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 1 O PROFETA HABACUQUE Um estudo preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho para o campus avançado do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, em Cabo Frio, agosto de 2004 Fui a Cuba, algumas vezes, para pregar nas igrejas das duas convenções, a de Cuba Oriental e a de Cuba Ocidental, e para lecionar nos seminários batistas das duas convenções. Quando fui pela segunda vez, que foi a primeira no interior do país, entendi Habacuque melhor do que antes. Voltei em crise, profundam ente chocado, usando o seu "até quando, Senhor?". Volt ei abalado na minha teologia que enfatiza muito a direção de Deus na história. Vi um povo sofrendo e um Deus apático, que não intervinha para libertar seu povo. Voltei bem melancólico, mas também um pouco mais humano, mais compreendedor de que a vida não é tão simples como muitas vezes formulamos em nossos esquemas. Senti-me, emocionalmente, como o profeta. Mas fui confortado, como o profeta, ao refletir sobre a história, em pensar sobre o passado. Cuba também está nas mãos de Deus e sua vontade sucederá lá, apesar do regime. Que um dia cairá. Ninguém barra Deus, ninguém frustra seu querer, ninguém o impede. Aprendi isto com este profeta. Habacuque estabelece um novo tipo de profecia. A palavra do Senhor não veio a ele. não encontramos a fórmula clássica, wayommer Iahweh, “e disse Deus”. Foi ele a ir ter com o Senhor. Inclusive, sua profecia é chamada de hamassa, que traduzimos por "oráculo". Mas, literalmente, o sentido é "peso". Sua mensagem era um peso sob re seus ombros. Ele "viu", diz nossa ve rsão. O hebraico é hazah, termo largamente empregado na literatura apocalíptica, e não davar¸ "palavra", como os profetas costumam empregar. Embora alguns comentaristas julguem ser a mesma coisa, é oportuno lembrar que Daniel e Ezequiel usam mais hazah e os demais profetas, davar . Habacuque  já está na fase de ser uma transição do p rofetismo para o apocali pticismo 1 . Este entendimento é necessário para se saber que o critério hermenêutico para entender seu livro pode ser diferente do empregado para um oráculo. A linguagem poética pode ser mais forte, aqui, e precisa se cuidar disto na interpretação. 1. A FIGURA DE HABACUQUE Habacuque sign ifica "abraço". Jerônimo entende u que o nome lhe f ora dado por causa de sua luta contra Deus. Mera especulação, mas que mostra como seu quest ionamento da omissão de Deus marcou os intérpretes bíblicos. Tem se argumentado muito que o profeta era dos profetas cúlticos, ou seja, ligado ao culto no templo. O capítulo 3, por exemplo, é um salmo. No acréscimo 1 Ver, sobre isso, o artigo "Habacu que e o Problema d o Mal", de Luiz Alberto Teixei ra Sayão, in “Vox Scripturae”  , vol. III, no. 1, março de 1993.

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O PROFETA HABACUQUE

Um estudo preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho para o campus avançado do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil,

em Cabo Frio, agosto de 2004

Fui a Cuba, algumas vezes, para pregar nas igrejas das duas convenções, a de Cuba Oriental

e a de Cuba Ocidental, e para lecionar nos seminários batistas das duas convenções. Quando fui

pela segunda vez, que foi a primeira no interior do país, entendi Habacuque melhor do que antes.

Voltei em crise, profundamente chocado, usando o seu "até quando, Senhor?". Voltei abalado na

minha teologia que enfatiza muito a direção de Deus na história. Vi um povo sofrendo e um Deus

apático, que não intervinha para libertar seu povo. Voltei bem melancólico, mas também um pouco

mais humano, mais compreendedor de que a vida não é tão simples como muitas vezes formulamos

em nossos esquemas. Senti-me, emocionalmente, como o profeta. Mas fui confortado, como o

profeta, ao refletir sobre a história, em pensar sobre o passado. Cuba também está nas mãos de Deus

e sua vontade sucederá lá, apesar do regime. Que um dia cairá. Ninguém barra Deus, ninguém

frustra seu querer, ninguém o impede. Aprendi isto com este profeta.

Habacuque estabelece um novo tipo de profecia. A palavra do Senhor não veio a ele. não

encontramos a fórmula clássica, wayommer Iahweh, “e disse Deus”. Foi ele a ir ter com o Senhor.

Inclusive, sua profecia é chamada de hamassa, que traduzimos por "oráculo". Mas, literalmente, o

sentido é "peso". Sua mensagem era um peso sobre seus ombros. Ele "viu", diz nossa versão. O

hebraico é hazah, termo largamente empregado na literatura apocalíptica, e não davar¸ "palavra",

como os profetas costumam empregar. Embora alguns comentaristas julguem ser a mesma coisa, é

oportuno lembrar que Daniel e Ezequiel usam mais hazah e os demais profetas, davar . Habacuque

  já está na fase de ser uma transição do profetismo para o apocalipticismo 1. Este entendimento é

necessário para se saber que o critério hermenêutico para entender seu livro pode ser diferente do

empregado para um oráculo. A linguagem poética pode ser mais forte, aqui, e precisa se cuidar

disto na interpretação.

1.  A FIGURA DE HABACUQUE

Habacuque significa "abraço". Jerônimo entendeu que o nome lhe fora dado por causa de

sua luta contra Deus. Mera especulação, mas que mostra como seu questionamento da omissão de

Deus marcou os intérpretes bíblicos. Tem se argumentado muito que o profeta era dos profetas

cúlticos, ou seja, ligado ao culto no templo. O capítulo 3, por exemplo, é um salmo. No acréscimo

1 Ver, sobre isso, o artigo "Habacuque e o Problema do Mal", de Luiz Alberto Teixeira Sayão, in “VoxScripturae” , vol. III, no. 1, março de 1993.

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apócrifo ao livro de Daniel, intitulado "Bel e o Dragão", ele é mostrado como alguém que,

conduzido pelo Espírito de Deus pelos cabelos vai até a Caldéia levar uma sopa para Daniel, que

está na cova dos leões. A LXX o dá como sendo da tribo de Levi. Ele seria, então, um levita,segundo a LXX. E, no caso do texto apócrifo acrescentado a Daniel, um servo dos profetas. Mas

tentar fazer de Habacuque um levita do templo é atitude precipitada. A base é pouca. Afinal, outra

obra apócrifa o dá como sendo da tribo de Simeão, natural da vila de Bet-Zujar, um lugarejo tão

pequeno que merecia mais ser chamado de granja do que de vila 2. Como se vê, as informações

sobre ele não são apenas escassas. São contraditórias, também.

O que interessa em Habacuque, além, obviamente de seu conteúdo, é seu estilo, diferente

do dos demais profetas. Ele ousa questionar a Deus, logo no início, com uma pergunta dura, em 1.2:

“Até quando Senhor, clamarei eu, e tu não escutarás? ou gritarei a ti: Violência! e não salvarás?”.Não bastasse isto, ele se coloca sobre uma torre de vigia para ver o que Iahweh lhe responderá,

como lemos em 2.1: “Sobre a minha torre de vigia me colocarei e sobre a fortaleza me apresentarei

e vigiarei, para ver o que me dirá, e o que eu responderei no tocante, a minha queixa”. Esta tradução

da Versão Revisada não faz sentido. Como ele responderá sua queixa? Outra pessoa é que tem que

responder à sua queixa. A NVI traduziu desta maneira: “Ficarei no meu posto de sentinela e tomarei

posição sobre a muralha; aguardarei para ver o que o SENHOR me dirá e que resposta terei à minha

queixa”.

Esta atitude foi tão surpreendente que os copistas mudaram de "o que ele me responderá"para "o que eu lhe responderei". Não podiam aceitar a postura do profeta. Estas atitudes fizeram-no

merecer de Kyle Yates o título de "livre pensador entre os profetas" 3. Feinberg, no seu livro sobre

os profetas menores, dá ao capítulo sobre Habacuque o título de "Problemas de Fé" 4. Viu ele um

profeta em crise teológica.

Habacuque merece nossa atenção. Pessoalmente, vejo-me muito nele. Tenho dificuldades

em alguns momentos, surpreendo-me porque certos eventos me desconcertam, mas aprendi, com

ele, que vale a pena permanecer esperando uma resposta de Deus. Ela pode demorar e vir de

maneira como não esperamos, mas sempre vem.

2.  O LIVRO DE HABACUQUE

É um livro curto, com um corte no estilo. O capítulo 3 é tão diferente que se chega, muitas

vezes, a cogitá-lo com obra de outro autor. Isto sofreu corroboração com a descoberta de um

2 Conforme a obra apócrifa Vida dos Profetas. 3 Yates, Predicando de Los Libros Profeticos, El Paso, Casa Bautista de Publicaciones, 1954, p. 208.4 Feinberg, The Minor Prophets, Chicago: Moody Press, p. 205.

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manuscrito de sua obra, na caverna de Qumran, o chamado documento 1QP Hb. Mas, sem querer

ser pedante, remeto os interessados ao meu livro sobre o profeta, onde trato da questão, vendo,

principalmente, como a comunidade tida como essênia, em Qumran, manipulava as Escrituras,reproduzindo-a como desejava.

Creio que há uma questão que devemos levar em conta, aqui. Já tínhamos um cânon antes

de Qumran. E já tínhamos um cânon antes da hipótese fragmentária, da alta crítica, da escola de

Welhausen e outros. Será que só agora, séculos depois, críticos distantes da obra bíblica, no tempo e

no espaço, conseguiram entender o que ninguém entendeu antes? Demos a Habacuque o crédito de

ter escrito toda a sua obra.

O livro deixa marcas no Novo Testamento, como veremos. E a doutrina mais profunda do

protestantismo, a doutrina da justificação pela fé, não é inédita, na pena de Paulo. É em Habacuqueque ele vem se abeberar. Nossas raízes teológicas da justificação estão, portanto, neste obscuro

profeta. Motivo mais do que suficiente para estudarmos sua obra.

3.  A APATIA DE DEUS

O livro se abre com o profeta se queixando da apatia de Deus. Seu "até quando?", logo no

início, é uma quase blasfêmia. Ele declara que Deus é apático e não faz nada. Quando nos

lembramos que um dos motivos do desgosto de Deus, por boca de Sofonias, foi isto, podemos

entender a dimensão que o ato de Habacuque tomou. "E há de ser que, naquele tempo,esquadrinharei a Jerusalém com lanternas, e castigarei os homens que se embrutecem com as fezes

do vinho, que dizem em seu coração: O Senhor não faz o bem nem o mal" (Sf 1.12). Esta

declaração dos contemporâneos de Sofonias irritou profundamente a Deus. Pois bem, é isto que

Habacuque está dizendo, numa explosão emocional.

Esta apatia de Deus ocasiona o crescimento da maldade. Era por isto que a lei se afrouxava,

a justiça nunca se manifestava. O ímpio cercava o justo, pervertia a justiça e Deus se calava. Não é

esta a sensação que muitos de nós temos, em certos momentos? Por que Deus não interveio em

Treblinka, em Auschwitz, no massacre dos armênios pelos turcos, em tantas outras ocasiões? Porque Deus fica quieto no caso dos sem terra, do massacre de Carandiru, do massacre de Vigário

Geral, da fome e das guerras tribais na África?

Na realidade, o ponto central é, mais uma vez, a questão que angustia as pessoas sensíveis e

aquelas que pensam: o problema do mal. Habacuque é parceiro de Jó. Ambos se afligem com a ação

do mal no mundo. Jó aborda o sofrimento em nível individual e, para piorar, o seu sofrimento

pessoal. Habacuque aborda o sofrimento em nível coletivo. E, especificamente, o do seu povo.

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Qual é a resposta? Em ambos os casos, a resposta é a mesma: nenhuma. Deus, questionado

pelos homens por causa do sofrimento, apenas apregoa sua soberania. No caso de Jó, sua soberania

sobre a vida de Jó. No caso de Habacuque, a sua soberania sobre as nações e a história. Em ambosos casos, se vê que ele não é apático. Não se iludam os homens. Enquanto está em silêncio, está

engendrando algo. Por isso trataremos agora do silêncio de Deus.

4.  O SILÊNCIO DE DEUS

Habacuque se queixa do silêncio de Deus. Ele está quieto, nada fala sobre os desmandos

humanos. Este é o grande problema. Citando Feinberg:

O silêncio de Deus nos negócios humanos, tanto ontem como hoje, tem sidodifícil de aceitar. Mas isso não quer dizer que não haja uma resposta e que asabedoria divina é incapaz de lidar com a situação. Tudo está sob o seu olhar etodas as coisas estão debaixo do controle de suas poderosas mãos 5.

Sabemos disso, como cristãos. O problema é quando o silêncio divino nos atinge. Um chefe

de família está desempregado, ora a Deus pedindo emprego e não consegue. Deus está silencioso.

Uma jovem mãe está com câncer, sabe que vai deixar os filhos neste mundo, ora a Deus pedindo

cura e ela não vem. Por que Deus não responde, quando clamamos?

No judaísmo rabínico, posterior a Habacuque, desenvolveu-se o conceito do silêncio de

Deus. Os rabinos faziam a exegese de Gênesis 1.3 e perguntavam: "O que havia antes de Deus

falar?" e eles mesmos respondiam: "o silêncio de Deus". E desenvolviam a idéia de que Deus se

mantivera em silêncio, antes de um feito estrondoso. O conceito do silêncio de Deus se associou,

portanto, a um prelúdio a uma ação grandiosa do Senhor. Podemos tomar este conceito emprestado

e falar dos 400 anos de silêncio de Deus, sem profeta, no período intertestamentário, até que viesse

o maior de todos os homens, Jesus Cristo.

Deus estava em silêncio, mas isso não significa sua apatia nem que abandonara o povo.

Estava engendrando algo grandioso. O quê, exatamente, podemos perguntar? E, como os rabinos,

dar a resposta à nossa pergunta: o juízo sobre Judá. Habacuque via a maldade, a corrupção, o

afrouxamento da justiça. Deus puniria o povo. Iria enviar os caldeus. Mas esta resposta angustia

mais o profeta. Os caldeus são piores? Como usar a maldade máxima para punir a maldade média?

Quem punirá a maldade máxima?

Muitas vezes a resposta divina às nossas perguntas não nos aquieta, mas piora a situação.

Ele é desconcertante. E pegou Habacuque de jeito. Este volta a expressar sua inquietação. Nosso

5 Feinberg, op. cit., pp. 206-207

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profeta me ajuda bastante: é possível abrir o coração diante de Deus, confessando os temores, as

dúvidas e as perplexidades. Numa segunda resposta, o anúncio é de que Deus julgará os caldeus

também.O silêncio divino cessa e ele revela uma verdade a Habacuque. Verdade que precisamos

guardar também conosco: Deus é o Senhor da história. Pune quando quer, usando quem quer. Não é

apenas o seu tempo que não é o nosso tempo. Os seus instrumentos também não são os nossos

instrumentos. Como já comentei em palestra anterior, nossa geração viu o desmonte do maior

império mundial de todos os tempos, o bloco soviético. Mais de um terço da população mundial

estava subjugado ao poder comunista. Parecia um regime inabalável, um bloco sem fissuras. De

repente, desabou. Em alguns países levou anos. Em outros, meses. Em outros, semanas. Em alguns,

apenas dias. Mas o que parecia impossível sucedeu em pouco tempo. O império soviético acabouquando chegou o momento de Deus.

Se não há uma resposta verbalizada ao problema do mal em Habacuque, ela está implícita:

Deus está no comando. Este é o sentido de 2.20: "Iahweh está no seu santo templo; cale-se diante

dele toda a terra". Não é um texto litúrgico, para cessar a conversa no salão de cultos, entoado à

meia-voz pelo coro da igreja. O "santo templo" é o celestial, em Temã, de onde Iahweh saía para

efetuar juízo. Quando ele saía do seu santo templo, a terra tremia: vinha juízo. "Deus veio de Temã,

e do monte Parã o Santo. A sua glória cobriu os céus, e a terra encheu-se do seu louvor... adiante

dele vai a peste, e por detrás praga ardente" (3.3, 5). A oração de Habacuque mostra o seudeslocamento de Temã e como a terra treme diante dele. Calem-se todos. Ele está no templo,

assentado para julgar.

"Cale-se" é o hebraico has, uma ordem peremptória, autoritária, sem comportar discussões.

Calem-se todos, inclusive você, Habacuque, porque Deus está no comando e está saindo para julgar.

Parece que Deus está em silêncio? Calemo-nos, ele está para fazer grandes coisas.

5.  A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

Justiça e justificação caminham juntas nas páginas das Escrituras. O Deus justo justifica opecador. E, quando há juízo, sempre há oferecimento de salvação. É assim com nosso profeta.

Haverá juízo sobre Judá. Haverá juízo sobre os caldeus. Mas há salvação. É a Habacuque que

devemos o profundo versículo "o justo viverá da fé". Este foi o lema da Reforma e deve ser uma

lembrança viva em nossa mente: o homem é salvo pela fé. Foi o brado de Lutero: Sola fidei. E,

constantemente, nos meus estudos dou graças a Deus por Lutero e seu entendimento.

"Eis o soberbo! A sua alma não é reta nele; mas o justo pela sua fé viverá". Esta expressão

final se encontra também em Romanos 1.17, Gálatas 3.1 e Hebreus 10.38. O "soberbo", em

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Habacuque, é o caldeu. Ele não tem a sua alma reta. O termo hebraico dá a idéia de "inchado".

Parece que traduzir "alma", o hebraico nephesh , por "garganta", tem sentido: seu pescoço está

inchado. Ele está inchado de sua arrogância. E é um tipo do pecador impenitente que confia em suacapacidade, e está inchado de orgulho por causa disso. "Justo", em Habacuque, é Judá. Não tem a

força militar dos caldeus, mas viverá pela fé em Iahweh. São dois tipos bem retratados: o inchado,

que confia em si, e o justo, que confia em Deus. Este vive pela fé. Não deposita sua confiança em

nada que não seja o seu Deus.

Paulo tomou o texto de Habacuque na versão grega da LXX, como era seu costume. O

termo grego é dikáios, que tem sido definido como "o estado aceitável a Deus que o pecador

adquire mediante a fé pela qual abraça a graça de Deus, que lhe é outorgada na morte expiatória de

Jesus Cristo"6

. Parece haver uma grande mudança, porque Habacuque não fala de Jesus. Mas foi otermos que os tradutores da Septuaginta usaram. Foi aqui que Paulo compreendeu o que Habacuque

queria dizer e transportou o conceito para dentro de sua teologia: "justo" é o que crê na obra de

Cristo, confia nela, e não em seus méritos. É esta atitude que evita o juízo.

"Fé", em Habacuque, é o hebraico emunah, que significa "firmeza". Vem de aman¸ que

significa "firme até o fim". Como bem lembra Sayão, "o termo hebraico emunah tem a idéia de se

estar vivendo de modo fiel, firmado na rocha, YHWH. O termo tem a ver com a ordem justa no

mundo que depende de Deus para manter-se em equilíbrio..." 7 . Aplica-se, portanto, ao inteiramente

dependente de Deus. O justo, aquele que é salvo, é quem crê, firmemente, sem se abalar crê até ofim. Isso nos ajuda a entender porque tantos aparentemente "salvos pela fé" se desviam e acabam

se perdendo, enquanto nós, batistas, apregoamos com tanta ênfase a doutrina da justificação pela fé

e para sempre. A verdadeira fé é a que permanece. Por isso lemos em 1João 2.19: "Saíram dentre

nós, mas não eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; mas

todos eles saíram para que se manifestasse que não são dos nossos". O justificado é justificado para

sempre, porque firme até o fim.

6. 

A CONFIANÇA DA FÉPor causa disto, vem o capítulo 3, o salmo de Habacuque. Uma profunda expressão de fé. É

significativo que o livro comece com dúvida e termine com fé. Inicia-se com uma expressão de

quase revolta e conclui com um sentimento de abandono à vontade de Deus. "Eu me alegrarei", e

"exultarei" são os verbos que mostram que houve uma mudança radical de pensamento e atitude. O

que a ocasionou?

6 Assim o define Thayer.7 Ver o artigo já citado de Sayão, à p.15 de “Vox Scripturae”

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É que ele, Habacuque, ouviu. "Eu ouvi, Iahweh, a tua fama". Ele se lembra dos atos do

passado. Ele olha para a história passada. Eis uma lição por aprender. Devemos olhar para o

passado, para os atos de Deus na história. Isto nos anima a crer na sua direção no presente, e emmelhores dias, para o futuro.

"Aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos". A obra é Judá, o povo de Deus. O pedido é

que, no juízo, ele não deixe Judá morrer. "Na ira lembra-te da misericórdia". Quando chegar o juízo

sobre Judá, usa de misericórdia, Iahweh! Ele tempera sua santidade que não pode suportar o mal,

como o próprio Habacuque reconhece, com sua graça, que se compadece do seu povo. Como diz

um hino do Cantor Cristão: “Em ti concilia-se a santa justiça, que não pode a culpa deixar sem

castigo, com a compaixão que por graça recebe, e exime de culpas o réu pecador” 8.

Como passar da crise à fé? Como passar da revolta à confiança absoluta? Olhando não paraa maldade humana, mas para o poder de Deus. Vendo o presente, sim, mas relembrando o passado,

um passado de ação de Deus. Ele não morreu nem se tornou apático. Apenas está gestando sua

ação. Mesmo que dias negros venham, ele nos dará o porte altivo da corça e nos fará andar nos

lugares altos. O justo vive pela fé, anda pela fé, é confortado por sua fé.

7.  OS PONTOS TEOLÓGICOS DE HABACUQUE

Um dos pontos mais fortes na teologia de Habacuque é a idéia de que Deus é moral. Os

cinco "ais" contra a injustiça mostram isso. A injustiça não se perpetuará no seu mundo. Eleintervirá, no momento adequado. A intervenção é súbita, por isso o injusto é sempre mostrado como

sofrendo uma destruição quando menos espera. Isto é fundamental até mesmo para nós. Há uma

moralidade, há nexo no mundo e na história. Não por eles, mas por Deus, que sendo moral dá

moralidade à sua criação. A justiça triunfará e a iniqüidade será vencida. Isto anima na pregação:

nossa causa é certa. Não existe nenhuma possibilidade de dar errado. O projeto de Deus é de que o

mundo volte à ordem. Fazemos parte disto.

O segundo ponto é a questão da justificação pela fé. Estamos tão acostumados com este

ponto que não nos damos contas de sua importância. É fé que Deus espera ver na vida do seu povo.E fé não é admissão intelectual ou um ato cognitivo. É abandono da confiança em recursos

humanos e uma entrega à vontade de Deus. Numa época em que a venda de indulgências para obter

o favor de Deus voltou à cena, pelas mãos de neopentecostais, é oportuno levantarmos esta

bandeira: Deus não é movido a dinheiro nem a mérito humano. O que o leva a agir, beneficiando os

homens, é a sua graça. Numa época de tanta culpa, remorso, frustração, vazio e desorientação,

8 Hino 12 do Cantor Cristão, de Richard Holden.

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