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FACULDADE MERIDIONAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU EM ARQUITETURA E URBANISMO MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO Bruna Dal Agnol O PROCESSO DE FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DAS CIDADES DE SERAFINA CORRÊA, CASCA, E DO DISTRITO DE EVANGELISTA – RS: PAISAGEM, IDENTIDADE E PERCEPÇÃO Passo Fundo 2018

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FACULDADE MERIDIONAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU EM ARQUITETURA E

URBANISMO MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Bruna Dal Agnol

O PROCESSO DE FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DAS CIDADES DE SERAFINA CORRÊA, CASCA, E DO DISTRITO

DE EVANGELISTA – RS: PAISAGEM, IDENTIDADE E PERCEPÇÃO

Passo Fundo

2018

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Bruna Dal Agnol

O PROCESSO DE FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DAS CIDADES DE SERAFINA CORRÊA, CASCA, E DO DISTRITO

DE EVANGELISTA – RS: PAISAGEM, IDENTIDADE E PERCEPÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Meridional, na área de concentração Projeto de Arquitetura e Urbanismo, para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação da Profa. Dra. Caliane Christie Oliveira de Almeida.

Passo Fundo

2018

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CIP – Catalogação na Publicação D136p Dal Agnol, Bruna

O processo de formação e transformação das cidades de Serafina Corrêa, Casca, e do Distrito de Evangelista-RS : paisagem, identidade e percepção / Bruna Dal Agnol. – 2018.

216 f.: il.; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade IMED,

Passo Fundo, 2018. Orientador: Profa. Dra. Caliane Christie Oliveira de Almeida. 1. Paisagem urbana – Rio Grande do Sul. 2. Migração italiana. 3.

Arquitetura histórica. I. ALMEIDA, Caliane Christie Olibeira de, orientadora. II. Título.

CDU: 711.4

Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857

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“Vendo aquelas casas, aquelas igrejas,

de surpresa em surpresa, a gente como

que se encontra, fica contente, feliz e se

lembra das coisas esquecidas, de coisas

que nunca soube, mas que estavam lá

dentro de nós…”

(COSTA, 1995, p.15)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais por serem minha base, meu suporte. Agradeço também

pela companhia nas pesquisas de campo, tornando esse processo mais simples e descomplicado.

Ao Luan, meu amor, meu amigo, meu parceiro. Agradeço por ser conforto nas horas difíceis,

pela paciência na convivência diária durante esses dois anos e pelas palavras de apoio e de

afeto.

À minha orientadora, professora Caliane C. O. Almeida, pelo incentivo, pela confiança e,

principalmente, por ser minha guia nessa caminhada.

Aos colegas do PPGARQ-IMED, em especial à Paola Pol Saraiva, ao Juliano Lima da Silva e

ao Maurício Kunz, pelo companheirismo e apoio mútuo.

Aos meus colegas de trabalho na Secretaria da Habitação da Prefeitura de Passo Fundo, pela

compreensão nos ajustes semanais no horário de trabalho, para que eu pudesse conciliar o

trabalho na secretaria à pesquisa acadêmica.

Aos meus amigos, por compreenderem a minha ausência e por apoiarem a minha escolha.

Ao Sr. Marciano Giuriatti, ao Dr. Renato Peccin e à Sra. Arlinda Pinzetta, pela colaboração e

pelo interesse em auxiliar nesta pesquisa.

A todos os entrevistados, por compartilharem comigo as suas memórias e a sua vivência.

Ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da Faculdade

Meridional (IMED).

Ao Programa PROSUP-CAPES pelo auxílio financeiro que possibilitou esta pesquisa.

A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho, muito

obrigada!

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Dalla italia noi siamo partiti Siamo partiti col nostro onore Trentasei giorni di macchina e vapore, e nella Merica noi siamo arriva'. Merica, Merica, Merica, cossa saràlo 'sta Merica? Merica, Merica, Merica, un bel mazzolino di fior. E alla Merica noi siamo arrivati no' abbiam trovato nè paglia e nè fieno Abbiam dormito sul nudo terreno come le bestie andiam riposar. Merica, Merica, Merica, cossa saràlo 'sta Merica? Merica, Merica, Merica, un bel mazzolino di fior. E la Merica l'è lunga e l'è larga, l'è circondata dai monti e dai piani, e con la industria dei nostri italiani abbiam formato paesi e città.

(La América, canção escrita no dialeto talian pelo imigrante italiano Angelo Giusti, morador da antiga Colônia Caxias, RS)

Da Itália nós partimos Partimos com nossa honra Trinta e seis dias de máquina e navio, e na América chegamos. América, América, América, o que será esta América? América, América, América, um belo ramalhete de flores. E na América chegamos não encontramos nem palha e nem feno Nós dormimos no solo nu como os animais repousamos. América, América, América, o que será esta América? América, América, América, um belo ramalhete de flores.

E a América é grande, é rodeada por montes e planícies, e com o trabalho dos nossos italianos formamos vilas e cidades.

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RESUMO

Por meio deste estudo, propõe-se reconhecer o valor patrimonial e de identidade da paisagem

da região Nordeste do Rio Grande do Sul, marcada pelos fluxos migratórios de italianos e seus

descendentes durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX.

O estudo foi realizado nas cidades de Serafina Corrêa e de Casca, bem como no núcleo do

distrito de Evangelista, localizado na área rural de Casca. Na compreensão da paisagem como

elemento participante na construção e no fortalecimento da identidade, estudou-se o processo

de formação e transformação da paisagem objeto de estudo e como esta é percebida pelos seus

usuários.

Para tanto, foram consideradas quatro variáveis: as informações acerca do patrimônio cultural,

das construções identitárias e da imigração italiana no Brasil, bem como sobre o processo de

conformação da paisagem dos objetos de estudo, angariados na revisão bibliográfica; os dados

oficiais (documentos oficiais, leis, decretos, etc.) referentes ao processo de formação e

transformação das localidades e aos instrumentos de proteção do patrimônio, principalmente;

as informações levantadas in loco sobre as características e as transformações socioespaciais

que ocorrem na paisagem; e a percepção dos habitantes e visitantes das localidades em questão,

na compreensão da sua relação com a paisagem.

As análises realizadas demonstraram que a forma urbana das três localidades está intimamente

ligada ao processo de formação e de colonização de imigrantes italianos na região.

Demonstraram, ainda, que a sua paisagem revela as raízes e os costumes de sua gente, bem

como o processo de produção da vida e do trabalho. Entretanto, verificou-se que as

transformações socioespaciais que ocorrem na paisagem acabam por alterar a imagem e a

memória coletiva das cidades. Assim, buscando a valorização e salvaguarda dessa paisagem,

este estudo propôs uma metodologia de inventário, cuja formulação de diretrizes e definição de

critérios para o registro da paisagem baseou-se na percepção dos usuários e nas especificidades

culturais da região Nordeste do Rio Grande do Sul.

Palavras-chave: Paisagem; Identidade; Percepção; Inventário; Migração italiana.

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ABSTRACT

Through this study, it is proposed to recognize the patrimonial value and identity of the

landscape of the Northeast region of Rio Grande do Sul, marked by the migratory flows of

Italians and their descendants during the last decades of the 19th century and the first decades

of the 20th century. The study was carried out in the cities of Serafina Corrêa and Casca, as

well as in the nucleus of Evangelista district, located in the rural area of Casca. In the

understanding of the landscape as a participant element in the construction and the

strengthening of the identity, the process of formation and transformation of the landscape

object of study was studied and how it is perceived by its users.

For this, four variables were considered: information on cultural heritage, identity constructions

and Italian immigration in Brazil, as well as on the process of conformation of the landscape of

the objects of study, collected in the bibliographic review; the official data (official documents,

laws, decrees, etc.) concerning the process of formation and transformation of localities and the

instruments of protection of the patrimony, mainly; the information collected in situ on the

characteristics and socio-spatial transformations occurring in the landscape; and the perception

of the inhabitants and visitors of the localities in question, in the understanding of their relation

with the landscape.

The analyzes showed that the urban form of the three localities is closely linked to the process

of formation and colonization of Italian immigrants in the region. They also demonstrated that

their landscape reveals the roots and customs of their people, as well as the process of producing

life and work. However, it has been verified that the socio-spatial transformations that occur in

the landscape end up altering the image and the collective memory of the cities. Thus, in order

to valorize and safeguard this landscape, this study proposed an inventory methodology, whose

formulation of guidelines and definition of criteria for landscape registration was based on the

perception of users and the cultural specificities of the Northeast region of Rio Grande do Sul.

Keywords: Cultural heritage; Landscape; Identity; Perception; Italian immigration.

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SOMMARIO

Attraverso questo studio, si propone di riconoscere il valore patrimoniale e l'identità del

paesaggio della regione nord-est del Rio Grande do Sul, segnato dai flussi migratori degli

italiani e dei loro discendenti durante gli ultimi decenni del 19° secolo e i primi decenni del 20°

secolo. Lo studio è stato condotto nelle città di Serafina Corrêa e Casca, nonché nel nucleo del

distretto di Evangelista, situato nella zona rurale di Casca. Nella comprensione del paesaggio

come elemento partecipante nella costruzione e nel rafforzamento dell'identità, è stato studiato

il processo di formazione e trasformazione dell'oggetto paesaggistico di studio e come viene

percepito dai suoi utenti.

Per questo sono state considerate quattro variabili: informazioni sul patrimonio culturale,

costruzioni di identità e immigrazione italiana in Brasile, nonché sul processo di conformazione

del paesaggio degli oggetti di studio, raccolti nella rassegna bibliografica; i dati ufficiali

(documenti ufficiali, leggi, decreti, ecc.) riguardanti il processo di formazione e trasformazione

delle località e gli strumenti di protezione del patrimonio, principalmente; le informazioni

raccolte localmente sulle caratteristiche e trasformazioni socio-spaziali che si verificano nel

paesaggio; e la percezione degli abitanti e dei visitatori delle località in questione, nella

comprensione della loro relazione con il paesaggio.

Le analisi hanno mostrato che la forma urbana delle tre località è strettamente legata al processo

di formazione e colonizzazione degli immigrati italiani nella regione. Hanno anche dimostrato

che il loro paesaggio rivela le radici e le abitudini della loro gente, così come il processo di

produzione della vita e del lavoro. Tuttavia, è stato verificato che le trasformazioni socio-

spaziali che si verificano nel paesaggio finiscono per alterare l'immagine e la memoria collettiva

delle città. Pertanto, al fine di valorizzare e salvaguardare questo paesaggio, questo studio ha

proposto una metodologia di inventario, la cui formulazione delle linee guida e la definizione

dei criteri per la registrazione del paesaggio si basavano sulla percezione degli utenti e sulle

specificità culturali della regione nord-est del Rio Grande do Sul.

Parole chiave: Beni culturali; Paesaggio; L'identità; Percezione; Immigrazione italiana.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Quadro 1: Mapas mentais levantados na pesquisa de campo, de acordo com o tipo de usuário. ................................................................................................................................. 29

Figura 2 – Quadro 2: Procedimento de análise dos mapas mentais. ........................................ 31

Figura 3– Síntese do procedimento de pesquisa. ...................................................................... 34

Figura 4 – Paisagem Cultural de Sintra, Portugal (Paisagem Claramente Definida). .............. 41

Figura 5 – Cidades do Deserto de Negav, Israel (Paisagem Relíquia). .................................... 41

Figura 6 – Cinque Terre, Itália (Paisagem Contínua). .............................................................. 41

Figura 7 – Parque Nacional Tongariro, Nova Zelândia (Paisagem Associativa). .................... 41

Figura 8 – Colônia têxtil da Bacia do rio Llobregat e sistema de colônias. ............................. 47

Figura 9 – Vista geral da cidade do Serro. ............................................................................... 48

Figura 10 – Quadro 3: Sistematização dos programas que fazem parte do Plano de revitalização da Paisagem Cultural do Serro, relacionando-os às dimensões abrangidas pelos respectivos programas. ................................................................................................................................ 50

Figura 11 – Mapa da ocupação das colônias de imigrantes italianos no Nordeste do Rio Grande do Sul. ....................................................................................................................................... 57

Figura 12 – Quadro 4: Região de Colonização Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul (RCI). .................................................................................................................................................. 57

Figura 13 – Organização em linhas e lotes coloniais na antiga Linha Serafina Corrêa, que pertencia à Colônia de Guaporé................................................................................................ 58

Figura 14 – Imigrantes italianos e alguns descendentes abrindo estrada à picão na Linha São Luís de Guaporé, colônia de Guaporé, s/d................................................................................ 61

Figura 15 – Carreteiros fazendo o transporte da produção agrícola, em São Luís de Guaporé, s/d. ............................................................................................................................................ 62

Figura 16 – Mapa do município de Guaporé, 1926.. ................................................................ 63

Figura 17 - Casa Franciosi, no distrito de Evangelista ............................................................. 65

Figura 18 – Primeira igreja do distrito São Luis de Guaporé (atual cidade de Casca), construída pelos imigrantes, s/d. ................................................................................................................ 68

Figura 19 – Mapa do município de Guaporé em 1926. ............................................................ 73

Figura 20 – Linha do tempo, com marcos da divisão político-administrativa do objeto de estudo. .................................................................................................................................................. 74

Figura 21 – Mapa de localização dos núcleos objeto de estudo. .............................................. 75

Figura 22 – Operários do Frigorífico Ideal em confraternização, 1946. .................................. 76

Figura 23 – Comemoração do dia da Etnia Italiana em escola infantil de Serafina Corrêa. .... 77

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Figura 24 – Fotografia do núcleo urbano de Casca em 1953 ................................................... 78

Figura 25 – Vista aérea da cidade de Casca. ............................................................................ 79

Figura 26 - Vista aérea da cidade de Serafina Corrêa. ............................................................. 79

Figura 27 - Vista aérea do núcleo distrital de Evangelista, Casca. ........................................... 80

Figura 28 - Igreja do núcleo do distrito de Evangelista ............................................................ 81

Figura 29 – Casarões de madeira atingidos por enchente, abril de 1956. ................................ 84

Figura 30 - Casa da família Palma, construída na primeira década do séc. XX. ...................... 85

Figura 31 - Casa da família Marcheze, construída na década de 1930. ................................... 85

Figura 32 – Á esquerda, mapa de Evangelista de 1936, com as edificações existentes na época pontuadas e, à direita, imagem de satélite de 2007. ................................................................. 86

Figura 33 – Armazém do antigo frigorífico, um dos poucos resquícios deixado pela agroindústria na paisagem da vila. ........................................................................................... 86

Figura 34 – Fábrica de móveis no distrito de Evangelista. ....................................................... 87

Figura 35 - Vista do núcleo do distrito de Evangelista ........................................................... 88

Figura 36 - Obras da residência de um jovem casal ao lado da casa dos pais. ......................... 91

Figura 37 – A relação entre o antigo e o novo na paisagem de Evangelista. ........................... 92

Figura 38 – Anúncio do Festipizza, em Serafina Corrêa .......................................................... 94

Figura 39 – Placa em frente à Prefeitura Municipal de Serafina Corrêa .................................. 94

Figura 40 – Centro de Gramado, RS, onde há a tentativa de reproduzir as paisagens urbanas dos Alpes europeus. ........................................................................................................................ 96

Figura 41 – Vista da região central de Serafina Corrêa. ........................................................... 97

Figura 42 – A Nave degli Imigranti. ........................................................................................ 98

Figura 43 – Projeto original da Via Gênova, de Rudimar Peccin. ........................................... 99

Figura 44 – Imagem de satélite do centro de Serafina Corrêa.................................................. 99

Figura 45 – “Réplicas” de monumentos italianos implantadas na Via Gênova. .................... 100

Figura 46 – Fotografia feita a partir do campanário da Igreja Matriz, mostrando a Av. Miguel Soccol, no final da década de 1950. Ao fundo da foto está o frigorífico Ideal. ..................... 102

Figura 47 – Avenida Miguel Soccol, durante um encontro de automóveis antigos em frente à praça da Igreja Matriz. ............................................................................................................ 103

Figura 48 – Casarão e Moinho da família Pulga .................................................................... 103

Figura 49 – Imagem comparando o entorno da Cantina Cervieri em duas épocas diferentes 104

Figura 50 – Quantificação da ocorrência dos elementos nos mapas mentais da cidade de Casca. ................................................................................................................................................ 107

Figura 51 – À esquerda a Igreja Matriz e à direita a Praça Independência (localizada em frente à igreja Matriz), os elementos mais lembrados pelos usuários............................................... 108

Figura 52 – Construção da Igreja São Luís de Casca, década de 1920. ................................. 109

Figura 53 – Casa Busato, na Rua Tiradentes, construída na primeira década do século XX. 109

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Figura 54 – Quadro 5: Categorização dos mapas mentais de Casca. ..................................... 110

Figura 55 – MAPA 02, simbólico, feito por uma moradora de 42 anos. ............................... 111

Figura 56 – MAPA 06, simbólico, feito por uma moradora de 14 anos. ............................... 111

Figura 57 – MAPA 12, simbólico, feito por um morador de 39 anos. ................................... 111

Figura 58 – MAPA 14, simbólico, feito por uma moradora de 59 anos. ............................... 111

Figura 59 – MAPA 08, simbólico, feito por uma moradora de 62 anos. ............................... 112

Figura 60 – MAPA 15, simbólico, feito por um ex-morador de 53 anos. .............................. 112

Figura 61 – MAPA 20, semiestruturado, feito por um visitante de 24 anos. ......................... 113

Figura 62 – MAPA 13, semiestruturado, feito por um morador de 73 anos. ......................... 113

Figura 63 – MAPA 18, semiestruturado, feito por um visitante de 38 anos. ......................... 114

Figura 64 – MAPA 01, semiestruturado, feito por uma visitante de 55 anos. ....................... 114

Figura 65 – MAPA 16, semiestruturado, feito por uma ex-moradora de 43 anos.................. 115

Figura 66 – MAPA 05, estruturado, feito por uma moradora de 52 anos .............................. 115

Figura 67 - Quantificação da ocorrência dos elementos nos mapas mentais do distrito de Evangelista. ............................................................................................................................ 115

Figura 68 – Casa da família Zamarqui. .................................................................................. 116

Figura 69 – Casa Franciosi, construída entre 1919 e 1920, localizada na Rua José de Alencar, no distrito de Evangelista. ...................................................................................................... 117

Figura 70 – Bomba de combustível da década de 1950 localizada em frente à casa da família Palma. ..................................................................................................................................... 118

Figura 71 – Quadro 6: Categorização dos mapas mentais do núcleo do distrito de Evangelista. ................................................................................................................................................ 118

Figura 72 – MAPA 07, simbólico, feito por um morador de 19 anos. ................................... 119

Figura 73 – MAPA 09, simbólico, feito por um morador de 32 anos. ................................... 119

Figura 74 – MAPA 02, simbólico, feito por um ex-morador de 54 anos. .............................. 120

Figura 75 – MAPA 03, semiestruturado, feito por uma ex-moradora de 44 anos.................. 121

Figura 76 – MAPA 10, estruturado, feito por um visitante de 56 anos. ................................. 121

Figura 77 – MAPA 05, estruturado, feito por um morador de 43 anos. ................................. 122

Figura 78 – MAPA 04, estruturado, feito por uma visitante de 24 anos. ............................... 122

Figura 79 – Vista da igreja de Evangelita desde a varanda de uma das casas do núcleo. ...... 122

Figura 80 - Quantificação da ocorrência dos elementos nos mapas mentais da cidade de Serafina Corrêa. .................................................................................................................................... 123

Figura 81 – Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário com o antigo campanário de madeira, s/d. ................................................................................................................................................ 124

Figura 82 – Construção do campanário, s/d. .......................................................................... 124

Figura 83 – Quadro 7: Categorização dos mapas mentais da cidade de Serafina Corrêa. ..... 125

Figura 84 – MAPA 04, simbólico, feito por uma moradora de 30 anos. ............................... 126

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Figura 85 – MAPA 10, simbólico, feito por uma moradora de 25 anos. ............................... 126

Figura 86 – MAPA 20, simbólico, feito por uma ex-moradora de 17 anos. .......................... 126

Figura 87 – MAPA 11, simbólico, feito por uma moradora de 36 anos. ............................... 126

Figura 88 – MAPA 18, simbólico, feito por visitante de 54 anos. ......................................... 127

Figura 89 – Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, em Serafina Corrêa. .......................... 127

Figura 90 – MAPA 14, semiestruturado, feito por um ex-morador de 25 anos ..................... 128

Figura 91 – MAPA 17, semiestruturado, feito por um ex-morador de 66 anos. .................... 128

Figura 92 – MAPA 08, semiestruturado, feito por uma moradora de 35 anos. ...................... 129

Figura 93 – MAPA 03, estruturado, feito por uma moradora de 29 anos.. ............................ 129

Figura 94 – MAPA 01, estruturado, feito por moradora de 20 anos ...................................... 130

Figura 95 – MAPA 15, semiestruturado, feito por uma visitante de 37 anos. ....................... 130

Figura 96 – MAPA 13, semiestruturado, feito por um morador de 30 anos .......................... 131

Figura 97 – MAPA 19, semiestruturado, feito por um visitante de 56 anos. ......................... 131

Figura 98 – Vista panorâmica da cidade de Serafina Corrêa, RS........................................... 131

Figura 99 – Vista panorâmica da cidade de Verona, Itália. .................................................... 131

Figura 100 – MAPA 09, semiestruturado, feito por moradora de 33 anos............................. 132

Figura 101 – Quadro 8: Sistematização dos resultados das análises quantitativas. ............... 133

Figura 102 – Quadro 9: Sistematização dos resultados das análises categóricas. .................. 134

Figura 103 – Primeira seção do inventário: delimitação da poligonal de análise. ................. 139

Figura 104 – Segunda seção do inventário: caracterização da paisagem. .............................. 140

Figura 105 – Segunda seção do inventário: caracterização da paisagem. .............................. 142

Figura 106 – Segunda seção do inventário: caracterização da paisagem. .............................. 143

Figura 107 – Terceira seção do inventário: Análise de impacto na paisagem. ...................... 145

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LISTA DE SIGLAS

APO - Avaliação-Pós-Ocupação

CAPs - Caixas de Aposentadoria e Pensões

CEP - Convenção Européia da Paisagem

CIIC - Comitê Internacional de Itinerários Culturais

IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICOMOS – International Council on Monuments and Sites (Conselho Internacional de

Monumentos e Sítios)

INBI/SU – Inventário Nacional de Bens Imóveis em Sítios Urbanos Tombados

INRC - Inventário Nacional de Referências Culturais

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

PET/UFSC - Programa de Educação Tutorial do Departamento de Arquitetura e Urbanismo

da Universidade Federal de Santa Catarina.

RCI – Região de Colonização Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul

SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

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SUMÁRIO

CAMINHOS INTRODUTÓRIOS ........................................................................................ 16

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................................. 21

1. APORTE TEÓRICO: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO .......................... 35

1.1 DO PATRIMÔNIO À PAISAGEM CULTURAL: UM PANORAMA GERAL ............ 35

1.2 O INVENTÁRIO E OS PLANOS DE GESTÃO DA PAISAGEM ................................ 44

1.3 ESPAÇO, TERRITÓRIO E IDENTIDADE .................................................................... 50

1.4 A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO NORDESTE DO RIO GRANDE DO SUL ............... 52

1.4.1 Movimentos migratórios no Brasil ........................................................................... 52

1.4.2 O estabelecimento dos imigrantes italianos no Sudeste e no Sul do Brasil ............. 54

1.4.3 A colônia de Guaporé ............................................................................................... 59

1.5 A ARQUITETURA DE INFLUÊNCIA DA IMIGRAÇÃO ITALIANA E OS MODOS

DE MORAR NA RCI ............................................................................................................... 64

1.6 A ITALIANIDADE NO RIO GRANDE DO SUL .......................................................... 66

2. CONFORMAÇÃO DA PAISAGEM ............................................................................ 72

2.1 SERAFINA CORRÊA, CASCA E O DISTRITO DE EVANGELISTA: O PROCESSO

DE FORMAÇÃO ..................................................................................................................... 72

2.2 TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS E CULTURAIS ........................................ 81

2.2.1 Redescobrindo Evangelista - Casca .......................................................................... 83

2.2.2 A construção de um cenário em Serafina Corrêa ..................................................... 93

2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: ................................................................................. 105

3. A PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS E O CARÁTER DA PAISAGEM ................... 106

3.1 ELEMENTOS IMATERIAIS E REFERÊNCIAS DA PAISAGEM DA CIDADE DE

CASCA ................................................................................................................................... 107

3.1.1 Análise quantitativa ................................................................................................ 107

3.1.2 Análise categórica................................................................................................... 110

3.1.3 Análise topoceptiva ................................................................................................ 112

3.2 ELEMENTOS IMATERIAIS E REFERÊNCIAS DA PAISAGEM DO NÚCLEO DO

DISTRITO DE EVANGELISTA ........................................................................................... 115

3.2.1 Análise quantitativa ................................................................................................ 115

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3.2.2 Análise categórica................................................................................................... 118

3.2.3 Análise topoceptiva ................................................................................................ 120

3.3 ELEMENTOS IMATERIAIS E REFERÊNCIAS DA PAISAGEM DA CIDADE DE

SERAFINA CORRÊA ........................................................................................................... 123

3.3.1 Análise quantitativa ................................................................................................ 123

3.3.2 Análise categórica................................................................................................... 125

3.3.3 Análise topoceptiva ................................................................................................ 127

3.4 IMAGEM E MEMÓRIA EM SERAFINA CORRÊA, CASCA E NO DISTRITO DE

EVANGELISTA .................................................................................................................... 132

4. RECONHECIMENTO DO VALOR PATRIMONIAL E DE IDENTIDADE DA

PAISAGEM DA REGIÃO NORDESTE DO RIO GRANDE DO SUL .......................... 136

4.1 PROCEDIMENTO PARA REGISTRO DA PAISAGEM ............................................ 137

4.1.1 Delimitação das áreas a serem inventariadas ......................................................... 137

4.1.2 Registro da paisagem .............................................................................................. 139

4.1.3 Análise de impacto na paisagem ............................................................................ 144

4.2 O REGISTRO DA PAISAGEM DE SERAFINA CORRÊA, DE CASCA E DO

DISTRITO DE EVANGELISTA ........................................................................................... 146

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 152

APÊNDICES ......................................................................................................................... 161

ANEXOS ............................................................................................................................... 193

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CAMINHOS INTRODUTÓRIOS

A paisagem manifesta as sucessivas mudanças – no tempo e no espaço – ocasionadas pela

relação homem-ambiente por meio da arquitetura, do urbanismo e das diversas formas de

apropriação do espaço. Expressa, ainda, o modo de vida de uma comunidade e os seus traços

culturais, reafirmando assim a sua identidade e podendo, inclusive, ser considerada símbolo de

um território. A Recomendação Europa, adotada pelo Conselho de Ministros da Europa no dia

11 de setembro de 1995, em Paris, também conhecida como Recomendação Europa R(95)9,

considera a paisagem em um “triplo significado cultural” (UNESCO, 1995, p.3). Este triplo

significado cultural se dá: pela maneira como o território é percebido por um sujeito ou por uma

comunidade; por ser documento do passado e do presente da relação entre indivíduos e o meio

em que vivem; e por diferenciar culturas e locais (UNESCO, 1995).

A presente dissertação estuda a paisagem da região sul-rio-grandense conhecida como Encosta

Superior do Nordeste, no nordeste do estado. Esta paisagem carrega as marcas históricas de sua

ocupação, crescimento e transformação; e revela, em sua dimensão material e imaterial, os

processos de construção de uma identidade cultural1, fortemente influenciada pelos fluxos

migratórios de italianos e seus descendentes na região durante as últimas décadas do século

XIX e as primeiras décadas do século XX. Grande parte dos municípios da região possui

economia baseada na agricultura familiar e nas agroindústrias. As suas cidades, geralmente de

pequeno e médio porte, são adaptadas às demandas rurais e se configuram como o lugar da

vida, do cotidiano e das interações sociais (FIGUEIREDO, 2015).

O recorte espacial desta pesquisa, mais precisamente, engloba os núcleos urbanos dos

municípios de Serafina Corrêa e de Casca, bem como a sede do distrito de Evangelista,

localizado na zona rural de Casca. A escolha das localidades se deu, essencialmente, pela

proximidade espacial, assim como pelas similaridades relacionadas às suas trajetórias políticas,

econômicas e histórico-culturais, o que fez com que estas compartilhassem o processo de

transformação de suas paisagens. Essas similitudes se devem, em parte, ao fato das três

localidades, na primeira metade do século XX, se conformarem como distritos do município

vizinho de Guaporé – antiga colônia Guaporé –, e estarem interligadas por uma rota traçada por

carreteiros para o escoamento da produção, em direção ao porto fluvial de Muçum, no Vale do

1 Identidade cultural, de acordo com Hall (2005), são aqueles aspectos da identidade do indivíduo que estão relacionados ao sentimento de pertencimento a uma determinada cultura, sejam esses aspectos étnicos, raciais, linguísticos e/ou religiosos.

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Rio Taquari. O recorte também se justifica por esta ser uma região representativa da imigração

italiana no nordeste do Rio Grande do Sul, onde as referências dessa ocupação de origem

europeia ainda estão presentes na arquitetura e no cotidiano das comunidades.

Para Milton Santos (1999), a paisagem e o espaço são “(...) uma espécie de palimpsesto onde,

mediante acumulações e substituições, a ação das diferentes gerações se superpõe. O espaço

constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as ações passadas” (SANTOS, 1999,

p.67). Ou seja, a paisagem é transtemporal, onde suas formas, criadas em diferentes momentos

históricos, coexistem no momento atual. Diante disto, este estudo propõe uma análise da

paisagem atual, buscando conhecer as relações homem-ambiente e os processos históricos,

econômicos, políticos e sociais que deixaram (e ainda deixam) sua marca na paisagem das

localidades e que a caracterizam culturalmente, a partir da fundação da colônia de Guaporé.

Fundada em 1892 pelo Governo Republicano, a colônia de Guaporé, demarcada numa vasta

área de terras entre os rios Carreiro e Guaporé, foi ocupada principalmente por imigrantes

vindos da Itália e de outras colônias da região Nordeste do estado. Na primeira década do século

XX, foi elevada à categoria de município e, no decorrer do século, seus distritos mais

desenvolvidos foram emancipando-se, dentre eles Casca e Serafina Corrêa.

A principal dificuldade em se conservar a paisagem cultural2 reside no fato dela ser dinâmica e

viva, pois, dependendo do caráter da mudança, ela pode ser ameaçada (LUCA, 2016). Segundo

a Convenção Europeia da Paisagem (CEP), as evoluções das técnicas de produção agrícola,

florestal, industrial e mineira, bem como as alterações nos domínios do ordenamento do

território, do urbanismo, dos transportes, das infraestruturas, do turismo e do lazer acabam

acelerando a transformação das paisagens e colocando em risco as suas funções culturais,

sociais, ecológicas e ambientais (CONVENÇÃO..., 2005). Tais processos repercutem na

paisagem, ameaçando a memória coletiva e a identidade cultural das comunidades, podendo

levar à desterritorialização3 do indivíduo; o que torna fundamental o reconhecimento de seu

valor patrimonial e identitário.

Inicialmente buscava-se, com esta pesquisa, a preservação e a valorização da arquitetura de

influência da imigração italiana na região, por meio da identificação e do registro das

2 Nesta pesquisa, assim como na tese de doutorado de Virgínia de Luca (2016), considera-se que as paisagens podem ser culturais, visto que são fruto da relação entre o meio natural e a comunidade que ali vive ou já viveu. Assim, a paisagem cultural não é tida aqui como uma paisagem especial ou mais importante que as demais, somente se refere a “(...) uma maneira especial de vê-la, na qual é enfatizada a interação entre o ser humano e a natureza ao longo do tempo” (LUCA, 2016, p.38). 3 A desterritorialização do indivíduo está relacionada à falta de uma identificação estável com determinado espaço que lhe dê a sensação de familiaridade e segurança (FROEHLICH, 2004).

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edificações. No decorrer de sua elaboração, entendeu-se que a proteção da identidade cultural

e da memória dos lugares vai além da preservação do patrimônio edificado, contemplando

também os aspectos imateriais da cultura que estão materializados na paisagem, uma vez que é

resultado das transformações sofridas pelo espaço ao longo da história do lugar e é registro das

relações socioespaciais que nele ocorrem. Ou seja, tão importante quanto preservar as

edificações é conservar a paisagem onde elas estão inseridas.

São os supramencionados aspectos e processos que justificam o presente estudo, que tem como

objetivo geral reconhecer o valor patrimonial e de identidade da paisagem dos municípios de

Serafina Corrêa (núcleo urbano) e de Casca4 (núcleo urbano e núcleo distrital de Evangelista).

Considerando que a paisagem é definida pela maneira como é percebida pela comunidade,

buscou-se especificadamente: a) Identificar as mais significativas transformações

socioespaciais nas localidades e os seus efeitos na paisagem; b) Analisar a percepção da

população residente e visitante em relação à paisagem estudada; e c) Desenvolver um

procedimento para o registro da paisagem, em consonância com a percepção dos usuários e as

especificidades culturais da região Nordeste do Rio Grande do Sul.

Para tanto, constituiu-se como premissa a investigação da evolução das noções de cultura e de

patrimônio, bem como a delimitação dos conceitos como espaço, paisagem, lugar e território,

para melhor entendimento da paisagem cultural e a sua relação com a configuração identitária

do indivíduo. Ainda, se fez necessária uma revisão bibliográfica acerca do processo de

conformação da paisagem após a chegada dos imigrantes no nordeste do Rio Grande do Sul e

o seu contexto histórico, político e econômico, para então compreender o processo de

construção e de transformação da identidade cultural das comunidades estudadas.

A globalização, ao aumentar e dinamizar o fluxo de pessoas, bens, serviços, produtos e

informações, ampliou consideravelmente a presença de características urbanas em áreas rurais

e vice-versa (WANDERLEY, 2013). Tal processo pode ser observado nas alterações que vêm

ocorrendo na paisagem de Casca, mais especificadamente no núcleo distrital de Evangelista,

onde antigos costumes e construções do início do século XX – que revelam a adaptação dos

saberes construtivos dos imigrantes ao contexto local – convivem lado a lado com indústrias,

serviços (em especial o turismo rural e cultural), residências contemporâneas e comércio, em

uma relação que confere dinamismo à localidade, mas também pode gerar conflitos. Além

4Sobre o município de Casca, entende-se que este estudo engloba o núcleo urbano e o núcleo distrital de Evangelista.

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disso, em Evangelista, o rural vem sendo redescoberto como um espaço onde o passado e a

tradição são revisitados com os propósitos do presente, ou seja, o passado é reconstruído e

vendido como sendo belo, puro e acolhedor, em oposição ao caos da vida urbana

contemporânea.

Concomitante a esta demanda social pelo retorno às raízes, há uma tendência de práticas pós-

modernas de intervenções urbanas caracterizadas por empregar elementos da memória cultural

na revitalização e renovação de áreas tidas como estagnadas, geralmente localizadas nas zonas

centrais e/ou mais antigas das cidades (CASTELLO, 2001). Tal fenômeno, muitas vezes, leva

à mercantilização dos espaços e dos bens culturais, na lógica capitalista de constante busca de

capital (CASADO, 2010; FAGERLANDE, 2015). Em alguns desses casos, há a inserção de

referências culturais externas no espaço urbano que não condizem com a história e/ou a cultura

das cidades; o que acaba por prejudicar o patrimônio cultural real da população local, que é

desvalorizado perante os ícones implantados (BIELSCHOWSKY, 2016), Este quadro é

observado na cidade de Serafina Corrêa, que passou por uma série de intervenções urbanas ao

longo da década de 1990. Dentre essas intervenções está a realizada no eixo central da cidade,

denominada Via Gênova, que corresponde à construção de réplicas de monumentos históricos

da Itália, numa alusão ao país de origem dos imigrantes que colonizaram a região.

Para que a mercantilização da cultura e das paisagens e a consequente perda dos seus reais

valores históricos e socioculturais não ocorra, mostra-se necessário o planejamento e a gestão

do território compartilhada – entre o poder público, a sociedade civil e a inciativa privada dos

municípios da região em questão – e diretamente vinculada à conservação cultural e natural da

paisagem, de forma a orientar as interferências sem impedir o desenvolvimento econômico e

tecnológico das comunidades. Para dar suporte a um plano de gestão territorial que vise a

salvaguarda da paisagem cultural, faz-se necessária ainda a identificação e a avaliação prévia

das características da paisagem e dos elementos que a compõem, considerando a percepção e a

participação da população envolvida. Assim, entende-se que o registro da existência desse

patrimônio servirá como base para futuras estratégias e planos de desenvolvimento regional que

promovam a preservação dos bens materiais e imateriais, por meio da valorização da história e

da identidade cultural das comunidades envolvidas.

Esta pesquisa está vinculada à área de concentração Projeto em Arquitetura e Urbanismo,

utilizado como objeto de análise crítica e para o entendimento da formação e das transformações

socioeconômicas, culturais e ambientais ocorridas nas paisagens das cidades analisadas. Se

vincula à Linha de Pesquisa “Morfologia, usos e apropriações das edificações e dos espaços

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construídos” por se tratar da análise dos espaços construídos e das formas de apropriação desse

espaço pelo indivíduo, bem como da relação homem x ambiente.

Acerca da estrutura, esta dissertação está dividida em quatro capítulos. O primeiro capítulo -

APORTE TEÓRICO: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO, apresenta o

embasamento teórico e conceitual em relação aos temas que são relevantes para o

desenvolvimento das análises. Assim o capítulo traz, em seu primeiro tópico, a revisão histórica

e conceitual sobre a evolução da noção de patrimônio no Brasil e no mundo, sob a ótica dos

principais autores e teóricos do assunto. Trata também das Cartas Patrimoniais, bem como dos

instrumentos de proteção da paisagem cultural a nível mundial (UNESCO), a nível continental

(CEP) e a nível nacional (IPHAN). São apresentados, ainda, conceitos e noções que ajudaram

na estruturação dos critérios e parâmetros para a análise da paisagem. O segundo tópico

apresenta alguns exemplos de Planos de Gestão Territorial, que apostam na revalorização dos

recursos patrimoniais, atentos à identidade de cada território; apresenta também o conceito de

inventário e o seu papel dentro do Plano de Gestão. O terceiro tópico aborda a relação entre

território, espaço e identidade, e como estes termos se relacionam com uma sociedade no

processo de construção identitária. O quarto tópico traz uma revisão histórica sobre o processo

da colonização italiana na região Nordeste do Rio Grande do Sul, seu contexto econômico,

político e social, além de apresentar uma comparação entre e as formas de estabelecimento dos

imigrantes na Região Sudeste e na região Sul do país. No mesmo tópico é abordado o processo

de formação das colônias de imigração no Rio Grande do Sul, em especial, da colônia de

Guaporé, pois desta colônia se originaram as cidades de Serafina Corrêa e Casca, bem como o

distrito de Evangelista. Por fim, o último tópico do capítulo trata do processo de construção da

italianidade no Brasil e no Rio Grande do Sul. Mais especificamente, são tratadas as questões

da assimilação e da adaptação cultural e os estigmas relacionados à essa cultura, que são uma

das causas da negação que existe por parte dos próprios descendentes dos oriundos da península

itálica perante o seu patrimônio.

O segundo capítulo – CONFORMAÇÃO DA PAISAGEM caracteriza o objeto de estudo e

está subdividido em dois tópicos. No primeiro é apresentado um breve histórico da evolução da

região e dos processos que conformaram as cidades e o distrito, com destaque para o processo

de ocupação pela imigração italiana que formou as bases da cultura local, a qual se demarcou,

gradativamente, na paisagem do lugar. No segundo tópico serão discutidas as transformações

socioespaciais e culturais ocorridas na área de estudo, dentre elas a reconfiguração das relações

entre urbano e rural, o turismo cultural e o uso de ficções arquitetônicas para a construção da

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identidade, ou seja, a introdução de ícones que não se relacionam diretamente com a realidade

e/ou a história local, e geram percepções ilusórias aos moradores e visitantes das localidades.

No terceiro capítulo - A PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS E O CARÁTER DA

PAISAGEM, serão apresentados os resultados obtidos em relação à percepção ambiental dos

usuários. O capítulo apresenta uma demarcação teórica e conceitual acerca da percepção

ambiental e as análises realizadas em Serafina Corrêa (sede) e em Casca (sede e núcleo distrital

de Evangelista).

O quarto capítulo – RECONHECIMENTO DO VALOR PATRIMONIAL E DE

IDENTIDADE DA PAISAGEM DA REGIÃO NORDESTE DO RIO GRANDE DO SUL

se utiliza das análises realizadas nos capítulos anteriores para a definição dos critérios que

balizaram a construção da ficha do Inventário da Paisagem da região Nordeste do Rio Grande

do Sul.

Por fim, são expostas as considerações finais, a partir da síntese dos resultados encontrados na

pesquisa. São apresentadas também recomendações para futuros trabalhos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A Convenção Europeia da Paisagem (CEP) designa paisagem como parte do território tal como

é apreendida pelas populações (CONVENÇÃO..., 2005). Tendo em vista que a concepção de

paisagem está relacionada à interpretação do sujeito que a visualiza e a vivencia, esta pesquisa

está voltada para a análise da percepção do indivíduo e da sua identificação com a paisagem de

Serafina Corrêa (sede) e Casca (sede e Distrito de Evangelista) que são objeto desta análise;

compreendendo a paisagem não somente como uma porção física do espaço, mas também como

um conjunto de elementos do passado e do presente que fazem parte da dinâmica da construção

das relações identitárias.

Assim, a presente dissertação tem abrangência multidisciplinar, na qual fez-se uso de métodos

de análise vinculados às áreas da Arquitetura e Urbanismo e da Psicologia Ambiental –

sobretudo, empregada nas apreciações das percepções da população –, buscando, ainda,

relacionar os conceitos geográficos de espaço, lugar e paisagem à preservação da memória das

cidades e da sua identidade cultural. Mais precisamente, a pesquisa é classificada como de

natureza qualitativa, uma vez que busca o aprofundamento da compreensão de grupos sociais

e de seu território, centrando-se no entendimento e na explicação da dinâmica das relações

homem x ambiente por meio de diferentes variáveis. De acordo com os objetivos gerais, trata-

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se de um estudo empírico-analítico, baseado em distintas fontes, sobretudo primárias,

levantadas em arquivos públicos e privados, e angariadas nos levantamentos bibliográficos,

documentais, in loco, bem como nas entrevistas.

Para alcançar o objetivo principal desta pesquisa, ou seja, reconhecer o valor patrimonial e de

identidade da paisagem da região nordeste do Rio Grande do Sul, foram consideradas quatro

variáveis: as informações acerca do patrimônio cultural, das construções identitárias e da

imigração italiana no Brasil, bem como sobre o processo de conformação da paisagem dos

objetos de estudo, angariados na revisão bibliográfica; os dados oficiais (documentos oficiais,

leis, decretos, etc.) referentes ao processo de formação e transformação das localidades e aos

instrumentos de proteção do patrimônio, principalmente; as informações levantadas in loco

sobre as características e as transformações socioespaciais que ocorrem na paisagem; e a

percepção dos habitantes e visitantes das cidades em questão, na compreensão da sua relação

com a paisagem.

Acerca do desenvolvimento, esta pesquisa foi realizada nas seguintes etapas fundamentais:

levantamento bibliográfico (geral e específico) acerca da temática da pesquisa e dos objetos de

estudo; levantamento documental (geral e específico); pesquisa de campo (in loco); pesquisa

iconográfica; e análises dos dados (parcial e final).

Etapa 01: Revisão bibliográfica geral

A etapa de revisão bibliográfica geral foi fundamental para a consolidação da base conceitual

para o presente estudo, sobretudo, em relação aos conceitos e diferentes dimensões do

patrimônio, da cultura, do lugar e da paisagem. Nesse sentido foram consultados autores como

Augé (1994), Santos (1999), Corsino, Londres e Neto (2000), Choay (2001), Fonseca (2005),

Ribeiro (2007), Castriota (2007; 2009; 2013), Tomaz (2010), Soraya Nór5 (2010), L. C.

Figueiredo (2014; 2015); V. G. B. Figueiredo (2013; 2014) e Virgínia G. de Luca6 (2016).

Autores como Azevedo (2011) e Nogueira (2015), dentre outros, contribuíram

significantemente para a compreensão do papel do inventário na preservação do patrimônio.

Para o entendimento e a análise dos planos de gestão da paisagem foram importantes os estudos

de Castriota (2009) e de Sousa e Bel (2017).

5 NÓR, Soraya. Paisagem e lugar como referências culturais: Ribeirão da Ilha-Florianópolis. 2010. 231 f. Diss. Tese (Doutorado em Geografia) – Curso de Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. 6 LUCA, Virgínia Gomes de. Caráter da Paisagem: foto-grafia do antigo caminho dos imigrantes italianos no sul de Santa Catarina. Florianópolis, 2016. 298 p. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Programa de Pós Graduação, UFSC, 2016.

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Para a definição dos conceitos de território, espaço e identidade, essenciais para o entendimento

das construções identitárias, serviu-se dos estudos de Tuan (1983), Santos (1999), Hall (2005),

Haesbaert (2004; 2008) e Sarate7 (2014).

Autores como Frosi e Mioranza (1975), Bertuzzi (1987), Seyferth (1994; 1999; 2002), Tedesco

(2001), Siriani (2005) e Truzzi (2017) contribuíram para o entendimento dos diferentes

contextos que influenciaram a emigração de italianos para o Brasil e, mais precisamente, para

a região Nordeste do Rio Grande do Sul, determinantes na construção da identidade e da

paisagem dos objetos de estudo, a partir de meados do século XIX e ao longo das primeiras

décadas do século XX.

Etapa 02: Revisão bibliográfica específica

A etapa de revisão bibliográfica específica teve o objetivo de auxiliar na compreensão da

formação da Colônia de Guaporé e dos processos políticos, econômicos e sociais que resultaram

na atual conformação dos municípios de Casca e Serafina Corrêa. Nesse sentido, serviu-se dos

estudos de Sganzerla (2001), Wickert (2004), Possamai (2005) e Rosseto (2005), bem como

das pesquisas acadêmicas de Pinheiro8 (2013) e Balbinot9 (2014). Além dos autores acima

citados, Weimer (1987; 2012), Jodelet (2002), Zanini (2004; 2008), Trusiani e Rigatti (2016),

Cavalcanti e Santos (2017), dentre outros, contribuíram significantemente para o entendimento

do processo de construção da italianidade na região Nordeste do Rio Grande do Sul.

A revisão bibliográfica específica também foi de suma importância para elucidar as

transformações socioespaciais que ocorrem na paisagem das cidades analisadas nesta

dissertação. Nesse sentido foram utilizados, sobremaneira, as contribuições científicas de Augé

(1994), Harvey (1999), Froehlich (2004), Hall (2005), Wanderley (2013), Davis (2016), dentre

outros. Para além destes autores, Guimarães e Cavalcanti (1979), Castello (2000; 2001), De

Biase (2001), Alsayyad (2013;2014), Fagerlande (2015) e Bielschowsky (2016) contribuíram

para o estudo sobre o uso de elementos culturais na construção de cenários e no marketing

urbano, que se configuram como ameaça para a paisagem cultural e para a memória urbana

coletiva.

7 SARATE, João Alberto Rubim. La figure de l'habitant sur la perspective de l'économie du territoire. 2014. Tese de Doutorado. Université Grenoble Alpes. 2014. 8 PINHEIRO, Luciana Santos. Processos de territorialização de variedades dialetais do italiano como línguas de imigração no nordeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Tese, Programa de Pós-Graduação em Letras, UFRGS, 2013. 9 BALBINOT, Giovani. Desenvolvimentos econômico do município de Guaporé: A agroindústria da banha e do couro (1892 – 1980). Passo Fundo. Dissertação, Programa de Pós-Graduação em História, UPF, 2014.

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Cabe registrar ainda, que para a análise da percepção ambiental e da memória coletiva dos

moradores de Serafina Correia, Casca e da sede do distrito de Evangelista, foi feita revisão

bibliográfica em livros e artigos científicos qualificados sobre o tema, especialmente acerca da

imagem da cidade e do uso de mapas mentais na análise da percepção da paisagem; dentre os

autores consultados, destacam-se: Piaget (1970), Del Rio (1990; 2002), Lynch (1997), Kozel

(2008), Rheingantz (2009), Campos-de-Carvalho (2011) e Kohlsdorf (2013). Sobre a memória

coletiva, utilizou-se o conceito de Maurice Halbwachs (1990) e as contribuições de Dimenstein

e Scocuglia (2017).

Ademais, por meio da revisão bibliográfica específica foram levantados e analisados os

modelos e fichas de inventário dos processos de financiamentos e concessão de moradias pelas

CAPs e IAPs, elaboradas por Caliane C. O. de Almeida (2007; 2013) (ANEXO A), do

Inventário da arquitetura e da paisagem rural da imigração italiana, produzido por Virgínia

Gomes de Luca (2007) (ANEXO B); do Inventário da Paisagem Cultural de Florianópolis,

elaborado por Gabriel V. B. Camargo, Maurício Storchi e Soraya Nór (2015) (ANEXO C) e do

Inventário do patrimônio arquitetônico de Vila Evangelista, produzido por Ana Paula Wickert

em 2004 (ANEXO D). Tais materiais – aliados a outros modelos definidos na etapa da pesquisa

documental e aos parâmetros delineados por meio da pesquisa in loco – serviram como base

para a definição de critérios a serem inseridos na metodologia de inventário proposta, conforme

o objetivo específico de desenvolver um procedimento para o registro da paisagem, em

consonância com a percepção dos usuários e as especificidades culturais da região Nordeste do

Rio Grande do Sul.

Etapa 03: Levantamento documental geral

Com o intuito de orientar as análises desenvolvidas na presente dissertação, foi feito

levantamento da legislação relacionada à preservação e à gestão do patrimônio, e em bases de

dados de instituições como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Também foram levantados e analisados os principais tratados internacionais cujo foco era a

proteção da paisagem, como a Convenção Europeia da Paisagem (CEP) e a Recomendação

R(95)9 do Conselho de Ministros da Europa de 1995, buscando o discernimento de como é

dada a proteção e a gestão das paisagens, sobretudo na Europa, visto que o velho continente

tem uma longa tradição no âmbito patrimonial.

Para a coleta dos dados oficiais, que auxiliaram na verificação de como se deu o processo de

conformação da região e a influência da imigração italiana no tocante a esse processo, foi

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realizado levantamento documental de decretos, leis e outros dados oficiais em arquivos

históricos, públicos e privados, das cidades em questão e da cidade de Guaporé – da qual se

desmembraram Casca e Serafina Corrêa –, como na biblioteca pública de Guaporé, no arquivo

histórico de Serafina Corrêa, no arquivo histórico de Casca, os arquivos das prefeituras, entre

outros. Foi realizado, também, levantamento documental de mapas da região do começo do

século XX, no acervo digital do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, de Caxias

do Sul.

O levantamento realizado na base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) forneceu dados complementares no tocante ao perfil econômico e demográfico das

cidades objeto deste estudo, além de dados históricos sobre a formação, a transformação e as

divisões sócio-políticas da região.

Etapa 04: Levantamento documental específico

Nesta etapa foram levantadas fichas de inventário oficiais que, juntamente com os modelos

obtidos na etapa de revisão bibliográfica, serviram como base para a definição de critérios que

embasaram a metodologia de inventário proposta, respondendo ao objetivo específico de

desenvolver um procedimento para o registro da paisagem, em consonância com a percepção

dos usuários e as especificidades culturais da região Nordeste do Rio Grande do Sul. Tratam-

se, então, da metodologia de Inventário Nacional de Referências Culturais, do IPHAN

(INRC/IPHAN)10; do Inventário Nacional de Bens Imóveis – Sítios Urbanos Tombados,

também do IPHAN (INBI-SU/IPHAN) (ANEXO E); e das fichas de Inventário da Paisagem

Cultural do Comité Internacional de Itinerários Culturais do ICOMOS (CIIC/ICOMOS)

(ANEXO F).

Etapa 05: Levantamento in loco

A pesquisa de campo se deu em três momentos principais: a observação participante; a

realização de entrevistas informais; e a elaboração de mapas mentais por parte da população.

Mais precisamente, a observação participante e as entrevistas informais foram fundamentais

para a identificação das mais significativas transformações socioespaciais nas localidades e os

seus efeitos na paisagem em estudo. Já os mapas mentais foram de suma importância para

analisar a percepção da população residente e visitante em relação à paisagem estudada. Por

fim, o Walkthrough teve caráter complementar para a compreensão dos aspectos construtivos e

10 Ver “Inventário nacional de referências culturais: manual de aplicação”, de Corsino, Londres e Neto (2000).

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arquitetônicos típicos da região colonizada pelos imigrantes italianos e na percepção dos

moradores em relação à sua moradia; também serviu como teste piloto para a validação do

primeiro modelo de inventário proposto e apresentado na qualificação desta dissertação.

Observação participante:

A observação participante é realizada pelo contato direto do pesquisador com o fenômeno

observado, com o intuito de obter informações relevantes acerca da realidade dos atores sociais

em seus diferentes contextos. A importância dessa técnica reside, essencialmente, na

possibilidade de captar fenômenos e situações que, por serem observados diretamente na

própria realidade, transmitem informações imponderáveis, que não podem ser transmitidas por

meio de perguntas e respostas (MINAYO, 2002).

A inserção da pesquisadora em campo se deu como “observadora participante” (MINAYO,

2002, p.60), durante visitas in loco para a reconhecimento e análise das cidades objeto deste

estudo, durante os meses de novembro e dezembro de 2016 e nos meses de maio e junho de

2017. Esta etapa, num primeiro momento, foi imprescindível para a formulação das hipóteses

sobre as transformações socioespaciais e culturais que ocorrem na paisagem de estudo e, por

meio dela, foi possível obter um contato mais próximo com a paisagem, utilizando os sentidos

para a apreensão de determinados aspectos do cotidiano das comunidades. Vale registrar que

tal inserção também se deu concomitantemente à realização da abordagem aos usuários para o

desenvolvimento dos mapas mentais, como mostrado adiante.

Essa atividade foi determinante, ainda, para a identificação dos indivíduos considerados atores

sociais, para os quais foram direcionadas as entrevistas informais, e para o estabelecimento

da relação de confiança para conversas informais, tão reveladoras quanto as próprias entrevistas

(Nór, 2010).

Entrevistas informais:

Foram realizadas entrevistas informais de caráter exploratório, a fim de complementar os dados

documentados sobre as localidades objetos deste estudo. Essa ferramenta possibilita ao

pesquisador, segundo Gerhardt e Silveira (2009, p.72), “um conhecimento mais aprofundado

da temática que está sendo investigada. Pode fornecer pistas para o encaminhamento da

pesquisa (...) ou mesmo a revisão das hipóteses inicialmente levantadas”.

O número de entrevistados foi definido de acordo com Gerhardt e Silveira (2009). Os autores

afirmam que, a partir de um único indivíduo, é possível enxergar que até pequenos atos são

sustentados pela cultura. Assim, não há a necessidade de se estabelecer uma amostra no sentido

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quantitativo, pois uma realidade ou um determinado caso não necessitam ser representativos

numericamente para ser qualitativamente pertinente (GERHARDT e SILVEIRA, 2009).

Por esse viés, a escolha dos entrevistados se deu devido à ligação direta ou indireta com as

transformações socioespaciais e culturais identificadas nesta pesquisa. Nesse sentido, foram

realizadas entrevistas com o Sr. Marciano Giuriatti, turismólogo responsável pelo setor turístico

em Evangelista, no município de Casca; e com o Sr. Renato Peccin, irmão dos idealizadores da

Via Gênova11, para melhor compreensão do projeto de intervenção urbana em Serafina Corrêa,

conforme APÊNDICE A.

Mapas Mentais:

Além das entrevistas informais com os atores locais mencionados acima, nesta etapa foi

realizada consulta à população residente e visitante das localidades para a compreensão da sua

relação com a paisagem. Para a identificação das ligações entre os indivíduos e o lugar, foi

utilizada a ferramenta de mapas mentais, uma vez que revelam como o ambiente é

compreendido e vivido pelas pessoas (ARCHELA, GRATÃO e TROSTDORF, 2004),

auxiliando na assimilação do espaço no seu sentido mais amplo. Tal ferramenta se baseia na

elaboração de desenhos e esquemas, por uma pessoa ou um grupo de pessoas que mantém

relação de uso ou afetiva com determinado espaço, representando a imagem e a memória que

os usuários possuem em se tratando dele (RHEINGANTZ et. al., 2009).

Ao representarem a memória e a imagem que um indivíduo tem da cidade, os mapas mentais

indicam também “a importância de um elemento físico em relação a outro” na maneira como o

ambiente é percebido pelo usuário (RHEINGANTZ et. al., 2009, p.58). Desta forma, a sua

aplicação permite, além da verificação do quanto o usuário percebe do seu ambiente, quais são

os elementos e aspectos físicos incisivos na estruturação da imagem mental.

Del Rio (1990, p.96) afirma que as pessoas procuram por lugares familiares na cidade que

estejam “carregados de memórias significativas e que possam lhes gerar estabilidade psíquica

e social”. Maurice Halbwachs (1990) explica que a memória de um indivíduo é formada por

lembranças de experiências individuais, mas também pelo o que lhe é narrado e recontado por

terceiros. Assim, a memória se torna coletiva, formada pelas experiências e visões partilhadas

pelo grupo. Segundo Dimenstein e Scocuglia (2017), a memória está associada à capacidade de

11O engenheiro Rudimar A. Peccin (1962-1994) e o ex-secretário do turismo de Serafina Corrêa, Geraldo Arnaldo Peccin (1955-2008).

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armazenar e conservar informações, tornando-se elemento importante na identificação com o

lugar.

A análise de mapas mentais acaba por revelar sobreposições consideráveis entre as imagens de

diferentes pessoas a respeito de um determinado ambiente, permitindo assim o mapeamento de

uma imagem compartilhada pela população (BENTLEY et al, 1985). Por trabalhar com a

identificação da imagem presente na memória coletiva de uma comunidade, os mapas se

configuram como um importante instrumento de projeto para possíveis intervenções

urbanísticas, principalmente em áreas históricas. Por esse viés, fez-se uso dos mapas para a

identificação dos elementos da paisagem mais presentes na memória coletiva dos indivíduos e

de que forma as configurações atuais das cidades em questão são por eles percebidas.

Segundo Gerhardt e Silveira (2009), na abordagem qualitativa o informante não deve ser

considerado somente um representante da cultura estudada, pois o fenômeno visualizado pelo

sujeito toma uma perspectiva segundo a sua história pessoal. O informante é, portanto,

“testemunha e produto”, pois seu raciocínio e ação remete à determinados sistemas simbólicos

e sociais (GERHARDT E SILVEIRA, 2009, p.103). Desta maneira, é por meio da comparação

de diversas perspectivas individuais que se detecta os fenômenos coletivos, ou seja, a partir de

casos diferentes a análise pode revelar uma unidade (GERHARDT E SILVEIRA, 2009).

Buscou-se, então, abordar frequentadores que possuíssem experiências e pontos de vista

distintos perante o objeto de estudo, para posterior comparação da percepção desses usuários.

Assim, foram interpelados indivíduos (de forma aleatória) que aceitassem compartilhar suas

impressões, dentre eles moradores, ex-moradores e visitantes12, de faixas etárias variadas. A

aproximação com os possíveis entrevistados se deu nos espaços públicos, no comércio e em

instituições das três localidades, durante os meses de dezembro de 2016 e março e maio de

2018. Cabe mencionar que houve certa dificuldade em conseguir a colaboração dos indivíduos

abordados que, em geral, se mostravam reticentes quanto à elaboração dos desenhos.

Neste momento de elaboração dos mapas mentais foram computados: vinte desenhos acerca da

cidade de Serafina Corrêa, vinte na cidade de Casca e dez no Distrito de Evangelista, totalizando

50 mapas mentais (APÊNDICE B). Não houve uma quantidade pré-definida para cada tipo de

usuário, sendo que o número de mapas levantados entre moradores, ex-moradores e visitantes

12 Tomou-se o cuidado para que os visitantes entrevistados incluídos na pesquisa fossem moradores da região e possuíssem alguma relação com a localidade em questão, contribuindo para uma análise mais abrangente, com a percepção de diferentes tipos de usuários.

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foi, como dito anteriormente, aleatório, conforme a parcela desses usuários identificada na

pesquisa de campo e que aceitou participar do estudo (Figura 1). QUADRO 1 – MAPAS MENTAIS LEVANTADOS NA PESQUISA DE CAMPO

LOCALIDADE MORADORES EX-MORADORES

VISITANTES TOTAL

CASCA 13 4 3 20 EVANGELISTA 5 2 3 10

SERAFINA CORRÊA

13 3 4 20

Figura 1 – Quadro 1: Mapas mentais levantados na pesquisa de campo, de acordo com o tipo de usuário.

Fonte: Autora, 2018.

O número de mapas mentais desenvolvidos responde ao critério de amostragem por saturação

das respostas13. Cabe ressaltar, que Gerhardt e Silveira (2009) afirmam que não existem regras

que definam o número amostral em pesquisas qualitativas, já que o pesquisador deve selecionar

essa amostra de acordo com o problema. Portanto, existe aqui a necessidade de um maior

aprofundamento na compreensão dos dados, com a identificação e análise de dados não

mensuráveis, como sensações, pensamentos, comportamentos, percepções e motivações dos

entrevistados em relação ao espaço urbano (DIMENSTEIN e SCOCUGLIA, 2017), não

havendo a necessidade de generalização e quantificação de valores.

A abordagem foi feita seguindo o proposto por Rheingantz et. al. (2009), na qual, na formulação

dos mapas mentais, é solicitado ao entrevistado que desenhe um croquis ou um mapa, de

memória, que represente um determinado ambiente frequentado por ele. Deu-se ao entrevistado

o mínimo de instruções sobre as informações a serem incluídas, como ruas, edifícios, praças,

entre outros elementos que o respondente considere importantes naquele ambiente. Mais

precisamente, foi solicitado ao entrevistado que desenhasse a localidade em questão, incluindo

os elementos que mais estivessem presentes em sua memória, como se fosse explicá-la para

alguém que não a conhecesse.

A análise dos mapas mentais foi feita para cada localidade de forma individual, sendo que os

resultados alcançados foram tratados como uma unidade, representando a totalidade do

território abordado. Esta análise se deu em três passos:

a) Quantificação: Inicialmente foi empreendido um tratamento quantitativo das

informações, por meio de gráficos feitos utilizando a ferramenta Windows Excel, que indicam

13 “O fechamento amostral por saturação teórica é operacionalmente definido como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados” (FONTANELLA, RICAS e TURATO, 2008, p.17).

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a quantidade de vezes que cada elemento apareceu nos desenhos, sem considerar a ordem de

elaboração e a ênfase dada a ele. Apesar de se tratar de uma pesquisa qualitativa, esta

quantificação auxilia no entendimento de tendências, na tentativa de “desvendar o conteúdo

adjacente ao que está sendo manifesto” (GOMES, 2002, p.76). Sendo assim, os elementos mais

incidentes nos mapas são considerados os mais significativos do lugar para a população.

b) Categorização: Em seguida, os mapas desenvolvidos pelos entrevistados foram

interpretados segundo três categorias, propostas por Del Rio14 (2002): simbólico,

semiestruturado e estruturado. Os mapas mentais simbólicos apresentam somente imagens ou

ícones; os semiestruturados apresentam uma lógica operacional simples, formado por poucos

elementos ou por um recorte pequeno da área analisada; por outro lado, os mapas estruturados

apresentam uma maior complexidade, com mais elementos e grande quantidade de

informações. As categorias foram cruzadas com dados obtidos dos entrevistados como faixa

etária, gênero e tempo de vivência na cidade, além da ordem em que os elementos foram

desenhados. Este tipo de análise auxilia no entendimento do quanto e como o ambiente afeta a

cognição de diferentes grupos, de acordo com a sua experiência no lugar (RHEINGANTZ ET.

AL, 2009).

Os mapas mentais categorizados como simbólicos auxiliaram na identificação do patrimônio

imaterial que define a paisagem analisada. A análise dos desenhos simbólicos foi baseada nos

estudos do psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), que dedicou parte de suas pesquisas a

investigar as noções temporais e espaciais dentro da evolução motora e cognitiva das crianças.

Para Piaget (1970), a representação simbólica revela uma conexão entre a imagem empregada

e o objeto ao qual ela se refere, sendo expressão da “linguagem afetiva”. No mesmo sentido,

Tuan (1980) afirma que “um símbolo é uma parte, que tem o poder de sugerir um todo: por

exemplo, a cruz para a Cristandade, a coroa para a monarquia e o círculo para a harmonia e

perfeição” (TUAN, 1980, p. 26). Assim, os mapas simbólicos contribuíram para a identificação

de aspectos relacionados à religiosidade, à cultura italiana, dentre outros, que conformam a

dimensão imaterial da paisagem da região Nordeste do Rio Grande do Sul.

Os mapas categorizados como semiestruturados e estruturados, que contém uma estrutura

espacial mais definida, foram utilizados para a análise topoceptiva.

c) Análise topoceptiva: Para o conhecimento mais aprofundado da paisagem foi

importante o reconhecimento dos pontos e elementos de referência e dos locais significativos

14 Vicente Del Rio (2002) se fundamentou nas pesquisas do psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) para a realização da análise da Rua General Glicério, no Rio de Janeiro, RJ.

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dentro do espaço urbano, alcançados por meio da análise topoceptiva15 dos mapas mentais. Os

desenhos semiestruturados e estruturados foram relacionados e interpretados de acordo com os

cinco pontos de análise da imagem da cidade, propostos por Kevin Lynch na década de 1960 e

que foram objeto de análise e de discussão de diversos autores nas décadas seguintes, a exemplo

de Tuan (1974), Appleyard (1980), Bentley et. al. (1985) e Scocuglia, Chaves e Lins (2006).

Os referidos pontos são: (I) vias, canais ao longo dos quais o observador geralmente se

movimenta; (II) limites, elementos lineares não utilizados como percursos e que geralmente

demarcam o limite de uma área; (III) bairros, áreas da cidade de certa extensão e que o

observador identifica como possuindo uma identidade própria; (IV) pontos nodais, locais de

concentração de atividade ou convergência física do tecido urbano; e, (V) marcos, referenciais,

geralmente objetos físicos, que se destacam na paisagem, podendo estar distantes e constituírem

uma referência constante ao usuário, ou estar mais integrados à estrutura destacando-se do

conjunto por sua forte imageabilidade16 (LYNCH 1997; DEL RIO, 1990; BENTLEY, 1985).

O quadro abaixo (Figura 2) mostra, de forma esquemática e sintética, como se deu a análise dos

mapas mentais conforme descrito acima.

Figura 2 – Quadro 2: Procedimento de análise dos mapas mentais.

Fonte: Autora, 2018.

15 De acordo com Kohlsdorf (2013), a topocepção está relacionada com a orientação e a identificação dos usuários no espaço, assim como à capacidade do lugar de informar ao usuário sua posição em relação aos demais. 16 Característica, num objeto físico, que lhe confere uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado” (LYNCH, 1997, p. 11).

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Walkthrough:

Com caráter complementar, foi realizado walkthrough em uma residência com características

arquitetônicas e construtivas que remetem às referências das construções dos italianos migrados

para a região, localizada no Distrito de Evangelista. Nele, o espaço interno da residência e o seu

entorno imediato foram percorridos em conjunto com o morador; momento este em que foram

feitos registros fotográficos e anotações acerca da implantação da residência, das características

físico-naturais do terreno e dos materiais utilizados para revestimento de piso, forro,

fechamentos, estrutura e esquadrias. Esse método de Avaliação Pós-Ocupação (APO)

possibilita a identificação dos aspectos negativos e positivos dos ambientes analisados

(RHEINGANTZ, 2009). Isso acontece porque em um walkthrough, além de analisar as

características físicas e ambientais da construção, como acima mencionado, o pesquisador pode

observar as reações do morador em relação a cada espaço percorrido, obtendo um maior

apontamento da relação deste com o ambiente analisado.

O walkthrough foi feito com a intenção de familiarizar-se com essas edificações e de reconhecer

as suas características e o ponto de vista do seu morador. A ficha preenchida durante esta etapa

(APÊNDICE C), foi formatada com base nas fichas de inventário dos processos de

financiamentos e concessão de moradias pelas CAPs e IAPs (ALMEIDA, 2007; 2013), do

Inventário da arquitetura e da paisagem rural da imigração italiana, (LUCA, 2007) e do

Cadastro do Patrimônio Arquitetônico de Evangelista (WICKERT, 2004), coletadas na etapa

de Revisão Bibliográfica Específica. Sua formatação também baseou-se no INBI-SU/IPHAN,

coletado na etapa de Levantamento Documental Específico.

O walkthrough serviu como um teste piloto para a validação das fichas produzidas naquele

momento e apresentadas na qualificação desta pesquisa, onde puderam ser avaliadas pelos

membros da banca. A intenção inicial era de aplicar o método de APO em todas as edificações

de interesse histórico e cultural que fossem identificadas neste estudo. Porém, após as

considerações da banca de qualificação, a metodologia de inventário foi reestruturada, dando

um enfoque maior à paisagem cultural, como mostra a Etapa 07. Assim, o walkthrough

restringiu-se a uma única construção.

Também como um dado complementar na etapa de pesquisa de campo, em viagem

internacional à região italiana do Vêneto em abril de 2018 (de onde partiu grande parte dos

imigrantes que se estabeleceram na região nordeste do Rio Grande do Sul), foram feitas visitas

nas comunas de Verona e Vicenza. Nesse momento foi realizado registro fotográfico e

observação simples da paisagem das cidades vênetas, com o objetivo de verificar a existência

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(ou não) de uma relação arquitetônica e urbanística dos exemplares aqui construídos com os

daquela região.

Etapa 06: Pesquisa Iconográfica

A etapa de pesquisa iconográfica se deu concomitantemente às etapas de levantamento

documental e bibliográfica, buscando por imagens significativas das localidades, de suas

paisagens e edificações para o estudo em base de dados das prefeituras de Serafina Corrêa e de

Casca, no Arquivo Histórico de Serafina Corrêa, no Arquivo Histórico de Casca, dentre outros.

Esta pesquisa também aconteceu no momento da realização das pesquisas de campo, com

registro fotográfico das edificações e da paisagem, além do acesso ao acervo pessoal dos

moradores.

Etapa 07: Análise parcial e final dos dados

A análise dos dados levantados nas etapas de pesquisa citadas anteriormente (levantamento

bibliográfico geral e específico, levantamento documental geral e específico, pesquisa de

campo e pesquisa iconográfica) se deu em dois momentos: análise parcial (apresentada no

momento da qualificação desta pesquisa) e análise final. As etapas anteriores forneceram dados

para as quatro variáveis da pesquisa – dados bibliográficos, dados oficiais, dados obtidos in

loco e dados obtidos da análise dos mapas mentais (percepção dos moradores e visitantes) – e

embasaram a formulação de diretrizes e definição de critérios que balizaram a elaboração da

ficha de inventário proposta no CAPÍTULO 4 desta dissertação (Figura 3).

Para Azevedo (2011, p.26) “a realização do inventário é por si mesmo uma operação de

valorização e proteção, independente de ser ou não amparada por medidas legais”. Seguindo

esse raciocínio, entende-se que a realização de um inventário – identificando e registrando a

paisagem –, além de ser parte importante para a elaboração de um plano de gestão do território

baseado na preservação patrimonial, é um instrumento de valorização desse patrimônio, muito

mais do que uma simples documentação. As demais etapas de realização da pesquisa referem-

se à estruturação e escrita da dissertação.

Identificando as transformações da paisagem da região Nordeste do Rio Grande do Sul,

analisando a percepção da população e definindo critérios para a identificação e registro desta

paisagem, buscou-se reforçar o reconhecimento da paisagem como um bem cultural que deve

ser gerido levando em consideração o seu caráter dinâmico, possibilitando o desenvolvimento

das comunidades e visando a sua salvaguarda para as futuras gerações.

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Figura 3– Síntese do procedimento de pesquisa.

Fonte: Autora.

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1. APORTE TEÓRICO: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO

Com o intuito de orientar as análises desenvolvidas no presente trabalho, este capítulo inicial

apresenta a evolução da noção de patrimônio no contexto mundial e traz outros conceitos

importantes para este estudo; apresenta também instrumentos de proteção da paisagem em

iniciativas da UNESCO (1992), da Convenção Europeia da Paisagem (2005) e do IPHAN

(2009). Além disso, expõe uma breve discussão sobre o papel do inventário na proteção do

patrimônio cultural, especialmente nos planos de gestão integrada da paisagem. São

apresentados dois exemplos de planos de gestão da paisagem: um internacional (Parque Fluvial

de Llobregatt, na Catalunha, Espanha) e outro nacional (Plano de Revitalização da Paisagem

Cultural do Serro, em Minas Gerais).

Este capítulo aborda, ainda, o contexto histórico, econômico, político, cultural e social no qual

ocorreram os movimentos migratórios que marcaram definitivamente a identidade e a paisagem

da região Nordeste do Rio Grande do Sul.

1.1 DO PATRIMÔNIO À PAISAGEM CULTURAL: UM PANORAMA GERAL

Para analisar a arquitetura e a paisagem como bens culturais é necessário que se compreenda a

trajetória de consolidação do conceito de patrimônio e a elucidação do termo cultura. Cultura,

segundo definição da Unesco, apresentada na Declaração Universal Sobre a Diversidade

Cultural (2002), pode ser entendida como:

(...) o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2002, p.02).

Nesse sentido, a cultura compreende atividades e costumes que representam o modo dinâmico

como o homem interage com o mundo a sua volta, sendo passada de geração para geração,

adquirindo diversas formas com o passar do tempo e culminando em sentimento de

pertencimento e de continuidade. Essas referências culturais, representativas dos diferentes

agrupamentos sociais, sejam elas tangíveis ou intangíveis, constituem o patrimônio cultural.

A Constituição Federal de 1988, mais precisamente, define o Patrimônio Cultural Brasileiro em

seu Art. 216, como sendo o conjunto de bens – materiais e imateriais – que possui relação com

a identidade, com a ação e com a memória dos diferentes grupos que formam a sociedade

brasileira (BRASIL, 1988).

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É importante enfatizar que as referências culturais possuem seu valor determinado pelas

relações sociais; ou seja, sem o sujeito, tais bens não têm sentido. Desse modo, o valor

patrimonial não está somente num objeto, mas, principalmente, no processo de produção e na

relação da vida social que se materializam nele e que são pertinentes ao processo histórico.

Logo, o sentido do patrimônio se dá quando este faz com que o passado interaja com o presente,

“contribuindo para reforçar vínculos de pertencimento entre o indivíduo e seu grupo, entre este,

o meio ambiente e a sociedade” (NÓR, 2010, p.58).

O zelo para com os bens patrimoniais tem como objetivo maior resguardar a memória; um

elemento essencial da identidade individual e coletiva. Para se preservar a memória de uma

comunidade é imprescindível a preservação dos espaços e das manifestações quotidianas do

seu viver (TOMAZ, 2010). Desse modo, pode-se entender o habitar como um ato de memória,

onde o habitante, de acordo com Edelweiss (2016):

(...) é capaz de estabelecer relações entre os elementos postos em diálogo em diferentes cenários urbanos a partir de fragmentos de memória, seja por relatos presentes na memória coletiva transmitida de geração em geração, seja pelo patrimônio edificado. Este, por sua vez, carrega em si a memória de acontecimentos passados em um determinado contexto e contribui para a construção coletiva da memória do lugar a partir de uma complexa interpretação indissociada entre o tangível e o intangível. O patrimônio cultural, em sua complexidade e constante construção do lugar, é passível de significado para as pessoas que nele habitam e tem uma dinâmica temporal que deve ser compreendida (EDELWEISS, 2016. p. 2).

Assim, o patrimônio cultural de uma determinada cidade é constituído por um complexo

conjunto de fatos urbanos, do qual os edifícios presentes na sua memória coletiva fazem parte.

Para Corsino, Londres e Neto (2000), não se deve considerar um monumento ou um conjunto

de monumentos como algo isolado, pois as referências de um povo não estão somente em seus

prédios e objetos, mas também em suas crenças, em seus saberes e em seus fazeres.

Essa noção de patrimônio foi consolidada ao longo de vários séculos. A noção inicial de

patrimônio, evidenciada ao longo da Idade Antiga e Média, estava associada ao monumento,

elemento tido como aquele construído para comemorar e registrar um grande feito. As noções

modernas de monumento histórico, patrimônio e preservação, de acordo com Fonseca (2005,

p.53), começam a ser formuladas “a partir do momento em que surge a ideia de estudar e

conservar um edifício pela única razão de que é um testemunho da história e/ou obra de arte”.

Foi durante o Renascimento, que o conceito de patrimônio passou a abranger os monumentos

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históricos relacionados à Antiguidade e aos ideais renascentistas de beleza e grandeza, além de

alguns edifícios religiosos e castelos da Idade Média (CHOAY, 2001).

O papel do Estado na conservação e na gestão do patrimônio histórico consolidou-se na França,

durante a Revolução Francesa, no século XVIII (CHOAY, 2001). A destruição e o vandalismo

para com os edifícios históricos na época eram movidos pelo ideal revolucionário de

rompimento com o passado aristocrata. Porém, esses atos se opunham aos princípios iluministas

de acumulação e difusão de saber (FONSECA, 2005). Por este principal motivo, o governo

revolucionário fez dos monumentos históricos herança de todo o povo, dando-lhes um valor

nacional e gerenciando seus usos e sua preservação (CHOAY, 2001).

Foi a partir de meados do século XIX que teóricos, como Huskin e Morris, discordando do

conceito de patrimônio ligado somente aos edifícios históricos grandiosos, introduziram o

pensamento de que as construções domésticas, mais humildes, e o conjunto destas também

teriam valor patrimonial (CHOAY, 2001). A partir de então, não só as construções eruditas,

mas também as populares – tanto urbanas quanto rurais –, que apresentassem algum valor

histórico, passaram a ser consideradas patrimônio, sob a denominação de arquitetura menor

(termo proveniente da Itália que designa as construções privadas que não são monumentais,

geralmente edificadas sem arquiteto) e arquitetura vernacular (termo originário da língua

inglesa utilizado para identificar as construções que são marcadamente locais) (CHOAY, 2001).

Mais especificadamente, as construções vernaculares são aquelas erguidas por pessoas comuns,

que adquiriram conhecimento por meio de um processo contínuo com sucessivas adaptações às

necessidades sociais e ambientais locais. Tais edificações possuem, apesar de sua simplicidade,

um grande valor patrimonial e cultural, pois, além de carregar um importante conhecimento

sobre estratégias bioclimáticas, também expressam a imagem e a identidade de uma região.

As políticas preservacionistas relacionadas ao patrimônio que, até então, estavam voltadas para

a ideia do monumento ancoradas nos valores excepcionais artísticos, históricos e de

ancianidade17 (CASTRIOTA, 2007; FIGUEIREDO, 2014), passam a englobar, a partir da

década de 1960, o conceito de patrimônio cultural a um nível mundial. Este conceito amplia a

noção de patrimônio histórico, abrangendo todos os bens, tanto os materiais quanto os

imateriais, que são considerados importantes para a construção da identidade e da memória de

um povo, não só pelo seu valor histórico e/ou artístico, mas pelo simbolismo que possui

(CASTRIOTA, 2007; CORSINO, LONDRES e NETO, 2000). Assim, nas últimas décadas do

século XX, uma nova abordagem de patrimônio cultural passou a focar numa perspectiva de

17 O valor de ancianidade, descrito por Alois Riegl em 1904 no seu livro “O culto moderno dos monumentos”, está relacionado à idade dos monumentos e às marcas que o tempo lhe imprime (CHOAY, 2001).

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atribuição de valores mais abrangente, abarcando as expressões culturais dos diferentes grupos

sociais – não só das classes dominantes –, incluindo o vernacular e a imaterialidade.

De acordo com a Recomendação Paris, assinada pela UNESCO em 2003, patrimônio cultural

imaterial são as “práticas, representações, expressões, conhecimento e técnicas – junto com os

instrumentos, objetos, artefatos, e lugares que lhe são associados – que as comunidades, os

grupos e, em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte integrante do seu patrimônio

cultural” (2003, p.2). O Patrimônio Imaterial abrange os valores simbólicos e imateriais das

relações sociais, passados de geração para geração, e cria, num determinado grupo, um

sentimento de identidade e de continuidade. Por isso, a noção de conservação também deve

estar ligada aos aspectos intangíveis, não somente aos físicos, pois tantos aspectos materiais

quanto os imateriais são essenciais para a preservação da identidade das comunidades (NÓR,

2013).

O lugar integra a categoria de patrimônio imaterial, segundo o entendimento de que é nele que

se efetuam trocas tanto materiais quanto simbólicas. Para Augé (1994), lugar é o espaço onde

se expressam e se afirmam os valores sociais e culturais de uma população e onde se materializa

a sua identidade simbólica. Ou seja, é um elemento constitutivo dos grupos sociais que permite

que os seus habitantes se reconheçam e se definam nele, desempenhando importante papel na

estrutura identitária dos indivíduos. Pode ainda ser definido como a espacialização das relações

sociais. De acordo com Nór (2013), a identidade do lugar pode estar vinculada ao sujeito – suas

memórias, suas interpretações, suas ideias e seus afetos – e pode também emanar do próprio

lugar, manifestado em seu espírito. O espírito do lugar, ou genius loci, está ligado às relações

entre os componentes materiais e imateriais presentes em determinado espaço, seja ele natural

ou construído. Ele revela, por meio das permanências, o diálogo entre passado e presente,

conferindo um caráter vivo e permanente às paisagens (NÓR, 2013).

É importante distinguir, ainda, paisagem de lugar. Lugar, como dito anteriormente, está

relacionado às interações dos grupos sociais e é promotor das práticas sociais. Tais relações

manifestam-se na paisagem desse lugar (NÓR, 2013). A paisagem, então, é o que se pode

abarcar com a visão; é a espacialização dos processos históricos (SANTOS, 1999). Para Santos

(1999), a paisagem é um conjunto de formas e objetos de momentos históricos diferentes que

coexistem no momento presente, ou seja, é transtemporal. O Comitê de Ministros do Conselho

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da Europa R(95)918, reunido em 1995, definiu paisagem como a expressão formal dos diversos

relacionamentos existentes – num certo período de tempo – entre um indivíduo ou uma

sociedade e um território definido topograficamente, “cuja aparência é resultante de ação ou

cuidados especiais, de fatores naturais e humanos e de uma combinação de ambos”

(RECOMENDAÇÃO R(95)9, 1995. p. 3).

Entretanto, os fatores naturais e humanos citado pela Recomendação R(95)9 nem sempre foram

pensados em conjunto. A Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e

Natural, aprovada pela UNESCO em 1972, estabeleceu os critérios para a inscrição na lista do

Patrimônio Mundial que classifica os bens como patrimônio cultural ou patrimônio natural. Na

categoria de patrimônio cultural foram incluídos os monumentos, os conjuntos de construções

e sítios arqueológicos, tratados como fenômeno isolado da paisagem. Já, a categoria de

patrimônio natural, considera os monumentos naturais, os locais de interesse naturais,

formações geológicas e habitat de espécies animais e vegetais ameaçados de extinção, dentre

outros. Essa divisão reforçava a ideia de que quanto menor a interferência humana na paisagem

natural, melhor seria a sua qualificação (LUCA, 2016).

Na década de 1990 surgiu, no âmbito das políticas patrimoniais, a categoria de paisagem

cultural, que trata a interação entre o patrimônio cultural e o patrimônio natural, que até então

eram pensados e tratados separadamente, sem ponderar a sua conexão (CASTRIOTA, 2013).

Esta perspectiva de patrimônio busca preservar a interação entre o homem e o seu ambiente

natural, a paisagem e as relações sociais nela desenvolvidas e, segundo Castriota (2013),

representa uma importante contribuição à questão do desenvolvimento sustentável, pois

envolve as próprias comunidades. Para Figueiredo (2014), sustentabilidade no âmbito das

políticas de patrimônio envolve:

Preservar considerando a composição constante dos significados, identidades e tradições; considerando o patrimônio como recurso ao desenvolvimento; e, simultaneamente, construindo o patrimônio em seu sentido social, de cidadania e promovendo a qualidade de vida para um futuro em que se almeja a equidade, o direito à memória e à diversidade cultural, dentro de uma estratégia interdisciplinar e interinstitucional (FIGUEIREDO, 2014, p.01).

18 A Recomendação R(95)9, do Comitê de Ministros do Conselho da Europa, versa sobre a conservação integrada das áreas de paisagens culturais como integrantes de políticas paisagísticas e recomenda que os governos dos Estados-membros adaptem suas políticas para conservação e evolução orientada da paisagem cultural (RECOMENDAÇÃO R(95)9, 1995).

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Nesse sentindo, a Recomendação R(95)9 preconiza que o conceito de paisagem cultural possui

uma natureza multidisciplinar. Devido a tal aspecto, a sua conservação deve se dar por meio de

políticas abrangentes, que contemplem as relações intrínsecas entre as abordagens históricas,

culturais, arqueológicas, sociais, econômicas, antropológicas, ecológicas e estéticas de

determinado território. Por essa lógica, reconhecer o “espírito do lugar” pode auxiliar na

compreensão da paisagem cultural, já que é ele que expressa a identidade própria de um local,

resultado da relação entre a cultura e o sítio onde ela se desenvolve.

A categoria de paisagem cultural foi reconhecida em 1992, na 16ª sessão do Comitê do

Patrimônio Mundial, realizado em Santa Fé, Novo México (EUA). No documento intitulado

“Diretrizes operacionais para a implementação da Convenção do Patrimônio Mundial”, a

UNESCO definiu paisagens culturais como sendo:

(...) o trabalho combinado da natureza e do homem (...) ilustrativas da evolução da sociedade e dos assentamentos humanos ao longo do tempo, sob a influência das determinantes físicas e/ou oportunidades apresentadas por seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto internas, quanto externas (UNESCO, 1999, p.11).

Assim, com a criação da categoria de paisagem cultural19, as relações entre o cultural e o natural

e entre o material e o imaterial passaram a ser incluídas na Lista do Patrimônio Mundial,

superando a dicotomia existente até então (NASCIMENTO E SCIFONI, 2010; LUCA, 2016).

Luca (2016) afirma que a inserção de uma paisagem nessa lista é um dos principais meios de

atribuição de valor a ela. Para ser inscrita como patrimônio mundial, a paisagem deve ter “Valor

Excepcional Universal”20 (UNESCO, 2012, p. 70) e enquadrar-se numa das subcategorias de

classificação: a) Paisagem Claramente Definida; b) Paisagens Evoluídas Organicamente; e c)

Paisagem Cultural Associativa.

A Paisagem Claramente Definida é facilmente identificada. São os jardins e parques criados

intencionalmente pelo homem por razões estéticas (Figura 4). Já as Paisagens Evoluídas

Organicamente (Figuras 5 e 6) refletem a evolução de um ciclo social, econômico,

administrativo e/ou religioso, atingindo a forma atual em resposta ao seu ambiente natural,

apresentando-se em duas formas: Paisagem Relíquia ou Fóssil (quando seu processo evolutivo

19 A inclusão da categoria de paisagem cultural na Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO não excluiu a possibilidade de um bem ser reconhecido pelo seu valor excepcional cultural ou natural, como preconizado pela Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, aprovada pela UNESCO em 1972. 20 Para a UNESCO, um bem tem valor excepcional quando possui uma importância cultural e/ou natural que transcende as fronteiras nacionais, tendo uma importância de caráter inestimável tanto para as atuais quanto para as futuras gerações (UNESCO, 2012).

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foi interrompido, mas as suas características essenciais foram mantidas visíveis); e Paisagem

Contínua (quando se é conservado um papel social ativo na sociedade contemporânea,

associado ao modo de vida tradicional e, ao mesmo tempo, mostra evidências materiais de sua

evolução ao longo do tempo). Por fim, a Paisagem Cultural Associativa é aquela onde

fenômenos religiosos, artísticos, culturais ou místicos são associados ao espaço natural e a seus

elementos, não necessitando de evidências materiais visíveis na paisagem, como é o caso do

Parque Nacional Tongariro, na Nova Zelândia (Figura 7), que foi o primeiro bem a ser inscrito

na lista do Patrimônio Mundial da Unesco na categoria de paisagem cultural, em 1993.

Figura 4 – Paisagem Cultural de Sintra,

Portugal (Paisagem Claramente Definida). Foto: Fiona Starr.

Fonte: whc.unesco.org

Figura 5 – Cidades do Deserto de Negav,

Israel (Paisagem Relíquia). Foto: Giora Dan. Fonte: whc.unesco.org

Figura 6 – Cinque Terre, Itália (Paisagem

Contínua). Foto: Geoff Mason Fonte: whc.unesco.org

Figura 7 – Parque Nacional Tongariro, Nova Zelândia (Paisagem Associativa). Foto: S. A.

Tabbasum. Fonte: whc.unesco.org

Até o momento, já são 102 paisagens culturais inscritas na Lista do Patrimônio Mundial da

UNESCO, dentre elas, duas são brasileiras: a cidade do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Carioca

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Lanscapes between the Mountain and the Sea21), inscrita em 2012 após uma longa discussão

sobre seu enquadramento, sendo a primeira paisagem urbana em grande escala na lista

(FIGUEIREDO, 2013); e o Complexo da Pampulha (Pampulha Modern Ensemble22), projetado

pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em 1940, em Belo Horizonte, Minas Gerais, inscrito em 2016

(UNESCO, 2018).

No ano 2000, em Florença, na Itália, foi aprovada a Convenção Europeia da Paisagem (CEP),

que conceitua paisagem como sendo parte do território como é apreendida pelas populações,

cujo caráter resulta da interação e da ação de fatores naturais e humanos. Diferentemente da

Convenção da UNESCO, que seleciona somente aquelas paisagens de valor excepcional

universal a fim de torná-las mais prestigiadas, a CEP engloba as paisagens como um todo,

independentemente de seu valor excepcional, pois entende que todas são “cruciais para a

qualidade do ambiente dos cidadãos e merecem ser consideradas nas políticas de paisagem”

(RIBEIRO, 2007, p.53).

A CEP entrou em vigor em 2004, no contexto da Unificação Europeia, considerando o objetivo

do Conselho da Europa de alcançar uma maior unidade entre seus membros. Assim, se

configurou como uma tentativa de estabelecer políticas públicas comuns, entendendo a

paisagem como um recurso para a consolidação de uma identidade continental (FIGUEIREDO,

2013). Além disso, a CEP destaca a preocupação em se alcançar um desenvolvimento

sustentável; estabelecendo uma relação equilibrada entre as necessidades sociais, as atividades

econômicas e o ambiente.

A CEP reconhece que a paisagem não é estática. Porém, constata que as evoluções das técnicas

de produção agrícola, florestal, industrial e mineira, bem como as alterações nos domínios do

ordenamento do território, do urbanismo, dos transportes, das infraestruturas, do turismo e do

lazer acabam acelerando a transformação das paisagens e colocando em risco as suas funções

culturais, sociais, ecológicas e ambientais. Tendo isso em vista, a CEP tem o objetivo de

21 Rio de Janeiro: Paisagens cariocas entre a Montanha e o Mar. Unesco. Disponível em <https://whc.unesco.org/en/list/1100> Acesso em 29 mai. 2018. 22 Conjunto Moderno da Pampulha. Unesco. Disponível em < https://whc.unesco.org/en/list/1493> Acesso em 29 mai. 2018.

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promover a proteção, a gestão e o ordenamento23 da paisagem, organizando a cooperação

europeia neste domínio.

No Brasil, a Carta de Bagé (também denominada Carta da Paisagem Cultural Brasileira)

elaborada em 2007, foi uma das primeiras tentativas de conceituação da paisagem cultural e do

estabelecimento de procedimento para a sua preservação em nosso país, e teve grande influência

na definição da Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, instrumento estabelecido pelo

IPHAN em 2009 (LUCA, 2016). Mais especificadamente, conforme a Portaria nº 127, por meio

da qual a referida chancela foi criada, a Paisagem Cultural Brasileira é “(...) uma porção peculiar

do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural,

à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores” (BRASIL, 2009,

p.17).

Pode-se concluir a partir do trecho supracitado, principalmente pelo emprego do adjetivo

peculiar, que o IPHAN restringe o termo paisagem cultural àquelas porções do território com

qualidades consideradas excepcionais, exemplares ou singulares, aproximando-se da

concepção difundida pela UNESCO. Nesse contexto, há a necessidade de reflexão mais

aprofundada para o enquadramento de determinada paisagem no escopo da Chancela.

Por outro lado, a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, assim como a CEP, reconhece que

“os fenômenos contemporâneos de expansão urbana, globalização e massificação das paisagens

urbanas e rurais colocam em risco contextos de vida e tradições locais em todo o planeta”

(BRASIL, 2009, p.17). Ou seja, uma das premissas da Chancela é a busca pela preservação da

diversidade e riqueza das culturas e dos cenários urbanos e rurais, resguardando e valorizando

a relação harmônica do homem com o meio.

Ao contrário do tombamento, que imprime restrições e visa as permanências, a Chancela

considera o caráter dinâmico das manifestações na paisagem. Dessa forma, a sua preservação

requer um diálogo entre os múltiplos agentes, em uma gestão integrada que harmonize os

interesses econômicos, culturais, ecológicos e sociais (BIELSCHOWSKY, 2016).

De acordo com o Art. 4º da Portaria Iphan 127/2009, a chancela da Paisagem Cultural Brasileira

implica no estabelecimento de um pacto de gestão que deve envolver o poder público, a

23 A proteção da paisagem está relacionada às ações de conservação ou manutenção dos traços significativos ou característicos de uma paisagem. Já a gestão da paisagem designa a ação visando assegurar a manutenção de uma paisagem, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, no sentido de orientar e harmonizar as alterações resultantes dos processos sociais, econômicos e ambientais. Por fim, o ordenamento da paisagem está relacionado às ações com forte caráter prospectivo visando a valorização, a recuperação e até a criação de paisagens (CONVENÇÃO EUROPÉIA DA PAISAGEM, 2005, p. 1026).

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sociedade civil e a iniciativa privada, visando a gestão compartilhada da paisagem a ser

chancelada. O mencionado pacto deve traçar um plano de atuação a curto, médio e longo prazo,

não deixando de considerar o caráter dinâmico da paisagem. Para o IPHAN, o próprio Plano

Diretor pode ser entendido como pacto, desde que contemple as medidas necessárias à

preservação da paisagem cultural.

No documento “Reflexões sobre a chancela da Paisagem Cultural Brasileira”, publicado pelo

IPHAN em 2011 com a finalidade de estabelecer entendimentos acerca do instrumento, fica

evidente que para o estabelecimento do pacto é preciso ter clareza de quais os atributos e as

qualidades que particularizam aquela porção do território, bem como das medidas necessárias

que devem ser adotadas de forma à possibilitar a preservação da paisagem cultural a ser

chancelada. Esta deve ser acompanhada periodicamente, por meio da elaboração de relatórios

de monitoramento das ações previstas no pacto e de avaliações das qualidades atribuídas ao

bem. A Chancela é revalidada a cada 10 anos e, se for constatado que as características que

motivaram o reconhecimento da paisagem desapareceram ou foram alteradas, ela pode ser

cancelada.

Dentre as várias convenções internacionais acerca da proteção da paisagem, mostra-se comum

a imposição de mecanismos de inventário que levantem as informações necessárias para o

conhecimento do sítio ou da paisagem. Esse procedimento tem grande relevância dentro de um

plano de ação de valorização e de conservação paisagística de um território, como mostra o

tópico a seguir.

1.2 O INVENTÁRIO E OS PLANOS DE GESTÃO DA PAISAGEM

A Constituição Federal de 1988 cita o inventário, em seu Artigo 216, como um dos instrumentos

de proteção do patrimônio cultural brasileiro, constituindo uma atitude preservacionista:

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventário, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (BRASIL, 1988, parágrafo 1º do Art. 216; grifo nosso).

Desde então, nas últimas três décadas, uma noção mais abrangente do patrimônio cultural

conferiu aos inventários um lugar de destaque nas políticas de preservação; corrigindo, de certa

forma, a visão preservacionista tradicional que consagrava o instrumento de tombamento

(NOGUEIRA, 2015). Até então, o uso do inventário era, muitas vezes, limitado a reconhecer

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valores preestabelecidos e a levantar informações dos bens já tombados (AZEVEDO, 2011;

NOGUEIRA, 2015).

A nova conformação do campo do patrimônio, que passou a compreender não somente os

objetos e monumentos excepcionais representativos da cultura dominante, mas também os

elementos materiais e imateriais de todas as culturas formadoras da nacionalidade, concedeu

um importante papel ao inventário: o de identificar esses elementos, que por vezes estão tão

integrados no cotidiano de uma comunidade que acabam não sendo percebidos e/ou valorizados

(AZEVEDO, 2011). Desta forma, os inventários, segundo Nogueira (2015, p.38), “constituem-

se como um exercício privilegiado de aprendizado que acionam a história e a memória nas

diferentes leituras sobre o passado da cidade”.

Para Azevedo (2011), na realização das etapas que constituem o processo de inventário, – como

a coleta de dados históricos e legais, entrevistas, levantamento cadastral e fotográfico – é gerada

uma conscientização daqueles que são os responsáveis imediatos pela conservação do bem. Ou

seja, o proprietário e a comunidade como um todo. Assim, os inventários constituem, além de

um instrumento de identificação, um substrato para programas de educação patrimonial, pois

tratam dos bens culturais mais próximos da comunidade.

Por outro lado, o levantamento cultural de um determinado território consiste numa base de

dados de grande relevância para o planejamento urbano, territorial e turístico. Além disso, o

inventário pode levantar importantes informações sobre determinadas tipologias arquitetônicas,

manifestações culturais e linguagens artísticas/estilísticas (AZEVEDO, 2011).

A Recomendação Europa R(95)9 preconiza que os procedimentos de identificação da paisagem

devem ser conduzidos sob a responsabilidade das autoridades competentes, no nível territorial

apropriado. Ademais, a identificação deve ser feita por especialistas designados em vista dos

aspectos que se vai tratar – nos setores de arquitetura, paisagismo, planejamento urbano,

geografia, arqueologia, história, antropologia, economia, direito, agronomia, entre outros – com

a participação da comunidade local.

No caso da CEP, o Art. 6 coloca que cada país membro deverá identificar as paisagens em todo

o seu território, para então serem avaliadas e definidos os objetivos de gestão paisagística

(CONVENÇÃO..., 2005). Sobre o papel do inventário no âmbito da CEP, Ribeiro (2007) afirma

que:

Esse importante trabalho de inventário das paisagens provê discernimento acerca do caráter específico de diferentes áreas, cada uma delas tendo sua

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própria combinação de elementos naturais e culturais. Além do trabalho de especialistas que se apoiam também no uso de sistemas de informações geográficas e outras tecnologias, a Convenção estabelece que o trabalho deve ter especial ligação com as populações locais, que devem ser ouvidas (RIBEIRO, 2007, p.59).

Por esse viés, entende-se que na identificação da paisagem, tão importante quanto o trabalho

técnico é a participação da população envolvida. E é por meio deste inventário e da posterior

avaliação das características e elementos levantados que poderão ser traçadas as medidas

cabíveis para a proteção, para o gerenciamento e para o desenvolvimento sustentável do

território.

Ao analisar os projetos em paisagens culturais mais significativos, Souza e Bel (2017)

concluíram que a gestão inteligente dos recursos patrimoniais é um dos fatores chaves para o

desenvolvimento do território. Os autores chegaram a esta conclusão ao verificarem que tal

abordagem do território atrai turismo, investimentos, gera atividades e postos de trabalho e,

acima de tudo, reforça a autoestima da comunidade, que se vê valorizada perante o

reconhecimento da sua cultura. Paralelamente, a análise destes planos e projetos territoriais

baseados no patrimônio revelou aos pesquisadores que eles possuem alguns pontos em comum,

dentre eles, o importante papel da identificação de recursos de interesse e a interpretação

estruturada e atrativa dos mesmos (SOUZA E BEL, 2017). Nesse sentido, podem ser citados

diversos exemplos nacionais e internacionais de gestão integrada da paisagem, nos quais o

patrimônio constitui o eixo das intervenções, tornando-se motor do desenvolvimento local.

No âmbito internacional tem-se o Parque fluvial do Llobregat, na Catalunha, Espanha. Grande

parte da província espanhola da Catalunha, situada no nordeste da Península Ibérica, é cortada

pelo Rio Llobregat, que possui importante papel no processo de industrialização catalã

(SOUZA E BEL, 2017). No século XIX foram surgindo, nas margens do Llobregat, núcleos de

habitações e serviços próximos das fábricas e indústrias têxteis, em sua maioria, que utilizavam

da força das águas para mover suas turbinas, comumente chamados de colônias industriais.

Com a crise do setor fabril, em meados do século XX, essas colônias que mantinham

características residenciais, industriais e agrícolas próprias, entraram em um período de

decadência (FERRÃO E BRAGA, 2015). Atualmente, os remanescentes destas colônias,

considerados patrimônio industrial, se configuram num dos recursos mais singulares da

paisagem da bacia do Rio Llobregat.

Os numerosos recursos culturais da bacia – herança do seu papel no passado – e o entusiasmo

dos agentes locais em relacionar os recursos patrimoniais a um desenvolvimento local,

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formaram a base de um projeto que começou com um inventário destes recursos e evoluiu para

a proposta de um “Eixo Patrimonial do Rio Llobregat”. O projeto foi desenvolvido pelo

Departamento de Urbanismo y Ordenación del Territorio24 a pedido do governo catalão

(SOUZA E BEL, 2017).

A partir do levantamento dos recursos patrimoniais – que foi essencial para o reconhecimento

da paisagem e o entendimento global do eixo fluvial – e tendo em conta as iniciativas locais,

foram definidos oito setores de intervenção ao longo do eixo, que estão entrelaçados por uma

história em comum (SOUZA E BEL, 2017; BEL, 2014). Um dos desafios da proposta foi

articular a gestão conjunta dos recursos e conduzir o ente gestor para consolidar as iniciativas

existentes, de forma a integrar agentes locais e administradores (SOUZA E BEL, 2017).

De acordo com Souza e Bel (2017), já foram desenvolvidos os projetos de quatro setores, que

vão desde a limpeza dos canais e inserção de peças de mobiliário público, até o

desenvolvimento dos Planos Diretores Urbanísticos das Colônias dos Rios Llobregat e Ter

(Figura 8), que tratam de promover o turismo cultural e atividades produtivas apropriadas, a

fim de ajudar a manter os moradores antigos e atrair novos habitantes às colônias.

Figura 8 – Colônia têxtil da Bacia do rio Llobregat e sistema de colônias.

Fonte: Souza e Bel, 2017.

24 Departamento de Planejamento urbano e planejamento territorial da Universidad Politécnica de Cataluña.

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No Brasil pode-se citar o Plano de revitalização da Paisagem Cultural da cidade de Serro, em

Minas Gerais, localizada na região da mineração. A cidade compreende o primeiro conjunto

urbano a ser tombado nacionalmente pelo SPHAN, atual IPHAN, em 1938. Diferentemente dos

demais centros históricos do ciclo do ouro em Minas Gerais, Serro possui sua economia

marcada, desde o início da sua ocupação, pela agricultura (CASTRIOTA, 2009). O seu casario

histórico, os seus aspectos naturais (Serra do Espinhaço, matas e sítios arqueológicos) e os bens

culturais imateriais de grande importância (especialmente os ligados à religiosidade e à longa

tradição rural) formam a paisagem cultural do Serro (CASTRIOTA, 2009) (Figura 9).

Figura 9 – Vista geral da cidade do Serro.

Fonte: Leonardo Castriota, 2016.

A paisagem do Serro é marcada por vazios destinados à agricultura urbana desde o período

colonial, com o cultivo de diversas espécies para consumo próprio ou para vendas em pequenas

escalas (SOUSA, 2009). Porém, essa paisagem vem sendo descaracterizada pelo mau uso da

agricultura urbana, que resulta, entre outros fatores, na “perda progressiva do saber fazer da

agricultura urbana tradicional” (CASTRIOTA, 2009, p. 167). Sendo este savoir faire uma das

principais características do Serro, e perante a constatação dos riscos aos quais esse patrimônio

está submetido, Castriota (2009) afirma que:

(...) faz-se urgente o inventariamento e a salvaguarda deste saber fazer tradicional, não só para se evitar o seu desaparecimento iminente, mas para alavancar a preservação da paisagem cultural característica daquele conjunto tombado, ao mesmo tempo em que, num trabalho de extensão agrícola, se estimula a agricultura familiar num núcleo marcado por um baixo nível de renda (CASTRIOTA, 2009, p. 167).

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Essa preocupação em salvaguardar um saber tradicional e preservar a paisagem cultural,

utilizando os recursos patrimoniais para o desenvolvimento local, motivou o desenvolvimento

de um plano de revitalização da paisagem cultural do Serro por meio do resgate da prática

sustentável de agricultura familiar urbana, que teve como base um minucioso trabalho de

inventário (CASTRIOTA, 2009).

O Plano de revitalização da paisagem cultural do Serro foi proposto em 2007 e é patrocinado

pelo Programa Monumenta25 do Governo Federal. Na preservação da paisagem cultural, o plano

abrange o patrimônio material, constituído pelo conjunto urbano tombado, e o patrimônio

imaterial, formado pelas práticas, conhecimentos e técnicas tradicionais relativas ao cultivo,

ao preparo e à conservação de alimentos e de plantas medicinais em áreas urbanas. Ademais,

destaca-se o caráter de sustentabilidade da proposta que aborda, além da dimensão cultural e

paisagística, a dimensão social e econômica, uma vez que a agricultura urbana representa uma

atividade econômica alternativa para a população de baixa renda do município (CASTRIOTA,

2009). O plano também prevê um programa que cria as bases legais e administrativas para a

efetivação das propostas, além de tratar das ações de divulgação (Figura 10).

QUADRO 3 - Plano De Revitalização Da Paisagem Cultural Do Serro

PROGRAMA AÇÕES DIMENSÃO Programa de salvaguarda das práticas, conhecimentos e técnicas tradicionais relativas ao cultivo, preparo e conservação dos alimentos e plantas medicinais.

Projeto “Banco genético de jardins históricos” Projeto “Salvaguarda das técnicas agrícolas tradicionais” Projeto “Culinária Serrana” Projeto “Merenda Serrana” Projeto “Farmácia Fitoterápica”

Imaterial

Programa de reabilitação da paisagem

Subprograma áreas públicas Subprograma áreas privadas

Material

Programa de fortalecimento econômico

Subprograma Feiras e Mercado Subprograma Ciclo Econômico da Banana

Socioeconômica

25 O Programa Monumenta é um programa do Governo Federal concebido no final da década de 1990, com o objetivo de dinamizar o processo de preservação do patrimônio histórico dos núcleos urbanos sob proteção federal, por meio de uma atuação que integra desde a restauração de monumentos até a capacitação de mão-de-obra (IPHAN, 2009).

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Programa de fortalecimento institucional

Subprograma de comunicação e divulgação Subprograma de assistência técnica Subprograma de normatização

Administrativa

Figura 10 – Quadro 3: Sistematização dos programas que fazem parte do Plano de revitalização da Paisagem Cultural do Serro, relacionando-os às dimensões abrangidas pelos respectivos programas.

Fonte: Autora, com base nos dados apresentados na pesquisa de Castriota, 2009.

Iniciativas como as do Parque Fluvial do Rio Llobregat e do Plano de Revitalização da

Paisagem Cultural do Serro evidenciam a importância do inventário nos planos de gestão da

paisagem. Além disso, os exemplos apresentados demonstram que a gestão territorial que

contempla a valorização dos recursos patrimoniais (naturais e culturais) e que considera a

identidade de cada território consiste num modelo economicamente, ambientalmente e

socialmente sustentável.

1.3 ESPAÇO, TERRITÓRIO E IDENTIDADE

Para o enfoque da presente pesquisa é particularmente importante definir e compreender os

conceitos de espaço e território, e como estes termos se relacionam com a sociedade na

construção de sua identidade social e cultural. A concepção de identidade empregue nesta

pesquisa está relacionada à identidade do “sujeito sociológico” apresentada por Hall26 (2005,

p.11). De acordo com o autor, a identidade do sujeito sociológico é formada na interação do

indivíduo com a sociedade, ou seja, o “eu” é formado e modificado na relação com as culturas

e as demais identidades apresentadas pelo mundo “exterior”. Assim:

O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura (HALL, 2005. p. 12).

Nesse sentido, o sentimento de identificação com o lugar estabiliza o sujeito, criando uma

relação de reciprocidade e união entre este e o espaço em que habita.

26 Hall (2005) apresenta três concepções de identidade: a identidade do sujeito do iluminismo (baseado numa concepção da pessoa humana totalmente centrada, cujo o centro essencial do “eu” é a sua identidade, numa visão individualista); a identidade do sujeito sociológico (concepção sociológica clássica, em que a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade) e a identidade do sujeito pós-moderno (a identidade torna-se maleável e o sujeito assume diferentes identidades em diferentes situações) (HALL, 2005, p. 10-13).

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O espaço é formado, de acordo com Santos (1999, p.69), “(...) pelo resultado material

acumulado das ações humanas através do tempo, e (...) animado pelas ações atuais que hoje lhe

atribuem um dinamismo e uma funcionalidade”. Pode-se observar, na afirmação de Santos

(1999), que o conceito de espaço frequentemente se confunde – e por vezes se funde – ao

conceito de lugar. Dessa forma, para melhor compreensão do espaço, interessa retomar a noção

de lugar, abordada anteriormente no presente capítulo.

Tuan (1983) explica que as concepções de espaço e lugar não podem ser definidas

individualmente, pois à medida que conhecemos um espaço indistinto e o dotamos de valor, ele

se transforma em lugar. Ademais, o autor afirma que:

A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço, e vice-versa. Além disso, se pensamos no espaço com algo que permite movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que localização se transforme em lugar (TUAN, 1983, p.6).

A forma como os indivíduos se organizam no espaço, utilizam a terra e dão significado ao

lugar está intimamente ligada à noção de territorialidade, que “além de incorporar uma

dimensão estritamente política, diz respeito também às relações econômicas e culturais”

(HAESBAERT, 2004, p. 3). Portanto, essa relação de um grupo humano com o espaço onde

vive, que dele se apropria e com o qual se identifica, é o que define o território (SARATE,

2014).

Território, segundo Haesbaert (2004), está relacionado ao poder, tanto no sentido político de

dominação, quanto no sentido simbólico de apropriação do espaço; é próprio do indivíduo. A

dimensão simbólica do território é construída a partir das relações sociais de proximidade e de

identificação com o espaço. Ou seja, o território é resultado de um processo de construção e de

delimitação efetivado pelos atores (SARATE, 2014). Para Haesbaert (2008), o território é, ao

mesmo tempo – e em diferentes combinações –, funcional e simbólico, visto que o indivíduo

exerce domínio sobre o espaço tanto para realizar funções quanto para produzir significados.

Percebe-se a íntima relação entre território e espaço, na qual um não existe sem o outro

(SARATE, 2014). Isto porque, para Milton Santos (1999), uma sociedade somente se define e

se torna concreta por meio de seu espaço.

O território é o lugar vivido, de residência, de trabalho, de relações e de trocas, onde se constrói

uma rede de significados e sentidos definidos pelo seu caráter histórico e cultural e, como tal,

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precisa ser visto além de seu conjunto de sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas

(SANTOS, 1999; SARATE, 2014). Por este viés, entende-se que há um sentido de

pertencimento e um caráter identificador no território, que permite que seus habitantes se

reconheçam e se definam por meio dele, sendo fator determinante na construção da identidade

de uma população.

Visando a compreensão das configurações atuais das sociedades e a sua relação com o espaço,

bem como das transformações nas estruturas das identidades, torna-se importante abordar a

dinâmica da construção das relações identitárias ao longo dos contextos históricos, a exemplo

do processo de construção da identidade étnica dos imigrantes italianos e seus descendentes no

Brasil, em especial no estado do Rio Grande do Sul.

1.4 A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO NORDESTE DO RIO GRANDE DO SUL

Ao buscar a compreensão do presente para a construção de um futuro consciente, o estudo do

passado e seu reconhecimento por meio da releitura dos fatos mais significativos se faz

fundamental. Nesse sentido, para realizar uma análise aprofundada das paisagens e da cultura

da região Nordeste do Rio Grande do Sul, fez-se necessária uma revisão dos diferentes

contextos – histórico, político, econômico e social – em que se deu o processo migratório que,

por sua vez, deixou marcas no espaço e que contribuiu para a conformação atual da mencionada

região.

1.4.1 Movimentos migratórios no Brasil

Durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX no Brasil, podem

ser observados diferentes momentos de intensificação dos fluxos migratórios que trouxeram

grande leva de imigrantes europeus27 para o país. Este fenômeno está diretamente vinculado,

dentre outros aspectos, às transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas, sobretudo,

na Europa (PINHEIRO, 2013). Mais precisamente, a partir de 1808, com a chegada da família

real portuguesa ao Brasil e com a abertura dos portos brasileiros pelo príncipe regente D. João,

passou-se a promover e incentivas a vinda de imigrantes europeus ao país, principalmente após

o decreto28 outorgado no mesmo ano e que possibilitou o acesso à propriedade fundiária por

parte dos estrangeiros (SIRIANI, 2005; OLIVEIRA, 2001).

27 Refere-se aos imigrantes europeus não-portugueses. 28 Decreto de 25 de novembro de 1808. Permite a concessão de sesmarias aos estrangeiros residentes no Brasil.

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Com o fim do tráfico de escravos pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850, instaurou-se uma

grande preocupação entre a elite latifundiária e escravocrata em relação à substituição da mão

de obra nos cafezais, que estavam em plena expansão e se configuravam na base da economia

do país na época (OLIVEIRA, 2001). No mesmo ano entrou em vigor a Lei de Terras29, que

proibia a posse das terras devolutas30 por outro meio que não fosse a compra. Assim, a Lei de

Terras contrabalanceou os efeitos da abolição do tráfico ao incentivar a vinda de imigrantes por

meio da possibilidade da aquisição de lotes de terras devolutas nas colônias de imigração e após

alguns anos de trabalho nas fazendas de café (GADELHA, 1989).

Foi diante deste contexto que o poder público passou a empreender programas de imigração31

mais amplos em países europeus, inicialmente de responsabilidade exclusiva do Governo

Imperial e, posteriormente, incluindo também os governos provinciais e a iniciativa privada

(OLIVEIRA, 2001; SEYFERTH, 2002). Assim, após a década de 1850, intensificou-se o

ingresso no Brasil de contingentes formados principalmente por agricultores poloneses,

noruegueses, suecos, suíços, irlandeses, franceses e, em maior escala, de italianos.

Concomitantemente na Europa do século XIX, evidenciavam-se grandes mudanças sociais,

políticas e econômicas, devido, em parte, à Revolução Industrial e à expansão do capitalismo

(SGANZERLA, 2001). O impacto causado principalmente nas zonas rurais resultou no

empobrecimento desta população. Muitos camponeses precisaram deixar o trabalho nas

propriedades rurais em razão da modernização da produção agrícola e, sem poder satisfazer a

necessidade de mão de obra especializada decorrente da industrialização, encontraram na

emigração uma oportunidade para a melhora de vida (LUCA, 2007).

Na Itália, mais precisamente, as sequelas deixadas pelo processo de unificação do país

somaram-se às condições agrárias insatisfatórias decorrentes do processo de industrialização.

A unificação da Itália se consolidou em 1861, após um longo período de confrontos armados,

que afetou mais profundamente as camadas mais baixas da população (FROSI e MIORANZA,

1975). Assim, as campanhas publicitárias dos agentes promotores da imigração no Brasil

tiveram grande sucesso entre a população rural do país recém unificado, que teve o fluxo de

saída de emigrantes intensificado a partir da década de 1870 (BERTUZZI, 1987; MIAZZO,

2011; TRUZZI, 2017).

29 Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. 30 Sesmarias sem cultivo, retomadas pelo Governo ou que não foram trespassadas aos colonizadores portugueses. 31 Um exemplo desses programas de imigração é o Decreto 5.663, de 1874, celebrado pelo governo imperial com Joaquim Caetano Pinto Junior, “para importar no Imperio 100.000 immigrantes europeus”. (BRASIL, Decreto 5.663, de 17 de junho de 1874. Disponível em: http://www2.camara.leg.br. Acesso em maio de 2018).

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A visível aproximação do fim do sistema escravista, que se consolidaria no ano de 1888 com a

publicação da Lei Áurea no Brasil, associada a supracitada situação na Europa, culminou na

intensificação da atuação da elite cafeicultora – principalmente do estado de São Paulo – na

promoção da vinda de imigrantes europeus para substituição da força de trabalho nos cafezais

paulistas (TRUZZI, 2017). Ao mesmo tempo, permanecia a preocupação por parte do Governo

em povoar32 as terras devolutas, em especial da região Sul, para proteger o território e garantir

a soberania nacional.

O processo de colonização da região Sul do país acompanhou o fluxo migratório europeu no

sudeste do país, inicialmente marcado, sobretudo, por alemãs e, após meados do século XIX,

de italianos. Dos mais de quatro milhões de imigrantes que chegaram ao Brasil entre as últimas

décadas do séc. XIX e o início do séc. XX, cerca de 34% eram oriundos da Itália e, entre eles,

a maioria era proveniente do norte do país (TRUZZI, 2017).

As primeiras colônias de migração evidenciadas no Sul, a partir da década de 1820, foram

ocupadas principalmente por imigrantes alemães, num sistema baseado na pequena propriedade

familiar. Segundo Seyferth (1994), a ênfase dada à imigração alemã pelo governo colonial – e,

posteriormente, pelo governo imperial – tinha relação com o interesse de instalar agricultores

livres, tidos como “civilizados”, nas regiões não ocupadas, a fim de povoar e proteger o

território. Outro aspecto que contribuiu para migração germânica foi o fato que o principal

agenciador de imigrantes no Brasil Colônia à época era alemão. Ademais, havia o interesse do

governo no “branqueamento da raça”, já que grande parte da população do país era formada

por escravos de origem africana (SIRIANI, 2005, p.92).

1.4.2 O estabelecimento dos imigrantes italianos no Sudeste e no Sul do Brasil

Nos estados do Sudeste do Brasil, em especial no estado de São Paulo, estabeleceram-se

imigrantes italianos oriundos de várias regiões da Itália, especialmente do Vêneto, da

Campânia, da Calábria e da Lombardia, sendo que o estado foi o destino de, aproximadamente,

70% dos italianos que aqui chegaram entre as décadas de 1870 e 1920 (TRUZZI, 2017). Já nos

estados do Sul, em especial no Rio Grande do Sul, predominaram os imigrantes de origem

veneta, com uma maior homogeneidade de dialeto e um forte sentimento religioso.

Em São Paulo, como mencionado anteriormente, a maioria da força braçal italiana foi

empregada nas fazendas cafeeiras no interior do estado, a fim de substituir a mão de obra

32 As terras devolutas eram ocupadas pelos nativos, porém a população indígena era desconsiderada pelo Governo Imperial, que a classificava como nômade e incivilizada.

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escrava pela força de trabalho livre, num regime conhecido como colonato (TEDESCO, 2001).

Nesse sentido, no ano de 1886 foi fundada a Sociedade Promotora da Imigração por importantes

famílias da cafeicultura paulista, determinada a incentivar a imigração estrangeira,

principalmente italiana, em larga escala para as fazendas de café (TRUZZI, 2017). Essa

Sociedade Promotora fez com que o Estado subsidiasse a imigração das famílias, que teria seus

gastos compensados pelo aumento da arrecadação proveniente das taxas sobre a exportação do

grão. A preferência pela imigração de famílias se dava pela conveniência no momento da

instalação na fazenda e pelo fato dos trabalhadores se sentirem mais incentivados ao trabalho

(TRUZZI, 2017; TEDESCO, 2001).

A instalação das famílias nas fazendas de café se dava, geralmente, em agrupamentos de

moradias próximas da sede da fazenda, onde estava localizada a casa do proprietário, o pequeno

comércio, a capela e toda a infraestrutura necessária para a produção do grão (TEDESCO,

2001). Segundo Truzzi (2017), a relação entre imigrantes e fazendeiros, em geral, era bastante

conflituosa, pois a disciplina rígida das fazendas na época da escravidão foi transferida para o

colonato. Havia um controle rígido de horários e das saídas das fazendas, repercutindo na vida

social das famílias. A relação econômica entre as partes também era delicada, pois a

remuneração do imigrante nem sempre era monetária, já que este contraía uma dívida

progressiva com os comerciantes das fazendas, relacionadas à compra de alimentação e à

aquisição de instrumentos de trabalho, entre outros (TEDESCO, 2001).

Esta realidade contradizia a propaganda tendenciosa dos agentes promotores da imigração, que

exaltava os pontos positivos da “nova terra” e minimizava – e até escondia – os aspectos

negativos e as dificuldades que seriam encontradas aqui; o que gerou nos camponeses italianos

grande expectativa que, na maioria das vezes, não se confirmava ao se instalarem em terras

brasileiras (TEDESCO, 2001).

As famílias mais numerosas eram consideradas as mais bem-sucedidas, visto que tinham maior

número de braços dedicado ao trabalho. Além disso, nos cafezais em formação, estas famílias

podiam plantar outras culturas entre os pés de cafés para a sua própria subsistência (TRUZZI,

2017; TEDESCO 2001). Porém, a ascensão econômica dos imigrantes no sudeste do país foi

dificultada pela falta de tempo para dedicar-se ao trabalho que não fosse em prol do fazendeiro,

pela dificuldade de acesso à propriedade privada e à falta de matéria-prima (TRUZZI, 2017).

Entretanto, apesar dos empecilhos, muitos desses imigrantes transformaram-se posteriormente

em pequenos proprietários.

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Já na região Sul do Brasil, principalmente nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do

Sul, o movimento migratório foi fortemente influenciado pela Lei de Terras de 1850, que

possibilitou, como já mencionado, a criação das colônias de imigração, sobretudo, italianas.

Os primeiros imigrantes italianos, vindos essencialmente do nordeste33 da Itália, chegaram no

Rio Grande do Sul em meados da década de 1870. Os recém-chegados foram encaminhados

para a região serrana do Nordeste34 do estado, nas colônias de Conde D’Eu (atual Garibaldi) e

de Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) próximo ao Rio das Antas e loteadas anos antes pelo

Governo Provincial (BERTUZZI, 1987). Na mesma época foi criada a Colônia Caxias pelo

Governo Imperial, vizinha das duas primeiras, denominada inicialmente de Fundos de Nova

Palmira, a qual deu origem à cidade de Caxias do Sul. Devido ao rápido crescimento das

primeiras colônias, o Governo Imperial fundou, nas terras aquém do Rio das Antas, as colônias

de Alfredo Chaves (atual Veranópolis) em 1884 e de Antônio Prado em 1887.

Das colônias citadas acima, partiram os descendentes dos primeiros imigrantes italianos em

busca de outras terras cultiváveis. Foram assim conformadas as colônias de Encantado35 e de

Guaporé; esta última fundada pelo Governo em 1892, durante a República (Figura 11). Além

do movimento migratório interno advindo das chamadas primeiras colônias, a colônia de

Guaporé também recebeu levas de imigrantes vindos da Itália ao longo do século XX

(PINHEIRO, 2013). E a partir dessas colônias, paulatinamente, as terras do Norte e do Noroeste

do estado do Rio Grande do Sul foram sendo ocupadas por migração interna a partir de fins do

século XX (FROSI E MIORANZA, 1975).

33 “A maioria dos imigrantes italianos chegados às colônias agrícolas do nordeste do Rio Grande do Sul provinha do nordeste da Itália: 54% de vênetos, 33% de lombardos, 7% de trentinos, 4,5% de friulanos e 1,5% de outras proveniências” (POSSAMAI, 2005, p.45). 34 Em 1877 foi fundada a Colônia Silveira Martins, no centro do estado, conhecida como a Quarta Colônia de Imigração (FIGUEIREDO, 2015). 35 Na colônia de Encantado a ocupação de terras se dá por migração interna espontânea e é loteada por iniciativa privada, por isso não é considerada uma colônia oficial, diferentemente das demais, que possuem caráter público (PINHEIRO, 2013).

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Figura 11 – Mapa da ocupação das colônias de imigrantes italianos no Nordeste do Rio Grande do Sul.

Fonte: Frosi e Mioranza, 1975, adaptado pela autora.

Essa região é chamada por alguns autores, como Frosi e Mioranza (1975) e Pinheiro (2013), de

Região de Colonização Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul – RCI. Frosi e Mioranza

(1975) dividem a RCI de maneira cronológica e pelo tipo de ocupação, da seguinte forma:

QUADRO 4 - Região de Colonização Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul - RCI

Denominação Colônia Ocupação

Antiga Colônia I

Caxias Dona Isabel Conde D’Eu

Imigrantes vindos da Itália

Antiga Colônia II Antônio Prado Alfredo Chaves

Imigrantes vindos da Itália

Nova Colônia Guaporé

Encantado

Imigrantes vindos da Itália e migração interna

Novíssima Colônia Expansão das colônias para o

Norte e Noroeste do RS

Migração interna

Figura 12 – Quadro 4: Região de Colonização Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul (RCI). Fonte: Autora, com base em Frosi e Mioranza, 1975.

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O assentamento dos imigrantes europeus em terras gaúchas se deu por meio da divisão das

térreas em grandes e alongadas faixas paralelas, comumente chamadas de linhas, travessões

e/ou picadas36 (PINHEIRO, 2014; NEUMANN, 2009). Mais detalhadamente, as linhas eram

as trilhas abertas para a penetração na mata, ao longo das quais foram distribuídos os lotes

destinados aos imigrantes; os lotes tinham o formato alongado, delimitados pela estrada em

uma das extremidades e por outro lote na extremidade oposta, divididos geralmente por um

curso d’água (NEUMANN, 2009; SEYFERTH, 1999) (Figura 13).

Figura 13 – Organização em linhas e lotes coloniais na antiga Linha Serafina Corrêa, que pertencia à

Colônia de Guaporé. Fonte: Frosi e Mioranza, 1975.

Esta forma de organização em lotes, com os imigrantes construindo suas casas distante dos

vizinhos, se opunha aos vilarejos em que viviam no país de origem, onde as casas eram muito

próximas umas das outras (LUCA, 2007). Devido à ocupação relativamente isolada,

ocasionada, dentre outros fatores, pelo modelo da distribuição de terras empreendido pelo

Governo em sua política de ocupação territorial, a convivência e a troca social destas

comunidades foi bastante dificultada.

O fato dos agentes loteadores – estatais e privados – das colônias não haverem reservado áreas

para a construção de edifícios comunitários e religiosos, fez com que os próprios imigrantes

formassem espontaneamente a estrutura social e religiosa dos seus núcleos, na tentativa de

replicar a organização italiana de assentamento. Assim, geralmente em terrenos altos, de

36 Este termo era mais utilizado nas colônias alemães.

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destaque na comunidade, foram sendo construídas as capelas, perto das quais ficavam a escola,

o cemitério, o comércio e o salão comunitário, que conformavam o centro de convivência e de

socialização (LUCA, 2007).

Interessa observar o grande número de capelas nas colônias de imigrantes italianos. De acordo

com Frosi e Mioranza (1975) e Pinheiro (2013), Guaporé era a colônia com maior disseminação

de capelas entre os anos finais do séc. XIX e as primeiras décadas do séc. XX. O grande número

de capelas se dava porque, além do sentimento religioso, muitas delas eram construídas com a

intenção de que fosse “elevada à categoria de paróquia” e, consequentemente, o pequeno núcleo

colonial se desenvolvesse (PINHEIRO, 2013, p. 76). Além disso, quando as famílias

discordavam do local de edificação da capela, da escolha do santo padroeiro ou do material e/ou

modelo de sua construção, mais de uma capela era construída na mesma Linha e, no entorno

dela, toda a estrutura social da comunidade (PINHEIRO, 2013). Por isso, em muitas cidades da

RCI, até hoje, os pequenos vilarejos rurais são chamados de “capelas”.

Diferente do Sudeste – onde a integração dos imigrantes italianos com a população luso-

brasileira, africana e indígena, tanto nas zonas rurais quanto nas áreas urbanas, promoveu a

miscigenação cultural –, o estabelecimento dos imigrantes italianos e seus descendentes em

locais distantes dos núcleos urbanos já consolidados no sul do país acabou por desenvolver as

chamadas “ilhas culturais”, nas quais foram mantidas as identidades e as especificidades

culturais por um longo período (FIGUEIREDO, 2015).

Tal dinâmica promoveu significativas transformações no panorama cultural, arquitetônico,

urbanístico e econômico de várias cidades do estado do Rio Grande do Sul, sendo um

importante indicador da formação do território gaúcho; o que, segundo Figueiredo (2015, p.01),

“permitiu a formação de lugares distintos, paisagens culturalmente instituídas, repletas de bens

materiais e simbólicos que denotam a identidade dos lugares, bem como representam relevante

elemento da história gaúcha”.

1.4.3 A colônia de Guaporé

Como mencionado anteriormente, as famílias dos primeiros imigrantes italianos eram, em

geral, bastante numerosas. O aumento da prole era bem vindo, pois aumentava,

consequentemente, o número de braços trabalhando na propriedade. Com a expansão

demográfica nas primeiras colônias da RCI, iniciou-se um fluxo de migração interna, em que

alguns dos primeiros imigrantes e seus descendentes saíram em busca de novas terras para

cultivo (FROSI e MIORANZA, 1975; ROSSETO, 2005). Em virtude disso, o governo

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brasileiro empreendeu a demarcação de lotes nas terras devolutas lindeiras às Antigas Colônias,

entre os rios Carreiro, Guaporé e Taquari, e fundou, no ano de 1892, a colônia de Guaporé. A

Nova Colônia recebeu o fluxo de migrantes vindos das primeiras colônias, principalmente de

Alfredo Chaves e Dona Isabel (atuais Veranópolis e Bento Gonçalves, respectivamente), bem

como de imigrantes vindos diretamente da Itália37 (FROSI e MIORANZA, 1975).

De acordo com Sganzerla (2001), os primeiros moradores da faixa de terras entre os rios

Guaporé, Carreiro e Taquari – no período anterior à colônia – foram os índios caingangues,

também conhecidos como coroados. Porém, no século XVII, as ações de bandeirantes que

aprisionavam os nativos sulinos para explorá-los em outras regiões do Brasil despovoou

parcialmente a região (SGANZERLA, 2001). Relatos colhidos em entrevistas feitas por

Rosseto (2005) com os moradores mais antigos de Serafina Corrêa e com estudiosos locais,

indicam que não haviam índios na região quando chegaram os primeiros imigrantes e nem

notícias de contato entre estes e índios nativos, somente eventuais grupos nômades que

passavam esporadicamente pela colônia. Não há vestígios desses povos na paisagem, a não ser

pela descoberta de utensílios nas proximidades do rio Taquari na década de 1960

(SGANZERLA, 2001).

Em meados do século XIX, parte das terras na região sul da futura colônia foi ocupada por

membros da família Baptista, Fialho e Vargas (BALBINOT, 2014). Outro núcleo de povoação

se deu às margens do rio Carreiro, na região próxima à atual Serafina Corrêa, por duas famílias

de origem afro-brasileira procedentes de Lagoa Vermelha (ROSSETO, 2005; BALBINOT,

2014). Havia, também, pequenos grupos estabelecidos às margens da trilha de tropeiros que

cruzava a região de norte a sul, ligando o distrito passo-fundense de Campo do Meio

(atualmente pertencente ao município de Gentil) à região do Vale do Taquari. De acordo com

Sganzerla (2001) as poucas habitações desses esparsos núcleos eram rústicas e cobertas de

palha e, segundo os relatos colhidos por Rosseto (2005), o único vestígio deixado por eles foi

um pequeno cemitério descoberto na década de 1950, no terreno onde foi construído o

frigorífico na cidade de Serafina Corrêa.

No ano de 1885, designado pelo Presidente da Província, o engenheiro Nicolau França Leite

Pederneiras começou a demarcação de, aproximadamente, 10.000 lotes coloniais na região,

com dimensões variáveis entre 25 e 30 hectares; já o engenheiro José Montauri de Aguiar foi o

37 A colônia de Guaporé também recebeu – em menor quantidade – famílias de imigrantes poloneses, que se estabeleceram, principalmente, nas regiões dos atuais municípios de Dois Lajeados e de Santo Antônio do Palma; este último desmembrou-se do município de Casca em 1992 (BARILLI, 2011).

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responsável por receber e direcionar os colonos38 aos respectivos lotes (SGANZERLA, 2001;

BALBINOT, 2014). A sede da colônia (atual cidade de Guaporé) foi situada na área central da

colônia, num local chamado de Varzinha, por seu relevo assemelhar-se a uma várzea

(SGANZERLA, 2001; BALBINOT, 2014). Assim, em 19 de novembro de 1892 foi fundada a

colônia de Guaporé, com 22 linhas, quase todas povoadas.

A economia, nos primeiros anos da colônia, era baseada na agricultura de subsistência,

trabalhada no lote pela família. A infraestrutura era precária, com estradas rudimentares, sendo

que o escoamento da produção era feito pelos rios Carreiro e Guaporé até o rio Taquari

(BALBINOT, 2014). A abertura de novas estradas foi feita pelos próprios imigrantes (Figura

14), em troca do abatimento de parcelas da dívida feita com o Governo no momento de

aquisição dos lotes coloniais (BALBINOT, 2014).

Figura 14 – Imigrantes italianos e alguns descendentes abrindo estrada à picão na Linha São Luís de

Guaporé, colônia de Guaporé, s/d. Fonte: Arquivo Histórico de Casca, 2018.

Com as novas estradas e as melhorias realizadas nas antigas, facilitou-se o escoamento da

produção agrícola até o porto do rio Taquari, expandindo a economia da colônia

(SGANZERLA, 2001; BALBINOT, 2014). Assim, em 11 de dezembro de 1903, a colônia de

Guaporé tornou-se município, por meio do Decreto Estadual nº 664, tendo como primeiro

intendente o engenheiro Vespasiano Rodrigues Corrêa (IBGE, 2016).

38 No escopo deste trabalho, a denominação “colono” refere-se aos imigrantes europeus (em especial aos imigrantes italianos) e aos seus descendentes que foram designados às colônias de imigrantes no Rio Grande do Sul.

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De acordo com Balbinot (2014), em 1904 a sede de Guaporé foi instituída como primeiro

distrito do município e São Luis de Guaporé (atual Casca) como segundo distrito, pelo ato

municipal nº 1, de 1 de janeiro de 1994. A partir de então, conforme as linhas se desenvolviam,

iam sendo elevadas à distrito. No ano de 1936, Guaporé contava com 11 distritos: Guaporé (1º

distrito), São Luis de Guaporé (2º distrito), General Osório (3º distrito), Dr. Vespasiano Corrêa

(4º distrito), Dona Fifina Corrêa39 (5º distrito), São Domingos (6º distrito), Dois Lajeados (7º

distrito), Borges de Medeiros (8º distrito), Júlio de Castilhos (9º distrito), Mauá40 (10º distrito)

e Dr. Montauri (11º distrito).

Nas duas primeiras décadas do século XX, com a geração de excedentes na produção agrícola,

a economia passa da produção de subsistência ao ingresso na esfera comercial (BALBINOT,

2014). O escoamento da produção da colônia era realizado principalmente por carreteiros

(Figura 15), que percorriam a antiga rota de tropas (em vermelho no mapa da Figura 16) em

direção ao porto do rio Taquari, no distrito General Osório (atual Muçum). Nesta época a

economia era baseada, principalmente, no cultivo da uva, do milho e na criação de suínos

(BALBINOT, 2014). A agroindústria foi introduzida no município a partir da terceira década

daquele século, onde a suinocultura teve destaque, com a instalação de frigoríficos na sede e

nos diversos distritos de Guaporé (SGANZERLA, 2001).

Figura 15 – Carreteiros fazendo o transporte da produção agrícola, em São Luís de Guaporé, s/d.

Fonte: Arquivo Histórico de Casca, 2018.

39 Atual cidade de Serafina Corrêa. 40 Atual distrito de Evangelista.

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Figura 16 – Mapa do município de Guaporé, 1926. O mapa mostra as linhas, disposição dos lotes coloniais e distritos. Em destaque está a antiga rota de carreteiros, passando pela sede colonial e

primeiro distrito de Guaporé, no centro do mapa. Fonte: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami de Caxias do Sul, adaptado pela autora,

2018.

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64

Como resultado do desenvolvimento agroindustrial e econômico dos distritos, a partir da década

de 1950 iniciou-se um processo de emancipação de diversos deles e a consequente

desfragmentação do território de Guaporé. O primeiro distrito a se emancipar, em 1954, foi o

distrito São Luis de Guaporé – conhecido também como São Luis de Cáscara –, que junto aos

distritos Evangelista (antigo distrito Mauá) e São Domingos, formou o município de Casca41.

O segundo município formado à partir de Guaporé foi Muçum42 (antigo distrito General

Osório), em 1959, levando consigo o distrito de Vespasiano Corrêa. Em 1960 foi a vez do

distrito Dona Fifina Corrêa emancipar-se, junto com o distrito Dr. Montauri, formando o

município de Serafina Corrêa43. Por fim, desmembraram-se os municípios de Dois Lajeados44,

em 1987 e União da Serra45, em 1992.

1.5 A ARQUITETURA DE INFLUÊNCIA DA IMIGRAÇÃO ITALIANA E OS

MODOS DE MORAR NA RCI

As construções concebidas pelo povo e sua arquitetura evidenciam as particularidades do local

onde está inserida, mostrando a habilidade dos populares em utilizar os recursos disponíveis

necessários para a sua concepção. Para Lúcio Costa (2006):

(...) a arquitetura regional autêntica tem as suas raízes na terra; é produto espontâneo das necessidades e conveniências da economia e do meio físico e social e se desenvolve, com tecnologia a um tempo incipiente e apurada, à feição da índole e do engenho de cada povo (COSTA, 2006, p.04).

O Brasil, um país com grande complexidade cultural e extensas dimensões, dispõe de

exemplares variados desta arquitetura, cada qual carregando as singularidades e sutilezas de sua

localidade. As técnicas e os materiais utilizados nessas construções são variados, sendo a

madeira, o barro, o bambu e folhagens, os mais frequentes.

O isolamento e a grande falta de recursos aos quais os imigrantes italianos foram submetidos

nos primeiros anos na RCI, fez com que eles adaptassem as técnicas construtivas conhecidas

para trabalhar com o material abundantemente disponível na região, sobretudo, a pedra basalto

e a madeira das florestas, principalmente da araucária (WEIMER, 2012). Dessa maneira, os

41 Lei estadual nº 2.525, de 15 de novembro de 1954. 42 Lei estadual nº 3.719, de 18 de fevereiro de 1959. 43 Lei estadual nº 3.932, de 22 de julho de 1960. 44 Lei estadual nº 8.435, de 8 de dezembro de 1987. 45 Lei estadual nº 9.598, de 20 de março de 1992.

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imigrantes “reservaram as construções de pedra para as fundações, sobre as quais passaram a

erguer construções de madeira” (WEIMER, 2012, p.173).

Segundo Tedesco (2001, p.49), “o espaço e o ambiente construído pelo colono configuram-se

pela casa”. A grande maioria das casas tinha a estrutura, os fechamentos e a cobertura em

madeira. Aproveitando-se do terreno em declive, os imigrantes construíam suas casas de tal

maneira que o porão (geralmente de basalto) ficasse semienterrado, criando um ambiente fresco

e úmido, ideal para armazenamento do vinho e de alimentos como o queijo e embutidos de

carne. Já o sótão era amplamente ventilado, um espaço quente e seco que servia para o depósito

e secagem de cereais (WEIMER, 2012) (Figura 17).

Figura 17 - Casa Franciosi, no distrito de Evangelista, construída na segunda década do séc. XX. Edificação em madeira com sótão e porão de pedra basalto, aproveitando o desnível do

terreno. Fonte: Autora, 2017.

Na Itália, pela falta de espaço nos lotes e para aproveitar o calor dos animais no aquecimento

da habitação durante os invernos rigorosos, as instalações rurais como o celeiro e o estábulo

eram aglutinados ao espaço residencial (BERTUSSI, 1987; LUCA, 2007). Nas colônias de

imigração no Brasil, por sua vez, os italianos se depararam com grandes áreas de terra, onde

puderam afastar as instalações dos animais – e seus odores e mosquitos – da residência, além

de separar a cozinha do resto da casa, pelo perigo constante de incêndio que o focolaro46

representava (BERTUSSI, 1987). No entorno da casa estava o jardim, a horta, o estábulo, o

galinheiro, o chiqueiro, o paiol e o forno. Para Tedesco (2001):

46 Fogão rudimentar comum nas primeiras casas dos imigrantes italianos, também chamado de fogolaro, focoler ou larin (BERTUSSI, 1987).

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A noção de moradia ia além do prédio da casa; abrangia a infra-estrutura para animais, para a conservação de produtos, o porão para o vinho, o salame, o queijo e o pão no cesto. Enfim, o ambiente de vida era constituído por essa relação profunda entre espaço natural e o seu domínio em correspondência com a ordem funcional da casa (TEDESCO, 2001, p.26).

As casas eram o centro da vida das famílias e, muitas vezes, das comunidades. Nela aconteciam

os encontros, as visitas, os nascimentos, o aquecimento do corpo no frio do inverno. Nela

também se davam os ritos de passagem como batismos, casamentos e até funerais (TRUSIANI

e RIGATTI, 2016; TEDESCO, 2001). Trusiani e Rigatti (2016) destacam a importância de tais

ritos de passagem no cotidiano da família, pois era nessas ocasiões que havia a oportunidade de

mostrar para os demais quem era a família e como haviam superado as dificuldades, além de

compartilhar os seus valores.

Assim, nos dias em que não havia celebração na capela da linha, a organização social da

comunidade se dava na casa, onde acontecia a socialização entre famílias, vizinhos e estranhos

(TRUSIANI e RIGATTI, 2016). Por esse viés, pode-se afirmar que o espaço construído pelo

imigrante italiano e seus descendentes estava – e ainda está – ligado ao seu estilo de vida, de

morar e de trabalhar; ou seja, com as diversidades produtivas, com os hábitos de higiene, com

o tamanho da família e da estrutura fundiária, com os costumes religiosos e com a vida social.

A casa torna-se, então, o espaço do vivido (TEDESCO, 2001).

1.6 A ITALIANIDADE NO RIO GRANDE DO SUL

Tem-se a noção de identidade étnica como uma construção cultural historicamente determinada

e renegociada por fatores tanto internos quanto externos ao próprio grupo (TRUZZI, 2017).

Desse modo, a italianidade47 não deve ser tratada como uma identidade fixa e pré-estabelecida,

e sim como “uma forma de identificação construída a partir da experiência social heterogênea

daqueles denominados ‘italianos’” (TRUZZI, 2017, p.18).

Entende-se que, em um processo migratório, as culturas tradicionais do lugar de origem

dificilmente se mantenham inalteradas, passando por variações no sentido de afirmação e/ou de

assimilação às culturas locais. Para Truzzi (2017), não há um padrão de caminho que conduza

determinado grupo étnico à plena integração com a sociedade. A assimilação ou a afirmação de

uma identidade étnica depende, dentre outros fatores: da carga social, econômica e cultural

trazida pelos imigrantes da terra de origem; dos condicionantes da sua inserção na nova terra,

47 O termo italianidade se refere à identidade étnica relacionada à condição italiana (TRUZZI, 2017).

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como o mercado de trabalho, a mobilidade, dentre outros; e o contexto político e ideológico de

cada uma das nações ao longo do período (TRUZZI, 2017).

Quando partiram os primeiros emigrantes da Itália com destino às Américas, a unificação do

país havia a pouco se consolidado e a noção de uma identidade nacional italiana estava

começando a ser construída (PINHEIRO, 2013). Assim, os grupos que partiram para o Brasil,

provenientes de regiões como Vêneto, Lombardia, Trentino-Alto Ádige, etc., como já

mencionado, possuíam, cada qual, costumes, dialetos e bagagens culturais distintas

(PINHEIRO, 2013). A condição comum de imigrantes, em contato com outros grupos étnicos,

conduziu, aos poucos, ao reconhecimento como italianos como uma forma de autodefesa dos

grupos advindos da península itálica; sentimento que foi experimentado aqui antes mesmo do

que pelos que permaneceram na Itália (POSSAMAI, 2005; TRUZZI, 2017).

As dificuldades e o isolamento aos quais os primeiros imigrantes italianos foram submetidos

no princípio da colonização no Rio Grande do Sul levaram a um forte espírito de solidariedade

étnica. Como o maior índice de imigrantes era proveniente da região norte da Itália, o meio de

comunicação linguística utilizado era uma mescla de dialetos da região acrescido de algumas

palavras em português, formando, assim, um novo linguajar: o talian48, que fortaleceu ainda

mais a ligação entre oriundos da península itálica (PINHEIRO, 2013).

Cabe rememorar o importante papel da religião na construção e na manutenção da identidade

italiana no estado do Rio Grande do Sul, onde o catolicismo atuou como elemento de coesão e

de conforto cotidiano das comunidades de imigrantes. Estes, como já mencionado, construíam

suas próprias igrejas, capelas, capitéis e, por muitas vezes, na falta de um pároco, eles mesmos

presidiam as cerimônias religiosas (TRUZZI, 2017; ZANINI, 2008). Porém, há relatos de

pedidos insistentes dos imigrantes por sacerdotes para viver entre eles, pois as celebrações

religiosas eram um elo com a terra natal (TEDESCO, 2001). O controle rigoroso que o padre

exercia sobre a comunidade foi fundamental na construção de uma identidade ligada à família,

à terra e ao trabalho (TEDESCO, 2001). Outrossim, além das normas no âmbito religioso,

moral, lúdico e espacial, a Igreja atuou no equilíbrio da personalidade – redefinida pelo

ambiente de mudança – dos imigrantes, contribuindo para o processo de permanência no Brasil.

Aliado a tal aspecto e decorrente do costume herdado das pequenas vilas na Itália, os imigrantes

e suas famílias passaram a se reunir em torno da igreja nos dias em que a missa era celebrada

48 Segundo definição dada pelo IPHAN, o Talian é uma língua de imigração falada no Brasil na região de ocupação italiana. Sua origem linguística é o italiano e os dialetos falados, principalmente, na regiões do Vêneto, Trentino-Alto e Friuli-Venezia Giulia e Piemontes, Emilia-Romagna e Ligúria (IPHAN, 2014).

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(BERTUSSI, 1987) (Figura 18). Nesse contexto, a religião tornou-se um ponto de encontro e

de fortalecimento da cultura italiana, com a capela se conformando como um elemento

catalizador da vida comunitária dos municípios formados e influenciados pela colonização

italiana.

Figura 18 – Primeira igreja do distrito São Luis de Guaporé (atual cidade de Casca), construída pelos

imigrantes, s/d. Fonte: Arquivo Histórico de Casca, 2018.

De acordo com Possamai (2005), os imigrantes buscaram recriar nas colônias o ambiente das

aldeias de origem. Contudo, ao lado dos costumes da antiga terra, havia a introdução de certos

hábitos dos sul-rio-grandenses, como a vestimenta, o chimarrão e o cavalo (POSSAMAI, 2005).

O regionalismo, que foi sempre muito forte no Rio Grande do Sul – devido às peculiaridades

do seu processo sócio histórico49 –, interferiu no processo de assimilação dos imigrantes

italianos à cultura brasileira (POSSAMAI, 2005).

As construções sociais acerca da italianidade no Rio Grande do Sul são ora positivas, ora

negativas. As privações dos primeiros anos na nova terra, as casas provisórias, as matas

fechadas e o meio rude encontrado pelo imigrante criaram uma imagem negativa em torno da

vida dos colonos italianos (TEDESCO, 2001). Os filhos dos imigrantes bem-sucedidos

passaram a buscar a integração com a sociedade local e a mostrar repugnância ao idioma

italiano, na tentativa de “apagar o estigma de imigrante pobre” (POSSAMAI, 2005, p. 163).

49 A presença da fronteira e as guerras constantes, movidas contra os espanhóis num primeiro momento e, depois da independência, contra as nações platinas, favoreceram a autonomia política da elite local, que foi bem expressada pela Revolução Farroupilha (...) a qual converteu-se no mito fundador do regionalismo gaúcho (POSSAMAI, 2005, p. 164).

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Com a ascensão do fascismo, no fim da Primeira Guerra Mundial, o governo italiano passou a

tentar cooptar os emigrados ao regime fascista, reconhecendo-os como “italianos no exterior”

(POSSAMAI, 2005, p.182). Dessa forma, começou a atuar na RCI por meio de diplomatas, de

cônsules, de técnicos com formação superior e das células fascistas que, com o auxílio da Igreja

Católica, serviram como divulgadores das ideias nacionalistas de ordem fascista

(SGANZERLA, 2001; POSSAMAI, 2005). A propaganda foi dirigida, sobretudo, aos

prósperos imigrantes instalados nas áreas urbanas, sendo que os pequenos produtores rurais

tinham pouco a oferecer à Itália fascista, ficando à parte da adesão ao regime (SGANZERLA,

2001; POSSAMAI, 2005). Assim, parte dos imigrantes e seus filhos que estavam se integrando

à nova pátria, sofreram um retrocesso nessa assimilação, voltando seus interesses à Itália.

Por outro lado, o regime do Estado Novo – com as mesmas raízes político-ideológicas

nacionalistas – instaurado por Getúlio Vargas em 1937, pretendia “eliminar os ‘quistos’ étnicos

culturais que dificultavam sua proposta de uma nação brasileira unitária” (SGANZERLA, 2001,

p.62). Sendo assim, as ações difusoras do regime fascista na RCI colidiram com a política

nacionalista vigente no Brasil: enquanto a elite industrial e comercial vinculava-se ao fascismo,

os mais jovens – aos quais a Itália era algo distante – eram atraídos pela imagem da pátria

brasileira (POSSAMAI, 2005). Nesse contexto, a principal ação em relação à nacionalização

do Estado Novo foi no ensino, que estava orientado para uma assimilação forçada aos valores

políticos e culturais da nação (SGANZERLA, 2001).

Durante a Segunda Guerra Mundial, com as posições políticas adotadas pelo governo brasileiro

contra o Eixo – formado pela Itália, Alemanha e Japão – aumentou a pressão contra italianos,

alemães e japoneses no país, que passaram a ser considerados “perigos nacionais” (ZANINI,

2004, p.54). Entre outras restrições, as associações de imigrantes foram dissolvidas e houve a

proibição do uso das línguas dos países de origem em locais públicos (SGANZERLA, 2001;

POSSAMAI, 2005; TRUZZI, 2017). Esta proibição acrescentou “um componente de

inferioridade psicológica entre os imigrantes italianos e seus descendentes que ainda não tinham

conhecimentos suficientes para utilizar corretamente a língua portuguesa” (POSSAMAI, 2005,

p.194). Assim, a repressão atingiu sobretudo os imigrantes das zonas agrícolas, que não

possuíam o domínio da língua portuguesa, enquanto a elite urbana aliada ao fascismo foi pouco

afetada.

Zanini (2004) explana que os domínios da casa, neste período, tornou-se um local de

comedimento, onde os integrantes da família reprimiam-se diante do uso do idioma italiano. A

autora denomina esse processo de “varredura cultural”, em que muitas famílias se desfizeram

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de pertences que pudessem revelar sua relação com o país de origem, bem como coagiu os mais

antigos a silenciarem-se quanto às memórias do processo migratório, omitindo as histórias dos

antepassados às gerações sucessivas (ZANINI, 2004. p.55). Por conseguinte, os estigmas

associados à cultura italiana no Brasil fizeram com que, por várias gerações, os costumes e a

memória dos colonizadores fossem reprimidos. Sobre tais estigmas, Zanini (2004) explica que:

A história do grupo passou a estar associada às humilhações sofridas durante o período repressivo. Além disso, ser colono representava ser “grosso” e atrasado, e mesmo aqueles descendentes que haviam migrado para o mundo urbano e ascendido socialmente carregavam consigo essas representações (ZANINI, 2004. p.55).

Assim, com mais intensidade a partir de meados do século XX, os descendentes de italianos

passaram a se intitular de brasileiros, desapegando-se da identidade e das origens dos

antepassados. Iniciou-se, então, um processo de “des-etnização” (TRUZZI, 2017, p.126), onde

as tradições dos imigrantes foram mantidas, essencialmente, pela culinária e pela religiosidade.

Aspectos da cultura como a língua e até mesmo a arquitetura passaram a ser vistas com desprezo

por aquelas gerações.

A reconstrução de uma identidade positiva ocorreu nas últimas décadas do século XX (ZANINI,

2007). O pontapé inicial se deu na década de 1970, onde, em comemoração aos cem anos da

imigração no estado do Rio Grande do Sul, houve um incentivo do governo italiano na

promoção de cursos de língua e cultura italiana, ao mesmo tempo em que os descendentes de

imigrantes bem-sucedidos começaram a aspirar pelo reconhecimento de suas origens distintas

perante o cenário nacional (ZANINI, 2004). A partir de então, surgiram várias associações de

famílias que buscam a recuperação da ancestralidade italiana, principalmente pela vantagem de

se obter um passaporte europeu (TRUZZI, 2017).

Além disso, as gerações atuais de descendentes enxergam os antepassados imigrantes como

pioneiros e desbravadores, transformando-os em exemplos a serem seguidos. Nas palavras de

Tedesco (2001):

A grandiosidade de ser pioneiro, o sentido simbólico disso decorrente, que perpassou ideológica e mitologicamente gerações, ou seja, de transformar técnicas e processos tradicionais em modernos, a manifestação oral da natureza rude e íngreme transferem para o homem uma realização do domínio do natural pelo trabalho. A dimensão do nada cede lugar à forma, à adaptação (...) (TEDESCO, 2001, p.50).

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Desta maneira, a paisagem natural com suas matas, morros e rios, logra um sentido importante

na memória dessas populações, pois foi tocada pelo trabalho dos imigrantes, fazendo parte da

sua batalha cotidiana. Ou seja, o cotidiano do imigrante se construiu nessa paisagem, onde a

família como unidade de produção e de convívio conectava-se com o lugar, num processo

histórico de identificação espacial e cultural (TEDESCO, 2001).

Para Zanini (2007, p. 523) “é pelo olhar atual sobre o passado que o mito de origem familiar e

grupal é traçado”. Assim, sob a ótica do presente, o passado é reconstruído. Tal reconstrução

idealizada do passado, baseada na exaltação dos elementos positivos e no afastamento dos

aspectos considerados negativos, apresenta-se como um interessante mecanismo de defesa das

memórias e de valorização das identidades (JODELET, 2002). Além disso, tais aspectos

contraditórios – ora positivos, ora negativos – a respeito da própria identidade, atuam no

processo de conhecimento e crenças sobre o eu e sobre os outros, agindo na superação da

divisão entre individual e social (CAVALCANTI E SANTOS, 2017).

Nessa perspectiva, segundo Cavalcanti e Santos (2017), entende-se que as identidades se

movem de acordo com os novos significados que vão sendo acrescidos ao cotidiano, estando

em constante transformação. Ao mesmo tempo em que se transformam as identidades,

transforma-se também a relação do sujeito com o ambiente que o envolve (CAVALCANTI e

SANTOS, 2017). Tal constatação é interessante para esta análise, pois demonstra a

profundidade da relação entre as categorias aqui discutidas.

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2. CONFORMAÇÃO DA PAISAGEM

Este capítulo trata da conformação da paisagem dos núcleos urbanos dos municípios de Serafina

Corrêa e de Casca (sede e núcleo distrital de Evangelista); objetos desta pesquisa. O capítulo

está dividido em duas partes. Primeiramente é apresentado o processo de formação dos dois

municípios a partir da colônia de Guaporé e a atual conformação de sua paisagem.

Posteriormente, são apresentadas as principais transformações socioespaciais e culturais

identificadas na área de estudo, bem como os seus efeitos na paisagem.

2.1 SERAFINA CORRÊA, CASCA E O DISTRITO DE EVANGELISTA: O

PROCESSO DE FORMAÇÃO

A característica inicial que deve ser observada para a compreensão do processo de formação

das cidades de Serafina Corrêa e de Casca, bem como do distrito de Evangelista, é a existência

da rota de tropeiros que passava por estas localidades. Tal rota – como mencionado

anteriormente – ligava Passo Fundo, no norte do Rio Grande do Sul, através do então distrito

passo-fundense de Campo do Meio (atual distrito de Gentil), ao porto fluvial de Muçum, no

vale do rio Taquari.

Durante o período que abrange a última década do século XIX e a primeira metade do século

XX, a mencionada rota desenvolveu-se, transformando-se na principal via de escoamento da

produção da colônia de Guaporé (ROSSETO, 2005; BALBINOT, 2014). O transporte da

produção agrícola até o porto fluvial era feito, primeiramente, por carretas. A partir da década

de 1950, o transporte da mercadoria passou a ser feito, de forma predominante, por caminhões

(TEDESCO E BALBINOT, 2014). A parte da estrada que ligava Campo do Meio à sede da

colônia Guaporé foi chamada de Estrada Tiradentes. Já a parte que ligava a sede ao porto fluvial

de Muçum foi denominada Estrada Dr. Borges de Medeiros (TEDESCO E BALBINOT, 2014).

Balbinot (2014) destaca que as linhas coloniais de Guaporé que mais se desenvolveram foram

aquelas cortadas por essa rota, sendo que os três primeiros distritos a se emancipar – Casca,

Muçum e Serafina Corrêa – possuíam seus núcleos cortados pela mesma, indicando a sua

importância. De acordo com Balbinot (2014):

(...) as antigas linhas, depois distritos e municípios devem, em grande parte, seu desenvolvimento às ligações rodoviárias que permitiam condições mais adequadas ao escoamento de seus gêneros agrícolas e agroindustriais, permitindo um impulso desenvolvimentista e político (BALBINOT, 2014, p. 65).

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A estrada Tiradentes (Figura 19) serviu como principal ligação das três localidades com a sede

da colônia – posterior distrito e cidade de Guaporé – até o ano de 1980, quando foi construída

a RS-129, numa nova rota que desviou das áreas centrais dos núcleos (ROSSETO, 2005).

Figura 19 – Mapa do município de Guaporé em 1926. Estrada Tiradentes (em vermelho), ligando as

localidades em estudo à sede da colônia de Guaporé. Fonte: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, de Caxias do Sul, adaptado pela autora,

2018.

Além da antiga rota (que aproximava as localidades espacialmente e economicamente), os três

núcleos compartilharam os processos político-administrativos no decorrer do século XX. Como

visto anteriormente, quando a colônia de Guaporé (fundada em 1892) tornou-se município, em

1904, São Luís de Cáscara50 (atual Casca) foi elevado à categoria de segundo distrito de

Guaporé. Em 1911 foi criado o quinto distrito de Guaporé, denominado Dona Fifina Corrêa51,

com sede na Linha 11 (atual Serafina Corrêa), que abrangia em seu território a Linha 15, atual

50 De acordo com Gellati (1985), o nome “São Luís de Cáscara” é uma referência ao padroeiro da igreja do povoado, São Luís. O termo “Cáscara” se refere ao arroio que corta a parte norte da sede do município, que também era conhecido como arroio Casca. 51 O nome “Dona Fifina Corrêa” e posterior “Serafina Corrêa” foi dado em homenagem à esposa do primeiro intendente de Guaporé, o engenheiro Vespasiano Corrêa.

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distrito de Evangelista. Em 1936, a Linha 15 foi elevada à sede do 10º distrito, denominado

distrito Mauá, e posteriormente, distrito de Evangelista52.

Quando Casca desmembrou-se de Guaporé, em 1954, o distrito de Evangelista passou a fazer

parte do território do novo município, ao qual pertence até os dias atuais. A Figura 20 traz uma

linha do tempo que ilustra o processo de articulação político-administrativa compartilhado

pelos três núcleos aqui estudados:

Figura 20 – Linha do tempo, com marcos da divisão político-administrativa do objeto de estudo. Em

cinza está a trajetória da sede de Casca; em azul, da sede de Serafina Corrêa; e em verde, da sede distrital de Evangelista.

Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

Atualmente, a RS 129 é a principal ligação entre as cidades de Casca e de Serafina Corrêa,

separadas por uma distância de 21 quilômetros (Figura 21). Os municípios estão localizados na

região fisiográfica denominada Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul, mais

especificamente, na formação Serra Geral, caracterizada por derrames de lava basáltica (HESS

E SCHNEIDER, 2010). Esta região está situada no bioma da Mata Atlântica, com destaque

para a presença da Araucária angustifólia (HESS E SCHNEIDER, 2010). O clima, segundo o

sistema de Köppen, é do tipo Cfb1, temperado úmido (MORENO, 1961), com inverno frio e

úmido (com geadas frequentes) e verão quente e relativamente mais seco que o inverno.

52 O nome dado ao 10º distrito foi uma homenagem ao Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza (WICKERT, 2004).

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Figura 21 – Mapa de localização dos núcleos objeto de estudo.

Fonte: Autora, com base em mapas do Google Maps, 2017.

O município de Casca, localizado a uma distância de 227 km da capital gaúcha de Porto Alegre,

abrange uma área de 271,857 km², fazendo divisa: ao norte com o município de Santo Antônio

do Palma; ao leste com os municípios de São Domingos, Nova Bassano e Paraí; ao sul com

Serafina Corrêa; e ao oeste com Vila Maria, Montauri e parte de Serafina Corrêa. O município

de pequeno porte conta com uma população aproximada de 9.080 habitantes, sendo que 59%

dos moradores residia na zona urbana (IBGE, 2017). O núcleo do distrito de Evangelista está

situado a uma distância de, aproximadamente, 10 km do núcleo urbano de Casca. O acesso

principal ao distrito se dá pela RS 129, que liga Casca ao município vizinho de Serafina Corrêa,

sendo o restante do trajeto realizado através de 1,6 km de estrada calçada com pedra basáltica.

A economia do município é baseada na agroindústria e na produção primária, principalmente

nas culturas de milho e de soja; na pecuária, se destaca a suinocultura e a produção leiteira

(CASCA, 2017). Grande parte da população casquense (cerca de 71%) é de origem italiana,

considerando também a presença de descendentes de poloneses (cerca de 22% da população)

(CASCA, 2017). A população se caracteriza por sua grande religiosidade, sendo que 98% é

católica (IBGE, 2017).

O município vizinho Serafina Corrêa possui uma área territorial de 163,283 km² e está

localizado a uma distância de 216 quilômetros de Porto Alegre. Além de fazer divisa com Casca

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(ao norte), tem limite ao sul com o município de Guaporé, ao leste com Nova Bassano e ao

oeste com os municípios de União da Serra e Montauri. Assim como Casca, Serafina Corrêa é

um município de pequeno porte, com uma população estimada de 16.184 habitantes em 2017,

preponderantemente católica (85% da população)53 e, na sua maioria, descendente de

imigrantes italianos (ROSSETO, 2005). Porém, diferentemente do vizinho, a população

serafinense é predominantemente urbana, com 86% residindo na cidade (IBGE, 2017).

O setor da indústria tem participação representativa na economia e na geração de empregos em

Serafina Corrêa (SEBRAE, 2017). No setor primário destaca-se o cultivo de soja, milho, uva e

laranja, bem como a criação de suínos (SEBRAE, 2017). Percebe-se que a suinocultura é uma

atividade tradicional na região, sendo importante para a economia desde o período da colônia

de Guaporé. A cidade de Serafina Corrêa, mais precisamente, desenvolveu-se economicamente

após a instalação do Frigorífico Franciosi, Nardi & Cia, em 1922 (Figura 22), posteriormente

denominado Frigorífico Ideal (BALBINOT, 2014). Atualmente, o Frigorífico pertence à BRF

S. A., e ainda tem importante papel na geração de empregos e renda no município.

Figura 22 – Operários do Frigorífico Ideal em confraternização, 1946.

Fonte: Arquivo Histórico de Serafina Corrêa, 2017.

Os municípios de Serafina Corrêa e de Casca, ambos com uma população menor que 20 mil

habitantes, possuem uma forte ligação com a cultura dos imigrantes italianos que colonizaram

a região (Figura 23), carregando traços dessa ocupação na sua paisagem e na construção da

identidade de seus moradores. No Brasil, os pequenos centros são, geralmente, os lugares onde

os moradores estão mais conectados com as suas raízes. Segundo Paiva (2015), muitas das

comunidades quilombolas, caiçaras, indígenas e de imigrantes apresentam suas heranças

53 IBGE, 2017.

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culturais como distintivos de identidade, almejando reconhecimento social e valorização de sua

cultura.

Figura 23 – Comemoração do dia da Etnia Italiana em escola infantil de Serafina Corrêa.

Fonte: Legislativo de Serafina Corrêa, 2009.

A religiosidade, ou melhor, a catolicidade observada em ambos os municípios é um traço

herdado da colonização de origem italiana54 na região, a qual influenciou não somente a

identidade dos moradores, mas também a configuração das cidades. Como mencionado

anteriormente, as capelas construídas pelos primeiros moradores das linhas eram um ponto de

convergência, no entorno da qual eram construídos o cemitério, a escola, o salão comunitário,

entre outros equipamentos, transformando-se no centro socioeconômico e religioso daquela

comunidade. Com o passar dos anos, o entorno da capela ia sendo ocupado por habitações, por

casas de comércio, hospedarias, etc. Assim, gradativamente, iam se criando pequenos povoados

– as chamadas capelas – e, quando a capela era elevada à paróquia, as pequenas comunidades

atraíam mais moradores e investimentos, transformando-se em vilas e até em cidades55

(ROSSETO, 2005). Esse é o caso das cidades de Serafina Corrêa56 e Casca57 (Figura 24), que

se desenvolveram ao redor da igreja, bem como do distrito de Evangelista.

54 No caso do município de Casca, a presença – em escala menor – de imigrantes poloneses também influenciou na religiosidade, já que este povo também é conhecido por sua fé (GELATTI, 1985). 55 Este processo é observado nas pequenas cidades da RCI. No caso das cidades maiores, a grande maioria desenvolveu-se por se tratar da sede de direção dos núcleos coloniais (ROSSETO, 2005). 56 A capela da Linha 11 (Serafina Corrêa) foi elevada à paróquia em 1905, com o nome de Paróquia Nossa Senhora do Rosário (PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO, Livro de Tombo nº1). 57A capela do distrito de São Luis de Cáscara (Casca) foi elevada à categoria de paróquia em 1921, mantendo a mesma denominação (GELATTI, 1985).

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Figura 24 – Fotografia do núcleo urbano de Casca em 1953, um ano antes de sua emancipação.

Observa-se a posição privilegiada do edifício religioso na malha urbana. Fonte: Arquivo Histórico de Casca, 2018.

A organização urbana das cidades em questão se dá num traçado regular, de base geométrica,

levemente modificada pela topografia em morros característica da região. Mais precisamente,

o traçado ortogonal58 deveu-se ao envolvimento do Estado na função de elaborar projetos,

fiscalizar alinhamentos e divisões das linhas e lotes nas colônias (WEIMER, 1987). Este traçado

se configura como um elemento estruturante, no qual estão inseridos os diferentes elementos

que compõem as cidades, como as vias, a praça principal, os edifícios comerciais, residenciais,

institucionais, dentre outros. As ruas principais, ou seja, as ruas do comércio das cidades de

Serafina Corrêa (Av. Miguel Soccol) e de Casca (Rua Tiradentes), são resquícios da antiga

Estrada Tiradentes, traçadas sobre o trecho da rota que cruzava os núcleos. A igreja matriz de

cada cidade está situada na praça principal, em frente à antiga rota (Figuras 25 e 26).

58 Para saber mais, consultar TEIXEIRA (1996) e BORIE e DANIEUL (1984).

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Figura 25 – Vista aérea da cidade de Casca.

Fonte: Google Earth, 2018, adaptado pela autora.

Figura 26 - Vista aérea da cidade de Serafina Corrêa.

Fonte: Google Earth, 2018, adaptado pela autora.

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Figueiredo (2015), ao analisar a paisagem da Quarta Colônia de Imigração, no centro do estado,

afirma que a paisagem rural das regiões de imigração italiana no Rio Grande do Sul é marcada

pela presença de pequenas propriedades rurais familiares, distribuídas em lotes estreitos

perpendiculares aos caminhos, geralmente em fundos de vales, com as moradias localizadas na

parte frontal dos lotes. Esta observação do autor revela que a paisagem rural dessas regiões

possui, ainda hoje, aspectos relacionados à forma de estabelecimento dos primeiros imigrantes

nas linhas.

O núcleo distrital de Evangelista, na zona rural de Casca, está organizado ao longo de uma via

principal que, da mesma forma que acontece nas cidades analisadas, está traçada onde antes era

a rota de tropeiros. Esta via segue paralela ao rio Barra Funda, que cruza o núcleo de norte a

sul. De acordo com Wickert (2004), a organização espacial do núcleo está diretamente

relacionada com o curso do rio, que colaborou na organização linear, determinando, na maioria

das vezes, o fundo dos lotes (Figura 27). A igreja está situada num local de destaque, mais

elevado em relação ao restante do núcleo. Ao lado dela está o salão comunitário, num

enquadramento típico dos povoados rurais na RCI (Figura 28).

Figura 27 - Vista aérea do núcleo distrital de Evangelista, Casca.

Fonte: Google Earth, 2018, adaptado pela autora.

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Figura 28 - Igreja do núcleo do distrito de Evangelista, construída em 1940, situada em local

privilegiado na paisagem. Ao lado se encontra o salão comunitário. Fonte: Autora, 2018.

Percebe-se que a forma urbana das três localidades está intimamente ligada ao processo de

formação e de colonização de imigrantes italianos na região. Entretanto, por ter um caráter

dinâmico, a paisagem está sempre em transformação. Diante disso, empreendeu-se um estudo

para identificar as transformações sócioespaciais e os seus efeitos na paisagem estudada,

apresentado a seguir.

2.2 TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS E CULTURAIS

As recentes mudanças a nível mundial do quadro econômico, político, social e tecnológico são

frutos do processo de globalização que se intensificou a partir das últimas duas décadas do

século passado. Esse processo colaborou significantemente para a conexão e integração de

comunidades e organizações, que culminam em novos tipos de relações sociais e em novas

combinações de espaço-tempo. Ou seja, a globalização interconectou as sociedades,

diminuindo as distâncias e comprimindo as escalas temporais, remodelando a ideia clássica de

sociedade como um sistema delimitado (HARVEY, 1999; HALL, 2005). Esta mobilidade

espacial, que engloba as instâncias física e digital, considera as distâncias, as escalas temporais

e tem grande impacto sobre as identidades culturais.

A coexistência de diferentes símbolos e referências culturais em um mesmo grupo é cenário

comum nas sociedades contemporâneas. O fluxo acelerado de informações modifica as

identidades num processo natural, de modo que novas formas de pensar e de existir são

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inevitáveis na busca de um convívio junto às demais sociedades (DIAS, 2011). As identidades

se tornam, então, maleáveis e multiculturais, pertencendo a vários lugares e impregnando-se de

contradições entre as diferentes escalas de pertencimento (FROEHLICH, 2004).

O processo de globalização e o atual modelo econômico neoliberal tendem à igualizar as

culturas e as paisagens, gerando, muitas vezes, uma supervalorização do novo e eliminando os

vestígios do passado nas concepções contemporâneas de planejamento urbano (NÓR, 2010).

Para Alsayyad (2014, p.2), os eventos das últimas décadas criaram uma “dramatically altered

global order” que requer uma nova compreensão do papel da tradição e do patrimônio na

criação do espaço social e na configuração da forma da cidade.

Os municípios de Casca e de Serafina Corrêa, como tantos outros, estão passando por tais

transformações. Em Casca, a principal mudança socioespacial e cultural observada está

relacionada à reconfiguração das relações entre urbano e rural. A globalização, ao aumentar e

dinamizar o fluxo de pessoas, bens, serviços, produtos e informações, ampliou

consideravelmente a presença de características urbanas em áreas rurais e vice-versa

(WANDERLEY, 2013). Neste contexto, já não cabe mais definir limites físicos ou culturais

aos espaços urbano e rural em uma determinada localidade, pois há uma intersecção de ambos,

que gera novas formas de identificação do homem com o território. Para Wanderley (2013), as

transformações nas sociedades rurais tradicionais ocasionadas, dentre outros aspectos, à

modernização da agricultura, à industrialização e à urbanização do campo, impactam

diretamente nas suas esferas econômica, social e ambiental. Tal processo pode ser observado

nas alterações que vêm ocorrendo na paisagem do núcleo distrital de Evangelista, na zona rural

de Casca, onde construções do início do século XX – que revelam a adaptação dos saberes

construtivos dos imigrantes ao contexto local – convivem lado a lado com indústrias, serviços

(em especial o turismo rural e cultural), residências contemporâneas e comércio, em uma

relação que confere dinamismo à localidade, mas também pode gerar conflitos.

Em contrapartida, a velocidade das mudanças vivenciadas pela sociedade e a consequente perda

de valores, de referências e de símbolos faz com que, desde as últimas décadas do século XX,

ocorra uma revalorização do local, do singular, das tradições e da história (CASTELLO, 2000;

NÓR, 2010; SARATE, 2014). Diante disso, em Evangelista, o rural vem sendo redescoberto

como um espaço onde o passado e a tradição são revisitados com os propósitos do presente. Ou

seja, o passado é reconstruído e vendido como sendo belo, puro e acolhedor, em oposição ao

caos da vida urbana contemporânea.

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Concomitante a esta demanda social pelo retorno às raízes, há uma tendência de práticas de

intervenções urbanas caracterizadas por empregar elementos da memória cultural na

revitalização e renovação de áreas tidas como estagnadas, geralmente localizadas nas zonas

centrais e/ou mais antigas das cidades. Para Castello (2001), tal processo ocorre basicamente

de duas maneiras: pelo emprego de elementos que já estão presentes no ambiente urbano e que

fazem parte da imagem coletiva e da história de determinada cidade; e pela inserção de ícones

que possuam alguma relação distante com a memória local, criando cenários que afastam o

usuário da realidade e acabam por criar percepções ilusórias. Esse é o caso de Serafina Corrêa,

onde a principal transformação identificada nesse estudo ocorre no ambiente urbano. A cidade

passou por uma série de intervenções urbanas na década de 1990, onde foram implantas réplicas

de monumentos históricos da Itália em um eixo central, denominado Via Gênova, numa alusão

à terra natal de seus ancestrais. Essa inserção de ícones alienígenas na paisagem faz parte de

uma tendência observada nas últimas gestões públicas em ressaltar as referências culturais

herdadas da imigração italiana, numa espécie de marketing urbano, como veremos mais adiante.

2.2.1 Redescobrindo Evangelista - Casca

A primeira metade do século XX é tida pelos locais como de prosperidade para Evangelista. A

localidade, que possuía uma economia baseada essencialmente na agricultura familiar e no

comércio – fomentado pela rota traçada pelos carreteiros em direção ao porto fluvial de Muçum,

no Vale do rio Taquari –, teve sua economia impulsionada na década de 1920 pela instalação

de um matadouro, filial do frigorífico Vila Oeste (WICKERT, 2004). Nesse período, outros

estabelecimentos foram instalados na localidade pelos próprios moradores, como um engenho

de erva-mate, uma fábrica de laticínios e outro matadouro de suínos, que se transformou em um

próspero frigorífico em 1929, impulsionando a criação de suínos em grande escala no distrito

(GELATTI, 1985). Porém, de acordo com Gelatti (1985), a falência desse frigorífico em 1939

e de alguns outros estabelecimentos abalou a economia e a autoestima da comunidade,

desacelerando o seu desenvolvimento econômico. Além disso, um grave temporal se abateu

sobre a região na década de 1950, destruindo diversos sobrados (Figura 29) e contribuindo com

o abatimento dos moradores (WICKERT, 2004).

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Figura 29 – Casarões de madeira atingidos por enchente, abril de 1956.

Fonte: Arquivo Histórico de Casca, 2018.

Soma-se aos aspectos acima citados, o fato do distrito não ter se emancipado (ver APÊNDICE

A), e da rodovia RS 129 – que liga Casca às cidades da região do Vale do rio Taquari – ter sido

aberta desviando o tráfego tanto comercial quanto de veículos de passeio de Evangelista. Tais

aspectos contribuíram para que a localidade passasse por um período de estagnação econômica

nas últimas décadas do século passado (WICKERT, 2004).

Esta estagnação, apesar de afetar algumas dinâmicas citadinas, possibilitou uma certa

permanência da paisagem; o que explica a concentração de antigos casarões de madeira no

pequeno núcleo do distrito, construídos nos fins do século XIX e primeiras décadas do século

XX (Figuras 30 e 31). Essas edificações revelam a adaptação do conhecimento e técnicas

construtivas trazidas pelos imigrantes italianos do seu país de origem ao contexto local,

construídas, principalmente, com a madeira da araucária (Araucaria angustifólia), que, como

mencionado anteriormente, era encontrada com abundância na região na época da colonização.

Em 2004, a pesquisadora Ana Paula Wickert realizou um levantamento das construções de

interesse histórico em Evangelista (ANEXO D). Porém, como observado em visita à localidade,

alguns dos sobrados registrados naquele ano desapareceram devido ao estado de abandono ou

por iniciativa dos proprietários.

O Sr. Marciano Giuriatti, morador e turismólogo responsável pelo setor de turismo de

Evangelista, revelou que nas últimas décadas do século XX ocorreu um processo emigratório

da população jovem da localidade para a cidade de Casca e outros centros urbanos maiores, em

busca de emprego e melhores condições de vida. Há relatos de famílias inteiras que

abandonaram as suas casas e partiram para a zona urbana de Casca e outras cidades do estado.

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Por um longo período, muitos desses casarões ficaram abandonados ou servindo como

depósitos de equipamentos agrícolas, dentre outros.

Figura 30 - Casa da família Palma, construída na primeira década do séc. XX. Fonte: Autora, 2018.

Figura 31 - Casa da família Marcheze, construída na década de 1930.

Fonte: Autora, 2017.

Em comparação feita entre um mapa de Evangelista de 1936 – ano em que o povoado foi

elevado à categoria de distrito, ainda conhecido como Mauá – e uma imagem de satélite de

2007 – quando a vila ainda se encontrava em um processo de estagnação econômica e

demográfica –, pode ser observada a mudança na configuração espacial da vila, com o

desaparecimento de algumas vias e edificações (Figura 32). Esta mudança é mais perceptível

na região onde ficavam as instalações do frigorífico anteriormente mencionado, como os

pavilhões e as moradias dos funcionários (área destacada em azul). Deste frigorífico, somente

restou na paisagem alguns poucos resquícios, como o antigo armazém de embutidos (Figura

33).

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Figura 32 – Á esquerda, mapa de Evangelista de 1936, com as edificações existentes na época

pontuadas e, à direita, imagem de satélite de 2007. A figura demonstra as mudanças espaciais causadas pela estagnação do crescimento econômico e populacional.

Fonte: Wickert, 2004, e Google Earth, adaptado pela autora, 2018.

Figura 33 – Armazém do antigo frigorífico, um dos poucos resquícios deixado pela

agroindústria na paisagem da vila. Fonte: Autora, 2017.

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Atualmente, a economia do distrito está baseada no cultivo de soja e milho, na suinocultura e

na avicultura. Porém, em seu núcleo, poucas são as famílias que se dedicam às atividades

primárias. Na última década foram implantadas no local uma fábrica de implementos agrícolas

e uma indústria de laticínios, além de três fábricas de móveis, marcando a paisagem da

localidade e provocando mudanças na rotina dos moradores (Figura 34). Segundo o Sr.

Marciano Giuriatti, essas indústrias atraíram novos moradores para Evangelista, advindos de

outras cidades, que alugam as casas desocupadas para passar temporadas de trabalho.

Figura 34 – Fábrica de móveis no distrito de Evangelista.

Fonte: Autora, 2017.

O crescimento do setor industrial evidenciado no distrito de Casca não se deu pelas vantagens

locacionais de caráter econômico oferecidas pela gestão pública, como acontece em outras

regiões do globo com a disseminação espacial dos serviços, resultado de políticas de

“descentralização econômica” (WANDERLEY, 2013, p. 97). Conforme relata Giuriatti, o fato

do relevo acidentado do núcleo dificultar a agricultura nos lotes (Figura 35), fez com que os

moradores que permaneceram na localidade buscassem alternativas para incrementar sua renda.

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Figura 35 - Vista do núcleo do distrito de Evangelista, onde se observa a implantação em topografia

acidentada. Fonte: Autora, 2018.

O desenvolvimento industrial percebido em Evangelista se contrapõe à ideia generalizada que

vincula a industrialização ao espaço urbano. Para Wanderley (2013), é dessa capacidade de

atrair outras atividades econômicas e outros interesses sociais que depende o desenvolvimento

dos espaços rurais nas sociedades pós-modernas.

A sociedade contemporânea, fundamentada essencialmente no capitalismo, possui uma

dinâmica centrada, basicamente, nos processos de industrialização e de urbanização

(WANDERLEY, 2013). Mike Davis (2006), ao analisar o processo de crescimento das grandes

cidades ao redor do mundo, discute também as mudanças ocorridas no espaço rural, baseando-

se nos estudos realizados pelo antropólogo Gregory Guldin no sul da China. Mais precisamente,

Davis mostra como o campo vem se urbanizando, não havendo mais a necessidade da

população rural migrar para as cidades. Esta junção entre urbano e rural resulta numa paisagem

híbrida, na qual são formadas redes de conexões que ligam os núcleos urbanos às suas áreas

circundantes, tornando difuso o limite entre campo e cidade (DAVIS, 2006).

Tais aspectos, principalmente de ordem econômica, afetaram de maneira representativa o modo

tradicional de produzir do agricultor, com a gradativa modernização do processo de produção

na agricultura, traduzindo-se numa maior integração deste setor com o mercado

(WANDERLEY, 2013). Neste processo, além da hibridização das configurações socioespaciais

e econômicas, as identidades ali construídas passam a não mais ter referências culturais

homogêneas e coerentes, se reformulando diante da coexistência e do movimento entre

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diferentes símbolos e escalas espaço-temporais (FROEHLICH, 2004). Froehlich (2004) afirma

que estas identidades tendem a ser fluídas e reconstruídas perante uma mescla de referências,

fazendo com que o indivíduo se encontre, frequentemente, diante de situações paradoxais.

Sobre o assunto, Mormont (2015) expõe que,

Todos esses processos tendem a desterritorializar, isto é, cortar e reduzir os vínculos com a materialidade das terras, com os processos biológicos “naturais”, com as trocas locais, com as culturas específicas para constituir conjuntos sociotécnicos transponíveis, deslocáveis, ou seja, universalizáveis (MORMONT, 2015, p.53).

Ou seja, a falta de uma identificação estável de um indivíduo e/ou de um grupo com

determinado espaço causa a sua desterritorialização. Todavia, segundo Froehlich (2004, p.2),

“(...) este fenômeno não anula a referência espacial, antes instaura uma forma de concorrência

entre espaços locais ou regionais (...) em que as heranças ecológica, cultural, paisagística,

social, ambiental acabam constituindo a diferença valorizada”. Por essa ótica, percebe-se como

os processos de globalização e a consequente massificação cultural levam o indivíduo à buscar

algo que o diferencie dos demais, numa nova valorização do regional (SARATE, 2014).

Foi diante deste contexto, evidenciado, principalmente, nas pequenas aglomerações humanas,

que o espaço rural passou a constituir o núcleo possuidor da herança, dos valores seguros e do

passado histórico que alimentam o imaginário e as práticas de “relocalização” da sociedade

contemporânea, ou seja, o rural se torna uma base para novas configurações identitárias

(FROEHLICH, 2004). Portanto, não se trata somente da penetração do urbano e da indústria

no meio rural, mas também do consumo realizado pela sociedade urbana de bens – tanto

simbólicos quanto materiais – próprios da cultura rural. A ruralidade pode ser vista, então, como

um constante e dinâmico processo de incorporação de novos valores e hábitos pelas culturas

locais (RIBEIRO, DAL FORNO E MIGUEL, 2015).

Mormont (2015), em suas análises sobre a construção europeia do rural, explica que após a

Segunda Guerra Mundial houve uma tentativa de modernização da agricultura, numa

organização industrial de produção que pretendia liberar a mão de obra para as cidades

industriais. Porém, tal modelo não foi aceito pelos habitantes das regiões rurais, ligados à sua

terra. Assim, os governos europeus – cada um a seu modo – redefinem a agricultura a partir de

um modelo de agricultura familiar moderna, tornando o espaço rural mais produtivo, associado

a serviços que amparam esses indivíduos e atraem a população urbana, que vai para o campo

em busca de lazer e descanso. Dessa forma, o mencionado processo de integração e de

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modernização do meio rural também ruralizou a modernidade, inserindo nela representações

idealizadas do rural (MORMONT, 2015).

Esse processo pode ser percebido em Evangelista em casos como o do casarão da família

Gazaro, utilizado como “casa de final de semana”. Em conversa com a herdeira da edificação

durante a realização do walkthrough (APÊNDICE C), foi revelado o interesse da família em

conservá-la, pois, além de possuir uma forte ligação afetiva com ela, a paisagem rural

proporciona momentos de lazer e tranquilidade à família. Relatos como esse se tornam cada

vez mais comuns na localidade e demonstram o crescente interesse da população urbana pelo o

que o rural representa, ou seja, um retorno às raízes e à vida tranquila remetida aos tempos

passados. Tal fato vem de encontro à visão de Wanderley (2013), em que os espaços rurais

deixaram de ser um espaço prioritário de produção e se tornaram também espaço de consumo,

voltado às atividades de lazer e de residência secundária da população urbana.

Essa apropriação, pela população urbana, dos bens culturais e naturais do espaço rural, não

implica necessariamente no desaparecimento das culturas locais, mas pode, de maneira oposta,

reforçar a conexão da comunidade com a dimensão local (FROEHLICH, 2004). Nesse sentido,

as relações entre campo e cidade e as suas características sociais, culturais, políticas e

econômicas são redefinidas pela modernidade, e não anuladas. Essa perspectiva se contrapõe

àquela que afirma que a globalização – e os consequentes processos de urbanização,

industrialização e/ou modernização dos meios de produção, inclusive agrícola – seria a

principal causadora da uniformização da sociedade, isto é, da eliminação das particularidades

culturais de certos espaços e/ou grupos sociais (WANDERLEY, 2013).

Harvey (1999) observa que a luta pela manutenção da lucratividade faz com que fossem

exploradas novas possibilidades, gerando a necessidade de diferenciação dos lugares para atrair

capital. Esse fato, associado às belezas naturais e ao casario histórico, tem impulsionado o

turismo em Evangelista. A procura por elementos e símbolos do rural, onde a herança dos

antepassados e a lembrança de um estilo de vida mais simples ainda sobrevive, é o que leva

muitos moradores da região e de outras cidades do estado a visitar a vila. Em entrevista,

Giuriatti (APÊNDICE A) afirma que a paisagem natural da vila, com seus morros, matas e

fauna, a diferencia das demais da região. Além disso, os aspectos culturais materiais e imateriais

da paisagem de Evangelista se tornam um atrativo para os visitantes:

Também [se manteve, além da arquitetura do imigrante] os aspectos culturais na parte da gastronomia, o respeito aos familiares, usos e costumes, de vivências, de tradições que em outros lugares se perdeu. (...) Por isso que a

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gente tem um potencial [turístico], porque a gente manteve uma personalidade própria, e a gente não perdeu totalmente a nossa italianidade (Marciano Giuriatti, turismólogo e morador de Evangelista59).

Tal atividade tem contribuído para a reaproximação dos moradores com o lugar e a consequente

fixação da população no local, além de influenciar na autoestima dos habitantes, que se sentem

valorizados ao perceber o interesse e deslumbre do visitante.

Esta população, até pouco tempo, possuía uma relação conflituosa com o seu passado que, para

Wickert (2004), resultava da falta de oportunidades e de desenvolvimento da localidade.

Segundo Giuriatti, a partir da instalação dos estabelecimentos industriais em Evangelista, houve

um aumento no interesse entre os jovens de permanecer no local. O entrevistado relatou também

que há vários casos de casamentos de jovens que nasceram na comunidade com parceiros de

outros centros urbanos que optaram por fixar residência na vila de Evangelista.

Hoje, a paisagem do núcleo distrital está tomada por obras de novas e modernas moradias,

construídas ao lado das antigas casas de madeira (Figura 36 e 37). Além disso, o turismo rural

também impulsionou a instalação de empreendimentos do setor terciário, como bares e

restaurante. Os novos usos, já materializados na paisagem, representam uma nova etapa da

economia na localidade.

Figura 36 - Obras da residência de um jovem casal ao lado da casa dos pais.

Fonte: Autora, 2017.

59 Entrevista realizada em maio de 2018 (ver APÊNDICE A).

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Figura 37 – A relação entre o antigo e o novo na paisagem de Evangelista.

Fonte: Autora, 2018.

Nesta dinâmica, as configurações socioespaciais são reconstruídas, de forma que o antigo e o

novo, a tradição e as novas culturas, o histórico e o moderno se fundem no mesmo espaço. Por

esse viés, é reforçada a afirmação de Santos (1999), de que a paisagem se trata de um

palimpsesto, onde as diferentes épocas vão deixando marcas e se sobrepondo no espaço.

Até o momento, tais transformações trouxeram dinamismo e desenvolvimento à localidade,

beneficiando a população local. Percebe-se que o turismo cultural é um recurso importante para

a valorização da cultura local e para o desenvolvimento econômico e social da comunidade. Na

experiência de Evangelista, as atividades turísticas surgiram do entusiasmo de alguns habitantes

– como o sr. Marciano Giuriatti – em relacionar os recursos patrimoniais da vila ao

desenvolvimento local. Porém, essa atividade deve ser gerida de forma que os recursos

patrimoniais transformados em atrações turísticas não percam o seu caráter.

Isso acontece porque a presença da atividade turística na vida de uma comunidade tende a fazer

com que a população local reinvente o seu cotidiano e até reconstrua a sua identidade para

entreter e impressionar o visitante, como observado pela pesquisadora francesa Alessia de Biase

(2001) ao analisar o percurso turístico Caminhos de Pedra60. Nessa reinvenção, tem-se o risco

60 Caminhos de Pedra é um roteiro turístico rural e cultural, de iniciativa privada, proposto por agentes promotores aos moradores das Linhas Palmeiro e Pedro Salgado, na zona rural do município gaúcho de Bento Gonçalves, antiga colônia Dona Isabel. Tal roteiro consiste em um eixo onde estão implantadas casas típicas de famílias de descendentes de imigrantes italianos, onde cada casa oferece um diferencial ao turista em relação à gastronomia, ao folclore, às habilidades manuais, entre outros, resgatando as antigas tradições da comunidade para apresentá-las ao visitante (disponível em www.caminhosdepedra.org.br).

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das tradições locais e da identidade dos lugares serem sobrepostos pela lógica turística, devido

ao surgimento de novos valores e referências (NÓR, 2010).

Pelos razões acima citadas, entende-se que a lógica do capitalismo – que busca multiplicar a

produção e o consumo – acaba convertendo o espaço social e a cultura em mercadorias,

modificando as paisagens e a memória do lugar (NÓR, 2010). Diferentemente de Evangelista

– onde a proposta de desenvolvimento local amparada nos recursos surgiu da própria

comunidade –, na vizinha Serafina Corrêa essa iniciativa foi feita de cima para baixo, onde as

sucessivas gestões administrativas apoiaram-se nas referências culturais herdadas da

colonização italiana a fim de criar um cenário que seja um diferencial da cidade perante o

mercado turístico, chegando a inserir elementos arquitetônicos “alienígenas” no ambiente

urbano.

2.2.2 A construção de um cenário em Serafina Corrêa

Kevin Lynch afirma em seu livro A Imagem da Cidade (2011) que as pequenas cidades são,

muitas vezes, privilegiadas por possuírem um ambiente belo, uniforme e agradável. Por isso, a

maior parte da população americana, que vive nas caóticas metrópoles, relaciona a qualidade

ambiental às cidades vistas em breves visitas de férias e/ou na condição de turistas. Nesses

casos, o turista busca suprir seu cotidiano rotineiro na autenticidade das referências culturais

vivida pelos moradores desses lugares (PAIVA, 2015).

De acordo com Alsayyad (2013, p.2), na presença de tais tendências e em meio à “monotony of

global high capitalism”, em um momento em que os produtos e serviços padronizados são cada

vez mais comercializados em todo o mundo, há uma demanda por ambientes construídos que

prometem experiências culturais únicas. Segundo o autor, muitos povos estão recorrendo à

invenção das tradições e à reescrita da própria história como forma de auto definição

(ALSAYYAD, 2013). Para Fagerlande (2015), o turismo faz com que se reinventem também

as cidades, muitas vezes resgatando tradições esquecidas que a própria comunidade busca em

suas memórias, iniciando um processo de formação de uma imagem da cidade a ser vendida.

A cidade de Serafina Corrêa, do mesmo modo que Evangelista, também aposta em seu capital

simbólico para atrair as atenções de visitantes e investidores. As sucessivas gestões públicas de

Serafina Corrêa buscaram (e ainda buscam) ressaltar as referências herdadas da imigração

italiana presentes em sua memória cultural. Exemplos disso são as festas tradicionais realizadas

na cidade, como a Festitália e a Festipizza, cujas campanhas publicitárias colocam Serafina

Corrêa como “uma das cidades mais italianas do Brasil” (Figura 38). Ademais, desde 2009, o

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talian – dialeto falado pelos imigrantes italianos e seus descendentes na RCI – é considerado

idioma co-oficial da cidade, pela lei municipal nº 2615 de 13 de novembro de 2013, intitulando-

se a “capital nacional do talian” (SERAFINA CORRÊA, 2013) (Figura 39).

Além das referências culturais como a gastronomia, a língua e demais costumes, Serafina

Corrêa busca evidenciar sua identidade cultural por meio da arquitetura, introduzindo

elementos na paisagem a fim de que estes se tornem referenciais e patrimônio do lugar.

Figura 38 – Anúncio do Festipizza, em Serafina Corrêa (grifo da autora).

Fonte: Festipizza, 2017.

Figura 39 – Placa em frente à Prefeitura Municipal de Serafina Corrêa, onde a frase escrita em talian diz: “Ninguém é tão grande que não possa aprender; ninguém é tão pequeno que não possa ensinar”.

Fonte: Autora, 2017.

Em casos como esse, Castello (2001) afirma que o projeto do lugar torna-se uma diretriz básica

a ser buscada pelo desenho da revitalização urbana, com a memória coletiva da cidade servindo,

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em muitos casos, como marketing urbano na gestão da cidade contemporânea. Tal associação

com a memória do lugar “assume posição tática como elemento instrumental para a projetação

urbanística, já que se torna no componente ativo do cenário urbano assim projetado”

(CASTELLO, 2000, p.12). Como dito anteriormente, há dois enfoques pertinentes nos projetos

de intervenções urbanas que fazem uso de referências da memória do lugar: um utiliza, nas

intervenções, elementos de valor cultural e patrimonial já presentes no ambiente urbano; e o

outro enfoque está relacionado à implantação de ícones no ambiente com a intenção específica

de estimular determinada percepção. Sobre esse segundo enfoque, Castello (2001) afirma que:

Lugar, nesse urbanismo, não é mais uma realidade: é uma fantasia materializada, onde a ação projetual tende a obliquamente gerar lugares mais próprios de uma meta-realidade, oferecendo imagens que transcendem a realidade enfadonha do cotidiano das cidades. Ou seja, tende a um ‘meta-urbanismo’ (CASTELLO, 2001, p. 07).

Observa-se comumente que, em muitos desses casos, a paisagem cultural é utilizada como

recurso socioeconômico empregado no desenvolvimento local. Por se tratar de um recurso não-

renovável, esse uso deve ser planejado de forma que o seu caráter peculiar e a sua integridade

sejam preservados. Contudo, tais práticas muitas vezes acabam por transformar a paisagem em

mercadoria, num objeto de consumo, fazendo com que se percam os seus reais significados.

David Harvey (2005) cita Barcelona como um exemplo dessa transformação da cidade em um

espetáculo para turistas. Segundo o autor, Barcelona apostou em seu capital simbólico para

entrar na lista das proeminentes cidades europeias, por meio do realce dado aos aspectos

relacionados à tradição catalã e do marketing em torno das realizações artísticas e arquitetônicas

de seus célebres habitantes, a exemplo do arquiteto Antoni Gaudí (1852-1926).

No Brasil, muitas cidades utilizam elementos da memória dos lugares nas intervenções urbanas.

De acordo com Fagerlande (2015), a cidade de Gramado, localizada na região da Serra Gaúcha,

construiu uma imagem de cidade europeia com o propósito maior de atrair turistas, a partir da

influência da imigração europeia na região e de seu clima frio. A princípio, o objetivo principal

de motivar o turismo na cidade era a divulgação de seus produtos artesanais e industriais, e a

valorização das tradições locais. Entretanto, a incessante busca por turistas e investimentos

acarretou num processo de cenarização do espaço urbano, com a participação da comunidade

local nessa tematização, modificando o seu cotidiano e seus costumes (FAGERLANDE, 2015).

Pode-se dizer que o que ocorre em Gramado (Figura 40) é um processo de disneyficação. A

disneyficação de um lugar se refere à transformação deste em um ambiente para a

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espetacularização de turistas, onde o patrimônio cultural passa por um processo de

artificialização, diminuindo seu contexto social a favor de uma apresentação mais estética e

mais facilmente comercializada (PAIVA, 2015).

Figura 40 – Centro de Gramado, RS, onde há a tentativa de reproduzir as paisagens urbanas dos Alpes

europeus. Fonte: Blog Dicas Para Viagens, 2017.

Alsayyad (2014) afirma que esse marketing urbano para atrair turistas se baseia em ícones como

sinônimo de cultura, na memorialização da história estabelecida através do visual e na ênfase

dada à lucratividade, ao invés da veracidade. Para o autor, o turismo na pós-modernidade expõe

muitos paradoxos da autenticidade como um ideal e como uma busca, pois, por um lado, é

baseado no desejo de uma experiência autêntica e, por outro, faz parte da economia do consumo

visual, estimulando a superficialidade do artificial (ALSAYYAD, 2014).

No caso de Serafina Corrêa, um dos mais significativos marcos empreendidos pela gestão

pública em relação ao marketing urbano em torno da cultura da imigração italiana, foi a

concepção da Via Gênova. Trata-se de uma rua projetada situada em frente à prefeitura

municipal, com aproximadamente 40 metros de largura, onde estão implantados cinco edifícios

que se conformam como réplicas de monumentos arquitetônicos italianos, além de um

monumento comemorativo, a Nave degli Imigranti (Figura 41). Este projeto é tido como

polêmico e despertou a atenção, no começo do século XXI, de pesquisadores como de Biase

(2001) e Castello (2001), por fazer uso de práticas pós-modernas que utilizam a memória de

uma cidade para introduzir ícones fictícios na paisagem, transformando-a em um cenário

temático e reforçando assim, a marca da cidade no mercado do turismo.

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Figura 41 – Vista da região central de Serafina Corrêa. No centro da imagem está o eixo Via Gênova,

com réplicas de monumentos italianos. Fonte: Odisseia, 2017.

A idealização do projeto se deu no início dos anos de 1990, após a construção, na década

anterior, do monumento Nave degli Imigranti em homenagem aos imigrantes italianos (Figura

42) (MAZZOTI e BACCA, 2016). Este monumento, em forma de barco, foi construído em

1986 pelo artista plástico gaúcho Paulo Batista de Siqueira (1949-1996) e está implantado sobre

a canalização a céu aberto do arroio Feijão Cru, na Avenida 25 de Julho (SERAFINA

CORRÊA, 2017). A implantação do mencionado monumento foi o pontapé inicial para a

concepção do que viria ser a Via Gênova (MAZZOTI e BACCA, 2016).

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Figura 42 – A Nave degli Imigranti. Monumento em homenagem à imigração italiana na região,

localizado sobre o Arroio Feijão Cru, em Serafina Corrêa. Fonte: Autora, 2017.

Conforme relato do Sr. Renato Peccin (APÊNDICE A), havia uma preocupação por parte da

administração, durante o segundo mandato do prefeito Sérgio Antônio Massolini61

(1993/1996), em relação ao arroio que passava em frente ao edifício da prefeitura. Como já

havia a Nave Degli Immigranti no local, o então secretário do turismo, Geraldo Arnaldo Peccin

(1955-2008) sugeriu a construção de um eixo turístico, com a inserção de réplicas de edifícios

representativos da Itália – e que ele havia visitado em viagem ao país – sobre o arroio Feijão

Cru. O encarregado pelo projeto foi o engenheiro Rudimar Peccin (1962-1994), que faleceu

antes que o projeto fosse executado; assim, a execução da Via Gênova ficou a cargo do

engenheiro Duarte Francisco Rottava62 (Figura 43).

As primeiras edificações concebidas na Via Gênova (Figura 44) foram as réplicas de Il Castello

Inferiore di Marostica, da Casa di Romeo e da Casa di Giuletta, inauguradas em maio de 1995.

Em novembro do mesmo ano foi iniciada a construção da reprodução da La Rotonda, de Andrea

Palladio e do Colosseo de Roma; este último concluído somente no ano de 2014 (Figura 45)

(SERAFINA CORRÊA, 2017). No projeto original da via ainda estava prevista a construção

de uma réplica da Torre di Pisa, de pequenas pontes sobre o arroio e de “pórticos venezianos”

61 Foi durante o primeiro mandato do prefeito Sérgio Antônio Massolini (1983-1988) que o monumento La Nave Degli Immigranti foi construído. Suas duas gestões foram marcadas por várias iniciativas em relação ao incentivo da cultura e valorização da memória da imigração italiana na cidade (MAZZOTTI e BACCA, 2016). 62 Ver transcrição da entrevista em Apêndice 1.

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nos pontos iniciais e finais da Av. 25 de Julho, que até o momento não foram executados

(MAZZOTTI e BACCA, 2016).

Figura 43 – Projeto original da Via Gênova, de Rudimar Peccin.

Fonte: Mazzotti e Bacca, 2016.

Figura 44 – Imagem de satélite do centro de Serafina Corrêa. Com a Via Gênova em destaque.

Fonte: Google Earth, adaptado pela autora, 2017.

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Figura 45 – “Réplicas” de monumentos italianos implantadas na Via Gênova.

Fonte: Autora, 2017.

Com exceção do Colosseo, que desde de dezembro de 2016 abriga o Centro Municipal de

Cultura Cida Franciosi, as demais edificações foram destinadas para o uso comercial63. De

acordo com Peccin, houve um acordo entre o setor público e a iniciativa privada, onde os

empresários que investissem na construção das obras, teriam o direito de usufruir

comercialmente da estrutura por 25 anos.

A pouca relação entre a forma e a função das edificações, bem como a descontextualização

histórica na qual os estabelecimentos comerciais foram concebidos, associada à exacerbação de

certos elementos e características arquitetônicas, tornam o conjunto de empreendimentos ainda

mais curioso; podendo ser considerado como exemplares da arquitetura Kitsch. A palavra kitsch

refere-se a todo material e/ou repertório que busque imitar uma produção original, “destinado

ao consumo de experiências estéticas facilmente assimiláveis (...)” (GUIMARAENS e

CAVALCANTI, 1979, p.09).

Kitsch, para Guimaraens e Cavalcanti (1979), é uma manifestação típica das classes econômicas

em ascensão, intrinsicamente ligada à busca de um status sociocultural tido como superior, por

meio da absorção de elementos culturais e estéticos pertencentes às classes mais altas. Segundo

Sêga (2010), mesmo que para muitos o kitsch esteja relacionado ao mau gosto, para o

consumidor nem sempre esse mau gosto fica evidente; isso porque usufruir – e até mesmo

63 Atualmente, na Casa di Romeo funciona uma loja de roupas e um salão de beleza; na Casa di Giulieta, uma danceteria; na La Rotonda, uma clínica estética e uma loja de artigos para decoração; e o Castello di Marostica abriga um bar café.

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consumir – um objeto kitsch, traz ao indivíduo a satisfação em estabelecer uma relação de

aproximação à uma cultura considerada superior. Por isso tal prática possui forte apelo popular,

pois exerce um reforço na autoestima e no ego do cidadão comum.

Com exceção do Colosseo, os outros edifícios representados estão localizados na região do

Vêneto, no norte da Itália, de onde proveio a maior parte dos emigrados que se instalaram na

região nordeste gaúcha. Segundo as informações prestadas pelo Sr. Renato Peccin, a escolha

dos monumentos replicados por Geraldo A. Peccin, que estava à frente da Secretaria do Turismo

de Serafina Corrêa na época, foi simplesmente por serem edifícios representativos da Itália.

Entretanto, De Biase (2001) apresenta uma hipótese sobre a escolha desses monumentos. Para

a pesquisadora, o fato dos edifícios escolhidos estarem implantados no interior de Vêneto – e

não na pomposa capital Veneza – revela como a arquitetura foi utilizada para comunicar a

mensagem de uma “venecianidade autêntica” (DE BIASE, 2001, p.183). Esta venecianidade se

relaciona às antigas Cidades-Estados do interior do Vêneto, e não à arquitetura bizantina

característica de Veneza, marcada por construções ricas em detalhes, tanto em seu exterior

como no interior. Porém, o Vêneto de palácios e de castelos – seja da capital Veneza, seja das

ricas cidades do interior – não representa o Vêneto rural e pobre conhecido e vivenciado pelos

imigrantes que embarcaram para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Em relação,

mais precisamente, à escolha do Colosseo, entrevistas realizadas por De Biase (2001) com

moradores da cidade demostraram que o monumento foi escolhido por ser um símbolo de

Roma, terra do Vaticano e centro do catolicismo, tão presente na cultura dos imigrantes vênetos;

tal constatação intrigou a autora, que faz uma reflexão sobre a contradição que há no emprego

de um símbolo da Roma Imperial e pagã para representar a fé cristã.

Interessa, assim, observar as várias referências desconexas verificadas na Via Gênova: o

Coliseu de Roma; os palácios do Vêneto; a torre de Pisa, na Toscana (não executada); e o

próprio nome do empreendimento, Via Gênova (uma referência ao porto de onde partiu grande

parte dos imigrantes). Tais referências remetem a diferentes regiões políticas, econômicas e

culturais de um país que estava em processo de unificação política na época em que os

emigrantes o deixaram.

A Rua 25 de Julho conforma-se então, num cenário temático que busca reproduzir (ou

introduzir) imagens da memória na cidade contemporânea, do qual a percepção do ambiente

torna-se refém. Tal lógica também foi seguida na main street da Disneylândia, nos EUA, que

reproduz uma rua principal típica das pequenas cidades antigas americanas. A Disney, com o

emprego dessa linguagem arquitetônica que reforça a criação de uma fantasia, permitiu o acesso

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da população a elementos que povoavam o seu imaginário, proporcionando uma fuga à

realidade e ao cotidiano (CASTELLO, 2000; VIEIRA, 2013).

No caso de Serafina Corrêa, a busca por referências externas, e em certo ponto alienígenas,

calcadas na cultura clássica do império romano e da Itália Medieval e Renascentista, parece ser

um esforço para abafar as lembranças do passado de privações e pobreza que seus antepassados

vivenciaram, destacando aspectos relacionados à riqueza e glória do país de origem. Pode-se

relacionar este fato ao já mencionado Jogo de Memória Urbano, um artifício para afastar o que

pode ser descartado daquilo que se percebe como identidade negativa, e que valoriza o que se

percebe no sentido de uma identidade positiva (JODELET, 2002).

Enquanto isso, a main street de Serafina Corrêa, historicamente construída e representada pela

Avenida Miguel Soccol (Figuras 46 e 47), que abriga edifícios autenticamente presentes no

ambiente urbano – os quais materializam a real história da construção da cidade e da identidade

cultural da população – sequer é mencionada no encarte que contém os pontos turísticos da

cidade distribuído por entre os visitantes.

Figura 46 – Fotografia feita a partir do campanário da Igreja Matriz, mostrando a Av. Miguel Soccol,

no final da década de 1950. Fonte: Arquivo Histórico de Serafina Corrêa, 2018.

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Figura 47 – Avenida Miguel Soccol, durante um encontro de automóveis antigos em frente à praça da

Igreja Matriz. Percebe-se que a via ainda é o centro de vivência da cidade, com a permanência de alguns edifícios antigos na paisagem.

Fonte: Prefeitura Municipal de Serafina Corrêa, 2013.

Muitas das construções ainda presentes na Avenida Miguel Soccol revelam a adaptação das

técnicas construtivas trazidas pelos imigrantes à nova realidade, construídas com material

disponível na região, em especial a madeira das araucárias. Dentre os antigos casarões

construídos com esse material, é marcante a presença do Casarão e o Moinho da família Pulga

(Figura 48), cuja construção, de acordo com dados da Prefeitura Municipal de Serafina Corrêa,

data de 1892. O edifício e o terreno desta edificação foram adquiridos de particulares pela

Prefeitura Municipal em 2015 e, segundo descrição no site da Prefeitura, há a intenção de

restaurá-lo e adaptá-lo para abrigar um futuro museu (SERAFINA CORRÊA, 2017).

Figura 48 – Casarão e Moinho da família Pulga, construções em madeira de araucária edificadas no

fim do século XIX, representantes da influência da imigração italiana na arquitetura da região. Fonte: Autora, 2017.

Observa-se que, ao contrário da vizinha Casca e seu distrito Evangelista, que se beneficiam do

potencial turístico da arquitetura de influência da imigração italiana, Serafina Corrêa procura

inserir novos elementos na paisagem a fim de recriar seu patrimônio cultural e atrair visitantes.

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Isso fica evidente ao acessar a aba “Pontos Turísticos” no site da Prefeitura Municipal de

Serafina Corrêa. Ali, dos treze itens listados como ponto de interesse turístico da cidade, oito

são relacionados aos elementos inseridos na paisagem, como a Via Gênova, o pórtico de entrada

da cidade, a Nave Degli Immigranti e o Mausoléu64; três possuem relação com a religiosidade;

um se refere às belezas naturais; e, somente no último item, denominado “outros pontos

turísticos” é que aparece a imagem (desprovida de um texto explicativo, diferente dos demais

itens) de uma construção de interesse histórico, o Casarão e Moinho Pulga, testemunho da

imigração italiana na região (SERAFINA CORRÊA, 2017).

Outro edifício de Serafina Corrêa que possui grande valor patrimonial é a Cantina Cervieri,

antiga cantina de vinho e sede da Sociedade Estrela Guaporense, fundada em 1929. O prédio,

também situado na Avenida Miguel Soccol, foi tombado pelo IPHAE no ano de 2010, através

da portaria nº 20/2010. O motivo principal do tombamento foi o seu valor como patrimônio

industrial, pois a edificação se configura como testemunho do início da industrialização do

vinho na região da Serra Gaúcha (IPHAE, 2017). Apesar deste reconhecimento, o edifício

encontra-se em situação de abandono, negligenciado pela administração pública, em

contraponto à atenção dedicada ao cenário turístico da Via Gênova. Além disso, a fachada

principal da cantina foi ofuscada pela construção de um edifício comercial, inserido na porção

do lote onde ficava o recuo frontal (Figura 49). Tais fatos demonstram que o tombamento

isolado da obra, sem um plano de preservação do seu entorno, não dá a garantia de salvaguarda

do edifício e da paisagem cultural.

Figura 49 – Imagem comparando o entorno da Cantina Cervieri em duas épocas diferentes. À

esquerda, fotografia da Cantina Cervieri na primeira metade do século XX. À direita, fotografia atual da mesma cantina, com sua fachada obstruída por edifício comercial.

Fonte: IPHAE, 2017, e autora, 2017.

64 Trata-se de um monumento feito pelo mesmo escultor da Nave Degli Immigranti, Paulo Batista Siqueira, disposto sobre túmulo onde estão guardados os restos mortais da Sra. Serafina Corrêa, falecida em 1945, transladados do Rio de Janeiro em 25 de Julho de 1985, por comemoração do 25º aniversário de emancipação do município (www.serafinacorrea.rs.gov.br).

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Le Goff (1990) afirma que essa forma de intervenção em que se escolhe o que deve e o que não

deve permanecer na memória é, antes de mais nada, o resultado de uma montagem da história

e do passado da sociedade que a produziu. Nas palavras do autor, tal prática “resulta do esforço

das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada

imagem de si próprias” (LE GOFF, 1990, p.547). Ou seja, projetos como a Via Gênova,

impostos pelos grupos que estão no poder, têm a intenção não só de atrair turistas, mas

principalmente de criar uma nova imagem de si, manipulando o passado e, consequentemente,

o que será memória no futuro. Aliás, essa intenção fica clara nas palavras de um dos engenheiros

responsáveis pela construção da Via Gênova, Duarte F. Rottava (2016): “Serafina Corrêa

conquistou com esse movimento, um imenso ‘Patrimônio Cultural’ e esse era o objetivo e o

sonho de toda a histórica equipe que viveu aqueles dias” (ROTTAVA, 2016, p.153).

2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES:

Por meio de visitas in loco e observação participativa verificou-se que a reconfiguração da

relação entre urbano e rural, o turismo e o marketing urbano fundamentado na (reconstrução

da) memória do lugar estão modificando a configuração e a imagem da paisagem em estudo. A

revisão bibliográfica específica, bem como as entrevistas informais com indivíduos que

possuem ligação com as transformações socioespaciais e culturais aqui identificadas,

auxiliaram na compreensão desses fenômenos. Tais transformações observadas no objeto de

estudo atuam sobre a relação homem x ambiente e sobre a forma como a paisagem é percebida

pela população. Nesse sentido, o capítulo seguinte apresenta uma análise dessa relação e da

percepção dos usuários referente à paisagem das cidades de Serafina Corrêa e de Casca, bem

como do núcleo do distrito de Evangelista.

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3. A PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS E O CARÁTER DA PAISAGEM

Para Javier Rivera Blanco (2010, p.1), “el paisaje se encuentra en el interior de cada persona

que mira, que contempla y que interpreta con toda su propia cultura y toda su sensibilidad, por

eso se dice que hay tantos paisajes como personas los interpreten”. Essa afirmação reitera a

importância de se analisar a percepção dos diversos indivíduos que interagem com a paisagem,

pois, ao registrar como os mesmos percebem as informações emitidas pelo ambiente, obtém-

se um meio de reconhecer a identidade cultural e a memória coletiva da população. Tendo em

vista que a concepção de paisagem está relacionada à interpretação do sujeito que a visualiza e

a vivencia, o presente capítulo busca analisar a percepção da população residente e visitante das

cidades de Serafina Corrêa, de Casca e do núcleo distrital de Evangelista, em relação à paisagem

dessas localidades.

A Psicologia Ambiental conceitua o ambiente de forma multidimensional, considerando que o

meio físico em que se vive, seja ele natural ou construído, é indissociável das condições

impostas pelo seu contexto (CAMPOS-DE-CARVALHO, 2011). O ambiente é constituído por

tudo que está presente nele, inclusive pelas pessoas. Por isso, qualquer mudança que impacte

em um dos seus componentes acarreta em alterações nos demais, modificando a sua

configuração (CAMPOS-DE-CARVALHO, 2011). Na definição dos ambientes, segundo

Moser (1998), sempre estão presentes as dimensões sociais e culturais, que mediam a percepção

e as atitudes do indivíduo perante o ambiente. Existe, então, uma relação de reciprocidade

dinâmica entre o homem e o ambiente, pois os indivíduos agem sobre o ambiente e este, por

sua vez, influencia e modifica as condutas e comportamento do ser humano (MOSER, 1998).

Ao compreender essa visão sistêmica, percebe-se como uma intervenção pode ocasionar

mudanças não somente físicas, mas também psicológicas, sociais e culturais numa comunidade.

A identificação da relação homem x ambiente, bem como da imagem e memória coletiva do

objeto de estudo, conforme exposto anteriormente, foi feita por meio do uso da ferramenta de

mapas mentais, que se trata da elaboração de desenhos e esquemas por um sujeito que mantem

relação de uso ou de afetividade com determinado espaço, representando a imagem e a memória

que possui em se tratando dele (RHEINGANTZ et. al., 2009). Interessa rememorar, de maneira

breve, como seu deu a análise dos cinquenta mapas mentais desenvolvidos em entrevistas (vinte

em Serafina Corrêa, vinte em Casca e dez na sede do distrito de Evangelista).

Primeiramente, empreendeu-se uma análise quantitativa dos mapas, por meio de gráficos que

indicam a ocorrência dos elementos nos desenhos elaborados. Em seguida, os mapas foram

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categorizados de acordo com a sua estrutura em simbólicos, semiestruturados ou estruturados.

Os mapas simbólicos, que apresentam somente imagens ou ícones, auxiliaram na identificação

dos elementos imateriais da paisagem. Já os mapas semiestruturados (que apresentam uma

lógica operacional simples, formado por poucos elementos ou por um recorte pequeno da área

analisada) e os estruturados (que apresentam uma maior complexidade, com mais elementos e

grande quantidade de informações) foram utilizados para a análise topoceptiva, pela qual foi

possível reconhecer os pontos e elementos de referência e os locais significativos no espaço

urbano e que formam a imagem das cidades estudadas.

3.1 ELEMENTOS IMATERIAIS E REFERÊNCIAS DA PAISAGEM DA CIDADE

DE CASCA

3.1.1 Análise quantitativa

Os elementos físicos representados pelos entrevistados nos mapas mentais referentes à cidade

de Casca foram identificados e quantificados segundo a sua ocorrência, como demonstra o

gráfico da figura 50.

Figura 50 – Quantificação da ocorrência dos elementos nos mapas mentais da cidade de Casca.

Fonte: Autora, 2018.

O item “OUTROS” abrange os elementos: pessoas, carros, passeio público, ginásio de esportes

e paisagem natural, que apareceram em apenas um ou dois mapas. O item “ÓRGÃOS E

INSTITUIÇÕES” abrange o edifício da prefeitura, escolas, universidade (Universidade de

Passo Fundo – UPF), fórum e hospital. Já no item “COMÉRCIO E SERVIÇOS” estão

estabelecimentos como bares, lojas de roupas, postos de gasolina e bancos. O item “DEMAIS

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EDIFÍCIOS HISTÓRICOS” se refere às construções históricas presentes nos mapas, exceto a

Casa Busato, construída na primeira década do século XX, que foi quantificada de forma

individual devido à maior ocorrência. Interessa mencionar que apesar da pesquisadora, na

abordagem aos entrevistados, pedir para que estes desenhassem a cidade de Casca, três deles

(15% da amostra) desenharam também elementos localizados na área rural.

Quantitativamente, foi percebida uma considerável variedade de elementos de referência na

paisagem de Casca nas entrevistas realizadas com a população residente e visitante da cidade,

sobretudo, relacionados à proximidade com o seu centro histórico/comercial e com a rotina

citadina desta parcela da população. Nesse sentido, os elementos mais citados foram a Igreja

Matriz e a praça principal da cidade, denominada Praça Independência (Figura 51), que

representam 60% do total de menções.

Figura 51 – À esquerda a Igreja Matriz e à direita a Praça Independência (localizada em frente à igreja

Matriz), os elementos mais lembrados pelos usuários. Fonte: Prefeitura Municipal de Casca, 2018.

A Igreja Matriz São Luís de Casca está localizada em terreno elevado, se colocando imponente

aos olhos do observador. Começou a ser construída em 1925 e foi inaugurada em 1929

(GELATTI, 1985). A construção foi feita em forma de mutirão, com a comunidade auxiliando

na obra (Figura 52). De acordo com Gelatti (1985), a obra foi motivo de grande orgulho para a

comunidade casquense e de admiração por parte dos visitantes, desde a sua inauguração.

Percebe-se, pelos mapas mentais, que até hoje a construção possui destaque na imagem da

cidade e na memória dos seus moradores.

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Figura 52 – Construção da Igreja São Luís de Casca, década de 1920.

Fonte: Arquivo Histórico de Casca, 2018.

As vias, principalmente a Rua Tiradentes, foram bastante lembradas, aparecendo em 40% dos

mapas. Também foi dado destaque à Casa Busato (Figura 53), que abrigou o primeiro comércio

da localidade. O casarão de madeira, de arquitetura típica dos imigrantes italianos, foi tombado

pela prefeitura por meio do Decreto Municipal nº 1.241, de 17 de março de 1999, e passou,

recentemente, por um processo de restauração, abrigando hoje o Museu Municipal Albino

Busato. A construção é considerada patrimônio municipal e está localizada na Rua Tiradentes,

em frente à Praça Independência.

Figura 53 – Casa Busato, na Rua Tiradentes, construída na primeira década do século XX. Em

segundo plano estão outras construções históricas que também foram citadas nos mapas em menor número.

Fonte: Autora, 2016.

Vale observar que os edifícios em altura, apesar de serem poucos os edificados na cidade, foram

lembrados especialmente pelos moradores mais jovens, que os relacionam a uma cidade mais

moderna e, provavelmente, devido ao acompanhamento das obras de construção. Já os edifícios

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históricos foram mais citados pelos moradores e ex-moradores com mais de 40 anos e pelos

visitantes.

Cabe mencionar a existência de outros sentidos usados na percepção do ambiente – que não a

visão – em dois dos mapas, ambos de ex-moradores. Em um dos mapas (MAPA 15) o

entrevistado mencionou o som do apito de uma antiga indústria da cidade ao desenhar sua

chaminé; em outro mapa (MAPA 17) a entrevistada representou os sons que a remetem à sua

vivência na cidade, como o sino da igreja e a música dos bares. Isso demonstra, como apontado

por Santos (1999), que a paisagem não é formada apenas por volumes, mas também pelas cores,

pelos movimentos, pelos odores e pelos sons.

3.1.2 Análise categórica

Na análise categórica, os mapas mentais foram categorizados de acordo com a sua estrutura em

simbólicos, semiestruturados e estruturados (Figura 54).

Quadro 5 – Categorização dos mapas mentais

Categoria Mapa Mental (número do mapa)

Simbólico 02, 06, 07, 08, 09, 10, 12, 14, 15 e 19.

Semiestruturado 01, 03, 04, 11, 13, 16, 17, 18 e 20.

Estruturado 05

Figura 54 – Quadro 5: Categorização dos mapas mentais de Casca. Fonte: Autora, 2018.

Mapas simbólicos:

Dentre os dez mapas categorizados como simbólicos, nove foram desenhados por moradores e

um por um ex-morador. Isso demonstra que o simbolismo está bastante presente na imagem

que o morador tem da sua cidade. Nos mapas simbólicos, observou-se a presença da Igreja

Matriz em 60% dos mapas, algumas vezes sendo o destaque no desenho em relação aos demais

elementos (Figuras 55, 56 e 57) e, em um dos mapas (Figura 58), chega a ser o único elemento

representado. Esta ocorrência mostra a grande ligação que a comunidade possui com a

edificação, chegando a ser, para alguns dos entrevistados, o maior símbolo da cidade. Além

disso, demonstra que a religião ainda é um elemento catalizador da vida comunitária dos

municípios formados e influenciados pela imigração italiana no Rio Grande do Sul.

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Figura 55 – MAPA 02, simbólico, feito por

uma moradora de 42 anos. Figura 56 – MAPA 06, simbólico, feito por

uma moradora de 14 anos.

Figura 57 – MAPA 12, simbólico, feito por

um morador de 39 anos. Figura 58 – MAPA 14, simbólico, feito por

uma moradora de 59 anos.

Outros elementos observados nos mapas simbólicos são as construções históricas, mencionadas

no MAPA 08 (Figura 59) e no MAPA 15 (Figura 60); ambos os mapas possuem elementos que

se encontram na área rural do município. No MAPA 08, a moradora desenhou um antigo

moinho em madeira que existe no povoado rural onde nasceu. O MAPA 15 foi elaborado por

um ex-morador de 53 anos de idade, que nasceu na cidade e morou lá até recentemente. O

entrevistado começou desenhando a Igreja Matriz e a Casa Busato, ícone da arquitetura de

influência italiana na cidade. Em seguida, representou o trevo de acesso ao distrito de

Evangelista e os edifícios históricos com aspectos construtivos de influência italiana que

existem no local. Representou, também, a chaminé de uma fábrica do ramo moveleiro da cidade

e as trinta e oito capelas que existem na zona rural. Esta precisão de referência a edificações de

cunho religioso tem relação com o fato do entrevistado já ter sido padre da Igreja Matriz da

cidade e, segundo ele, se deslocava frequentemente para as comunidades da zona rural para

ministrar missas; fato esse que ajuda na compreensão dos elementos representados no mapa.

Ademais, o referido mapa revela a ligação afetiva que o indivíduo possui com a sua antiga

cidade, dando ênfase aos edifícios históricos, que estão presentes em sua memória e

fundamentados em suas experiências do passado.

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Figura 59 – MAPA 08, simbólico, feito por

uma moradora de 62 anos. Figura 60 – MAPA 15, simbólico, feito por

um ex-morador de 53 anos.

A área rural, como mencionado anteriormente, foi representada na pesquisa em três dos mapas

mentais da cidade; todos de natureza simbólica, remetendo a memória de tempos passados.

Além do MAPA 08 e do MAPA 15, o MAPA 09, elaborado por moradora de 64 anos, representa

ludicamente a paisagem natural da localidade rural onde passou a infância. Além desses

elementos, outros como a residência do morador (MAPA 10) e edifícios institucionais e de

serviços (MAPA 07 e MAPA 19) também aparecem nos mapas simbólicos.

Por meio dessa análise, identificou-se que a religiosidade (através da representação da igreja),

o rural (com suas construções históricas e seus elementos naturais) e a ligação com o lar

representam a imaterialidade presente na memória de Casca. Os demais elementos (edifícios

institucionais e de serviços) não foram considerados nesta análise, pois os entrevistados que os

desenharam os representaram como referências locacionais na malha urbana, ou seja, por sua

característica topoceptiva, e não pelo seu simbolismo. Tais elementos serão apresentados a

seguir.

3.1.3 Análise topoceptiva65

Cada cidade acumula, com o passar dos anos, componentes em seu espaço que vão adquirindo

significados e passam a ser percebidos pelos indivíduos que fazem uso deles de formas

diferenciadas, conforme sua vivência e experiências no ambiente urbano. Existem elementos

na cidade que, por sua forma, cor, tamanho, entre outros aspectos, produzem no usuário uma

imagem clara, que permanece em sua memória e o ajuda a criar uma imagem mental do

ambiente. A essa qualidade dos elementos Kevin Lynch (1997) chamou de imageabilidade.

Quando o seu significado se torna coletivo, este componente passa a ser referência para a

população, tornando-se parte da imagem pública de um local.

65 Este item da dissertação trata, sobretudo, das análises dos mapas mentais das categorias estruturado e semiestruturado, como mencionado no texto introdutório deste capítulo.

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De acordo com esta perspectiva de análise, os mapas mentais da cidade de Casca revelam que

as vias são elementos predominantes na paisagem, estruturando e organizando os outros

elementos da cidade, com destaque para a Rua Tiradentes (Figura 61), que aparece em 45% da

amostra. Em 30% dos mapas, a geometria do desenho urbano, com suas vias de traçado regular,

foi o primeiro elemento a ser desenhado, como no MAPA 13 (Figura 62). Esta ocorrência

permite identificar a importância que o percurso feito pelo usuário tem na estruturação da

imagem mental dos indivíduos. Além disso, os mapas mentais expressam o bom desempenho

topoceptivo de Casca, sendo observado, em grande parte dos entrevistados, certa facilidade de

orientar-se e de localizar-se mentalmente na cidade que possui um traçado geométrico e legível.

Figura 61 – MAPA 20, semiestruturado, feito

por um visitante de 24 anos. A Rua Tiradentes é o elemento central e organizador

do desenho, identificada aqui pelas suas rotatórias.

Figura 62 – MAPA 13, semiestruturado, feito por um morador de 73 anos. Destaque para as

vias principais da cidade como elementos estruturadores do espaço.

A principal rua de Casca, a Rua Tiradentes, possui características de avenida, seja por sua

configuração, sendo uma via mais larga que as demais, ou pelo papel na hierarquia viária da

cidade, apresentando-se como coletora organizando os principais fluxos veiculares na cidade.

É ao longo desta via que está distribuída grande parte do comércio de Casca, bem como dos

serviços e das instituições, além da Praça Independência, situada em frente à Igreja Matriz. Em

se tratando da referência tipológica e estilística dos edifícios, ao longo da Rua Tiradentes podem

ser encontrados desde casarões de madeira antigos, dentre eles a Casa Busato, passando por

exemplares arquitetônicos de referência Art Déco – vocabulário arquitetônico que, segundo

Freitas (2009), foi trazido e difundido pelos italianos vindos para o Brasil nas primeiras décadas

do séc. XX – até edifícios de arquitetura contemporânea.

Em alguns desenhos (15% da amostra) pode-se perceber a presença de um elemento que se

caracteriza essencialmente como um limite: a RS-324, que cruza a cidade no sentido Leste-

Oeste. Apesar de Kevin Lynch (1997) não considerar elementos de circulação como limites,

aqui este elemento, além de via, aparece como uma barreira entre o centro da cidade e o Distrito

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Industrial, como pode ser observado no MAPA 18 (Figura 63). Por outro lado, os trevos de

acesso à cidade e as rotatórias localizadas nos cruzamentos ao longo da Rua Tiradentes foram

referenciados como elementos atratores, ou seja, pontos nodais que auxiliam na orientação e

na identificação da posição do usuário no espaço urbano.

Já os bairros foram retratados com características comuns que os identificam, principalmente

relacionadas ao uso como, por exemplo, a tipologia de suas casas. Cabe mencionar que a cidade

não possui Plano Diretor e, consequentemente, zoneamento para a definição dos limites dos

seus bairros. Sendo que, além do centro, pode-se dizer que a cidade é formada também pelo

Distrito Industrial e por um setor que se define por sua localização periférica e tipologia edilícia.

Este setor é de natureza residencial e ocupado, em grande parte, por famílias de baixa renda,

como representado no MAPA 01(Figura 64).

Figura 63 – MAPA 18, semiestruturado,

feito por um visitante de 38 anos. Observe a RS-324 como uma barreira entre o centro da cidade e o Distrito Industrial; e as rotatórias da Rua Tiradentes como elementos atratores.

Figura 64 – MAPA 01, semiestruturado, feito por uma visitante de 55 anos. A entrevistada diferenciou o bairro periférico pela forma de representar suas casas, na parte inferior do

mapa.

Outros elementos, como a Casa Busato, a Praça Independência e a Igreja Matriz, recorrentes

também nos mapas simbólicos, como já observado, também se destacam na paisagem

desenhada como marcos (Figuras 65 e 66), que podem ser usados como “indicadores de

identidade e até de estrutura” (LYNCH, 1997, p.59). Logo, são presenças marcantes na

memória coletiva, fazendo parte da imagem pública e servindo como pontos de referência.

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Figura 65 – MAPA 16, semiestruturado, feito por uma ex-moradora de 43 anos. Destaque

para a Praça Independência, em frente à Igreja Matriz e para a Casa Busato (museu).

Figura 66 – MAPA 05, estruturado, feito por uma moradora de 52 anos. A entrevistada representou todos os elementos de forma simplificada, sendo que o único elemento desenhado em volume foi a Igreja Matriz.

3.2 ELEMENTOS IMATERIAIS E REFERÊNCIAS DA PAISAGEM DO NÚCLEO

DO DISTRITO DE EVANGELISTA

3.2.1 Análise quantitativa

No gráfico da figura 67 estão quantificados os elementos representados pelos entrevistados nos

mapas mentais referentes ao distrito de Evangelista.

Figura 67 - Quantificação da ocorrência dos elementos nos mapas mentais do distrito de Evangelista.

Fonte: Autora, 2018.

Neste gráfico, o item “OUTROS” abrange os elementos que aparecem em apenas um dos dez

mapas desenvolvidos: pessoas; a casa canônica e o campanário; o Rio Barra Funda; e a gruta

existente próximo à igreja da comunidade. No item “COMÉRCIOS E SERVIÇOS’ estão o

único mercado da localidade (citado duas vezes) e o restaurante (citado uma vez). O item

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“CASARÕES DE MADEIRA” se refere aos antigos casarões existentes em Evangelista, com

sua arquitetura influenciada pela imigração italiana na região. O elemento “ARCO DE

PEDRA”, por sua vez, se refere à um monumento feito em pedra basalto, no acesso à gruta

natural existente nas proximidades da igreja. Já o item “VIAS” abrange as vias da localidade

como um todo (exceto a RS-129), pois o fato de haver apenas uma rua principal (Rua José de

Alencar) e outras duas ruas perpendiculares à ela, fez com que não houvesse a necessidade de

diferenciá-las. Porém, a via representada em maior destaque nos desenhos é a Rua José de

Alencar.

O gráfico acima demonstra que a igreja da comunidade foi o elemento mais recorrente nos

mapas mentais, sendo citada em oito mapas (80% da amostra). As vias também foram bastante

lembradas, aparecendo em sete dos dez mapas. Na sequência, há a considerável menção (50%

dos mapas) à casa da família Zamarqui, que atualmente abriga um bar.

A referida residência, situada na esquina da Rua José de Alencar com a Rua Graça Aranha, que

dá acesso à vila, foi construída no ano de 1954, em madeira66 (WICKERT, 2004). Sua fachada

foi modificada há aproximadamente 25 anos, quando o proprietário construiu uma fachada em

alvenaria de tijolos, servindo como uma “máscara” para a casa (WICKERT, 2004, p.87); ação

comumente chamada de fachadismo (Figura 68). Acredita-se que a representativa incidência

desta edificação nos mapas mentais se deve, sobretudo, a sua localização central e ao seu uso

atual.

Figura 68 – Casa da família Zamarqui. O casarão de madeira da década de 1950 teve sua fachada

descaracterizada com a adição de uma “máscara” de alvenaria. Fonte: autora, 2017.

66 Para mais informações sobre a Casa Zamarqui, ver Cadastro do Patrimônio Arquitetônico de Evangelista (ANEXO D).

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Na mesma proporção, em 50% dos mapas de Evangelista há a presença dos antigos casarões de

madeira, em especial as residências das famílias Franciosi e Palma localizadas na Rua José de

Alencar, representadas com ênfase em relação às demais. A casa da família Franciosi (Figura

69) foi construída entre os anos de 1919 e 1920 e, além de residência da família, abrigava

originalmente uma pousada para os tropeiros que ali passavam e uma loja de produtos variados

(WICKERT, 2004). Atualmente a casa está abandonada, conforme conversas informais com os

moradores e observações in loco. Em se tratando da configuração, a casa possui quatro

pavimentos: porão, térreo, segundo pavimento e sótão. O porão foi construído com pedra

basalto, aproveitando o desnível do terreno. O restante da edificação é em madeira, com as

paredes externas feitas em tábuas que medem, aproximadamente, 7,5 m de altura e que não

receberam pintura ou tratamento67 (WICKERT, 2004).

Figura 69 – Casa Franciosi, construída entre 1919 e 1920, localizada na Rua José de Alencar, no

distrito de Evangelista. Fonte: Autora, 2017.

Já a casa da família Palma foi construída na primeira década do século XX pelo imigrante

italiano Antonio Palma, um dos primeiros moradores da vila Evangelista, que na época se

chamava Linha 15 (WICKERT, 2004). Na porção frontal da construção funcionava uma loja e,

na parte dos fundos, a residência da família, bem como o sótão, que abrigava os dormitórios68.

Assim como a casa Franciosi, a casa Palma também se encontra abandonada pelos proprietários.

Em frente à casa da família Palma ainda se percebe uma antiga bomba de combustível, resquício

do pequeno posto que existiu ali durante as décadas de 1950 e 1960. Esta bomba, curiosamente,

67 Para mais informações sobre a Casa Franciosi, ver Cadastro do Patrimônio Arquitetônico de Evangelista (ANEXO D). 68 Para mais informações sobre a Casa Palma, ver Cadastro do Patrimônio Arquitetônico de Evangelista (ANEXO D).

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foi citada em quatro dos mapas mentais elaborados pelos entrevistados, sendo três deles feitos

por visitantes (Figura 70).

Figura 70 – Bomba de combustível da década de 1950 localizada em frente à casa da família Palma.

Fonte: Autora, 2018.

A rotatória localizada no cruzamento da rua José de Alencar com a Rua Graça Aranha também

foi desenhada em quatro mapas, todos feitos por moradores.

Portanto, de acordo com esta análise quantitativa, os elementos da paisagem do núcleo do

distrito de Evangelista mais lembrados pelos usuários são a igreja da comunidade (Igreja Santo

Antônio), as vias (com destaque para a Rua José de Alencar), o bar da casa Zamarqui e os

antigos casarões edificados em madeira.

3.2.2 Análise categórica

Os dez mapas mentais desenvolvidos pelos entrevistados foram categorizados da seguinte

forma (Figura 71):

Quadro 6 – Categorização dos mapas mentais

Categoria Mapa Mental (número do mapa)

Simbólico 02, 07 e 09.

Semiestruturado 01, 03, 06 e 08.

Estruturado 04, 05 e 10.

Figura 71 – Quadro 6: Categorização dos mapas mentais do núcleo do distrito de Evangelista. Fonte: Autora, 2018.

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Mapas simbólicos:

Dos três mapas mentais categorizados como simbólicos acerca de Evangelista, dois foram

formulados por moradores e um por um ex-morador. Os dois moradores do sexo masculino,

coincidentemente os mais jovens dentre os que aceitaram conceder a entrevista, representaram

em seus desenhos a casa da família Zamarqui, onde fica o único bar da cidade (figuras 72 e 73).

A supracitada residência, como dito anteriormente, está localizada em um ponto central da vila

Evangelista, fazendo parte do cotidiano dos moradores. Este bar, assim como outros bares

localizados na área rural da região, é frequentado, em grande parte, por homens mais idosos,

que se reúnem principalmente para jogar cartas. Dentre os jogos, os mais comuns são a bisca,

a escova e o três-sete, jogos estes que eram muito apreciados pelos imigrantes italianos e que

ainda estão presentes nos momentos de lazer dos moradores da RCI. Importa mencionar o fato

de que em um dos mapas (MAPA 09), feito por um morador de 32 anos, a casa Zamarqui foi

representada sem a máscara de alvenaria na fachada, com a descrição “antiga rodoviária”,

indicando seu uso anterior.

Figura 72 – MAPA 07, simbólico, feito por um

morador de 19 anos. Figura 73 – MAPA 09, simbólico, feito por

um morador de 32 anos.

No MAPA 02 (Figura 74), desenvolvido por ex-morador de 54 anos, estão representados três

elementos principais. O entrevistado representou a igreja da comunidade, um casarão de

madeira e os moradores locais, aos quais se referiu como sendo um “povo forte e trabalhador”.

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Figura 74 – MAPA 02, simbólico, feito por um ex-morador de 54 anos.

Por meio dessa análise identificou-se que o lazer, a religiosidade (representada pela igreja) e o

trabalho do povo de Evangelista são considerados os bens intangíveis de sua paisagem. Os

casarões de madeira, apesar de serem tidos como um bem material, representam o saber-fazer

do imigrante e de seus descendentes, além de outras associações intangíveis, como os antigos

usos e as formas de habitar, podendo também ser considerados um bem imaterial. De acordo

com Corsino, Londres e Neto (2000, p.38), em muitos casos as edificações “estão associadas a

determinados usos, a significações históricas e de memória ou às imagens que se tem de certos

lugares”. Assim, tais edificações se tornam bens para a comunidade, importando as relações

sociais à eles associadas, independentemente da sua qualidade arquitetônica ou artística

(CORSINO, LONDRES E NETO, 2000).

Os mapas mentais de Evangelista categorizados como semiestruturados e estruturados nesta

etapa foram utilizados na análise topoceptiva da localidade. Devido às pequenas dimensões do

núcleo e da estrutura viária, os mapas estruturados foram diferenciados dos semiestruturados

pela maior quantidade de elementos representados, como se verá a seguir.

3.2.3 Análise topoceptiva

Os mapas mentais que representam a cidade de Evangelista revelam que as vias, assim como

na cidade de Casca, são os elementos estruturadores da imagem mental. Porém, diferentemente

da sede do município, em que suas ruas de traçado retilíneo facilitaram o senso de localização

dos usuários dentro da malha urbana, o traçado orgânico da via principal do distrito, a Rua José

de Alencar, por vezes confundiu alguns entrevistados, sendo representada de diferentes formas

(Figura 75). Lynch (1997) afirma que o sistema sensorial do ser humano perturba-se com curvas

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graduais ou ambíguas, por isso as vias mais sinuosas confundem até os observadores mais

familiarizados.

Especificadamente nos três mapas elaborados por visitantes, as mencionadas vias foram os

primeiros elementos a serem desenhados, sendo que, em dois deles (MAPA 04 e MAPA 10), o

desenho foi iniciado pela RS-129, por onde se dá o principal acesso ao núcleo (Figura 76).

Como a RS-129 foi construída somente na década de 1980 – desviando o tráfego veicular que

passava pelo núcleo de Evangelista –, observou-se que esta rodovia não foi citada pelos

moradores e ex-moradores, demonstrando que estes entrevistados não chegam a considerá-la

como parte do núcleo.

Figura 75 – MAPA 03, semiestruturado, feito

por uma ex-moradora de 44 anos. A entrevistada mostrou-se confusa ao desenhar as

vias.

Figura 76 – MAPA 10, estruturado, feito por um visitante de 56 anos. A RS-129 foi o

primeiro elemento desenhado.

A Rua José de Alencar, principal via por onde passava o tráfego de veículos antes da RS-129 e

por onde era feito o escoamento da produção até o porto fluvial de Muçum – desde quando

Evangelista se conformava na Linha 15 da colônia de Guaporé – possui em sua extensão grande

parte das casas comerciais do núcleo, bem das fábricas moveleiras. É nessa via que estão

distribuídos alguns dos já citados casarões de madeira do começo do século XX, além da única

praça e igreja na localidade.

Em relação aos bairros, por se tratar de um pequeno distrito, não há a existência de regiões

demarcadas. Por isso, nesta análise, o núcleo como um todo é considerado um bairro, por sua

tipologia edílica e por ser representado nos mapas como uma unidade, principalmente pelos

seus moradores.

Em um dos mapas (MAPA 05), foi identificado um elemento que corta o núcleo, o Arroio

Barra Funda, considerado um limite, uma vez que divide a localidade e se configura como uma

barreira física (Figura 77). Por outro lado, a pequena rotatória existente no cruzamento da Rua

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José de Alencar e da Rua Graça Aranha (via que liga o núcleo à RS-129) foi representada nos

três mapas categorizados como semiestruturados e estruturados formulados por moradores

(mapas 05, 06 e 08). Nestes desenhos, mais especificamente, este elemento aparece como um

atrator. Ou seja, um ponto nodal, localizado no centro do mapa mental e representado numa

escala maior que a real. Já nos mapas estruturados e semiestruturados feitos por visitantes e ex-

moradores, o ponto nodal que auxilia a orientação do transeunte, sobremaneira, é o próprio

cruzamento das mencionadas vias José de Alencar e Graça Aranha, e a rotatória não foi

representada.

Figura 77 – MAPA 05, estruturado, feito por um morador de 43 anos. O morador representou o Arroio

Barra Funda cruzando a localidade e a dividindo em duas partes. Representou também a rótula no cruzamento das vias José de Alencar e Graça Aranha.

É possível perceber a presença marcante, e por vezes de destaque (dimensão/proporção), da

igreja do núcleo nos mapas mentais, como no MAPA 04 (Figura 78). O edifício religioso é um

marco visual na paisagem, podendo ser visto de diferentes pontos da localidade (Figura 79),

sendo considerado um ponto de referência de importância tanto visual como simbólica,

materializando a religiosidade da comunidade.

Figura 78 – MAPA 04, estruturado, feito por uma visitante de 24 anos. Observa-se o destaque dado

à igreja, tanto na forma quanto na escala.

Figura 79 – Vista da igreja de Evangelita desde a varanda de uma das casas do núcleo.

Fonte: autora, 2018.

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123

3.3 ELEMENTOS IMATERIAIS E REFERÊNCIAS DA PAISAGEM DA CIDADE

DE SERAFINA CORRÊA

3.3.1 Análise quantitativa

O gráfico abaixo mostra a quantificação dos elementos identificados nos mapas mentais

referentes à cidade de Serafina Corrêa.

Figura 80 - Quantificação da ocorrência dos elementos nos mapas mentais da cidade de Serafina

Corrêa. Fonte: Autora, 2018.

Observou-se que as representações foram bastante diversas, com alguns pontos em comum: o

item “ESTRUTURA VIÁRIA” se refere à todas as vias representadas nos mapas, exceto à RS-

129 e às avenidas Miguel Soccol e 25 de Julho, quantificadas de forma individual devido a

maior ocorrência; a Av. 25 de Julho foi quantificada junto à Via Gênova, pelo fato da via

aparecer nos mapas somente quando relacionada à Via Gênova; o item “COMÉRCIO E

SERVIÇOS” abrange estabelecimentos como o hotel, a rodoviária e os bancos, cada qual citado

apenas uma vez nos mapas mentais; no item “VEGETAÇÃO”, estão inclusas as vezes em que

foram representadas árvores nos mapas (quatro) e plantações (uma); por sua vez, em

“ELEMENTOS NATURAIS”, estão inclusos os morros que circundam a cidade e o Arroio

Feijão Cru, cada qual presente em dois dos vinte mapas; o item “ÓRGÃOS E INSTITUIÇÕES”

abrange a Câmara de Vereadores, as escolas, o ginásio de esportes, e os clubes Gaúcho e dos

Motoristas, que aparecem em um ou dois dos mapas (a prefeitura e o hospital foram

quantificados de forma individual devido à maior ocorrência nos mapas); e, por fim, o item

“OUTROS”, abrange elementos citados apenas uma vez, como o Camping Carreiro (espaço de

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lazer junto ao Rio Carreiro), o Mausoléu, uma gruta, um edifício em altura e o monumento do

Cristo Redentor, situado no bairro Cristo Rei.

De acordo com o gráfico, os elementos mais citados nos mapas mentais de Serafina Corrêa são

a Nave Degli Immigranti e a Via Gênova com suas réplicas, cada qual representado em dez dos

vinte mapas (50% da amostra). Apesar do monumento aos imigrantes estar localizado no centro

da via Gênova, ambos foram retratados juntos em apenas cinco mapas. Nos demais casos, ou a

Via Gênova foi representada somente por suas reproduções de monumentos italianos, sem a

presença da Nave, ou o monumento foi representado isolado dos demais edifícios.

Observa-se também a presença relevante da Igreja Matriz nos mapas mentais de Serafina

Corrêa, assim como ocorreu nas demais localidades analisadas nesta dissertação. A Igreja

Matriz Nossa Senhora do Rosário foi construída entre os anos de 1921 e 1924 (Figura 81) e o

seu campanário na década de 1950 (MAZZOTTI e BACCA, 2016). O desenho do campanário

foi inspirado nas torres sineiras da região italiana do Vêneto; demonstrando que a preocupação

dos serafinenses em “homenagear” a terra natal dos ancestrais imigrantes é de longa data

(Figura 82).

Figura 81 – Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário com o antigo campanário de madeira, s/d.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Serafina Corrêa, 2017.

Figura 82 – Construção do campanário, s/d. Fonte: Arquivo Histórico Municipal de

Serafina Corrêa, 2017.

Na sequência, citados em sete dos vinte mapas mentais desenvolvidos em entrevistas, estão o

edifício da prefeitura, situado na Av. 25 de Julho, em frente à Nave Degli Immigranti

(quantificado de forma separada dos demais órgãos e instituições devido ao número

considerável de citações) e a estrutura viária da cidade. Dentre as vias representadas, destacam-

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se a Av. 25 de Julho – representada, na maior parte das vezes, em conjunto com a Via Gênova

–, a Av. Miguel Soccol e a RS-129.

Interessa observar a relativa ocorrência (25% dos mapas) do elemento “residência”, que diz

respeito ao local de moradia do entrevistado, bem como a presença de animais nos mapas

mentais elaborados sobre Serafina Corrêa, que não foram observados nos mapas das outras duas

localidades analisadas. Também é importante destacar que em apenas um dos vinte mapas foi

representada uma edificação histórica, por um ex-morador de 66 anos. Tal edificação, segundo

o entrevistado, era um casarão de madeira que já não existe mais.

Logo, a partir desta análise, verificou-se que os elementos físicos da paisagem de Serafina

Corrêa mais presentes na memória dos usuários são a Nave Degli Immigranti, a Via Gênova e

a Igreja Matriz.

3.3.2 Análise categórica

Os vinte mapas mentais desenvolvidos pelos entrevistados e que representam a cidade de

Serafina Corrêa foram categorizados da seguinte forma (Figura 83):

Quadro 7 – Categorização dos mapas mentais

Categoria Mapa Mental (número do mapa)

Simbólico 04, 05, 06, 07, 10, 11, 18 e 20.

Semiestruturado 02, 08, 09, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 19.

Estruturado 01 e 03.

Figura 83 – Quadro 7: Categorização dos mapas mentais da cidade de Serafina Corrêa. Fonte: Autora, 2018.

Mapas simbólicos:

Dentre os oito mapas simbólicos, seis foram desenhados por moradores (MAPAS 04, 05, 07,

10 e 11), um por um visitante (MAPA 18) e um por uma ex-moradora (MAPA 20). Verificou-

se a relevante presença da Nave Degli Immigranti, que aparece em cinco dos oito mapas

categorizados como simbólicos. No MAPA 06 e no MAPA 07 ela aparece acompanhada de

outros elementos, representada ao lado de elementos rurais, como bovinos e um milharal. Em

outros casos, como acontece em três dos oito mapas simbólicos, o monumento é o único

elemento desenhado, sendo considerado, por estes entrevistados, o símbolo da cidade (figuras

84, 85 e 86). Outro elemento que aparece de forma isolada em um dos mapas é a Igreja Matriz

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que, como observado nas outras localidades, demonstra a religiosidade da comunidade e a

importância da edificação dentro do espaço urbano (Figura 87).

Figura 84 – MAPA 04, simbólico, feito por

uma moradora de 30 anos. Figura 85 – MAPA 10, simbólico, feito por

uma moradora de 25 anos.

Figura 86 – MAPA 20, simbólico, feito por

uma ex-moradora de 17 anos. Figura 87 – MAPA 11, simbólico, feito por

uma moradora de 36 anos.

No mapa simbólico desenhado pelo visitante (Figura 88), mais especificamente, estão

representados o hospital, a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário (Figura 89), o frigorífico

BRF SA. (antigamente denominado Frigorífico Ideal) e três elementos que representam torres

de castelo, aos quais o entrevistado se referiu como sendo “os castelinhos na frente da

prefeitura”, ou seja, a Via Gênova. O visitante também registrou no mapa a frase “C. Italiana”,

afirmando que a cidade é lembrada por manter vivos os elementos da cultura italiana.

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Figura 88 – MAPA 18, simbólico, feito por

visitante de 54 anos. Figura 89 – Igreja Matriz Nossa Senhora do

Rosário, em Serafina Corrêa. Fonte: Autora, 2017.

No MAPA 05, a moradora, que vive em Serafina Corrêa a quatro anos, relatou que o que lhe

chama a atenção na cidade é a existência de famílias grandes, com várias gerações vivendo na

mesma casa. No mesmo mapa, ela também representa as ruas arborizadas, a ausência de animais

abandonados e a pouca quantidade de edifícios em altura na cidade.

Por meio esta ótica, observa-se que a imigração italiana (representada pela Nave Degli

Immigranti e pela Via Gênova), a religiosidade (representada pela igreja), as atividades

produtivas (milharal e criação de animais), a atividade agroindustrial (frigorífico) e a união

familiar são os elementos imateriais da paisagem de Serafina Corrêa. O hospital, que aparece

no mapa simbólico elaborado pelo visitante, não foi considerado nesta análise, por ser tido como

referência espacial pelo entrevistado.

Torna-se importante observar o fato de que os entrevistados utilizaram como símbolo da cultura

da imigração italiana elementos que foram inseridos no ambiente urbano justamente com a

finalidade de criar tal percepção. Este quadro demonstra que o ambiente construído, como

apontado por Alsayyad (2014), torna-se parte da rede de experiências sociais cruciais para forjar

a consciência cultural. Ou seja, o ambiente construído tem importante papel como mediador de

valores, de símbolos, de relações de poder e de cultura.

3.3.3 Análise topoceptiva

Os mapas categorizados como semiestruturados e estruturados na etapa anterior foram

utilizados na análise topoceptiva da cidade de Serafina Corrêa, a exemplo das demais cidades

aqui estudadas, identificando os elementos formadores da imagem da cidade: vias, limites,

pontos nodais, bairros e marcos.

Mais detalhadamente, em certos mapas, a estrutura viária foi representada apenas como linhas

unifilares, ligando um elemento ao outro (Figura 90). Em outros, foi dada grande importância

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a estes elementos, associando-os à memórias passadas, como a passagem do rebanho sendo

levado ao frigorífico (Figura 91). A Avenida Miguel Soccol, que se conforma como a “rua do

comércio”, onde estão situadas a Igreja Matriz e a praça principal da cidade, foi citada em 35%

nos mapas.

Figura 90 – MAPA 14, semiestruturado, feito por um ex-morador de 25 anos. As vias foram

representadas por linhas unifilares que ligam os demais elementos.

Figura 91 – MAPA 17, semiestruturado, feito por um ex-morador de 66 anos. Representou a memória

da sua infância na cidade, dando maior importância à Av. Miguel Soccol e à passagem do gado em frente à sua casa.

Entretanto, a via mais lembrada pelos entrevistados foi a Avenida 25 de Julho, onde corre o

arroio Feijão Cru e sobre o qual foram implantadas as réplicas de construções italianas e o

monumento em homenagem aos imigrantes. Esta Avenida chega a ser a única via desenhada

em três dos vinte mapas (15% da amostra). A Av. 25 de Julho, devido à implantação da Via

Gênova, pode ser considerada também como um centro focal, o que Lynch (1997, p.87) chama

de “concentração temática”, ou seja, o ponto mais nítido da imagem urbana, caracterizado pela

tipologia de seus edifícios ou pela concentração de usos e atividades. Nesse caso, ela se

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conforma como um ponto nodal, de convergência e de localização no espaço urbano (Figura

92). Outro elemento que aparece nos mapas como um ponto nodal são os trevos de acesso à

cidade, localizados na RS-129, bem como o Mausoléu de Dona Fifina Corrêa (onde estão os

restos mortais de Serafina Corrêa), localizado no ponto de bifurcação da Av. Miguel Soccol

(Figura 93).

Figura 92 – MAPA 08, semiestruturado, feito por uma moradora de 35 anos. Destaque para a Av. 25

de Julho, em que a Via Gênova se configura um ponto nodal dentro da malha urbana.

Figura 93 – MAPA 03, estruturado, feito por uma moradora de 29 anos. Observa-se a estrutura viária, com a Av. Miguel Soccol mais larga que as demais. Os pontos nodais são representados pelos trevos

de acesso e pelo Mausoléu. A Rs-129 aparece como um limite.

A RS-129 também aparece como um limite nas representações da cidade, como no MAPA 03

(Figura 93). A rodovia, de tráfego intenso, se apresenta como uma barreira entre o centro da

cidade e os bairros que ficam além dela (Figura 94). Nos mapas mentais de Serafina Corrêa, o

único bairro representado foi o centro, sendo que os demais aparecem nos mapas representados

e vistos, sobretudo, como um indicador de direção, auxiliando na localização dos usuários da

região central.

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Vale ressaltar que são facilmente percebidas diferenças estruturais e de complexidade dos

mapas mentais elaborados pelos moradores (Figura 94) e pelos visitantes. Esses revelam outra

forma de ver a cidade, que é representada de maneira simples, onde os elementos que ficam na

memória são organizados em torno de uma única via, distante da estrutura real (Figura 95).

Figura 94 – MAPA 01, estruturado, feito por moradora de 20 anos. O mapa apresenta a RS-129 como

um limite e aponta a localização dos bairros, porém sem integrá-los à malha urbana.

Figura 95 – MAPA 15, semiestruturado, feito por uma visitante de 37 anos. O mapa apresenta uma

estrutura simples, onde os elementos percebidos durante a visita e que ficaram guardados na memória são dispostos em torno de uma única via.

Já os marcos são entendidos como os elementos que se destacam do conjunto urbano, sendo

identificados à distância e visíveis de vários pontos da cidade; outras vezes, são elementos que

ficam na memória por seu formato, cor, dentre outras características que o diferem dos

elementos circundantes. Os mapas mentais referentes à Serafina Corrêa mostram a existência

desses dois tipos de elementos marcantes na paisagem: a Igreja Matriz com seu campanário e

o monumento Nave Degli Immigranti. A Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário aparece em

nove dos vinte mapas, mas dois deles dão especial atenção ao seu campanário, que se destaca

na paisagem desenhada (Figuras 96 e 97).

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Figura 96 – MAPA 13, semiestruturado, feito por um morador de 30 anos. O entrevistado

representou a paisagem da cidade vista de um ponto distante, com seus morros e rios, onde a

torre sineira da igreja é um elemento marcante.

Figura 97 – MAPA 19, semiestruturado, feito por um visitante de 56 anos. Observa-se que dentre os elementos desenhados, o

campanário se sobressai, marcando a paisagem.

Como mencionado anteriormente, o campanário da Igreja Matriz de Serafina Corrêa foi

inspirado nas torres sineiras da região do Vêneto. Em observação realizada in loco, notou-se

certa proximidade entre a skyline da cidade gaúcha e da cidade vêneta de Verona – capital de

uma das províncias do Vêneto e de onde proveio parte dos imigrantes que se instalaram na RCI

– onde as torres, de formato semelhante, também são marcos na paisagem (Figuras 98 e 99).

Figura 98 – Vista panorâmica da cidade de

Serafina Corrêa, RS. Fonte: Autora, 2018.

Figura 99 – Vista panorâmica da cidade de Verona, Itália.

Fonte: Autora, 2018.

Outro elemento considerado pelos usuários como uma referência formadora da imagem de

Serafina Corrêa é a, já citada, Via Gênova, em especial a Nave Degli Immigranti (Figura 100).

Em 20% dos mapas a Via Gênova com suas estruturas foi o primeiro elemento a ser

representado, em torno da qual a cidade foi sendo desenhada. Essa análise demonstra que os

ícones implantados na Av. 25 de Julho já constituíram uma nova imagem da cidade, baseada

em elementos que representam um período de tempo e uma cultura diversa da realidade

vivenciada pelos imigrantes italianos que foram homenageados pelo projeto. Preocupa a

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ausência de elementos físicos originalmente presentes na malha urbana e que são verdadeiros

representantes da influência da imigração italiana na região – exceto a Igreja Matriz – nos mapas

mentais. Assim, esses novos estímulos recebidos na atualidade acabam por interferir ou induzir

o que será memória no futuro (BIELSCHOWSKY, 2016).

Figura 100 – MAPA 09, semiestruturado, feito por moradora de 33 anos. O mapa representa a Av. 25 de Julho e o seu entorno imediato, com a Nave Degli Immigranti posicionada no centro do desenho.

3.4 IMAGEM E MEMÓRIA EM SERAFINA CORRÊA, CASCA E NO DISTRITO

DE EVANGELISTA

A paisagem urbana, especialmente no centro histórico/comercial, guarda fatos e referências que

expressam a cultura e conformam a memória da cidade, desde a sua fundação até o presente.

Com o tempo a cidade passa a acumular elementos em seu espaço percebidos pelos indivíduos

com algum significado e, quando esse significado passa a ser coletivo, esses espaços se tornam

referências, dando origem às estruturas referenciais da cidade (LYNCH, 1997; CASTELLO,

2000). Ademais, ao atribuírem significados a certos espaços urbanos, os moradores acabam por

definirem seus lugares na cidade.

Para Kozel (2008), o sentido dado pelas pessoas a determinados espaços e objetos é um

conjunto da atividade consciente de pensamento teórico com o conhecimento intuitivo, que

expressa o cultural e o social. Desse modo, o espaço é “visto e experienciado não como uma

soma de objetos, mas como um sistema de relações onde estão imbricados valores, sentimentos,

atitudes, vivências, entre outros” (KOZEL, 2008, p.38). Porém, entende-se que não se deve

encarar a cidade como um “coletivo de vivências homogêneas”, pois o ponto de vista dos

indivíduos varia de acordo com suas vivencias cotidianas e dos grupos que fazem parte

(DIMENSTEIN e SCOCUGLIA, 2017, p. 433).

Esta pesquisa utilizou a ferramenta dos mapas mentais para identificar como a paisagem em

estudo é percebida pelos habitantes e visitantes, bem como os elementos presentes na memória

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coletiva dessa população. Assim, por meio das três etapas de análise, foi possível identificar os

elementos da paisagem mais lembrados pelos entrevistados (análise quantitativa), o simbolismo

e os elementos intangíveis dessa paisagem (análise categórica/qualitativa) e os elementos

físicos percebidos como formadores da imagem dos centros analisados (análise

topoceptiva/qualitativa).

A análise quantitativa revelou que existe, em comum, a predominância da igreja e das vias nos

mapas mentais referentes às três localidades. Além desses elementos, nos mapas da cidade de

Casca e do distrito de Evangelista, há a relevante presença dos edifícios históricos, que são

testemunhos da história e formação desses lugares. Já em Serafina Corrêa, percebeu-se a

ausência desse elemento nos mapas, sendo que os componentes da paisagem mais lembrados

são os monumentos inseridos na Av. 25 de Julho (Figura 101). Tal substituição do patrimônio

construído por elementos alienígenas e, por vezes, temáticos, pode acarretar numa perda

irreparável relacionada à cultura e à memória coletiva, já que a construção desse cenário tende

a criar uma falsa imagem de Serafina Corrêa, prejudicando a sua história e o direito à memória

das futuras gerações.

Quadro 8 – Sistematização dos resultados das análises quantitativas

Localidade Elementos mais citados nos mapas

Casca Igreja Matriz São Luís Gonzaga; Praça Independência; Rua Tiradentes; e Casa Busato.

Distrito de Evangelista Igreja Santo Antônio; vias (Rua José de Alencar); Casa Zamarqui (bar); e os antigos casarões de madeira.

Serafina Corrêa La Nave Degli Immigranti; Via Gênova (Av. 25 de Julho); e Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário.

Figura 101 – Quadro 8: Sistematização dos resultados das análises quantitativas. Fonte: Autora, 2018.

Por meio da análise categórica (Figura 102), os mapas com representações simbólicas

auxiliaram no reconhecimento dos elementos imateriais da paisagem. Observou-se nos mapas

simbólicos, que a religiosidade, muito importante na construção da identidade italiana no Rio

Grande do Sul, ainda possui grande papel no cotidiano dos habitantes da região colonizada por

imigrantes italianos. Os mapas simbólicos mostram, ainda, que outras elementos da identidade

cultural do imigrante italiano prevalecem na paisagem, como a importância do lar, da família,

do trabalho, as formas de lazer e a relação com o meio rural.

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Quadro 9 – Sistematização dos resultados das análises categóricas (mapas simbólicos)

Localidade Elementos simbólicos da paisagem - imaterialidade

Casca A religiosidade; o rural (com suas construções históricas e seus elementos naturais); e o lar.

Distrito de Evangelista O lazer; a religiosidade; o trabalho do seu povo; e o simbolismo de seus casarões de madeira.

Serafina Corrêa A imigração italiana (representada pela Nave Degli Immigranti e pela Via Gênova); a religiosidade; as atividades produtivas; a atividade agroindustrial; e a família.

Figura 102 – Quadro 9: Sistematização dos resultados das análises categóricas. Fonte: Autora, 2018.

Interessa mencionar a relevante ocorrência de mapas mentais simbólicos elaborados por

moradores e, eventualmente, ex-moradores, como observado nas três localidades estudadas.

Isso demonstra que o morador tende a ver a sua cidade de maneira mais simbólica e afetiva,

enquanto os visitantes procuram, em sua imagem mental, pontos de referência que o ajudem a

se localizar na cidade, desenhando, geralmente, mapas semiestruturados. Já os mapas

estruturados revelam uma maior orientação espacial e conhecimento da estrutura da cidade por

parte do usuário, o que explica a sua menor ocorrência dentre os mapas.

Na análise topoceptiva, o estudo de várias imagens individuais auxiliou na identificação da

imagem coletiva das localidades. Em comum, há o relevante papel da malha viária na

estruturação da imagem mental dos usuários. Verificou-se a importância das vias principais,

resquícios da antiga rota de tropeiros que ligava os núcleos nos primeiros anos de seu

povoamento. Observou-se, também, que as rodovias que passam pelas duas cidades são

consideradas barreiras, separando o centro da cidade dos bairros que ficam além delas. No

distrito de Evangelista, a rodovia (RS-129) não é considerada parte do lugar pelos moradores,

sendo que o limite é representado pelo arroio Barra Funda, que divide o núcleo em duas partes.

Por se tratarem de núcleos de pequeno porte, a área central foi encarada como um bairro, sendo

que os observadores representaram as cidades vistas sempre desde a sua área central. Nas

cidades de Casca e de Serafina Corrêa, os trevos de acesso apresentaram-se como pontos de

convergência e de localização na cidade, assim como as rotatórias presentes na Rua Tiradentes

em Casca e no cruzamento das rua José de Alencar e Graça Aranha no distrito de Evangelista.

Entretanto, os mapas de Serafina Corrêa revelaram que a Av. 25 de Julho, onde está implantada

a Via Gênova, exerce grande atração na paisagem urbana, sendo considerada também um ponto

nodal.

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Por fim, a análise topoceptiva confirmou a importância da igreja na estrutura dos núcleos

urbanos, onde o edifício religioso apareceu como um marco referencial nos três casos. Além da

igreja, em Casca sobressaíram-se como marcos a Casa Busato e a Praça Independência. Já em

Serafina Corrêa, outro marco na paisagem – além da Igreja Matriz com seu campanário – é a

Nave Degli Immigranti, localizada no centro da Via Gênova. Tais construções apresentam um

caráter identificador no espaço urbano que, segundo Jodelet (2002), faz com que a cidade seja

um lugar em que os habitantes se reconheçam e se definam, seja pelo caráter relacional ou pelo

caráter histórico dessas edificações. Tal sentimento de pertencimento do indivíduo ao lugar

ligado a sua memória é elemento que possibilita a afirmação da identidade cultural do usuário,

transmitindo a sensação de estabilidade, de permanência e de familiaridade.

O fato da Via Gênova estar presente em 50% dos mapas de Serafina Corrêa mostra a relevante

aceitação da população em relação à este projeto, que já faz parte da imagem pública da cidade.

Essas construções aproximam os habitantes de uma cultura tida como superior e representam a

glória do país de origem dos antepassados imigrantes, reforçando a autoestima dos moradores,

que se orgulham dessa intervenção urbana. Entretanto, a busca por referências que não

condizem com a realidade da cidade acaba por prejudicar o patrimônio real da população local,

que é desvalorizado perante estes ícones.

Observa-se, então, que o patrimônio histórico e cultural de uma comunidade não estão

naturalmente “instalados na consciência coletiva” (SOUZA e SABATÉ BEL, 2017). Assim,

entende-se que há a necessidade de uma identificação e valorização desses recursos

patrimoniais, por meio de um projeto que reforce a autoestima dos moradores, pois estes (seu

trabalho, sua memória, seu entusiasmo) são os principais recursos de um território, como é

mostrado no capítulo seguinte.

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4. RECONHECIMENTO DO VALOR PATRIMONIAL E DE

IDENTIDADE DA PAISAGEM DA REGIÃO NORDESTE DO RIO

GRANDE DO SUL

A partir da análise realizada no CAPÍTULO 2 – CONFORMAÇÃO DA PAISAGEM,

observou-se que, apesar da compreensão existente entre os agentes locais de que os recursos

patrimoniais podem ser utilizados para o desenvolvimento econômico das localidades em

estudo, o poder público não tem como prioridade a preservação do patrimônio histórico e da

paisagem cultural. Percebeu-se, ainda, que as transformações socioespaciais que ocorrem na

paisagem acabam por alterar a imagem e a memória coletiva das cidades em questão, como

pôde ser observado na análise dos mapas mentais referentes à Serafina Corrêa, realizada no

CAPÍTULO 3 – A PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS E O CARÁTER DA PAISAGEM. Mais

precisamente, os mapas mentais da referida localidade demonstraram que uma parcela relevante

dos seus usuários considera os elementos alienígenas introduzidos na paisagem como parte de

seu patrimônio, omitindo da memória e da imagem mental os edifícios históricos originalmente

presentes no ambiente urbano. Por outro lado, percebeu-se a ligação afetiva que os

entrevistados, tanto de Serafina Corrêa como de Casca e de Evangelista, possuem com o lugar.

Percebeu-se também que os elementos materiais e imateriais da paisagem revelam as raízes e

os costumes dessa população, bem como a sua identidade cultural.

Por sua vez, a revisão bibliográfica e o levantamento documental em cartas patrimoniais

apresentados no tópico 1.2 – O INVENTÁRIO E OS PLANOS DE GESTÃO DA PAISAGEM,

demonstraram que uma gestão inteligente dos recursos patrimoniais – compartilhada entre os

agentes públicos, privados e com a comunidade – é um dos fatores chave para o

desenvolvimento do território. Por meio do estudo de planos e projetos territoriais baseados na

valorização do patrimônio, verificou-se que a identificação das características da paisagem e de

seus recursos patrimoniais possui grande importância nos planos tidos como bem-sucedidos na

gestão do território.

Percebeu-se que há a necessidade de um esforço maior no reconhecimento do que faz parte da

memória coletiva dos indivíduos, buscando identificar os elementos estruturais da imagem da

cidade de uma forma participativa. Por esse viés, no presente capítulo foram desenvolvidos

procedimentos para o registro da paisagem em estudo, em consonância com a percepção dos

usuários e as especificidades culturais da região Nordeste do Rio Grande do Sul. O objetivo

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deste enfoque é tornar o inventário mais realista e contextual, pois este, como mencionado

anteriormente, deve ser a base de planos de gestão do território que valorizem a memória

cultural urbana e que reprimam iniciativas que venham a interferir na história e na realidade do

lugar.

4.1 PROCEDIMENTO PARA REGISTRO DA PAISAGEM

O procedimento de inventário proposto neste trabalho, como mencionado no tópico

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS, fundamentou-se no cruzamento das informações

angariadas na revisão bibliográfica; dos dados oficiais referentes ao processo de formação e

transformação das localidades e aos instrumentos de proteção do patrimônio; das informações

levantadas in loco sobre as características e as transformações socioespaciais que ocorrem na

paisagem; e da percepção dos habitantes e visitantes das localidades em questão.

Nele, o levantamento e registro da paisagem é dividido em três seções, onde os itens devem ser

preenchidos de forma discursiva. A primeira está relacionada à definição da poligonal de

análise, ou seja, da área da paisagem que será foco do inventário; a segunda seção se dedica a

identificar e registrar os elementos materiais e imateriais que definem o caráter da paisagem; e

a terceira concentra-se em avaliar a necessidade de medidas para salvaguardar os aspectos

culturais e de identidade da paisagem, conforme apresentado a seguir.

4.1.1 Delimitação das áreas a serem inventariadas

No desenvolvimento da primeira seção, o estudo apoiou-se, sobretudo, na metodologia do

Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC/IPHAN) apresentada por Corsino,

Londres e Neto (2000) e no Inventário da paisagem cultural de Florianópolis, realizado por

Gabriel V. B. Camargo, Maurício Storchi e Soraya Nór (2015), desenvolvido no âmbito do

Programa de Educação Tutorial – PET, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Apoiou-se também nas fichas de Inventário

da Paisagem Cultural do Comité Internacional de Itinerários Culturais do ICOMOS

(CIIC/ICOMOS).

O INRC/IPHAN considera que as áreas a serem inventariadas podem ser contínuas ou formadas

por um conjunto de segmentos territoriais que, apesar de não possuírem uma continuidade

física, compõem um todo maior e “indivisível do ponto de vista da vida social do grupo

envolvido” (CORSINO, LONDRES e NETO, 2000, p. 34). Nesse sentido, o INRC/IPHAN

propõe que, conforme as dimensões do sítio a ser inventariado, ele poderá ser subdividido em

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localidades, pensado como uma rede destas que, apesar de territorialmente diferenciadas, são

reconhecidas pelos atores sociais como uma “totalidade cultural” (CORSINO, LONDRES e

NETO, 2000, p. 34). Assim, propõem-se nessa seção a delimitação, por meio de poligonais, de

áreas/localidades que serão o foco do inventário. Entretanto, a existência de recursos

patrimoniais no entorno dessa área também deve ser considerado.

Como no Inventário da paisagem cultural de Florianópolis (CAMARGO, STORCHI e NÓR,

2015), propõem-se que os limites de cada poligonal a ser inventariada sejam traçados tendo

como base a percepção, vivência e o afeto dos usuários. Dessa forma, por meio da análise dos

mapas mentais classificados como semiestruturados e estruturados na análise categórica

realizada no capítulo anterior, foram definidos os limites das áreas conforme o representado

pela maioria dos entrevistados.

Na planilha, o campo “DELIMITAÇÃO DA POLIGONAL” descreve os limites da poligonal

proposta; já o campo “CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DA POLIGONAL” informa os

critérios que foram considerados na definição da poligonal inventariada, neste caso, a percepção

do usuário.

Também nesta etapa, assim como no Inventário da paisagem cultural do CIIC/ICOMOS, se dá

o reconhecimento das características fisiográficas da paisagem, como relevo, vegetação e

hidrografia. Essas informações devem ser inseridas no campo da ficha denominado

“CARACTERÍSTICAS FISIOGRÁFICAS”.

Cabe mencionar que o estudo da formatação da proposta de inventário concentrou-se na

adequação do conteúdo e na definição de diretrizes, sendo que o layout das fichas ainda serão

aprimorados. Nesse sentido, a primeira seção da planilha do inventário proposto, com base na

definição da poligonal de análise, fica assim estruturada (Figura 103):

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Figura 103 – Primeira seção do inventário: delimitação da poligonal de análise.

Fonte: Autora, 2018.

4.1.2 Registro da paisagem

A elaboração da seção da planilha referente ao registro dos aspectos materiais e imateriais da

paisagem, tida aqui como a segunda etapa do processo, fundamentou-se em critérios do

Inventário da paisagem cultural de Florianópolis (CAMARGO, STORCHI e NÓR, 2015), do

Inventário da Paisagem Cultural do CIIC/ICOMOS, do INRC/IPHAN (CORSINO, LONDRES

e NETO, 2000) e do do Inventário Nacional de Bens Imóveis – Sítios Urbanos Tombados, do

IPHAN (INBI-SU/IPHAN).

Nesta etapa, baseando-se em critério do Fomulário Geral de Sítios Urbanos do INBI-

SU/IPHAN, o campo “HISTÓRIA DA FORMA URBANA” apresenta um breve histórico da

formação e da transformação urbano-territorial das localidades em questão ao longo dos anos,

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considerando os aspectos que motivaram os processos de ocupação do território, levantados na

revisão bibliográfica. Já o campo “PRINCIPAIS ATIVIDADES ECONÔMICAS”, também

baseado em critério do Fomulário Geral de Sítios Urbanos do INBI-SU/IPHAN, apresenta as

principais atividades econômicas atuais da localidade, segundo fontes como IBGE e SEBRAE.

Além disso, baseando-se na ficha do Inventário da Paisagem Cultural do CIIC/ICOMOS, o

item “ASPECTOS CONSTRUTIVOS/ARQUITETÔNICOS” descreve as técnicas construtivas

que materializam uma série de características ambientais, sociais e culturais da região onde as

localidades se inserem, tornando-se elemento definidor da identidade construtiva e cultural da

região (Figura 104).

Figura 104 – Segunda seção do inventário: caracterização da paisagem.

Fonte: Autora, 2018.

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Os próximos campos da ficha (Figura 105) são dedicados aos elementos físicos percebidos

pelos usuários, acrescentados das observações feitas pelo pesquisador durante a pesquisa de

campo realizada em Serafina Corrêa, Casca e Evangelista, apresentadas ao longo desta

dissertação. Mais especificadamente, por meio das entrevistas com mapas mentais, foi possível

identificar os marcos considerados referenciais para os entrevistados e os elementos

estruturadores da imagem da localidade, bem como a relação da população com o lugar.

Assim, o item “MARCOS NA PAISAGEM” apresenta os espaços construídos e as edificações

que são referências para os usuários na imagem da cidade e que dão identidade ao lugar, além

dos elementos identificados pelo pesquisador como possuidores de valor histórico, cultural ou

estético e que não constam nos mapas mentais. Entretanto, da mesma forma que no Inventário

da paisagem cultural de Florianópolis (CAMARGO, STORCHI e NÓR, 2015), não foram

considerados os elementos que não possuem valor histórico e/ou cultural ou inseridos na

paisagem urbana sem ser produto da experiência vivida daquele grupo.

O item “ELEMENTOS ESTRUTURADORES DA IMAGEM MENTAL DOS USUÁRIOS”

apresenta aqueles elementos que, juntamente dos marcos, formam a imagem mental da

localidade, de acordo com a percepção dos usuários. São eles as “barreiras” (ou limites), as

“vias”, os “pontos nodais” e os “setores” (ou bairros), conforme apresentado no capítulo

anterior.

O campo “LIMITES VISUAIS”, baseado em item do Inventário da paisagem cultural de

Florianópolis (CAMARGO, STORCHI e NÓR, 2015), descreve os limites visuais identificados

na paisagem, como a presença de morros, de massa de vegetação, campos, dentre outros

elementos que emolduram a vista panorâmica da localidade. Estes limites visuais diferem das

“barreiras”, que estão relacionadas aos elementos que se apresentam como obstáculos –

geralmente lineares – a serem transpostos dentro do ambiente urbano e que dividem fisicamente

os setores da cidade.

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Figura 105 – Segunda seção do inventário: caracterização da paisagem.

Fonte: Autora, 2018.

Para melhor compreensão da estrutura urbana, há um campo na ficha (Figura 106) destinado ao

mapa da poligonal apontando os elementos registrados anteriormente como estruturadores e

como marcos na paisagem.

Além dos elementos materiais que caracterizam a paisagem e estruturam a imagem mental dos

indivíduos, propõe-se o registro dos elementos imateriais. Visto que as lembranças, as tradições

e os vestígios de outras gerações são tão importantes quanto os seus monumentos, há um campo

dedicado ao registro das relações de vivência e afeto dos usuários com o lugar – relações estas

que definem o modo de vida local –, bem como a imaterialidade e o simbolismo presente na

paisagem e na memória coletiva da comunidade.

Assim, baseando-se no Inventário da paisagem cultural de Florianópolis (CAMARGO,

STORCHI e NÓR, 2015) e no INRC/IPHAN a ficha traz o campo “ELEMENTOS

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SUBJETIVOS DA PAISAGEM”. O preenchimento desse item baseia-se nas considerações

feitas por Corsino, Londres e Neto (2000) no manual de aplicação do INRC/IPHAN. Para os

autores:

(...) as práticas humanas inscrevem de várias formas seus significados em objetos palpáveis. Uma estrutura arquitetônica informa sobre o modo de vida de seus habitantes, assim como as atividades cotidianas inscrevem sentidos no espaço aberto construindo lugares e territórios reconhecíveis (CORSINO, LONDRES e NETO, 2000, p.29).

Por esse viés, o referido item apresenta os elementos subjetivos observados nos mapas mentais

categorizados como simbólicos no capítulo anterior e que são relacionados pelos entrevistados

aos elementos materiais, possibilitando o entendimento das relações entre a população, sua

cultura e o ambiente natural.

Figura 106 – Segunda seção do inventário: caracterização da paisagem.

Fonte: Autora, 2018.

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4.1.3 Análise de impacto na paisagem

A terceira etapa de preenchimento da ficha trata da identificação das transformações que estão

ocorrendo na paisagem e da avaliação dos impactos causados. De acordo com Nór (2010), este

impacto se refere às alterações no meio urbano que, de alguma forma, afetam as esferas sociais,

culturais, econômicas e estéticas da paisagem. Intervenções nas paisagens e no patrimônio são

capazes de alterar seus significados, prejudicando a percepção dos seus usuários e até mesmo a

sua memória coletiva. Tais intervenções, quando não consideram as dimensões sociais e

históricas, podem até mesmo transformar lugares em não-lugares (AUGÉ, 1994).

Assim, baseado no Inventário da paisagem cultural de Florianópolis (CAMARGO, STORCHI

e NÓR, 2015), o campo “TRANSFORMAÇÕES E INTERFERÊNCIAS NA PAISAGEM”

descreve as transformações socioespaciais e culturais na paisagem, bem como elementos

inseridos no espaço urbano que causam interferências visuais e/ou culturais. Como exemplo de

preenchimento deste item, tem-se o caso da cidade de Serafina Corrêa, cujas transformações

identificadas por meio da observação e de entrevistas – e apresentadas nos capítulos anteriores

– estão relacionadas ao marketing urbano, com a inserção de ícones alienígenas na paisagem

que influenciam a percepção do usuário e alteram a memória e a imagem da cidade.

Também consta, nesta parte do inventário, um instrumento quantitativo de análise que avalia

as mudanças e o grau de ameaça às características culturais e de identidade da paisagem. Nessa

etapa, baseando-se em Nór (2010), devem ser atribuídos valores aos elementos de avaliação de

acordo com o nível de impacto observado. Assim, foram propostos elementos de avaliação de

ameaça à paisagem, aos quais foi associada uma escala com quatro níveis, que variam de 0

(zero) a 1,5, e que mede a intensidade do impacto de acordo com a escala de Likert, onde:

- 0 indica a ausência de ameaças;

- 0,5 indica que há poucas ameaças;

- 1 indica que o elemento está ameaçado; e

- 1,5 indica que o elemento avaliado está comprometido.

Os aspectos considerados nessa avaliação são o patrimônio construído, o patrimônio imaterial,

os elementos naturais da paisagem e a memória coletiva dos seus habitantes. Cada um deles é

um componente importante da paisagem, fazendo parte do seu caráter. Nesse sentido, após a

identificação das ameaças por meio da observação e das entrevistas, deve-ser dar um valor ao

nível de impacto no referido elemento. Ao final, os pontos dados a cada aspecto de avaliação

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são somados. Se a soma variar de 0 até 1,0, a paisagem não está ameaçada; se a soma resultar

num valor entre 1,5 e 2,5 a paisagem está pouco ameaçada; se o resultado for entre 3,0 e 4,5 a

paisagem corre o risco de ser descaracterizada e se o resultado da soma variar entre 5 e 6 a

paisagem analisada está descaracterizada.

O resultado da somatória dos pontos está relacionado ao modo que devem ser estabelecidas e

aplicadas as políticas da paisagem visando a sua proteção, a sua gestão e o seu ordenamento,

bem como a adoção das medidas específicas estabelecidas, como preconiza a CEP

(CONVENÇÃO..., 2005). A partir de tais aspectos, a terceira etapa da planilha ficou estruturada

da seguinte forma (Figura 107):

Figura 107 – Terceira seção do inventário: Análise de impacto na paisagem.

Fonte: Autora, 2018.

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4.2 O REGISTRO DA PAISAGEM DE SERAFINA CORRÊA, DE CASCA E DO

DISTRITO DE EVANGELISTA

A paisagem em estudo foi tratada como uma rede de localidades interligadas pelo seu processo

de formação e de conformação. Assim, foram delimitadas três poligonais, uma em cada

localidade estudada – cidade de Serafina Corrêa, cidade de Casca e núcleo do distrito de

Evangelista –, que formam a totalidade da paisagem analisada. Portanto, foram preenchidas três

fichas de inventário: uma para cada poligonal (APÊNDICE D).

As poligonais das três localidades, traçadas de acordo com a percepção da população,

abrangem a região central das cidades e do distrito, onde – nos três casos analisados – está

localizada a Igreja Matriz, a praça principal e a via comercial, e que se conforma no núcleo

histórico, a partir do qual as cidades se desenvolveram e se expandiram.

O preenchimento dos itens da ficha de inventário com as análises e informações levantadas no

decorrer da presente dissertação permitiram a identificação e o registro dos elementos materiais

e imateriais da paisagem em estudo. Por meio desse registro, observou-se que a paisagem das

três localidades revela as raízes e os costumes de sua gente, bem como as formas de produção

da vida e do trabalho, intimamente ligado ao processo de formação e de colonização de

imigrantes italianos na região.

Na terceira seção do inventário foram registradas as transformações socioespaciais e culturais

que ocorrem na paisagem, relacionadas à reconfiguração da relação entre urbano e rural, às

atividades turísticas e ao marketing urbano, identificadas no CAP. 2 - CONFORMAÇÃO DA

PAISAGEM. Ainda nessa seção, foi avaliado o grau de ameaça dessas transformações e

interferências às características culturais e de identidade da paisagem de cada loalidade.

Por meio do instrumento quantitativo de análise, obervou-se que as paisagens da cidade de

Casca (2,0 pontos) e do núcleo de Evangelista (2,5 pontos) são consideradas paisagens pouco

ameaçadas (ver APÊNDICE D). Porém, deve ser dada atenção especial ao patrimônio

construído de Evangelista, pois devido ao crescimento populacional e à falta de iniciativas

privadas e do poder público em relação à preservação dessas estruturas, muitas delas estão

ruindo ou sendo substituídas por novas construções.

Em relação à paisagem da localidade de Serafina Corrêa, a análise de impacto na paisagem

revelou que esta se encontra em risco de descaracterização (3,0 pontos), devido

principalmente às ameaças ao patrimônio construído e à memória coletiva de sua população.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito inicial deste trabalho estava relacionado à preservação e à valorização da

arquitetura de influência da imigração italiana na região nordeste do Rio Grande do Sul, em

especial na região conformada a partir da antiga colônia de Guaporé. Ao longo do mestrado a

pesquisa sofreu algumas alterações, relacionadas principalmente ao recorte espacial e ao

enfoque do estudo. A alteração no recorte espacial foi feita devido a constatação da

inviabilidade de se analisar tamanha área nos dois anos de mestrado, optando-se, assim, em

delimitar o recorte às cidades de Serafina Corrêa e de Casca, incluindo a sede do distrito de

Evangelista. A escolha dessas localidades deveu-se à proximidade espacial e às similaridades

relacionadas às suas trajetórias políticas, econômicas e histórico-culturais. O recorte se deu

também pelo seu acervo arquitetônico do início da ocupação da região pelos imigrantes.

Além disso, no decorrer da revisão bibliográfica, entendeu-se que a proteção da identidade

cultural e da memória dos lugares vai além da preservação do patrimônio edificado,

contemplando também os aspectos imateriais da cultura que estão materializados na paisagem,

uma vez que é resultado das transformações sofridas pelo espaço ao longo da história do lugar

e é registro das relações socioespaciais que nele ocorrem. Ou seja, tão importante quanto

preservar as edificações é conservar a paisagem onde elas estão inseridas.

A partir da compreensão de que a paisagem é dinâmica e constantemente submetida a

transformações, e que, dependendo do caráter da mudança, seus elementos culturais e naturais

podem ser ameaçados, o objetivo geral da pesquisa voltou-se, então, ao reconhecimento da

paisagem como detentora de valor patrimonial e de identidade. Tendo em vista que a concepção

de paisagem está relacionada à interpretação do sujeito que a visualiza e a vivencia, foram

traçados os objetivos específicos relacionados à identificação das mais significativas

transformações socioespaciais nas localidades e os seus efeitos na paisagem; à análise da

percepção da população residente e visitante em relação à paisagem estudada; e à elaboração

de um procedimento para o registro da paisagem, em consonância com a percepção dos usuários

e as especificidades culturais da região Nordeste do Rio Grande do Sul.

Tendo os objetivos estabelecidos, traçou-se o procedimento metodológico da pesquisa,

organizado em sete etapas. A revisão bibliográfica geral e específica forneceu as informações

acerca do patrimônio cultural, das construções identitárias e da imigração italiana no Brasil,

bem como sobre o processo de conformação da paisagem dos objetos de estudo. Já a pesquisa

documental geral forneceu dados referentes ao processo de formação e transformação das

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localidades e aos instrumentos de proteção do patrimônio, em especial da paisagem cultural a

nível mundial (UNESCO), a nível continental (CEP) e a nível nacional (IPHAN). Assim, essas

etapas forneceram o embasamento teórico e conceitual em relação aos temas relevantes para o

desenvolvimento das análises.

Além disso, por meio da revisão bibliográfica e levantamento documental específicos, foram

selecionados modelos e metodologias de inventário que balizaram o procedimento de inventário

aqui proposto. Num primeiro momento, com base em algumas das fichas levantadas, foi

proposto um modelo de inventário voltado ao registro do patrimônio arquitetônico e da sua

relação com a paisagem. Foi então realizado um teste piloto desse modelo durante o

walkthrough em uma casa de arquitetura típica da região, na etapa de levantamento in loco. A

realização deste teste piloto, aliado às considerações da banca de avaliação no momento da

qualificação desta pesquisa, demonstrou que a primeira ficha desenvolvida deveria ser

reformulada, dando um enfoque maior à paisagem e à percepção da população. O walkthrough,

além de validar a primeira versão da ficha de inventário proposta, teve como finalidade a

aproximação da pesquisadora com essas edificações e com o ponto de vista do seu morador.

Este método de avaliação pós-ocupação teve caráter complementar dentro da etapa de pesquisa

de campo.

Para responder ao objetivo específico de identificar as mais significativas transformações

socioespaciais nas localidades e os seus efeitos na paisagem, foi empregado, na etapa de

levantamento in loco, o instrumento de observação participante. Por meio da observação foi

possível obter um contato mais próximo com a paisagem, utilizando os sentidos para a

apreensão de determinados aspectos do cotidiano das comunidades. Também foram realizadas

entrevistas informais com duas pessoas ligadas direta ou indiretamente às transformações

socioespaciais e culturais identificadas nesta pesquisa. Assim, verificou-se que a

reconfiguração da relação entre urbano e rural, o turismo e o marketing urbano fundamentado

na (reconstrução da) memória do lugar estão modificando a configuração e a imagem da

paisagem em estudo, confirmando as hipóteses levantadas sobre as ameaças à paisagem.

Mais precisamente, em Casca, a principal mudança socioespacial e cultural observada está

relacionada à reconfiguração das relações entre urbano e rural. A globalização, ao aumentar e

dinamizar o fluxo de pessoas, bens, serviços, produtos e informações, ampliou

consideravelmente a presença de características urbanas em áreas rurais e vice-versa. Assim,

em Evangelista, o rural vem sendo redescoberto como um espaço onde o passado e a tradição

são revisitados com os propósitos do presente, impulsionando o turismo rural e cultural na

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localidade. Observou-se também que na última década houve a instalação de fábricas

moveleiras e agroindústrias no núcleo, que influenciaram na fixação da população na vila. Neste

cenário, os antigos costumes e construções do início do século XX convivem lado a lado com

indústrias, serviços (em especial o turismo rural e cultural), residências contemporâneas e

comércio, em uma relação que confere dinamismo à localidade, mas também pode gerar

conflitos entre o antigo e o novo.

Além disso, se as atividades industriais e o próprio crescimento populacional do núcleo distrital

não forem regidos por um planejamento adequado e sustentável, pode haver consequências para

a paisagem do lugar, pois esta tende a ser descaracterizada com os novos usos – como demonstra

o desaparecimento de edificações de interesse histórico observado na última década em

Evangelista. Observou-se ainda que o turismo cultural na vila, motivado, sobretudo, pelo acervo

arquitetônico da imigração italiana, não colaborou com a proteção do casario. Para que as

edificações remanescentes não tenham o mesmo destino, mostra-se necessária uma intervenção

para recuperação dessas estruturas, dentro de uma gestão inteligente dos recursos patrimoniais

materiais e imateriais, que é um dos fatores chaves para o desenvolvimento sustentável do

território.

Já em Serafina Corrêa, a mais relevante transformação socioespacial identificada relaciona-se

ao marketing urbano em torno das referências culturais da imigração italiana. Um dos mais

significativos marcos empreendidos pela gestão pública em relação ao marketing urbano foi a

concepção da Via Gênova, onde estão implantados cinco edifícios que são réplicas de

monumentos arquitetônicos italianos.

A etapa de levantamento in loco também foi fundamental para responder ao objetivo específico

de analisar a percepção da população residente e visitante em relação à paisagem estudada. Para

isso, foi utilizada a ferramenta de mapas mentais, que se baseia na elaboração de um desenho

ou esquema por um indivíduo que tenha alguma relação com o espaço analisado. O tratamento

dos 50 mapas mentais levantados (20 em Serafina Corrêa, 20 em Casca e 10 em Evangelista)

se deu em três etapas: análise quantitativa, que identificou os elementos da paisagem mais

lembrados pelos entrevistados; análise categórica, que detectou o simbolismo e os elementos

intangíveis dessa paisagem; e análise topoceptiva, que apontou os elementos físicos percebidos

como formadores da imagem dos centros analisados.

Como resultado, concluiu-se que a paisagem das localidades revela as sobreposições de

diferentes épocas e expõe as raízes e os costumes da população local. Os mapas demonstraram

também a ligação afetiva dos indivíduos com lugar, observada na análise dos elementos

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subjetivos. Por outro lado, demonstraram que a criação de um cenário fictício e a implantação

de elementos descontextualizados cultural, histórico e/ou arquitetonicamente no espaço urbano,

como acontece em Serafina Corrêa, pode desencadear um processo de desconstrução da

memória ou induzir a conformação de memórias fictícias, que contribuem significativamente

para a descaracterização da paisagem cultural e a consequente alteração da percepção que a

população tem da cidade.

Fica evidente, então, que a busca por referências que não condizem com a realidade da cidade

acaba por prejudicar o patrimônio cultural real da população local, que é desvalorizado perante

estes ícones implantados na paisagem. Tal substituição do patrimônio construído por elementos

externos e temáticos pode acarretar numa perda irreparável relacionada à cultura e à memória

coletiva da cidade, já que a construção desse cenário tende a criar uma falsa imagem de Serafina

Corrêa.

O uso dos mapas mentais para registrar a percepção ambiental dos usuários da cidade

demonstrou ser uma importante ferramenta na análise da paisagem sob a perspectiva da

população ligada a ela. Além disso, a revisão bibliográfica fundamentada nos autores que são

referências no estudo da percepção ambiental mostrou que um dos fatores que mais influencia

no modo de uso, apropriação, significação e valorização de um espaço é a relação deste com o

indivíduo. Ou seja, ao espaço físico é somado um ambiente psicológico, derivado das

experiências e vivências do usuário.

Por fim, na etapa de análise dos dados, a partir das análises e informações levantadas nas etapas

anteriores, foi proposto um procedimento de inventário da paisagem com foco na percepção

dos usuários e nas especificidades culturais da região Nordeste do Rio Grande do Sul. O modelo

proposto se dividiu em três seções: a primeira dedicou-se à delimitação da área a ser

inventariada; a segunda ao registro dos elementos materiais e imateriais identificados que

caracterizam a paisagem e estruturam a imagem mental da cidade/distrito no observador; já na

terceira seção foram registradas as transformações e interferências na paisagem, além de constar

um instrumento de análise dos impactos causados na paisagem, que avaliou as mudanças e o

grau de ameaça às características culturais e de identidade da paisagem. Os resultados dessa

última etapa da análise estão relacionados ao modo que devem ser estabelecidas e aplicadas as

políticas da paisagem visando a sua proteção, a sua gestão e o seu ordenamento, bem como a

adoção das medidas específicas para a salvaguarda dos bens patrimoniais.

Por meio do instrumento quantitativo de análise, obervou-se que deve ser dada atenção especial

ao patrimônio construído de Evangelista, pois devido ao crescimento populacional e à falta de

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iniciativas em relação à preservação dessas estruturas, muitas delas estão ruindo ou sendo

substituídas por novas construções. Assim, conclui-se que as atividades industriais e turísticas

precisam ser regidas por um planejamento adequado e sustentável, a fim de evitar

consequências para a paisagem do lugar, pois esta tende a ser descaracterizada com os novos

usos.

Em relação à paisagem da localidade de Serafina Corrêa, a análise de impacto na paisagem

revelou que esta se encontra em risco de descaracterização, devido principalmente às ameaças

ao patrimônio construído e à memória coletiva de sua população, representadas pela inserção

de elementos alienígenas na paisagem. As construções autenticamente presentes no ambiente

urbano, edificadas com os materiais disponíveis na região e influenciadas pela imigração

italiana – apesar de estarem relacionadas às memorias tidas pelos habitantes como negativas –

narram a história de um povo que lutou para sobreviver e prosperar em um novo país. Logo, a

valorização da paisagem deve se dar de forma a evitar a alienação do indivíduo, conservando

suas raízes e fortalecendo suas identidades, impedindo perdas irreparáveis à memória da cidade.

A cidade é cenário das inter-relações de seus habitantes e o espaço público converte-se em

elemento estruturador dessas trocas. Assim, entende-se que para haver uma evolução urbana no

sentindo da construção de um futuro comum na cidade, é necessário o fortalecimento da

identidade coletiva da população, preservando os valores de sua memória e de sua história.

Os resultados obtidos demonstraram que, devido à natureza dinâmica da paisagem, há um

grande desafio na promoção de uma relação harmônica entre desenvolvimento territorial e

socioeconômico e a preservação do patrimônio cultural. Por isso, no planejamento territorial,

torna-se fundamental considerar as dimensões sociais e históricas do lugar. Mostra-se

imprescindível, então, a gestão compartilhada da paisagem cultural, com uma abordagem

multidisciplinar, como preconiza o instrumento da Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, e

que protege institucionalmente o conjunto de fatores que compõem as paisagens, considerando

o seu caráter dinâmico. E, acima de tudo, a introdução de políticas que valorizem a paisagem

não só esteticamente, mas sim em suas variadas dimensões, sobretudo a social.

Após o exposto, concluiu-se que o reconhecimento do valor patrimonial e de identidade da

paisagem das cidades de Serafina Corrêa, de Casca e da sede do distrito de Evangelista deu-se

na identificação da percepção da população e no registro dos seus elementos materiais e

imateriais. Tal registro apontou também as ameaças ao caráter da paisagem, salientando a

necessidade de planos e projetos territoriais que valorizem este patrimônio. Portanto, os

resultados obtidos nessa dissertação podem servir como base para futuros planos de gestão

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territorial da paisagem da região, compartilhada entre o poder público, a iniciativa privada e a

comunidade.

Uma vez que o inventário proposto no presente trabalho foi baseado na ótica da percepção da

comunidade, pretende-se, em trabalhos futuros, incluir os aspectos morfológicos, geológicos e

também geográficos da paisagem. Pretende-se, ainda, ampliar a área inventariada, abrangendo

não só os núcleos urbanos, como também as paisagens agrícolas.

Por fim, com a intenção de complementar o trabalho realizado, recomenda-se a realização de

um inventário do patrimônio edificado dos dois municípios, tanto no espaço urbano quanto no

rural. Ademais, a partir da constatação, durante a pesquisa de campo no distrito de Evangelista,

do desaparecimento de algumas das edificações inventarias por Ana Paula Wickert em 2004,

sugere-se também a atualização do referido inventário.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – ENTREVISTAS INFORMAIS

ENTREVISTADO 1: TURISMÓLOGO RESPONSÁVEL PELO SETOR DO TURISMO NO

DISTRITO DE EVANGELISTA.

(Nome e idade?) Sou Marciano Giuriatti, tenho 43 anos. (E a profissão?) Sou turismólogo como

profissão e empreendedor. (E nasceu aqui em Evangelista?) Nasci no interior, 4 km daqui. (E

por que você acha que Evangelista tem potencial turístico?) Ela tem potencial pelo fato de que

o Brasil por ser um país que praticamente se distanciou das suas origens, da sua cultura, perdeu

todas as referências, onde a miscigenação, digamos, formou uma cultura única brasileira... a

gente, pelo fato de não ter migrado... não veio gente de fora, digamos, pelo fato do não-

progresso, pelo contrário, muita gente que vivia aqui saiu. Os que ficaram, eles mantiveram

então, por consequência, a arquitetura, por não haver investimentos maiores permaneceu a

arquitetura que lembra, digamos, as casas mais da Europa. Também os aspectos culturais na

parte da gastronomia, o respeito aos familiares, usos e costumes, de vivências, de tradições que

em outros lugares se perdeu. Aqui se manteve por esses fatos aí. Por isso que a gente tem um

potencial, porque a gente manteve uma personalidade própria, e a gente não perdeu totalmente

a nossa italianidade. (A próxima pergunta era ‘Por que há tantos casarões antigos na

comunidade?’, mas você já me respondeu... foi pela falta de investimentos, né?) É, também

porque de tão rica que era a comunidade, como o pessoal migrou, ele não necessitou demolir

para fazer em outro lugar, simplesmente abandonaram e fizeram em outro lugar, por isso se

manteve isso aqui. Mesmo assim, digamos que se manteve 10%; porque 90%, digamos assim,

ou caiu ou demoliram pra transportar pra outros lugares. Mas porque tinha muita gente rica,

eles não precisaram demolir pra construir em outro lugar, por isso que se manteve aqui. (Mas

por que as pessoas migraram? Por que parou de ter investimentos na localidade?) Pelo fato que

também Bruna, além do pessoal do interior migrar bastante pra Santa Catarina nas décadas de

40, 50, 60 e 70, até os anos 80, também porque politicamente nós temos aqui por natureza o

empreendedorismo, o lugar não exerceu a função política, daí perdeu as rodovias que passavam

aqui dentro, e também não se tornou município. (Sim, não se emancipou né?) Isso, ficou

pertencendo à Casca... eles usufruíram dos nossos impostos, da nossa população, pra eles se

emanciparem...e a política pública foi voltada então à fortalecer lá, centralizar lá... o que

Guaporé não fazia. Guaporé não ajudava tanto mas também não atrapalhava; e Casca

estimulava as empresas a sair daqui e se instalar lá. (E elas retornaram agora? Porque tem

bastante fábricas aqui... de móveis e tal...) Não é que elas retornaram. Na verdade o pessoal

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deixou de migrar porque, digamos, eram proprietários das terras aqui e simplesmente não se

seduziram mais. Mais recentemente, Casca deu um terreno pra uma fábrica de móveis daqui se

instalar lá, há dois anos... ainda tem gente que se seduz pra lá, tem gente que se seduz com

incentivos, quem vê dinheiro é seduzido... outras empresas preferem não se vender e, digamos

assim, preferem permanecer aqui, assim como eu, no caso. (E os moradores daqui têm a

intenção de preservar as casas? Os casarões?) A maioria quer sim. (Eles percebem que tem

valor patrimonial ou é mais pela memória afetiva?) As duas coisas. (E o turismo alterou a rotina

dos moradores?) Ah, com certeza, alterou já bastante. Isso que a gente tá apenas começando a

implementar né? É um longo trabalho, e tô no começo, digamos que sou eu sozinho ali e tal, a

gente precisa de mais investimento, mas devagarzinho vamos... (E os jovens têm interesse em

permanecer na comunidade?) Ah, de uns anos pra cá, com a melhoria da infraestrutura e da

autoestima já tem uns jovens que pararam de sair, coisas que durante uns 45 anos, conforme

cresciam já iam indo embora, que nem passarinho saindo do ninho né? E nunca mais voltavam.

Agora já tem umas pessoas se fixando ali, construindo casas (eu vi que tem bastante construções

novas na vila) É por causa desses jovens que deixaram de migrar. (E você acha que a paisagem

de Evangelista é diferente das demais da região?) Ela é um pouquinho diferente pela questão,

digamos assim, de ser um vale mais acentuado até... e a sua geografia particular de um pequeno

cânion, uma pequena rachadura, digamos... e por esse fato também, que tem essas encostas

íngremes, que não virou tudo lavoura, né? E isso favoreceu a permanência dessa mata nativa,

que favorece também uma abundância de águas...é tudo uma consequência... tipo, a fauna aqui

é mais abundante, mais do que no próprio interior... uma coisa puxa a outra. A natureza aqui

tem mais vida do que no interior de Evangelista. (E foi pelo fato de não ter espaço para as

lavouras se expandirem que se buscou o empreendedorismo aqui? Com as agroindústrias e

indústrias moveleiras?) São, digamos, minifúndios, então quem quis agregar mais valor e

segurar o filho em casa, teve que partir pra uma atividade que gerasse mais mão de obra do que

produzir grãos, então isso aí ajudou a fixar essa massa de jovens. (E, você disse [anteriormente

à entrevista] que tem bastante jovem que casa com gente ‘de fora’ e fica morando aqui?) Isso,

e teve vários casos de gente que tinha nascido aqui, que foram morar em outros municípios,

outros estados, e voltaram nesses últimos 10 anos. E tem gente de fora que vem morar aqui pra

trabalhar nas agroindústrias, alugam as casas vazias por uma temporada. E agora, digamos, com

a atividade turística, o próprio município tá fazendo a primeira obra urbanística do lugar, em

60 anos de município, tá revitalizando a praça (...).

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ENTREVISTADO 2: IRMÃO DO ENGENHEIRO RUDIMAR PECCIN (1962-1994) E DO

ENTÃO SECRETÁRIO DO TURISMO GERALDO PECCIN (1955-2008),

IDEALIZADORES DA VIA GÊNOVA.

(Nome, idade e local de nascimento): Dr. Renato Danilo Peccin, médico, 67 anos. Local de

nascimento é Serafina Corrêa, que naquela ocasião pertencia à Guaporé, quando ainda era Linha

11. Na verdade eu nasci na linha 12, que agora, hoje em dia, é um bairro de Serafina (...). (O

Rudimar Peccin, seu irmão, foi o idealizador da Via Gênova?) Bem, quem pensou a Via Gênova

foi o meu irmão Geraldo Arnaldo Peccin, ele que foi o idealizador. O Rudimar seria o executor.

Só que assim, quando ele ‘tava’ organizando tudo, ele faleceu. Uma morte trágica, 32 anos,

acidente de automóvel... e aí então deram um ‘breque’ [no projeto da Via Gênova]. Meu irmão

morreu em novembro de 94 e eles retomaram em 95. (Daí com outro engenheiro?) Com outro

engenheiro, o Duarte [Rotava]. (Mas os projetos são do Rudimar?) Tudo dele. Tinham

organizado tudo, mas depois a execução e tudo foi por parte do Duarte. (E qual foi a intenção

dos teus irmãos com a criação da Via Gênova?) A intenção foi incrementar o turismo. Quando

o meu irmão chegou em Serafina Corrêa – ele ‘tava’ em Porto Alegre e veio pra Serafina Corrêa

pra ser secretário do turismo, o Geraldo – então assim, o cara veio com umas ideias assim... lá

na frente, né? Aí então ele começou a pensar em coisas pra incrementar, e como eles ‘tavam’

com um problema com o rio, o arroio que passava no centro da cidade, em frente à prefeitura e

a céu aberto, eles pensaram “Então vamos cobrir ele... Quem sabe a gente faz uma coisa

turística?”. E aí fizeram a Nave dos Imigrantes (...). (Teve algum critério pra escolha das

réplicas implantadas?) O critério – que eu saiba – era o que representasse a Itália, coisas assim

que chamavam a atenção... Porque o meu irmão já tinha estado na Itália, então ele visitou essas

obras na verdade... chamava a atenção deles essas obras e que tinham bastante

representatividade. Então eles fizeram... em miniatura né, porque são bem menores do que as

primeiras lá, e aí foi pra chamar o turismo. (Quem foi lá na Itália e viu, e quis fazer aqui foi o

Geraldo?) Foi o Geraldo. O Rudimar entrou no barco da ideia do Geraldo, e então ele já meio

que organizou: “aqui vamos botar isso, aqui vamos botar aquilo”. O Geraldo então disse que

obras que seriam interessantes aqui, pra quê vamos usar... e tudo foi feito pra chamar a atenção,

mas com vias de exploração comercial. Tanto é que assim, por exemplo, o Castelo de Maróstica,

foi construído pelo meu irmão [Geraldo], a prefeitura só deu a laje. O meu irmão construiu e

tinha o direito de explorar por 25 anos, sem pagar nada, e depois dos 25 anos passaria para a

prefeitura, e a prefeitura aí iria receber um aluguel dessas obras, mas ele tinha o direito de

continuar com o comércio que ele tinha em cima. Mas aí ele já tinha desistido né... quando ele

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morreu já tinha desistido. (E ele [Geraldo] faleceu em que ano?) Ele faleceu em 2008, teve um

AVC (...) (Qual foi a primeira impressão que o projeto causou na comunidade? Foi bem aceito?)

Foi bem aceito, mas meio que com espanto: “Como que vão fazer tudo isso? Como que

conseguem fazer tudo isto?” né... mas deve ter tido verba pra turismo, eles devem ter

conseguido uma boa representação de verba... mas a prefeitura também investiu bastante. Mas

a impressão da comunidade foi a melhor possível. (Gostaram das obras?) Só que assim, sabe

que tem partido contrário né, então o partido contrário queria que... tanto é que quando o meu

irmão largou... você vê que tinha várias iniciativas culturais, na culinária, nos festivais, música

latino-americana, música italiana, CTG... incrementaram [a administração responsável pela

inserção da Via Gênova] o máximo que puderam. E quando saiu essa administração, os outros

acharam que ‘tava’ tudo errado, murchou tudo. Não teve continuidade. (Mas a comunidade

abraçou a ideia?) Sim, abraçou a ideia, e o município ficou muito conhecido. Tanto que hoje

nas temperaturas do Estado, um dos termômetros oficiais tá em Serafina Corrêa... Porque se

soube que existia Serafina, houve divulgação da cidade, né. (Serafina entrou no mapa...) É.

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APÊNDICE B – MAPAS MENTAIS

MAPAS MENTAIS DE CASCA

MAPA 01 – Visitante, mulher, 55 anos.

Semiestruturado. MAPA 02 – Moradora, 42 anos. Simbólico.

MAPA 03 – Ex-moradora, 29 anos.

Semiestruturado. MAPA 04 - Moradora, 50 anos.

Semiestruturado.

MAPA 05 – Moradora, 52 anos. Estruturado. MAPA 06 – Moradora, 14 anos. Simbólico.

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MAPA 07 - Moradora, 14 anos. Simbólico. MAPA 08 – Moradora, 62 anos. Simbólico.

MAPA 09 – Moradora, 64 anos. Simbólico. MAPA 10 – Moradora, 47 anos. Simbólico.

MAPA 11 – Moradora, 42 anos.

Semiestruturado. MAPA 12 - Morador, 39 anos. Simbólico.

MAPA 13 – Morador, 73 anos.

Semiestruturado. MAPA 14 – Moradora, 59 anos. Simbólico.

MAPA 15 - Ex-morador, 53 anos. Simbólico. MAPA 16 – Ex-moradora, 43 anos.

Semiestruturado.

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MAPA 17 – Ex-moradora, 27 anos.

Semiestruturado. MAPA 18 – Visitante, homem, 38 anos.

Semiestruturado.

MAPA 19 – Morador, 46 anos. Simbólico. MAPA 20 - Visitante, homem, 24 anos.

Semiestruturado.

MAPAS MENTAIS DE EVANGELISTA

MAPA 01 – Visitante, mulher, 28 anos.

Semiestruturado. MAPA 02 – Ex-morador, 54 anos. Simbólico.

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MAPA 03 – Ex-moradora, 44 anos.

Semiestruturado. MAPA 04 - Visitante, mulher, 24 anos.

Estruturado.

MAPA 05 – Morador, 43 anos. Estruturado. MAPA 06 – Moradora, 50 anos.

Semiestruturado.

MAPA 07 – Moradora 19 anos. Simbólico. MAPA 08 - Moradora, 42 anos.

Semiestruturado.

MAPA 09 – Morador, 32 anos. Simbólico. MAPA 10 – Visitante, homem, 56 anos.

Estruturado.

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MAPAS MENTAIS DE SERAFINA CORRÊA

MAPA 01 – Moradora, 20 anos. Estruturado. MAPA 02 - Morador, 54 anos.

Semiestruturado.

MAPA 03 – Moradora, 29 anos. Estruturado. MAPA 04 – Moradora, 30 anos. Simbólico.

MAPA 05 – Moradora, 39 anos. Simbólico. MAPA 06 - Morador, 36 anos. Simbólico.

MAPA 07 – Morador, 31 anos. Simbólico. MAPA 08 – Moradora, 35 anos.

Semiestruturado.

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171

MAPA 09 – Moradora, 33 anos. Semiestruturado.

MAPA 10 - Moradora, 25 anos. Simbólico.

MAPA 11 – Moradora, 36 anos. Simbólico. MAPA 12 – Moradora, 26 anos.

Semiestruturado.

MAPA 13 – Morador, 30 anos.

Semiestruturado. MAPA 14 - Ex-morador, 25 anos.

Semiestruturado.

MAPA 15 – Visitante, mulher, 37 anos.

Semiestruturado. MAPA 16 – Visitante, homem, 33 anos.

Semiestruturado.

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MAPA 17 – Ex-morador, 66 anos.

Semiestruturado. MAPA 18 - Visitante, homem, 54 anos.

Simbólico.

MAPA 19 – Visitante, homem, 56 anos. Semiestruturado.

MAPA 20 – Ex-moradora, 17 anos. Simbólico.

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APÊNDICE C – ROTEIRO WALKTHROUGH / TESTE PILOTO (INVENTÁRIO)

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APÊNDICE D – INVENTÁRIO DA PAISAGEM

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ANEXOS

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ANEXO A – MODELO DE FICHA PARA LEVANTAMENTO DOS PROCESSOS DE

FINANCIAMENTOS DO INSS/RN (ALMEIDA, 2007)

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195

ANEXO B – INVENTÁRIO DA ARQUITETURA E DA PAISAGEM RURAL DA

IMIGRAÇÃO ITALIANA (LUCA, 2007)

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198

ANEXO C - INVENTÁRIO DA PAISAGEM CULTURAL DE FLORIANÓPOLIS

(CAMARGO, STORCHI E NÓR, 2015)

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200

ANEXO D – INVENTÁRIO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DE VILA

EVANGELISTA (WICKERT, 2004)

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201

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202

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203

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204

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205

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ANEXO E - INVENTÁRIO NACIONAL DE BENS IMÓVEIS – SÍTIOS URBANOS

TOMBADOS (INBI-SU/IPHAN)

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ANEXO F - INVENTÁRIO DA PAISAGEM CULTURAL DO COMITÉ

INTERNACIONAL DE ITINERÁRIOS CULTURAIS DO ICOMOS (CIIC/ICOMOS)

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