O Professor - Sua Classe

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jlcaontextos O PROFESSOR: SEU PODER, SUA CLASSE, SEUS CONFLITOS E SEUS PAPÉIS, VISTOS SOB ALGUNS ÂNGULOS DO PSICÓLOGO Por Jose Luiz Caon [email protected] *: Professor e Mestre em Psicologia Clínica. Professor e Supervisor de Psicologia Clínica do Departamento de Psicologia da UFRGS. Psicólogo e Pesquisador junto ao GRUPO DE ESTUDOS DO ENSINO DA MATEMÁTICA DE PORTO ALEGRE (GEEMPA). Coordenador Técnico do Estágio de Psicologia Clínica Institucional da Prefeitura de Gravataí. Este texto nasceu de uma conferência, tipo aula magistral, proferida, perante os professores do CPERS, em Porto Alegre, a convite da Professora Zilah Mattos Totta. Seguiu-se um debate conduzido pela Professora. Devido à repercussão, na época, reescrevi o texto daquela apresentação, dando-lhe uma organização de texto escrito para publicação. O Departamento de Psicologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Rio Grande do Sul acolheu-o e publicou-o em sua “Revista do IFCE da URGS”, Ano VIII, 1979, p. 87-97.

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O PROFESSOR: SEU PODER, SUA CLASSE, SEUS CONFLITOS E SEUS PAPÉIS,VISTOS SOB ALGUNS ÂNGULOS DO PSICÓLOGO

Por Jose Luiz Caon [email protected]

*: Professor e Mestre em Psicologia Clínica. Professor e Supervisor de Psicologia Clínica do Departamento de Psicologia da UFRGS. Psicólogo e Pesquisador junto ao GRUPO DE ESTUDOS DO ENSINO DA MATEMÁTICA DE PORTO ALEGRE (GEEMPA). Coordenador Técnico do Estágio de Psicologia Clínica Institucional da Prefeitura de Gravataí.

Este texto nasceu de uma conferência, tipo aula magistral, proferida, perante os professores do CPERS, em

Porto Alegre, a convite da Professora Zilah Mattos Totta. Seguiu-se um debate conduzido pela Professora. Devido à repercussão, na época, reescrevi o texto daquela apresentação, dando-lhe uma organização de texto

escrito para publicação. O Departamento de Psicologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Rio Grande

do Sul acolheu-o e publicou-o em sua “Revista do IFCE da URGS”, Ano VIII, 1979, p. 87-97.

Zilah Mattos Totta (1917- 1997)

INTRODUÇÃO.Nossa psicologia pretende ser científica. Desta forma, apoia-se em dois determinismos fundamentais: 1º - os

determinismos da realidade material, biológica e social; 2º - os determinismos da realidade psicológica dos processos psiconeurológicos, psicoafetivos e psicocognitivos.

Aqueles que não compreendem a Lógica e a Dialética das transformações da realidade, material e social, e aqueles que não compreendem a linguagem dos processos inconscientes psicomotores, cognitivos e afetivos terão certa dificuldade de nos entender.

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Entretanto, há um fato com o qual conto, fato que me permite dizer que esta dificuldade pode ser superada: a ação, experiência e vivência no ensino-aprendizagem (ensinagem) é o denominador comum que nos nivela a todos e nos põe em pé de igualdade e de diálogo.

Acredito, pois, que esta reflexão sobre nossa ação, nossa experiência e nossas vivências nos colocará em diálogo. Peço que o esforço dos professores corresponda ao desafio do psicólogo, e que o esforço do psicólogo, em desafiar aos professores, levante, nestes mesmos professores, desafios ainda mais contundentes, de tal forma que psicólogo e professores voltem para casa desafiados.

Divido minha comunicação em duas partes: a primeira parte deste comunicado, a parte poética, dedico-a em homenagem ao meu Professor de primeira série, aquele que me alfabetizou, professor pelo qual tenho o maior respeito e gratidão; [87] a segunda parte, a parte crítica e de reflexão, dedico-a a todos aqueles que, como eu, estão buscando uma identidade profissional através do ensino-aprendizagem, através da auto-crítica, profissionalização permanente e co-reflexão como esta que vai ocorrer entre o meu leitor e eu.

Serei breve, na primeira parte. Na segunda, estender-me-ei ao longo de cinco tópicos ou secções, a saber:

Secção 01: Os professores e seu poder. Secção 02: Os professores e sua classe. Secção 03: Os professores e seus conflitos do dia-a-dia. Secção 04: Os professores e seu papel. Secção 05: Alternativas para os professores em luta pela busca e conquista de identidade, dignidade, valor e

reconhecimento social, profissional e pessoal.

PARTE UM: O PROFESSOR-PAI VISTO PELO PROFESSOR-FILHO: UMA REFLEXÃO POÉTICA PARA ENXUGAR A SAUDADE

A maioria dos professores foi alfabetizada por sua professora de primeira série. Quase sempre é conservada na lembrança e evocada com gratidão. Muitos se referem a ela como A PROFESSORA.

Comigo, não se passou assim. Não tive professora na primeira série. Ele era um homem. Meus colegas chamavam a ele de O PROFESSOR. Isso me soava muito estranho, pois aquele homem, aquele professor deles e meu, era meu pai, meu genitor. E foi ele quem me alfabetizou, apesar de ser colono, na outra parte do dia.

A mão graúda e pesada dele, segurando a minha pequena mão, dava-me a firmeza e o poder que ainda sinto, quando manejo a caneta para expressar as minhas idéias por escrito. Confesso que quando ele morreu tive uma dupla perda: perdi meu pai e perdi o meu professor. Dupla perda que continuará irreparável e insuperável. Irreparável e insuperável porque aquele foi o caminho dele que ele fez com seus próprios pés. Agora, que para tê-lo na lembrança o enxuguei das minhas saudades. E quero homenageá-los com estes versos toscos de poeta de primeiro ano:

José Luiz Caon – 01out68:Velando o mestre agricultor, pelo sangue, meu genitor.

Agora, tu não falas mais meu silencioso e gelado pai. Mas, falam por ti os que alfabetizaste:doze filhos e mais de mil brasileiros a quem te devotaste.

Não nos deste propriedade, nem dinheiro nos deixaste, mas o pouco de saber que tu eras.

Educar os filhos vinte anos para a frente, foi tua atitude mais inteligente, - a mais combatida e resistida –marcada com teu sangue e alma, para fazer de tua vida, nossa vida.

E agora não falas mais

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meu silenciado e gelado pai.Me quiseste independente,dentro do mundo,como fruto novo, recém colhido e suficiente.

Ah! Meu velho e sofrido pai, morrido e nascido proletário,crucificado desde o nascimentono milenar calvárioda pobreza e seus sofrimentos!

Em teus lábios nenhuma queixa,Somente a irreversível esperançaQue fortifica e me deixaO coração apunhalado de amor.

Ah! Meu gelado e silencioso pai. Nada sabes do mar e de veraneios, de conforto, de estufas e aconchegos.

Nada sentiste do bem-estar, Do progresso, da cultura,Que a boa riqueza pode dar.

E nenhum lamento na tua vozMesmo na tua vida atroz, Em que demonstraste aquela esperança corajosa,Que contra toda desesperança espera, Que faz do filho do pai,Toda vida explorado,Sentir-se filho e irmãoDe todo o proletariado;E, neste momento, amigo e companheiro,De todo o professorado. A reflexão é um ponto de chegada e não um ponto de partida. Uma reflexão bem refletida não parte do ar,

mas da terra lavrada e semeada no dia a dia de nossa experiência, de nossa vivência e de nossa ação. É pensando a partir do concreto, daquilo que realmente vivemos, experimentamos e sentimos no dia a dia que lhes apresento alguns versos de GOETHE, que para entronizar a ação na vida dos homens, põe estes versos na boca de FAUSTO:

"Está escrito: "No princípio era a palavra!" Mas aqui eu logo páro.Quem me ajuda a ir adiante? De fato, não possodar tanto valor à palavra.

Deverei dizer isso de modo diferente, já que o espírito, agora, me ilumina a mente: Está escrito: ''No princípio era o significado!"Entretanto, retomemos este mesmo verso: É o significado aquilo que tudo produz e tudo cria? Por isso, deveria ser escrito: "No princípio era a energia!"E escrevendo estes versos, verifico que não devo ainda parar nisso. A mente me ajuda, enfim, e vejo, agora, de vez, a solução; E escrevo, finalmente, consolado: "No princípio era a ação" (*) *: (Tradução livre o autor desse artigo.

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Portanto, professores, a reflexão sobre a ação é sem dúvida a ação mais poderosa, porque parte da ação, busca-lhe o significado e expressá-lo pela palavra. Vamos a ela, imediatamente.

PARTE DOIS: UMA REFLEXÃO CRITICA DO PSICÓLOGO SOBRE O PROFESSOR.

SECÇÃO 01: O PROFESSOR E SEU PODER.

Uma classe se define pelo poder que tem e pelo poder que exerce. Então, qual é o poder dos professores? Por que este poder está tão pouco evidenciado até para os próprios professores?

Busquemos o poder do professor. Imaginemos que os professores e sua classe formam um rio cuja nascente se perde nos albores da história. Longitudinalmente, ao longo deste rio ou, em sentido vertical, que água está presente, perpassando todo o seu leito? Qual é a natureza desta água? Qual é o poder deste rio? Transversalmente, de margem a margem deste rio, ou em sentido horizontal, isto é, aqui e agora, como está esta água? Está turva, espraiada? Que força tem ela? Quem se beneficia dela neste momento?

Busquemos, pois, o poder do professor tanto no sentido longitudinal e vertical, como no sentido horizontal e transversal. Isto é, investiguemos o seu passado e o seu presente.

Sob o ponto de vista longitudinal e vertical o poder dos professores é o poder do saber. Este poder do saber significa também poder de provocar a fecundação, a gestação, o nascimento e o crescimento deste saber nos seus alunos. É água que empurra o rio para a frente.

Sob o ponto de vista transversal e horizontal o poder dos professores é o poder de sua organização. Saber desorganizado ou saber isolado e solitário tem pouco poder. Saber desorganizado é como um rio espraiado: não tem força. Saber solitário, ou isolado, é como uma poça. Rio espraiado e poças isoladas e solitárias não têm grande força. Mas saber organizado, bem articulado pela cooperação e solidário, é como um rio extremamente poderoso, capaz de acionar e movimentar muitas usinas.

Pode-se ver que o poder dos professores tem duas faces, como uma moeda, duas faces que convergem uma para a outra, sem as quais, a moeda não existe: as duas faces do poder dos professores são, como vimos, o seu saber e a sua organização.

Vejamos como são estas faces, começando com o saber. Em primeiro lugar o que não é saber e o que é saber.

Transmitir não é saber. Informar não é saber. Transmitir não é o verdadeiro poder do professor. Transmitir conhecimentos não é atividade identificadora do professor. Informar não é também o verdadeiro poder do professor. Prestar informações não é atividade identificadora do professor.

Saber pensar e saber fazer pensar é o verdadeiro poder do professor. Poder pensar e poder fazer pensar é a atividade identificadora do professor. Neste sentido, o poder do professor é desafiar o pensamento dos alunos, desafiar com arte, com perícia, coragem, honestidade e paixão. O desafio adequadamente desafiado, inquieta sem abafar; desperta sem amedrontar; desestrutura sem destruir; angustia sem desesperar.

Nesta atividade de pensar e fazer pensar, somos constantemente seduzidos por ciladas insidiosas que atacam o nosso verdadeiro poder de professores. Citarei três delas. Quem de nós não é condicionado e condicionador? Que de nós não é domado e domador? Que de nós não é amordaçado e amordaçador?

§01- Como professores condicionados e condicionadores, somo aquilo que se conhece como professor-treinador. Esse modelo colonizador foi importado dos paísmes mais imperialistas que o mundo jamais conheceu: Rússia (reflexo condicionado e incondicionado na aprendizagem animal, Pavlov) e n Estados Unidos (reflexo operante na aprendizagem animal, Skinner). A psicologia que embasa o fazer do professor-treinador é extremamente simplista, e radica no condicionamento respondente pavloviano e no condicionamento operante skinneriano. Com este método somos facilmente colonizados e facilmente colonizadores. A Escola que sempre teve por ideal ser Escola de pensamento acaba tomando a ridícula feição de Escola de rendimento, onde em lugar de desafios, há prêmios e punições, isto é, notas altas e baixas, em função das quais ensinamos e aprendemos.

§02. Como professores domados e domadores, ou bem informados e bons informadores, somos aquilo que se conhece como professor-enciclopédia atualizada, ou professor banco-de-dados. Este modelo também veio do norte! Que mais nos virá de lá? A psicologia que embasa o fazer do professor-informador, ou professor-domador, radica na parafernália comunicatória. Saber é estar bem informado. Este professor-informador consome e faz consumir dados até à empanturração, dados que ele teima em chamar de cultura, o que na realidade não passa de resíduos culturais, ou poluição cultural. Caímos, assim, facilmente, no estilo produção e consumo de um pseudo-

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saber, pseudo-saber este que não nos dá nenhum poder maior do que aquele poder que consiste em consumir sempre e cada vez mais informação.

§03. Como professores amordaçados e amordaçadores, somos aquilo que se conhece como professor-prestador-de-serviço, tipo empregada doméstica, no seu sentido pejorativo. Essa "empregada doméstica" no seu sentido pejorativo abunda em todas as nossas escolas. Acontece que o vestidinho dela é bastante pobre e por isso muitas trocam de patroa, instalam-se em cursinhos marginalizados do processo educativo da Nação e passam a vestir-se bem melhor... Mas continuam amordaçadas e amordaçadoras. Caímos nessa armadilha, quando nos prestamos, desligadamente, como meros executores de etéreos programas criados por etéreos tecnocratas encastelados em suas etéreas e orgulhosas fortalezas, às quais os professores não têm acesso. Também caímos nessa armadilha, quando nos sentimos honrados por prestar serviços para concursos tipo vestibular e outros afins.

Como professores amordaçadores e amordaçados, temos um poder realmente perverso, isto é, subvertedor, pois somos capazes de tornar fim o que é meio e meio o que é fim. Por exemplo, o milenar princípio da sabedoria "Non scholae, sed vitae, discimus" (Não aprendemos para a Escola, mas para a vida), nas mãos deste professor se transforma em: "Não aprendemos para a vida, mas para a Escola". Isto é, aprendemos para a sabatina, para o exame, para o vestibular. E neste jogo delirante, professores e alunos inventam seus jogos que, pasmem, ao mesmo tempo que suborna, também alimenta o sistema. Os alunos lançam mão da cola. E quando a cola não tem amparo, os professores vêm em socorro dos alunos, lançam mão de artifícios que vão desde as sabatinas simuladas mais sofisticadas até estratégias tipo pré-vestibular para preparar os alunos a vencerem os concursos. Procedendo assim estamos enterrando a Educação: o sistema a mata e nós, os seus coveiros, a enterramos.

Amordaçados e amordaçadores damo-nos as mãos, fazemos até teses contra o amordaçamento e nosso verdadeiro poder se apequena cada vez mais, pois estamos sempre fazendo a vontade do outro, esse outro que é o tecnocrata etéreo fazedor de programas etéreos, currículos desarticulados, vestibulares unificados que insultam e distorcem o ensino primário e secundário. E que o poder da inteligência se dane!

Amordaçadores e amordaçados, estamos num círculo vicioso cada vez mais apertado. Nosso poeta campeiro nos ajuda a sairmos dela quando nos adverte: "Em ranchinho de pobre, a vontade dos outros é a vontade da gente"! Que sucederá à Educação quando o professor, em termos de planejamento, nem sequer vai poder ter ranchinho? Ficar amordaçado e ficar amordaçando não cai bem para um verdadeiro gaúcho, muito menos para um professor!

A outra face do poder dos professores é sua organização. A seguir falaremos sobre o que impede os professores a se organizarem.

SECÇÃO 02: OS PROFESSORES E SUA CLASSE.

Mas que classe é essa, professores? Por acaso os professores recebem mais do que os proletários? Parece que na sua maioria, os professores que vivem do seu trabalho - não falo dos que ensinam por bico ou para poder folgadamente pagar seus cosméticos - recebem como os proletários e são pobres como os proletários. Mas, será que esses professores produzem como os proletários produzem? É verdade dizer que a classe dos professores se proletarizou? Não é mais verdade dizer que esta classe se empobreceu? Vejo algumas semelhanças entre os operários e os professores: por exemplo, as periferias da grande Porto Alegre são o dormitório dos operários. Por sua vez, Porto Alegre, em boa parte, é um dormitório de muitos professores... Parece que é no dormir que cada um voltamos às nossas verdadeiras origens ...

Mas que classe é esta que é pobre sem ser proletária e que, apesar de não ser proletária, não é rica? Que visão mais estranha é esta que não é nem peixe nem mulher? As sereias são quimeras, sem dúvida. Mas a classe dos professores não é uma quimera. Ela existe e é uma realidade. É para esta classe como realidade social que faço esta análise: se está provado que professor não enriquece mesmo, então, em termos de enriquecimento, o professor não tem mais nada a perder. Entretanto, a cada dia que passa, está perdendo um dia se não for capaz de encontrar a sua verdadeira consciência de classe, onde possa realmente encontrar a sua identidade como profissional, numa sociedade em desenvolvimento.

SECÇÃO 03. OS PROFESSORES E SEUS CONFLITOS DO DIA-A-DIA.

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No último lance do jogo, os conflitos do professor sempre terminam na pergunta de se o professor tem ou não tem poder de transformar a educação de um país. Podem os professores aspirar a este poder? Que conflitos terão de encarar e vencer? Analisemos alguns.

O conflito ter saber versus ter poder para exercer e usar o saber. Os professores têm o saber em suas mãos, mas, infelizmente, não têm o poder de exercer este saber. O saber é, sem dúvida, o petróleo dos professores. Se os próprios professores não fazem os preços deste petróleo, isto é, não o valorizam, não o cuidam e não o fiscalizam, alguém o faz por eles. E não adiantará aumentar o saber se este saber ficar dissociado do poder de exercer o saber.

O conflito ter saber versus parecer ter saber. Neste país, o diploma tem dupla função: credenciar e autorizar. Professores, o diploma apenas credencia. O saber é quem autoriza. Quantos professores pararam sua formação e profissionalização quando colaram (!) grau! Não é com os alunos que nós corrigimos e reaprendemos aquilo que a graduação viciada e viciadora tentou nos ensinar? Não é esta enxurrada de títulos, esta nefasta cultura cosmética, toda esta excrescência protética que constitui o saber do professor. Toda esta maquilagem de títulos e certificados de nada vale se a cabeça está oca e não tem juízo. É por trás destes requintes enbaucadores, onde se deve buscar a real essência dos professores, a sua dignidade, sua vocação, o seu desejo de saber cada vez mais, o seu desejo de poder exercer cada vez mais o seu saber.

O conflito organização versus representação. A classe parece estar organizada e está lutando para ser bem representada. Os professores devem cuidar a classe contra os demagogos, as raposas espertas que sabem manejar com as carências afetivas dos professores, que sabem tocar nas cordas da vaidade, do prestígio ou da culpa dos professores. Chegam á ousadia de pichar os professores de sacerdotes! E os professores engolem. Na hora das grandes decisões é que se vêm quem é quem. Que as professoras me perdoem, mas ingenuidade é característica feminina de menininha, não de mulher feita... Acredito que cada classe tem os representantes que se merece. E que não se lamente, portanto. Andará muito bem, esta classe, se puder aprender com a experiência e não esquecer a lição.

Uma pequena análise em relação ao sacerdócio dos professores. Parece-me que usar o título de sacerdote que é próprio dos padres é usurpação! É um roubo! Se alguém se sente pouco em ser professor, que vá ser padre ou sacerdotiza, mesmo contra toda a vontade do papa. O altar do professor não são estes idealismos piegas! O altar do professor é o ensino-aprendizagem, é a Educação. É deste múnus que todo professor deve lutar para viver condignamente e não das contribuições, doações colaterais, ou auxílio provenientes de um marido bem colocado, de um velho pai infantilizador, ou de um emprego colateral mais rendoso. Atualmente, o professor que vive exclusivamente do ensino é uma personalidade torcida e retorcida de sacrifícios que, heroicamente, vai se desdobrando, ajuntando seus pedaços para viver condignamente e poder ter um espaço de tempo e um espaço financeiro para aprimorar sua profissão, sua formação e adquirir um pouco mais de saber.

No dia em que estes professores vierem a faltar, no dia em que os professores perderem sua dignidade, sua consciência e seu poder, as mentes de nossos alunos estarão entregues a todo o tipo de manipulação. Os alunos de hoje são os políticos de amanhã, professores! Se os políticos educacionais de hoje erraram nos projetos da Reforma do Ensino, deve-se perguntar quem formou estes políticos. De quem foram eles alunos? Essa classe precisa fazer autocrítica. E a partir dos mais velhos. Eles devem dar o exemplo. Entretanto, não se deve desanimar. Nem tudo está perdido!

SECÇÃO 04: OS PROFESSORES E SEU PAPEL.

Não podemos analisar os mil papéis que um professor pode ter na prática de seu ensino-aprendizagem. Enfoquemos somente algumas variáveis que se nos apresentam de imediato.

Variável profissionalização-capacitação versus não-profissionalização ou incapacitação. Profissional é o professor idôneo, capaz, competente, aquele que realmente sabe, que é autorizado pelo seu saber, aquele que depende e se serve do diploma apenas para credenciamento.

Variável organização em torno da classe versus organização em torno da instituição. Professor organização em torno da classe é o professor que encontra sua força junto aos colegas professores, tanto dentro como fora das instituições onde trabalha. É professor sempre, é profissional dentro e fora da Escola. É aquele que está do lado dos professores dentro e fora da Escola.

Variável professor consciente versus professor coisificado ou alienado. Esta variável leva o professor a ter o papel de um professor amortecido, mortalmente e passivamente adaptado, como o parafuso se adapta passivamente à rosca-buraco. Se o buraco-rosca não permite, mutila-se o parafuso ou bota-se fora. O professor coisificado e alienada é um professor mutilado. E se é mutilado será também mutilados, caso não se recupere das más aprendizagens de que foi vítima. Se “em ranchinho de pobre, a bontade do outro é a vontade da gente”, esse professor nem ranchinho sequer tem...

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Variável professor inovador. Esta variável leva o professor a ter um papel de um professor inquieto, vivamente e ativamente adaptado, como a mão se adapta ativamente ao cabo do martelo para fazê-lo funcionar. O professor inovador, desafiado e desafiador, in· quieto e inquietador, cresce e faz crescer. Sabe e sabe que sabe. Tem paciência, mas não se avexa e entre as muitas coisas sabe primeiro quais são as coisas primeiras.

Variável professo matão. Esta variável leva o professor a ter um papel de um professor lógico, frio e implacável com o sistema. Seu raciocínio segue a lei do talião, dente por dente. Por exemplo, diz ele: "Se me pagam Cr$ 70,00 por aula eu também só dou Cr$ 70,00 de aula". Neste jogo de cumplicidade quem perde é o aluno. Entretanto, este mesmo aluno ainda agradece por não ter que fazer muita força para passar de ano... Uma reforma educacional que caiu neste círculo vicioso é sintoma de decadência de todo um povo! Será que ainda há suficientes quero-queros nestes pampas e por todo este Brasil afora?

Variável professor teatralizador. Esta variável leva o professor a ter um papel de um professor apressado e apressador. Perde-se no reino das possibilidades, porque ainda não pode caminhar um passo após o outro pelo reino das exequibilidades. É bem intencionado, pode dar grandes passos embora fora do caminho...

Variável professor-não-identificado com o magistério. Esta variável leva o professor a ter um papel de professor só secundariamente. É o professor que é professor nas horas vagas ou por bico. Pode ser um doutor, um industrialista, um comunicador, um banqueiro, um dedo duro, um político, uma dona de casa, uma esposa, um psicólogo e assim por diante. Como na maioria das vezes não têm nada a perder com o magistério, ficam estranhos à classe. Às vezes, por serem influentes defendem a classe até certo ponto.

A convergência dos atributos das duas primeiras variáveis com as outras cinco nos dá um grande número de papéis. Cada um de nós se encontrará um pouco em cada um destes papéis, mas, frequentemente, mais em um que no outro.

PROFESSOR PROFISSIONALIZADO:

autorizado pelo seu saber e credenciado pelas instituições

PROFESSOR NÃO-PROFISSIONALIZADO: não autorizado pelo seu saber e credenciado pelas instituições

Professor organizado para a

classe

para

Professor organização para a

instituição

Professor organizado para a

classe

Professor organizado para a instituição

COISIFI-CADO 01. Caxias 02. Caxias 03. Tarefeiro 04. Tarefeiro

INOVADOR 05. Líder 06. Líder 07. Esforçado 08. Esforçado

MATÃO 09. Oportunista 10. Oportunista 11. Adulador 12. AduladorTEATRA-LIZADOR 13. Desorientado 14. Desorientado 15. Perdido 16. Perdido

Não-identificado 17. Deslocado 18. Deslocado 19. Penetra 20. Penetra

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A lista completa é a seguinte:

01 - Caxias profissionalizado e organizado para a classe.02 - Caxias profissionalizado e organizado para a instituição.03 - Tarefeiro não-profissionalizado e organizado para a classe.04 - Tarefeiro não-profissionalizado e organizado para a instituição.05 - Líder profissionalizado e organizado para a classe. 06 - Líder profissionalizado e organizado para a instituição.

07 - Esforçado não-profissionalizado e organizado para a classe.08 - Esforçado não-profissionalizado e organizado para a instituição.09 - Oportunista profissionalizado e organizado para a classe.10 - Oportunista profissionalizado e organizado para a instituição.11 - Adulador não-profissionalizado e organizado para a classe. 12 - Adulador não-profissionalizado e organizado para a instituição. 13 - Desorientado profissionalizado e orientado para a classe.14 - Desorientado profissionalizado e orientado para a instituição.15 - Perdido não-profissionalizado e orientado para a classe. 16 - Perdido não-profissionalizado e orientado para a instituição. 17 - Deslocado profissionalizado e orientado para a classe. 18 - Deslocado e profissionalizado e orientado para a instituição.19 - Penetra não-profissionalizado e orientado para a classe. 20 - Penetra não-profissionalizado e orientado para a instituição.

Analisemos agora o que se passa com cada um desses papéis, em termos gerais.

CAXIAS: É o professor coisificado e profissionalizado. É de boa índole para ser um bom profissional. Em geral, ficará do lado da instituição porque as mudanças lhe provocam muita angústia. Quando adere à classe vai até o fim, pois costuma ser coerente consigo próprio.

TAREFEIRO: Professor coisificado e não profissionalizado. Não tem aonde cair morto. Se perder o emprego, não sabe o que fazer. As mudanças não o angustiam tanto, angustia-o o temor de não mais encontrar o emprego que tem. Em geral, está do lado da instituição, pois, é ela que lhe garante o emprego; se passa para o lado da classe, é porque está garantido na instituição, ou porque espera garantir-se nela. Estará sempre do lado do mais forte, dependendo da situação.

LÍDER: Professor inovador e profissionalizado. Tem saber e pode fazer uso do seu saber. Sabe lidar com os alunos, professores, pais, direção e instituição. Em geral, está do lado da classe, pois, é um reflexo dela. Se fica do lado da instituição é porque ambiciona institucionalizar sua liderança, tornando-se diretor, ou obter cargos de direção.

ESFORÇADO: Professor inovador, mas, não profissionalizado. Sente-se dependente devido a não possuir saber, por isso, em geral se aninha na instituição para se proteger e se amparar. Costuma ter sucesso afiliando-se a direções maternais.

OPORTUNISTA: Professor matão e profissionalizado. Entra em tudo para tirar partido. É como o compadre, sócio da firma que diz: "Enquanto a firma der lucro, o problema é nosso; mas se der problemas, o galho é teu... " É um professor errático; ora está com a classe, ora com a instituição, mas sempre do lado dele próprio. Tem muito sucesso na "política" convencional.

ADULADOR: Professor matão e não profissionalizado. Como não tem saber, quer sempre se garantir para qualquer possível mudança na instituição. Costuma ter sucesso junto a direções afetivamente carentes e inclinadas à vaidade. Em geral, está do lado da instituição, onde faz como o balde no poço: para se encher, desce o mais que pode.

DESORIENTADO: Professor teatralizador e profissionalizado. É um professor inovador apressado. Não é o processo de mudança que o deixa angustiado, mas a angústia que o leva a inovar e a entrar nos processos de mudança. Na sua pressa, bota os pés pelas mãos, às vezes se rala e pode ficar sozinho. É um líder adolescente. A instituição o acha infantil.

PERDIDO: Professor teatralizador não profissionalizado. Como tem pouco saber e é apressado, nem a classe nem a instituição o levam a sério. Vive extremamente angustiado: a angústia o leva a inovar e as inovações o enchem de mais angústia e assim por diante.

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DESLOCADO: Professor não identificado e profissionalizado. É sempre uma interrogação. Um coringa, tanto para a classe como para a instituição.

PENETRA: Professor não·identificado e não profissionalizado. É um desligado e está por fora de tudo. Não aposta em nada. Não se mete nos problemas da instituição, muito menos da classe. Para ele o magistério é um sacerdócio que faz nas horas vagas, quando deixa os afazeres domésticos, ou outras atividades mais importantes, para se dedicar ao ensino e obter um pequeno salário a mais.

Esta classificação é apenas uma sugestão para se avaliar os papéis encontrados e representados pelos professores, às vezes, temporariamente, às vezes, duradouramente. A metodologia e análise aqui empregadas pode aprofundar e investigar outras variáveis, obedecendo ao princípio de que discriminar é dissolver a confusão e fazer aparecer a luz.

SECÇÃO 05: ALTERNATIVAS PARA OS PROFESSORES EM LUTA PELA BUSCA E CONQUISTA DE IDENTIDADE, DIGNIDADE, VALOR E RECONHECIMENTO SOCIAL, PROFISSIONAL E PESSOAL.

As alternativas se impõem por si sós, já que o poder dos professores, como vimos, apresenta dois aspectos: Saber e Organização.

Primeira alternativa: Que fazer para que os professores conquistem mais saber e sejam capazes de revolucionar a escola de rendimento para uma escola de pensamento? Que fazer para que o professor abandone o velho e infecundo papel de transmitidor de conhecimentos ou de informador para abraçar SUA real vocação de pensador, desafiador e pessoa capaz de desafiar e capaz de fazer pensar? Que fazer para que o professor se liberte desta ridícula função de treinador, ou de banco-de-dados-bem-atualizado ou ainda prestador de serviços tipo tarefeiro para se tornar um professor criativo, desafiador e verdadeiro agente de pensamento junto aos alunos?

Segunda alternativa: Que fazer para que os professores se organizem, fortaleçam, sua classe e façam dela um fim em relação à instituição, a qual deve ser um dos melhores meios para beneficiar a classe, aos alunos e à sociedade? Que fazer para que os professores saibam se fazer representar politicamente?

Terceira alternativa: Que fazer para que os professores ativem as Associações de Pais e Mestres, Escolas de Pais, Cursos aos Pais de Alunos?

Quarta alternativa: Que fazer para que o povo vibre mais pela educação do que pelo futebol alienador, pela novela chantagista, por todos estes escapismos que simploriamente chamamos de alienação?

Quinta alternativa: Que fazer com o modelo de Escola e com as propostas didáticas dos currículos preparadas para a classe da elite e, que não serve para a maioria das nossas crianças brasileiras?

Sexta alternativa: Que fazer com esta atitude piegas e sabotadora, atitude que já deu tanto prestígio a muitos adultos, atitude que teima em afirmar que no Brasil há um grave problema do menor? Este embuste precisa ser desmistificado. Se há o problema do menor é porque o problema do maior é bem mais escandaloso. Os menores s]ao os alunos. Os maiores são os professores.

Sétima alternativa; Que fazer para que os professores intercambiem com outros profissionais? É junto aos psicólogos comprometidos com a escola de pensamento que a classe dos professores pode encontrar toda uma nova linha de ação para o ensino-aprendizagem em sala de aula. É junto aos psicanalistas, aqueles psicanalistas que não tratam os leigos como débeis mentais, mas psicanalistas que abrem as comportas desta poderosa disciplina científica que é a psicanálise - que os professores encontrarão os princípios de como lidar com a afetividade dos alunos em sala de aula e no processo da aprendizagem que desperta reações agradáveis ou desagradáveis nestes mesmos alunos.

Oitava alternativa: Que fazer para que o professor integre à consciência do dever à consciência de classe, que é geradora de novas consciências capazes de viver em estado de consciência crítica?

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