O PROFESSOR DE GEOGRAFIA: SABERES E...
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O PROFESSOR DE GEOGRAFIA: SABERES E IDENTIDADE
Claudivan Sanches Lopes Professor do departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Estadual de Maringá [email protected]
INTRODUÇÃO
Apresentamos, neste trabalho, resultados parciais da pesquisa institucional
intitulada: “A formação do professor de Geografia na Universidade Estadual de
Maringá: o estágio supervisionado e as estratégias formativas”. Orientados por uma
abordagem qualitativa de nosso objeto de estudo (BAUER; GASKELL, 2002;
CHIZZOTTI, 2003), o objetivo da investigação é analisar a construção da
profissionalidade docente ao longo do processo formativo do futuro professor de
Geografia na Universidade Estadual de Maringá, tendo como foco principal de análise,
as atividades desenvolvidas durante o estágio supervisionado. Neste contexto a pergunta
que orienta esse texto é: o que os professores de Geografia devem saber para bem
exercer o seu ofício? Partindo do conceito de profissionalidade, buscamos identificar e
descrever os saberes de base para o exercício da docência em Geografia. Discutimos,
assim, os possíveis significados de ser professor, de modo geral e, particularmente, de
ser professor de Geografia em nosso tempo.
A PROFISSIONALIDADE DO PROFESSOR DE GEOGRAFIA
A profissionalidade consiste em um conjunto de características mais ou
menos formalizadas de uma profissão em uma época determinada. É a expressão da
atuação prática, o específico de ser professor, a base para a construção da profissão.
(Gauthier, 2006; SACRISTÁN, 1995). Pensar, portanto, o conteúdo da
profissionalidade do professor de Geografia é pensar nos conteúdos essenciais de sua
formação e atuação profissional é, em outras palavras, responder a seguinte questão: O
que o professor de Geografia deve saber para dominar seu ofício?
A resposta para essa pergunta requer, entretanto, que antes nos detenhamos
na elucidação da função mais específica que a Geografia desempenha, ou deveria
desempenhar, no currículo escolar. Qual seria, então, a função específica que o
professor de Geografia deve desempenhar na concretização do currículo escolar? Sua
função mais específica é, considerando o nível de desenvolvimento cognitivo de seus
alunos, organizar práticas de educação geográficas que possibilitem ao educando
desenvolver raciocínios espaciais visando à construção de uma determinada
consciência geográfica, ou um olhar geográfico sobre o mundo. A Geografia se
ocupa de estudar o espaço geográfico e quer desenvolver nos indivíduos o raciocínio
geográfico. Este [o raciocínio geográfico] refere-se à capacidade cognitiva de
compreender como as diversas sociedades organizam o seu espaço e, por outro, mas
inseparavelmente, as implicações dos diversos arranjos espaciais na vida social e, em
particular, na vida pessoal de seus membros. Em outros termos, como os diversos
arranjos espaciais que compõem o território influenciam e até qualificam o dia a dia dos
seres humanos. (SANTOS, 1993).
Estudar geograficamente o mundo é, deste modo, um exercício cognitivo
muito relevante que supõe o deslindamento da lógica que rege a realidade social por
intermédio da observação e do estudo metódico do espaço. Temos aqui a especificidade
da Geografia no campo das ciências e das disciplinas escolares. Assim, pelo uso
combinado de conceitos (paisagem, lugar, território, região, etc.) e de procedimentos
(localização, representação, descrição, observação, analogias etc.) utilizados pela
Geografia o professor – considerando seu objeto de estudo, o espaço geográfico –,
favorece ao aluno a compreensão do mundo em perspectiva geográfica.
Contra o argumento, frequentemente utilizado para valorizar seu estudo e
pesquisa que afirma que “tudo é Geografia", poderíamos dizer, Não! É o professor que,
ao desenvolver seu conhecimento pedagógico geográfico, esse seu especial saber,
oportuniza aos alunos ver o sentido geográfico de tudo. Como observa Cavalcanti
(2006, p. 34, grifos nossos):
Na relação cognitiva de crianças, jovens e adultos com o mundo, o raciocínio espacial é necessário, pois as práticas sociais cotidianas têm uma dimensão espacial. Os alunos que estudam essa disciplina já possuem conhecimentos nessa área oriundos de sua relação direta e cotidiana com o espaço vivido. Sendo assim, o trabalho de educação
geográfica é o de ajudar os alunos a analisarem esses conhecimentos, a desenvolverem modos do pensamento geográfico, a internalizarem métodos e procedimentos de captar a realidade, a vivida e a ‘apresentada’ pela Geografia escolar, tendo consciência de sua espacialidade. Esse modo de pensar geográfico é importante para a realização de práticas sociais variadas, já que essas práticas são sempre práticas socioespaciais.
Para desenvolver o raciocínio Geográfico e gradativamente desenvolver certa
consciência geográfica do mundo é preciso “treinar” o olhar, ou seja, instrumentalizar
teoricamente o olhar. A título de breve exercício, apresentamos a seguir três artefatos
culturais que não foram produzidos por geógrafos, mas que podem ser analisados a
partir dos referenciais teóricos da Geografia. Tais artefatos podem “nas mãos de um
professor”, transformar-se em recursos didáticos. O primeiro, como veremos, refere-se a
um poema de Carlos Drummond de Andrade, o segundo uma sequência de fotografias
em um mesmo lugar em distintos momentos do ano e o terceiro a um anúncio
publicitário da estatal Petrobrás, quando da abertura de seu escritório na China em 2004.
A RUA DIFERENTE
Na minha rua estão cortando árvores botando trilhos construindo casas.
Minha rua acordou mudada, os vizinhos não se conformam.
Eles não sabem que a vida em dessas exigências brutas.
Só minha filha goza o espetáculo e se diverte com os andaimes,
à luz da solda autógena e o cimento escorrendo nas formas.
(Andrade, Carlos Drummond de. Sentimentos do mundo. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 28.)
Como podemos observar o autor descreve poeticamente uma situação que
ocorre em maior ou menor intensidade, diariamente, em diversas cidades do Brasil e do
mundo. Trata-se do processo de modificação das formas que compõe a paisagem urbana
e a transformação dos lugares. As transformações espaciais provocam, não raramente,
conflitos. Deste modo, sempre que a paisagem se transforma há manifestações de
alegria de alguns e de tristeza de outros
para alguns e prejuízos para outros. É
daquilo que se pode depreender dos versos do grande poeta,
transformação da paisagem ocorrem quase sempre por ações
frequentemente, geram polêmicas.
Figura 1: As estações do
Podemos observar nessa sequência de fotografias
em consultórios médicos, espaços comerciais
estações do ano, típicas das área
observação e descrição das fotografias podem ser um ponto
a análise, como já dissemos
paisagem e, de modo geral,
diversas práticas humanas.
empre que a paisagem se transforma há manifestações de
tristeza de outros. Não raramente, acarreta lucros econômicos
para alguns e prejuízos para outros. É fundamental, portanto, compreender
daquilo que se pode depreender dos versos do grande poeta, que os processos de
transformação da paisagem ocorrem quase sempre por ações
polêmicas. São fontes, portanto, potenciais de lutas e conflitos.
Figura 1: As estações do ano e seus impactos na paisagem
Fonte: http://www.colegioweb.com.br
observar nessa sequência de fotografias – que podem ser
em consultórios médicos, espaços comerciais e até em residências –
típicas das áreas temperadas do globo, na vegetação ou na paisagem. A
das fotografias podem ser um ponto de partida i
dissemos dos impactos das estações do ano na configuração da
paisagem e, de modo geral, e da influência das estações do ano na organização de
diversas práticas humanas.
empre que a paisagem se transforma há manifestações de
. Não raramente, acarreta lucros econômicos
fundamental, portanto, compreender, para além
que os processos de
intencionais e,
enciais de lutas e conflitos.
que podem ser encontrados
os impactos das
na vegetação ou na paisagem. A
interessante para
os impactos das estações do ano na configuração da
a organização de
Figura
Fonte: http://feijoadacompleta.blogspot.com.br/2007/09/e
Do mesmo modo, o anúncio
para a empresa Petrobrás
mundialização da economia, a intensificação do comércio entre o Brasil e a China e
seus reflexos em ambos os países.
Para que o alun
gradativamente, certa consciência geográfica
necessário que, primeiro, esse processo ocorra no professor, ou seja, é preciso que o
professor disponha dos meios para realizá
si mesmo, o professor domine um
Vislumbramos, desta forma,
docente: o domínio de um conhecimento transformado e
ensinado.
Voltamos, deste modo
professores devem saber para dominar seu ofício?
denominadas de saberes docente
Shulman (2005), os conhecimentos necessários à docência
base – são os seguintes:
Figura 2: O Brasil e a China acabam de ficar mais próximos.http://feijoadacompleta.blogspot.com.br/2007/09/e-por-falar-em-petrobrs.html
Do mesmo modo, o anúncio publicitário criado pela agência Quê, em 2004,
Petrobrás, permite que se analise, considerando o processo de
mundialização da economia, a intensificação do comércio entre o Brasil e a China e
seus reflexos em ambos os países.
Para que o aluno possa exercitar o raciocínio espacial e alcançar,
gradativamente, certa consciência geográfica – uma educação geográfica
necessário que, primeiro, esse processo ocorra no professor, ou seja, é preciso que o
professor disponha dos meios para realizá-la. É forçoso que, para além do conteúdo em
si mesmo, o professor domine um conhecimento geográfico para ensinar
Vislumbramos, desta forma, o saber especial ou distintivo da atividade profissional
o domínio de um conhecimento transformado e “preparado” para ser
deste modo, à pergunta que orienta este texto: o
professores devem saber para dominar seu ofício? Considerando as pesquisas
saberes docentes e, particularmente os aportes teóricos formulados por
), os conhecimentos necessários à docência – seus conhecimentos de
China acabam de ficar mais próximos.
petrobrs.html
criado pela agência Quê, em 2004,
permite que se analise, considerando o processo de
mundialização da economia, a intensificação do comércio entre o Brasil e a China e
o possa exercitar o raciocínio espacial e alcançar,
educação geográfica –, é
necessário que, primeiro, esse processo ocorra no professor, ou seja, é preciso que o
É forçoso que, para além do conteúdo em
conhecimento geográfico para ensinar.
o saber especial ou distintivo da atividade profissional
“preparado” para ser
pergunta que orienta este texto: o que os
Considerando as pesquisas
, particularmente os aportes teóricos formulados por
seus conhecimentos de
� Conhecimento do conteúdo a ser ensinado: refere-se ao conhecimento da
disciplina na qual o professor é um especialista (Geografia, História,
Matemática, etc.);
� Conhecimento pedagógico geral: refere-se, especialmente, àqueles princípios e
estratégias gerais de manejo e organização da aula que transcendem o âmbito da
disciplina;
� Conhecimento do currículo: trata-se de um especial domínio dos materiais e
dos programas que servem como “ferramentas para o ofício” do docente;
� Conhecimento pedagógico do conteúdo: trata-se do especial amálgama entre
matéria e pedagogia que constitui uma esfera exclusiva dos professores, sua
forma própria e especial de compreensão profissional;
� Conhecimento dos alunos e de suas características;
� Conhecimento dos contextos educativos: abarca desde o funcionamento do
grupo ou da aula, a gestão e o financiamento dos distritos escolares, até o caráter
das comunidades e culturas;
� Conhecimento dos objetivos, das finalidades e dos valores educativos e de seus
fundamentos filosóficos e históricos.
Sintetizando a lista de saberes formulada por Shulman (2005) e
considerando as especificidades do ensino de Geografia1, podemos representar o corpo
de conhecimentos implicados na organização de práticas de educação geográficas do
seguinte modo:
1 Para nós, deste modo, o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (*CPC) pode ser denominado de Conhecimento Pedagógico Geográfico (CPG). Não se trata, evidentemente, de uma nova categoria de conhecimento docente, mas de uma adaptação às especificidades deste trabalho.
Figura 3: Conhecimentos implicados na organização de práticas de educação geográficas
Fonte:
O Conhecimento disciplinar geográfico e de disciplinas afins
conhecimento das estruturas do conhecimento geográfico, de seus principais conceitos e
temas, dos procedimentos de pesquisa, de suas especificidades, de suas relações com
outras ciências e, ainda, de seus propósitos no currículo escolar. São adquiridos pelo
estudo e análise crítica da produção científica formal na área e de documentos oficiais
disponíveis na formação inicial e continuada.
O Conhecimento pedagógico geral
pelas ciências da educação, fundamentos e valores
o domínio de um campo disciplinar, adquiridos, semelhantemente ao conhecimento
disciplinar, pelo contato e exame crítico com a/da literatura especializada.
O Conhecimento do contexto da ação educativa
das características dos alunos e do contexto sociogeográfico em que desenvolve seu
trabalho: comunidade escolar, bairro, cidade, estado, país
experiências geográficas –
adquirido pelo contato com a literatura especializada e pelo exame do contexto onde
realiza seu trabalho (LOPES, 201
Para o autor, o
Conhecimento Pedagógico Geográfico (CPG)
porque identifica os corpos de conhecimentos distintivos para o ensino. É essa categoria
que permite, com maior probabilidade, distinguir o conhecimento do especialista da
* Conhecimento Pedagógico Geográfico
Conhecimentos implicados na organização de práticas de educação geográficasFonte: LOPES, (2010); LOPES; PONTUSCHKA, (2011).
onhecimento disciplinar geográfico e de disciplinas afins
estruturas do conhecimento geográfico, de seus principais conceitos e
temas, dos procedimentos de pesquisa, de suas especificidades, de suas relações com
outras ciências e, ainda, de seus propósitos no currículo escolar. São adquiridos pelo
e crítica da produção científica formal na área e de documentos oficiais
disponíveis na formação inicial e continuada.
Conhecimento pedagógico geral envolve os conhecimentos produzidos
pelas ciências da educação, fundamentos e valores éticos da educação, que transcendem
o domínio de um campo disciplinar, adquiridos, semelhantemente ao conhecimento
disciplinar, pelo contato e exame crítico com a/da literatura especializada.
onhecimento do contexto da ação educativa refere-se ao conhecimento
das características dos alunos e do contexto sociogeográfico em que desenvolve seu
trabalho: comunidade escolar, bairro, cidade, estado, país – de suas vivências e
em sua necessária interdependência com o espaço global. É
adquirido pelo contato com a literatura especializada e pelo exame do contexto onde
(LOPES, 2010; LOPES; PONTUSCHKA, 2011).
Para o autor, o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo
Conhecimento Pedagógico Geográfico (CPG), é possuidor de um valor particular,
porque identifica os corpos de conhecimentos distintivos para o ensino. É essa categoria
que permite, com maior probabilidade, distinguir o conhecimento do especialista da
* Conhecimento Pedagógico Geográfico
Conhecimentos implicados na organização de práticas de educação geográficas
2011).
onhecimento disciplinar geográfico e de disciplinas afins: refere-se ao
estruturas do conhecimento geográfico, de seus principais conceitos e
temas, dos procedimentos de pesquisa, de suas especificidades, de suas relações com
outras ciências e, ainda, de seus propósitos no currículo escolar. São adquiridos pelo
e crítica da produção científica formal na área e de documentos oficiais
nvolve os conhecimentos produzidos
éticos da educação, que transcendem
o domínio de um campo disciplinar, adquiridos, semelhantemente ao conhecimento
disciplinar, pelo contato e exame crítico com a/da literatura especializada.
se ao conhecimento
das características dos alunos e do contexto sociogeográfico em que desenvolve seu
de suas vivências e
o espaço global. É
adquirido pelo contato com a literatura especializada e pelo exame do contexto onde
(CPC), para nós
é possuidor de um valor particular,
porque identifica os corpos de conhecimentos distintivos para o ensino. É essa categoria
que permite, com maior probabilidade, distinguir o conhecimento do especialista da
matéria do pedagogo. O CPC “[…] representa la mezcla entre materia y didáctica por la
que se llega a una comprensión de cómo determinados temas e problemas se organizan,
se representan y se adaptan a los diversos intereses y capacidades de los alumnos, y se
exponen para su enseñanza” (SHULMAN, 2005, p. 11). Deste modo,
[...] la clave para distinguir el conocimiento base para la enseñanza está en la intersección de la materia y la didáctica, en la capacidad de un docente para transformar su conocimiento de la materia en formas que sean didácticamente impactantes y aun así adaptables a la variedad que presentan sus alumnos en cuanto a habilidades y bagajes. (SHULMAN, 2005b, p. 21).
Neste contexto, o CPG se apresenta como um conceito que permite superar a
artificialidade da união (em uma síntese conceitualmente incorporadora) entre
conhecimento geográfico e conhecimento pedagógico na formação inicial e continuada
de professores, tão insistentemente discutida pelos pesquisados da área do ensino de
Geografia. É uma ferramenta teórica importante para se compreender o ato docente. É o
ato docente que integra ou deve integrar organicamente, considerando um determinado
contexto, conhecimentos disciplinares e conhecimentos pedagógicos. Trata-se de uma
perspectiva teórica que amplia, consideravelmente, a possibilidade de o
estudante/professor pensar sua atual/futura formação como um processo contínuo de, no
interior do currículo escolar, aprender a organizar práticas de educação geográficas
significativas.
Ressaltamos, portanto, que o CPG é uma categoria que incorpora, pela
projeção dialética de um aspecto sobre o outro, os dois tipos de conhecimento postos na
base da formação deste professor: o conhecimento geográfico e o conhecimento
pedagógico. Apresenta-se como uma síntese conceitualmente incorporadora que pode
contribuir para a análise e uma possível superação da formação dicotomizada
fortemente criticada em nossos dias.
Com efeito, além de ser um especialista na matéria que ensina, é preciso que
o professor de Geografia seja um especialista na didática desta disciplina2, ou seja, que
ele seja capaz de, considerando o potencial educativo da matéria que ministra, o
contexto em que atua e as características dos alunos, ensinar esse conteúdo que sabe e
domina. Em definitivo, é esse aspecto que distingue, sem hierarquia de importância, o
geógrafo bacharel do professor de Geografia: a posse de um conhecimento para
ensinar, ou como diz Monteiro (2002a; 2002b) de um “conhecimento pedagogizado3”.
Não negamos, evidentemente, a necessidade do trabalho interdisciplinar, ao
contrário, consideramos essa postura essencial. Defendemos, entretanto, que o trabalho
interdisciplinar ou diálogo interdisciplinar, tão necessário para a plena consecução do
currículo escolar pressupõe, em cada área, uma sólida e abrangente formação
disciplinar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os saberes de base da atividade docente comporta, evidentemente, em
qualquer área do currículo escolar, uma gama de conteúdos que extrapolam amplamente
a área mais específica como a qual o futuro professor pretende trabalhar. O rol de
saberes, a base de conhecimentos, dos professores tem, assim, certamente, uma base
comum e compartilhada pelo coletivo dos professores. Mas, considerando as
especificidades das disciplinas, é necessário dizer que ser professor é ser professor de
alguma coisa. Ou seja, somos professores de Geografia, de Matemática, de História,
etc.
2 Como afirma Moniot (apud MONTEIRO, 2002a p. 80), referindo-se à disciplina de História, “[...] a
didática de uma disciplina não é alguma coisa que vem antes dela, a mais ou ao lado, para lhe dar uma espécie de suplemento pedagógico útil [...] a didática se ocupa de racionalizar, de muito perto, o ensino. Ela envolve as operações que se realizam quando se aprende uma disciplina, a serviço da aprendizagem, para melhor focalizar e dominar os problemas que se apresentam quando se ensina: em suma o ofício de ensinar tanto quanto seja possível com conhecimento de causa”. 3 Vale lembrar que o ato (próprio do professor) de pedagogizar (pedagogização) o conteúdo ou a matéria a ser ensinada não significa adotar uma postura pedagogizante (pedagogismo) frente a este. Enquanto o primeiro procura adequar conteúdo e forma, tornando-o compreensível ao aluno, o segundo, supervalorizando a forma, tende a esvaziar o significado do conteúdo.
Assim, é mister que ao longo da graduação ou da formação inicial aconteça
ou deva acontecer um processo de apropriação crítica de uma determinada tradição
científica e escolar. Ou seja, o aluno em formação deve se apropriar, gradativamente e
em níveis de sistematização cada vez mais elevados, da história de sua disciplina, de
seus grandes temas e preocupações, bem como dos modos próprios de se fazer
geografia, e, suma, deve dominar profundamante o aparato teórico e metodológico que
o acompanha. Ao efetivar esse processo de apropriação, o indivíduo se torna um
guardião desse tesouro comum que se chama de tradição disciplinar e é, ao mesmo
tempo, convidado a transmiti-la e renová-la. Essa área do currículo escolar deve ser,
portanto, recriada continuamente e legitimada/validada histórica e socialmente. A cada
tempo os professores são chamados, destarte, a destacarem as razões de suas práticas,
ou, dito de outro modo, explicitarem os motivos de sua presença no currículo escolar.
A Transmissão/ renovação dessa tradição pressupõe respeito ao passado e
uma predisposição, à luz do presente, de empenho na recriação de práticas, valores,
metodologias, exercícios e atividades que as compõem e as identificam. A ruptura
irrefletida com o passado pode resultar na perda, portanto, de sua identidade.
A necessidade do cultivo da criatividade, qualidade tão desejada a
professores e aos indivíduos de maneira geral de nosso tempo, só pode brotar no solo de
uma tradição. Sem a devida incorporação dos elos da tradição a inovação pode ser
superficial, passageira e falaciosa, vazia de conteúdo e fadada ao fracasso. Toda
inovação é, portanto, legitimada por uma determinada comunidade disciplinar, por um
grupo que renova e protege a tradição.
Cada disciplina escolar possui, com assevera Chervel (1990), uma
vulgata, os exercícios-tipo, procedimentos de avaliação e práticas de avaliação. É
necessário que o futuro professor se aproprie desse conjunto de características para que,
na sua devida relação com a ciência de referência, possa, com fluência, desenvolver seu
trabalho. Os professores carregam, assim, a memória de sua atividade profissional. A
cultura e a História de sua disciplina.
Referências
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