O Principio da Transparência na Compreensão da Informação

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Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil

Presidência da República

100

Brasília   Volume 13  Número 100   Jul/Set 2011

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Presidenta da República

Dilma Vana Rousseff 

Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência da República

Gleisi Helena Hoffmann

Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e

Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Ivo da Motta Azevedo Corrêa

Coordenadoras do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Mariana Barbosa Cirne

Carolina Costa Ferreira

Monique Isabelle Martins Pacheco

Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.

Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999-.

Quadrimestral

Título anterior: Revista Jurídica Virtual

Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.

ISSN (até fevereiro de 2011): 1808-2807

ISSN (a partir de março de 2011): 2236-3645

1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.

CDD 341

CDU 342(81)

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto

Anexo II superior - Sala 204 A

CEP 70.150-900 - Brasília/DF

Telefone: (61)3411-2937

E-mail: [email protected]

http://www.presidencia.gov.br/revistajuridica

© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2011

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O princípio da transparênciae a compreensão da informação

EVANDRO HOMERCHER

Mestre em Direito (ULBRA). Especialista em Gestão e Controle da

Administração Pública. Auditor Público Externo do Tribunal de Contas do

Estado do Rio Grande do Sul.

Artigo recebido em 28/05/2010 e aprovado em 15/09/2011.

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SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Transparência e legitimidade 3 Transparência e compreensão da

informação 4 Conclusão 5 Referências bibliográcas

RESUMO:  O princípio da transparência incorporou-se ao cotidiano do cidadão,

seja na perspectiva de otimizar seu direito fundamental de conhecer dos negó-

cios públicos, seja na perspectiva de criar um ambiente de diálogo na formulaçãode políticas públicas. Numa dimensão pragmática, considera-se a Lei Complemen-

tar nº  101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, uma normativa

básica para o estudo daquele princípio. Com o transcurso da primeira década de

vigência desta Lei e partindo dela como texto de referência, mas a ela não se restrin-

gindo, cria-se um ambiente favorável à análise do estágio seguinte: que a disponibili-

zação da informação deagra à compreensão da informação, especialmente no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:  Lei de Responsabilidade Fiscal 

Princípio da transparência 

Direito à informação  Direito a ser informado.

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O princípio da transparência e a compreensão da informação376

The transparency’s principle and the

information’s comprehension

ABSTRACT:  The principle of transpa-rency has been incorporated into the

citizens daily routine, be it under the

perspective of optimizing their funda-

mental right to be fully informed about

government business, be it by creating

an environment of dialogue in the for-

mulation of public policies. From a prag-matic viewpoint, the Complementary

Law no. 101/2000 – known as Fiscal

Responsibility Law – is considered a ba-

sic norm for the study of the said princi-

ple. With the passing of the rst decade

of this law’s existence and its use as a re-

ference text, a favorable environment is

created for the analysis of the followingstage that the availability of information

presents, especially in Brazil, that is the

comprehension of information.

KEYWORDS: Law of Fiscal Responsibi-

lity Principle of Transparency 

Right to

information  Right to be informed.

Le principle de la transparence et la

comprehension de l´information

RÉSUMÉ: Le principe de la transparences’est incorporé au quotidien du citoyen,

soit dans la perspective d’optimiser

son droit fondammental de connaître

les affaires publiques, soit dans la cre-

átion d’une ambiance de dialogue dans

la formulation des politiques publiques.

Partant d’une approche pragmatique, onprend en compte la Loi Complémentaire

n. 101/00, connue comme la Loi de Res-

ponsabilité Fiscale, une norme de base

pour l’étude de ce principe. La loi est en

vigueur depuis une décennie et cela sti-

mule la formation d’une ambiance favo-

rable à l’analise de l’étage actuel de la

compréhension de l’information mainte-nant disponible.

MOTS-CLÉS:  Loi de Responsabilité Fis-

cale  Principe de la transparence  Droit à

l’information Droit d’être informé.

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1 Introdução

A Lei Complementar nº 101/2000, ou Lei de Responsabilidade Fiscal como mais

comumente conhecida, não somente representou um instrumento de equilí-brio das contas públicas, como foi determinante no estabelecimento de uma nova

cultura na gestão da coisa pública. Ainda que num primeiro lance possa parecer um

diploma monolítico, voltado às questões nanceiras e orçamentárias dos entes fede-

rados, trata-se de um regramento que lançou bases para um compromisso republi-

cano maior, de diálogo entre o cidadão e o Estado para a concretização das políticas

públicas. Isso se deve ao tratamento dispensado ao princípio da transparência da

gestão scal disciplinado nos artigos 48 e 48-A daquela norma.

Mas como todo instrumento regulatório, especialmente na seara dos recursospúblicos, e já transcorridos dez anos da sua edição, a Lei de Responsabilidade Fiscal

não é indene a críticas e sugestões de modicação. O propósito deste texto é uma

reexão sobre o princípio da transparência, não centrada exclusivamente no que

é, mas sim no seu objetivo último, ou seja, a efetiva participação do cidadão nas

decisões públicas. Esse desiderato não pode ser contemplado só na sua essência

formal, como é o caso de assistência às audiências públicas, mas na verdadeira

dimensão democrática, ou seja, a possibilidade da compreensão verdadeira do queestá posto nos diversos documentos administrativos, o que somente será factível

através da qualidade da informação que lhe é disponibilizada.

O desenvolvimento desse escrito rmou-se no estabelecimento de certas premis-

sas, cujo desvelamento segue o instrumental típico de um texto dessa natureza, me-

diante aportes doutrinários, legislativos e jurisprudenciais. Na parte primeira (trans-

parência e legitimidade), registra-se a historicidade do princípio da transparência,

sua relação com as transformações da década de sessenta do século passado, sua

inerência ao valor da democracia e a concepção de legitimidade, a necessidade dedissociação entre transparência e publicidade, ultimando com a relação umbilical

da transparência com o direito à informação no aspecto do direito a ser informado.

A abordagem da parte segunda (transparência e compreensão da informação)

parte do pressuposto de que o direito a ser informado, enquanto dimensão do direito

à informação, é um elemento primordial para a perfeita apreensão do sentido que

o princípio da transparência espraiou na ordem social e jurídica. Nessa delimitação,

lança-se a importância da linguagem acessível como corolário à efetividade da con-

cepção da transparência posta na Lei de Responsabilidade Fiscal.

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2 Transparência e legitimidade

Ao expressar a transparência como um de seus cânones, a Lei Complementar

nº 101/2000 incorporou um valor contemporâneo, pois a visibilidade é uma “normacentral de nossa sociedade. A gura do bem passa pelo fato de poder ser mostrado”

(AUBENAS; BENASAYA, 2003, p.11), reveladora de um novo paradigma na relação

cidadão-Estado.

Mas uma concepção normativa do princípio da transparência pressupõe uma

historicidade que lhe é própria. Não há possibilidade de dialogar sobre o tema da

transparência, mesmo na ótica da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem a compre-

ensão prévia do desenvolvimento do próprio princípio. No ponto, não há um marcotemporal preciso a indicar a integração daquele instituto nos debates públicos. Sua

incorporação à consciência jurídica é um movimento típico do século XX, enquanto

valor necessário ao desenvolvimento do Estado Democrático (MIRANDA, 1992, p.

207), como posto em relevo por Cerrilo I Martinez (1998, p. 27-28):

En los últimos años se ha producido um movimento de apertura de lasAdministraciones públicas hacia los ciudadanos y ciudadanas con el quese ha roto su tradicional secreto. Este fenômeno, es decir, la posibilidad de

poder ver qué pasa trás las puertas de las ocinas públicas, es conocidocomo “transparencia administrativa”. [. ..] Este proceso vino impulsado porlas exigencias de incrementar la democracia y legitimación de la Adminis-tración pública. De esta forma, podemos considerar que a partir de los años60 se produce una nueva actitud en los regímens democráticos tendentea la transparencia en la actuación administrativa y, el particular, a la con-sagración del derecho de acesso de los ciudadanos a la documentaciónadministrativa. A este proceso también se incorporó plenamente la UniónEuropea en los últimos años de la década de los 80.1

É de se realçar, até pelas especicidades culturais de transformação que década

de 1960 reetiu, que o princípio da transparência não teve nos movimentos sociais

“Nos últimos anos tem-se produzido um movimento de abertura das Administrações públicas aos

cidadãos e cidadãs com o qual se tem rompido seu tradicional segredo. Este fenômeno, ou seja, a

possibilidade de poder ver o que acontece atrás das portas dos gabinetes públicos, é conhecido como

‘transparência administrativa’. [. ..] Este processo veio impulsionado pelas exigências de incrementar ademocracia e a legitimação da Administração Pública. Desta forma, podemos considerar que a partir

dos anos 1960 se produz uma nova atitude dos regimes democráticos tendente à transparência na

atuação administrativa e, em particular, à consagração do direito de acesso dos cidadãos à docu-

mentação administrativa. A este processo também se incorporou plenamente a União Europeia nos

últimos anos da década de 1980”. (tradução livre)

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uma representatividade maior, uma bandeira, uma exigência em relação à admi-

nistração pública (CERRILO I MARTINEZ, 1998, p. 29). Este aora motivado pelas

novas relações da administração com o cidadão, pela maximização das intervenções

estatais nas mais diversas esferas da vida. Trata-se de um fenômeno que se reveloumais intrínseco da modicação de paradigmas pela própria administração pública.

Com a inversão da lógica do poder, preponderando o indivíduo na relação com

o Estado, irrompe uma ideia de afastamento, ampliada pela própria construção da

representatividade parlamentar. Ao Poder Legislativo, enquanto função de delega-

ção popular, atribuiu-se exclusivamente a produção de normas jurídicas. Já à função

executiva caberia um caráter auxiliar, de cega aplicação da lei. Logo, cumprindo a

legislação, estaria o poder executivo acatando a decisão popular, exercida por seusrepresentantes (CONDESSO, 1995, p. 74). Não havia uma consciência da necessidade

de um processo de comunicação entre administração e o cidadão. A lei era o veículo

por excelência.

Conforme Condesso (1995, p. 75), duas situações foram relevantes à reformula-

ção do quadro de dissociação administração – administrado: a) o aumento da com-

petência legislativa do poder executivo, criando uma administração que obedece “a

si própria”, b) a maior proximidade da Administração com o cidadão, derivada da sua

constante “intervenção em todos os domínios da vida social”.Nesse contexto, a manutenção de uma administração pública introversa mostra-

-se inconsistente, ante “las reinvindicaciones sociales em favor de la plena incorporación

del principio democrático a la actuación pública”  (CERRILO I MARTINEZ, 1998, p. 31)2,

que se corporica na idéia de “democracia administrativa”:

Quanto à idéia democrática, ela não pode deixar de implicar a realizaçãoda democracia administrativa a que corresponderá a cidadania administra-tiva, tradução para o plano da Administração do direito de participação edo conhecimento da actividade pública que o cidadão há muito usufruiu noplano político e que já estava ínsito no Art.º 15º da Declaração dos Direitosdo Homem e do Cidadão de 1789. (CONDESSO, 1995, p. 55)

E nesse movimento de consolidação do ideal democrático no âmbito da admi-

nistração pública, torna-se corolário o princípio da transparência:

Como pone de relieve Arena: “en nuestra sociedad, sobre todo em los últimos

años, la transparencia y la democracia han devenido dos conceptos tan rela-

“as reivindicações sociais em favor da plena incorporação do princípio democrático à atuação pública”(tradução livre).

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cionados que no es posible citar uno sin pensar em el outro, de tal modo que

 parece obvio armar que no puede ejercerse uma verdadera democracia sin

transparencia y al revés.”  (CERRILO I MARTINEZ, 1998, p. 32)3

Enquanto reexo do princípio democrático no espaço da administração pública,o princípio da transparência torna-se instrumento de legitimidade daquela, numa

perspectiva de legitimidade-equidade, ou seja, a transparência como um elo entre

a administração pública e o cidadão. Adota-se, em relação à perspectiva de trans-

parência-legitimidade, a proposta de Cerrilo I Martinez (1998, p. 33). É na ótica da

legitimidade, e não somente de legalidade, que a Lei de Responsabilidade Fiscal

proporciona uma nova contextualização da visibilidade do poder público, na medida

em que conduz a necessária dissociação entre publicidade e transparência.Se a concepção de publicidade armou-se, primariamente, no âmbito da di-

vulgação dos atos parlamentares, a m de satisfazer a presunção de conhecimento

por todos da lei, e posteriormente migra para os demais atos administrativos como

condição de ecácia dos mesmos, não se pode, com a difusão social e a respectiva

integração legislativa do princípio da transparência, pretender manter uma acepção

sinônima das expressões, mas aceitar que são institutos jurídicos diversos, ainda que

possam ser interagentes em determinadas situações, porque a transparência “ultra-

passa o âmbito limitado da publicidade” (MARTINS JÚNIOR, 2004, p. 19).Essa distinção – transparência e publicidade – mostra-se como expressão nor-

mativa no artigo 48 da Lei Complementar nº 101/2000, na redação determinada na

Lei Complementar nº 131/2009:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão scal, aos quais serádada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público:os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações decontas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução

Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplicadasdesses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante:

I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas,durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretri-zes orçamentárias e orçamentos;

“Como ressalta Arena: ‘em nossa sociedade, sobretudo nos últimos anos, a transparência e a democracia

tem desenvolvido dois conceitos tão relacionados que não é possível citar um sem pensar no outro,

de tal modo que parece óbvio armar que não pode se exercer uma verdadeira democracia sem

transparência, pelo contrário” (tradução livre).

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II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, emtempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentá-ria e nanceira, em meios eletrônicos de acesso público;

III – adoção de sistema integrado de administração nanceira e controle,que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Execu-tivo da União e ao disposto no art. 48-A.

Art. 48-A. Para os ns a que se refere o inciso II do parágrafo único doart. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física oujurídica o acesso a informações referentes a:

I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras nodecorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com adisponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspon-

dente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física oujurídica beneciária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimentolicitatório realizado;

II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita dasunidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.

Armativa nesse sentido a posição de Limberger (2006, p. 70) de que o “enun-

ciado proferido pela Lei de Responsabilidade Fiscal não é de publicidade, mas sim

de transparência”. A inserção topográca do princípio da transparência demonstra

o distanciamento do seu ideal em relação ao da publicidade na ordem normativa.

Enquanto a publicidade se alinha a uma idéia de validação das decisões adminis-

trativas, através da sua exteriorização, a transparência não se cinge a este “limitado”

âmbito, mas busca, primordialmente, a integração do sujeito, mediante o conhecer,

na própria formação das decisões públicas. Cabe aqui referir Gordillo (2003, p. 15):

“Pero aun más, se va advirtiendo que la administración no puede ni debe administrar

sola: el pueblo administrativo debe participar em la decisión administrativa misma”4. Na

abalizada lição de Mileski (2002, p. 27):Assim, a transparência scal se revela como um mecanismo democráti-co que busca o fortalecimento da cidadania, servindo de pressuposto aocontrole social e foram de valorar e tornar mais eciente o sistema decontrole das contas públicas, na medida em que enfatiza a obrigatoriedadede informação ao cidadão sobre a estrutura e funções de governo, os nspolítica scal adotada , qual a orientação para elaboração e execução dosplanos de governo, a situação das contas públicas e as respectivas contas.

“Mas ainda mais, adverte-se que a administração não pode nem deve administrar sozinha: o povo

administrado deve participar na própria decisão administrativa.” (tradução livre)4

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A publicidade incorpora uma noção de legalidade. O princípio da transparên-

cia revela uma concepção de legitimidade (MARTINEZ, 1998, p. 33). Rearmando

a dimensão de controle da legitimidade que a transparência induz, é a posição de

Mendes (2001, p. 335):

O princípio da transparência ou clareza foi estabelecido pela Constituiçãode 1988 como pedra de toque do Direito Financeiro. Poderia ser conside-rado mesmo um princípio constitucional vinculado á idéia de segurançaorçamentária. Nesse sentido, a idéia de transparência possui a importantefunção de fornecer subsídios para o debate acerca das nanças públicas,o que permite maior scalização das contas públicas por parte dos ór-gãos competentes e, mais amplamente, da própria sociedade. A busca pelatransparência é também a busca pela legitimidade.

Isso se depreende do próprio núcleo-objetivo desse princípio – visibilidade para

compreender os assuntos públicos. Ultrapassa-se com tal norma uma noção de con-

trole do ato estatal, radicado na sua conformação com o ordenamento jurídico, ideia

que a publicidade expressa, para um sentido maior, de zelo “pela íntegra das diretri-

zes superiores” (FREITAS, 2004, p. 76).

Essa compreensão verte do próprio ordenamento constitucional, que, de forma

expressa e peremptória, determina no artigo 31, §3º da Constituição a obrigatorie-

dade dos entes municipais deixarem à disposição aos contribuintes, anualmente, as

contas municipais, para ns de exame e apreciação. E ao cidadão é deferido o direito

de, querendo, questionar-lhes a legitimidade:

O termo legitimidade é utilizado pela Lei Maior como possuindo um conteú-do próprio, consistente na adequação de algo, não a letra fria da lei, masaos princípios e valores que informam o ordenamento jurídico do país eaté mesmo a consciência jurídica e moral da nação (BASTOS, 2002, p. 338).

Mas a norma constitucional, ao exteriorizar a legitimidade como uma condição

de integridade dos atos estatais, impõe, como de forma assecuratória, o direito de

acesso do cidadão às contas públicas, enquanto valor republicano que impera desde

o advento da Constituição de 1988, a qual “rejeita o poder que oculta e não tolera o

poder que se oculta” (BRASIL, 1992).

Noutra dimensão, a Lei de Responsabilidade Fiscal, da mesma forma que torna

compulsória a divulgação pública dos documentos orçamentários e prestações de

contas indicados, revela como necessária a participação do cidadão na sua formação(artigo 48, parágrafo único, inciso I da Lei Complementar nº 101/2001). A trans-

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parência assume, assim, papel relevante na estruturação do próprio Estado, numa

perspectiva de um buen gobierno:

El buen gobierno comprende las tradiciones, instituciones y procesos que

determinan como el poder es ejercido, como los ciudadanos utilizan su vozy como las decisiones se toman de acuerdo com el interés general. (ESPA-NHA, 2002, p. 16)5

Nesse ativismo cidadão nos processos de decisões públicas, “a livre discussão é

um componente jurídico prévio à tomada de decisão que afeta a coletividade e é im-

prescindível para sua legitimação” (LIMBERGER, 2006, p. 39). Assim, a transparência

se mostra como “termo que parece tender a uma omnicompreensividade à medida

da ânsia dos cidadãos em conhecer tudo o que se mantém oculto em domínios quedizem respeito ou mexe com a vida da colectividade” (CONDESSO, 1995, p. 35). Tal

necessidade de visibilidade das ações administrativas, contemporaneamente, não

se cinge, tão só, à publicação de atos legislativos, judiciais ou administrativos, mas

se relaciona com novas formas de integração do cidadão nas ações estatais, para

conformação da realidade social.

Aqui se pode lançar que a publicidade tem uma natureza restrita, enquanto

condição sem a qual os atos estatais não produzem seus efeitos necessários. Já

a transparência ostenta um caráter dinâmico, de participação, envolvimento, mas

também de conhecimento. A transparência é integrativa do cidadão nos meandros

da administração, seja para participar ou saber.

Não obstante essas percepções, o valor da transparência encerra uma condição

fática sem a qual a mesma será tão somente mais uma promessa que, efetivamente,

um movimento de transformação. Isso decorre da relação necessária entre o princí-

pio da transparência e o direito à informação, eis que o “princípio do acesso público

às informações scais é intrínseco à transparência” (MILESKI, 2002, p. 31).E no contexto do direito à informação, enquanto instrumento que dá voz à

transparência, é irrecusável à menção de sua tríplice sionomia, ou seja, os direitos

de informar, de se informar e o direito a ser informado. Essa referência não é mera-

mente classicatória, mas representativa de uma visão atual do fenômeno do acesso

às informações públicas, cuja inerência ao tema da transparência é inequívoca.

“O bom governo compreende as tradições, instituições e processos que determinam como o poder

é exercido, como os cidadãos utilizam sua voz e como as decisões são tomadas de acordo com o

interesse geral.” (tradução livre)

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No tocante à conformação daqueles direitos – de, de se e a ser   informado –

especialmente da sua irradiação no âmbito administrativo, averbam Canotilho e

Moreira (2007, p. 573, grifos no original):

IV. O direito de informação (nº 1, 2ª parte) integra três níveis: o direito <<deinformar>>, o direito << de se informar>>, e o direito << de ser informado>>.O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicarinformações a outrem, de as difundir sem impedimentos; mas pode tam-bém revestir de forma positiva, enquanto direito a informar , ou seja, direitoa meios para informar. O direito de se informar consiste, designadamente,na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação,isto é, no direito de não ser impedido de se informar, embora admissíveisalgumas restrições à recolha de informações armazenadas em certos arqui-

vos (ex: arquivos secretos dos serviços de informação). Finalmente, o direi-to a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo

num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado,

desde logo, pelos meios de comunicação (cfr. Arts. 38º e 39º) e pelos po-

deres públicos (art. 48º - 2), sem esquecer outros direitos especícos àinformação reconhecidos na Constituição, directamente (arts. 54º - 5/ a,

55º - 6, 60º - 1 e 268º -1) ou indirectamente (cfr. Arts. 56º - 2/ a, 77º -2, etc).

3 Transparência e compreensão da informação

O dever estatal de disponibilização de diversos documentos scais e orçamen-

tários previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal cria um espaço de possibilidades

ao cidadão para se inteirar das decisões sobre políticas públicas que lhe digam

respeito. Pela natureza da norma, já se pode extrair uma conclusão: o problema não

reside mais em assegurar o acesso documental, tanto pela previsão já mencionada,

quanto pela própria garantia constitucional do artigo 5º, inciso XXXIII.

No contexto atual, não é o direito de acesso o problema, mas sim que a infor-mação propicie a formulação de um juízo de valor a respeito do que lhe é oferecido

por diversos canais de comunicação estatal, dito de outra forma, que o cidadão

compreenda o que lhe alcança.

Assim, hoje, não há mais que se preocupar com os direitos de informar e de se 

informar, mas principalmente o avanço no tratamento do direito a ser informado

no âmbito da administração pública. Mas tal assimilação pressupõe uma menção

brevíssima ao próprio direito à informação, cujo referencial está expresso na Decla-

ração Universal dos Direitos Humanos de 1948:

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Artigo XIX. Todo ser humano tem o direito à liberdade de opinião e expres-são; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e deprocurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios eindependentemente de fronteiras.

A liberdade de informação prevista no art. XIX da Declaração de 1948 xa um

primeiro estágio do desenvolvimento do direito à informação enquanto instituto ju-

rídico dotado de sionomia própria. Naquele dispositivo, a liberdade de informação

ainda é marcada pelo conteúdo negativo característico dos direitos fundamentais de

primeira geração. Como ca claro por sua leitura, uma liberdade de, sem interferência,

ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações.

Mas desde a Carta de 1948, a evolução dos meios e instrumentos de comunica-

ção, a informação enquanto bem comercializável, o desvelamento de novos direitos

fundamentais, impulsionaram a visualização autônoma de um direito à informação,

destacando-o das liberdades clássicas de opinião e expressão, afastando-o da noção

de um direito de primeira geração, de forma a compreendê-lo, na atualidade, como

um direito coletivo, conforme ilustrado pelo Superior Tribunal de Justiça:

 [. ..] direito à informação é de natureza coletiva, titularizado pela Socieda-de, que o exerce primacialmente por intermédio da informação jornalística,

que há de ser livre, essencial que é aos direitos fundamentais e à democra-cia. (BRASIL, 2005)

Essa nova dimensão foi acolhida pelo constituinte originário, ao sacar na Consti-

tuição de 1988 o direito à informação do seu núcleo histórico – liberdade de opinião

e expressão – dotando-o de autonomia normativa, como se extraí da literalidade dos

dispositivos constitucionais (artigo 5º, incisos IV, XIV, XXXIII, todos da Constituição).

Em relação ao direito à informação é dito ser assegurado a todos o acesso à infor-

mação (artigo 5º, inciso XIV) e que todos têm direito a receber dos órgãos públicosinformações de seu interesse (artigo 5º, inciso XXXIII).

Mesmo com sionomia própria, na sua literalidade a Constituição não delimita,

explicitamente, sua dimensão de conteúdo, o que pode levar à interpretação de que

aquele contém, tão somente, as condutas preventivas postas na Declaração de 1948

– ou seja, procura, recepção e transmissão da informação. Essa lógica era aceitável

no século passado; hoje, numa sociedade da informação, que é a marca do nosso

tempo, cede-se espaço a um ambiente mais abrangente quanto à irradiação do di-

reito à informação, pois, assegurado o acesso a esta, procura e recepção são seusconsectários lógicos, e a transmissão, uma decorrência natural. Deve a interpretação

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atual do direito à informação manifestar-se de forma ampliativa e não minimalista.

E como um parêntese, uma visão reducionista implicaria, inclusive, num paradoxo,

tendo em conta as novas tecnologias que desnudam o mundo e as pessoas de forma

instantânea.Assim, para uma formulação de juízo sobre os assuntos públicos, com a cada

vez maior participação do cidadão nas decisões governamentais (consultas públicas,

audiências públicas), conceber-se aquele direito somente sob perspectiva de procura

e recebimento da informação dissolve sua essência no estágio de nossa sociedade.

Na perspectiva da legislação comparada, pode-se buscar como exemplo a previsão

do artigo 15º, item 1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia: “A m de

promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil, a actuação

das instituições, órgãos e organismos da União pauta-se pelo maior respeito possível

do princípio da abertura” (UNIÃO EUROPEIA, 2010, p. 54).

Dessa forma, não basta que ao cidadão seja garantido o direito de acesso à

informação, sob ângulo da procura, recebimento e difusão, é necessário adicionar

um novo componente, uma nova dimensão, a de um direito a ser informado. Numa

síntese, este direito compreende aquele que tem o público receptor de notícias di-

fundidas pelos meios de comunicação a uma informação veraz. Mesmo que radicado

no âmbito das relações da mídia com a sociedade, no tocante ao poder público nãoé o valor de veracidade o elemento primordial, pois esta, inclusive por dever legal,

é pressuposta a qualquer ato comunicativo estatal, o relevante, o importante, é o

componente qualitativo.

Assim, não é o conteúdo valorativo, o dever de veracidade das informações pú-

blicas que está em questão, mas sim sua dimensão qualitativa, ou seja, de que a

informação prestada seja apta a ser compreendida pelo receptor. Se o direito à in-

formação incorpora o direito a ser informado, na órbita pública arma-se cada vez

mais como necessária à efetividade de um direito à explicação:

E, pois, partindo de uma avaliação semelhante da conjuntura atual, quetanto o pensador alemão quanto Balle concluem estar a liberdade de in-formação dependendo, nos dias de hoje, da realização de um processopermanente de tradução das informações oriundas do Estado para termosinteligíveis para o homem comum. [.. .] O direito de ser informado, nos nsdo século XX, não pode deixar de implicar também um direito à explicação,sob pena de perder sua própria razão de ser. (SEELAENDER, 1991, p. 147)

No Estado Democrático de Direito o processo de comunicação entre o Estado e

o cidadão não pode ser traduzido como sinônimo de hermetismo, de uma zona de

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exclusão por incompreensão. Esse desao foi percebido pelo legislador, sendo obje-

to de expressa referência no Projeto de Lei nº 41/2010 (BRASIL, 2010) que regula o

acesso às informações públicas. Este dispôs no seu art. 5º como dever estatal garan-

tir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentosobjetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.

O evocado na parte nal do preceito – linguagem de fácil compreensão – mostra-se

como uma ruptura do louvor à linguagem técnica. É que a efetividade do direito à

informação não existe se o documento público que corporica o objeto da pretensão

deduzida seja cognoscível tão somente àqueles que detenham um conhecimento

especíco da matéria.

Um exemplo elucidativo da linguagem técnica. A Lei de Responsabilidade Fiscal

ordena no seu art. 48, parágrafo único, inciso II, que a transparência será assegurada,

também, mediante liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da socie-

dade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária

e nanceira. A pergunta que se faz: será de pleno conhecimento de todos o que seja

execução orçamentária e nanceira?

Se o objeto do direito não é de pronto assimilável, como se pretender que a

informação subseqüente seja hábil para estabelecer um potencial juízo de valor. Há

nesse caso efetividade da norma? Se às informações governamentais, especialmen-te aquelas relativas aos gastos públicos, foco de interesse crescente da sociedade,

não forem disponibilizadas de forma que todo o cidadão possa compreender o seu

signicado e alcance, pode-se armar que o princípio da transparência está sendo

efetivado? Em relação a este apontamento, cabe menção ao armado por Helio Saul

Mileski (2002, p. 28) sobre o sentido da transparência:

Transparência não signica divulgar por divulgar, dar acesso a informa-ção por dar. O sentido da transparência é promover a participação popu-lar nos atos de governo, democratizando a gestão scal, a m de que ocidadão, tendo conhecimento da ação governamental, possa contribuirpara o seu aprimoramento e exercer um controle sobre os atos de go-verno, agindo em colaboração ao sistema ocial de controle da atividadenanceira do Estado.

Desta forma, não é mais, como em tempos passados, a pouca transparência ou

a inexistência de formas de acesso à informação pública o desao a ser vencido na

relação de comunicação entre o Estado e a sociedade, mas sim, que aquele reconhe-

ça como inerente ao princípio democrático o seu dever de se explicar claramente.

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4 Conclusão

A edição da Lei de Responsabilidade Fiscal rmou uma nova cultura na Adminis-

tração Pública brasileira. A armação do princípio da transparência nesse diplomarevelou-se dotada de autonomia em face dos regramentos de ordem nanceira

e orçamentária próprios daquela lei, ampliando assim a dimensão de sentido da

norma, na medida em que estabeleceu uma nova forma de relacionamento entre o

cidadão e os entes estatais.

Na sua essencialidade, o princípio não somente convoca o cidadão a ser um

parceiro na gestão das ações do poder público, como criou um ambiente para um

exercício efetivo do controle social da administração pública. Mas a ideia de com-

partilhamento, no seu duplo sentido – gestão/controle – encontra-se ainda num

estágio intermediário, pois uma assimilação plena das potencialidades derivadas

da transparência tem como pressuposto a concreta possibilidade de formulação de

juízos de valor sobre as ações estatais por parte do cidadão.

Nesse contexto, um novo processo democrático mostra-se emergente e neces-

sário, na medida em que a introversão, que era a característica dos modelos adminis-

trativos pretéritos à Constituição, foi substituída por um regime de extroversão, cuja

moldura está exposta no artigo 5º, inciso XXXIII da Lei Fundamental. O importanteneste dispositivo, para a percepção hodierna do princípio da transparência, reside em

que o direito à informação não pode ser interpretado de forma minimalista, de molde

a ver tão somente um direito de procura e recebimento da informação, mas mais do

que isso, que ao cidadão seja assegurado o direito a ser informado.

Mas a ampliação do direito de acesso às informações públicas, ainda que seja

uma identidade natural ao regime democrático, não signica o estabelecimento de

uma relação informacional propriamente considerada. No caso da Lei de Responsabi-

lidade Fiscal, o alargamento da esfera de conhecimento propiciada no capítulo rela-

tivo à transparência é somente o primeiro componente de uma concepção complexa

como é a da informação.

 É que a informação não pode ser confundida com os dados passíveis de acesso,

pois aquela é a síntese da compreensão do conteúdo do documento. Logo, só é com-

pletado o ciclo da informação se ao agente receptor torne-se inteligível o que está

expresso nos documentos públicos. Isso signica agregar componentes qualitativos,

ou seja, a informação prestada deve ser apta a ser compreendida pelo cidadão.Se com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal a cultura da transparência foi

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apresentada aos cidadãos, convocando-o a ser um parceiro na gestão e controle das

ações do Poder Público, passados já dez anos de vigência daquele diploma legal, o

grande compromisso público é a forma de expressão dos dados detidos pela admi-

nistração pública e disponibilizados à sociedade.Assim, resguardado os objetivos propostos na Lei de Responsabilidade Fiscal,

com seus dispositivos enunciativos da transparência, permite-se concluir que não é

mais o direito de acesso à informação o obstáculo a ser vencido, mas sim a clareza

e a possibilidade de compreensão dos dados disponibilizados pela administração

pública, que não só foram eleitos como um direito fundamental do cidadão, mas,

principalmente, um dever fundamental do Estado.

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