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O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO EM NARRATIVAS DE MÃES E ALUNOS
DO NAAH/S-CG
Fernando Fidelis Ribeiro1
Universidade Estadual de Mato Grosso do [email protected] Novais Sousa2
Secretaria Estadual de Educação/[email protected]
Eliane Greice Davanço Nogueira3
[email protected] Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS.
Eixo temático 4: Alfabetização, diversidade e inclusão.
Resumo
Este trabalho pretendeu verificar se a condição especial dos alunos com características de altas habilidades/superdotaçãoque frequentam o NAAH/S-CGoferece alguma experiência facilitadora ao aprendizado da leitura e da língua escrita em comparação aos alunos não identificados. Na análise das narrativas de seis mães eseis alunos, foi possível identificar o despreparo da escola regular em atender alunos que se enquadrem na Educação Especial.
Palavras-chave: Alfabetização. Educação especial. Altas habilidades/superdotação.
Abstract
This work intended to verify if the special status of students with characteristics of high ability/giftedness attending the NAAH/S-CG offers some experience facilitating learning of reading and written language compared to students non-identified. In the analysis of six mothers narratives and six students it was possible to identify the unpreparedness of the regular school to meet students who qualify for the Special Education.
Keywords: Literacy. Special Education. High Ability/Giftedness.
1Mestrando do Programa de Pós Graduação Mestrado Profissional em Educação (UEMS)Professor da sala de enriquecimento curricular em ensino de ciências do Núcleo de Atividades em Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), Campo Grande-MS. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Narrativas Formativas (GEPENAF). 2Mestre pelo Programa de Pós Graduação Mestrado Profissional em Educação (UEMS-2014). Especialista em Alfabetização IESF (2007), Coordenação Pedagógica (Portal Educação/UCDB-2014) e Gestão Escolar (UNIASSELVI-2015) e graduada em Pedagogia pela FIMES (2004). Professora alfabetizadora da Rede Estadual e Municipal de ensino em Campo Grande – MS. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Narrativas Formativas (GEPENAF).3Professora Dra (titular) do Programa de Pós-Graduação, stricto sensu, Mestrado Profissional em Educação, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Narrativas Formativas (GEPENAF).
1. INTRODUÇÃO
A atual LDB (Lei 9394/96), assevera que a educação é um direito universal e,
ulteriormente no Capítulo V, que trata da Educação Especial - Art. 59 -, destaca que é
de responsabilidade dos sistemas de ensino atender as necessidades especiais dos
educandos. Pelo mesmo viés, no tocante ao inciso II, do Art. supra referido, “[...]
aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor
tempo o programa escolar para os superdotados [...]”, deixa claro que a questão de
inclusão posta pela diversidade tem como finalidade garantir a integração desses
“diferentes” face aos desafios que se colocam ao sistema educacional.
Contudo, não basta garantir a integração daqueles educandos ao sistema
educacional. É preciso, sobretudo, oportunizar um preparo adequado aos profissionais
que se encontram diretamente envolvidos com o atendimento educacional especializado
(AEE), especificamente, no que se refere aos alunos com AH/SD. Como bem saliente,
Alencar (2007, p. 15).
[...] é relevante apontar o reconhecimento crescente de que uma boa educação para todos não significa uma educação idêntica para todos. Em função deste reconhecimento, tem sido salientada a necessidade de o professor estar equipado para propiciar uma educação de boa qualidade, levando em conta as diferenças individuais e encorajando o desenvolvimento de talentos, competências e habilidades diversas.
Esse importante aspecto apontado por Alencar (2007), no que se refere a “levar
em conta as diferenças individuais” guarda muitas semelhanças com os processos pelos
quais se ensina uma criança a ler e escrever: cada criança, seja ela identificada como da
Educação Especial ou não, passa por fases ou etapas na construção do conhecimento
sobre o sistema de escrita alfabético, que precisam ser respeitadas, uma vez que os
ritmos de aprendizagem e de apropriação do sistema notacional são variáveis de
individuo para indivíduo. Dessa forma,
[...] o desenvolvimento da Psicogênese do Sistema Linguístico leva à classificação de certos comportamentos normais, pelos quais a criança tenta expor suas ideias, como sendo patológicos. Muitos foram os casos considerados como distúrbios de linguagem, que nada mais eram do que hipóteses muito sadias de construção do sistema de escrita. (IDE, 1991, p. 44).
Com esses conceitos em mente (ALENCAR, 2007; IDE, 1991), nos propomos a
investigar, mediante as narrativas autobiográficas dos alunos e tutores, como foi
percebido pelos sujeitos atendidos pelo Núcleo de Atividades em Altas
Habilidades/Superdotação − NAAH/S − vinculado à Secretaria de Estado de Educação
de Mato Grosso do Sul (SED/MS - Campo Grande) o ingresso na cultura do escrito,
tendo em vista sua condição como alunos da educação especial.
No contexto das narrativas, Reis (2008, p. 23) manifesta a ideia de que a
investigação narrativa permite ao pesquisador observar a “complexidade das
interpretações” que os sujeitos realizam a partir de suas experiências, vivências,
“desafios e dilemas”, enquanto numa investigação tradicional os aspectos subjetivos não
são considerados.
Pela mesma vertente, acreditamos que o uso das narrativas na pesquisa em
educação permitem compreender os mecanismos ou processos pelos quais os sujeitos
dão significados às suas experiências individuais, uma vez que:
La razón principal para el uso de la narrativa en la investigación educativa es que los seres humanos somos organismos contadores de histórias, organismos que, individual y socialmente, vivimos vidas relatadas. El estudo de la narrativa, por lo tanto, es el estudio de la forma en que los seres humanos experimentamos el mundo (CONNELLY e CLANDININ, 1995, p. 11).
Na busca pela forma com que esses alunos experenciaram o processo de
alfabetização na escola de ensino regular, solicitamosdepoimentos escritos por eles, por
suas mães em formato de narrativas e mediante o acesso as fichas individuais que
continham as entrevistas com as mães realizadas pelas psicólogas do Núcleo, por
ocasião do período de testes para identificação de indicadores de Altas
Habilidades/Superdotação, especialmente os trechos das respostas ao item: Processos de
Escolarização (Início, alfabetização, desenvolvimento, adaptação, dificuldades e
facilidades).
2. Os indivíduos que apresentam características de altas habilidades/superdotação: um sucinto panorama a respeito das definições e identificações.
Termos como precoce, prodígio, gênio, talentoso, supernormal, mais capazes,
indivíduos excepcionais, dentre outros, dificultamapreendermos com precisão o real
significado de tais expressões, uma vez que estas terminologias não compreendem um
consenso universalmente aceito entre países quedesenvolvem trabalhos e pesquisas com
indivíduos que apresentam àquelas características; a saber, Inglaterra, EUA, Portugal e
China; tomando-os como alguns exemplos, entre outros. Dessa forma, não pretendemos
aqui nos alongarmos sobre os vários significados que os termos acima expostos podem
significar.
Dito isto, tornamos relevante a seguinte definição:
[...], os termos ‘pessoas com altas habilidades’ e superdotação’ são mais apropriados para designar aquela criança ou adolescente que demonstra sinais ou indicações de habilidade superior em alguma área do conhecimento, quando comparada aos seus pares (BRASIL, 2007).
Quanto à identificação, ela tem como finalidade possibilitar ao aluno fazer parte
de uma atividade ou programa no qual ele possa desenvolver seu potencial na área de
seu domínio. Uma vez que em sala de aula do ensino regular dificilmente encontra-se
trabalhos especificamente voltados para esses alunos/as.
No entanto, a escola é o espaço privilegiado para se iniciar o processo de
identificação. E o professor se encontra em posição de destaque neste sentido. O
professor pode observar aquele/a aluno/a que se destaca em alguma área acadêmica
(ciências naturais, matemática, história, filosofia), em alguma atividade físico-motora
(esporte, dança, dramaturgia) ou nos aspectos da criatividade e sócio-emocional que são
características de AH. Assim, o professor pode indicá-lo/a aos programas ou serviços de
atendimento a alunos com características de altas habilidades/superdotação. Ressalto
que não só o professor, mas, os pais, os colegas ou até mesmo o próprio aluno pode se
informar e procurar um serviço que garanta o atendimento às suas necessidades
especiais.
Uma vez indicado para avaliação o discente (juntamente com os pais ou
responsáveis) é reconhecido e acompanhado/a por uma equipe de psicólogos/as e
pedagogos/as especialistas. Logo, o aluno passa por uma entrevista e por testes
mediante instrumentos validados, que irão identificar, sobretudo, o seu grau de
desempenho, criatividade e envolvimento. Feito isso, posteriormente, inicia-se o
processo para relatar e apontar comportamentos característicos, assim como a área de
interesse específico dele. Finalmente, realiza-se outra entrevista (esta, mais longa) com
o aluno, promovendo nesse ínterim, atividades singulares que permitam observar como
ele resolve alguns problemas, como estrutura e organiza o seu raciocínio e como ele se
percebe na condição de um indivíduo com altas habilidades.
Passados esses procedimentos e identificados positivamente os discentes, eles
são encaminhados para participarem dos programas oferecidos a essas crianças e jovens
com a finalidade de promover e contemplar as suas necessidades educacionais especiais.
No Brasil, existem alguns programas com este objetivo. Em Campo Grande- MS, o
NAAH/S ─ Núcleo de Atividades em Altas Habilidades/Superdotação ─ desenvolve
esse trabalho na sala de recurso (AEE) que estimula os alunos a se aprofundarem em
seus domínios, a planejarem e organizarem suas tarefas, a participarem de grupos de
estudo e pesquisa, como também, a produzirem projetos científicos de acordo com a
área que satisfaça os seus interesses.
O aluno com altas habilidades/superdotação é um sujeito com características de
aprendizagem diferenciadas, o que leva, invariavelmente, a necessidade desistema
educacional que atenda suas motivações e seus interesses, seja quanto ao aprendizado
da língua escrita seja no campo do ensino de temas específicos relacionados à disciplina
de ciências da natureza, precisam ser estimulados e trabalhados de forma que
promovam o desenvolvimento de suas habilidades cognitivas superiores.
3. Trajetórias alfabetizadoras em escritos autobiográficos e entrevistas
As entrevistas feitas pelas psicólogas do Núcleo de Altas Habilidades com as
mães dos alunos revelaram, a princípio, que a grande maioria dos sujeitos pesquisados
iniciou precocemente sua vida escolar. As idades de ingresso na Educação Infantil
relatadas pelas mães nas entrevistas indicaram que os seis alunos dessa investigação
tiveram suas primeiras experiências com o ensino institucionalizado com idades que
variavam ente 2 (dois) e 5 (cinco) anos. Esse fato, por si só, não é indicador de que
tenha havido alguma facilitação no processo alfabetizar desses alunos por iniciarem sua
vida escolar na Educação Infantil, pois muitas crianças, não identificadas como
possuidoras de altas habilidades ou superdotação, também entram precocemente no
sistema escolar formalizado, por motivos ou circunstâncias diversas. Porém, o que há de
relevante nos relatos das mães e, também nas narrativas dos alunos, é que estes foram
precocemente estimulados a terem contato com a língua escrita, tanto em relação ao
contato formal com a leitura, no ambiente escolar, como em seu meio familiar,
conforme pode ser exemplificado no excerto:
Ainda aos dois anos, ela tinha muito contato com os livros. Tanto na escola, que literalmente era uma extensão de casa, como em nossa casa.[...] na parte de cima da estante ficavam os nossos livros, e a parte de baixo, onde ela podia alcançar, ficavam os livros dela.(AH-5)
Segundo Ferreiro (2011), o contato com o mundo letrado e com adultos
alfabetizados exerce enorme influência na velocidade do desenvolvimento escolar da
criança. Em investigações realizadas em suas pesquisas sobre alfabetização, explica que
“[...] nenhuma criança urbana de 6 ou 7 anos começa o primário com total ignorância da
língua escrita.”(FERREIRO, 2011, p. 97).
Porém, esse primeiro contato não é condição suficiente para garantir
precocidade na alfabetização, se a criança for colocada em uma condição passiva em
relação à língua escrita. No caso das crianças deste estudo, entretanto, percebe-se que
desde cedo conviveram com atos de leitura e escrita com propósitos sociais.
Dessa forma, percebemos nos relatos autobiográficos que o que diferencia a
aprendizagem dessas crianças, além da precocidade do ingresso na escola e da
precocidade do desejo de aprender, pode ser a qualidade da forma como estas “[...]
trabalham cognitivamente (quer dizer, tentam compreender) desde muito cedo
informações das mais variadas procedências” (FERREIRO, 2011, p. 96) revelando, em
seus escritos, complexos “[...] processos de reconstrução da linguagem oral, convertida
em objeto de reflexão”. (FERREIRO, 2011, p. 98).
As crianças, de uma maneira geral, apresentam esta capacidade de
compreensão e reflexão sobre a linguagem oral e escrita em algum estágio do seu
desenvolvimento. As crianças com altas habilidades e superdotação, não raro a
desenvolvem mais precocemente, embora esta não seja uma regra em relação aos
sujeitos identificados como superdotados ou detentores de altas habilidades em alguma
área específica, a qual pode ser, por exemplo, liderança, artes visuais, música, etc., não
necessitando ser, especificamente, na área cognitiva.
Outra característica que distingue as crianças com altas habilidades /
superdotação e percebida nos relatos autobiográficos é o alto nível de envolvimento
com as atividades propostas. Devido à facilidade com que estas compreendem conceitos
e fazem abstrações, costumam se destacar na escola, tirando boas notas sem parecer
fazer muito esforço para isto, como pode ser apontado nos trechos das narrativas:
[...] sempre saiu bem com as notas[...] cumpre com as atividades antes do tempo. (AH-5)
Já na pré escola a professora me ensinou a juntar as letras e a ler. Com três meses e meio eu já estava lendo, escrevendo e fazendo ditado. [...] a minha mãe foi chamada na escola, pois a minha professora já queria me passar para a primeira série [...] pois eu estava muito adiantado. (AH-6)
Os professores elogiam o desempenho e comprometimento [...]vai para a escola de manhã, almoça, descansa e depois vai estudar, procura problemas matemáticos para resolver. Não precisa mandar estudar ou fazer tarefa. (AH-2)
Embora o envolvimento com as atividades e a facilidade em aprender sejam
características marcantes nos sujeitos pesquisados, não é realístico esperar que todos
apresentem habilidades fora do padrão considerado “normal” em todas as áreas. Não é
incomum crianças identificadas mostrarem dificuldades em áreas específicas ou até
mesmo problemas de adaptação ou de comportamento em sala de aula.
A mãe de AH-5, por exemplo, relata que esta “[...] aos sete anos começou a
apresentar dificuldades no entendimento da matemática” precisando até mesmo de
reforço escolar nesta matéria. Relata que “[...] houve inclusive um diagnóstico de
discalculia” descartado quando a aluna apresentou resultado positivo para altas
habilidades na área de humanas. AH-1, identificada positivamente para a área de
desenho, relata que “teve dificuldade em aprender” a leitura e escrita, sendo que
“precisou da ajuda da mãe para aprender e fazer as tarefas”.
Outro aspecto a ser observado é em relação ao atendimento especializado que
as crianças com altas habilidades / superdotação, como alunos da Educação Especial,
precisam e que nem sempre o sistema escolar regular está apto a fornecer, apesar de a
legislação sinalizar essa necessidade.
Assim como a escola enfrenta dificuldades em atender as especificidades de
outros alunos com necessidades educacionais especiais - limitações motoras, visuais,
auditivas ou intelectuais - muitas vezes os alunos com altas habilidades também
esbarram nas deficiências do sistema público de ensino em considerar a diversidade,
que geralmente aparece apenas nos discursos teóricos e nos textos dos Projetos Políticos
Pedagógicos das escolas. Dessa forma, busca-se, na escola, aquele aluno que esteja na
média, que não saiba “demais”, nem “de menos”, que não ofereça ao professor o desafio
de suprir carências ou de fornecer algo a mais do que o currículo mínimo pede.
Claparède (1959) já no início do século XX apontava esse fato, chamando a atenção
para a forma como o sistema escolar impede o desenvolvimento da diversidade, de
sujeitos, de saberes, de trajetórias de aprendizagem.
Mas, de fato, será muito necessário levar em conta estas diferenças individuais? A escola nunca o fez. Nunca considerou como dignas de sua solicitude senão aqueles que se conformam a certo tipo esquemático, criado à sua imagem, isto é, um tipo monstruoso e antinatural – o aluno médio. [...] na prática, não se presta absolutamente às necessidades intelectuais de espíritos originais e verdadeiramente acima da média. É por isso que a maioria dos grandes homens conservou uma lembrança amarga do tempo de escola. Um dos meus amigos, professor em Neuchâtel, contou-me ter sido, outrora, muitas vezes punido porque, sendo muito forte em latim, seguia “adiante” [...] em vez de “seguir” simplesmente [...] (CLAPARÈDE, 1959, p. 10).
Se a escola nunca levou em conta as diferenças individuais naquela época, será
que podemos afirmar que hoje a situação é diferente no sistema público escolar? Será
que a legislação a favor do atendimento às necessidades dos alunos em condições
especiais tem auxiliado a melhorar esse quadro? As formações e as informações acerca
da educação especial, a que os professores e as famílias de alunos especiais têm tido
acesso, estão contribuindo para melhores condições de ensino aos alunos com altas
habilidades? Entendemos que as respostas a essas questões merecem um estudo mais
aprofundado, e devem estar na pauta dos assuntos a serem debatidos no cenário das
pesquisas sobre melhorias na alfabetização e na educação escolar em geral.
O fato narrado por Claparède acerca de seu amigo professor, em seus tempos de
escola, guarda muitas semelhanças com a narrativa de AH-6. Ele descreve que quando
estava cursando a Educação Infantil, por não saber como lidar com ele na sala de aula,
pelo fato de estar muito adiantado em relação aos seus colegas, a professora sugeriu à
sua mãe que o adiantasse para a primeira série. A mãe não aceitou a sugestão, por achá-
lo muito novo. Então, a professora se utilizou de vários expedientes, narrados pelo
aluno, para conseguir tirá-lo da sala, conforme relata em sua narrativa:
Então a professora me falava para ir conversar com a diretora porque ela tinha assunto para falar comigo, e eu ia, ficava sentado lá, olhando
para a diretora, ela trabalhando e não tinha assunto nenhum para falar comigo. (AH-6)
A ajuda dada pela diretora, nesse caso, era apenas a de afastá-lo da sala de aula,
tirando assim o incômodo da professora de não saber como lidar com a situação de ter
um aluno “acima da média”.
Conta o aluno que reclamou para a professora o quanto “[...] era chato
conversar com a diretora”, fazendo com que a professora mudasse de estratégia:
mandava-o agora conversar com a cozinheira. Porém, o aluno conta que “[...] a
cozinheira era muito ocupada” e também não tinha tempo para conversar com ele.
Então, a professora o mandava procurar um livro na biblioteca, mas antes avisava a
bibliotecária para só liberá-lo no final da aula, fazendo com que ele procurasse um livro
“que não existia lá”.
Depois dessas estratégias se mostrarem frustradas, por fim, a professora
arrumou outra forma de tirar o aluno da sala: comprava frutas e colocava em cima da
mesa, dizendo que quem terminasse primeiro a atividade poderia pegar a fruta e sair
para brincar. Relata o aluno:
E sempre era eu que terminava primeiro, [...], mas também era muito chato, porque eu tinha que brincar sozinho. E só depois que meus colegas foram alfabetizados que eu passei a ficar na sala. E ainda tem mais: meus pais só foram uma vez na reunião da ela, porque a professora falava que a conversa dela era com os pais dos meus colegas, pois não tinha o que falar de mim, a não ser comentar as minhas reclamações porque ela vivia me mandando de um canto para o outro. (AH-6)
Enfim, os fatos narrados pelo aluno ilustram muito bem a situação de muitos
alunos com altas habilidades / superdotação, e de outros alunos da Educação Especial:
são, muitas vezes, deixados à margem, para se dar atenção aos que não oferecem
dificuldades maiores aos professores, os alunos que estão dentro de um modelo ou
padrão de aprendizagem.
Entendemos, portanto, que para que haja uma verdadeira inclusão, a diversidade
e a heterogeneidade devem ser respeitadas, e até mesmo estimuladas, no interior das
salas de aula. Os ritmos próprios de aprendizagem, dos sujeitos em processo de
alfabetização, precisam ser levados em consideração, num espaço educativo que
respeite e valorize as diferenças individuais.
Por outro lado, nas narrativas encontramos também indicações de que há
professores que levam em consideração as diferenças, como demonstra a narrativa da
mãe de AH-5. Ela conta que aos dozes anos a filha se destacava dos demais alunos “e
que alguns professores vinham comentar que precisam se preparar de um modo
diferenciado [...], pois sabiam que ela ia fazer perguntas diferenciadas dos demais
alunos.”
Enfim, sabemos que assim como existem uma pluralidade de sujeitos
aprendentes, também há uma diversidade de professores e de modos de ensinar. O que
precisamos, no entanto, é que acima das legislações e dos textos teóricos, haja uma real
vontade política em transformar os ambientes educativos em locais em que a
diversidade de sujeitos seja respeitada, onde todos os alunos possam ter direito a ter
suas necessidades individuais atendidas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Propusemos aqui apresentar algumas considerações teóricas sobre a Educação
Especial no cenário educativo, especificamente em relação às Altas
Habilidades/Superdotação e à alfabetização em contexto escolar, utilizando como aporte
teórico a metodologia autobiográfica.
Assim, ao analisarmos as entrevistas com mães e as narrativas de seis alunos
com características de altas habilidades/superdotação, pudemos verificar que o ingresso
destes na cultura da língua escrita apresentou algumas singularidades, sejam elas
consideradas “especiais”, ou não. No caso específico dos alunos identificados
positivamente com altas habilidades/superdotação, a singularidade mais marcante
encontrada foi a precocidade e a facilidade com que estes apreenderam e abstraíram o
conhecimento sobre a leitura e a escrita.
Porém, ainda que o processo de alfabetização destes alunos tenha sido facilitado
por sua condição diferenciada, encontramos outros problemas no que se refere às
dificuldades do sistema escolar em lidar com a diversidade, seja no tocante à falta ou ao
excesso, por assim dizer, de habilidades.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Angela M. R. Virgolim. Ministério da Educação. Altas Habilidades/Superdotação: Encorajando Potenciais. Brasília - DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. 70 p. Ilustrações coloridas.
CLAPARÈDE, Édouard. A escola sob medida. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura (tradução de M. L. Cirado Silva do original L’Écolesur mesure, 1921), 1959.
CONNELY, F. M.; CLANDININ, D. J. Relatos de Experiencia e Investigación Narrativa. In: LARROSA, J. DÉJAME QUE TE CUENTE – Ensayos sobre narrativa y educación.Barcelona: Laertes, S. A. de Ediciones, 1995.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 26ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção questões da nossa época; v.6)
MORAIS, Artur Gomes de. Discursos recentes sobre alfabetização no Brasil: por que é preciso ir além da discussão sobre velhos métodos? In: SILVA, Aída Maria Monteiro da; MELO, Márcia Maria de Oliveira (Orgs.). Educação, questões pedagógicas e processos formativos: compromisso com a inclusão social. 1. ed. Recife: Edições Bagaço, 2006, v. 1. p. 439-454.
REIS, Pedro Rocha dos. As narrativas na formação e na investigação na educação. Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 15, n. 16, p.17-34, jan./dez. 2008. Bimestral. Ano XIV.
ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Indivíduos com Altas Habilidades/Superdotação: Clarificando Conceitos, Desfazendo Idéias Errôneas. In: FLEITH, Denise de Souza (org). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação: volume 1: orientação a professores. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007.