano da

pesquisa em campo) no projeto, apontaram para modificações na formação das turmas atuais.

Esta observação pode ser averiguada na fala da professora regente BBBBB, que participou do

Projeto Realfabetização no ano de 2009, acompanhou a turma para o Acelera em 2010 e

atualmente, neste ano de 2011, está trabalhando novamente com a turma de Realfabetização.

A mesma aponta mudança no sistema de avaliação inicial para a formação de turma.

Dependendo das avaliações em conjunto, decidem para onde o aluno irá, se direto para o

Acelera, se deve ficar no Projeto Realfabetização ou nem participar destes Projetos.

As modificações presentes são frutos de participação reivindicativa de professores

regentes, itinerantes, diretores e coordenadores, pois com o decorrer da maturação do Projeto

houve acomodações diversas para que o mesmo fosse melhor aceito pelo corpo docente da

rede. Constatei pelas falas dos entrevistados que todos os docentes se empenharam para que

os alunos pudessem ser alfabetizados. Os mesmos se mostram preocupados em fazer o melhor

dentro do Projeto, mesmo discordando da forma que foi implantado. Burlaram em muitos

momentos as regras pré-estabelecidas, por agirem de acordo com seus habitus, mesmo que

inconscientemente. Oportunizam momentos de crescimento educacional para os alunos

contemplados pelo Projeto.

4.3.2 Momento da Avaliação dos/com Discentes

Ainda no contexto da prática, os professores regentes tinham uma rotina rígida a ser

seguida e eram monitorados perante o cumprimento desta rotina pelos professores itinerantes,

que uma vez por semana observava a aula e preenchia relatório do desenvolvimento das aulas,

desta forma as aulas seguiam uma sequência lógica, onde já estava determinado o momento

da “prova”. Estas vinham do IAS prontas e o professor aplicava e corrigia a partir de um

“conversor” de avaliação, ou seja, um gabarito auxiliar, que também provinha do Instituto

Ayrton Senna. Mensalmente havia descritores a serem observados e assinalados pelo

professor com o desenvolvimento do aluno. O professor regente podia realizar outras

avaliações, mas a que prevalecia era a avaliação do IAS. Novamente foi observado que os

professores ressignificaram estas avaliações, pois seguiram suas concepções éticas-

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pedagógicas e burlaram as normas pré-estabelecidas pela estrutura do Projeto

Realfabetização. Esta atitude pode ser averiguada no trecho abaixo da entrevista.

Pesquisadora:é difícil né? E AAAAA, assim... as avaliações... as avaliações elas vinham do

Instituto Ayrton Senna?

Professora: Tudo do Instituto Ayrton Senna.

Pesquisadora: Como você viu isso? Isso foi...?

Professora: É... num primeiro momento assim, eu acreditava que as avaliações iam vir de

acordo com o que a gente tinha que preparar para cada bimestre. Então eu trabalhava aquilo

tudo que estava descrito, e aí no final as avaliações não tinham nada a ver com aquilo, né? foi

assim o meu primeiro choque! Então eu passei a ver quê, eu tinha que trabalhar com o meu

aluno o que ele demonstrava de interesse, de vontade de descobrir em relação aquele tema que

estava sendo dado, né? o que eu tava abordando? Se eu vou dar um Tatu, vamos ver que tipo

de texto interessa, aonde que eu posso buscar as informações. Eu parei de me prender naquilo.

E aí, eu passei a ver que a avaliação é um processo contínuo, eu não ia avaliar o meu aluno só

naquele momento da prova. E aí o que eu fazia? No momento de aplicar a prova, eu também

dava pra ele essa visão. Porque não tinha que se preocupar pela prova, porque era dia da

prova. Ele tinha que se preocupar com o dia-a-dia na escola. Porque se o que vale é a

avaliação, ele ficava em casa com os livros, aí eu chamava e ele ia fazer. Eu colocava muito

isso pra eles, porque eu acho que a prova não tinha a ver com a realidade das crianças.

Nesta passagem a professora demonstra que aplica a avaliação continuada em classe,

pois ela tranquiliza o aluno que ele não deve ter preocupação com a prova que está realizando,

e sim, com as várias atividades disponibilizadas para ele no dia-a-dia. Em outro trecho, a

professora regente explicita como ajuizava seus alunos mediante ao seu conhecimento sobre

os mesmos e as avaliações oriundas do IAS.

Pesquisadora: E na hora de você assinalar os descritores? Porque era preciso colocar lá a

nota da prova. E você percebia que a nota da prova era verdadeiramente a nota daquele aluno?

Professora: Não, e aí era assim. Ele tinha lá aquela quantidade de pontos, né? Que eu tinha

que colocar naquela questão. Se houvesse uma brecha, naquilo ali que estava escrito pra eu

não colocar aquele ponto, eu não colocava. Entendeu? Por exemplo, eu tinha um aluno

analfabeto. Que era esse menino que eu falei pra você que chegava atrasado, que tinha todas

essas questões. E aí tinham muitas questões de multiplica escolha, né? Quando a gente tinha

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questões de múltipla escolha que ele acertava porque ele chutou, e você sabe que ele não tem

aquela vivência... porque eu seguia rigorosamente o que estava escrito. Se era para o professor

ler, eu lia! Se não era para o professor ler, eu não lia! Eu fazia aquilo que estava escrito ali. Se

eu via que aquilo era pura sorte, eu não marcava não.

Pesquisadora: Entendi. Agia segundo sua coerência.

Professora: Sabe. Porque se ele não faz, eu vou marcar por quê? Ela tá perguntando se ele

percebe. Se ele percebeu que aquela questão... se ele não percebeu, então ele chutou. Eu

conheço o aluno que eu tenho dentro de sala. Eu não marcava não, sabe? Agora, eu fazia...

Pesquisadora: E o contrário? Se no caso você percebesse que o aluno sabia mais do que

apresentava na prova?

Professora: Ah... aí eu acho que do mesmo jeito. Se eu sei que uma criança... por exemplo,

essa menina que eu já citei, a Juliana, é uma menina que cresceu muito, cresceu muito. Tanto

que as últimas provas, quando ela chegou a gabaritar prova no ACELERA.... no SE LIGA ela

já gabaritava. Só que no SE LIGA ela já gabaritava a prova de matemática desde o início.

Essa questão de dinheiro, essa vivência ela já tinha, né? essa questão de quanto tem troco...

tudo isso a Juliana já sabia na ponta da língua. Sabe? Então assim, quando por algum motivo

se era uma questão que ela tinha que ler, e eu não podia ler pra ela, e ela não acertava...eu ia

lá, eu não mudava a prova dela, mas eu dizia: -Juliana, vem cá rapidinho... olha só, você leu

isso aqui? O que ele tá pedindo? – acho que eu não lembro. (interpretando a voz da criança) –

Então vai lá ler de novo “Ju”. E ela não conseguia ter uma leitura... uma interpretação daquilo.

É porque pra mim aquilo era uma prova de matemática! Tava querendo saber se ela entendeu

o raciocínio da questão pra fazer, e não se ela tem uma leitura e compreensão do texto. Aí eu

dava uma mãozinha. Entendeu? dependendo do objetivo da questão, eu tenho que ver o aluno

naquele momento como indivíduo, né? o que cada aluno consegue resolver.

Na entrevista com AAAAA, no diálogo acima, pode-se ler com detalhamento a

maneira pela qual ela ajudava seus alunos, por entender que a avaliação vinda do IAS não era

coerente com os objetivos propostos. Na entrevista abaixo, com a professora regente BBBBB,

pode-se perceber que havia um treinamento para facilitar a compreensão dos alunos na hora

de fazer a prova do IAS. A professora BBBBB ainda correlaciona os trabalhos dos anos de

2009 e 2011, apontando para a mesma prática, ou seja, provas que vêm prontas sem a

interferência do professor neste processo avaliativo. A estratégia desta docente é exercitar os

alunos para superar o grau de dificuldade das provas, seguindo o modelo que valerá como

avaliação efetiva, já que a prova chega com antecedência em suas mãos.

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Pesquisadora: Sua fala é a fala de itinerantes e professores também,...isto no caso...voltando

agora para 2009 , então BBBBB. Em 2009 como foram feitas as Avaliações. Professor

participou da avaliação do aluno?

Professora: Não! A gente recebia as avaliações prontas.

Pesquisadora: E estas avaliações vinham de onde?

Professora: Elas vinham da SME e eu acho que eram feitas pelo IAS

Pesquisadora: E elas eram inadequadas?

Professora: TOTALMENTE, porque, inclusive este ano está da mesma maneira, porque elas

não acompanhavam, elas às vezes destoavam do que a gente trabalhava no livro. Mais

complexas, sabe?! A impressão que a gente tinha que o livro eram feito com uma

simplicidade maior e as avaliações com uma complexidade muito maior do que eles estavam

acostumadas.

Pesquisadora: Então... os alunos iam bem nestas provas??

Professora: Eles não iam tão mal, porque como a gente recebia as provas antes, a gente tinha

uma idéia do que seria trabalhado e a gente trabalhava em sala com eles...como a gente

continua fazendo agora...

Pesquisadora: E além desta avaliação estanque, que vinha da SME, no caso do IAS, com

parceria do IAS. Vocês poderiam fazer outras avaliações?

Professora: Poderíamos... poderíamos ...

Pesquisadora: e isto aconteceu com você?

Professora: Aconteceu. Aconteceu.

Segue um extrato de entrevista com a professora itinerante, onde se confirma a

supremacia da avaliação do IAS e a marginalização da avaliação do professor regente (ver

Anexo D para restituição da entrevista completa).

Pesquisadora: A prova é elaborada...?

Professora Itinerante: Por eles! (ela se refere ao IAS) O que nós podemos fazer é de tempos

em tempos fazer uma prova, montar uma prova interna do professor...

Pesquisadora: Mas a nota que vale é a do IAS?!

Professora Itinerante: É. BOM... o que, que, aconteceu com a prova agora?.. A prova de

português, ela tá tratando de um texto de poesia, com palavras não-complexas, até me

surpreendeu, e lá para o final ela propõe uma escrita de uma carta. Bilhetes eles estão dando

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135

conta de escrever, a carta já tem outra conotação. Então um dos assuntos que conversamos no

Centro de Estudos foi: como trabalhar esta carta a partir do texto coletivo.

Pesquisadora: e essa carta já é dada agora em agosto? E o aluno já está conseguindo

escrever?

Professora Itinerante: Não todos.. não todos....por isso é a preocupação, nossa. Né?!

Pesquisadora: Então você sente, que de alguma forma as pessoas que, pensaram as provas...

éé..precisavam ter um contato maior com a realidade das crianças , que participam do

Projeto?

Professora Itinerante: acho que sim....e aí a de matemática vai tratar...ele tem situações

problemas, mas ele começa com o campeonato de futebol ,então o TEXTO de português é o

PATO e a de matemática é o Campeonato de futebol, entendeu? Então não tem uma

coerência.

Os extratos de entrevistas mostram que, apesar de o professor poder realizar suas

avaliações, continua valendo a prova do instituto e não tem nem mesmo um contra- peso em

relação a avaliação do docente regente. Na fala da itinerante fica claro que as avaliações

continuam fora da realidade dos alunos. Desta forma, novamente os professores encontram

mecanismos de escapes para tornar a avaliação do Instituto Ayrton Senna menos incoerente

com o estado real dos alunos. Portanto, o professor se mostra presente e atuante, encontrando

estratégias, tal como Bourdieu (1992) e explicitados em capítulos anteriores. Cada professor

encontra sua melhor tática no trabalho, para compensar os desequilíbrios entre concepções

pedagógicas do IAS e suas práticas segundo o habitus inerente a cada profissional.

4.3.3 Momento da Avaliação em Reuniões Periódicas

Estes momentos foram muito importantes para os docentes, pois era um momento de

encontrar com outros profissionais regentes e debater com a itinerante o andamento do

Projeto. Todas as professoras regentes entrevistadas apontaram as itinerantes como

importantes dentro desta sistemática do Projeto. Este relacionamento proveitoso veio com a

compreensão de ambos os lados da importância e respeito do trabalho profissional de cada

um. As visitas-surpresas tal como eram para acontecer durante o ano letivo do Projeto, não

foram mantidas. Entrevistei três itinerantes e todas se mostraram complacentes com este

ponto. Trouxe na transcrição das entrevistas aquelas que mais responderam as questões da

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136

pesquisa e ainda que a itinerante selecionada tenha se mostrado mais rigorosa neste aspecto,

também flexibilizou quanto a relatar o dia da visita, que passou a não ser tão surpresa.

As reuniões se constituíam de momentos de troca de experiências, de insatisfações, de

alegrias e desabafos. Nestas, os itinerantes serviram de mediadores perante problemas e

soluções, a repassarem para as CREs, através de relatórios das reuniões. Os itinerantes

deveriam trazer respostas dos coordenadores a até mesmo da cúpula do Projeto, mas esta parte

não foi verificada, pois as respostas não retornavam.

O gráfico abaixo mostra que 59% dos professores participantes da pesquisa

concordaram que a professora itinerante como elo de ligação e apoio foi importante e apenas

7% atestam não ter tido importância alguma. Segue gráfico com pergunta do questionário.

Gráfico 1: Pergunta 14

As reuniões deveriam ocorrer de acordo com o Programa “Se Liga” semanalmente,

mas como foi adaptado para o município – Projeto Realfabetização, sofreram alterações nesta

composição, passando a ser realizadas de acordo com o calendário da própria prefeitura.

Segue a fala da professora AAAAA referindo-se à importância desta reunião como

parte do Projeto, depois da minha pergunta:

Pesquisadora: Que eram nas reuniões semanais?!

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Professora: Que não eram semanais! O projeto queria que fosse, por isso que eu falo... o

projeto teve coisas legais. Pelo projeto, o professor do SE LIGA era só do SE LIGA, ele fica o

dia inteiro se dedicando ao SE Liga. Na rede não aconteceu. Pelo projeto os encontros dos

professores do SE Liga, são semanais e na nossa rede, foi quinzenal e no segundo ano, do Se

liga, mensal. Entendeu?O Projeto ainda pensava em alguma coisa para as crianças, que nós...

Pesquisadora: Quais foram as modificações de 2009 para 2010?

Professora: Tem uma coisa positiva, que nós passamos a participar dos centros de estudos,

porque 2009 nós ficamos fora da escola. Os professores do Se Liga não faziam mais parte da

escola, porque eles não respondiam nada mais na escola. Tudo era a itinerante que entregava o

papel e mandava para itinerante entregar para a CRE, suas dúvidas eram a itinerante que

tiravam, você não “ta” mais alguém da escola. Você não estava na escola nunca. Momento do

grupo de discutir questões pertinentes à escola, você estava na reunião do Se Liga. Mesmo

que reunião fosse na sua escola, você não estava com o grupo. Eu acho que teve este ganho

em 2010. As reuniões não eram mais no dia do “Centro de Estudos.” (reunião entre os

professores na escola),NE?... mas o número de reuniões diminuiu! Eu como já tinha sido do

“Se Liga”não vou dizer que não fez falta,mas vou dizer que não fez tanta diferente...que eu já

sabia o caminho assim..né? Mas para quem não era...era muito complicado!

A professora descreve a falta de unidade entre a escola e seu trabalho em 2009. A

responsabilidade era toda do itinerante e do professor regente do Projeto. No ano de 2010 este

dia de reunião passa a não ser na mesma data dos Centros de Estudos das escolas e então a

professora aponta ser um acerto, pois se sentiu reintegrada no grupo escolar com as demais

professoras da escola, porém sinaliza que o acompanhamento neste ano de 2010 fora mais

escasseado, tornando mais dificultoso o trabalho dos professores regentes novos à frente do

Projeto Realfabetização.

Esta etapa não serviu como avaliação do andamento da política pública, pois não

houve entrelaçamento entre as partes executoras (professores regentes) e a cúpula do Projeto.

A avaliação da política pública não ocorreu em curso, pois nada foi modificado. O Projeto foi

descrito por todos entrevistados como pacote fechado e, sendo assim, nada poderia ser

modificado. As vozes dos professores foram ouvidas pelas itinerantes, que se comportaram

como porta-vozes dos professores regentes ao repassarem a 7ª CRE, mas não houve retorno

da escuta. Algumas alterações foram atendidas com prazos dilatados e quando aconteceram,

novamente incorreram no erro de não chamar os docentes a participarem. Fica claro a

insatisfação dos livros modificados e a reclamação por parte dos docentes por não terem sido

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138

consultados. Segundo a professora itinerante, os livros ficaram mais complexos. Segue

fragmentos de entrevistas comprobatórios.

Pesquisadora: e aí nas reuniões que aconteciam.... quinzenalmente..é isto?

Professora Itinerante: Com as professoras foi mensal...e FOI uma dificuldade para nós.

Pesquisadora: por quê?

Professora Itinerante: o IAS, ele prevê um encontro quinzenal para planejamento, o RJ não

comporta isto. Por conta de carga horária, de dias letivos, ...nós só podemos fazer uma reunião

mensal...com um grupo de professores, sob nossa responsabilidades, então é um momento que

eles se veem, que eles discutem as dificuldades , que outros apontam como eles resolveram

aquelas situações..e que eles vão planejando. Nós fizemos agora no dia 17 um encontro, agora

em 2011, que foi super positivo, por quê? Nós já estamos com a prova de avaliação que vai

acontecer no dia 5 de setembro, nós observamos a prova, analisamos a prova...vimos assim..o

que a gente precisa ampliar mais como atividade daqui para frente, até a prova, para garantir

que as crianças respondam bem , aquela determinada questão. Então é um momento que,

todos os professores se veem e trocam experiências, falam de dificuldades e traçam um plano

de trabalho.

Pesquisadora: sim... entendi, assim... nesse momento de alguma forma... alguns professores

regentes ou itinerantes colocam algumas dificuldades do Projeto, como você mesmo falou..

que você percebeu..e aí estas dificuldades sejam em relação ao tempo ou qualquer outro

questionamento no transcorrer do Projeto, enfim..é levado a frente?

Professora Itinerante: aí é rediscutido aqui (bateu na mesa, para enfatizar que era discutido no

espaço da 7ª CRE) no encontro semanal e a gente tem um contato direto com Fabiana Goreth

que supervisiona pelo IAS o RJ, a prefeitura do RJ, a gente encaminha para ela o diário

reflexivo dos professores, a gente faz uma compilação do que os professores colocaram e

mandamos para ela. O que eles perceberam... com o trabalho....porque este ano a

metodologia mudou um pouco...

O extrato de entrevista acima aponta para um canal de uma via apenas, pois as

reivindicações não retornaram. O gráfico abaixo mostra que os docentes da 7ª CRE foram

questionadores e reivindicativos, embora seus apelos não tenham encontrado ressonância nas

instâncias superiores, pois como explicito por todos os itinerantes, regentes e coordenador, o

Projeto Realfabetização se caracterizava por um pacote fechado. A pergunta (12) do

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139

questionário foi: questionou em curso (transcorrer do ano letivo) algum ponto do Projeto

Realfabetização?

Gráfico 2: Pergunta 12

Percebe-se pela análise gráfica que 20 % dos docentes questionaram totalmente pontos

do Projeto; que 43% questionaram muitos pontos do Projeto e 16% interpretaram que

questionaram um pouco e somente 7% não questionaram nada. O segmento de entrevista com

a itinerante ratifica este entendimento, assim como a dificuldade de se conseguir mudanças,

pois quando elas ocorreram, novamente, a participação dos docentes foi restringida.

Pesquisadora: é...eu tenho conversado com os professores e eles disseram que houve uma

mudança e isto está fazendo com que aconteçam muitas adaptações, porque eles dizem que o

material está muito difícil...

Professora Itinerante: Tem algumas coisas que não estão boas...é tem. Assim..agora o livro

de português..se atendeu o que havia se pedido...[...]

Pesquisadora: só fazendo uma pausa!... esta percepção que acontece já pelo meio do

caminho, em 2009, a gente percebe que quando da elaboração do Projeto não houve uma

preocupação em.....

(Ela me interrompe e continua em tom mais enfático)

Professora Itinerante: porque o pacote era PRONTO, era um pacote para o Brasil inteiro,

então não houve mesmo uma adaptação ao RJ...

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Professora Itinerante: aí diante deste diálogo todo, já em 2009, HHHHH (coordenadora) e

todas as outras das outras CREs levavam a palavra de todo mundo, porque é assim..o

itinerante traz o que o professor fala e a HHHHH levava o que as itinerantes traziam. Nós

escrevíamos sobre isso e tal..só que o método de 2009 ( falava num tom mais baixo)... ele...só

que, não necessariamente o professor precisa elaborar muita coisa..porque aquilo ali ...tinha

uma sequência, então aquele professor que não havia vivido essas histórias todas

anteriores...ele minimamente , ele dava conta da alfabetização.[...]

Pesquisadora: E aí vocês falaram sobre isto..à medida que você reclamam, apontam que

este material está difícil, não está adequada...éé. Pode mudar este material ainda em curso?

Professora Itinerante: este ano, não!!

Outra passagem descrita pela coordenadora mostra a visão simplificadora que é dada

ao Projeto para justificar as linhas de ações pré-estabelecidas durante o transcorrer do mesmo.

Pesquisadora: Durante o andamento do Projeto, houve alteração na implantação, alguma

adequação, em relação ao município, em relação alguma escola, a alguma realidade de

alguma comunidade? O Projeto veio e como você falou ele é fechado, tem sua métrica, suas

atividades, suas responsabilidades e aí ao entrar na escola , dependendo da realidade daquela

comunidade houve modificação do Projeto ou não?

Coordenadora: não...não era necessário, porque o projeto é bem simples de acontecer, não

necessita nada..o professor e a boa vontade de aplicar. O que aconteceu, a única adequação...

foi assim ...uma sala que o professor saiu e os alunos foram transferidas para outras escolas

próximas, só!

O que fica explícita é a visão reducionista de que o docente é um mero tarefeiro,

portanto, as modificações ocorrem em virtude de muitas vozes terem se unido em prol de

reivindicações, de adaptações e/ou suspensões, porém o processo dialógico foi problemático.

Não existiu uma boa escuta e, portanto, não houve um canal de comunicação participativo e

democrático.

4.3.4 Momento da Avaliação Final

Vale a pena esclarecer que as contribuições avaliativas desta política pública, mais

prementes, viriam principalmente com os professores regentes e itinerantes. Estes poderiam

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contribuir fazendo o balanço final do ano letivo das diversas situações vivenciadas por eles,

perante aos alunos, ao material pedagógico, a efetividade da alfabetização entre outras

questões. Poderiam avaliar o Projeto como um todo, já que estiveram presentes e atuantes no

desenvolvimento da política pública, mas este momento não ocorreu de forma sistemática,

onde fosse criado um espaço para se averiguar os êxitos e falhas do projeto e traçado em

conjunto novas direções.

A coordenadora entrevistada, afirma que realizou uma avaliação do Projeto por

iniciativa particular da 7ª CRE, ou seja, não foi uma prática das CREs e nem tão pouco da

gerência da SME. A coordenadora afirma ter pedido para que as itinerantes recolhessem

relatos da avaliação do professor regente. Porém, o documento que a mesma me entregou

consta de uma expectativa inicial dos docentes em 2009. Este “documento” é uma resumida

coletânea de comentários, de alguns poucos docentes, sobre o trabalho com o Projeto, onde

consta uma tabela intervalar de tempo de serviço dos docentes alfabetizadores. Segue trecho

da entrevista da coordenadora, da professora itinerante e professoras regentes referindo-se a

esta avaliação final e mais abaixo o documento particular da 7ª CRE sobre (avaliação inicial)

do Projeto.

Pesquisadora: Você participou de alguma etapa do Projeto Realfabetização? Assim... no caso

você já falou que a formulação foi feita pela comissão dos professores com a Secretaria de

Educação, mas a “Avaliação”- no final do ano vocês foram chamados para fazer uma

avaliação? Todos os coordenadores foram chamados?

Coordenadora: nós enquanto coordenadoria ( ) através dos itinerantes , solicitamos que os

professores fizessem uma avaliação por escrito, o itinerante fez a sua avaliação também e

como um todo nós levamos.

Pesquisadora: ah então todos os professores fizeram o relatório..como foi o ano, o que

aconteceu...?

Coordenadora: a gente pede para ele avaliar como foi..se ele tem interesse em continuar no

projeto...pra gente saber! Então nós fizemos no início e no final.

A professora itinerante responde sobre a avaliação do Projeto no final do ano, após

minha pergunta:

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Pesquisadora: houve alguma avaliação no final, com os professores regentes. Os professores

regentes avaliaram o Projeto como um todo? E como foi feita esta avaliação e o que eles

disseram?

Professora Itinerante: Os Meus Professores gostaram muito e eles falaram muito da minha

figura sobre fiscalização..aquilo que tinha sido constituído no imaginário deles e se

desfez...ficou muito legal...

Os trechos das entrevistas acima não mostram a participação avaliativa das

profissionais junto a SME num processo de sondagem sobre a política pública no final do

Projeto. Os extratos de entrevistas abaixo ressaltam a dificuldade que os professores regentes

tiveram desde o início ao fim do Projeto de cada ano, para obterem respostas sobre seus

questionamentos e ainda mostram como ficaram estigmatizados por serem reivindicativos.

Segundo as professoras regentes, não houve avaliação final do Projeto.

Pesquisadora: e assim AAAAA, estas questões todas...que são questões muito...é...

pertinentes e precisam de um acompanhamento.. éé...a gente percebe que as coisas acontecem

na rede, NE? Esse Projeto está aí junto com outros Projetos do Instituto Ayrton Senna e como

é que você percebe essa chegada do IAS. Houve..você soube, participou de alguma forma de

alguma fase da implantação, da formulação...da implantação e da avaliação. Houve uma

avaliação? A 7ª CRE no final do ano, chamou os professores e disse: vamos fazer uma

avaliação do Projeto? Não é avaliação do aluno em si, mas claro que quando você fala de

avaliação do Projeto você leva em consideração a alfabetização do aluno, mas como um

todo... Com o material, com a metodologia, com a itinerante, enfim..com todos os ganhos e

tropeços do Projeto..houve um momento para você avaliar o Projeto?

Professora. Não! Eu não vi nenhum momento, nem a intenção para que este momento

acontecesse... quando por exemplo...quando a gente começou a criticar algumas questões...a

falta de ligação entre um item e outro na ficha mensal...ou as questões da prova que não

condiz...quando você começa a criticar você passa não ser ouvida, né?! Eu colocava para

minha itinerante, para ela levar o problema e trazer e não era ouvida ...para você ver que

chegou a tal ponto DE ...eu colocar para a 2ª itinerante, algumas questões pertinentes aos

problemas do ano anterior para ela levar e trazer antes que os problemas acontecessem....e a

resposta para ela.... ser assim?! - Por acaso você é a itinerante da escola XXXXX da

professora AAAAA? Tipo...então assim....já é um nome que marcou ,por trazer muitas

inquietações...tanto que a minha diretora foi questionada? Por que você manteve a professora

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no Se Liga? Ah pelo sucesso do trabalho e disponibilidade da professora! ( ) - Ah a gente

não estava entendendo deste jeito!...Quer dizer...em nenhum momento isso foi visto desta

forma...até PORQUÊ eu não acho que é culpa do pessoal da CRE não! Mas assim eu sei que

teve itinerante que fez e se fez...quem foi itinerante ..óbvio do primeiro ano, não conhecia o

Se liga, porque o Se liga era novo ..então no primeiro ano, tinha mais professores com muito

mais argumento para falar do Se Liga do que os itinerantes, né? E você tinha dentro da CRE,

itinerantes achando o Se Liga era o máximo, a salvação da Pátria e que até criticavam os

professores, que reclamavam do Se Liga, então eu acho que as informações que chegaram lá,

podem ser contraditórias, né?! Eu por coincidência tinha uma vizinha que era itinerante e ela

não era minha itinerante, e ela falava para mim , que quando ela ia levantar algumas questões

dos professores, ela era mal vista...por quê? Porque ela estava levantando...aquele Projeto era

visto como perfeito. Que ele dá conta! E eu acho que não é assim. Nada na vida é perfeito,

NE? O dia que a escola chegar a perfeição, a gente não precisa mais dela. Eu acho que temos

que nos desafiar o tempo inteiro! Eu não vi na CRE nenhum espaço para isto! Eu não fui, no

primeiro ano do Se Liga, final do ano teve uma festa aqui na Barra e os professores ganharam

uma medalha por serem excelente...eu não fui!

A professora regente BBBBB também afirma que não houve momento para a

avaliação final do Projeto Realfabetização. Segue trecho da entrevista:

Pesquisadora: são muitos projetos...é.. {entrou alguém na sala - eu disse: boa tarde}...uma

dificuldade até para saber onde este aluno está incluído na turma, né?! Então dificulta o

entendimento da gente... então, eu vou te perguntar ...se você no final do ano de 2009 e no

caso até em 2010, no caso aí com Acelera, é..se a secretaria de educação, enquanto algum

coordenador da escola ou até a própria itinerante, enfim.. . houve junto com você e com

outros professores, uma Avaliação deste projeto? No final do projeto..não é avaliação do

aluno, é uma avaliação do professor em relação ao Projeto?

Professora: não. A gente só teve mesmo a estatística...alunos que conseguiram ir para o

Acelera, nada mais que isto. A gente não avaliou em momento algum o Projeto...êxito ou

fracasso.

Os extratos de entrevistas demonstram que não houve de forma planejada uma

avaliação no final do ano letivo com a participação dos agentes diretamente envolvidos no

Projeto. Portanto, se perdeu uma oportunidade, tal como colocado no Paradigma da avaliação

emancipatória, de ressaltar e ouvir os agentes participantes do Projeto para se buscar uma

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avaliação participativa em prol de uma política adequada e eficaz para os educandos

envolvidos no processo.

Embora nem todos professores concordem quanto ao método empregado pelo IAS, a

grande maioria reconhece que a política pública em si, ou seja, a ideia de alfabetizar os alunos

com defasagem idade/série é acertada. Compreendem que não foi uma política democrática,

pois não foram chamadas a participar, mas percebem ganhos sociais para os alunos. Trago

dois trechos de entrevistas com as regentes AAAAA e BBBBB, onde fica explícita esta

concordância:

Pesquisadora: Você acha importante, então, participar? Como você está vendo AAAAA,

estes projetos todos na rede? A gente tem a sensação que tem uma rede paralela. Uma rede

dos ciclos e uma dos projetos. Você acha que isto está tencionando a rede como um todo? Os

professores estão entendendo?

Professora: Eu acho que não! Eu acho que não houve espaço para agente poder pensar sobre

como as coisas iam funcionar... ninguém sabia responder...quando a agente teve o Se Liga no

primeiro ano, e a agente queria saber para onde as crianças iam, ninguém sabia...ninguém

conhecia o Projeto Acelera. As coisas estão do mesmo jeito. Lá (refere-se a capacitação de

2010) nós fomos perguntar para onde as crianças iam e ninguém sabia ....se era Acelera 1 A,

Acelera 1B... 2 ...sei lá como era a nomenclatura...ninguém sabia! E depois que chegou a

informação... mais um projeto....entendeu? Eu acho assim...é um grande avanço você pensar

em resolver este problema. Acho que ele precisa ser tratado SIM. Não adianta reter esta

criança anos e anos na série de origem, não adianta, mas eu acho que todos tem que ser

ouvidos...todos! Falta este espaço!

Segue outro trecho com a professora regente BBBBB, onde pergunto:

Pesquisadora: esta política então foi uma política de integração social para eles alunos?

Professora: foi...foi...acho que sim..apesar de não ter sido uma escolha, de não ter tido uma

consulta ao professor, mas eu acredito que teve êxito.

Os comentários abaixo foram copiados na íntegra, suprimi apenas os nomes dos

docentes, como ética profissional, embora este documento seja oficial da 7ª CRE e portanto,

faça parte do pacote de documento de avaliação do Projeto Realfabetização de 2009. O título

no item 4 deste documento é: Observações e/ou comentários dos professores:

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“A expectativa é de proporcionar ao aluno subsídios para que ele sinta segurança em

sua capacidade de construção e inovação”

“Espero que o trabalho em conjunto- professores, coordenação e itinerantes – e bem

amarrado em suas propostas surta o efeito desejado em cada aluno

“Gostaria de ter mais tempo para planejamento das atividades, a fim de atender a

demanda desses alunos não alfabetizados e vencer minhas dificuldades”

“Espero aprender e trocar experiências com as colegas e principalmente facilitar o

processo de aprendizagem dos alunos”

“Estou muito entusiasmada com o projeto e confiante no sucesso do mesmo”

“Que ao final do ano os alunos tenham absorvido conhecimentos significativos para

seu desenvolvimento. Que eles consigam se apropriar da leitura e escrita”

“Gostei muito da troca de experiências, e em perceber que estamos caminhando em

grupo”

“Espero que este projeto contribua positivamente para o processo de realfabetização

dos alunos que fazem parte dele, buscando também o resgate da auto-estima”-

“Que eles sejam vencedores dessa etapa da vida”

“Acredito no compromisso, na disponibilidade, na parceria e creio no resultado

positivo. Que cada dia seja intenso, mas que seja vivido cada coisa no seu tempo“

“Que receba muito suporte e orientação, para que sejam alcançados os objetivos do

programa”

“A minha expectativa é que cada aluno chega no final do Projeto com muita segurança

de construir e inovar”

“Os professores que estão empenhados no projeto devem ser olhados com mais

carinho, respeito e apoio de todos os envolvidos, ou seja, toda rede”

“Em apenas três dias no projeto já consigo sentir um astral muito bom, o que nos dá

ânimo e dedicação para fazer o melhor. Espero que durante todo o ano possa haver essa

parceria, seriedade e compromisso de todos os envolvidos”

Os comentários acima não são avaliações do Projeto no final do ano, muito pelo

contrário, são expectativas para o começo desta proposta de trabalho, que até então era

novidade. Durante o trabalho em campo, ainda na primeira fase com os questionários, deixei

um canal de comunicação aberto com os docentes, para que os que quisessem escrever sobre

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o Projeto, pudessem fazê-lo. Seguem todas as exposições escritas pelos professores regentes a

pergunta: você gostaria de fazer algum comentário adicional?

“O Projeto Realfa de 2009 foi experimental no Rio de Janeiro. Teve algumas falhas

como: avaliação dos alunos falta de apoio de profissionais da área, como psicólogos,

fonoaudiólogos, etc. Conclui o projeto no ano de 2009, mas não dei continuidade ao Acelera”.

“Considero o material inadequado a faixa de dificuldade e apresentadas pelos alunos,

uma vez que todos se encontravam em defasagem de aprendizagem.”

“Revisão das fichas de acompanhamento mensal, pois há lacunas entre cada item.

Que ao término do ano letivo os professores do Se Liga, pudessem decidir

plenamente para onde os alunos serão encaminhados.”

“Mais apoio pedagógico, sociológico e psicológico.”

“O projeto é muito bom, mas falta apoio da SME em deixá-lo funcionar como deve

ser, sem as intervenções na metodologia que pioraram o trabalho do professor”

“Deveria haver, por exemplo, um Realfabetização II, possibilitando uma continuidade

aos alunos que, naturalmente, levam um tempo maior para concluírem o processo de

alfabetização antes de iniciarem o processo de letramento . Logo, as planilhas avaliativas

mensais, fechadas em suas opções, não permitem uma real avaliação de cada aluno, dentro de

suas limitações e, com isso, inserem os alunos em outros Projetos ( como o Acelera) sem que

estejam aptos para eles.”

“A proposta inicial me pareceu muito eficiente e deu ótimos resultados em minhas

turmas, mas as professoras deste ano têm reclamado muito dos novos livros e da falta de

material.”

“O Projeto Realfabetização foi um marco desta nova secretária de educação, sua

proposta foi bem elaborada, com pressupostos muito bons, livros selecionados por faixa etária

e uma nova forma de trabalhar com os alunos, promovendo o sucesso e acreditando que é

possível alfabetizar em 200 dias letivos de forma prazerosa. Eu particularmente adorei

trabalhar no Projeto Realfabetização.”

“Gostei muito do Projeto, apesar do início não acreditar na sua eficácia. Mas quando

você vê os alunos lendo, é muito gratificante. Alguns aspectos ajudam muito, como a

quantidade de alunos e a organização do material didático. O perfil do professor também

influencia no resultado, pois o mesmo deve acompanhar o aluno dentro e fora da sala de

aula.”

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“Não é a primeira vez que trabalho num projeto de realfabetização, em 1999 trabalhei

no Programa de Aceleração de Aprendizagem coordenado pelo CETEB – Centro de Ensino

Tecnológico de Brasília. Por esta razão me coloquei totalmente a disposição deste novo

Projeto de Realfabetização. Este projeto foi um marco na minha vida profissional, aprendi

muito e proporcionei aos meus alunos uma vivência de mundo muito maior que saber ler e

escrever. Por esta razão ainda mantenho a esperança de poder, um dia, trabalhar com um

projeto semelhante e com aquela condição de trabalho daquela época onde eu trabalhava num

CIEP de horário integral com apenas uma turma e com tempo de planejar com o meu grupo

de colegas.”

“O Projeto “Se Liga” de 2009 achei excelente, pois alunos com faixa etária

avançada conseguiram aprender a ler e escrever, porém o “Acelera” de 2010, não foi uma

continuação da alfabetização. O material usado (livros) era a nível de 5º ano.”

“Dificilmente trabalharia novamente com o projeto, não por discordar, mas porque o

mesmo demanda muita dedicação, e quando me comprometo com uma tarefa não meço

esforços para cumpri-la da melhor maneira que posso. Em 2009, mesmo com o projeto eu

ainda era Diretora Adjunta, e naquele ano nem educação física eles tinham no horário da aula.

Foi muito difícil para mim, pois me preocupava em cumprir bem as duas funções. Neste ano

de 2011 estou como diretora titular, de uma escola de 3 turnos... o que não me falta é trabalho,

e continuo exigente comigo mesma”.

“Todas as informações que dei e ou respostas foram em relação ao ano de 2009 , pois

neste ano , 2011, tudo mudou no projeto e foi para pior. Modificando tudo de bom que

aconteceu em 2009.”

“O insucesso de alguns alunos que participaram do projeto, deu-se devido à

necessidade de acompanhamento especializado: fonoaudiólogo, psicólogo, neurologista...”

“Gosto de trabalhar com o projeto Realfa desde que possa enxertá-lo com minhas

experiências e ideias.”

“No segundo ano de participação do Projeto (2011) como regente desde a capacitação,

o desenrolar do trabalho na escola, não foi o mesmo do ano anterior, pois além de não ter tido

o apóio de uma itinerante, recebi o material didático (livros dos alunos), pouco mais de um

mês do começo das aulas, o que atrasou muito o trabalho, a partir desse material, também

muito prejudicial a data de repasse das informações, que em geral tem sido em cima da data

de execução das atividades, não dando às regentes tempo hábil suficiente para reflexões,

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148

eventuais readaptações, replanejamentos, trocas com as colegas e reavaliações mais justas e

coerentes.”

“A participação neste Projeto visa na dificuldade dos alunos na alfabetização e em

acreditar que é possível que alunos das classes populares possam aprender, apesar das

condições de vida destes.”

“Concordo com a metodologia aplicada ao 1º ano do projeto de Realfabetização, Se

liga. Precisamos apenas adaptar alguns pontos da nossa própria realidade de sala de aula,

trazendo atividades adicionais a título de enriquecimento da turma. No primeiro ano houve

apoio da Secretaria com a capacitação do Instituto Ayrton Senna, encontros regulares de

capacitação ao longo do ano(fundamentais!) e principalmente um grande apóio das itinerantes

(que foram disponibilizadas em maior número do que o são atualmente), que nos auxiliava no

processo de condução e encaminhamento das aulas, num processo de reflexão contínuo de

práticas, buscando sempre caminhos alternativos para os desafios encontrados.”

“O Objetivo do Projeto é válido. A metodologia utilizada não condiz com a realidade

dos alunos- Os professores do Projeto não foram ouvidos em nenhum momento. Há a

necessidade urgente de outros profissionais que atendam aos alunos que apresentam

dificuldades de aprendizagem, como psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos, etc. Só um

trabalho em conjunto com esses profissionais traria um resultado real. OBS: participei do

Projeto acelera que também possuía alunos ainda não- alfabetizados”

“Uma parcela considerável dos alunos com defasagem idade/série tem possivelmente

algum tipo de “dificultador” de aprendizagem, seja de ordem psicológica, neurológica e

mesmo social.” “A secretaria de educação deveria antes de implantar cada projeto ouvir os

professores e fazer revisão/avaliação do material.”

“O mais importante do projeto não foi a metodologia, mas o número de alunos em sala

e a disponibilidade de material didático.”

“Prefiro me dedicar ao meu trabalho de maneira a reduzir o número de alunos em

defasagem num ensino de turmas regulares.”

“Fui inserida no projeto durante o mês de Outubro, nele permanecendo até dezembro

para atender a necessidade da escola, pois a professora responsável pelo projeto precisou

licenciar-se.”

“Tem que ter maior investimento nas turmas de educação infantil e alfabetização, no

que diz respeito a menor número de alunos, preparação de salas ambientes e especialização de

professores.

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Estas avaliações feitas pelos docentes atestam a necessidade de participação de todos,

principalmente do professor. Ouvir, discutir e decidir em conjunto. Manter um canal aberto de

verdade. As avaliações são instrumentos eficazes quando usados para se obter informações

reais, sem mascaramento.

Os quatro momentos descritos acima mostram que os professores não foram

chamados a participar da conjuntura desta política pública de maneira ampla e democrática.

Participaram porque fizeram valer suas concepções ideológicas/pedagógicas enquanto

cidadãos e profissionais. Agiram, segundo o habitus inerente a cada indivíduo, mediante a

estrutura do campo. Ressignificaram os textos políticos na prática. No campo, o capital social,

que não é distribuído de forma igualitária, portanto, as tensões foram vivenciadas e neste

embate de forças, os profissionais diversos se adequaram perante às circunstâncias. Cada ano

desta política se constitui de novidades. Os professores vêm avançando lentamente em suas

reivindicações. O processo de conscientização, tal como ensinado por Paulo Freire se expande

e, sendo assim, o professor conquista novos espaços nesta gestão e com esta política

educacional, porém, não se pode esquecer que a participação é conquista, não é dádiva.

4.4 Avaliação dos Professores da 7ª CRE sobre o Projeto Realfabetização: concepções

pedagógicas que fundamentam o Projeto

O IAS se pauta por mecanismos de gestão para melhorar os indicadores de

aprendizagem. O conjunto de programas do Instituto Ayrton Senna passa longe de ser

unanimidade entre docentes e gestores educacionais. Dentre estes programas se encontra o Se

Liga, que como bem explicitado nesta pesquisa foi adaptado para o município do Rio de

Janeiro com o nome oficial de Projeto Realfabetização, mas durante seu percurso na rede

escolar já ganhou vários pseudônimos: Realfa, Realfa1A, Projeto Realfabetização, Turma

9601 e a mais utilizada, “Se Liga”. Este é composto por um conjunto de práticas: material de

treinamento, programas de educação formais, planilhas, e diagramas. O Projeto conta também

com livros e cadernos de atividades do próprio IAS, além de “cartilha” e uma cesta de livros

paradidáticos. O Projeto Realfabetização, utiliza uma metodologia baseada em indicadores,

através de métodos descritivos e matrizes. As informações são estruturadas de forma a

permitir uma modelagem dos dados em planilhas que são consolidados através das

tecnologias da informação e da comunicação. O monitoramento é mensal e é feito para cada

aluno. O professor anota todas as atividades realizadas pelos alunos nestas planilhas que são

reportadas para o Sistema do Instituto Ayrton Senna de Informações SIASI. E ao final do

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150

Projeto a massa de dados são consolidadas e se pode obter os percentuais dos vários

descritores desejados.

A concepção básica do Projeto é homogeneização dos alunos, ou seja, a reunião dos

discentes com dificuldades de aprendizagem e defasagem idade/série em uma única sala, com

25 alunos no máximo. Alunos com necessidades especiais não podem fazer parte deste

Projeto. Uma prática totalmente discriminatória, que tolhe a oportunidade de socialização e de

oferecer as mesmas condições de aprendizagem a estes alunos.

As turmas são submetidas a uma metodologia voltada a rotina rigorosa de atividades

cronometradas e sequenciais. Focadas na silabação e na utilização do desenho gerador e

palavra-chave como ponto de partida para alfabetização. Este método norteia o trabalho de

professores, pois dá parâmetros para aqueles que se sentem desamparados em seu trabalho,

mas também faz com que outros se sintam tolhidos em suas atividades docentes. Não foi

desenvolvido para a realidade do Rio de Janeiro e com isto dificultou e ainda continua a

dificultar o interesse dos discentes. O Projeto se configura em um “pacote fechado”, termo

usado para defini-lo por todos os entrevistados, sendo, portanto, uma concepção pedagógica

antidemocrática.

A lacuna que a professora regente AAAAA se refere no trecho da entrevista, logo

abaixo é a grande chave do sucesso tão propagado pelo IAS. Considera-se alfabetizado no

programa “Se Liga” e, portanto, no Projeto Realfabetização. Segue a descrição de aluno

alfabetizado:

“Assim, no Se Liga considera-se alfabetizado, para fins de registro nos formulários

“Resultados Finais”, do SIASI, os alunos que, além do estabelecimento da relação

entre letras e sons, são capazes de relacionar palavras e frases a desenhos, localizar

informação explícita em destaque, em um cartaz ou em pequeno texto; escrever,

com possibilidade de leitura, pelo menos, um parágrafo de acordo com o tema

solicitado”. (Sistemática de Acompanhamento Se Liga e Acelera Brasil, p.62, 2009).

O IAS ainda ressalta que: “nessas condições o aluno ultrapassou a barreira do

analfabetismo ao ser capaz de associar fonema-grafema, embora desconheça as convenções

da escrita.” Desta forma compreende-se a classificação na planilha de avaliação do Programa

Se Liga e, portanto, do Projeto Realfabetização, com os seguintes descritores:

Leem somente palavras (silabando e com fluência)

Leem frases (silabando e com fluência)

Leem textos( com pausa e com fluência)

Escrevem somente palavras (não ortograficamente e ortograficamente)

Escrevem frases soltas dentro do texto

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Escrevem textos

Estes indicadores que serão levados em consideração no momento de se condensar os

dados e agregá-los em alunos alfabetizados ou não. Os trechos que seguem mostram como os

professores avaliam esta concepção pedagógica:

Professora: É houve dá CRE uma pressão ( ) para que as crianças fossem encaminhadas de

acordo com a ficha de avaliação do mês...aquela ficha de leitura e escrita. Acompanhamento

da leitura e da escrita.

Pesquisadora: Ficha com aqueles descritores todos...

Professora: É Exatamente! E ali existe uma LACUNA. Entre o que a criança lê e o que ela

não lê e se ela compreende o que ela lê. Você não tem espaço para isto...a criança pode ser...B

o “BO”..L a “LA”. Que está escrito aqui? E Ele não sabe te dizer...Não existe nenhum

momento uma pergunta sobre a interpretação desta criança...sobre o entendimento desta

criança..então.eu tinha criança que liam sim! Mas nem sempre com compreensão do que lê e

aí para ir para um, Acelera, que ninguém conhecia.... e dizer o que seria dado neste Projeto,

para ver se atendia a estas crianças, foi complicado... crianças que achava que não tinham

condições para irem para o Projeto, foram! E graças a Deus, eu pude acompanhar este

processo, tiveram sucesso...me deixaram até tranquila, mas na minha avaliação eles não

teriam condições... QUE BOM QUE CONSEGUIRAM! Mas eu acho também, pelo apóio da

professora que ficou com eles...,pelo trabalho dela, pela dedicação, né?!

O gráfico abaixo mostra como os docentes da 7ª CRE avaliaram seu empenho no

Projeto Realfabetização. Neste, fica evidente pelas análises percentuais que a grande maioria

se empenhou muito para que o Projeto atingisse seu objetivo maior, qual seja, de promover a

alfabetização dos alunos. O trecho da entrevista acima com a professora AAAAA ratifica os

dados gráficos. Muitas professoras de 2009 seguiram as turmas para o Projeto Acelera Brasil,

dando continuidade à proposta do Projeto Realfabetização. Segue gráfico com a pergunta (11)

do questionário:

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Gráfico 3: Pergunta 11

A maioria considerou seu empenho no Projeto como muito bom, ou seja, 64%. Outros

23% de professores se autoavaliaram como bons e somente 2% avaliaram seu empenho como

muito ruim. Seguem trechos das entrevistas que atestam as análises gráficas. Desta forma foi

o empenho dos docentes, a capacidade dos discentes e toda metodologia enriquecida e

vivenciada pelos que possibilitaram módicos resultados positivos da política sob a forma do

Projeto Realfabetização.

Pesquisadora: Você atribui assim..., este ganho das crianças, não exatamente ao processo...

ao método utilizado pelo Instituto Ayrton Senna?

Professora: Com certeza! Porque assim... eu acho que o método não tem nada a ver com a

realidade das nossas crianças do Rio de Janeiro do jeito que eles vivem...entendeu?! Trabalhar

com eles a TALHA, trabalhar aquele que tem o desenho do surfista doidão, né?!Quando dá o

“D”...trabalhar com eles...até o próprio TATU. ..dependendo da maneira que você apresenta,

não tem significado.só que eu sou assim! No dia que eu conheci o Projeto, naquele belo

domingo de sol (tom crítico), né?! no primeiro ano, que eu estava no Windors , nós

conhecemos..né?”O primeiro ano foi lá..né?!.que eu estava no Windors, né?! Que antes do

almoço, ela falou, que para nossa alegria, ela ia deixar agente olhar o material, eu não voltei

mais!..eu fui embora...depois que eu vi aquela “cartilha”, que tinha que cobrir o “D”o “P” eu

não voltei mais! Eu fui embora do curso e não voltei. disse para XXXXX (diretora da escola):

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estou horrorizada, porque eu acho que isto não condiz...eu nem conhecia a turma, mas eu

sabia que eram oriundos do 5º ano..independente do que eles sabem ou não sabem, não é isto

que ia atrair,mas aí eu acho assim, para você criticar alguma coisa, você tem que conhecer...

E tem que conhecer bem, para você mostrar onde está o problema. Eu SEGUI

TOTALMENTE a proposta do Se Liga e enxertava com coisas que eu achava

interessante...colocava coisas novas... fazia a criança ter prazer naquilo que ela estava

fazendo, apesar de eu não ter. Eu tentava mostrar para ela que aquilo era “legal,”né?! Quando

a gente tinha que ler o texto do “tatu”...Gente...onde o tatu entrou no buraco? (Referindo-se á

sua prática em sala conversando com os alunos) ..desenhe ele num buraco e vamos ver onde

ele vai parar?....e a agente fez o tatu de lixa...isto mesmo com a turma dos mais

velhos.entendeu?.porque eles curtiram...olha o tatu...vamos ver o vídeo do tatu...quer

dizer....tentei estimular a criança e mostrar que aquilo era prazeroso e interessante....eu não

podia chegar para ela e falar: olha esta porcaria deste material é torto ...sem uma cor, sem um

desenho, sem nada.....primeira coisa que eu falei: [voz doce neste momento] quando eles

olharam o material..né?! Nós embrulhamos para presenteee...para entregar para as crianças,

né?!...porque...só é desta turma quem é ESPECIAL (falava em tom mostrando sua prática em

sala conversando com os discentes)quem tem um QUÊ a mais! Quem não tem, não é! A

escola deu esta visão pintou a sala, a escola comprou papel de presente, a escola pintou a sala,

única sala de 2009 que foi pintada.

Pesquisadora: Isto fez diferença para eles?

Professora: Muita diferença! Muita diferença para eles...assim...nós mostramos que não fazia

parte daquele Projeto, quem não conseguia?! Fazia parte daquele Projeto quem era

especial...entendeu? Nós viramos o jogo, porque as crianças ( )... os outros, falavam muito: -

você é um “burro”...Não! você vai sair da turma, porque você é capaz, porque você sabe que

na sua sala tem crianças que não sabem ler e escrever e ele não veio para cá. [e era uma

verdade!]... nós tivemos que selecionar as crianças que ficaram no Se liga, porque a gente

tinha mais crianças do que vaga.

A professora aplicou uma estratégia de valorização, tal como vista em outros casos

relatados durante o trabalho de campo, com as entrevistas de outras docentes e até e-mails em

forma de carta-desabafo (ver anexo A). As turmas num primeiro momento foram

estigmatizadas como turma dos menos capazes, de “burros” como colocado pela docente

AAAAA. Segue outro trecho da fala da docente, que reafirma sua estratégia naquele momento

em 2009 para superação dos primeiros obstáculos de se ter uma turma homogeneizada.

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Professora Regente [...]Então assim... a gente tentou o tempo inteiro (batidas leve na mesa ao

falar) mostrar para a criança que ele era um premiado por estar ali. (12:02)E assim, tudo que

tinha que fazer de cartaz, colocar para expor, a gente fazia né?! Porque eu tinha outra menina

que ficava no SE LIGA a tarde que era desenhista, imagina isso? Desenhava tudo, fazia

aqueles tatus, aquelas coisas lindas! A gente mostrava aquele desenho com palavra-chave,

sabe? (12:20) Assim, o trabalho, contando com o apoio da escola. Agora, falar do projeto com

o material que a gente recebia em si, dizer que ele dá conta... é meio complicado! (grifo da

pesquisadora)

Em outro trecho a professora regente deixa explicito que numa turma menor, ou seja,

com menor número de alunos a alfabetização é facilitada e se pode ter sucesso.

Professora regente: [...] E o fato de estar numa turma menor, com uma atenção diferenciada

para alfabetização, que não era o que eles tinham no quinto ano, seria o sucesso daquilo

ali![...]

Em outro segmento, a professora não se mostra totalmente contrária a reagrupar os

alunos de forma homogeneizada:

Pesquisadora: Então essa homogeneização de trazer essas crianças, que estão, digamos

assim, com as mesmas defasagem em relação a aprendizagem foi... foi um acerto então?

Juntá-las e fazer um trabalho pra elas?

Professora: É... no momento que você tem crianças numa mesma faixa etária pode até ser

interessante. Mas quando você tem uma discrepância grande de faixa etária complica, que é o

que a gente tinha. Apesar das crianças serem oriundas de quinto ano, você não tinha todos na

mesma faixa etária, você tinha crianças bem mais velhas... esses meninos que chegaram a sair

da turma, eles eram homens.

Examinemos outro trecho onde a professora contesta a falta de participação na escolha

do método a ser usado, junto com os livros a serem selecionados.

Pesquisadora: É verdade AAAAA... assim, quanto parceria com o Instituto Ayrton Senna,

você acha que essa política pública foi acertada?

Professora: Nem um pouco. Nem um pouco.

Pesquisadora: Por quê?

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Professora: Porque eu acho que o material não foi analisado antes de ser colocado na rede,

né? pelo que eu percebi assim... veio a idéia lá na reunião com a Secretária de Educação, né?

lá no auditório, todo mundo junto no Windsor (semana de capacitação), e aí ela falou o

seguinte: Que ela tava pensando numa forma de resolver o problema das crianças analfabetas

na rede. E aí ela lembrou da Viviane (Presidente do Instituto Ayrton Senna) Disse que ela

conhecia o trabalho da Viviane... eu não estou desmerecendo o trabalho do Instituto Ayrton

Senna, que eu pesquisei, que eu fui atrás e vi que no interior (batidas na mesa) ele dá certo.

Em muitos lugares, como a minha primeira dinamizadora, que era do interior de Alagoas,

trabalhava com as crianças da zona rural, né?! que não tinham acesso à escola, que já

começavam a escola com 12 anos de idade conhecendo o SE LIGA? Ele pode dar certo sim,

né? para quem não tem essa vivência, agora pra as crianças do Rio de Janeiro...aqui...que tem

“Lan house”, que tem computador, que tem acesso a internet em outros lugares, entendeu?

Não é assim, não tô falando do texto, não tô criticando a música não. Tô falando assim... tem

tanta coisa interessante que eu poderia trabalhar com eles.

Pesquisadora: não foi adaptado com a realidade?

Professora: realidade “Talha”? (se refere a palavra geradora utilizada no programa SE LIGA

para alfabetizar os alunos, fora da vivência dos alunos do Rio de Janeiro). Eu acho que eles

têm que conhecer outras culturas, e tal, mas assim eu vou lançar com Calha? Tem tanta coisa

interessante... Zarolho? Eu trabalho alto estima, que tem que respeitar o outro, e eu vou

trabalhar zarolho? Logo eu que sou estrábica? Entendeu? Eu ficava “zuando” as meninas

(refere-se às professoras amigas), vou mostrar o que é zarolho... é só me apontar. As meninas

riam... quer dizer, você trabalha que você tem que respeitar o outro, né? tem que aceitar o

outro como ele é, que cada um tem suas individualidades... aí eu ensino o que é Zarolho?

Pesquisadora: é preconceituoso né?

Professora:Que nem é o nome certo! Aí você vai complicar. Entendeu? É muito complicado.

Eu acho que tem coisas positivas no projeto.

O trecho que se segue mostra pontos positivos do Projeto. Para a entrevistada, a

questão do norteamento é ponto alto para muitos professores, desde que esta linha condutora

seja flexível e adaptada à realidade local e mesmo da turma. Outro ponto marcado durante as

entrevistas foram as reuniões periódicas, onde se trocavam experiências. A professora ainda

ressalta o fato de algumas turmas terem sido atendidas em horário integral e com número de

alunos reduzidos e, desta forma, terem mais êxito no processo de aquisição da leitura/escrita.

Eu pergunto:

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Pesquisadora: Quais você citaria?

Professora: Essa questão que a gente tava colocando de colocar as palavras-chave, de você

ter os tempos para trabalhar com cada palavra, porque eu acho que em alguns momentos a

alfabetização na rede se perde, porque você não tem um calendário fechado. O fato você tá

trabalhando com as crianças, o fato de você ter alfabetização numa única linha, né?

Pesquisadora: Qual é a linha?

Professora: Não, de você colocar assim dentro da escola uma linha de alfabetização, que

quando a criança encontra aquele ambiente alfabetizador ela consiga perceber. Porque você

pode estar trabalhando com a sílaba, com a palavra que pode ser o seu carro-chefe. Se as duas

turmas trabalham com a mesma palavra-chave, se eu ensino para a criança que aquele “T”ali é

do Tatu, e eu tenho o Tatu, eu tenho o texto do tatu e a outra turma vai ensinar naquele

mesmo momento que é o “T” do tapete, tem crianças que podem confundir. E não perceber! É

claro que você vai ampliar isso, mas no início do processo as coisas facilitam. Entendeu?

Acho que isso facilita para a criança. E aí você tem a mesma sala com esse ambiente...

infelizmente, nós professores não temos muito tempo para estar enriquecendo esse ambiente.

Então você tem duas professoras (em algumas escolas o diretor optou pela turma ser atendida

também no segundo turno) trabalhando, ajudando, montando, teve coisas legais. Essa questão

do projeto de ter o tempo para o professor trocar com o outro, que era nos encontros.

A outra professora regente BBBBB ao ser perguntava se seguia os passos do Projeto,

responde que ampliava as atividades. Segue trecho da entrevista:

Pesquisadora: Assim...durante 2009 no decorrer do trabalho, você sentiu necessidade de

alguma adaptação perante ao mecanismo do Projeto? Porque o Projeto era muito marcado,

né? Ele tinha etapas a serem seguidas? Você seguiu estas etapas? Como foi isto?

Professora: É porque o projeto trabalhava de uma forma assim ...muito de sequência, né?

Existia a palavra chave, da palavra chave, se retirava a sílaba se trabalhava e depois a família

silábica enfim.. mas como eu tinha muito material do primeiro ano de alfabetização, eu levava

muito isto para escola, então a gente nunca ficava só com o trabalho proposto no livro. A

gente fazia inúmeras atividades , bastante diversificada, para enriquecimento dos alunos

mesmos ...então eu seguia o livro mas sempre tinha coisas extras...

Pesquisadora: Mas então de qualquer forma você fazia este enriquecimento, mas seguiu os

passos.. .ou você em algum momento sentiu necessidade assim: Hoje não vou dar isto não?!

vou seguir para outra página?...

Professora:Não, não! Segui religiosamente o que o projeto determinava.

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Pesquisadora: E assim, você questionou em algum dado momento seja para professora

itinerante, seja para algum coordenador da 7ª CRE algum ponto que você não concordasse?

Professora regente: quando tinha reunião, assim os questionamentos eram muito parecidos,

da gente, né?! Enquanto, professores regentes de turma, principalmente em questões dos

regionalismos, porque o livro era feito com termos muito... lá do nordeste e tinham palavras

que pra agente conseguir explicar para a criança, nós, aqui cariocas, questionávamos muito

isto.

Pesquisadora: E questionavam como? Então que vocês gostariam de ter uma nova

metodologia ou um novo livro... Como foi?

Professora: Algumas professoras se queixavam do método sim...achavam que era

ultrapassado..que isto já tinha sido usado no município, que a gente estaria

regredindo...voltando atrás... Eu não questionava isto, não! Questionava mesmo, justamente a

falta de adequação aqui..nossa realidade...entendeu?

Pesquisadora: Vocês tinham os descritores

Professora: Continuamos tendo...

Pesquisadora: E você acha que este sistema é válido?

Professora: Acho que sim, porque acaba fechando, né?! Um pouco..a gente fica assim..[como

vou te explicar...] mais centrada no que a gente quer do aluno. Acho que fica mais fácil, sim.

A professora BBBBB deixa claro que gostou do método, que adaptou o mesmo e que

se sente amparada pelo norteamento que o Projeto estabelece. Esta avaliação da professora

BBBBB foi verificada por meio de dados estatísticos, onde 16% dos professores atestam ser o

método excelente; outros 30% consideram bom; seguidos por mais 30 % de docentes que

acham relativamente bom. O percentual dos professores que avaliam a metodologia como

muito ruim é de 5%, portanto o método foi bem aceito entre o corpo docente. Segue a

pergunta (3) do questionário:

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Gráfico 4: Pergunta 3

Outra pergunta feita em relação ao método, correlacionada à aceitação dos educandos,

comprovou que os docentes analisaram como muito boa a aceitação e aproveitamento dos

alunos com a metodologia do Projeto Realfabetização. Constata-se que 30% considerou a

resposta de aprendizagem dos alunos como muito boa; outros 30% ajuizarm como boa;

seguido por 23% de docentes que acreditam ter sido uma aceitação rasoável por parte dos

discentes submetidos a essa metodologia. Somente 4% avaliam ser muito ruim, seguidos por

mais 4% que julgam ser ruim. A pergunta (18) do questionário é a seguinte:

Gráfico 5: Pergunta 18

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Outra análise sobre a metodologia é feita pela professora itinerante no segmento de

entrevista. Segue trecho do diálogo:

Pesquisadora: é...eu tenho conversado com os professores e eles disseram que houve uma

mudança e isto está fazendo com que aconteçam muitas adaptações, porque eles dizem que o

material está muito difícil...

Professora Itinerante: Tem algumas coisas que não estão boas...é tem. Assim..agora o livro

de português..se atendeu o que havia se pedido...por que como era? ..O método de

“cartilha”..do Dom Bosco..trabalhava a palavra chave e a sílaba, a família silábica..aquela

coisa toda... que a gente já conhece desde o nosso tempo de aluno....era bem direcionado, só

que o RJ colocava que não estava atendendo a nossa história de trabalho.. que a gente veio de

uma construção...primeiro veio o no final dos anos 80 ,Construtivismo e depois o

Sociointeracionismos, com autores russos..com autores como Luria, Vygotsky..toda esse

pessoal, Bakhtin... trouxe para nós....e de repente a gente se depara com um método mais

antiquado, volta-se aquela situação que a gente já apontava que não era mais interessante para

essa criança contemporânea, aí houve um diálogo em 2009, que a metodologia era

antiquada...que não atendia a realidade do RJ, que tinham palavras , que eram palavras

oriundas lá do nordeste...esta questão do regionalismo... e tal, tal, tal.....

Concluo que a avaliação feita pelos professores da 7ª CRE quanto a concepção

metodológica, se constitui de método antiquado e inadequado à realidade do município,

porém a grande maioria adaptou o mesmo e gostaram da composição final. Houve limitação

do material, que eles supriram e continuam a suprir com atividades auxiliares diversas e desta

forma enriquecendo o material do IAS. Estas análises são válidas para os anos de recorte da

pesquisa. Os resultados de êxito obtidos pelos discentes não devem ser unicamente atribuídos

a concepção pedagógica desenvolvida no Projeto Realfabetização, pois os professores cada

qual com suas estratégias criaram mecanismos de adaptação da metodologia, dos materiais e

avaliações do IAS e as ressignificaram na prática com os alunos.

Estas estratégias, tal como conceituadas por Bourdieu (1992), representaram os

caminhos, as escolhas aceitáveis dentro da realidade de cada docente em encontrar a melhor

solução para adaptar as normas estabelecidas pela política em questão, às suas possibilidades

reais. O gráfico abaixo mostra o quanto cada professor seguiu rigorosamente os passos do

projeto. O professor AAAAA e BBBBB nos extratos de entrevistas dizem ter seguido

Page 160: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

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rigorosamente, religiosamente as etapas do Projeto, mas ficou claro que cada qual ao seu

modo ressignificou as normas legais. Segue gráfico com questão (4) do questionário.

Gráfico 6: Pergunta 4

Verifica-se que 36% dos professores disseram ter seguido totalmente os passos

metodológicos do Projeto. Deve-se entender como passos toda e qualquer norma estabelecida

para o êxito do Projeto, portanto, fala-se dos fins. Sendo os meios utilizados ou seja, as

estratégias para burlar as regras, ocultas. Outros 27% disseram ter seguido boa parte dos

passos metodológicos previsto pelo Projeto.

Os professores da 7ª CRE apontam como ponto positivo o eixo norteador do Projeto.

Compreendo que este entendimento reflita a falta de planejamento nas escolas por não

possuírem diretrizes alfabetizadoras para a unidade escolar. Apesar de terem avaliado como

ponto positivo, os docentes identificam falhas nos descritores de habilidades (matrizes), que,

segundo eles, apresentam “lacunas” e desta forma a avaliação feita pelo IAS em relação ao

aluno não condiz com a realidade. O aluno lê palavras ou frases mas não interpreta e mesmo

assim é considerado alfabetizado. A conceituação de alfabetização dado pelo IAS não

diferencia o aluno que apenas lê uma simples palavra, do aluno que lê compreendendo o que

está lendo. Esta lacuna como bem colocada pelas diversas professoras, levam a elevados

dados estatísticos. Em documentos do IAS é apresentado uma efetividade, correspondente até

95%, o que não condiz com a realidade.

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161

4.5 Avaliação dos Professores da 7ª CRE sobre o Projeto Realfabetização: sua

efetividade como política de correção de fluxo no processo de alfabetização

Para se retratar a realidade mediante dados estatísticos necessita-se compreender o

contexto do qual estes dados foram retirados, pois pode acontecer lacunas por questões

interpretativas. Este é o caso que ocorre com o Projeto estudado. O conceito de aluno

alfabetizado para o Projeto Realfabetização consiste desde alunos que leem e escrevem textos

até os que leem e escrevem palavras apenas. Mediante esta conceituação na prática, todos

alunos que se encontram neste estágio de aprendizagem são considerados alfabetizados. E foi

o que ocorreu nos anos de 2009 e 2010 com o Projeto.

Os professores da 7ª CRE entrevistados consideraram quanto sua efetividade positiva,

mesmo para aqueles que não saíram lendo e escrevendo com compreensão, porém não

atribuem o resultado ao Projeto em si, e sim a dedicação, criatividade e competência dos

professores que estiveram à frente do mesmo e enriqueceram o Projeto original com os

discentes. Esta constatação demonstra que os professores não analisaram a política pública

como tal e sim no que foram capazes de realizar em sala de aula com seus alunos. O que ficou

claro nesta pesquisa é que a maioria dos professores continuam imbuídos em seus trabalhos

pedagógicos e pouco avaliam/criticam as políticas que chegam às escolas, porque

compreendem as mesmas como dadas, então, buscam dentro de seus preceitos agir com

coerência, competência e desta forma tentam corrigir as falhas dos Projetos em forma de

políticas, pensando nos ganhos sociais e cognitivos que poderão proporcionar aos seus alunos

independentes das políticas implantadas.

Segue balanço de leitura/escrita de 2009. Nele se observam os dados do Projeto

Realfabetização em números consolidados, que quando analisados separadamente em estágios

cognitivos, apontam para uma regular efetividade. Chamo aqui de efetividade os alunos que

conseguem ler e escrever textos com compreensão.

A pesquisa revelou que o percentual de até 95% de alunos alfabetizados, prometido

pelo IAS, com o Programa Se Liga/ Projeto Realfabetização se estabeleceu mediante

aglutinação dos estágios cognitivos dos alunos que leem e escrevem palavras, frases e textos

na mesma categoria. No caso da matriz, Tabela 14, este percentual foi de: 92,52%. Levando

em consideração os 1862 alunos. no final de dezembro de 2009.

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162

Tabela 14 – Indicadores Município do Rio de Janeiro Município do Rio de Janeiro - Acompanhamento de Dezembro 2009 –Indicadores

Aco

mp

anh

amen

to M

ensa

l

Número de turmas/professores 93

Número de dias letivos previstos no mês 13

Número de dias letivos dados no mês 13

Número de alunos no início do mês 1886

Número de alunos no final do mês 1862

Total de faltas dos professores (justificadas e não justificadas) 0

Percentual de faltas de professores 0

Total de faltas de alunos (justificadas e não justificadas) 2415

Total dos livros lidos – dezembro 2035

Total de Para Casa não feitos – dezembro 1816

Leit

ura

Número de alunos que ainda não leem (nem palavras) 138

Percentual dos alunos que ainda não leem 7,3

Total de alunos que leem somente palavras( silabando e com fluência) 214

Percentual dos alunos que leem somente palavras (silabando e com fluência) 11,3

Total de alunos que leem frases (silabando e com fluência) 336

Percentual dos alunos que leem frases ( silabando e com fluência) 17,8

Total de alunos que leem textos ( com pausa e com fluência) 1173

Percentual de alunos que leem textos ( com pausa e com fluência ) 62,2

Escr

ita

Número de alunos que ainda não escrevem 146

Percentual dos alunos que ainda não escrevem 7,7

Total de alunos que escrevem somente palavras (não ortograficamente e ortograficamente) 474

Percentual de alunos que escrevem somente palavras ( ortograficamente e não ortograficamente ) 25,1

Total de alunos que produzem textos ( com frases soltas dentro do texto e coesos) 1240

Percentual dos alunos que produzem textos ( com frases soltas dentro do texto e coesos ) 65,7 Fonte: 7ª CRE

O problema reside nas “lacunas”. Existe um problema conceitual do que seja aluno

alfabetizado, ratifico. Este documento oficial do ano de 2009, consta o número de atividades

desenvolvidas e registradas pelos docentes na matriz de habilidades, que compõe material da

metodologia do Projeto Realfabetização.

Ao continuar as análises da matriz de leitura em relação aos discentes que iniciaram o

Projeto (2057 alunos) e os que terminaram (1862 alunos), em 2009, se obterá os seguintes

percentuais: alunos que não leem: 138 ou 6,71%; total de alunos que leem somente palavras

(silabando e com fluência): 214 ou10,40%; total de alunos que leem frases (silabando e com

fluência):336 ou 16,33%; total de alunos que leem textos (com pausa e fluência): 1173 ou

57,02%, sendo que 195 alunos evadiram do Projeto, um percentual igual a 9,48%, que havia

sido desprezado na tabela acima. Assim, a efetividade do Projeto na leitura passa ser de

57,02%.

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163

Quando se analisa a parte da escrita, percebe-se que o percentual de alunos escreventes

(com frases soltas dentro do texto e coesos) é de 60,28%, ou seja 1240 alunos, portanto,

maior do que os leitores. Interpretando a informação explicativa entre parênteses, retirada da

matriz de descritores acima, ressalto que, um texto coeso, não tem frases soltas no seu meio,

porém é compreensível que o aluno ainda cometa esta falha, pois se encontra no processo de

aquisição da escrita, mas que ainda não se encontra alfabetizado. Ao analisar os alunos que

não escrevem nada, o numeral correspondente é 146 e equivale a 7,1% e o total de alunos que

escrevem somente palavras é de 474 ou 23,04%. Desta forma todos alunos que terminaram o

Projeto Realfabetização seguiram para o Projeto Acelera, menos os 146 alunos, que

retornaram para suas séries de origem e os desistentes do percurso.

Portanto, o Projeto guarda um percentual de efetividade de 57,02% na leitura e

60,28% na escrita em 2009. Estatística modesta mediante a monta do Projeto. Os professores

da 7ª CRE relativizam esta efetividade através das entrevistas e questionários, quando

perguntados sobre a avaliação da política pública.

Segue trecho da entrevista com a coordenadora onde a mesma repassa o desempenho

quantitativo dos alunos no projeto ao final do ano de 2009, segundo a matriz de habilidades

modelada pelo IAS. Observa-se, no trecho da entrevista, que a coordenadora ratifica a

importância do Projeto pelo dados estatísticos apresentados, mas não reflete sobre a lacuna

que apresenta a avaliação. Alunos que leem somente frases ou palavras podem ser

considerados alfabetizados? Estou certa que não, portanto, a fórmula do sucesso do IAS,

reside no conceito de aluno alfabetizado.

Pesquisadora: certo...você achou válido este Projeto enquanto política pública de inclusão

para os alunos que participaram?

Coordenadora: MUITO, MUITO, muito importante. Nós temos aqui os dados (começou a

folhear documentos com demonstrações estatísticas) nós começamos com 2057 alunos

analfabetos zerados e fechamos com 1862 alunos. Destes 1862... ééé ( )1173 liam com

TOTAL fluência,interpretando, escrevendo textos; [trezz...] 560 já saíram lendo palavras e

frases, então assim deste 1862, só 138 alunos que realmente a gente não conseguiu. Então foi

um Projeto assim.. muito importante para rede, tanto que ele continua... foi uma decisão muito

acertada da secretária. Uma decisão corajosa e muito acertada! PARAR naquele momento ( )

não! A gente vai trazer algo de fora! Vamos trazer uma parceria! (reinterpretou a voz da

secretária) a gente sabe que é difícil né?! O professor tá ali, mas não está...as vezes nem por

culpa deles, mas está... mas quando chega algo de fora, a gente vê que eles se ressentem...,mas

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164

foi muito importante. Os professores valorizaram muito o Projeto, quando eles viram as

crianças crescendo...crianças que estavam lá.[.que não dá, que não aprende...que o aluno

começou a ler a escrever] então foi assim um ano de muitos sucessos, muitas glórias. [no

pequenininho mesmo, o itinerante que chegava: olha “fulano” começou a ler...] uma

felicidade para gente! (falou com emoção na fala) a gente sempre se preocupou muito porque

a gente sabe que a gente tem este período para resgatar esta criança e o que representa isto na

vida desta criança ou este que não consegue? Então assim, 138 é pouco se a gente olhar em

porcentagem, pra gente foi até muito, porque a gente queria todos, mas outro fatores estavam

interferindo aqui, que não só a questão da aprendizagem, então assim O IAS é sim um Projeto

fechado, bem fechado, toda uma rotina a ser seguida, mas muito importante..nada que o

professor não soubesse fazer. Nada de tão novo, mas assim, uma coisa fechada. Então veio

documentando mesmo, fechando. Tem que ser seguido sim, àquela rotina!Trabalhar a auto-

estima do aluno, vamos levantar esse nosso aluno, já sofreu tanto por tanto tempo, né?! ...de

estar ali no fundinho da sala ou eu não consigo (reinterpretou a voz do aluno), porque ele

mesmo se coloca no final da sala. Então no início os professores tiveram muita dificuldade,

porque o aluno já dizia eu não sei eu não vou conseguir...então assim foi muito gostoso, muito

importante projeto e continua dando certo até hoje...não só do IAS, do professor, da parceria,

quando a escola aceita gente está ali vibrando querendo que tudo dê certo, batalhando...faz

toda a diferença..é muito importante! (passou convicção com certa emoção)

No extrato de entrevista abaixo, a itinerante explica sua opinião sobre o Projeto

Realfabetização. Ela ratifica que o Projeto é acertado, mesmo tendo criticado em outros

momentos o método, a estrutura fora da realidade do município do Rio de Janeiro e os livros

(anexo C). Eu perguntei:

Pesquisadora: então para a gente finalizar...então como você avalia o Projeto como um todo?

Professora Itinerante: acho que ele cumpriu seu papel. Eu vejo isto! Na minha percepção,

eu tenho 33 anos de trabalho ...a maior parte...28 anos na rede pública.. e com toda essa

história de trabalhar em favela, de trabalhar com crianças extremamente carentes e de

abandono social ...eu vejo assim ..não é um milagre, é um trabalho. Se todos nós percebemos.

.o propósito de... é necessário que as crianças aprendam da mesma jeito que outras aprendem,

embora que saibamos que existe uma limitação social para estas crianças... isto é

real...assim..nunca se leu tanto, nunca se comprou tantos livros para a sala de leitura, nunca se

falou sobre isto, tão, tão forte. Nós fizemos um programa.. .a equipe...as meninas... foi a

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165

Multirio... a convite da secretária , fizeram um programa sobre o trabalho que fizemos aqui de

produção textual.. que foi assim Fantástico! Se você puder pedir ...se tiver uma cópia para

você ver e perceber o que nós fizemos aqui e nós somos só um exemplo do que a rede tem

condições de fazer , nós não somos melhores do que ninguém, a gente só tem um trabalho

bastante..... assim... de visibilidade do que esta CRE faz..mas nós não somos melhores que

ninguém. Nós seguimos a filosofia da rede, né? Eu acho que nós melhoramos muito...em bem

pouco tempo . aí na verdade em relação a gestão pública se cumpriu o papel...Está Se

Cumprindo o papel que é esperado mesmo!

Segue trecho da entrevista com as professoras regentes onde elas dizem quantos

alunos conseguiram ser “alfabetizados” ao final do ano de 2009. Ela esclarece o problema da

“lacuna”, mostrando que os alunos considerados alfabetizados na realidade estavam em

processo de alfabetização e não alfabetizados.

Pesquisadora: Destes 25 alunos, você pode dizer que quantos terminaram o final do ano

alfabetizados?

Professora:23!

Pesquisadora: Então foi bastante!

Professora: É ..os dois que realmente não conseguiram dar conta deste processo , são as duas

crianças com problemas familiares...assim sérias! Uma menina com um...é... diabetes que

tomava insulina e a família não dava apóio. Foram complicados...AGORA...neste nível de

alfabetizados... tem uma questão aí no meio, né?! Dizer que eles foram alfabetizados,

letrados, com leitura, escrita e interpretação, nem TODOS....mas se a gente for

comparar a maneira que eles chegaram ( ) e na maneira como eles saíram... Caminhou

bem! Agora o problema que eu tive no final do ano é: PARA ONDE ENCAMINHAR

ESTAS CRIANÇAS???? (bateu com as mãos levemente na mesa acompanhando o ritmo

do que falava numa cadência lógica, enquanto pronunciava sua indagação)

Pesquisadora: Esta é outra questão...e aí AAAAA?

Professora: É houve dá CRE uma pressão ( ) para que as crianças fossem encaminhadas de

acordo com a ficha de avaliação do mês...aquela ficha de leitura e escrita. Acompanhamento

da leitura e da escrita.

Pesquisadora: Ficha com aqueles descritores todos...

Professora: É Exatamente! E ali existe uma LACUNA. Entre o que a criança lê e o que ela

não lê e se ela compreende o que ela lê. Você não tem espaço para isto...a criança pode ser...B

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166

o “BO”..L a “LA”. Que está escrito aqui? E Ele não sabe te dizer...Não existe nenhum

momento uma pergunta sobre a interpretação desta criança...sobre o entendimento desta

criança..então.eu tinha criança que liam sim! Mas nem sempre com compreensão do que lê e

aí para ir para um, Acelera, que ninguém conhecia.... e dizer o que seria dado neste Projeto,

para ver se atendia a estas crianças, foi complicado... crianças que achava que não tinham

condições para irem para o Projeto, foram! E graças a Deus, eu pude acompanhar este

processo, tiveram sucesso...me deixaram até tranquila, mas na minha avaliação eles não

teriam condições... QUE BOM QUE CONSEGUIRAM! Mas eu acho também, pelo apoio da

professora que ficou com eles...,pelo trabalho dela, pela dedicação, né?!

A fala da professora mostra que há falhas na maneira em que se avalia os alunos,

dentro da matriz de indicadores do Projeto Realfabetização. O fato dos alunos estudarem em

horário integral, neste caso específico da professora AAAAA e em bem poucos outros, ajudou

a consolidar o processo de alfabetização de maneira mais consistente e, portanto, muitos casos

foram de êxito, sem contar que já tinham alunos alfabetizados no Projeto. Então a política

pública acabou contribuindo para uma efetivação no processo de alfabetização e adequação da

distorção idade/série para um pouco mais da metade dos alunos participantes no Projeto. Em

outro momento da entrevista a professora regente fala da turma de 2010. Uma turma oriunda

exclusivamente do 2º ano. Relembrando que, em 2010 poucas turmas do 2º ano foram

encaminhadas para o Projeto. Este ano de 2011 já foi plenamente oficializado pela SME. Eu

pergunto sobre as turmas de 2010:

Pesquisadora: Aí você teve os alunos do 2º ano...no final do ano, os alunos foram

alfabetizados? Quantos eram os alunos, AAAAA?

(barulho ao fundo.....crianças brincando)

Professora: Eu tive 15, mas fecharam o ano só 14 crianças. deste grupo de 14 crianças, duas

crianças eu tinha certeza que não teriam que ir para o Acelera. Inclusive eles estão com

dificuldade até hoje, no Acelera. Por quê?

Pesquisadora: Eles continuam no acelera?

Professora: Continuam no Acelera. Não puderam sair!

Apresento esclarecimento da coordenadora, mediante a dúvida e consequente pergunta

que fiz: quais seriam os alunos considerados alfabetizados no ano de 2010? Ela me escreveu

desta forma:

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167

Coordenadora: “Considera-se alfabetizado e promovido para o Acelera 1 A , os alunos que

leem palavras, frases e textos. Os que, apesar do trabalho de Realfabetização, não

conseguiram ler nem palavras retornam à turma de origem (na mesma escola) e passam a ser

acompanhados pela UE, sendo então inseridos no Projeto Nenhum a Menos.

Coordenadora: Em 2010 dos 345 alunos iniciais no Se Liga , somente 306 concluíram o

curso. Destes, 42 (13,7) não conseguiram se alfabetizar e permaneceram na mesma série e 264

(86,3) concluíram seu processo de alfabetização , sendo encaminhados para o Projeto Acelera

1A, para correção da defasagem idade/série.

A estatística apresentada pela coordenadora aponta 11,30% de evasão dos alunos no

Projeto, o que corresponde a 39 discentes fora do mesmo em 2010. Nesta análise feita pela

coordenadora, fica claro que os dados correspondentes a 86,3% de alunos alfabetizados, estão

englobados os educandos que leem/escrevem: palavras , frases e textos. Fica patente da

mesma forma que não foi levado em consideração os alunos no início do Projeto, fazendo a

estatística corresponder a um percentual mais elevado e atraente. Quando recalculado o

percentual sobre o quantitativo dos alunos que iniciaram o Projeto em relação aos que

terminaram, se obterá os seguinte percentuais: ainda não leem 10,14% ou 35 alunos; leem

somente palavras 18,55% ou 64 alunos; leem frases 11,88% ou 41 alunos; leem textos

48,12% ou 166 alunos. Ratifico que a efetividade da leitura no ano de 2010, passa a ser de

48, 12%, pois são estes que leem textos e “possivelmente” os compreendem.

Gráfico 7: Leitura dos alunos no final de 2010

Fonte: Elaboração própria a partir de dados oficiais da 7ª CRE

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168

Seguem dados quantitativos da leitura dos discentes.

Ainda não lê Lê palavras Lê frases Lê textos

35 64 41 166

Segue gráfico quantitativo da leitura dos discentes.

Gráfico 8: Escrita dos alunos no final de 2010

Fonte: Elaboração própria a partir de dados oficiais da 7ª CRE

Ainda não escreve

Escreve somente palavras

Produz Textos

35 94 177

O gráfico acima aponta para as seguintes análises percentuais: 35 alunos que ainda

não escrevem, correspondem a 10,14%; alunos escreventes de apenas palavras, são 94 e

corresponde a 27,25% e finalmente os alunos que produzem textos: são 177 e equivale a

51,30%. Percebe-se que o percentual de escreventes é superior ao percentual de leitores em

ambos anos de análises, fato pouco comum no processo de alfabetização.

Voltando à análise de 2009, a professora regente BBBBB esclarece que todos os

alunos foram encaminhados para o Projeto Acelera ao sair do Projeto Realfabetização, mas

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169

que não deveria ser esta a orientação, pois nem todos estavam aptos. Segundo a docente,

houve pressão da 7ª CRE para que o aluno seguisse para o outro Programa do IAS, o

“Acelera.” Segue extrato da entrevista:

Pesquisadora: Entendi... assim...você lembra no final do ano , os alunos, que foram avaliados

de forma, que quem fosse alfabetizado iriam para o projeto Acelera e os que não, voltariam

para suas turmas de origem. Isto aconteceu com você?

Professora regente BBBBB: não, não aconteceu...eu tive caso de dois alunos, que eles não

liam, não escreviam quase nada... eles não tiveram progresso em posição alguma... e eu não

tinha colocado o nome deles na lista para ir para o Acelera, porque a determinação era, só iria

para o Acelera os alunos que estivessem no processo de alfabetização mais desenvolvido. Aí

para minha surpresa em janeiro eu recebi um telefonema da diretora da escola, dizendo que

tinha mudado a determinação, que a nossa CRE tinha colocado aqueles dois alunos como

alunos aptos para ir para o Acelera.

Pesquisadora: Mas por que isso? Disseram por quê?

Professora BBBBB: Não, não...não disseram porquê...e aí a gente teve um final de ano

assim...que fomos convidadas para um evento...e que nossa CRE foi muito bem colocada,

porque teve um alto índice de alunos,que conseguiram ir para o Acelera. Só que meu caso não

foi o único...muitas colegas tiveram seus alunos que não liam e nem escreviam quase nada...e

aí foi um fiasco, né? Porque quando chegou em 2010 esses alunos estavam lá... e muito

perdidos...

Pesquisadora: Me conta um pouco sobre isto, BBBBB...? Quer dizer então, que eles foram

para o Acelera... é se acreditava então, que eles estivessem muito bem...(ela interrompeu)eles

chegam....

Professora BBBBB: Não se acreditava!.. (ar de riso)...eles sabiam que eles não estavam..

Pesquisadora: Ah ele sabiam?!.. Quem sabia?

Professora BBBBB: Ué?! As pessoas que trabalham com o Projeto...

A docente BBBBB faz um balanço e conclui que a política apesar dos erros diversos em sua

implantação, execução e avaliação, foi uma política que trouxe ganho social para os alunos

participantes. Segue trecho da sua fala, após minha pergunta:

Pesquisadora: esta política então foi uma política de integração social para eles alunos?

Professora BBBBB: foi...foi...acho que sim..apesar de não ter sido uma escolha, de não ter

tido uma consulta ao professor, mas eu acredito que teve êxito.

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170

Os gráficos abaixo ratificam a interpretação avaliativa dos docentes regentes acima,

pois 18% dos docentes respondentes avaliam a política pública como antidemocrática e

somente 5% dizem ser totalmente democrática. O percentual correspondente àqueles que

entenderam a política como mais ou menos democrática, foram de 20%. A compreensão desta

questão ficou relativizada, pois muitos professores entenderam como política democrática o

fato desta política oportunizar de fato um momento para estes alunos serem alfabetizados.

Atesto isto pelas minhas observações em campo, durante conversas diversas com professores.

Segue gráfico com a pergunta (8) do questionário:

Gráfico 9: Pergunta 8

Interpreto que a avaliação positiva que os professores fazem sobre o Projeto

Realfabetização, diz respeito ao seu próprio trabalho com os discentes em sala de aula. O fato

de ter sido dada uma nova oportunidade para estes discentes, ainda que em um Projeto cheio

de preconceitos e antidemocrático, fez com que se pudesse em muitos casos reverter a

situação de analfabetismo e ainda corroborou o Projeto Acelera, que deu sequência ao

processo de alfabetização para aqueles que ainda não estavam alfabetizados. Então houve uma

ação concreta, situação que não ocorreria antes que esta nova gestão da SME trouxesse esta

proposta. Pela proposta central da SME, os professores no balanço geral, avaliam a Política

como positiva.

Os professores conseguiram acompanhar o progresso de muitos alunos participantes

do Projeto, porque havia uma cobrança maior com relação a este Projeto e desta forma houve

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171

maior apoio com reuniões entre outros docentes e itinerantes, onde puderam trocar

experiências alfabetizadoras e sendo assim o trabalho fluiu com um norteamento.

Poucas escolas utilizam o PPP da escola como forma de se criar estratégias para

melhorar os pontos fracos da aprendizagem dos alunos na unidade escolar. A professora

BBBBB deixa claro que na sua escola não se discute este instrumento tão valioso, portanto, a

proposta de se alfabetizar estes alunos com defasagem idade/série é válida, porque válido é o

direito destes discentes de terem uma educação de fato, de qualidade, mas a política

permanece de cima para baixo e por conseguinte sem a ampla participação dos docentes para

escolher caminhos, apontar rotas alternativas, seja com políticas em regime de parceria, ou

não. Uma gestão democrática abre de fato canais para dialogar. A escola e seus profissionais

precisam trabalhar em prol da eliminação da assimetria que existe entre escola das classes

populares e escola dos burgueses. O PPP é um instrumento propulsor de ganhos sociais se

bem empregado por todos do corpo escolar, comunidade e gestores públicos. Segue a

pergunta (5) do questionário:

Gráfico 10: Pergunta 17

O gráfico aponta para uma discussão efetiva em 45% das respostas, seguidos de 21%

de docentes outros que dizem discutir, porém não fica explícito de que forma essas discussões

ocorreram. Embora esta questão não faça parte do escopo do trabalho, aponto o PPP como

instrumento propulsor de melhorias na educação dos discentes, se for planejado com todo

corpo escolar e comunidade. As propostas consideradas como “empurroterapias”, tal como

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172

definida por Kuenzer (2000), que não surtem efeitos, pois são construídas apenas para

constar, não podem ser praticadas e aceitas nos espaços educacionais.

A professora AAAAA faz um alerta. Pede para que sejam ouvidas as críticas e

ponderadas. Ela pede um canal de comunicação, onde a voz do professor possa ser

representativa de fato e de direito, pois não adianta criar canais de comunicação como blog,

twitter entre outros se não se encontra espaço para discussões de fato. Não é ouvir apenas,

mas criar oportunidade de participação.

As duas perguntas abaixo esclarecem a avaliação feita pelos docentes regentes quanto

à eficácia do Projeto. A primeira pergunta voltada para o quão bom foi para o aluno

participante do Projeto, ou seja, se de fato houve ganhos para o aluno ao ter sido submetido ao

Projeto Realfabetização. A pergunta (16) do questionário é:

Gráfico 11: Pergunta 16

Verifica-se que a maioria (39%) disse ter sido muito proveitoso, que 36% disseram ter

sido proveitoso e que somente 2% compreenderam ter sido nada proveitoso.

A pergunta seguinte mostra a avaliação que os docentes regentes fizeram da política

pública como um todo, ou seja, entre pontos favoráveis e desfavoráveis:

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173

Gráfico 12: Pergunta 19

Observa-se que os três maiores percentuais recaem sobre o lado positivo. 30% avaliam

a política como totalmente eficaz; 23% julgam como eficaz e 28% provavelmente eficaz e

somente 2% consideram totalmente ineficaz.

Esta avaliação mostra os princípios valorativos do professor em seu pensar, em suas

práticas pedagógicas dentro do campo educacional, com toda dinâmica desta estrutura. Assim,

houve o reconhecimento das regras do jogo, ou seja, o habitus conceituado por Bourdieu

(1983). Os professores avaliaram a política como válida, pois houve a intervenção da SME,

ou seja, se concretizou um plano de ação e se executou. Estas avaliações refletiram a postura

mental, o julgamento inconsciente mediante às experiências históricas de vida dos docentes,

que por este somatório de vivências, entenderam que houve ganho para estes alunos, embora

não tenha sido uma efetividade de 95% como prometia o IAS, mas eles viram que muitos

alunos conseguiram ser alfabetizados e outros, ainda que não-alfabetizados, obtiveram outros

ganhos, que não só a cognição. Suas avaliações podem ser refletidas de certa forma com a

pergunta (20) do questionário: Pois se a maioria provavelmente voltaria a trabalhar com o

Projeto. A experiência com a proposta desta política, mediante aos ganhos e perdas que

trouxeram para os alunos, a aceitação da metodologia utilizada, o know how adquirido dos

docentes com o trabalho, fez e faz com que muitos docentes respondessem da seguinte forma

à pergunta: você voltaria a trabalhar no Projeto? Com convicção, 10% afirmam que voltariam

e mais outros 27% não se oporiam a trabalhar novamente com o Projeto; a grande maioria

possivelmente voltaria, correspondendo a 36% dos docentes e apenas 5% não voltariam de

forma alguma. Mostra que a experiência como um todo foi válida, porque legítimo é o direito

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174

de ser educado de fato. A cada ano escolar percebe-se muitos alunos com dificuldades na

leitura/escrita. Estes, no final do ciclo da alfabetização, não têm conseguido se alfabetizar e as

escolas não têm conseguido solucionar este problema. A pergunta abaixo mostra que os

professores estão disposto a colaborar para erradicar o analfabetismo, ainda que seja negado

sua participação em muitos momentos.

Gráfico 13: Pergunta 20

Os professores em toda sua história de luta, demonstraram seu lado afetivo e pouco

questionador ao educar e desta forma, tal como Boudieu (1983 ) conceitua o habitus dentro do

campo, compreendem que qualquer política que traga ganhos sociais para os educandos é

válida, pois é melhor ter uma política antidemocrática, que se aproprie de métodos arcaicos,

preconceituosa, do que não ter nenhuma política. Esta compreensão foi expressa por todas as

professoras regentes entrevistadas e ratificada aqui nas duas transcrições de AAAAA e

BBBBB.

O profissionalismo do professor é importante para romper com este ciclo de

naturalização do poder de decisão central do Estado educador. Participação é poder e, para

tanto, é preciso penetrar nas várias arenas educacionais e protagonizá-las de fato, em prol de

uma educação emancipatória e libertária, como conceituada por Freire (1997). Existe uma

reflexão entre os docentes, mas a conscientização do poder da participação enquanto

propulsor de mudanças sociais, ainda está por vir. Ratifico as palavras de Leite (2005) a este

respeito e trago um extrato de sua citação:

Com o que estou a afirmar, estou a querer sustentar que se espera que a formação

inicial e a formação contínua de professores tenham consequências ao nível da

construção de novos profissionalismos e de novas profissionalidades que permita

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175

que os professores desenvolvam competências para lidar com as situações que as

mudanças sociais têm gerado ( Leite, 2005 p. 372)

O professor deve protagonizar este profissionalismo em sala de aula e contribuir com

novas profissionalidades ao analisar criticamente políticas educacionais.

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176

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve como objetivo analisar a avaliação dos professores da 7ª CRE do

município do Rio de Janeiro sobre o Projeto Realfabetização. Após as análises realizadas,

concluí que os docentes da 7ª CRE, participantes da pesquisa, avaliaram o Projeto, dando

ênfase aos aspectos que passo a relacionar.

a. Uma política desconexa com a realidade dos educandos do município, pois o Projeto

veio pronto de outros estados para ser implantado na rede municipal do Rio de Janeiro,

contendo termos distantes do cotidiano carioca, além de alguns outros termos

preconceituosos.

b. Caracterizado por uma metodologia pedagógica arcaica, com a volta da “cartilha”, que

nos anos de 2009 e 2010 foi empregada como instrumento de apoio à alfabetização dos

discentes. Não obstante, isso não comprometeu o trabalho, porque os professores criaram

estratégias de adaptação e enriquecimento do material, descrito por eles como “pobre”.

c. Pautado por um mecanismo de avaliação baseado no gerenciamento de resultados,

através de matrizes descritivas do IAS, que não contemplam uma avaliação legítima do

processo ensino-aprendizagem de cada aluno, pois existe uma lacuna nestas planilhas, o que

não permitiu ao professor pormenorizar a apropriação da leitura/escrita dos discentes. Estas

planilhas são interpretadas no final do ano letivo e resultam em dados estatísticos positivos,

considerados de “total sucesso”, porque englobam todos os alunos que leem/escrevem

palavras, frases e textos como alunos alfabetizados.

d. Antidemocrático porque as avaliações dos professores em relação aos alunos foram

suplantadas pela metodologia gerencial/censitária do IAS e, dessa forma, os professores não

puderam decidir o encaminhamento do discente no final do Projeto, nos anos pesquisados.

e. Antidemocrático também porque os professores não participaram de amplo processo

de discussão na rede municipal com vistas à concretização do Projeto ou de outras políticas

que buscassem sanar o problema dos alunos analfabetos com distorção série/idade no interior

das escolas; por também não terem participado da execução da política, através da montagem

e correção das avaliações diagnósticas feitas para identificar os alunos analfabetos; por não

terem tampouco sido atendidos em vários momentos de suas reivindicações em prol de

melhorias no Projeto.

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Apesar desses aspectos, no balanço geral, os professores apontam o Projeto

Realfabetização como positivo, face ao seu propósito de alfabetizar e corrigir o fluxo dos

discentes com distorção idade/série. Indicaram o resgate da auto-estima dos alunos, junto com

seu empenho e adaptação ao Projeto, como fatores condicionantes do êxito dos discentes

participantes nesta etapa de apropriação da leitura e da escrita compreensiva. Avaliaram

também o Projeto como válido, mesmo para alunos que dele não saíram alfabetizados, pois

perceberam seu crescimento no processo ensino/aprendizagem. Novamente ressalto a

preocupação dos docentes com seus alunos e a pouca criticidade dos mesmo com a avaliação

do Projeto enquanto política educacional. A efetividade do Projeto em relação a

leitura/escrita em 2009 foi: 57,02% e 60,28% . No ano subsequente de 2010 foi de: 48,12

e 51,30%. Uma efetividade questionável mediante o propósito pretendido.

Com efeito, seguindo a concepção avaliativa do IAS, na 7ª CRE, em 2009, foi

verificado que 92,52% dos alunos leem, com fluência ou não: palavras, frases e textos. Em

2010, este percentual foi de 86,27%. Estes são considerados alfabetizados, não importando se

a compreensão da leitura é ou não com entendimento do texto lido. Quando retirado o número

de alunos que leem apenas palavras e frases soltas, e os evadidos, este percentual se fixa em

57,02%, em 2009, e cai para 48,12%, em 2010. Na escrita os percentuais são de 60,28% em

2009 e 51,30% em 2010. Dessa maneira, o “brilhantismo” da metodologia do sucesso se

transforma em padrão modesto de resultados positivos.

O estudo trouxe à tona questões que urgem por solução, pois o que ficou patente

durante a pesquisa é que, a cada ano, a massa dos excluídos por dentro engrossa a estatística

dos analfabetos funcionais, nas unidades escolares do município. Uma discussão responsável

reclama por ser realizada, pois as escolas estão perpetuando a lógica reprodutivista, tal como

conceituada por Bourdieu (1992), consagrando uma prática de inclusão-excludente dos muitos

alunos que frequentam os espaços escolares e deles saem despreparados para a vida. São

verdadeiras usinas de mão-de-obra barata a alimentar o sistema capitalista de exploração do

trabalho. Para quebrar esta concepção, o professor passa a ser um aliado indispensável, como

aquele capaz de ajudar na transformação e na conscientização dos alunos para a importância

da aprendizagem crítica, reflexiva, participativa e humanista. Portanto, para atingir e praticar

a educação libertária, como vivenciada e ensinada por Freire (1994), o professor precisa, antes

de tudo, ser crítico, consciente e capaz de compreender seu papel como agente de

transformação social, de promotor do respeito à diversidade e, logo, de mediador ativo do

processo de efetiva inclusão social dos educandos.

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A propósito da inclusão, cabe aqui sublinhar que o Projeto Realfabetização está em

dissonância com o paradigma da educação inclusiva, que cada vez mais vem se afirmando e

saindo dos textos legais para ganhar vida na prática pedagógica cotidiana, com a matrícula

regular de alunos com necessidades educativas especiais em salas de aulas regulares. Em

profundo desacordo com esse paradigma, no Projeto Realfabetização é vetada a participação

desses alunos nas turmas que compõem o Projeto, o que configura, portanto, uma política

educacional claramente preconceituosa. A justificativa é que estes alunos já são atendidos em

outros locais.

O papel dos professores tem sido determinante na construção de mudanças

educacionais, capazes de gerar transformações sociais favoráveis na vida dos educandos.

Estou falando especificamente dos ganhos na vida dos alunos que foram alfabetizados por

meio do Projeto Realfabetização. O resgate da identidade, a valorização das potencialidades e

o reconhecimento das possibilidades de mudança a partir da conscientização sobre suas

trajetórias de vida mostram que os impactos sociais são benéficos e foram percebidos num

curto período de tempo. Os professores que puderam acompanhar os alunos do Projeto, nestes

dois anos pesquisados, relatam que muitos se encontram felizes e progredindo de fato em seus

estudos. Quantos destes alunos poderiam ter deixado a escola por falta de motivação e

ausência de expectativas futuras? Portanto, na avaliação geral dos professores, o Projeto foi

considerado válido, embora sua efetividade tenha sido bem menor do que o prometido pelo

IAS, sem se falar nos gastos com o mesmo.

A rigor, os estudos proporcionados por esta pesquisa apontaram para uma

recontextualização da política pública analisada, que apesar da lógica gerencial top-down, de

controle legal, por parte dos órgãos municipais e do IAS, sobre as atividades do professor nas

salas de aula, com o direcionamento das práticas docentes para o cumprimento de tarefas, foi

possível constatar uma ressignificação, na prática, de uma nova política, tal como conceituado

por Ball (2002). Existe um certo consenso quanto ao fato de que o professor é um elemento

central na construção de efetivas mudanças sociais na vida dos educandos. A esse respeito,

Giroux (1988) afirma que, perante o “mudancismo”, os professores se sentem

simultaneamente ameaçados e desafiados em seu fazer pedagógico. Eles continuam a ser

ignorados, por parte dos gestores educativos, que não veem ou não querem ver, neste

profissional, conhecimento e competência para fazer análises críticas dos processos decisórios

das políticas educacionais. Os professores são acantonados como forma de minimizar os

possíveis problemas gerados por insatisfações e contestações. Eles não são chamados a

participar de propostas com as quais irão trabalhar. Ball (2002) explicita sua concepção

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segundo a qual os professores trabalham e agem sem saber quais serão seus próximos passos,

pois a cada momento as instruções são reformuladas, “numa frustrante sucessão de números,

indicadores de desempenho, comparações e competições, de tal maneira que a satisfação da

estabilidade é cada vez mais ilusória” (BALL, 2002, p.10). O princípio da incerteza se

instala, criando um desestímulo nestes profissionais quanto a suas práticas educativas.

Estas análises foram verificadas durante a pesquisa, pois os professores foram pegos

de surpresa com o Projeto Realfabetização na semana de capacitação. Não lhes foi dada a

chance de viver um momento argumentativo, de escolha, de discussão de novas rotas.

Também foi percebido que, no transcorrer do Projeto, as diretrizes eram atropeladas e

ninguém respondia com segurança a muitas indagações dos professores, pois a incerteza foi

uma constante nos dois anos que se seguiram, mostrando que o Projeto se deu de forma

aligeirada e sem planejamento coeso. A função pedagógica do professor foi minimizada, pois

a avaliação contínua foi suprimida em proveito das matrizes avaliativas elaboradas pelo IAS.

A dinâmica do Projeto não possibilitou a decisão final do professor, quanto ao

encaminhamento dos alunos. Eles se sentiram tolhidos em sua capacidade avaliativa, pois o

que prevaleceu foi o sistema matricial com as informações consolidadas pelo IAS. Este

mecanismo de avaliação voltado para os resultados são falhos, pois não possibilita uma

avaliação realística, já que nem sempre um aluno que consegue ler, silabando um pequeno

texto, o compreende de fato. Existe uma lacuna sinalizada pelos docentes neste processo, que

não possibilita descrever, na sua complexidade, a realidade da apropriação da leitura/escrita

pelo aluno. A estatística de sucesso apresentada pela aplicação da metodologia norteadora do

IAS é superdimensionada, pois contabiliza todos os alunos (lendo apenas palavras, lendo

silabicamente e com frequência frases e textos) na categoria de alfabetizados.

O conceito de alfabetização utilizado para identificar e promover os alunos do Projeto

Realfabetização para o Projeto Acelera é mecânico, visto que muitos alunos passaram para a

etapa seguinte na situação de decodificadores mecânicos dos símbolos gráficos e, portanto,

não correspondem ao que estudiosos como Freire (1997), Cagliari (1989), Soares (2003) e

tantos outros conceituam como discente alfabetizado. Estes autores atestam que a

alfabetização não é um processo que corresponde à simples união de grafemas e fonemas sem

significação. Os autores contextualizam o sentido social do uso da leitura e da escrita como

forma de identificar o cidadão alfabetizado. Soares ainda estabelece a ligação entre letramento

e alfabetização, afirmando serem processos contínuos e dependentes. Soares ainda assinala a

importância do uso de materiais que circulam no cotidiano para alfabetizar os alunos,

incentivando os educandos a se interessarem pela realidade que vivenciam.

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O próprio nome do Projeto Realfabetização traz consigo um erro conceitual, pois, a

partir do momento em que o aluno for alfabetizado, ele não precisará ser (re)alfabetizado. Os

alunos que participaram do Projeto e estavam analfabetos foram “possivelmente”

alfabetizados.

De acordo com avaliações feitas pelos professores da 7ª CRE, não houve

“brilhantismo” na proposta em questão; pelo contrário, foi identificada uma gama de vozes,

entre itinerantes e regentes, que declararam que o Projeto se constitui como um “pacote

fechado”, que não foi pensado para a realidade do município; que foi e continua sendo

antidemocrático enquanto política pública educacional. As mudanças pontuais que vêm

ocorrendo na sistemática do Projeto, derivam principalmente da luta social, por meio de

reivindicações e contestações de diversas vozes dos profissionais da educação, que pleiteiam,

afinal, a sua justa participação no Projeto.

A lógica de premiação utilizada pelo IAS para gerenciar os espaços educativos, tais

como Gestão Nota 10 e Circuito Campeão, foi copiada pela 7ª CRE, que, numa onda

produtivista, premiou seus professores no final do ano de 2009 com medalhas representativas

de bom profissional e colaborador eficaz. Esta concepção “meritocrática” de premiação foi

percebida pelos professores da 7ª CRE de outra forma, pois, como já exposto nesta pesquisa, a

SME-Rio atrelou o desempenho das escolas no IDEB ao pagamento do 14° salário, ou seja,

apenas para aqueles profissionais que tiveram, em suas escolas, as metas alcançadas. Estas

ações suscitam, além de um ranqueamento entre as escolas, um clima de insatisfação entre os

profissionais. Lyotard (1984, p.46) chama de “performatividade” esta cultura de comparação

e controle, como forma de medir a produtividade dos professores. Os índices do IDEB não

servem como avaliações transformadoras, pois não se prestam a oportunizar um momento de

reconstrução do erro dos discentes, mas tão somente a classificar as escolas, podendo ainda

servir de mascaramento por meio de dados estatísticos, quando burlados pelas escolas para

que seus profissionais ganhem o 14º salário.

Esta pesquisa problematizou, em capítulo anterior, o Paradigma da Avaliação

Emancipatória, descrito por Saul (2009) como concepção avaliativa de políticas educacionais.

Foi possível atestar, pelas entrevistas realizadas, que, se adotado tal paradigma pelos

avaliadores da SME ou de qualquer instância, muitos ganhos se obterão, pois a riqueza dos

dados a serem considerados nesta dinâmica participativa fez as vozes dos professores

emergirem para apontar ganhos e falhas do Projeto. Para tanto, os avaliadores precisam querer

que a gestão pública seja democrática. Fala-se muito de gestão democrática, mas os

mecanismos de participação desta gestão atual no município do Rio de Janeiro são meras

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formalidades, ou seja, são comissões de professores que se formam sem representatividade da

categoria dos docentes e vão “dialogar” com a SME-Rio. Uma gestão democrática de fato

oportuniza discussão aprofundada em larga escala.

Canais abertos como “blog” e “twitter”, que não traduzam mudanças nas práticas

pedagógicas e maior participação decisória dos professores, não são práticas efetivamente

democratizantes. A participação dos agentes envolvidos em qualquer política pública é

fundamental, pois, para a construção de qualquer projeto, deve-se partir dos anseios e

necessidades da comunidade, para se recolher sugestões e se traçar melhores caminhos na

aplicabilidade da política educacional. E posteriormente, deve-se retornar à mesma e verificar

os efeitos advindos da política efetivada, como forma de avaliar de fato a política educacional:

um ciclo contínuo de avaliação e participação de todos os agentes interessados. Esta avaliação

deve ser efetivada constantemente, através do fluxo de interação das informações. O papel do

docente itinerante no Projeto foi muito importante para os docentes regentes, pois a lógica que

se constituiu entre eles não foi fiscalizadora; houve uma interação e uma comunhão de

propósitos e respeito pela reciprocidade do trabalho desses profissionais. As reuniões

periódicas foram momentos enriquecedores entre professores regentes e itinerante; a maioria

viu neste profissional um ponto de apoio, mas não serviu de porta-voz dos professores perante

a CRE e a SME, porque os questionamentos e sugestões que os regentes recolhiam tiveram

ínfima ressonância nas instâncias superiores.

Embora se tenha podido verificar o discurso do anfitrião, tal como defini neste

trabalho, na voz e na postura do coordenador e do docente itinerante, também foi possível

compreender que todos os profissionais trabalharam para o êxito do Projeto, mediante uma

situação dada como “real e imutável”, ou seja, perante o conjunto de medidas que faziam e

fazem parte do “pacote fechado”, que é o Projeto Realfabetização. Ressalto o papel do

professor na resistência e na luta por participação nesta política educacional e trago nesta

pesquisa suas reivindicações para que possam efetivar um trabalho de referência com os

discentes. Os docentes clamam por um trabalho coletivo, onde possam contar com amplo

apoio de fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas e toda uma estrutura médica e social para

acompanhar os educandos e suas famílias.

Muitos pais não conseguiram entender o Projeto Realfabetização. Não conseguiram

compreender em que ponto se encontrava seu filho na escola - situação relatada pelos

professores. Esta falta de compreensão foi latente também entre todos os professores, devido à

multiplicidade de projetos, circulando na rede municipal. Um dado importante foi revelado

por uma das docentes itinerantes entrevistada: a professora revelou que, devido à ampla

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quantidade de projetos presentes na rede, o sistema escolar encontra-se tensionado, ou seja,

estão faltando vagas para os egressos nas primeiras classes escolares. Estes projetos ocupam

salas com quantitativo de alunos reduzido (mínimo de 11 alunos) e muitos funcionam em

horário integral. Com isso, muitas escolas passam a ter que aumentar o número de turnos para

atenderem a demanda local e, nesta ótica, se estreita o tempo de aula efetivo com os alunos e,

consequentemente, diminui as possibilidades de maior dedicação dos professores para com os

discentes: perdas para o processo de aprendizagem.

ONGs diversas estão atuando nos espaços escolares e ditando as regras a serem

seguidas, sem que o corpo escolar possa decidir também sobre novas propostas pedagógicas.

Os muitos projetos e programas implementados pela SME, sem diálogo com os educadores,

retiram dos docentes o protagonismo no processo ensino-aprendizagem. Esta atitude arbitrária

fere princípios caros ao magistério, como a autonomia pedagógica das escolas. A SME, dessa

forma, contribui para reduzir o trabalho docente a uma mera execução de tarefas.

As políticas educacionais top-down fracassaram, pois não conseguem efetividade sem

a participação dos agentes interessados e, principalmente, sem a concordância dos

professores, que, na prática, acabam por ressignificar os textos legais e as propostas oficiais.

O modelo participativo de gestão educacional urge por ser instalado na prática, pois, desde a

Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e a LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996), teve

início um movimento descentralizador das políticas educacionais, atribuindo-se às escolas e

aos seus atores maior autonomia nas tomadas de decisão. Portanto, é um retrocesso implantar

projetos sem uma ampla discussão entre os agentes envolvidos na política.

Ressalte-se a necessidade de um momento “novo” com maior escuta participativa dos

professores para avaliarem as políticas educacionais. Esta dinâmica possibilita uma avaliação

contundente da realidade da política, no contexto da prática. Muitas contribuições poderão ser

trazidas para reflexão, entre acertos e falhas no processo de concretização da política

educacional, servindo de instrumento para outras tomadas de decisões. A esse propósito,

assinalo a importância, tal como colocada por Leite (1997, p.372), de uma nova

“profissionalidade docente”, representada por uma ação coletiva da escola, na qual se insiram

os alunos, pais, comunidade, professores e gestores da educação, para pensarem e avaliarem

coletivamente propostas a serem adotadas, ou não, pelas escolas. Os professores precisam

compreender que esta profissionalidade não virá sem o processo organizado de luta da

categoria e consciência crítica do seu papel de agente de transformação social. A pesquisa

oportunizou aos docentes da 7ª CRE um espaço de reflexão ao dar voz as suas análises com

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relação ao Projeto Realfabetização e evidenciou o lado adormecido do profissional que se

dedica às concepções pedagógicas e esquece seu papel político.

Avaliar as propostas, sugerir caminhos, articular estratégias possíveis, tudo isso

constitui uma via para a melhoria da aprendizagem; são competências político-pedagógicas

inerentes ao trabalho docente. O pensamento de Freire (1997), na defesa da dimensão

dialógica da educação, deve ser constituído nas diferentes arenas da educação. O

desenvolvimento de competências de reflexão e de problematização das situações sociais e

educacionais concretas pode e deve ser pensado em conjunto, em prol de uma educação que

promova desenvolvimento social para os atingidos por seus efeitos. O grande desafio que se

coloca para os professores é sua responsabilidade crítica e participativa, como forma de poder,

tal como conceituado por Demo (2009) e Faundez (1993).

Ressalto como importante que os educadores compreendam esta participação como

manutenção do poder democrático e, a partir deste entendimento e conquista, exijam a ruptura

deste sistema, ainda estruturado de cima para baixo. O processo de construção de políticas

educacionais precisa ser compartilhado para que todos os agentes se responsabilizem por

escolhas de métodos e processos para a obtenção de um sistema educacional que promova a

igualdade social. Os padrões de conduta convencionais do docente tarefeiro é comportamento

do passado. Obrigatoriamente, o sistema democrático exige dos professores a reinvenção de

uma nova profissionalidade. Nesta, o docente ocupa papel de destaque na avaliação das

políticas educacionais, enquanto ser potencializador de justiça social no espaço escolar e

medidor e avaliador das ações político-pedagógicas.

Dessa forma, chamo a atenção para a importância do Projeto Político-Pedagógico

(PPP) das escolas, como instrumento fundamental para servir de norteador de programas e

estratégias a serem responsavelmente construídas pelos docentes e todo corpo escolar, alunos

e comunidade visando às necessidades dos alunos daquela escola.

Proponho para resolver o problema: que haja nas escolas, professores especializados

em alfabetização, disponíveis , que tenham salas apropriadas para apoiar os discentes de

outras classes ainda não alfabetizados. Estes ainda devem contar com o apoio de um “centro

escolar” que tenha profissionais como: psicólogo, fonoaudiólogo e uma assistente social. Um

trabalho compartilhado com vários profissionais por certo trará ganhos para toda coletividade

escolar.

A educação reflexiva e emancipatória, tal como definida por Freire (1997), deve

romper com a lógica reprodutivista que ainda persiste nos espaços educacionais, tal como

conceituado por Bourdieu (1992). A rede municipal de educação do Rio de Janeiro, enquanto

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corpo profissional, aliada à comunidade, deve buscar soluções possíveis para evitar as

distorções idade/série dos alunos não alfabetizados no interior de suas unidades escolares.

Para tanto, os conteúdos ensinados, que são privilegiados, devem ser repensados, na

perspectiva de Davies (1999), como condição para promover equidade social na escola

pública. Assim, a participação dos alunos, comunidade, gestores e professores torna-se

imprescindível na luta pela afirmação do direito dos discentes à aprendizagem e o poder

público precisa dialogar com os interessados, em busca de ouvir propostas possíveis a serem

implantadas na busca de uma educação de qualidade.

Outro ponto para o qual chamo a atenção é a necessidade de se rever a participação da

sociedade civil nos espaços que são de responsabilidade do Estado, principalmente o

educacional. As isenções de impostos ou repasse de verbas a ONGs devem ser reexaminados,

como forma de se buscar retomar o controle de verbas, de conteúdos e de métodos

pedagógicos. Há que se extinguir a gestão voltada para a lógica performática; a escola não é

uma empresa e, portanto, a lógica reinante não pode ser voltada apenas para resultados.

A avaliação que os professores da 7ª CRE fizeram a respeito desta política baseada em

parceria público-privada, foi de modo geral satisfatória ou válida, pelo fato da SME-RJ ter

agido em busca da resolução do analfabetismo entre os alunos com distorção idade/série no

Ensino Fundamental, fato que até então era existente e sabido por todos nas escolas e sem

propostas para a solução. Ainda que os docentes reconheçam que muitos alunos não

conseguiram ser alfabetizados e que a SME-RJ tenha restringido e negado, em muitos

aspectos, a participação docente nos complexos momentos de implantação, execução e

avaliação da política, compreenderam que houve uma preocupação, mesmo que não a melhor,

para tentar alfabetizar os alunos que se encontravam analfabetos nos interior das escolas. O

que foi constatado pela pesquisa é que houve uma pulverização de muitos destes alunos

considerados ainda analfabetos funcionais, em séries subsequentes. A pergunta que fica é se

estes alunos conseguiram ou conseguirão ser alfabetizados na Rede Municipal.

O nível de conscientização política dos docentes ainda carece de reflexões críticas,

pois as amarras do opressor permanecem incrustadas nestes profissionais, que, ao fazerem seu

melhor, nem sempre percebem as armadilhas que são engendradas no campo educacional

pelos sujeitos que implantam as leis e as normas. Existe uma visão oblíqua dos docentes da 7ª

CRE, que sinalizam para uma positividade da política pública em questão, sem maiores

reflexões a respeito do seu caráter coercitivo, limitador e autoritário, do qual emanam regras a

serem cumpridas, num processo que, a rigor, é um arremedo de democracia.

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Entendo que a avaliação que os docentes da 7ª CRE fizeram com relação à política do

Projeto Realfabetização não privilegiou uma análise mais complexa das questões que

permeiam esta política pública. Os professores valorizaram seus saberes e fazeres em classe e

voltaram-se para os ganhos sociais que os alunos conseguiram ao participarem deste Projeto,

independentemente de outros questionamentos. Por isso, no balanço geral, a grande maioria

dos docentes apontou a iniciativa como válida. Os dados quantitativos e qualitativos

comprovaram esta análise.

Sugiro algumas propostas para novos estudos: que sejam averiguados outros

contextos por onde esta política se desenvolveu, como forma de desvendar as ideologias que

sustentam as propostas de parcerias público-privadas no município do Rio de Janeiro,

abordando-se as inúmeras ONGs que se encontram no sistema educacional. Outra indicação é

a necessidade premente e permanente de estudos que busquem descobrir as razões estruturais

e conjunturais pelas quais os educandos chegam analfabetos nos 4º e 5º anos do Ensino

Fundamental. Reitero, por fim, a importância de se estudar mais detalhadamente as

possibilidades do emprego do Paradigma da Avaliação Emancipatória, aplicado à avaliação

de qualquer política educacional, como forma de avançar na melhoria da educação e na

democratização das escolas.

Finalizo afirmando que o poder privado penetra onde o poder público falha, seja

proposital ou não, portanto, participar, analisar coletivamente e criticar os mecanismos pelos

quais estas falhas acontecem, ajudará a desvelar os erros e propor as ações corretivas. Esta

dinâmica é direito e dever de todos que primam pela educação.

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199

APÊNDICE A - Questionário Exploratório (para Professores Regentes de turmas do

Projeto Realfabetização)

(Professor, muito obrigada desde já! Sua participação é muito importante à educação. Seus

dados pessoais serão mantidos em total sigilo. Por favor, leia com atenção e sinta-se à

vontade para expressar-se).Coloco-me a sua disposição (informei meus números de telefone

e endereço de e-mail)

Nome-----------------------------------------------------------------------------------------------------

Idade--------sexo------------------estado civil--------------------------------------------------------

Bairro residencial-------------------------------------------------------------------------------------

Possui residência própria-?--------------------------------------------------------------------------

Nível escolar-------------------------------------------------------------------------------------------

Número de filhos--------------profissão dos filhos------------------------------------------------

Escola e bairro que trabalha ------------------------------------------------------------------------------

--------------------------------------------------------------------------------------------------------

Ano corrente do trabalho com o projeto----------------------------------------------------------

Tempo de magistério----------------------------------------------------------------------------------

Profissão do marido/ companheiro/namorado----------------------------------------------------

Profissão da mãe---------------------------------------------------------------------------------------

Profissão do pai-----------------------------------------------------------------------------------------

Responda o questionário abaixo, atribuindo notas numa escala de 1 a 7. Associe as

perguntas às pontuações, entendendo 7 como: sim/ ótimo/sempre e 1como:não/ muito

ruim//nunca.

Exemplo gradual:

7 (concordo totalmente, sim,ótimo,sempre)

6 ( concordo)

5 ( concordo ligeiramente)

4 (, nem concordo nem discordo)

3 (discordo)

Page 200: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

200

2 discordo ligeiramente)

1 ( discordo totalmente, não, muito ruim, nunca).

Perguntas

Respostas

1-Sua participação no Projeto

Realfabetização foi espontânea?

1 2 3 4 5 6 7

2-Com que intensidade prefere trabalhar

com a alfabetização?

1 2 3 4 5 6 7

3-Como avalia os fundamentos teóricos e

metodológicos do PR

1 2 3 4 5 6 7

4-Quanto seguiu os passos metodológicos

do PR?

1 2 3 4 5 6 7

5 -Quanto houve por parte da Secretaria

Municipal de Educação (SME) ou

profissionais da gestão escolar, diálogo com

você e demais professores para escolhas de

caminhos para alfabetizar os alunos com

defasagem idade/série, antes da

implantação do PR?

1 2 3 4 5 6 7

6-Como você avalia o PR quanto seu

objetivo principal, ou seja, apropriação da

leitura e escrita dos alunos participantes?

1 2 3 4 5 6 7

7-Qual é sua percepção avaliativa do PR

enquanto política pública de inclusão

social?

1 2 3 4 5 6 7

8-Quanto participou da avaliação do PR? 1 2 3 4 5 6 7

10- Na sua percepção a política pública que

implantou o PR (parceria entre a (SME) e o

Instituto Ayrton Senna (IAS) foi

democrática?

1 2 3 4 5 6 7

11-Você se sentiu valorizado por participar

do PR?

1 2 3 4 5 6 7

12- A semana de capacitação (semana de

apresentação da metodologia e sistemática

1 2 3 4 5 6 7

Page 201: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

201

do programa) foi proveitosa, respaldou seu

trabalho em sala de aula?

13 Como você avalia seu empenho no PR? 1 2 3 4 5 6 7

14-Questionou em curso ( transcorrer do

ano letivo) algum ponto do PR?

1 2 3 4 5 6 7

15- Que nível de feedback ocorreu entre a

SME e o que você sugeriu/questionou/?

1 2 3 4 5 6 7

16- A professora itinerante, na função que

ocupou dentro do projeto, foi importante

para o bom funcionamento do PR?

1 2 3 4 5 6 7

17- Na sua opinião se a professora

itinerante ao invés de acompanhar suas

aulas com os alunos, ajudasse a alfabetizá-

lo seria mais proveitoso?

1 2 3 4 5 6 7

18-Na sua concepção quanto foi proveitoso

para os alunos participarem do PR?

1 2 3 4 5 6 7

19- Sua escola discute com os professores o

Projeto Político Pedagógico (PPP) traçando

estratégias para alfabetizar alunos com

defasagem série/ idade?

1 2 3 4 5 6 7

20-Na sua concepção os alunos

responderam bem a sistemática

metodológica do PR?

1 2 3 4 5 6 7

21-Na sua concepção qual é o balanço geral

da política pública – PR – quanto seu

objetivo principal de inclusão social, ou

seja, alfabetização dos discentes?

1 2 3 4 5 6 7

22-Você trabalharia novamente com o PR? 1 2 3 4 5 6 7

Você gostaria de fazer algum comentário adicional?

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

--------------------------------------------------------------------------------------------

Você estaria disposta em conceder uma entrevista com horário e local de sua

conveniência? Obrigada!

( ) SIM ( ) NÃO Tel para contato:___________________________

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202

APÊNDICE B - Roteiro de entrevista – semi-estruturada- Professores Regentes

1- Como se deu sua participação / atuação junto ao PR?

2 - Você sentiu necessidade de adaptar ou modificar alguma prática do PR?

3 -Questionou em curso algum ponto do Projeto e obteve resposta da SME?

4 -Qual é sua percepção frente à política pública da SME, e ao implantar o PR?

5 -O que sabe sobre a parceria do Instituto Ayrton Senna e a Secretária de Educação?

6 -Como participou da avaliação frente ao PR?

7 -Os fundamentos metodológicos do Projeto foram adequados, na sua opinião?

8 -Você foi capacitado para trabalhar com o PR?

9- Na sua opinião, o PR incluiu os alunos participantes no mundo letrado, ou seja, os alunos

se alfabetizaram?

10- Após um ano de trabalho com o PR, quais suas considerações frente ao mesmo?

11 -Sua escola discute com os professores o PPP traçando estratégias para alfabetizar alunos

com defasagem série/ idade?

12 -Como sua escola (equipe educacional) reagiu com o funcionamento e resultado do PR?

14 -Acha importante participar dos processos de formulação, implantação e avaliação de

Projetos educativos?

15- Participaria de outra turma do PR?

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APÊNDICE C - Roteiro de entrevista semi-estruturada - Coordenador Regional

1- Como foi escolhida para participar do Projeto como coordenadora?

2- Participou de alguma etapa entre Formulação, Implantação e avaliação do PR ? Quais e

como se deu sua participação?

3- Achou válido o Projeto enquanto política de inclusão social para os alunos participantes

do Projeto?

4- Pode-se dizer que o Projeto Realfabetização alcançou os objetivos propostos de inclusão

social ?

5- Em sua opinião, o Projeto deve continuar? Por quê?

6- Seguiu rigorosamente os passos que eram previstos para sua função?

7- Houve interação da SME e os professores/coordenadores, quanto ajuste durante o Projeto,

entre dúvidas, questionamentos ou sugestões?

8- O que os professores itinerantes relataram para você, quanto ao posicionamento dos

professores regentes frente a aplicabilidade do projeto?

9- Quais são os relatos mais importantes que você percebeu durante sua gestão frente a

aplicabilidade do Projeto?

10- Na sua visão geral como classifica o PR na Rede Municipal do Rio de Janeiro?

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APÊNDICE D - Roteiro de entrevista semi-estruturada – para o Professor Itinerante

1- Sua participação no projeto fora espontânea?

2- Percebeu que sua função fez diferença na aplicação do Projeto Realfabetização?

3- Participou de alguma etapa do Projeto Realfabetização enquanto Política Pública do

Município do Rio de Janeiro, na: formulação, implantação ou avaliação?

4- Como se sentiu perante as visitas surpresas em sala de aula com alunos e professores

regentes?

5- Seria melhor que as visitas fossem sabidas ou o fator surpresa contribuiu para a

melhora do empenho dos docentes na aplicação das diretrizes do projeto?

6- Sugeriu, questionou alguma metodologia ou norma provenientes do Projeto?

7- Percebeu entusiasmo ou insatisfação por parte dos professores que você acompanhou

durante a aplicação do Projeto?

8- Quais pontos você pode citar durante a execução do Projeto que chamaram a sua

atenção?

9- Percebeu que os alunos foram alfabetizados?

10- Os materiais e metodologias, em sua opinião, foram adequados?

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APÊNDICE E - NOTA EXPLICATIVA DA PESQUISADORA

As entrevistas foram transcritas de forma a manter a maior fidelidade do momento. Inicio a

mesma com um título e um sub-título, contendo um trecho relevante da conversa. Redijo em

poucas palavras as circunstâncias locais do momento para que o leitor possa construir o

cenário como um todo. Tal como recomendado por Bourdieu (2009) no tocante aos cuidados

com a transcrição, utilizei determinados símbolos gráficos para demonstrar pausa, embaraços,

momentos de reflexões, portanto usei uma nomenclatura própria para retratar a realidade da

entrevista. Segue a legenda:

( ) pausa com silêncio

(xxxxxx) nota explicativa da autora

[xxxxxx] nota explicativa do entrevistado

palavras em negrito minúscula: palavra que os entrevistados professaram mais

enfaticamente

palavras em negrito maiúscula: palavras com mais ênfases ao serem proferidas

... pausa para iniciar um outro pensamento

palavras escritas com letras maiúsculas sem negrito: palavra professada pelo entrevistado com

certa ênfase.

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APÊNDICE F - Tabela das profissões dos familiares do docentes da 7ª CRE

Entrevistado Pai Mãe Filhos Cônjuge

01 empresário do lar estudante comerciário

02 contador contadora - _

03 técnico Técnica - -

04 aposentado do lar estudante advogado corretor

05 ambulante do lar - engenheiro

06 aposentado aposentada - autônomo

07 aposentado professora estudante e estudante -

08 fun púb func púb médica e fun púb representante

09 técnico do lar - gerente

10 aposentado - estudante/comerc

estudante

Comerciário

11 - - analista de sistema e

técnica

-

12 aposentado - - contador

13

14 aux esc Do lar - gerente ti

15 aposentado - comerciário ,comerciário

e estudante

comerciário

16 - - analista e turismóloga -

17 aposentado - - contador

18 - do lar estudante e estudante aposentado

19 bancario do lar técnico e técnico -

20 func público prof estudante -

21 representante do lar prof e engenheiro engenheiro

22 tecnico do lar - -

23 - do lar - bancário

24 - do lar militar, empr e emp -

25 aposentado - estudante analista sup

26 aposentado - - gerente Rh

Dados Gerados pela Autora – fonte: questionários

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ANEXO A - ENTREVISTAS da docente regente AAAAA

Docente politizada que enobrece a profissão.

“tem uma questão aí no meio, né?! dizer que eles foram alfabetizados, letrados, com

leitura, escrita e interpretação nem TODOS...mas se a gente for comparar a maneira

que eles chegaram ( ) e na maneira como eles saíram... Caminhou bem! Agora o

problema que eu tive no final do ano é: PARA ONDE ENCAMINHAR ESTAS

CRIANÇAS?”

Detalhamento:

(Estávamos na sala de aula e ouvíamos muito bem o barulho lá fora... sentávamos em cadeiras

pequeninas, próprias para as crianças de EI, já que estávamos numa sala apropriada para este

segmento. Já havia falado por telefone para marcar o dia da entrevista com AAAAA e sabia

que o tempo que ela poderia me conceder, era curto, no máximo 45 minutos, durante o

intervalo da aula de Educação Física. Foi prolongada uns minutos a mais, pois após a aula de

Educação Física, os alunos foram para o refeitório, portanto, a entrevista aconteceu em dois

momentos. Conversamos um pouquinho antes de iniciarmos a nossa entrevista para criar um

clima de ambientação...)

Pesquisadora: Deixa ver se está gravando mesmo...começou a gravar...

Pesquisadora:Você se apresenta...

Professora AAAAA regente das turmas de Se liga da escola XXXXX nos anos de 2009 e de

2010.

Pesquisadora: Esse ano você... não está... em nenhum projeto, né?

Professora: não...não. De manhã estava numa 1200, mas agora estou numa creche de manhã

e tarde tô aqui na Educação Infantil.

Pesquisadora: Sim... AAAAA então assim... Como se deu esta participação sua no Projeto?

Vc foi, convida...?

Eu fui convida depois de várias professoras serem convidadas e ninguém aceitar. Então a

escola resolveu que se ninguém aceitasse não iria ter o projeto..e aí escola chamou todo

mundo para conversar para dizer que achavam que quem tinha que pegar no Projeto era quem

quisesse e TIVESSE o perfil. Eles tinham que juntar as duas coisas. E, com isto, eles não

queriam forçar ninguém... a pegar este Projeto, mas achavam que eu tinha o perfil PARA.

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Como eu tinha sido professora de Progressão, ela achou que não cabia me pedir de novo, para

pegar outra turma, porque Progressão é um projeto! Não tinha a mesma linha do Se liga,

mas... era bem próximo... então ela, não tinha assim...a coragem de chegar e pedir!

Pesquisadora: essa coragem você diz, porque as turmas normalmente são turmas mais

difíceis?!

Professora: EXATAMENTE, porque assim... eu já tinha feito isto na escola..entendeu? Do

tipo!Ela..ela tenta fazer assim... te dá uma turma difícil num ano e no outro ano te dá uma

turma mais tranquila...se você tem duas matriculas na escola ou faz dupla ela te dá num turno

mais... né?!.. Que ...que seu trabalho é mais complicado e no outro horário te dá uma turma

mais tranquila , então assim, de início ela não veio me oferecer o Se Liga, pelo fato de...ter

vindo da Progressão. Então assim... ela tentou conquistar outras pessoas na escola ( ) o NÃO

foi assim TOTAL, né? Muito contra os projetos que a rede...da maneira que a rede oferece. E

aí assim..ela não queria ficar sem o Projeto, porque essas crianças não iam ter uma chance de

alfabetização num 5º ano. Era todos oriundos de 5º “A N O”, formamos duas turmas de 50

alunos, oriundos de 5º ano.

Pesquisadora: 50 alunos? Mas...o Projeto..ah! Sim...25 e 25. Ah certo!

Professora: É 25 e 25 uma de manhã e outra à tarde. E aí assim ela tentou me convencer

ficar com esta turma, NE?!Porque eu adoro Educação Infantil ....é minha formação. Eu estava

com Educação Infantil, com aluno especial, que foi muito complicado fazê-lo aceitar a escola

e me aceitar, no momento que eu consegui...Ela veio com esta...de pegar o” Se Liga”

Pesquisadora:..que desafio, né?!

Professora: é... aí eu falei para ela: -Não! Como fica o Felipe nesta situação, como fica o EI

de quatro anos, né? Tudo complicado...falei para ela, vamos fazer o seguinte: - me diz quem

vai pegar o EI se eu sair?! Dependendo do nome que você “ME DER”...eu te dou uma

resposta. Aí ela me deixou sem argumento, porque ela colocou para pegar o EI, a professora

que foi a MINHA professora no EI, quando eu tinha 4 anos...(sorriu)

Pesquisadora: ah,,que gracinha! (sorri)

Professora: O que eu poderia dizer?? (sorriu) né?! Aí, aceitei pegar o “Se Liga”, né?!

Pesquisadora: Como foi esta experiência sua...com...é... tão interessante isto né?! Porque o

Se Liga é o Realfabetização , né?! Mas é que são dois nomes sempre paralelos dentro do

sistema, né?! Porque como é do Instituto Ayrton Senna, caminham dois nomes... Se Liga,

que é o Realfabetização. Como foi sua experiência com o Projeto?

Professora: É na verdade... pra mim é como se fossem dois Projetos diferentes nos anos que

trabalhei. 2009 foi um trabalho e 2010 foi outro completamente diferente. Por quê? 2009 , a

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minha turma, que a gente ainda chamava de Se liga, porque o nome Realfabetização, veio

depois, no processo de 2009. Em 2010 que ficou Realfabetização de fato, né?

Pesquisadora:..e agora é “Realfa” porque agora ....(apelido usado na rede pelos docentes)

Professora: ...E ainda tem “Realfa1”...Realfa 2, né?! E ainda tem as vertentes...

Pesquisadora....isto é uma pergunta que eu ia fazer para você...Você consegue entender todos

estes Projetos?

Professora: Não eu não cheguei a conhecer...só sei que este projeto , que a gente trabalhou

..seria o “Realfa 1” , na rede “hoje”..agora os outros, não tenho conhecimento...igual ao

Acelera (outro Projeto do IAS) tem Acelera1 e 2 agora!

Pesquisadora: E o 3!

Professora: Os alunos do Se liga , foram para o Acelera1 Depois vem outras vertentes, que

assim... prefiro não saber...(sorriu)..muito complicado. ..Mas voltando...Em 2009 eu tinha

uma turma oriunda do 5º ano..crianças com defasagem idade/série muito grande....né?!

...assim...com uma leitura de mundo muito grande, também! Uma vivência que FOI, não vou

dizer que foi mais fácil de trabalhar, eu acho que posso dizer que foi menos difícil...,porque

eles já tinham questões formadas sobre o processo de leitura e escrita que dava para você, a

partir dali trabalhar com alguma coisa.... É! O trabalho foi mais tranquilo de se fazer, né?!

Não levando em consideração do material do Instituto Ayrton Senna, não?! Levando em

consideração o trabalho, dentro da sala de aula, no momento que você pode abrir mais aquele

tema, que você pode pesquisar,... né?...na aula número 1, que a gente falava do TATU..você

pode fazer pesquisas, você pode passar vídeos, porque eles já têm uma maturidade que já dá

para assistir certas coisas...na turma de 2010 eu fiquei com crianças oriunda do 2º ano, até!

Pesquiasdora: Do 2º ano?!

Professora: Do 2º ano!! Em 2010, crianças a partir do 2º ano, que já tinham feito o segundo

ano sem sucesso.

Pesquisadora: Interessante isto....porque, assim foram poucas escolas que isto

aconteceu..inclusive isto não é colocado..é até para rede de modo geral .acho que isto

aconteceu com poucas escolas, né? Eu lembro que conversei com a coordenadora da 7ª CRE e

ela me disse que realmente, que algumas escolas tiveram crianças do 2º ano. Então este foi o

seu caso?

Professora: No ano seguinte foi este caso! Então assim, não dava para eu usar a mesma linha

de pensamento para distribuir as atividades do jeito que eu usei no ano anterior. Por que

quando ela veio me convencer para eu ficar no Se Liga de novo..a questão foi assim: - Poxa!A

gente vai ter o Se Liga....mas agora a turma vai ser menor [porque a minha tinha 25],,,esta

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agora não vai passar de 15, as crianças são mais novas...você gosta da faixa etária de crianças

menores... você vai gostar! Fica de novo, você está com um trabalho

PRRRRONTO...né?!Então vai ser só executar o que você já conhece! Nada disto!!

Pesquisadora: Foi totalmente diferente...

Professora: Foi totalmente diferente! Até porque as crianças eram muito mais nova!

Pesquisadora: Tá! Então vamos lá...no ano de 2009 no final do ano, as crianças saíram

alfabetizadas, estes 25 alunos?

Professora: Não, não saíram os 25 alfabetizados e as crianças que não se alfabetizaram, em

sua maioria...questões familiares muito sérias e...a gente não tinha apóio nenhum, porque o

ano passado teve o PROINAP, alguma coisa foi feita...agora no primeiro ano do Se Liga, não

havia apóio nenhum...então assim...tinha uma criança que nem se conhecia, nem seu nome,

nem se apresentar, estabelecer um vínculo..ELE CONSEGUIA!.conversar com você....

Pesquisadora: Isto na turma de 2009..., no 5º ano?!

(Muito barulho no fundo .... crianças brincando.)

Professora: No 5º ano!!E assim muito complicado, porque ele não tinha relação comigo e

nem com as crianças...eh! Por mais variados que fosse o materiais que você oferece,

atividade que você oferecesse, ele não tinha interesse nenhum. Era uma criança que

trabalhava no turno da manhã e chegava na escola 8:30h...9:00 h - sempre com uma desculpa

que perdeu a hora....que estava dormindo...se você chamasse atenção ele ficava uma semana

sem ir...nunca tinha uniforme.

Pesquisadora: Destes 25 alunos, você pode dizer que quantos terminaram o final do ano

alfabetizados?

Professora:23!

Pesquisadora: Então foi bastante!

Professora: É ..os dois que realmente não conseguiram dar conta deste processo , são as duas

crianças com problemas familiares...assim sérias! Uma menina com um...é... diabetes que

tomava insulina e a família não dava apóio. Foram complicados...AGORA...neste nível de

alfabetizados... tem uma questão aí no meio, né?! Dizer que eles foram alfabetizados,

letrados, com leitura, escrita e interpretação, nem TODOS....mas se a gente for

comparar a maneira que eles chegaram ( ) e na maneira como eles saíram... Caminhou

bem! Agora o problema que eu tive no final do ano é: PARA ONDE ENCAMINHAR

ESTAS CRIANÇAS???? (bateu com as mãos levemente na mesa acompanhando o ritmo

do que falava numa cadência lógica, enquanto pronunciava sua indagação)

Pesquisadora: Esta é outra questão...e aí AAAAA?

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Professora: É houve dá CRE uma pressão ( ) para que as crianças fossem encaminhadas de

acordo com a ficha de avaliação do mês...aquela ficha de leitura e escrita. Acompanhamento

da leitura e da escrita.

Pesquisadora: Ficha com aqueles descritores todos...

Professora: É Exatamente! E ali existe uma LACUNA. Entre o que a criança lê e o que ela

não lê e se ela compreende o que ela lê. Você não tem espaço para isto...a criança pode ser...B

o “BO”..L a “LA”. Que está escrito aqui? E Ele não sabe te dizer...Não existe nenhum

momento uma pergunta sobre a interpretação desta criança...sobre o entendimento desta

criança..então.eu tinha criança que liam sim! Mas nem sempre com compreensão do que lê e

aí para ir para um, Acelera, que ninguém conhecia.... e dizer o que seria dado neste Projeto,

para ver se atendia a estas crianças, foi complicado... crianças que achava que não tinham

condições para irem para o Projeto, foram! E graças a Deus, eu pude acompanhar este

processo, tiveram sucesso...me deixaram até tranquila, mas na minha avaliação eles não

teriam condições... QUE BOM QUE CONSEGUIRAM! Mas eu acho também, pelo apóio da

professora que ficou com eles...,pelo trabalho dela, pela dedicação, né?!

Pesquisadora: Você atribui assim..., este ganho das crianças, não exatamente ao processo...

ao método utilizado pelo Instituto Ayrton Senna?

Professora: Com certeza! Porque assim... eu acho que o método não tem nada a ver com a

realidade das nossas crianças do Rio de Janeiro do jeito que eles vivem...entendeu?! Trabalhar

com eles a “tabia,” trabalhar aquele que tem o desenho do surfista doidão, né?!Quando dá o

“D”...trabalhar com eles...até o próprio TATU. ..dependendo da maneira que você apresenta,

não tem significado.só que eu sou assim! No dia que eu conheci o Projeto, naquele beloo

domingo de sol (dom crítico), NE?! no primeiro ano, que eu estava no Windosoe , nós

conhecemos..né?”O primeiro ano foi lá..né?!.que eu estava no Windons, né?! Que antes do

almoço, ela falou, que para nossa alegria, ela ia deixar agente olhar o material, eu não voltei

mais!..eu fui embora...depois que eu vi aquela “cartilha”, que tinha que cobrir o “D”o “P” eu

não voltei mais! Eu fui embora do curso e não voltei. disse para Cláudia: estou horrorizada,

porque eu acho que isto não condiz...eu nem conhecia a turma, mas eu sabia que eram

oriundos do 5º ano..independente do que eles sabem ou não sabem, não é isto que ia

atrair,mas aí eu acho assim, para você criticar alguma coisa, você tem que conhecer... E tem

que conhecer bem, para você mostrar onde está o problema. Eu SEGUI TOTALMENTE a

proposta do Se Liga e enxertava com coisas que eu achava interessante...colocava coisas

novas... fazia a criança ter prazer naquilo que ela estava fazendo, apesar de eu não ter. Eu

tentava mostrar para ela que aquilo era “legal,”né?! Quando a gente tinha que ler o texto do

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“tatu”...Gente...onde o tatu entrou no buraco? (Referindo-se á sua prática em sala conversando

com os alunos) ..desenhe ele num buraco e vamos ver onde ele vai parar?....e a agente fez o

tatu de lixa...isto mesmo com a turma dos mais velhos.entendeu?.porque eles curtiram...olha o

tatu...vamos ver o vídeo do tatu...quer dizer....tentei estimular a criança e mostrar que aquilo

era prazeroso e interessante....eu não podia chegar para ela e falar: olha esta porcaria deste

material é torto ...sem uma cor, sem um desenho, sem nada.....primeira coisa que eu falei: [voz

doce neste momento] quando eles olharam o material..né?! Nós embrulhamos presentes para

entregar para as crianças, né?!...porque...só é desta turma quem é ESPECIAL (falava em tom

mostrando sua prática em sala conversando com os discentes)quem tem um QUÊ a mais!

Quem não tem, não é! A escola deu esta visão pintou a sala, a escola comprou papel de

presente, a escola pintou a sala , única sala de 2009 que foi pintada.

Pesquisadora: Isto fez diferença para eles?

Professora: Muita diferença! Muita diferença para eles...assim...nós mostramos que não fazia

parte daquele Projeto, quem não conseguia?! Fazia parte daquele Projeto quem era

especial...entendeu? Nós viramos o jogo, porque as crianças ( )... os outros, falavam muito: -

você é um “burro”...Não! você vai sair da turma, porque você é capaz, porque você sabe que

na sua sala tem crianças que não sabem ler e escrever e ele não veio para cá. [e era uma

verdade!]... nós tivemos que selecionar as crianças que ficaram no Se liga, porque a gente

tinha mais crianças do que vaga.

Pesquisadora: É mesmo?!

Professora: No primeiro ano tínhamos...mais de 50 crianças...

Pesquisadora: Não poderia ter aberto outra turma?

Essa questão que ficou. A gente não tinha quantitativo para abrir uma nova turma e no início

foi quando foi dada aquela prova parecia que você e ter crianças no grupo para fazer

limpagem de texto, né? Questões ortográficas, de parágrafo... para você corrigir. Depois que a

gente conheceu a proposta do se liga é que realmente a gente viu que não era isso. E não cabia

uma nova turma, porque tinham crianças que realmente não precisavam do SE LIGA. Eles

precisavam de uma atenção especial, estando na sua turma de origem.

Mas não necessariamente?

Mesmo não sendo do SE LIGA, até pela proposta do SE LIGA. Então assim... a gente tentou

o tempo inteiro (batidas leve na mesa ao falar) mostrar para a criança que ele era um premiado

por estar ali. (12:02)E assim, tudo que tinha que fazer de cartaz, colocar para expor, a gente

fazia né? Porque eu tinha outra menina que ficava no SE LIGA a tarde que era desenhista,

imagina isso. Desenhava tudo, fazia aqueles tatus, aquelas coisas lindas. A gente mostrava

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aquele desenho com palavra-chave, sabe? Assim, o trabalho, contando com o apoio da escola.

Agora, falar do projeto com o material que a gente recebia em si, dizer que ele dá conta... é

meio complicado!

Pesquisadora: E essa questão da avaliação? Como foi feita a avaliação para que estas crianças

chegassem? no caso vocês então tiveram ingerência sobre a prova... estanque? Porque alguns

professores falam que a prova... foi trazida pelo Instituto Ayrton Senna e a partir daquele

momento as crianças que não foram bem naquela prova foram selecionadas e a professora não

tiveram ingerência. No caso de vocês aqui, a prova foi aplicada e vocês tiveram como dizer

assim... esses alunos foram mal, mas eles não precisam sair da sala? Esse aqui foi bem, mas

precisa sair da sala? Teve isso?

Professora: Tivemos. O que aconteceu? Nós fizemos o curso... primeiro ela nos convidou,

montou a estrutura de atendimento das turmas no caso que a gente tava saindo, né? Porque

essa menina... não sei te dizer, não lembro se ela era do quinto ano, ou de que série ela era,

então primeiro ela estruturou a escola. Porque nossas turmas não fecharam. Mesmo tirando as

crianças do quinto ano as turmas não fecharam, né? Então assim, ela organizou a escola para

os outros professores ficarem e para gente ir para o curso, e houve um tempinho... digamos

que ela tenha organizado a escola na quinta, a gente tava sem turma e o curso só começasse na

segunda. Então nós tivemos dias livres para olhar o material, olhar a prova, olhar as crianças

que iam ficar com a gente, olhamos tudo. Fora que no curso, lá no curso nós tiramos nossas

dúvidas. Quem realmente são as crianças do SE LIGA? E aí descobrimos, crianças que

tinham que limpar o texto, crianças que tinham a leitura, mas que precisavam apenas de uma

fluência não eram para esse grupo. Então nós já eliminamos crianças aí! Quando nós voltamos

para escola foi a mesma coisa... a gente voltou para escola tipo, eu não sei precisar o tempo,

mas eu sei que o curso foi sábado, domingo, segunda, terça e quarta digamos que quinta e

sexta a gente já estava na escola... as aulas só começaram na outra segunda. Então tivemos

tempo para organizar a sala, fazer um ambiente para recebê-los e para ver quem realmente ia

ficar nessa turma.

Pesquisadora: E essa prova que foi aplicada aqui na escola... nessa escola que você

trabalhava, ela foi corrigida por vocês então... ou por alguém do Instituto?

Professora: Não, nós já pegamos a prova corrigida, tá?! Quando a prova chegou em nossas

mãos ela já tinha sido aplicada, corrigida e já tinha uma lista das crianças que ficariam na

turma.

Pesquisadora:Ah tá...

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Professora: Sendo que essa lista já tinha mais de 50 crianças. E aí o que que nós fizemos?

Nós fizemos uma relação das dúvidas das provas do SE LIGA... né? Algumas crianças

ficamos com dúvidas, então assim, nós montamos uma outra atividade e convidamos essas

crianças para ficarem com a gente na sala de leitura por um momento para a gente ver o nível,

pra gente ver se realmente aquilo que aconteceu na prova estava de acordo com tudo que a

gente viu de SE LIGA no curso ou se não estava.

Pesquisadora: E aí vocês reportaram isso pra quem? No caso que teve autonomia para fazer

isso foi a diretora?

Professora: A direção da escola.

Pesquisadora: E aí ela reportou isso pra CRE, e a CRE aceitou esse sistema de vocês.

Professora: Nós ficamos mesmo com 50 crianças no SE LIGA. Porque assim, daquela lista

enorme né? Que eu não sei precisar quantas crianças tinham, mas digamos que tivesse 65 por

exemplo. Dessa lista grande a gente viu que as crianças que a gente não colocou no SE LIGA,

não foi por não ter vaga, foi porque realmente não precisava mesmo. Eles podiam ser crianças

com conceito I no quinto ano, por ter questões de leitura e escrita, mas que não tivesse o perfil

de alfabetização inicial. Entendeu? Apesar de a gente usar os argumentos com as crianças,

dizer que ele não foi, porque ele não era merecedor daquilo... nós tivemos essa situação!

Entendeu? Então, mas até eu, no caso em particular tive a seguinte situação...de criança que

foi avaliada para ir pro SE LIGA, quando chegou no SE LIGA, essa criança deu problemas

sérios de comportamentos, de tratamento e respeito ao outro, a mim e a itinerante ... eee... a

gente voltou com essa criança pra turma de origem.

Pesquisadora: Vocês conseguiram voltar...?

Professora: Conseguimos, isso porque eu ia abandonar a turma. Isso foi logo no começo do

ano, a gente não teve aquele período de subsídio...

Pesquisadora: Sei, sei...

Professora: Logo após o subsídio então...e essa criança o tempo inteiro... apanhei, entendeu?

alunos maiores do que eu, e olha que eu tenho 1.81m.

Pesquisadora: É, e você é bem alta né? (risos)

Professora: ... e assim, nós vimos que aquelas crianças... não iam mudar estando no SE

LIGA ou não estando no SE LIGA. Né? Eles apenas iriam estar ali por estar. Participar,

crescer, a gente não conseguiu conquistar isso

Pesquisadora: Mas assim... como é que foi essa saída desse aluno? Ééé.. foi colocado que os

alunos que entrassem não saiam, e os alunos que tivessem fora também não conseguiam

entrar...

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Professora: O que aconteceu? Nós tentamos todas as alternativas cabíveis. Conversa com a

família, conversa com o aluno, tira o direito... não vai para educação física, fica depois da

hora, porque comigo fica depois da hora, fica MESMO. Eu ficava com criança lá depois do

horário, e às vezes era necessário que alguém ficasse pra mim, porque eu tinha que vir para

outra escola e no final do dia eu voltava pra lá... a criança ficava na escola. Entendeu? E

assim, a gente tentou todas as parcerias possíveis e imagináveis. Até que teve criança lá que a

gente ouviu da mãe sim (reclamação da professora). - Olha só, do jeito que ele está não dá!

Ele está muito agressivo, ele machuca os outros, ele bate, ele já veio pra cima de mim, nós

vamos chamar o conselho tutelar. “Então chama e pede pro conselho tutelar levar ele porque

eu não quero mais.”. Meu sonho era que o conselho tutelar tire ele de mim... E aí assim, a

gente tentou contato com o conselho tutelar, tentamos fazer tudo que estava ao nosso

alcance... e o projeto não andava, ele não deixava o projeto andar. E aí, a partir do momento

que você é agredido, dói né? Muito! Porque assim, você vê uma briga entre duas crianças que

se desentenderam.... alguém fez alguma coisa para a briga acontecer...Porque se um fizer a

briga e o outro ficar quieto, a briga não acontece. Agora no momento em que você coloca um

professor para dentro de uma turma e porque você está trabalhando você é agredido, dói

muito. E tinha ali na turma crianças que não aprendiam por “N” questões. Né? E o fato de

estar numa turma menor, com uma atenção diferenciada para alfabetização, que não era o que

eles tinham no quinto ano, seria o sucesso daquilo ali! Você que tinha para onde caminhar

isso você que aquelas crianças não iam caminhar porque um ou dois impediam isso.

Pesquisadora: Então essa homogeneização de trazer essas crianças que estão digamos assim

com as mesmas defasagem em relação a aprendizagem foi... foi um acerto então? Juntá-las e

fazer um trabalho pra elas?

Professora: É... no momento que você tem crianças numa mesma faixa etária pode até ser

interessante. Mas quando você tem uma discrepância grande de faixa etária complica, que é o

que a gente tinha. Apesar das crianças serem oriundas de quinto ano, você não tinha todos na

mesma faixa etária, você tinha crianças bem mais velhas... esses meninos que chegaram a sair

da turma, eles eram homens.

Pesquisadora: Entendi.

Professora: Não eram adolescentes, eram homens mesmo, no sentido real dessa palavra.

Entendeu? que tinham outros interesses... e eu tinha crianças ali, meninas muito NOVINHAS

que brincavam de boneca. E os meninos já olhando com outros olhos. E o que aconteceu? Eu

tentei a primeira, tentei a segunda, a terceira, pedi apoio da direção, a direção apoiou...

tentamos com o conselho tutelar... infelizmente não tivemos o retorno que esperávamos.

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216

Talvez se tivéssemos, se o conselho daqui de Jacarepaguá fosse um conselho mais atuante,

né? Como eu já trabalhei na Praça Seca e tive o conselho tutelar presente na escola o tempo

inteiro, fazendo com que as coisas acontecessem. Numa escola em que a professora foi

sequestrada... () em que a diretora foi sequestrada, a professora apanhou com um cabo de

vassoura e o conselho tutelar entrou na escola, e a escola mudou. Então eu acho assim, se a

gente tivesse aqui em Jacarepaguá um conselho atuante, que desse apoio nas nossas

“vontades”, e visse realmente onde estão os problemas. [eu não disse que o conselho tutelar

pode tirar a criança da família e jogar no orfanato e acabou não!]. Tá, porque pra mim isso

não é atuar. Né?Atuante mesmo! ...vendo aonde está o problema nos ajudando... e tivéssemos

uma equipe que pudesse auxiliar nisso poderia dar resultado. Quando eu vi que o problema

era maior do que eu podia alcançar e eu não ia conseguir fazer mágica, eu disse que ia largar a

turma.

Pesquisadora: Entendi.

Professora: E aí a direção da escola comunicou a CRE que eu não ficaria mais, ela não tinha

mais professor para ficar. A CRE já sabia da história que foi difícil de arrumar professor para

a turma... enfim. A ordem até da Nedi foi: -Fecha tudo! Volta todo mundo para sua turma de

origem, e a gente fecha tudo. E aí eu questionei: Eu vou pra onde? Porque minha turma tá

com outro professor. Eu volto pro meu EI (Educação Infantil)?... e aí ela pediu um tempo, né?

digamos que isso aconteceu na terça. Ela falou: -pede pra sua professora ficar na sua turma até

sexta, até sexta eu resolvo a sua situação. Eu digo pra onde ela vai, se vai pra outra escola, se

ela volta pra turma dela, porque era tudo muito novo na CRE. Ninguém sabia responder...

nisso uma mãe, que tinha duas filhas comigo gêmeas, eram as mais novas da turma, éé, falou

que não iria admitir que isso acontecesse, que uma turma fosse fechada, porque duas... dois

rapazes não tinham atitudes corretas dentro da escola e por isso as filhas dela seriam

prejudicadas. Então ela procurou a CRE, colocou a situação, né? Que ela achava isso um

absurdo, prejudicar 23 crianças por causa de duas, né? Porque o problema eram eles dois, e aí

a CRE veio perguntar se essas crianças saíssem da turma se eu iria continuar a fazer o

trabalho no SE LIGA. Não por discriminação das crianças não, mas eu acho que ali não era o

espaço para eles. Eu não teria capacidade de dar conta do que eles precisam.

Pesquisadora:E eles, esses dois...?

Professora:Voltaram para suas turmas de origem.

Pesquisadora: Certo.

Professora: Entendeu? Sendo que um depois nem permaneceu mais na escola. Porque nem na

turma de origem mesmo foi possível dar conta das questões dele. E aí nós continuamos o

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trabalho, voltamos a caminhar... é, na verdade como eu tive esse problema, que eu tinha 4

meninos com questões gritantes, sendo que 2 imitavam o comportamento dos outros dois, né?

a CRE tinha dado carta branca pra gente tirar da turma quem a gente achava que era

necessário. Eu quis segurar esses outros dois, porque eu acreditava neles! E não deixei eles

saírem... e os dois foram para o ACELERA, né? sendo que um teve muito sucesso, e o outro

só não teve mais sucesso porque ele abandonou a escola...né? ele continuou a amizade com

esses outros meninos, e aí... não deu mais certo. Sendo que um desses meninos foi para o

ensino especial.

Pesquisadora: Ah é? Você teve assim, nessa gama de 25, no caso logo no início então

saíram... então você ficou com 23, e dois 23, no caso 21 foram alfabetizados?

Professora: Não, entrou mais criança. Eu recebi criança nova.

Pesquisadora: Ahhhh...da própria escola que você estava?

Professora: Não, não.

Pesquisadora: De escolas...?

Professora: Escolas...uma na verdade, que era essa com diabetes, ela nem estudava, ela tava

por fora da rede. Quando ela entrou na turma eu estava de licença, fui fazer uma cirurgia na

mão, ela não poderia nem ter sido matriculada na turma, né? porque ela já tinha 15 anos

completos, ela já estava fazendo 16 naquele ano e nem poderia ter sido matriculada, e assim...

uma menina que não estudava.

Pesquisadora:Entendi.

Professora: Então, o perfil era complicado, ela tinha histórico de doenças, de internações,

ausência de pais na escola.

Pesquisadora: É difícil né? E AAAAA, assim... as avaliações... as avaliações elas vinham do

Instituto Ayrton Senna.

Professora: Tudo do Instituto Ayrton Senna.

Pesquisadora: Como você viu isso? Isso foi...?

Professora: É... num primeiro momento assim, eu acreditava que as avaliações iam vir de

acordo com o que a gente tinha que preparar para cada bimestre. Então eu trabalhava aquilo

tudo que estava descrito, e aí no final as avaliações não tinham nada a ver com aquilo, né? foi

assim o meu primeiro choque! Então eu passei a ver quê, eu tinha que trabalhar com o meu

aluno o que ele demonstrava de interesse, de vontade de descobrir em relação aquele tema que

estava sendo dado, né? o que eu tava abordando? Se eu vou dar um Tatu, vamos ver que tipo

de texto interessa, aonde que eu posso buscar as informações. Eu parei de me prender naquilo.

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E aí, eu passei a ver que a avaliação é um processo contínuo, eu não ia avaliar o meu aluno só

naquele momento da prova.

E aí o que eu fazia? No momento de aplicar a prova, eu também dava pra ele essa visão.

Porque não tinha que se preocupar pela prova, porque era dia da prova. Ele tinha que se

preocupar com o dia-a-dia na escola. Porque se o que vale é a avaliação? ele ficava em casa

com os livros, aí eu chamava e ele ia fazer. Eu colocava muito isso pra eles, porque eu acho

que a prova não tinha a ver com a realidade das crianças.

Pesquisadora: Mas no final das contas, eles faziam as provas e acabavam se dando bem?

Professora: Assim, depende muito da questão, né? Porque a gente tem que avaliar questão

por questão. Quando era uma questão que tinha vivência da criança, que tinha um espaço para

eles, dava pra eles caminharem, né? Agora, quando eram questões que as vezes a gente tinha

dificuldade de entender...é que infelizmente eu não tenho nenhum material aqui pra poder...

não me lembro das questões.

Pesquisadora: Eu tenho.

Professora: Mas tem questão que....

Pesquisadora: Dúbia, né?)

Professora: Não dá gente! Nem a gente consegue entender o que aquela questão quer de fato.

Aí você vai ver qual é o objetivo da questão. Você vê, essa questão aqui não tá trabalhando

isso! Esse objetivo não cabe para essa questão.

Pesquisadora: Isso foi falado, por exemplo, com as professoras itinerantes?

Professora: Foi falado. Eu tive muita sorte com as minhas itinerantes. Assim, muita sorte!

Pesquisadora:Você teve várias itinerantes?

Professora: Eu tive duas, uma para cada ano, né?

Pesquisadora: Ah tá!

Professora: A itinerante do SE LIGA do primeiro ano seguiu com as crianças para a turma

do ACELERA, né? então assim, ela sempre trazia pra mim as respostas, porque ela era a

única pessoa na escola que tava vendo os dois lados. Ela tava vivendo o SE LIGA e o

ACELERA. Eu não vi o ACELERA, a menina do ACELERA não viu o se liga. Então ela era

a única pessoa na escola capaz de mostrar os avanços. E ela até que me confortava muitas

vezes.(25:20) Quando eu peguei o segundo SE LIGA, que as crianças não sabiam pegar no

lápis. – Pega o lápis para escrever!! –Qual é o lápis, de escrever? Que aí o nível já foi esse.

Sabe? –Pinta. – Como é que pinta? O segundo SE LIGA com alunos mais novos.

Pesquisadora: Esse... segundo ano? 2010 já?

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Professora: 2010. Ela que me confortava, ela falava : “calma, você não acha que a Juliana já

tem capacidade de ir para o ACELERA? ela gabaritou a prova de matemática, ela tirou 80 na

prova de ciências.”, “você é muito exigente!”. Ela que me tranquilizava. Entendeu? Porque

assim... o nível que eles colocavam pra gente nas provas, nem sempre tinha a ver com o que

era cobrado. Tinham questões surreais.

Pesquisadora: E na hora de você assinalar os descritores? Porque era preciso colocar lá a nota

da prova. E você percebia que a nota da prova era verdadeiramente a nota daquele aluno?

Professora: (26:13) Não, e aí era assim. Ele tinha lá aquela quantidade de pontos, né? que eu

tinha que colocar naquela questão. Se houvesse uma brecha, naquilo ali que estava escrito pra

eu não colocar aquele ponto, eu não colocava. Entendeu? Por exemplo, eu tinha um aluno

analfabeto. Que era esse menino que eu falei pra você que chegava atrasado, que tinha todas

essas questões. E aí tinham muitas questões de multiplica escolha, né? Quando a gente tinha

questões de múltipla escolha que ele acertava porque ele chutou, e você sabe que ele não tem

aquela vivência... porque eu seguia rigorosamente o que estava escrito. Se era para o professor

ler, eu lia! Se não era para o professor ler, eu não lia! Eu fazia aquilo que estava escrito ali. Se

eu via que aquilo era pura sorte, eu não marcava não.

Pesquisadora: Entendi. Agia segundo sua coerência.

Professora: Sabe. Porque se ele não faz, eu vou marcar por quê? Ela tá perguntando se ele

percebe. Se ele percebeu que aquela questão... se ele não percebeu, então ele chutou. Eu

conheço o aluno que eu tenho dentro de sala. Eu não marcava não, sabe? Agora, eu fazia...

Pesquisadora: E o contrário? Se no caso você percebesse que o aluno sabia mais do que

apresentava na prova?

(Muito barulho ao fundo...)

Professora: Ah... aí eu acho que do mesmo jeito. Se eu sei que uma criança... por exemplo,

essa menina que eu já citei, a Juliana, é uma menina que cresceu muito, cresceu muito. Tanto

que as últimas provas, quando ela chegou a gabaritar prova no ACELERA.... no SE LIGA ela

já gabaritava. Só que no SE LIGA ela já gabaritava a prova de matemática desde o início.

Essa questão de dinheiro, essa vivência ela já tinha. Né? essa questão de quanto tem troco...

tudo isso a Juliana já sabia na ponta da língua. Sabe? Então assim, quando por algum motivo

se era uma questão que ela tinha que ler, e eu não podia ler pra ela, e ela não acertava...eu ia

lá, eu não mudava a prova dela, mas eu dizia: -Juliana, vem cá rapidinho... olha só, você leu

isso aqui? O que ele tá pedindo? – acho que eu não lembro. – Então vai lá ler de novo “Ju”. E

ela não conseguia ter uma leitura... uma interpretação daquilo. É porque pra mim aquilo era

uma prova de matemática! Tava querendo saber se ela entendeu o raciocínio da questão pra

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fazer, e não se ela tem uma leitura e compreensão do texto. Aí eu dava uma mãozinha.

Entendeu? dependendo do objetivo da questão, eu tenho que ver o aluno naquele momento

como indivíduo, né? o que cada aluno consegue resolver.

Pesquisadora: É verdade AAAAA... assim, quanto parceria com o Instituto Ayrton Senna,

você acha que essa política pública foi acertada?

Professora: Nem um pouco. Nem um pouco.

Pesquisadora: Por quê?

Professora: Porque eu acho que o material não foi analisado antes de ser colocado na rede,

né? pelo que eu percebi assim... veio a idéia lá na reunião com a Secretária de Educação, né?

lá no auditório, todo mundo junto no Windsor (semana de capacitação), e aí ela falou o

seguinte: Que ela tava pensando numa forma de resolver o problema das crianças analfabetas

na rede. E aí ela lembrou da Viviane (Presidente do Instituto Ayrton Senna).(28:50) Disse

que ela conhecia o trabalho da Viviane... eu não estou desmerecendo o trabalho do Instituto

Ayrton Senna, que eu pesquisei, que eu fui atrás e vi que no interior (batidas na mesa) ele dá

certo. Em muitos lugares, como a minha primeira dinamizadora, que era do interior de

Alagoas, trabalhava com as crianças da zona rural, né? que não tinham acesso à escola, que já

começavam a escola com 12 anos de idade conhecendo o SE LIGA? Ele pode dar certo sim.

Né? para quem não tem essa vivência, agora pra as crianças do Rio de Janeiro...aqui...que tem

“Lan house”, que tem computador, que tem acesso a internet em outros lugares, entendeu?

Não é assim, não tô falando do texto, não tô criticando a música não.Tô falando assim... tem

tanta coisa interessante que eu poderia trabalhar com eles.

Pesquisadora:Não foi adaptado com a realidade?

Professora: Realidade “calha”? (se refere a palavra geradora utilizada no programa SE LIGA

para alfabetizar os alunos, fora da vivência dos alunos do Rio de Janeiro). Eu acho que eles

têm que conhecer outras culturas, e tal, mas assim eu vou lançar com calha? Tem tanta coisa

interessante... Zarolho? Eu trabalho alto estima, que tem que respeitar o outro, e eu vou

trabalhar zarolho? eu que sou estrábica? (29:44)Entendeu? Eu ficava “zuando” as meninas

(refere-se às professoras amigas), vou mostrar o que é zarolho... é só me apontar. As meninas

riam... quer dizer, você trabalha que você tem que respeitar o outro,né? tem que aceitar o

outro como ele é, que cada um tem suas individualidades... aí eu ensino o que é zarolho?

Pesquisadora: é preconceituoso né?

Professora:Que nem é o nome certo! Aí você vai complicar. Entendeu? É muito complicado.

Eu acho que tem que têm coisas positivas no projeto.

Pesquisadora: Quais você citaria?

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Professora: Essa questão que a gente tava colocando de colocar as palavras-chave, de você

ter os tempos para trabalhar com cada palavra, porque eu acho que em alguns momentos a

alfabetização na rede se perde, porque você não tem um calendário fechado. O fato você tá

trabalhando com as crianças, o fato de você ter alfabetização numa única linha, né?

Pesquisadora: Qual é a linha?

Professora: Não, de você colocar assim dentro da escola uma linha de alfabetização, que

quando a criança encontra aquele ambiente alfabetizador ela consiga perceber. Porque você

pode estar trabalhando com a sílaba, com a palavra que pode ser o seu carro-chefe. Se as duas

turmas trabalham com a mesma palavra-chave, se eu ensino para a criança que aquele “T”ali é

do Tatu, e eu tenho o Tatu, eu tenho o texto do tatu e a outra turma vai ensinar naquele

mesmo momento que é o “T” do tapete, tem crianças que podem confundir. E não perceber! É

claro que você vai ampliar isso, mas no início do processo as coisas facilitam. Entendeu?

Acho que isso facilita para a criança. E aí você tem a mesma sala com esse ambiente...

infelizmente, nós professores não temos muito tempo para estar enriquecendo esse ambiente.

Então você tem duas professoras (em algumas escolas o diretor optou pela turma ser atendida

também no segundo turno) trabalhando, ajudando, montando, teve coisas legais. Essa questão

do projeto de ter o tempo para o professor trocar com o outro, que era nos encontros.

Pesquisadora: Que eram nas reuniões semanais?!

Professora: Que não eram semanais! O projeto queria que fosse, por isso que eu falo... o

projeto teve coisas legais. Pelo projeto, o professor do SE LIGA era só do SE LIGA, ele fica o

dia inteiro se dedicando ao SE Liga. Na rede não aconteceu. Pelo projeto os encontros dos

professores do SE Liga, são semanais e na nossa rede, foi quinzenal e no segundo ano, do Se

liga, mensal. Entendeu?O Projeto ainda pensava em alguma coisa para sa crianças, que nós...

Pesquisadora: Quais foram as modificações de 2009 para 2010?

Professora: Tem uma coisa positiva, que nós passamos a participar dos centros de estudos,

porque 2009 nós ficamos fora da escola. Os professores do Se Liga não faziam mais parte da

escola, porque eles não respondiam nada mais na escola. Tudo era a itinerante que entregava o

papel e mandava para itinerante entregar para a CRE, suas dúvidas eram a itinerante que

tiravam, você não “ta” mais alguém da escola. Você não estava na escola nunca. Momento do

grupo de discutir questões pertinentes à escola, você estava na reunião do Se Liga. Mesmo

que reunião fosse na sua escola, você não estava com o grupo. Eu acho que teve este ganho

em 2010. As reuniões não eram mais no dia do “Centro de Estudos.” (reunião entre os

professores na escola),NE?... mas o número de reuniões diminuiu! Eu como já tinha sido do

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“Se Liga”não vou dizer que não fez falta,mas vou dizer que não fez tanta diferente...que eu já

sabia o caminho assim..né? Mas para quem não era...era muito complicado!

Pesquisadora: Aí você teve os alunos do 2 ano...no final do ano, os alunos foram

alfabetizados? Quantos eram os alunos, AAAAA?

(barulho ao fundo.....crianças brincando)

Professora: Eu tive 15, mas fecharam o ano só 14 crianças. deste grupo de 14 crianças, duas

crianças eu tinha certeza que não teriam que ir para o Acelera. Inclusive eles estão com

dificuldade até hoje, no Acelera. Por quê?

Pesquisadora: Eles continuam no acelera?

Professora: Continuam no Acelera. Não puderam sair!

Pesquisadora. E pode repetir o acelera, no caso? Porque no caso do Realfabetização...

Professora: Não! No Acelera 1 não pode repetir. Você pode ir para outro Projeto. Nenhum

Projeto da Rede pode ser repetido. Pode ir pra outros lugares...outros Projetos, volta para a

turma de origem...

Pesquisadora? Ah é o Acelera 2 no caso... Este Acelera 2 é criado pela Rede ou também é do

Instituto?

Professora: Não sei te dizer. Não sei! Porque mudou o nome...tem Projeto que é de fora, tem

projeto que não é...uma coisa de maluco, né?! Não sei te dizer! Mas assim... o que eu vejo? As

crianças que foram para o Acelera... éé duas crianças eu tenho certeza que sendo que

uma delas tem questões de raciocínio... de estruturação de pensamento, sério e o PROINAP,

que veio para ajudar ...que eu acho até de PROINADA, porque você coloca um grupo de

profissionais, não pelos profissionais,não”, pela proposta,,,, para dar conta de não sei quantas

escolas, não sei quantas crianças e teve ainda época que elas tiveram que atender no posto,

para atender famílias..que aconteceu....sabe aquela questões que foram acontecendo... até de

tragédia, eu escutei lá!... o ano passado eu não sei se foi a psicóloga ou a assistente social...eu

sei que uma delas, teve que ir para Niterói, quando teve aquela tragédia...teve que fazer outras

coisas.... e aquele trabalho que já estava acontecendo, deixou de acontecer....não por vontade

delas,não! mas por falta de estrutura. Porque assim, este menino...ele não conseguia falar uma

frase completa com 12 anos de idade. Tipo: Lucas, isso aqui é um estojo preto ( ela estava

com o estojo na mão)!! Que cor é este estojo? “-ontem eu joguei bola”. Tá.. Lucas...ontem

você jogou bola, “legal”, mas responde aqui para tia. Foca aqui na tia! “- Vai ter merenda

hoje?...ele não consegue...

Pesquisadora: E estes alunos... você sinaliza para ser pesquisado...para ser avaliado por

profissional..e aí no caso nem a escola, nem a CRE, nem ninguém do Projeto, ajudou....

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Professora: Nós encaminhamos para o PROINAP , o PROINAP marcou a reunião com a

família , não conseguiu fazer..e marcava de novo e marcava de novo....

(Muito barulho..apito e falatórios.....)

Pesquisadora? E a família faltava?

Professora: Ou a família faltava ou ela era chamada para ir para outra escola em outro

lugar...e assim... N problemas...não foi só a falta de vontade da família e nem eu acho que foi

falta de vontade do profissional, não. Eu acho que é uma questão de estrutura..se era para

resolver as questões da escola, era para ser resolvido os problemas da escola! Assim que o

PROINAP chegou na escola. O PROINAP chegou para resolver os problemas das crianças do

SE Liga do ano anterior. Essa era a proposta do PROINAP. E aí eu “bati” de frente...PeraÍ ,

quem foi reprovado no ano anterior, já foi reprovado...eu tenho aqui uma turma, que eu tenho

uma criança ,que é irmã daquela que foi reprovado no ano anterior e que tem quase o mesmo

histórico e tem as mesmas dificuldades eu preciso ajudá-la este ano...para que ela não seja

reprovada! E aí ela levou o problema e a resposta foi que ela não podia resolver...e aí nós

começamos a bater o pé...correr atrás...a gente começou a questionar...até que a gente

conseguiu atenção! Aí ela chamou a família na escola para mostrar o problema, mas não só do

menino, mas da menina também ..mas assim..ninguém pensou nisto? Para mim, isto é óbvio!!

(Muito barulho do lado de fora, mas AAAAAA não se desconcentrava...)

Pesquisadora: E assim AAAAA, estas questões todas...que são questões muito...é pertinentes

e precisam de um acompanhamento.. éé...a gente percebe que as coisas acontecem na rede,

NE? Esse Projeto está aí junto com outros Projetos do Instituto Ayrton Senna e como é que

você percebe essa chegada do IAS. Houve..você soube, houve, foi, participou de alguma

forma de alguma fase da implantação, da formulação...da implantação e da avaliação. Houve

uma avaliação? A 7ª CRE no final do ano, chamou os professores e disse: vamos fazer uma

avaliação do Projeto? Não é avaliação do aluno em si, mas claro que quando você fala de

avaliação do Projeto você leva em consideração a alfabetização do aluno, mas como um

todo... Com o material, com a metodologia, com a itinerante, com enfim..com todos os ganhos

e tropeços do Projeto..houve um momento para você avaliar o Projeto?

Professora. Não! Eu não vi nenhum momento, nem a intenção para que este momento

acontecesse... quando por exemplo...quando a gente começou a criticar algumas questões...a

falta de ligação entre um item e outro na ficha mensal...ou as questões da prova que não

condiz...quando você começa a criticar você passa não ser ouvida, né?! Eu colocava para

minha itinerante, para ela levar o problema e trazer e não era ouvida ...para você ver que

chegou a tal ponto DE ...eu colocar para a 2ª itinerante, algumas questões pertinentes aos

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problemas do ano anterior para ela levar e trazer antes que os problemas acontecerem....e a

resposta para ela ser assim?! Por acaso você é a itinerante da escola XXXXX da professora

AAAAA? Tipo...então assim....já é um nome que marcou ,por trazer muitas

inquietações...tanto que a minha diretora foi questionada? Por que você manteve a professora

do Se Liga? Ah pelo sucesso do trabalho e disponibilidade da professora! Ah a gente não

estava entendendo deste jeito!...Quer dizer...em nenhum momento isso foi visto desta

forma...até PORQUÊ eu não acho que é culpa do pessoal da CRE não! Mas assim eu sei que

teve itinerante que fez e se fez...quem foi itinerante ..óbvio do primeiro ano, não conhecia o

Se liga, porque o Se liga era novo ..então no primeiro ano, tinha mais professores com muito

mais argumento para falar do Se Liga do que os itinerantes, né? E você tinha dentro da CRE,

itinerantes achando o Se Liga o máximo, a salvação da Pátria e que até criticavam os

professores, que reclamavam do Se Liga, então eu acho que as informações que chegaram lá,

podem ser contraditórias, né?! Eu por coincidência tinha uma vizinha que era itinerante e ela

não era minha itinerante, e ela falava para mim , que quando ela ia levantar algumas questões

dos professores, ela era mal vista...por quê? Porque ela estava levantando..aquele Projeto era

visto como perfeito. Que ele dá conta! E eu acho que não é assim. Nada na vida é perfeito,

NE? O dia que a escola chegar a perfeição, a gente não precisa mais dela. Eu acho que temos

que nos desafiar o tempo inteiro! Eu não vi na CRE nenhum espaço para isto! Eu não fui, no

primeiro ano do Se Liga, final do ano teve uma festa aqui na Barra e os professores ganharam

uma medalha por serem excelente...eu não fui!

(neste momento a meninada adentrou a sala num barulho próprio de crianças de 4 e 5

anos....a educação física havia terminado. Desliguei o gravador)

Parte 2 Continuação (O barulho era ensurdecedor)

Agora no refeitório...

Pesquisadora: Só para a gente finalizar e desde já agradecendo por seu carinho por sua boa

vontade...Como você avalia o ano de 2009 e 2010 com o Projeto?

Professora: Eu acho que muitas idéias do Projeto poderiam ser aproveitadas e adaptadas para

a realidade da nossa rede.

Pesquisadora: E a rede pode fazer?

Eu não sei... mas assim como a rede faz os cadernos pedagógicos, faz apostilas, acho que

poderia se tentar algo voltado para isso...até pegar o material IAS e ver o que ele tem, o que

poderia ser adaptado para as crianças...por exemplo: a vivências das crianças da Maré são

diferentes das daqui, mas sempre tem vivências, que podem ser aproveitadas....

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Pesquisadora: E as escolas tem feitos estratégias para que estas crianças não chegam

analfabetas no 4º, no 5º , no 6º e por aí em diante?

Professora: isto é complicado pelo seguinte..quando o Ciclo entrou..era outra prefeitura e era

tudo diferente.... eu era professora da educação infantil e fui convidada para seguir o ciclo. No

curso de Ciclo de Formação eu escutei:, sabe o quê? _ Calma! Você tem 3 anos para

alfabetizar. Você é muito ansiosa! Você não precisa se preocupar com a alfabetização. Você

tem 3 anos... primeiro, segundo e terceiro ano. E eu acho que isto fez com que houvesse uma

cultura que não se preocupou com a alfabetização. E na verdade, ao meu ver, você tem que se

preocupar com isto desde que a a criança nasce. A leitura de mundo que ela vai ter, os

estimula que ela vai ter é o mesmo e vai esperar 7 anos para dar conta de saber seu nome, de

reconhecer pelo menos a letra que começa seu nome? Entendeu e então eu acho que o

problema está aí...se formos falar do governo de modo geral....só se fala em cota para negro

na universidade, mas porque não se pensa em resolver o problema da educação infantil hoje?!

Para a gente não precisar dar cota amanhã. Eu acho assim..idéia, vontade...até tem. Mas a

escola não tem como decidir certas coisas...se sua escola resolver que vai trabalhar em um

projeto e alguém diz que você não vai, o que o diretor pode fazer?

Pesquisadora: A escola, então, não tem autonomia?

Professora: Eu acho que as escolas têm autonomia sim, para fazer um bom trabalho que

esteja de acordo mesmo, mas as vezes acontece ao contrário, infelizmente, também acontece

ao contrário...as vezes você tem um trabalho que você acredita....e uma direção que impõe

seus pensamentos e provas e não deixa você fazer o trabalho que você acredita. Te dá um

planejamento , por exemplo, com os números das páginas que você tem que trabalhar por

semana.... Hoje nós temos escolas na rede deste jeito. Que diz para você que você tem que

trabalhar com as crianças, assuntos que não dizem respeito a elas. Este ano estava dando aula

de geografia numa turma, né? E aí eu fui mostrar as diferentes culturas, no livro de geografia

e apareceu uma menina japonesa.... e surgiu o assunto de Tsuname. Eu parei a aula e fui falar

do Tsuname e eu não dei aquela matéria... e eu fui chamada atenção porque eu não dei a

matéria e não segui meu planejamento. Entendeu? Nós ainda temos esta visão,

infelizmente....então, eu acho assim, as coisas têm que ser pensada por todos. Não adianta

pegar um projeto pronto e colocar na rede e este projeto ser de fora e não ser de acordo com a

realidade da escola. como não adianta se a direção da escola não der apóio. Eu acho que

temos que ser convidados...e isto tende assim...éé.... fazer com que a gente goste.....tenha

prazer com aquilo....

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Pesquisadora: Você acha importante, então, a participar? Como você está vendo AAAAA,

estes projetos todos na rede? A gente tem a sensação que tem uma rede paralela. Uma rede

dos ciclos e uma dos projetos. Você acha que isto está tencionando a rede como um todo? Os

professores estão entendendo?

Professora: Eu acho que não! Eu acho que não houve espaço para agente poder pensar sobre

como as coisas iam funcionar... ninguém sabia responder...quando a agente teve o Se liga no

primeiro ano, e a agente queria saber para onde as crianças iam, ninguém sabia...ninguém

conhecia o Projeto Acelera. As coisas estão do mesmo jeito. Lá (nova capacitação) nós

fomos perguntar para onde as crianças iam e ninguém sabia ....se era Acelera 1 A, Acelera

1B... 2 ...sei lá como era a nomenclatura...ninguém sabia! E depois que chegou a informação...

mais um projeto....entendeu? Eu acho assim...é um grande avanço você pensar em resolver

este problema. Acho que ele precisa ser tratado SIM. Não adianta reter esta criança anos e

anos na série de origem, não adianta, mas eu acho que todos tem que ser ouvidos...todos!

Falta este espaço!

Pesquisadora: No caso os alunos que saíram do Realfabetizando que eram do 2 ano foram

para onde?

Professora: No meu caso eles foram para o Acelera, os que eram de 2 ano. Tá?!Eu tive um

caso de um menino que eu não sabia que ele era oriundo do 2 ano , pela faixa etária, porque

ele era enorme, ele não tinha sido aluno da nossa escola para eu olhar a ficha dele. E no final

do ano eu coloquei para ele ir para a turma de origem, mas na verdade ele podia ter ido para o

3 ano. ... [naquele papel dizia para onde ele ia.....] Olha que coisa engraçada eu coloquei na

turma de origem porque ........ ........Eu errei! Por achar que ele era segundo e não pode ser

refeito. Agora o que eu coloquei para o segundo ano e a CRE achou que devia ir para o

acelera, ele foi ACHO QUE ESTÁ FALTANDO OUVIR O PROFESSOR...até porque assim,

isto não é questão da itinerante, não!? A última itinerante usava um cartãozinho verde,

amarelo e vermelho para nós colocarmos nossas expectativas. Quando eu pedia o cartãozinho

vermelho..você precisava ver...Não tinha espaço para ouvir a crítica. E eu acho que nem

sempre quando você critica, você está analisando a coisa pelo lado negativo... Por exemplo

“zarolho” mudou né?! Depois mudou para Zigue-Zague, mas será que isso não mudou por

causa da mídia?........

Pesquisadora: Então, ....eu só quero agradecer muito a você, dizer muito obrigada!...que a

gente de verdade acredita em educação... Parabéns pelo teu trabalho! Parabéns por esta

professora tão dedicada que você é! Porque acredito que seja por aí que se vá fazer a

diferença, né? AAAAA

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227

Professora..pois é...

Pesquisadora: e assim...com esta pesquisa , eu espero de verdade está contribuindo também

com sua fala , com a fala de muitos professores, porque a gente que vivência este ambiente...

a gente , entende, né?! Que a gente precisa ter um olhar diferenciado... ouvir um pouco mais o

professor, né? Este é o intuito da pesquisa...ouvir realmente vocês...

Professora: Aquela questão assim... ouvir para fazer alguma coisa, para dar uma

resposta....não adianta só ouvir..ouvir sem refletir...eu sei que trabalhar numa rede de 10

CREs , deve ser complicado! Entre duas escolas já é complicado..... , mas não adianta dizer

que o professor tem voz pelo twiter, dizer que tem encontros com representantes da

comunidade...e só ouvir e não fazer nada.... não adianta! Tem que ouvir e pensar um

pouco....ouvir e refletir ...e é isto que está faltando..ouvir a crítica...ou então a gente não fala e

ela não sabe o que a gente pensa....

Pesquisadora. Obrigada, AAAAA!

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ANEXO B - ENTREVISTA: docente regente BBBBB

Docente calma e observadora

Professora BBBBB: “não, não...não disseram porquê...e aí a gente teve um final de ano

assim...que fomos convidadas para um evento...e que nossa CRE foi muito bem colocada,

porque teve um alto índice de alunos,que conseguiram ir para o Acelera. Só que meu caso não

foi o único...muitas colegas tiveram seus alunos que não liam e nem escreviam quase nada...E

AÍ FOI UM FIASCO, NÉ?! Porque quando chegou em 2010 esses alunos estavam lá... e

muito perdidos...”

Detalhamento:

(A entrevista ocorreu em ambiente escolar após a professora ter participado de uma

capacitação do Projeto Realfabetização de 2011 em uma escola pólo da rede. A sala que

ficamos era uma espécie de sub-secretaria no pavimento de cima. Estava vazia no início.

Já havia conversado com a professora por telefone e agendado nosso encontro. Antes de

começar a entrevista ela fez questão de entender melhor do que se tratava minha pesquisa.

Após conversa rápido iniciamos a entrevista ( ela sabia da sua importância e percebeu meu

respeito) No meio da entrevista estava à vontade em falar...).

Pesquisadora: então, ...já começou a gravar, tá?...vou virar aqui...se você quiser se

apresentar, só para eu ter...o teu nome....

Professora: tá... Eu sou BBBBB, trabalho na rede desde 1992...ee recentemente eu passei

num concurso para educação Infantil, mas como eu já estava numa turma de projeto, foi

aberto uma exceção para eu não assumir a matricula nova em EI e continuar com o Projeto,

para não ter perda. E tô trabalhando com turmas destes projetos do Instituto Ayrton Senna,

desde que ele foi implantado aqui... em 2009.

Pesquisadora: em 2010, você acompanhou a turma para o projeto Acelera?

Professora: Acompanhei...acompanhei ...trabalhei com eles desde 2009 no Programa Se liga

e foi uma escolha minha de acompanhá-los para poder dar continuidade ao trabalho, né?

Pesquisadora: então assim..desde o início de 2009 você foi convidada , você então.. é.. foi

espontânea sua ida para o Projeto?

Professora: Foi me apresentado a idéia, né? E me perguntaram se eu gostaria de tentar? E

como eu já alfabetizava e fiquei curiosa , né? Em conhecer...foi uma escolha minha...foi

espontâneo...

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Pesquisadora: Assim...durante 2009 no decorrer do trabalho, você sentiu necessidade de

alguma adaptar perante ao mecanismo do Projeto? Porque o Projeto era muito marcado, né?

Ele tinha etapas a serem seguidas? Você seguiu estas etapas? Como foi isto?

Professora: É porque o projeto trabalhava de uma forma assim ...muito de sequência, né?

Existia a palavra chave, da palavra chave, se retirava a sílaba se trabalhava e depois a família

silábica enfim.. mas como eu tinha muito material do primeiro ano de alfabetização, eu levava

muito isto para escola, então a gente nunca ficava só com o trabalho proposto no livro. A

gente fazia inúmeras atividades , bastante diversificada, para enriquecimento dos alunos

mesmos ...então eu seguia o livro mas sempre tinha coisas extras...

Pesquisadora: Mas então de qualquer forma você fazia este enriquecimento, mas seguiu os

passos.. .ou você em algum momento sentiu necessidade assim: Hoje não vou dar isto não?!

vou seguir para outra página?...

Professora:Não, não! Segui religiosamente o que o projeto determinava.

Pesquisadora: E assim, você questionou em algum dado momento seja para professora

itinerante, seja para algum coordenador da 7ª CRE algum ponto que você não concordasse?

Professora: quando tinha reunião, assim os questionamentos eram muito parecidos, da gente,

né?! Enquanto, professores regentes de turma, principalmente em questões dos regionalismos,

porque o livro era feito com termos muito... lá do nordeste e tinham palavras que pra agente

conseguir explicar para a criança, nós, aqui cariocas, questionávamos muito isto.

Pesquisadora: E questionavam como? Então que vocês gostariam de ter uma nova

metodologia ou um novo livro... Como foi?

Professora: Algumas professoras se queixavam do método sim...achavam que era

ultrapassado..que isto já tinha sido usado no município, que a gente estaria

regredindo...voltando atrás... Eu não questionava isto, não! Questionava mesmo, justamente a

falta de adequação aqui..nossa realidade...entendeu?

Pesquisadora..entendi..entendi...E assim..isto foi em 2009 e em 2010 você seguiu para o

Acelera, e que bom que agora em 2011, (que nem é meu foco da pesquisa), mas você está

com o Projeto... houve modificação?

Professora: Total, total! A gente se deparou com um material que era completamente

diferente de 2009.

Pesquisadora: Melhor? Mais adequado?...

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Professora: (sorriu...) Eu achei...a minha opinião é que eu achei pior, porque [como vou te

dizer..] ficou mais complicado para alfabetizar. Porque é um livro que já...parece que imagina

que a criança já lê e escreve, então ficou muito mais complicado do que 2009. Então a gente

tá tendo que fazer muita adequação...continuamos a seguir o que o Projeto manda? SIM. Só

que as adequação estão maiores

Pesquisadora: Sua fala é a fala de itinerantes e professores também...isto no caso...voltando

agora para 2009 , então BBBBB.Em 2009 como foram feitas as Avaliações. Professor

participou da avaliação do aluno?

Professora: Não! A gente recebia as avaliações prontas.

Pesquisadora: E estas avaliações vinham de onde?

Professora: Elas vinham da SME e eu acho que eram feitas pelo IAS

Pesquisadora: E elas eram inadequadas?

Professora: TOTALMENTE, porque, inclusive este ano está da mesma maneira, porque elas

não acompanhavam, elas às vezes destoavam do que a gente trabalhava no livro. Mais

complexas, sabe? A impressão que a gente tinha que o livro eram feito com uma simplicidade

maior e as avaliações com uma complexidade muito maior do que eles estavam acostumadas.

Pesquisadora: Então... os alunos iam bem nestas provas??

Professora: Eles não iam tão mal, porque como a gente recebia as provas antes, a gente tinha

uma ideia do que seria trabalhado e a gente trabalhava em sala com eles...como a gente

continua fazendo agora...

Pesquisadora: E além desta avaliação estanque, que vinha da SME, no caso do IAS, com

parceria do IAS. Vocês poderiam fazer outras avaliações?

Professora: Poderíamos... poderíamos ...

Pesquisadora: e isto aconteceu com você?

Professora: Aconteceu. Aconteceu.

Pesquisadora: Vocês tinham os descritores

Professora: Continuamos tendo...

Pesquisadora: E você acha que este sistema é válido?

Professora: Acho que sim, porque acaba fechando, né?! Um pouco..a gente fica assim..[como

vou te explicar...] mais centrada no que a gente quer do aluno. Acho que fica mais fácil, sim.

Pesquisadora: Qual é sua percepção frente esta política pública, que é o Projeto

Realfabetização? Porque desde sua implantação, é..vamos só contextualizar...Houve um

momento da capacitação, que foi de uma semana. Esta capacitação deu condições para

embasar teu trabalho durante o ano letivo?

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Professora: Não, não... ela deu condições para agente conhecer um POUCO do que viria pela

frente, mas assim o resto a gente foi se adequando e conhecendo no decorrer do projeto

Pesquisadora: E o papel da itinerante, foi importante?

Professora: Foi, foi!! Bastante, porque eu via na itinerante não só aquela pessoa que estava

ali para acompanhar o desenvolvimento da turma, mas aquela pessoa que estava ali para

ajudar, mesmo! As três que passaram pelas turmas, vinham para somar...

Pesquisadora:Você em momento nenhum se sentiu constrangida ou tencionada...

Professora: Não, não...( Pesquisadora): muito pelo contrário, né?!..

Professora: muito pelo contrário, senti vontade de até pedir ajuda...

Pesquisadora: certo...

Pesquisadora: ..Como você vê o Projeto Realfabetização? Ele chegou na rede... foi surpresa

para você? Ou alguém falou para você: olha está havendo uma discussão....

Professora: Não, foi surpresa! A gente sabia que um dia ia estourar, né? Porque a gente

percebia que com a aprovação automática ,as crianças estavam chegavam no 4ª e 5ª ano sem

ler e escrever absolutamente nada...a gente sabia que alguma coisas precisava ser feita, mas

ele surgiu do nada....porque a gente ficou sabendo se não me engano em abril..não é isto?

(Pesquisadora....é...) então o ano letivo já tinha começado, estava todo mundo em suas turmas,

então foi aquela correria, aquele alvoroço para reenturmar...então foi uma novidade para todo

mundo.

Pesquisadora: E você acha que dentro do Projeto Político Pedagógico de cada escola, com os

professores, pedagogos, não teriam condições de criar estratégias outras para alfabetizar estes

alunos?

Professora: eu acho que desde o momento que a gente está dentro duma escola, a gente

conhece a realidade dos nossos alunos, a agente tem uma coordenadora..eu acho que a gente

pode ter nossas estratégias sim....eu inclusive trabalhei em 2007 com uma turma que era de 2º

de alunos que não conseguia nem ler e nem escrever. A minha escola fez isto, resolveu juntar

todos os alunos do 2º ano que tinham esta dificuldade colocaram numa turma só... e aí esta

turma foi alfabetizado e COM ÊXITO. “COM O MESMO Êxito” que a gente consegue no

Projeto.

Pesquisador: Então você diria que de repente o Projeto ele foi bem sucedido, mas que não

necessariamente precisaria ser este Projeto....

Professora: Eu acho que não. Eu acho que se eles capacitassem, se a prefeitura capacitasse

como já vem capacitando professores muito focados e voltados para alfabetização, não

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haveria necessidade, não. A gente tem..tem assim muitos professores bons, a gente tem

coordenadores com idéias excelentes..acho que a gente dava conta sim

Pesquisadora: Entendi... assim...você lembra no final do ano , os alunos, que foram avaliados

de forma, que quem fosse alfabetizado iriam para o projeto Acelera e os que não, voltariam

para suas turmas de origem. Isto aconteceu com você?

Não, não aconteceu...eu tive caso de dois alunos, que eles não liam, não escrevia quase nada...

eles não tiveram progresso em posição alguma... e eu não tinha colocado o nome deles na lista

para ir para o Acelera, porque a determinação era, só iria para o Acelera os alunos que

estivessem no processo de alfabetização mais desenvolvido. Aí para minha surpresa em

janeiro eu recebi um telefonema da diretora da escola, dizendo que tinha mudado a

determinação, que a nossa CRE tinha colocado aqueles dois alunos como alunos aptos para ir

para o Acelera.

Pesquisadora: Mas por que isso? Disseram por quê?

Professora: Não, não...não disseram porquê...e aí a gente teve um final de ano assim...que

fomos convidadas para um evento...e que nossa CRE foi muito bem colocada, porque teve um

alto índice de alunos,que conseguiram ir para o Acelera. Só que meu caso não foi o

único...muitas colegas tiveram seus alunos que não liam e nem escreviam quase nada...e aí foi

um fiasco, né? Porque quando chegou em 2010 esses alunos estavam lá... e muito perdidos...

Pesquisadora: Me conta um pouco sobre isto, BBBBB...? Quer dizer então, que eles foram

para o Acelera... é se acreditava então, que eles estivessem muito bem...(ela interrompeu)eles

chegam....

Professora: Não se acreditava!.. (ar de riso)...eles sabiam que eles não estavam..

Pesquisadora: Ah ele sabiam?!.. Quem sabia?

Professora: Ué?! As pessoas que trabalham com o Projeto...

Pesquisadora.. com projeto, né?!...sabiam que eles estavam ainda assim, digamos que numa

fase ..INICiannndo...o processo e aí veio toda. Aaa...novamente livros e estes livros eram...

Professora:.....nossa....4 livros! 4 livros com textos imensos..e aí o que aconteceu com estes

dois alunos. Um foi embora e a outra ficou...até o final do ano...mas da mesma maneira do

que entrou em 2009 e esse ano, como eu estou com o irmão dela...eu fiquei sabendo por ele,

que ela não está estudando..

Pesquisadora: Parou de estudar...

Professora: Ela parou de estudar...

Pesquisadora: E como você adaptou? Eu sei que por exemplo, neste momento, nem faz parte

da pesquisa, mas é..é..assim que a pesquisa caminha , né?! BBBBB, porque a gente vai com

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um olhar para uma coisa e percebe que outras coisas estão acontecendo paralelamente, né?!

Então assim o Projeto Realfabetização..eee as crianças passam pelo Projeto Acelera e você

percebe então que toda aa aparte de material, pedagógica, é acaba sendo muito além daquelas

condições que estavam aqueles alunos e vocês têm que adaptar então. Como vocês fizeram

esta adaptação?

Professora: a gente lia muito com eles..para eles, né?! Porque como eram textos muitos

grandes e exercícios...é... com uma linguagem bastante apurada pra o que eles estavam

acostumados, né?! Porque o Se liga era muito limitado, néé?! A gente trabalhava o tempo

todo com eles, mas a gente fazendo e eles acompanhando, porque se não não daria conta, até

pela quantidade pela quantidade das informações

Pesquisadora: e eles chegaram no final do ano ,alfabetizados no Acelera?

Professora: muito bem... Os que foram para o Acelera indicados por mim, que tinham plenas

condições de acompanhar, chegaram muito bem..a grande maioria foi para o 6º ano. Saiu do

Acelera e foi para o 6º.

Pesquisadora: Foram para ouro Projeto?

Professora:não! 6º regular. Que a meta era sair do Acelera e ir para o 6º. A grande maioria

conseguiu.

Pesquisadora: mas os que não conseguiram foram para outro Projeto?

Professora: foooram...aí o que aconteceu? Quando chegou este ano...como surgiram outros

projetos...com idades diferentes...nomes diferente, a gente acabou tendo que reenturmar, no

caso desta aluna...eu não sei exatamente para onde ela foi, mas a proposta era ser inserida de

novo no 5º ano.

Pesquisadora: voltar de novo para o 5º ano.... porque agora a gente sabe que a rede está cheia

de Projeto...você consegue entender toda esta nomenclatura?

Professora: não porque foram muitos..agente até 2010 tinha 2 projetos. Era o Se liga e o

Acelera. Apenas estes. Este ano eu vi que tinha Se Liga.. Realfa 1 Realfa 1A..muito

complicado...foi complicada até para a coordenadora...diretora..éé..enturmar estes alunos..

Pesquisadora: Pois é BBBBB, estou te mostrando aqui, esta ficha, nela contém os nomes dos

projetos que estão na rede e para onde estas crianças vão...é muito difícil pra gente que é

professor conseguir entender..imagina para um leigo..e neste momento eu sou

leiga...Realfabetização 1; Realfabetização2 A; Acelera 1A; Acelera 1B.....havia possibilidade

de alunos irem para o PEJA(ontem mesmo eu falei com uma professora...por conta da idade

eles tinham uma porção de outros caminhos para se seguir... ) e este sistema permanece

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vigente no município! Para se entender...você acha que isto de alguma forma prejudica o

andamento da parte pedagógica?

Professora: Olha só Carla...eu acho que quando a gente tem ..no lugar onde a gente trabalha,

projetos que a gente não entende ..desconhece...vai prejudicar sim! A gente tem que tá muito

bem inteirada do que está acontecendo. Eu só conheço desses aí 3 (três) 3. Que é o “Realfa 1

A” que é o meu, o “Acelera 1A” que era o antigo Acelera, em 2010, que eram as crianças

oriundas do Realfa e o “Acelera 1B ou 2A”... eu já confundo até o termo..óh!.. que são

crianças que estão sendo trabalhadas com a Fundação Roberto Marinho....que também é uma

novidade no município, foi este ano, então não tenho segurança para te dizer não...

Pesquisadora: são muitos projetos...é.. {entrou alguém na sala - eu disse: boa tarde}uma

dificuldade até para saber onde este aluno está incluído na turma né?! Então dificulta o

entendimento da gente... então, eu vou te perguntar ...se você no final do ano de 2009 e no

caso até em 2010, no caso aí com Acelera, é..se a secretaria de educação, enquanto algum

coordenador da escola ou até a própria itinerante, enfim.. . houve junto com você e com

outros professores, uma Avaliação deste projeto? No final do projeto..não é avaliação do

aluno, é uma avaliação do professor em relação ao Projeto?

Professora: não. A gente só teve mesmo a estatística...alunos que conseguiram ir para o

Acelera, nada mais que isto. A gente não avaliou em momento algum o Projeto...êxito ou

fracasso.

Pesquisadora: Você, por exemplo, você me disse que quando você passou com eles para o

Acelera, você percebeu que eram 4 livros , que havia uma dificuldade muito maior..então esta

foi uma angustia sua, uma preocupação sua ...que você verificou entre suas amigas durante as

capacitações. E isto foi levada até a itinerante, e até a 7ª CRE e de repente até SME?

Professora: olha...sempre que a gente tem reuniões,é um momento mesmo pra a gente passar

as dúvidas, as angustias, as surpresas....a gente sempre falou...(sorriu) Agora até onde

chegou...a gente não sabe...

Pesquisadora: mas vocês não tiveram retorno? Não modificou?

Professora: não estou a pá do Acelera, mas eu acho que os livros são os mesmos

Pesquisadora: pelo menos durante aquele ano corrente.....que (BBBBB:disse Não!Nada

mudou)..nada mudou...

Professora: E eu acho que este ano também não, a única modificação foi no “Realfa”(ela se

refere ao Projeto Realfabetização. Apelido do Projeto)

Pesquisadora: no “Realfa” houve modificação que por sinal você julga que ficou até mais

inadequado do que num primeiro momento...

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Professora: Euuu, como a grande maioria...

Pesquisadora: entendo...( )Você acha importante participar do processo de formulação

implementação e avaliação de qualquer política pública educacional que esteja dentro da

escola?

Professora: commm certezaaa é importante...porque é a gente que tá em campo,né?! A gente

que tá ali com a mão na massa, né?! a gente tem que ser ouvido...

Pesquisadora: então que você percebe desta política pública?

Professora: Eu eu vi como uma coisa assim..que mudou o governo..e chegaram e tentaram

modificar tudo, ou seja, tá tudo errado e vamos fazer tudo certo. Foi esta impressão que eu

tive..vamos esquecer aquilo tudo e jogar fora e vamos começar do zero. ( )E aí foi foi

assim...tratamento emergencial... a impressão que a gente teve foi essa, porque foi inclusive

veiculado na TV que eram 17 mil analfabetos...acho que mais ou menos foi este número,

né?!Então vamos fazer um tratamento intensivo e aí nós importamos este projeto.

Pesquisadora: quais são os pontos positivos que você vê? Quais são os ganhos que você

percebe?

Professora: em relação ao projeto, assim...como é um projeto amarrado,né?! amarrado..não

tem como dizer que não. Ele vem assim....ele facilita o nosso trabalho. Por quê? Ele

vem...vem com com o livro pro professor, com ... situações que você pode usar em sala de

aula, a agente tem o fluxograma a seguir.Então fica uma coisa mais amarrada, mais fácil para

trabalhar... é um ponto positivo que eu vejo. E agora com ponto negativo éé...que acaba

limitando muito o professor, em relação ao seu trabalho, porque as vezes você quer..quer... ir

por um outro caminho, mas você é obrigada a seguir aquele fluxograma, até porque, as

avaliações tem uma data marcada e e para se fazer as avaliações tem- se que terminar o

livro...então quem não segue a risca o que vem determinado, não consegue dá a avaliação pro

seu aluno e seu aluno tem que fazer a avaliação pro projeto.

Pesquisadora: entendi...éé..uma outra pergunta seria assim...no início quando a turma foi

montada.é é..todos os alunos que chegaram até você, quando você fez uma avaliação de

diagnóstico, para perceber esses alunos que até então não eram seus e passaram a configurar

uma nova turma, é...todos estavam em posição de de.. analfabetismo?

Professora: não!

Pesquisadora: tinha alunos alfabetizados?

Pesquisadora: como continua tendo....como continua tendo...

Pesquisadora: e aí você questionou sobre isto em algum momento?

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Professora: sim..mas o que acontece.... a determinação é foi aplicada uma prova ( )pra estes

alunos e de acordo com a pontuação dessa prova eles eram encaminhados para o projeto.

Pesquisadora: então a voz do professor não foi levada em consideração neste momento?

Professora: eu acredito que não...porque eles ficaram na mesma turma e não puderam

voltar...

Pesquisadora: você questionou sobre isto com sua itinerante? Eu tenho X alunos...

Professora: ....o que aconteceu..este ano eles acabaram abrindo um pouco mais...tudo

começou mais fácil...porque começo desde o ano letivo, que diferenciou de 2009. Quando

chegou em MARÇO a gente submeteu todos eles a uma avaliação...para não acontecerem os

erros de 2009, ou seja, de ter aluno alfabetizado em turma de Se Liga. Só que foram dadas

questões de matemática e de português.

Pesquisadora: esta prova veio de onde?

Professora: veio da Secretaria de Educação.

Pesquisadora: este ano foi diferente então...

Professora: éé..este ano a prova é formulada pelo professor.Então se a criança tinha uma

pontuação em português, boa, mas ela tinha... uma pontuação menor em matemática, ela

deveria continuar no projeto. Aí aconteceram 3 casos...de crianças que foram para o

Acelera.... nem passaram pelo Se Liga, elas foram reenturmadas no Acelera

Pesquisadora...Ahhh...mas então em 2009 estes alunos que você percebeu que já estavam

alfabetizados não puderam sair do Projeto, porque eles já tinham entrado...

Professora: eles já tinham entrado..e aluno também que depois o professor percebia que ele

podia estar no projeto, também não podiam ir...nem sair e nem entrar.

Pesquisadora: que você acha... assim..fazendo uma avaliação, um balanço da rede do Projeto

Realfabetização de 2009, depois esta continuação do Acelera..depois outro Projeto em 2010 e

agora em 2011 outro projeto...de alguma forma a gente vem percebendo que tem demanda

para isto...porque em 2009, 2010... nós já estamos em 2011e novamente se está formando

turmas com analfabetos...O que você acredita que está levando a este número dentro das

escolas..porque o aluno chegar no 4º e 5º analfabeto , é algo que sinaliza que tem algo errado.

Onde você acredita estar o ruído?

Professor: ( ) olha..quando teve a implantação de ciclo,né?! Que o aluno tinha 3 anos para ser

alfabetizado ( ) e que acreditava-se que era o tempo que cada um poderia ter para se

alfabetizar... a gente teve equívocos sim,né?! De de ... colegas que, simplesmente diziam que

se não aprendeu no 1º ano, deixa para o 2º e se não aprende no 2º vai para o 3º e se não

conseguiu no 3º a gente reprova. Que era assim que funcionava ...e eu acho que isto, acabou

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se estendendo... para outras seriações , né?! Acabou sendo para o 4º ano, que a gente sabe

que isto aconteceu! Pro 5ano... e eu acho que isto virou uma regra..por isto que é grande o

número de alunos ainda que...

Pesquisadora: então você atribuiria a um não-entendimento do Ciclo?

Eu acho que é desconhecimento sim..

Pesquisadora: cada professor acredita que o outro dê conta e aí a responsabilidade vai

passando...e ...

Professora: exatamente! Agora a prefeitura..tá tá..é uma coisa que dá até uma certa esperança

na gente..eles estão empenhados em dar uma qualidade melhor na Educação Infantil. Eu acho

que é o caminho sim!! Porque a gente vai receber crianças no 1º ano com plena capacidade de

ser alfabetizada. Isto já vai ajudar bastante. Eu acredito que com o passar do tempo, se o

trabalho continuar ser feito, né?!...de uma forma séria, eu acredito que a gente vai diminuir...

Pesquisadora: só para finalizar...como você está prcebendo dentro da escola vários projetos

na escola... seja do Instituto Ayrton Senna, seja da Fundação Roberto Marinho... como é que

a escola...isto mexe na dinâmica da escola? A escola está se adaptando com ... este novo

momento, com estas parcerias entre ONGs?

Professora: na minha escolaaaa.. acaba não tendo muita dificuldade, porque são poucas

turmas,né? ..são3 turmas apenas, mas a gente que é professor fica meio confusa, porque a

gente está no Projeto, mas a gente tem que participar do PPP da escola, né?.. então a gente

tem que tá sempre se adequando, mas a gente tem uma grade muito extensa para cumprir,

então as vezes fica meio complicado, na verdade não é a escola que se adapta a gente é a

gente que tem que se adaptar a escola mesmo... dentro do projeto.

Pesquisadora: o PPP é discutindo anualmente na escolas?

Pesquisadora: na minha nãooo... deveria, né?!! Na minha e na de muitas escolas, né?! A gente

sabe que não é assim que funciona..

Pesquisadora: enquanto professor e você detecta que tem alunos,éé.. não alfabetizados no 4 e

5 anos a escola não tinha nenhuma outra estratégia?

Professora: tinha....a escola tinha uma voluntária ( ) uma “Amiga da Escola” que ela

trabalhava com alguns grupos, duas vezes por semana e as próprias professoras de cada, de

cada... série ..e se reunia..pelo menos... era o que eu via, né?! Por eu estava dentro dos

projetos..mas assim, elas tiravam uns minutos por semana. Aí algumas colegas ficavam com

alunos com menos dificuldades. Outra colega pegava alunos com mais dificuldades e

trabalhavam com eles. A própria escola arrumava sua própria estratégia. E pelo visto até

surtia efeito...

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Pesquisadora: O Projeto Nenhuma nenhum a menos...da Secretaria de Educação....este

Projeto é especificamente para quê? São para os alunos que fizeram o Realfabetização e não

conseguiram?

Professora: eu não sei te dizer qual é o foco deste Projeto Nenhum a Menos...quais são os

alunos..eles não são alunos de Projeto, não são alunos de Projeto. (ela se referia ao Projeto do

IAS)

Pesquisadora: uma professora me disse durante a entrevista que seria mais ou menos assim...

que os alunos da escola dela do 3º ano, porque eles estavam numa faixa etária menor , eles

não podia participar do Projeto Realfabetização, então eles participaram deste outro Projeto,

Nenhum a Menos... e que seria um projeto que ora o professor pegava os alunos, ora o

coordenador...Você teria noção de como seria isto?

Professora: não sei...não tenho idéia....

Pesquisadora: estes alunos de 2009, hoje, possivelmente estão onde BBBBB?

Professora: Uns estão na escola XXXXX no 6º ano outros na escola WWWWW...estão bem..

eles vão lá na escola....parece que estão bem....

Pesquisadora: esta política então foi uma política de integração social para eles alunos?

Professora: foi...foi...acho que sim..apesar de não ter sido uma escolha, de não ter tido uma

consulta ao professor, mas eu acredito que teve êxito.

Pesquisadora: tá certo então BBBBB, te prometo que no final da minha pesquisa você vai ter

acesso... poder ler..porque o intuito é a gente tentar melhor, tá!

Professora: E você vai encaminhar esta pesquisa aos órgãos competentes, né? ( falou em tom

de brincadeira...)

Pesquisadora. (ar de riso) Pois é...a pesquisa de alguma forma... quando ela é publicada, ela...

é aberta e então qualquer pessoa tem acesso e aí a gente espera sim, que muitas pessoas

possam ler e que haja mais interações entre este projeto e outros e que o professor consiga

falar..falar.... porque é falando que se consegue acertar as coisas que não estejam tão

certas...Obrigada BBBBB.

Professora: Obrigada você!

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239

ANEXO C - ENTREVISTA: coordenadora HHHHH

Uma docente muito educada, simples e fiel em sua FUNÇÃO.

Coordenadora: olha só...nós temos uma comissão de professores...eu acho assim...eu não

posso afirmar nada porque não me recordo, mas assim... toda decisão da nossa secretária, ela

sempre conversa, sempre troca com a comissão de professores, comissão de diretores, com

todas as comissões. Então quer dizer... teve uma representatividade sim de professores

neste momento. SEMPRE TEM! Qualquer decisão..e antes também e a comissão repassa para

os outros professores.

Detalhamento:

(O primeiro contato ocorreu quando fui entregar o ofício legal para poder realizar a pesquisa

na 7ª CRE. Neste momento a conheci rapidamente, expliquei do que se tratava e agendei

nossa entrevista. No dia marcado, numa sala de leitura bem reservada, ocorreu nossa

entrevista. Ela tinha em mãos dados oficiais que me entregaria.)

Pesquisadora: tá gravando, então......assim HHHHH, fica a vontade também, para de repente

você falar, porque de repente eu posso pergun...fazer uma pergunta que já tenha ...você vai

acabar respondendo.. (momento tenso para mim). Como surgiu a idéia do Projeto

Realfabetização no município?

Coordenadora: com a nova secretaria entrando, né?! novo governo...eles sentiram a neceSS...

(cortou o raciocínio e retornou) aaa questão dáá... dos alunos não estarem alfabetizados, uma

necessidade de alfabetizar de Realfabetizar...já tinha passado, éé...já tinha passado pela

educação Infantil, primeiro, segundo, terceiro e quarto e aí no quarto , a gente ainda tinha o

problema de eles estarem lá e não estarem alfabetizados. Então, aí o que, que acontece? Éé

fechou-se uma parceria com o IAS de início e nós tivemos todo um teste diagnóstico..a rede

passou por um teste..as turmas..nós enviamos para as escolas ..eles pegaram os alunos que

eles achavam que tinham essas necessidade , aplicaram este teste diagnóstico e aí nos

realmente víamos quem são os alunos que precisam do Projeto e aí entrou o Projeto na rede.

Pesquisadora: certo... e no caso este diagnóstico ..é..constava de quê? Eram provas de quê?

Coordenadora: era um teste mesmo! Teste diagnóstico com situações de leitura e escrita..

situações até básicas.

Pesquisadora: matemática não entrava?

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240

Coordenadora: não, não a questão da leitura/ escrita mesmo.

Pesquisadora: e quem organizou?

Coordenadora: o IAS. O teste já vem do instituto Ayrton Senna pra gente...

Pesquisadora: o Instituo Carlos Chagas tem uma parceria com o IAS?

Coordenadora: TEM...uma vez. Quer dizer..., cada ano é um projeto né? Cada 2 anos algumas

turmas... ( ) um percentual ..um número X de turmas do projeto..em andamento é avaliada

pelo Carlos Chagas

Pesquisadora: Ah tá, mas então a prova veio direto do IAS?!

Coordenadora: Neste momento de diagnose é do IAS. A fundação Carlos Chagas vai avaliar

o trabalho...como tá acontecendo.. de que forma...o resultado do trabalho da proposta de

alfabetizaçãodo IAS

Pesquisadora: ah sim...entendi.E qual é a estrutura e quais as funções de cada servidor que

participa do Projeto?

Coordenadora: quais os servidores que especificamente você fala?

Pesquisadora: é primeiro ...a estrutura .. é ...a estrutura hierárquica, né? Tem a Secretária de

Educação e a partir daí como ficou divido isto para entrar o Projeto Realfabetização na rede?

Coordenadora: o IAS... ( ) o governo de 2009 nosso atual prefeito e nossa secretária ...eles

fizeram uma parceria com o IAS...ai a secretaria...a CRE, né? As CREs foram consultadas,

foram conversadas...as direções...sempre assim..era um projeto que entrava na escola como

necessidade, mas a escola tinha que está de acordo, né?! Porque tinha o professor, tinha que

todo um APARATO para essas turmas...a gente não podia simplesmente jogar o projeto,

então tem sim, tem a secretaria..tem uma pessoa, que responsável pelos projetos do AIS na

Secretaria , tem a CRE e aí vai para escola.

Pesquisadora: então assim para montar o Projeto, na realidade...a equipe da secretaria de

educação...ela chamou no caso, os coordenadores de todos as CREs pra que fosse

organizado, então o Projeto Realfabetização?

Coordenadora: não entendi. Organizado em que sentido?

Pesquisadora: debatido, formulado..até a parte da implantação...

Coordenadora: na realidade... éé... atende uma necessidade..todos levam para a

secretaria...todas as CREs, todas as escolas...e a gente sabia..a gente tinha essa...essa...

informação, que as turmas...que os alunos estavam nas escolas nas turmas, porém não

estavam alfabetizados, então no 4º ano, 5º ano, até o 6º ano, sem estar alfabetizado.. E aí sim,

surge e aí [a Secretaria....que... não posso deixar esta situação acontecer ], que ,que a gente

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faz?...aí vem o Projeto...agora o Projeto ele é fechada já...vamos dizer assim...como é o

Projeto?! Não..aí não... o IAS nos capacita, para atuar com o Projeto Realfa1.

Pesquisadora: sim...entendi isso...mas eu digo assim...esta necessidade primeira, partiu das

CREs?

Coordenadora: das escolas...

Pesquisadora : das escolas? As escolas que fizeram estes pedidos para as CREs?

Coordenadora: não, não..as escolas não fizeram o pedido. Tinha um problema... e aí a

Secretaria traz uma solução.

Pesquisadora: sim, mas para que o problema... tenha sido detectado...quem detectou isso?

Todas as escolas detectaram isso num mesmo momento?

Coordenadora: sim..sim,já havia sendo detectado a bastante tempo... até porque você vê o

quantitativo de turma que nós tivemos...

Pesquisadora: eu digo assim...na hora da formulação do Projeto quem participou para

formular, para pensar...eu sei que é parceria,né?! Mas eu digo assim, quem se juntou, como

foi essa organização, vocês aqui da coordenação e de todas as outras CREs...

Coordenadora:do Projeto não! O que, que acontece... nós tivemos a necessidade, então as

CRes iam para lá..as CREs tem as gerentes sempre tem reuniões e as coordenadoras também..

e aí todo mundo leva uma necessidade (ar de riso) e aí a secretária...eles perceberam e aí eles

tinham que dar uma solução.

Pesquisadora: Você foi coordenadora em 2009 aqui na 7ª CRE e você ainda continua?

Coordenadora: continuo.

Pesquisadora: continua!..a sua função aqui HHHHH, como é? Eles reportam as coisas que

estão acontecendo...dentro das salas de aula, porque existe o professor itinerante,não é isso?!.

Ele vai para sala de aula. Ele percebe o que está acontecendo... Ele escuta o professor... e aí

ele faz um relatório?

Coordenadora: que, que acontece?! Nós temos uma reunião semanal, né?! Com os

itinerantes. Quem tem mais conto com o professor e com o aluno, é o professor itinerante. Ele

está lá uma vez por semana, ele trabalha 4 dias por semana e um dia semana é reunião aqui.

Vem para cá...e aí a gente senta, passa uma amanhã ou uma tarde, de acordo com o horário

dele, inteira sentado, ele trazendo essas necessidades do campo...TUDO que está acontecendo

[ as dificuldades e avanços do professor] e aí a gente planeja e dá suporte para esse itinerante

para chegar lá...normalmente...vamos dizer ...em linhas gerais é assim...agora tem casos que

tem necessidade, sim... de a gente sair e ir para a escola ajudar. De forma geral, trabalhando

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com itinerante ele consegue dar a solução, mas existem situações que o itinerante não está

conseguindo e aí precisa da CRE lá dentro e aí eu vou.

Pesquisadora: você tem como citar o que seria uma situação-problema?

Coordenadora: às vezes a questão do perfil do professor.. .e aí o itinerante só não está dando

conta e aí nós vamos para lá, vamos ajudar, vamos capacitar...é.. situações com a turma

mesmo.

Pesquisadora: houve desistência de algum professor?

Coordenadora: houve uma. ( ) que eu me recorde, sim. De fechar a turma e transferir os

alunos para outras turmas de Projeto, sim, UMA. Mas de inicio houve sim, poucos..2 ou 3,

porque alguns problemas, ...e acabam se desligando mesmo do Projeto, mas outros

professores entram capacitados...não vejo problema

Pesquisadora: então a elaboração do Projeto éé.. da SME a partir de uma necessidade da

escola. Você então entrou em contato com o Projeto Realfabetização em 2009, a partir de que

momento?

Coordenadora: desde o momento que se começa-se pensar...tem que ter uma coisa..tá tendo

uma necessidade, do jeito que está a gente não pode deixar... o aluno lá no 4º, 5º e 6º sem

estar alfabetizado, então neste momento começa-se a pensar ..começa a se discutir . o tempo

todo a gente sabe desta discussão...até que se fecha uma parceria com IAS.

Pesquisadora: e você falou assim...apenas para montar, apesar de não ser meu interesse de

pesquisa... mas o 6º ano também tinha um Projeto paralelo...

Coordenadora: Realfa 2, que também é do IAS.

Pesquisadora: esta estrutura que eu mostrei para você, que a gente vai dar uma olhada para

ver se permanece ...esta aqui (mostrei o documento que tinha com as possibilidades dos

alunos, dependendo do seu empenho/ idade , deveriam ser reenturmados), né? HHHHH como

aconteceu em 2010? ...assim em 2009 os alunos que participaram do Projeto Realfabetização

foram para o Projeto Acelera ou retornaram no final do ano para suas turmas de origens?

Coordenadora: que, que acontece.. o Projeto tem duração de 1 ano e [que na realidade em

2009 foi até menor porque começou em abril] é ao final do ano quem a gente achou que

estava apto para seguir foi para o Acelera [continuação do Programa] e quem não estava

retornou para sua turma e aí passou a ter uma atendimento do PROINAP e a gente tem um

olhar para essas crianças. O PROINAP ia atuando junto.. para tentar diagnosticar por que

não...para tentar dar suporte a essas escolas

Pesquisadora: e o que é PROINAP? Uma equipe circulante?

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Coordenadora: o PROINAP , ele é formado por uma pedagoga. [são varias equipes], mas cada

equipe é formado por uma pedagogo, uma assistente social e uma psicóloga. E eles atuam

com as escolas, eles têm reunião de pólo e aí conforme vão acontecendo às necessidades eles

vão priorizando essas escola que está com a necessidade.

Pesquisadora: entendi... ( ) os professores foram chamados para participar de alguma etapa

desta política pública? O professor lá...regente?

Coordenadora: olha só...nós temos uma comissão de professores...eu acho assim...eu não

posso afirmar nada porque não me recordo, mas assim... toda decisão da nossa secretária, ela

sempre conversa, sempre troca com a comissão de professores, comissão de diretores, com

todas as comissões. Então quer dizer... teve uma representatividade sim de professores

neste momento. SEMPRE TEM! Qualquer decisão..e antes também e a comissão repassa para

os outros professores.

Pesquisadora: então assim...se o professor lá em sala de aula, se ele perceber alguma coisa, se

ele tiver dúvida..ele fala para o itinerante, o itinerante no caso, reportaria para você e você

reportaria, então para... esta comissão?

Coordenadora: não! A comissão dos professores não atua com o Projeto. Qualquer decisão da

secretária, [qualquer decisão..] (demonstrou que não era este pensamento, balançou a cabeça)

a secretária tem reuniões periódicas com essa comissão dos professores, então quando você

me pergunta se este professor ele antes, neste momento, ele eeee soube...que se estava

pensando um Projeto...éééé.....( ) é assim...( ) tenta solucionar mesmo este

problema...quer dizer, não todos os professores tiveram contato, não!Mas existe uma

comissão de professores que tem contato com a secretária, onde é sempre colocado. No

Projeto essa comissão dos professores vai saber dos resultados do Projeto,paricipa das

reuniões, mas ela não tem contato com a gente, no projeto diariamente, na prática mesmo do

Projeto.

Pesquisadora: Você HHHHH.. eu digo assim...caso o professor itinerante reportasse para você

uma dificuldade, uma sugestão...

Coordenadora: o que, que acontece... nós temos uma pessoa na secretaria, a gente soluciona

aqui, no órgão direto, a gente tenta solucionar aqui, mas sempre quando acontece alguma

coisa, que a gente não consegue, nós temos uma pessoa na secretária.

Pesquisadora? Quem é?

Coordenadora: a Valéria. Você já chegou a conversar com ela?

Pesquisadora:não, não, não... talvez até tenha a necessidade de conversar com a Valéria, mas

para mim... como eu fiz o recorte pela 7ª CRE, para mim você é muito importante,né?! Porque

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é o contato mais direto..a medida que vai ficando mais..de alguma forma, mais para cima, tem

um pouco mais de dificuldade da informação chegar, porque ela deve ter a informação de

todas as CREs

Coordenadora: mas ela também é bem atuante. E ela sabe exatamente o que acontece com

todas as CREs. Nós temos várias reuniões com ela. Encontros mensais . Uma vez e até duas

vezes quando temos necessidades. Temos também capacitações .

Pesquisadora: os coordenadores também tiveram capacitação?

Coordenadora: todos os professores tiveram capacitação. O durante uma semana inteira, o dia

inteiro. Onde o IAS nos trouxe a proposta, ele apresentou uma proposta concreta e nos

capacitou mesmo. Trabalhar a auto-estima, como trabalhar com este aluno, qual o olhar que

temos que ter com este aluno, que é um aluno diferenciado, SIM. Trabalhar muito a auto-

estima deste aluno então tivemos uma semana inteira e continuamos trabalhando com textos,

repassando para os professores.

Pesquisadora: quais as similaridades entre o Programa Se Liga e o Projeto Realfabetização?

Coordenadora: na realidade é o mesmo Projeto. Que que, acontece...quando ele vem do IAS,

no IAS ele é Se Liga, essa nomenclatura, mas quando vem para nossa rede, para poder colocar

no Acadêmico aí Realfa 1...ainda as pessoas fazem um pouquinho de confusão.

Pesquisadora: Eu só queria deixar claro que um é o mesma coisa que o outro. Que só muda

por causo do município, por uma questão administrativa

Coordenadora: isso!

Pesquisadora: quem corrigiu o teste diagnóstico?

Coordenadora: o professor...aplicou e corrigiu..traziam as provas pra gente e a gente

trocava....o que é importante deixar claro, que não era só aquele instrumento que determinava

se o aluno ia para o Projeto, porque ele podia ir bem ali e não está pronto, por alguma situação

ele precisava sim..por múltipla escolha.... a escola está toda documentada. Ou ao contrário,

então sentava com este professor. A escuta do professor é o que tem muito valor para nós, não

só um teste. O teste diagnóstico veio para dar um norte. No inicio eles tiveram muita

dificuldade, no inicio os diretores vinham com “tudo” para gente e a gente sentava e analisava

e acompanhava...

Pesquisadora: então houve essa participação... não só o diagnóstico do IAS...no caso do aluno

que não foi bem na prova e o professor teve outra opinião ..o aluno não foi para o

Projeto...certo?

Coordenadora: se o professor garantisse isso, mas nos conversamos com a escola que ela teria

que garantir isso..se ele aluno realmente ela diz que não é, não chega para cá para este

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projeto..então a gente vai acompanhar e a gente vai querer...ele tá tendo sucesso do outro

lado? É um momento de muita responsabilidade, tanto colocar um aluno no projeto, quanto

você: não é e tirar a oportunidade .

Pesquisadora: os professores itinerantes eram responsável por 4 turmas do Projeto e essa

visita semanal era marcada ou era... aleatório, com é?

Coordenador: o professor itinerante, a gente até sempre orienta que ele não marque essas

visitas..primeiro para que ele tenha mobilidade mesmo e segundo para evitar que sempre que

a gente chegue e só tenha a rotina daquele dia...o dia da educação física...o dia que tem isso....

E até conhecer o trabalho do professor como um todo. Então é aleatória sim. Tendo a

necessidade a gente até avisa..[a própria escola..oh! Hoje terá uma comemoração não é um

bom dia para vir..ou até o contrário, querem a presença da itinerante ].Mas de forma geral era

aleatórias.

Pesquisadora: como a SME se comunicava e se comunica para sabre o Projeto..e você já até

falou...O que o itinerante faz em sala de aula..ele preenche relatório?

Coordenador: o horário dele é o mesmo do professor. 4:30 h. Ele entra ...ele tem sim um

documento a preencher, mas não é essa a função do itinerante lá dentro... ele é parceiro

mesmo! Ele vai observar a aula do professor, ele vai comentar quando a aula não estiver de

acordo..ele vai com todo cuidado, porque é uma relação uma vez por semana.A gente tem que

cuidar muito desta relação, mas ele vai dar um toque no professor para tentar melhorar aqui,

melhorar ali....porque o professor pode estar dando uma aula maravilhosa, mas as vezes não

está chegando ao aluno. O importante é garantir esta parceria mesmo. O itinerante vai sentar

com aquele aluno que estiver com mais dificuldade, não só o que está com dificuldade, mas

para conhecer todos , até para ele conhecer todos alunos. Até para ele orientar o professor e

ajudar um pouquinho na prática este professor.

Pesquisadora: então ele ajudava diretamente com o aluno?

Coordenadora: senta com aluno...troca. Leva sugestões para os alunos .....uma parceria muito

grande. Ele não é um intruso. Ele não vai ali para marcar, ele é parceiro..os alunos tem esta

relação com o itinerante...que bom que você veio!! Esse era nosso receio...o professor...o

itinerante dentro da sala do professor..então é muito complicado para o professor a gente não

queria que nada disso acontecesse..se travar ou fazer alguma coisa só porque o itinerante está

ali...então tem que ter muito cuidado mesmo... Nosso maior cuidado e aí FOI um GANHO.

Hoje em dia os itinerantes entram e ...

Pesquisadora: ai este documento que você falou, seria o quê? É um relatório da observação

daquele dia...

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Coordenadora: é um relatório, a gente tem um relatório, que é um documento padrão do IAS.

Aí vem este relatório mesmo. Observar... por quê? Porque o IAS traz uma rotina, que não é

nova, mas é uma coisa que a gente precisa ter e o aluno mais ainda, uma rotina, então temos

uma sequência de atividades e o professor tem que garantir este cumprimento! Então sim que

observar este cumprimento...mas não só isto...( ) a gente não pode pegar nesta turma que tem

tanta necessidade, a gente...botar um a pessoa para ficar só observando.. não! Vamos botar a

mão na massa, vamos ajudar..e é isto que a gente queria....

Pesquisadora: então você faz a leitura e conversa com as itinerantes e isso retorna...

Pesquisadora Eu leio os relatórios...mas não é só ler...mas é o que a itinerante traz deste

professor..como está aquele aluno? Ele já se desenvolveu?...não, por quê? Fala de tudo..da

escola...

Pesquisadora: esse é teu suporte junto com o itinerante!...mas essas informação você também

repassa para a Valéria nas reuniões mensais?

Coordenadora: Sim. A gente dá sinal...até porque ela tem toda uma rede...Valéria também

visita as escolas. A gente vê coisas boas e as que não estão bem, tudo para ajudar...

Pesquisadora: houve problemas com os professores na aceitação da metodologia do Projeto?

Coordenadora: olha...no inicio sim... Tudo que é novo cria um certo “Ó furor” no inicio teve

sim. Durante a apresentação, na semana de capacitação. Agente teve pouquinho sim...alguns,

né?! Mas assim depois quando eles viram acontecer e viram os resultados, a coisa foi

acalmando muito. Acho que este suporte da itinerante, nossa, foi muito importante. Porque

assim...tudo que a gente pega o professor e tira da zona de conforto., não só o professor, como

qualquer pessoa. Aquilo dá uma mexida e serve de insegurança...também assim, isso foi só na

semana de capacitação, no final da capacitação já estava tudo tranquilo....também depois de

tanto suporte...mostrando para eles...calma...vamos seguir...vamos trabalhar...a gente já vem

trabalhando de tantas formas e não tem dado certo... e aí os professores se abriram...

trabalharam muito e foram muito importante e tivemos muito sucesso!

(Comentário da pesquisadora: professor é muito importante)

(Comentário da coordenadora: a gente agradece muito... parceria mesmo...se relevando é....

difícil também!!)

Pesquisadora: logo após a capacitação em 2009, é ( ) eu tive um contato com um professor,

porque eu trabalhava nesta escola,na Margaret Mee e que me relatou um fato. Eu vou

comentar com você para ver se você consegue se recordar deste fato: que ela não queria mais

participar do Projeto e alguém teria dito que ela teria que devolver o dinheiro da capacitação,

durante o período que teve a capacitação para esses professores e teria que fazer uma carta de

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próprio punho perante a secretária e secretário de educação. Isto de fato veio ao

conhecimento para você?

Coordenadora: olha só... num num recordo.... até porque estamos em 2011. Mas assim...o

município oferece vários cursos, várias capacitações, tudo de graça para o professor, sem

nenhum custo para o professor. Nós temos sim....ÉÉ ( )...toda vez que a gente se interessa a

participar de qualquer capacitação, qualquer curso, nós temos ciência que não podemos

desistir no meio, se estou fazendo este curso, eu tenho que terminar este curso, com a

frequência mínima necessária ,por que? Porque o município está pagando. Ele está investindo

neste profissional

Pesquisadora: então isso houve HHHHH? (não respondeu e continuou falando...)

Coordenadora continuando: agora em 2009...agora ..eu não tenho aqui..mas é um

documento...uma portaria que existe, que a gente não pode desistir. (demonstrou

instabilidade)

Pesquisadora: parece que essa pessoa não teria desistido, ela teria terminado, mas quando ela

foi implantar, ela não concordou com a metodologia ... e aí me parece que ela teria que

devolver o dinheiro...

Coordenadora: olha só... a gente tem sim! Cada vez que ele vai para a capacitação...e aí as

direções sabem que ela tem que trabalhar isto com o professor..ele assina que está indo para a

capacitação que ele quer. Que ele não pode! Imagina...você capacita a semana inteira, você

está pagando tudo está capacitando aquele professor ...Agora Eu Não Quero!.. (reproduziu a

voz do professor) então assim.. prévia para qualquer ação que ele vá fazer. Nós tivemos

sim, professores que desistiram. Tem que ter uma carta de próprio punho? SIM, porque ele

assumiu, ele assumiu um compromisso e desistiu. Ele não teve que pagar, mas existe um

documento que diz que ele tem que ressarcir o município.

Pesquisadora: tá certo..foi isento então... Como se estruturou o Projeto em 2009. Quais foram

às escolas escolhidas e por que foram estas escolas?

Coordenadora: a partir do teste de diagnóstico, quer dizer..foi uma necessidade da escola (deu

um leve ar de riso da pergunta) as escolas não foram escolhidas. Toda escola que tinha

necessidade, tinha o professor e tinha espaço para ter o Projeto. Ele teve o projeto.

Pesquisadora: Porque alguns alunos vieram de outras escolas...foi por que não formou o

quantitativo?

Coordenadora: isssto...(bem compreensiva)nós temos o quantitativo mínimo: 15 alunos, né?!

E a escola também teria que ter o espaço. Por quê? Porque o Projeto já começou em abril se

não me engano..então algumas escolas não tinham sala disponível, podia até arranjar um

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professor para fazer dupla regência, mas não tinha sala disponível, então não tinha como ter o

Projeto..aí nos realocamos os alunos para escola próxima.

Pesquisadora: Você participou de alguma etapa do Projeto Realfabetização? Assim., no

caso.você já falou que na formulação foi feita pela comissão dos professores com a Secretaria

de Educação, mas a Avaliação- no final do ano vocês foram chamados para fazer uma

avaliação? Todos os coordenadores foram chamados?

Coordenadora: nós enquanto coordenadoria ( ) através dos itinerantes , solicitamos que os

professores fizessem uma avaliação por escrito, o itinerante fez a sua avaliação também e

como um todo nós levamos.

Pesquisadora: ah então todos os professores fizeram o relatório..como foi o ano, o que

aconteceu...?

Coordenadora: a gente pede para ele avaliar como foi..se ele tem interesse em continuar no

projeto...pra gente saber! Então nós fizemos no início e no final.

Pesquisadora: certo...você achou válido este Projeto enquanto política pública de inclusão

para os alunos que participaram?

Coordenadora: MUITO, MUITO, muito importante. Nós temos aqui os dados (começou a

folhear documentos com demonstrações estatísticas) nós começamos com 2057 alunos

analfabetos zerados e fechamos com 1862 alunos. Destes 1862... ééé ( )1173 liam

comTOTAL fluência,interpretando, escrevendo textos; 560 já saíram lendo palavras e

frases, então assim deste 1862, só 138 alunos que realmente a gente não conseguiu. Então foi

um Projeto assim.. muito importante para rede, tanto que ele continua... foi uma decisão muito

acertada da secretária. Uma decisão corajosa e muito acertada! PARAR naquele momento,

não! A gente vai trazer algo de fora. Vamos trazer uma parceria! (reinterpretou a voz da

secretária) a gente sabe que é difícil né?! O professor tá ali, mas não está...as vezes nem por

culpa deles, mas está mas quando chega algo de fora, a gente vê que eles se ressentem...,mas

foi muito importante. Os professores valorizaram muito o Projeto, quando eles viram as

crianças crescendo...crianças que estavam lá.[.que não dá, que não aprende...que o aluno

começou a ler a escrever] então foi assim um ano de muitos sucessos, muitas glórias. [no

pequenininho mesmo, o itinerante que chegava: olha “fulano” começou a ler...] uma

felicidade para gente! (falou com emoção na fala) a gente sempre se preocupou muito porque

a gente sabe que a gente tem este período para resgatar esta criança e o que representa isto na

vida desta criança ou este que não consegue? Então assim, 138 é pouco se a gente olhar em

porcentagem, pra gente foi até muito, porque a gente queria todos, mas outro fatores estavam

interferindo aqui, que não só a questão da aprendizagem, então assim O IAS é sim um Projeto

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fechado, bem fechado, toda uma rotina a ser seguida, mas muito importante..nada que o

professor não soubesse fazer.Nada de tão novo, mas assim, uma coisa fechada. Então veio

documentando mesmo, fechando. Tem que ser seguido sim, àquela rotina!Trabalhar a auto-

estima do aluno, vamos levantar esse nosso aluno, já sofreu tanto por tanto tempo, né?! ...de

estar ali no fundinho da sala ou eu não consigo (reinterpretou a voz do aluno), porque ele

mesmo se coloca no final da sala. Então no início os professores tiveram muita dificuldade,

porque o aluno já dizia eu não sei eu não vou conseguir...então assim foi muito gostoso, muito

importante projeto e continua dando certo até hoje...não só do IAS, do professor, da parceria,

quando a escola aceita gente está ali vibrando querendo que tudo dê certo, batalhando...faz

toda a diferença..é muito importante! (passou convicção com certa emoção)

Pesquisadora: faz toda diferença né?!...então, esta pergunta aqui você acabou de me

responder: pode-se dizer que o Projeto Realfabetização alcançou os objetivo proposto de

inclusão social?

Coordenadora: SIM

Pesquisadora: e o que aconteceu com estes alunos que é um percentual bem pequeno

realmente que não conseguiram?

Coordenadora: voltaram para suas salas de origem. SE ele fosse do 4ºano voltava para o 4 ano

e se fosse do 5º ano voltava o 5º ano. E aí nós tivemos ...nós conversamos com as escolas...um

olhar diferenciado para essas crianças, porque aqui a agente fala de 138 crianças, mas

colocando isto na prática é um ou dois na escola, poucos alunos. Então a gente tem um olhar

diferenciado para este aluno, um trabalho com eles no contra-turno, eles não estariam

participando mais com o Programa Realfa1 do Se Liga do Ayrton Senna, mas a escola tem

um projeto para esta criança para tentar resgatar e entra o PROINAP também, como te falei.

Nós fizemos todo um levantamento em cada escola. Eles foram para essas escolas e

começaram a dar suporte ..até a professora mesmo da escola pode trabalhar com este aluno.

Pesquisadora: este Projeto Nenhuma Criança Menos. Ele faz parte da PROINAP?

Coordenadora: não, não. O “Projeto de Nenhuma Criança a Menos” é um Projeto da

secretaria. O PROINAP é uma equipe ..umas 10 equipes destas com pedagogo, psicólogo e

assistente social. O aluno do Realfa 1 que não teve sucesso ele também foi para a Nenhuma

Criança a Menos , tem atividades no contra-turno... não veio só para esses alunos...para todos

os alunos e o PROINAP é um programa da Secretaria para atender todos da rede, atende

várias problemas....

Pesquisadora: então você já me respondeu essa aqui..se você acha que o Projeto deve

continuar....os resultados estão ai, né?

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Coordenadora: com certeza

Pesquisadora: Durante o andamento do Projeto, houve alteração na implantação, alguma

adequação, em relação ao município, em relação alguma escola, a alguma realidade de

alguma comunidade? O Projeto veio e como você falou ele é fechado, tem sua métrica, suas

atividades, suas responsabilidades e aí ao entrar na escola , dependendo da realidade daquela

comunidade houve modificação do Projeto ou não?

Coordenadora: não...não era necessário, porque o projeto é bem simples de acontecer, não

necessita nada..o professor e a boa vontade de aplicar. O que aconteceu, a única adequação...

foi assim ...uma sala que o professor saiu e os alunos foram transferidas para outras escolas

próximas, só!

Pesquisadora: essa aqui você já respondeu...O que os professores itinerantes relataram

quanto aos posicionamentos dos professore regentes frente a aplicabilidade do Projeto?

Pesquisadora respondeu: ... todos as semanas haviam os relatos das experiências das

conquistas das dificuldade, né?

Coordenadora: isto...havia todo o acompanhamento...

Comentário da pesquisadora: como te disse a gente vai conversando e você responde antes...

Comentário da coordenadora: é porque a gente vai conversando ...

Pesquisadora: éé..quais são os relatos mais importantes que você percebeu durante sua

gestão, frente ao Projeto Realfabetização? ...você ainda continua né? O que te marcou e você

gostaria de relatar?

Coordenadora: acho que foi o lance dos alunos mesmo..casos de.alunos que

chegavam..alunos que não conseguiam ler e chega ao final do ano lendo.... muita coisa!... que

quando chega ao final do ano ele agradece essa professora.....aluno que diz...agora eu sei ler...

agora eu vou ser alguém na vida...eu posso ensinar minha mãe a ler.[ Porque eles entendiam a

importância da leitura]...agora eu vou com minha mãe e meu pai..[.porque essas crianças tem

uma vida muito sofrida] são N situações dificultando a aprendizagem...cada notícia que

chegava aqui, que o aluno está aprendendo...nós chorávamos aqui... a coisa mais triste é

quando um pai dizia: ele não vai consegui ler, eu não consigo e a mãe também, não! Ele não

vai conseguir não!...teve uma menina que disse assim: agora eu escrever para meu pai e para

minha mãe para eles virem me buscar, porque eu estou com minha tia e meus pais estão na

Bahia...então assim...os PAIS, os pais deram muito valor...os pais passaram estar presentes...

eles passaram tanto tempo no conformismo e agora passam dar valor... e nós conseguimos

virar esta situação...pais que infelizmente chamavam o filho de burro, então quando ele

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começa a mandar o filho para escola, como perguntar como o filho está na escola...começa a

se interessar....acho que este foi o grande marco com as crianças, com as turmas.

Pesquisadora: é bonito de ver este resgate...éé´... Fala só um pouquinho , HHHHHH do

Realfa1 e Realfa2 novamente... sobre essa nomenclatura?

Coordenadora: o Realfa1, tá... que é o SE Liga do AIS, ele vem atender os alunos do 4º e 5º

analfabetos e o Realfa2 é o Programa Fórmula da Vitória do IAS também, que ele vem

atender o aluno do 6º analfabeto...

Pesquisadora:.. isto em 2009!....em 2010 os alunos do 3º ano também começaram a fazer

parte do Realfa?...

Coordenadora: isto! Aí em 2010 até como uma necessidade das escolas... trazendo pra gente

uma necessidade muito grande...[o aluno está no 3º ano, ele não está alfabetizado e o

problema... porque já passou da época que deveria ser alfabetizado...e ele não consegue]... e

assim como te falei, as vezes numa turma são 2 ou 3 ....né? E tem várias turmas na escola,

então são 5...então aí essa necessidade e aí a secretaria abril sim, para esses alunos do 3º ano

também e em pouquíssimos casos para o 2º ano....alunos que estavam muito defasados e

analfabetos..então tínhamos pouquíssimo do 2º ano e grande parte do 3ª, 4º e 5º..... 4º e 5º a

gente... tinha alguns, mas o 3ª ano assim... começou a despontar..até porque as escolas viram

que o Projeto dava certo, que o Projeto tinha um retorno para esse aluno, então as escolas

também investiram muito neste Projeto. Nós percebemos assim...em 2010 até quando as

turmas diminuem...muitas escolas ali em 2009 conseguiu acertar sua situação e aí em 2010

temos pouquíssimas turmas,né?!... apesar de ter estes 3º, 4º e 5º ano, pouquíssimas turmas...

aconteceu...com a mesma metodologia..no final do ano...a mesma saída para as crianças: ou

para o Acelera ou retornar para a sala de origem...( ) em 2009 o Fórmula da Vitória, que era

o Projeto do 6º, ele acontecia no contra-turno (Este é o REALFABETIZAÇÂO 2). As

crianças ia para escola , existiam professores para ficar com estas crianças ou no sábado. No

contra-turno eram 2 vezes por semana ou ao sábado. De acordo com a clientela da escola, até

a necessidade do professor...tudo em conjunto. Em 2010 o “Fórmula da Vitória”, ele passa ser

Projeto/turma regular. Então formou-se turma do 6 º analfabetos para se ficar...para se formar

a turma Realfa2.

Pesquisadora: neste sentido então HHHHH, o que a gente percebe é que em 2011 deve ter

menos alunos ainda, né?! Porque pelo visto em 2009 tem um contingente maior, em 2010 há

uma redução e em 2011....menor ainda o número de alunos?

Coordenadora: em 2011 nós tivemos um número um pouquinho maior ..no número de

turmas, um pouco maior do que 2010, porque vem o aluno do 2º e do 3º anos...esse ano nós

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sentimos maior necessidade, temos mais turmas... temos 46 turmas, mas muitos alunos do 3º

ano e do 4º e 5º sente que já foi encaminhado.

Pesquisador: e assim HHHHH, está tranquilo aqui...a gente até já terminou, mas o que você

acredita, pela sua percepção, enquanto coordenadora, professora, e a gente vê aí seu

engajamento dentro do Projeto. O que você acredita que esteja acontecendo com as escolas

aqui na 7ª CRE, para que ainda tenha um contingente grande de alunos analfabetos, né? A

gente sabe que o município do Rio de Janeiro trabalha, não com a seriação e sim com a

questão dos Ciclos...mas o que está gerando de alguma forma este contingente que acaba

ainda tendo nos 3º, 4º e 5º anos, alunos analfabetos?

Coordenadora: são vários fatores...a gente percebe se parar para analisar e a gente já fez

isto...quem é esse público do Projeto?..é aquilo que eu já te falei..são crianças faltosas demais,

são crianças que a família é ausente, são crianças que com 8 ou 9 anos já dão conta da sua

vidinha...a do irmão...e você é da rede e você sabe disso, então assim..dificulta sim! A

alfabetização é um processo muito complexo, muito difícil...eu falo que o professor que está a

frente da alfabetização tem muita responsabilidade muito grande! Porque é onde começa

TUDO. começar e isso vai se propagando e numa turma maior e vai ficando mais difícil...é

complicado! Pode ser o professor? Pode! Não posso dizer é ou não é...porque existem casos

e casos...mas eu acho que é um conjunto de fatores mesmo. Cada vez mais a gente..eu posso

falar pela Sétima...a gente já tem supervisores da GED, que já fazem um trabalho na

Educação Infantil... nosso olhar já está na Educação Infantil, que começa lá, começa até antes

da alfabetização., então a gente tem um foco na EI e um foco muito grande na alfabetização,

para que os problemas fiquem menores, porque a tendência do Projeto é acabar, o Projeto não

chega para ficar. Ele chega para solucionar e sair... ainda não conseguimos, mas

assim...quando a gente coloca em 46 turmas..mas a gente tem turmas com 12, 15, 16

alunos...muitos alunos..são! Mas também somos uma rede muito grande...o quantitativo de

alunos é muito grande então eu acho assim..é uma incógnita...mas o que percebo que são

muitos fatores... a família é importante sim...a gente capacitar este professor, estar junto com

este professor, estar junto com as escolas para ajudar solucionar, mas as vezes a gente escuta

dos professores que estes alunos ..são TURISTAS, né? Se podemos dizer assim, porque não

vão...porque a família não está presente..a gente sabe que a alfabetização não vai acontecer só

naquelas 4 horas e meia, né?! Além daquelas 4:30h precisa da família presente. A criança

precisa ter estímulos...então são muitos fatores, não dá para dizer que É ISSO , quando

soubermos será mais fácil.

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Pesquisadora : pra a gente terminar...só uma questão de nomenclatura...existem muitos

Projetos na rede....você sabe quantos?

Coordenadora: nós temos a parceria com IAS , que a gente tem o Realfa 1 com alunos

totalmente analfabeto, crianças do 4º e 5º; temos o Realfa 2A alunos do 6º ano totalmente

analfabetos, temos o Realfa2 B alunos do 6º anos que precisam consolidar a alfabetização.

Temos o Acelera que são alunos que estão consolidando a alfabetização. Estes são do Reforço

Escolar do Instituto Ayrton Senna. Temos do Instituto Roberto Marinho - temos o Acelera 1B

que são alunos do 5º muito bem alfabetizados, mas que estão com distorção série/idade. Uma

realidade do nosso município, com 2 anos ou mais de defasagem.Temos o Acelera 2 , alunos

alfabetizados, mas que tem essa defasagem idade/série.

Pesquisadora: mas aí eles aprendem o quê neste intervalo, se eles estão bem...?

Coordenadora: uma aceleração de aprendizagem, de conteúdos...eles vão trabalhar 6º, 7º

anos ...O projeto de “Aceleração 1B” , (5ºano) eles devem pular uma série....não posso te

informar isto agora, mas . ..”O Acelera 2” – consiste em dois anos, eles tem todo material

próprio do Instituto Roberto Marinho. [ eu não estou a frente destes projetos, mas estou te

dando as linhas gerais]...eles ficam dois anos e tenta a terminalidade. Eles ganham aí dois

anos. E o “Acelera3”” que são os reprovados do 7º e do 8º anos. Um projeto com um ano de

duração. No Roberto Marinho, eles devem estar muito bem alfabetizados. É só para acertar a

questão da idade/série.

Pesquisadora: Os alunos que saíram do Realfabetização em 2009 e passaram para o Acelera

em 2010, ao término do ano de 2010, foram para onde, HHHHH?

Coordenadora: os alunos que tinham condições e foram avaliados...eles foram para

ooo...Acelera [ é que muita saída...] peraí...vamos lá... (parou...sorriu ...voltou a pensar...). Os

alunos do Acelera que tiveram sucesso e não tinham defasagem idade/série ia para o 6º ano ,

se ele tivem defasagem ia para o Acelera 2 (6º ano). O aluno que não teve sucesso..ele iria

para o 5º ano ou iria para o Realfa 2B. Então a saída destas crianças foram estas.

Pesquisadora: ok HHHHH, só tenho que te agradecer muito e muito....e vou te pedir outro

favor, que já sei que estou abusando da sua bondade, mas se você pudesse me dá este

quantitativo de 2010....

Coordenadora: eu vejo isto para você...

Pesquisadora: muito Obrigada. Obrigada mesma!

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ANEXO D - ENTREVISTA: itinerante

Professora Itinerante e a Consonância com o Discurso do “Estado Educador”

“...se tiver uma cópia para você ver e perceber o que nós fizemos aqui e nós somos só um

exemplo do que a rede tem condições de fazer, nós não somos melhores do que ninguém, a

gente só tem um trabalho bastante..... assim... de visibilidade do que esta CRE faz..mas nós

não somos melhores que ninguém. Nós seguimos a filosofia da rede, né? Eu acho que nós

melhoramos muito...em bem pouco tempo . Aí na verdade em relação a gestão pública se

cumpriu o papel...Está Se Cumprindo o papel que é esperado mesmo!”(grifo da autora)

Detalhamento:

(A entrevista ocorreu na mesma sala de leitura dentro da 7ª CRE onde já havia entrevistado a

coordenadora. Não a conhecia e o primeiro contato foi neste momento. Marcamos o encontro

por e-mal. Ela foi pontual e mostrou competência em sua profissão, tendo feito questão de

passar seu saber durante o diálogo. Conversamos rapidamente para uma ambientação e logo

começamos a entrevista.)

Pesquisadora: está gravando já, peço para você se apresentar, tá?

Professora itinerante: Meu nome é CCCCC, tenho 52 anos, eu entrei na rede pública em

1984 como professora. A minha experiência anterior já havia sido com EI e alfabetização em

rede privada. E quando entrei na rede pública eu fui colocada em turma de alfabetização

também, então eu fiquei 14 anos trabalhando tanto com alfabetização, quanto com trabalho de

literatura, que é o que eu faço hoje na minha matrícula da prefeitura. Coordeno as salas de

leitura da área da 7CRE. Bom! ÉÉ..mas sempre muito apaixonada por este processo de como

a criança aprende e de forma aprende e se não aprende, por que não aprende, o que ,que

ocasiona a dificuldade que ela tem....BOM! Aí a partir disso assim..sempre muito dedicada a

este trabalho, fazendo estudos,...meus últimos estudos tem sido na área de neurociência, que

trabalha com memória, memória de curta, média e longa duração...e trabalhando também no

contexto social destas crianças. Quando eu vim para cá ...éé.. fiquei trabalhando com a sala

de leitura, mas sempre coordenando com a equipe da GED que é gerência de educação,hoje,

que a gente chama , o trabalhando ...este viés da metodologia...o trabalho metodológico da

escola.Trabalhando desde o projeto político pedagógico com a implantação dele como as

inserções do trabalho do professor em turmas de alfabetização. Eu tirei uma licença em 1997

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para acompanhar meu marido para SP e fiquei angustiada porque lá não consegui um espaço

de trabalho e em 1998 eu retorno ao RJ, porque minha licença havia inspirado e eu vou para a

Cidade de Deus, que eu já conhecia enquanto sala de leitura, mas vou efetivamente trabalhar

com turmas de projeto também ,em dupla regência. O Projeto que eu comecei a trabalhar

nesta época foi o Projeto “Oito Anos ou Mais”, que era um Projeto para dar conta já naquela

época de crianças com defasagem idade/série. Em paralelo naquele momento chegou no RJ o

Acelera do IAS, numa outra vertente de trabalho. Estava ligado ao CETEB que é um órgão de

Brasília e nós fomos capacitadas para tá entendo que metodologia era aquela e que de forma

se aplicaria as crianças com defasagem idade/série, embora o Projeto que eu estivesse não

tinha esta conotação, porque eram crianças analfabeta mesmooo e o Acelera já tinha um perfil

de crianças que iriam ingressar num processo acelerativo de término de alfabetização e

Aceleração de aprendizagem. Aí éé..eu fiquei 98 e 99 fazendo este trabalho depois a eu fui

convidada, porque havia sido assistente desta gerência, para estar novamente como assistente

e aí eu fui fazer um trabalho indireto com as meninas que eram supervisoras da da ( ) nossa

gerência que faziam o acompanhamento , capacitação das professoras da alfabetização do

Ensino Fundamental de uma forma geral.

Professora Itinerante (continuação...) BOM ..eu fiz todo este início para você entender como

eu cheguei ao trabalho do “Realfa” do IAS neste momento, né?! Então em 2009 éé´... eu me

interesso pela proposta trazida pela SME de corrigir o fluxo dessas crianças que estavam

ainda com dificuldade na alfabetização...analfabetos funcionais e a secretária, Claudia

Constin, traz a proposta do IAS para nossa rede e eu fui ...ingressei neste projeto como

itinerante da rede na 7ª CRE, acompanhando Cidade Deus mais uma vez, porque assim... é

um espaço, um lugar para mim de muita efervescência, não só a efervescência da violência,

esta praticamente foi extinguida, a gente tem alguns problemas pontuais, mas a gente

consegue hoje, fazer com que as crianças possam ter uma rotina melhor de vida, através deste

trabalho da segurança pública, né?! Então eu senti muita diferença do espaço anterior da

Cidade de Deus e do espaço atual de circulação. A gente consegue circular de uma forma

melhor lá. BOM..e aí isso veio com o IAS, com a metodologia do trabalho, veio ajudando as

crianças a perceber que havia uma rotina de vida, não só de escola, mas que elas podiam se

permitir a ter esta rotina estabelecida e vivenciada por eles. O que, que o Projeto Traz? O

Projeto tem uma proposta especifica para alfabetizar durante um ano, trabalhando uma

metodologia baseada no Método Dom Bosco, que é um trabalho com a palavra-chave,

né?!Partindo sempre da palavra para a análise da sílaba ...para a inserção da esta palavra no

texto e...para estes meninos se tornarem leitores e produtores de textos. Ele tem uma

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metodologia específica,...rotina de trabalho , ela se torna fundamental para essas crianças que

têm essa defasagem idade/série por inúmeros motivos, mas o motivo mais específico é o

aporte cultural, porque elas não tem isso no ambiente doméstico delas de ir e vir...talvez a

escola seja o único espaço que consiga organizar a vida delas,... que dê rotina para elas,

né?!..então, assim numa comunidade conflagrada como a Cidade de Deus, esta ordem, esta

rotina escapa, porque as crianças não têm isso muito clara para elas, então é um trabalho

incansável da escola de sedução, o trabalho com afetividade é primordial para ele para que

eles se sintam respeitados, se sintam de fato cidadãos.

Pesquisadora: mas ...seu contato foi espontâneo, alguém te convidou em 2009?

Professora itinerante: eu estava aqui, né?!.... na gerencia de educação, e quando a Secretaria

anuncia este projeto... a nossa chefia... traz a discussão para nós, para a equipe, do que seria

isso e logicamente foi um desafio para mim também.

Pesquisadora: Você participou de alguma etapa deste Projeto?

Professora Itinerante: dá formação específica. (ela quis dizer que participou, recebendo

instruções sobre o Projeto na semana de implantação junto com outros professores no hotel

Windsor na Barra da Tijuca), como Nós ficamos assim...durante uma semana imersas.

Pesquisadora: a secretaria chamou algumas professoras de algumas CREs? Como se deu

isso?

Professora Itinerante: as coordenadorias, elas indicaram pelo perfil profissional das

pessoas....a gente tem o privilégio aqui de ter desde o início da formação das coordenadorias,

que se deu em meados de 94, da implantação da coordenadoria de educação, que foi um

plano de política pública, de organizar as cidades e a nossa coordenadoria ,que se instalou

aqui. Nós tivemos uma única coordenadora que é a professora Ignezita e 2 chefias anterior a

Nedi...Nedi está aqui a quase 16 anos, então ela é a gerente da gerência de educação mais

antiga da rede e aí a equipe....[ não que ela tenha permanecido, muitas pessoas vieram e outras

se foram embora, por aposentadoria...] mas nós conseguimos montar um projeto de trabalho,

porque a equipe foi se constituindo e ficando...né? a filosofia de trabalho tanto da

coordenadora quanto da gerente se mantiveram, então nós fomos só solidificando nossas

ações, então a Nedi tinha de pronto o perfil dos profissionais que estariam mais ligados ao

Projeto de alfabetização. Então ela fez o convite.

Pesquisadora: sim. Certo. Aí fez o convite para você e você ficou imersa e como foi esta

imersão?

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Professora Itinerante: a imersão se deu fora deste ambiente de trabalho. Nós ficamos num

hotel durante um final de semana e mais 5 dias da semana seguinte ..ESTUDANDO o que era

esta metodologia e qual era o propósito...

Pesquisadora Foi na mesma época da capacitação dos regentes?

Professora Itinerante: em 2009. Foi! Nós estivemos juntos. E foi a mesma capacitação.

Pesquisadora: mas então assim..isto já seria praticamente execução do Plano...do Projeto. A

formulação você não participou...

Professora: não! Este projeto não é específico para o RJ, ele começa do IAS em áreas mais

carente do BR , principalmente no nordeste e ele chegou no RJ até porque a secretária já tinha

esse contato como Instituto , sabia do trabalho, sabia dos resultados fora do eixo RJ- SP, né?!

Então, quando ela trouxe, trouxe após uma avaliação da rede toda em que se descobre um

número muito alto de crianças analfabetas funcionais.

Pesquisadora: como se deu esta avaliação?

Professora Itinerante: essa avaliação foi uma avaliação única para rede toda, tinha o foco em

cada ano de escolaridade e as crianças ao fazerem esta avaliação ...foi traçado um perfil de

que criança era essa...

Pesquisadora: essa avaliação foi de português e matemática?

Professora Itinerante: é! O foco maior na língua portuguesa, mas também na matemática.

Pesquisadora: Prova de leitura?

Professora itinerante: teve...teve (falou mais baixinho)

Pesquisadora: e aí foi aplicado pelo IAS através de outro Instituto?

Professora Itinerante: Nãooo através da própria secretaria.

Pesquisadora: éé... eu estou te perguntando isto CCCCC, porque eu li em documento e aí eu

queria que você me confirmasse se é ou não que o Instituto Carlos Chagas..formula algumas

provas para o IAS. Teria sido o Instituto, então?

Professora Itinerante: é aí foi o Instituto Carlos Chagas, mas aaa... ação do IAS.

Pesquisadora: aí foi aplicada no 4º e 5ª e a partir de então... foi selecionado esse...

Professora Itinerante: porque o que, que acontece.. nós tínhamos o 1º ciclo de formação dos

alunos e o foco era a alfabetização e não havia retenção a não ser no último ano, quando

havia retenção por frequência... aquela coisa toda...mas não havia retenção na rede. E aí essas

crianças iam para o 4º e 5º ano e ali havia o processo de avaliação com o objetivo de avançar

ou não. Então muitos meninos, [ isto já vinha de uma historia de muito tempo... que não foi

nem a história da gestão passada] ée...muitos meninos ficam retidos, no 4º e no 5º ano por

não terem concluído mesmo o processo de alfabetização e aí os professores não estavam

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dando conta deste processo. Então os meninos envelheciam no 4º e 5º anos e aí a gente sabe aí

que a neurociência vai dizer isto, né? Que a questão da maleabilidade do cérebro das redes

neuronais...não há já esta tanta..ée está maleabilidade..as coisas vão se sedimentando , então

as crianças tinham processos mais lentos de alfabetização. E aí o IAS foi dando uma direção

assim...um processo coordenado e as itinerantes... são as pessoas que vão fazendo a

diferença, porque elas vão dialogando com o professor regente o tempo todo..a gente tem um

trabalho anterior que a gente se reúne aqui na regência, discute o plano de ação do nosso

trabalho...qual o próposito daquele período, nós temos uma reunião semana onde a gente vai

avaliando o avanço ou o não-avanço das crianças, a gente vai avaliando o processo inicial de

como essa criança vai se apropriando desta escrita, como ela percebe o registro formal da

língua..do uso da língua..ate´que, ela começa a escrever pequenos textos e a agente trabalha

com texto oral, porque isto é fundamental, porque a criança mesmo que não lê , quando nós

fazemos um trabalho de texto oral coletivo... aquela que não lê passa ouvir o outro lendo e ela

começa a arriscar, porque ela tá no meio de um grupo e ela não se expõe tanto não ela começa

a se permitir esta leitura...então é muito interessante.

Pesquisadora: e você enquanto itinerante percebeu que sua presença, causou algum incômodo

dentro de sala de aula?

Professora Itinerante: no inicio em 2009 estas pessoas... estes professores que eu fui fazer o

trabalho de parceria... ninguém me conhecia, né?!..então eu acho assim... o itinerante não

pode ser evasivo, ele é um colaborar MESMO. A forma como foi passada a princípio, é que o

itinerante ficaria mais como um observador da prática deste professor do que um mediador de

fato. E aí assim...a princípio, elas ficaram um pouco assustadas porque eu fiquei numa escola

que havia já 4 turmas do projeto e eu assumi mais 2 numa escola próxima.

Pesquisadora: então na verdade você ficou responsável por 6 turmas, mas o normal seriam em

torno de 4, não é?

Professora Itinerante: 4 turmas, sim! Isto em 2009. Muito mais trabalho...nesta área,né?!

Cidade de Deus ... mas a diretora da primeira escola passou para os professores que eu iria

fiscalizá-las, ela não entendia muito o Projeto ,então a forma como a diretora abraça vai fazer

também a diferença. Aí quando eu cheguei na escola assim...não havia sido destinada a

melhor sala para eles; o ambiente que favorecesse, uma sala foi adaptada, que era a sala de

reforço, menor... cheia de muitos armários da escola toda, aí eu tive que fazer toda esta

inserção...reorganizei o espaço para que eles pudessem circular na sala....então ficou assim a

minha inserção primeira..as professoras ficaram assim...BOM e aí eu comecei a fazer a

mediação com elas assim...embora o Projeto não apontasse isto..eu percebi a necessidade de

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dar uns toque... assim: olha o que você acha de fazer assim..ou assim...e então eu comecei a

conversar com elas no final da aula...e isto foi fazendo a diferença...e AÍ uma professora teve

que se licenciar logo no inicio do Projeto... E eu assumi a turma! E no momento que eu

assumi a turma, que eu vou dar aulas para eles... a intimidade com as crianças aumentou e a a

confiança da professora aumentou também. Ela viu que eu era igual a ela, que eu não estava

ali para vigiar e sim para colaborar mesmo. Eu dei um conforto muito bom para a professora!

Pesquisadora: conversando com outras amigas suas, outras itinerante, você percebeu que esta

apreensão do professor regente aconteceu com outras?

Professora itinerante: aconteceu...aconteceu, porque é o tal negócio... ninguém foi preparado

pra ter um big brother na vida, né? Depende da tua postura...ao se iserir no trabalho do outro,

né?!...então como nós naquela época já fazíamos reuniões semanais com a coordenadora, que

coordenava o trabalho...o discurso de algo entre as itinerantes... foi favorecendo que a gente

percebesse que não dava só observar, não era atuar, mas era dialogar com aquele

professor...não adiantava só preencher aquele relatório ...entregar este relatório....tinha que

haver o dialogo.

Pesquisador: o que tinha neste relatório?

Professor Itinerante: o relatório é um relatório formal ..éé..ele vem preparado pelo o IAS e o

olhar é sobre garantir a rotina, algumas atividades que a gente tenha percebido que fez a

diferença, a prática deste professor, o número de alunos presentes, se toda a rotina do dia, do

planejamento foi cumprida ou não, o tempo que isso foi cumprido, se a professora conseguiu

mediar naquele tempo previsto de uma atividade para outra, porque as atividades são

cronometradas [ e eu quando peguei esta turma..teve momentos assim...que eu senti.. como

elas tinham dificuldade de mediar o tempo, porque as vezes uma atividade que tinha previsão

de 15 minutos ou 20 minutos...as crianças estavam respondendo TANTO , respondendo tão

bem aquela atividade, que dava para a gente estender um pouquinho mais...] então isso tudo a

gente foi colocando...é o eixo do nosso trabalho dentro do perfil de escola, onde cada turma

era uma turma..o que nós tínhamos que garantir é que as atividades fossem cumpridas.

Pesquisadora: e aí nas reuniões que aconteciamm.... quinzenalmente..é isto?

Professora Itinerante: Com as professoras foi mensal...e FOI uma dificuldade para nós.

Pesquisadora: por quê?

Professora Itinerante: o IAS, ele prevê um encontro quinzenal para planejamento, o RJ não

comporta isto. Por conta de carga horária, de dias letivos, ...nós só podemos fazer uma reunião

mensal...com um grupo de professores, sob nossa responsabilidades, então é um momento que

eles se vêem, que eles discutem as dificuldades , que outros apontam como eles resolveram

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aquelas situações..e que eles vão planejando. Nós fizemos agora no dia 17 um encontro, agora

em 2011, que foi super positivo, por quê? Nós já estamos com a prova de avaliação que vai

acontecer no dia 5 de setembro, nós observamos a prova, analisamos a prova...vimos assim..o

que a gente precisa ampliar mais como atividade daqui para frente, até a prova, para garantir

que as crianças respondam bem , aquela determinada questão. Então é um momento que,

todos os professores se vêem e trocam experiências, falam de dificuldades e traçam um plano

de trabalho.

Pesquisadora: sim...entendi, assim... nesse momento de alguma forma.. alguns professores

regentes ou itinerantes colocam algumas dificuldades do Projeto, como você mesmo falou..

que você percebeu..e aí estas dificuldades sejam em relação ao tempo ou qualquer outro

questionamento no transcorrer do Projeto, enfim..é levado a frente?

Professora Itinerante: aí é rediscutido aqui (bateu na mesa, para enfatizar que era discutido no

espaço da 7ª CRE) no encontro semanal e a gente tem um contato direto com Fabiana Goreth

que supervisiona pelo IAS o RJ, a prefeitura do RJ, a gente encaminha para ela o diário

reflexivo dos professores, a gente faz uma compilação do que os professores colocaram e

mandamos para ela. O que eles perceberam... com o trabalho....porque este ano a

metodologia mudou um pouco....

Pesquisadora: é...eu tenho conversado com os professores e eles disseram que houve uma

mudança e isto está fazendo com que aconteçam muitas adaptações, porque eles dizem que o

material está muito difícil...

Professora Itinerante: Tem algumas coisas que não estão boas...é tem. Assim..agora o livro

de português..se atendeu o que havia se pedido...por que como era? ..O método de

“cartilha”..do Dom Bosco..trabalhava a palavra chave e a sílaba, a família silábica..aquela

coisa toda... que a gente já conhece desde o nosso tempo de aluno....era bem direcionado, só

que o RJ colocava que não estava atendendo a nossa história de trabalho.. que a gente veio de

uma construção...primeiro veio o no final dos anos 80 ,Construtivismo e depois o socio-

interacionismos, com autores russos..com autores como Luria, Vigostick..toda esse pessoal,

Bakhtin.. trouxe para nós....e de repente a gente se depara com um método mais antiquado,

volta-se aquela situação que a gente já apontava que não era mais interessante para essa

criança contemporânea, aí houve um diálogo em 2009, que a metodologia era antiquada...que

não atendia a realidade do RJ, que tinham palavras , que eram palavras oriundas lá do

nordeste...esta questão do regionalismo... e tal, tal, tal.....

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261

Pesquisadora: só fazendo uma pausa!... esta percepção que acontece já pelo meio do

caminho, em 2009, a gente percebe que quando da elaboração do Projeto não houve uma

preocupação em.....

(Ela me interrompe e continua em tom mais enfático)

Professora Itinerante: porque o pacote era PRONTO, era um pacote para o Brasil inteiro,

então não houve mesmo uma adaptação ao RJ...Aí diante deste diálogo todo, já em 2009, a

coordenadora e todas as outras das outras CREs levavam a palavra de todo mundo, porque é

assim..o itinerante traz o que o professor fala e a coordenadora levava o que as itinerantes

traziam. Nós escrevíamos sobre isso e tal..só que o método de 2009 ( falava num tom mais

baixo)... ele...só que, não necessariamente o professor precisa elaborar muita coisa..porque

aquilo ali ...tinha uma sequência, então aquele professor que não havia vivido essas histórias

todas anteriores...ele minimamente , ele dava conta da alfabetização. O que aconteceu com o

pessoal daqui? Nossa CRE que TEM toda esta história de tantos anos juntos... de capacitação

de professores..os professores que estavam conosco, sobre nossa responsabilidade, além do

trabalho do IAS, nós implantávamos atividades nossas, então nós ampliávamos o trabalho..aí

deu um “caldo” muito bom. Nós tivemos problemas pontuais...eu por exemplo não tive

problema nenhum na Cidade de Deus, assim...foi um momento de muita satisfação e emoção

para mim, porque eu vi este professor vibrando, não desistindo da crianças.. e o trabalho foi

assim muito bom com eles...tanto que eu ainda vou à escola para ver como eles estão. E os

que estão no 6º ano, este ano, estão indo melhores do que os meninos que não participaram do

Projeto. Eles são mais críticos, eles têm um vocabulário mais extenso...eles ano passado

participaram de um Projeto junto a FIOCRUZ, do Turismo Pedagógico, para eles saírem da

Cidade de Deus e conhecerem outros espaços culturais...na marinhas eles foram

extremamente elogiados pela disciplina , vocabulário e interesses deles.... a gente conseguiu

despertar isto neles....logicamente que não posso responder por todo mundo..estou

respondendo pelo trabalho que eu observei e atuei. Agora este ano... quando nós recebemos

o livro novo, na capacitação...nós passamos por outra capacitação ,até porque a metodologia

havia se alterado. O discurso foi que a mudança foi para atender a necessidade do RJ. Só que

eu acho que as pessoas que estão pensando este trabalho atual, precisavam ter amadurecido

um pouco mais ( ) o Projeto. Entendeu? Hoje por exemplo, ...o livro de matemática. Ele tem

umas incoerências muito grandes. Ele vai ele volta. Não há uma sequência. Não Há! A coisa

começa de um jeito...vai para frente...vai para trás. Não está muito bom, não!

Pesquisadora: E aí vocês falaram sobre isto..à medida que você reclamam, apontam que este

material está difícil, não está adequada...éé. Pode mudar este material ainda em curso?

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Professora Itinerante: este ano, não!!

Pesquisadora: Então mesmo vocês sinalizando, não muda.

Professora Itinerante: Aí por exemplo a prova agora....

Pesquisadora: A prova é elaborada..?

Professora Itinerante: Por eles! (ela se refere ao IAS) O que nós podemos fazer é de tempos

em tempos fazer uma prova, montar uma prova interna do professor...

Pesquisadora: Mas a nota que vale é a do IAS?!

Professora Itinerante: É. BOM... o que aconteceu com a prova agora?.. A prova de português,

ela tá tratando de um texto de poesia, com palavras não-complexas, até me surpreendeu, e lá

para o final ela propõe uma escrita de uma carta. Bilhetes eles estão dando conta de escrever,

a carta já tem outra conotação. Então um dos assuntos que conversamos no Centro de Estudos

foi: como trabalhar esta carta a partir do texto coletivo.

Pesquisadora: e essa carta já é dada agora em agosto? E o aluno já está conseguindo escrever?

Professora Itinerante: Não todos.. não todos....por isso é a preocupação, nossa, né?!

Pesquisadora: Então você sente, que de alguma forma as pessoas que, pensaram as provas...

éé..precisavam ter um contato maior com a realidade das crianças , que participam do

Projeto?

Professora Itinerante: acho que sim....e aí a de matemática vai tratar...ele tem situações

problemas, mas ele começa com o campeonato de futebol ,então o TEXTO de português é o

PATO e a de matemática é o Campeonato de futebol, entendeu? Então não tem uma

coerência.

Pesquisadora: então...e essa coerência CCCCC, você que é uma pessoa preparada, tem uma

porção de cursos você certamente entende este processo de alfabetização diferenciada, você

tem angustia, você percebe o que está acontecendo mediante estes livros ...me parece, corrija-

me se estiver errada, que houve uma capacitação de vocês itinerantes e que vocês comentam

que estes 4 livros do Projeto, estão inadequados. Estes livros como já vieram do Projeto vocês

não tiveram acesso de escolha. Então eu pergunto: os professores, os itinerantes, os

coordenadores, que são pessoas com preparo em várias áreas do conhecimento dentro da rede

não daria conta de formular as provas e assessorar...?

Professora Itinerante: é, mas aí o que aconteceria... Há necessidade de ter uma prova

única...dependendo do objetivo essa prova tem que existir...essa prova tem o propósito de

observar a rede como um todo. Então ela cabe! O que não cabe talvez ...seja assim...aí a

coordenadora regional está pensando como esta prova foi pensada, isto é uma coisa, mas que

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há necessidade de haver uma prova única. Eu concordo, porque aí é objetivo da rede..não é

objetivo regional.

Pesquisadora: ..sim..sim....eu entendi, mas até para que tenha esta prova única que você fala,

de qualquer forma, não deveria ter um ...

Professora Itinerante: MAS aí o professor pode fazer....

Pesquisadora: Não! Prova única da rede, que eu falo...

Professora Itinerante: MAS TEM ESTE GRUPO QUE VAI LÁ....

Pesquisadora: Mas então este grupo não está alcançando...

Professora Itinerante: de repente, não. Eu não faço parte deste grupo que vai lá, mas eu

acredito que este diálogo como ele está sendo feito...porque nós também, indiretamente

encaminhamos as avaliações do campo, como a gente chama,..há uma ESCUTA. Como vai

acontecer agora. Nós recebemos estas provas...

Pesquisadora: mas esta escuta...entre a escuta e digamos assim... o retorno desta escuta, existe

um “time” aí,que é um pouco demorado, né?! Porque a gente percebe que houve algumas

contribuições para que melhorasse o Projeto em 2009 e estas contribuições vem agora, a partir

de 2011 e mesmo assim , vem de uma forma que não eram exatamente as expectativas de

vocês em 2009. Então enquanto política pública, o Projeto Realfabetização atende as

necessidades que foi proposto ?

Professor Itinerante: Ele atende sim.. porque a gente viu que o resultado foi positivo. A

grande questão aí é o itinerante, porque o itinerante primeiro tem que conhecer o livro,

conhecer o material, analisar o material, tem que elencar as atividades que em paralelo..por

exemplo...quando eu vi a prova de matemática eu fiquei muito preocupada, porque tinha a

questão da bandeira do time, o estado que este time pertencia, o tempo histórico que ele foi

campeão, quantas vezes foi...uma série de atributos no mesmo espaço que a criança tem que

observar..então eu pensei assim: de que forma eu posso trabalhar com esta criança para que

ela perceba que o Flamengo é do RJ, que o Grêmio é do RS ....e aí fui lá no Globo Esporte ,

no site, olhar, pinçar...para ajudar este professor de como fazer... então, o Itinerante faz a

diferença. Acho que foi a grande “sacada”, porque enquanto eu era professora e que não

havia nenhum coordenador pedagógico, coordenador pedagógico surgiu em 98 no RJ e

anterior tinha o orientador educacional e o supervisor, que pouco atuaram e por isto que o

cargo até foi extinto...eu me sentia sozinha. Sempre trabalhei em área de favela..só em favela

. Tinha as dificuldades que tem hoje....e a gente tinha que alfabetizar

Pesquisadora: CCCCC, deu resultado pelos números colocados , onde a 7CRE tem assim um

desempenho muito bom , mas você atribui ao IAS enquanto Projeto fechada, com sua

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metodologia, a esse sucesso ou a dinâmica, a adaptação que vocês itinerantes e vocês

regentes fizeram?

Professor Itinerante: Eu acho que é um todo, sabe por que.... quando se vem um pacote como

é esse do IAS. Ele traz um princípio de inicio, meio e fim, então para o professor...ele tem um

material aí concreto para ele analisar, e poder traçar um tempo desse planejamento, dessas

atividades. Ele tem um tempo para cumprir aquela unidade, porque no final de duas unidades,

ele faria a avaliação, então ele tem que obrigatoriamente planejar no cronograma e mediar;

tem a questão da organização do dia, como é que esta rotina se estabelece... isto o professor

não estava fazendo. A grande questão do RJ.... nós temos o currículo que é o Multieducação e

que o professor não soube usar aquela proposta curricular como um documento de consulta,

para ele montar o planejamento, ele não sabia fazer!... então a contribuição do IAS

foi....qualquer um de nós poderia ter feito. Trazer um pacote em que toda esta organização

está ali pronta para o professor, então é aquilo que eu te falo...o professor que simplesmente

só usou o material e usou bem a metodologia , ele teve bom resultado e o professor que

ampliou teve um resultado muito melhor. Então é um conjunto de coisas. Então esta

experiência do professor alfabetizador também ajudou. Porque ele mesmo viu pulsar como

aquela atividade poderia estar acontecendo.

Pesquisadora: sei...então CCCCC e aí.. volto a perguntar. Esses professores, junto com a

equipe do Município do Rio de janeiro, não poderiam fazer um Projeto que....

(Ela responde rapidamente...)

Professora Itinerante: a partir desta experiência acredito que sim...porque agora ele

percebeu....hoje por exemplo... a rede do Rio tem cadernos pedagógicos... projetos...acho que

foi a melhor contribuição da nossa secretária, foi ter trazido esse desafio de uma organização

curricular, assim que desse um norte para todas as regiões do Rio, tá. E a partir

daquilo...lógico que o professor não deve, nunca, ficar limitado a um pacote de trabalho...ele

deve colocar sua identidade de trabalho, naquele trabalho que está sendo proposto, mas assim

dá para todo mundo ser contemplado, só não é contemplado quem não tem disciplina, quem

não tem propósito, quem não acredita no trabalho na educação e aí tem que ir embora...

Pesquisadora: deixa te fazer uma pergunta...é muito complicado para nós professores,

entendermos o quadro com tantas sub-divisões, né? Realfa 1 Realfa 2. Eu Gostaria de te

perguntar se você consegue me explicar como é que se dá isto...

Professora Itinerante: Eu consigo explicar do Projeto do IAS, porque na verdade eu não fui

me apropriando da “Autonomia Carioca” porque eu mesma hoje, não seria a pessoa mais

habilitada para passar isso para você.do instituto sim. Com certeza!

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Pesquisadora: e como é do Instituto?

Professora Itinerante: Tem o “Se Liga”...hoje, que é o antigo Se Liga que é o Realfa 1 e tem o

Acelera 1A e o Acelera 1B , que é o Ponto de Partida. O que , que é? O Realfa 1 é esse

trabalho dos livros de alfabetização, né? Pra crianças com defasagem do 3º, 4º e 5º anos, que

a gente ampliou , então tem essas crianças aqui. O Acelera 1 é para essas crianças que

viveram este Projeto e vão ampliando o trabalho no Acelera, com unidade de Projeto..o

percurso natural seria estar ingressando no 6º ano. As crianças que concluem o Acelera em

condições.

Pesquisadora: mesmo os do 3º ano já vão para o 6º ano?

Professora Itinerante: os que não conseguirem voltam para suas origens. Se eles são retidos,

eles voltam para suas origens... Por isto que tem que ter um critério muito grande na

aprovação do Realfa1 para o Acelera, porque eles têm que ter o perfil de alfabetização. O que

o Acelera faz, ele faz o currículo adaptável..ele vai dando conta do 2º ao 5º ano.

Pesquisadora: e você acha que é possível?

Professora Itinerante: É. Provo para você pelos alunos por conta dos alunos do ano passado,

que estão agora no 6º ano e estão indo.

Pesquisadora...eu só estou querendo entender a métrica...

Professora Itinerante: é impressionante porque quando você se depara com o material você

acha assim: será? É um ponto de interrogação. É aquilo que digo...o professor que faz seu

planejamento, faz sua análise, faz sua proposta...eles vão embora. (referia a aprendizagem

dos alunos) Por que na verdade quando a criança passa 3 anos não dando certo no projeto de

alfabetização, aquela informação entra no cérebro de alguma forma, ela só fica embolada...eu

sempre falava isto para os professores...tá tudo desarrumado, vocês só vão arrumar...porque

eles já viram essas informações de diferentes formas, né? Como esta palavra se forma...o

som...a rima.. eles vão buscando todos esses aportes, quando eles chegam no Se Liga e aí tem

essa rotina fincada (bateu na mesa cadenciando o que falou) e eles começam a perceber esta

condição de leitor . Eles vão embora... E aí eles recuperam tanto a questão biológica, quanto a

questão da aprendizagem em si. O tempo deles de idade cronológica vai se adaptando a

forma como esta informação chega, porque eles não são mais crianças, são pré-adolescente,

então o nível de maturidade deles, dá conta do Projeto Acelera. E dá, dá!!Agora ele não

atende a criança que tenha.... nem o Se liga nem o Acelera....não...as crianças que tenham

comprometimento neurológico, ela não tem perfil para o Projeto, porque é um Projeto

acelerativo.

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Pesquisadora: E aí no caso, se a criança tem este problema vocês encaminham...mas tem a

inclusão, então vocês encaminham? Então é paralelo...Tem outro encaminhamento?

Professora Itinerante: tem uma rede de apoio. Tem a PROINAP e temos a Educação Especial

Pesquisadora: queria entender neste momento..Aceleração 1ª, Aceleração 2 e Aceleração 3...

Professora Itinerante: aí são os outros Projetos da Fundação Roberto Marinho

Pesquisadora: O aluno que sai, que faz o Projeto Realfabetização , no final deste Projeto em

2009 podia ir para o Acelera ou retornaram para sua sala de origem. Os alunos que no final do

ano que retornaram para suas salas de origem, que até foram pouco pelo que percebi, pelo

número que a coordenadora me passou...parece que depois eles retornaram no ano seguinte

...todos foram para o Acelera de qualquer forma...alguns professores....

Professora Itinerante: não,não, não... eles foram todos para o “Ponto de Partida”, que é um

projeto que vai de novo alfabetizar.

Pesquisadora: Ah então..é como se fosse um... é do IAS.”Ponto de Partida” tem o nome de

Realfabetização?

Professora Itinerante: não, de Acelera.

Pesquisadora: CCCCCC sabe o que é...eu estou confusa porque volta e meia tem dois nomes

na rede e como não são poucos...SÃO muitos eu queria só entender a dinâmica.... então o

aluno sai do Realfabetização e vai para o Acelera1 e deste vai para o 6º ano, mas e ele está no

Realfabetização e não consegue, então ele volta para o ano de origem. E aí é feito um trabalho

diferenciado com este aluno?

Professora: deveria...Não sei..deveria..

Pesquisadora: porque tem o Projeto” Nenhuma criança a menos”... da SME.

Professora Itinerante: tem, que é para dar conta...é uma espécie de reforço escolar..e aí

abrange a ele e .. .Os outros projetos eu peço que você pergunte a Simone que ela pode te

responder..

Pesquisadora: eu já falei com a coordenadora e até ela não sabe ao certo, sem a tabela, porque

são muitos.... São muitos Projetos...

Professora Itinerante: uma loucura..dada a complexidade da nossa rede. Com mil e tantas

escolas...é muita coisa. Agora uma questão de política pública que hoje tá se inserindo, é

ampliação das crianças desde da creche. Isto está sendo fantástico, se você conhecer um

espaço de desenvolvimento infantil hoje, nos padrões, é....nos prédios novos construídos para

este projeto, você vai ficar encantada, você não encontra na rede privada espaço como o

nosso, é coisa de primeiríssimo mundo.

Pesquisadora: educação deveria ser de primeiro mundo em todos espaços, não é CCCCCC?!

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Pesquisadora: Este não são Projetos com parcerias, não, não é?

Professora Itinerante: não.....as instalações vem assim desde sempre...mas estes espaços novos

são assim MARAVILHOSOS, extremamente pensados e bem equipados...

Pesquisadora: então para gente finalizar..então como você avalia o Projeto, como um todo?

Professora Itinerante: acho que ele cumpriu seu papel. Eu vejo isto! Na minha percepção, eu

tenho 33 anos de trabalho ...a maior parte...28 anos na rede pública.. e com toda essa história

de trabalhar em favela, de trabalhar com crianças extremamente carentes e de abandono

social ...eu vejo assim ..não é um milagre, é um trabalho. Se todos nós percebemos. .o

propósito de... é necessário que as crianças aprendam da mesma jeito que outras aprendem,

embora que saibamos que existe uma limitação social para estas crianças... isto é

real...assim..nunca se leu tanto, nunca se comprou tantos livros para a sala de leitura, nunca se

falou sobre isto, tão, tão forte. Nós fizemos um programas.. .a equipe...as meninas... foi a

Multirio... a convite da secretária , fizeram um programa sobre o trabalho que fizemos aqui de

produção textual.. que foi assim Fantático! Se você puder pedir ...se tiver uma cópia para

você ver e perceber o que nós fizemos aqui e nós somos só um exemplo do que a rede tem

condições de fazer , nós não somos melhores do que ninguém, a gente só tem um trabalho

bastante..... assim... de visibilidade do que esta CRE faz..mas nós não somos melhores que

ninguém. Nós seguimos a filosofia da rede, né? Eu acho que nós melhoramos muito...em bem

pouco tempo . aí na verdade em relação a gestão pública se cumpriu o papel...Está Se

Cumprindo o papel que é esperado mesmo!

Pesquisadora: eu vou te perguntar uma coisa que eu acabei esquecendo, tá, CCCCC?! Durante

o processo das visitas né?!...estas visitas deveria acontecer de forma aleatória , ou seja, o

professor não deveria saber quando era sua visita. Isto aconteceu com você? Você dizia?

Professora Itinerante: olha só...NÃO. ..nã...Nunca disse. (ficou mais alterada) Queria ver

como está o negócio... o que estava acontecendo mesmo, mas na medida que elas começam a

ver...a perceber a CCCCCC e [eu nunca tinha dia certo, só segunda, só terça, eu não fazia

isto. Era uma discussão , uma orientação saída daqui, porque na verdade, se não a aula era

preparada para a visita e a gente não quer isto], mas conforme esta intimidade com o professor

foi se constituindo e a gente via mesmo que o trabalho estava acontecendo...isto não chegou

ser tão importante, assim, mas eu nunca avisei! Nós nunca fizemos isto , normalmente

AQUI.e com o Projeto AIS...

Pesquisadora: houve alguma avaliação no final, com os professores regentes. Os professores

regentes avaliaram o Projeto como um todo? E como foi feita esta avaliação e o que eles

disseram?

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Professora Itinerante: Os Meus Professores gostaram muito e eles falaram muito da minha

figura sobre fiscalização..aquilo que tinha sido constituído no imaginário deles e se

desfez...ficou muito legal...

Pesquisadora: mas o que se desfez ...desfez por você e pela...

Professora Itinerante:...ÉÉÉ.. (mostrou-se levemente indignada com minha pergunta)

Pesquisadora: porque você disse que percebeu que não era bem assim e começou a fazer uma

inserção perante aos professores...então assim...

EVENTUALIDADE. Ai meu Deus!!..só não pode ser barata...(uma interação neste momento

por conta de um inseto que entrou pelo basculante...)...

Professora itinerante: lá fora...aqui tem gambá. Ficou até vermelha...uma mulher grande dessa

com medo de barata....desculpa....

Pesquisadora: nada!...só não pode voar. Juro que mato, mas não pode voar! (sorrimos)..até me

perdi...

Pesquisadora:..mas assim...essa avaliação do professor- no caso você está contando que havia

um certo receio e depois houve a desconstrução daquela situação inicial....mas eu digo

assim..as professoras avaliando o Projeto..disseram lá..foi bom por isto, por isto...por aquilo.

Você percebeu então, que.... quantos por cento mais ou menos, as crianças foram

alfabetizadas?

Professora Itinerante: na escola que tinham dois turnos 100%, na outra.... nós tivemos 2

falecimento e ficaram 4 retidos em 120 alunos

(Ela pediu para atender o celular....falou rapidamente com uma amiga e ensinou o caminho

para se chegar a 7ª CRE).

Pesquisadora: então foi muito bom....

Professora Itinerante: eles quiseram ficar no Projeto Acelera....(falava dos professores

regentes)

Pesquisadora: eu percebi que muitos professores de 2009 seguiram a turma...

Professora Itinerante: É ficaram...mas criou neles um vínculo com essas crianças... eles se

preocuparam...eu sempre tive a mania de acompanhar meus alunos..onde eles

estivessem..como aqui naquele Projeto “Oito Anos a Mais” durante muito tempo eu consegui

acompanhar a trajetória deles... e esses professores estão fazendo isto..(falando alegremente)...

O Projeto de 2009 foi tão...tão BOM assim para todo mundo, que a 7ª CRE fez uma

cerimônia, tipo “Professor Nota DEZ” no final do ano...com uma homenagem especial a esses

professores, pela diferença que eles fizeram...nós compramos, mandamos fazer uma medalha

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específica...eles ficaram assim...eles se sentiram acolhidos... fizemos uma projeção com o

trabalho do cotidiano com fotos...com depoimentos...foi FANTÁSTICO!

Pesquisadora:...o professor é uma profissão belíssima...

Professora Itinerante: e tem mesmo que se apaixonar mesmo e tem que estudar muito. E

muitos ficaram muito tempo sem estudar...embora a rede do Rio,desde 2000 com entrada dos

CIEPs houve muita formação para quem tava nos CIEPs, quem estava na rede regular ficou

um pouco de fora, mas a partir de 98... com este Projeto do Acelera na primeira vertente, com

o programa “Oito Anos a Mais”....

Pesquisadora: este projeto foi o quê em 2008? ...

Professora Itinerante: 98 (corrigiu-me) foi para atender os meninos alfabetizados com grande

defasagem idade/série.

Pesquisadora: então já estava no município...

Professora Itinerante: esteve um período

Pesquisadora: Ah! Mas não era alfabetização, era aceleração.

Professora Itinerante: a alfabetização eles fizeram o “Oito Anos ou Mais”, mas não tinha

itinerante, não tinha um plano de trabalho organizado...cada professor foi construindo o seu..

foi muito diferente! Por isto que te falo: havia..havia necessidade de ter alguma coisa de

concreto para que esse professor pudesse trabalhar.. Por isso eles sentiram a diferença! porque

agora se trabalha em cima do texto e antes se trabalhava em cima da palavra.

Pesquisadora: mas agora em 2011 foi acha que está bom, então com este materiais...com estes

4 livros..?

Professora Itinerante: eu acho que SIM, mas ele precisa de muita análise.

Pesquisadora: alguns professores e isso estão recorrentes... estão dizendo que tem um buraco,

que está faltando uma outra fase. É issso?

Professora Itinerante: exatamente isto...porque o outro era separar a palavra, análise de

sílaba, reconstrução de outras palavras... atééé chagar ao texto. Este parte do texto..e aí as

vezes o perfil de aluno ,que se esperava agora, mesmo o trabalho de turmas regulares, a partir

dos cadernos pedagógicos.. fosse minimizar...então nisso a gente precisa ir pontuando e

ponderando com a coordenadoria municipal, que é quem faz a ponte....

Pesquisadora; ...a Valéria Querido ....com a..?

Professora Itinerante: e a Fabiana Goreth, que é o elo com o IAS. Ela que é a voz do Instituto

aqui.

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270

Pesquisadora: ahh.. aí acontece da Valéria, no caso,então.. levar todas as reivindicações né!

E conversar..e a partir dessas conversas e que agora eu percebo, é que agora em 2011 é..houve

essas modificações, mas que ainda não estão adequadas...

Professora Itinerante: é acho que não foi a mais adequada...

Pesquisadora. Certo, ok, então! CCCCC eu só tenho que te agradecer muito, muito pela

entrevista, pela contribuição...

Professora Itinerante: o que se quer mesmo é que a gente consiga avançar nisso... (falou de

forma doce)

Pesquisadora: ..avançar , exatamente! ..que a gente leve as nossas expectativas e possa

contribuir.... meu trabalho é neste sentido mesmo... de reunir as todas as coisas boas e a gente

vem percebendo, éé... recorrência... todas as regentes que conversei até agora, me disseram

muito bem da itinerante, porque é nova também esta função... me parece assim que estreita...

Professora Itinerante: ele precisa dialogar com alguém. É muita angustia para uma pessoa

só...

Pesquisadora: exatamente..é um canal que traz.... agora, parece que falta um pouco mais de

estreitamento né?!.. entre o que vocês falam e o....retorno...

Professora Itinerante: TEMPO.

Pesquisadora...o tempo tem sido...pelo que você fala...éé..ele não tá dando conta de ser

mais...de dar respostas mais rápida..e mesmo quando dada , ela ainda não está totalmente

embasada daquilo que vocês pensam...né? Daí a gente pensar se o Projeto pode ser único ou

se ele teria que ser mais adaptado ainda....não é isto?!

Professora Itinerante: pela complexidade da rede. Complica!

Pesquisadora: Então,mais uma vez obrigada CCCCC, assim que eu estiver com a pesquisa

pronta e tal, você terá acesso para você ver a composição porque ainda estou em campo...

Professora Itinerante: Ah tá...você é de que Instituição?

Pesquisadora: Vou desligar agora tá...

(Conversamos um pouco ainda....)

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ANEXO E: Desabafo de uma Docente (1ª fase dos questionários)

Detalhamento: transcrição do e-mail:

Por e-mail: professora TTTTTT

Olá Carla,

Meu nome é TTTTTT, sou professora municipal da Prefeitura do Rio de Janeiro e leciono no

CIEP WWWWW dos WWWWW localizado na Cidade de Deus. Nosso CIEP funciona em

horário integral e atende as turmas do EI ao 5º ano, além de classes especiais. Em nossa

escola sempre realizamos atividades voltadas para os alunos com dificuldades no processo de

aprendizagem como: recuperação paralela, sistema de tutoria e reagrupamentos semanais.

Em 2009, lecionava para um turma de 2º ano, quando minha diretora reuniu todos os

professores do 2º ano e lançou o desafio sobre o projeto Realfa. Eu me coloquei a disposição

para aceitar o tal desafio. Frequentei a capacitação, que aconteceu em alguns dias incluindo o

final de semana. Todos os passos do projeto foram seguidos, e minha professora itinerante, foi

totalmente companheira, amiga e dedicada. Trocávamos experiências e a todo momento

elevava minha auto estima e de meus meninos. Foi um trabalho cansativo, duro, todos dos

dias matava os 19 leões que existiam na minha sala como falta de interesse, baixa auto estima,

falta de apoio da família, e péssimo comportamento. Esse foi meu primeiro trabalho, e em

alguns momentos ensinei meus meninos a responderem as gozações dos outros já que a todo

momento perguntavam se eles tinham repetido de ano. A resposta que inventei foi que tinham

avançado de nível, já que a numeração da antiga turma era 1500 ou 1400 e a nova era 9601.

Eles adoraram e passaram a não ter mais vergonha de formar na hora da entrada.

Conversávamos sobre tudo, conselhos e mais conselhos foram dados como remédio de

homeopatia de hora em hora. Quando finalmente conseguiram desvendar o mundo da leitura e

da escrita queriam ler a todo momento para a professora itinerante. Promovíamos festas de

aniversariantes, faziam o trabalhos de casa e jamais faltavam, porque já tinha avisado antes

que eu me importava com eles e que iria buscá-los dentro de casa se fosse necessário ( graças

a Deus não precisei fazer).

A cada reunião, conselho de classe, chorava por eles, pela historia de vida deles e por

acreditar que se frequentavam a escola todos os dias era sinal de que realmente queriam estar

ali. Visitamos museus, zoológicos, participamos das festas da escola como qualquer turma.

Participamos dos projetos ( artes, mídias, musicas e histórias), além das atividades de sala de

leitura, artes e educação física. Ficávamos juntos em horário integral o que facilitou bastante o

trabalho e a participação deles nesses projetos. Em nenhum momento me senti valorizada pela

Page 272: O Projeto Realfabetização no Município do Rio de Janeiro  a participação dos docentes da 7 CRE como avaliadores da política educacional

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SME ou CRE ou qualquer órgão responsável por isso. Era valorizada com os comentários de

minha professora itinerante e pela direção da escola. Me senti sim, realizada com o sucesso

deles. Em 2010, a direção da escola me pediu que continuasse com eles no projeto aceleração,

e claro aceitei. Fiz a capacitação e segui com eles por 2 anos seguidos o que estreitou ainda

mais nossos laços de amizade, carinho. Expliquei pra eles coisas da vida e mais conselhos

foram dados, visto que estavam ( ainda estão) em uma fase complicada de pré adolescente e

adolescência. Meu menino mais velho tinha 16 anos. Ao final do ano, choramos juntos pelo

progresso e vi em seus olhos a alegria por terem conseguido vencer mais uma etapa de muitas

que ainda viriam e a tristeza por deixarem a escola. A CRE nos enviou um questionário onde

deveríamos responder se queríamos continuar com o projeto ou não. Respondi que adoraria

continuar, porém no CIEP não tivemos turma de Realfa ou de aceleração.

Esse ano leciono em uma turma de 3º ano, e para minha surpresa passei os primeiros meses

recebendo as visitas deles, vinham me ver, me contavam as novidades, falavam dos novos

professores e sentavam em qualquer cantinho da sala para realizarem as tarefas de casa

porque queriam que eu olhasse. Acho que estavam com medo. Com o tempo ganharam

confiança, e agora só vão pra me contar sobre as notas, mostrar os boletins, e falar sobre suas

conquistas inclusive as amorosas. Na festa junina do CIEP, marcaram presença. Meus

questionamentos, não foram vistos ou as respostas foram as mesmas de sempre: veremos para

o próximo ano.... coisas desse tipo. Porém a lição de vida que tive e o carinho que dei e recebi

foi maior e superior a qualquer destes possíveis questionamentos. Espero ter contribuído para

sua pesquisa e me senti muito feliz por alguém estar pesquisando esse projeto.