O princípio da insignificância na tutela penal ambiental

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31 Bruna Nogueira Almeida Ratke* Rabah Belaidi ** O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA TUTELA PENAL AMBIENTAL: UMA ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE IN CRIMINAL ENVIRONMENTAL PROTECTION: AN ANALYSIS OF JURISPRUDENCE EL PRINCIPIO DE LA INSIGNIFICANCIA EN LA PROTECCIóN PENAL AMBIENTAL: UN ANáLISIS DE LA JURISPRUDENCIA Resumo: Em face da abrangência do tipo penal ambiental verifica-se a ne- cessidade de abordá-lo à luz dos princípios da mínima intervenção do Direito Penal e da insignificância, para utilizar a sanção penal nos casos extremos, diante da ineficácia das sanções civis e adminis- trativas. A aplicação desses princípios não é aceita de forma majo- ritária pelos doutrinadores e entendimentos jurisprudenciais, que fundamentam sua inconsistência com os princípios da prevenção e precaução, fundamentos do Direito Ambiental, na impossibilidade de verificar a real potencialização do dano ambiental perante o ecos- sistema, além de todo dano ambiental gerar extrema gravidade. Diante desse impasse, este estudo tem como objetivo demonstrar a aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais, analisando a divergência da doutrina e jurisprudência. Abstract: Given the scope of environmental criminal type there is a needy of addressing it under the light of the principles of minimum in- tervention of criminal law and insignificance, to use the criminal * Especialista em Direito Constitucional e Mestranda em Direito Agrário pela UFG. ** Doutor em Direito Privado pela Universidade de Paris II, revalidado pela USP. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFG.

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Em face da abrangência do tipo penal ambiental verifica-se a necessidade de abordá-lo à luz dos princípios da mínima intervenção do Direito Penal e da insignificância, para utilizar a sanção penal nos casos extremos, diante da ineficácia das sanções civis e administrativas.

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Bruna Nogueira Almeida Ratke*Rabah Belaidi **

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA TUTELA PENALAMBIENTAL: UMA ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS

THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE IN CRIMINAL ENVIRONMENTAL

PROTECTION: AN ANALYSIS OF JURISPRUDENCE

EL PRINCIPIO DE LA INSIGNIFICANCIA EN LA PROTECCIóN

PENAL AMBIENTAL: UN ANáLISIS DE LA JURISPRUDENCIA

Resumo:

Em face da abrangência do tipo penal ambiental verifica-se a ne-

cessidade de abordá-lo à luz dos princípios da mínima intervenção

do Direito Penal e da insignificância, para utilizar a sanção penal nos

casos extremos, diante da ineficácia das sanções civis e adminis-

trativas. A aplicação desses princípios não é aceita de forma majo-

ritária pelos doutrinadores e entendimentos jurisprudenciais, que

fundamentam sua inconsistência com os princípios da prevenção e

precaução, fundamentos do Direito Ambiental, na impossibilidade

de verificar a real potencialização do dano ambiental perante o ecos-

sistema, além de todo dano ambiental gerar extrema gravidade.

Diante desse impasse, este estudo tem como objetivo demonstrar

a aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais,

analisando a divergência da doutrina e jurisprudência.

Abstract:

Given the scope of environmental criminal type there is a needy

of addressing it under the light of the principles of minimum in-

tervention of criminal law and insignificance, to use the criminal

* Especialista em Direito Constitucional e Mestranda em Direito Agrário pela UFG.** Doutor em Direito Privado pela Universidade de Paris II, revalidado pela USP.Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFG.

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sanction in extreme cases, given the ineffectiveness of civil and

administrative penalties. The application of these principles is not

totally accepted by the majority jurisprudential scholars and un-

derstandings that underlie their inconsistency with the principles

of prevention and precaution, grounds of environmental law, una-

ble to verify the actual enhancement of environmental damage to

the ecosystem, beyond all the environmental damage generate

extremely gravity. Given this impasse, this study aims at demons-

trating the principle of insignificance in the environmental crimes,

showing the divergence of doctrine and jurisprudence.

Resumen:

Dado el alcance del tipo penal ambiental, se verifica la necesidad

de hacerle frente a la luz de los principios de la mínima intervención

del Derecho Criminal y de la insignificancia, para utilizar la sanción

penal en los casos extremos debido a la ineficacia de las sanciones

civiles y administrativas. La aplicación de esos principios no es

aceptada de forma mayoritaria por los estudiosos ni tampoco por

los entendimientos jurisprudenciales, que fundamentan su incon-

sistencia con los principios de cautela y acción preventiva, funda-

mentos del Derecho Ambiental, al no poder comprobar la real

potencialización de los daños ambientales frente al ecosistema,

además de todo ese daño ambiental ser de extrema gravedad. Te-

niendo en cuenta ese impase, este estudio pretende demostrar la

aplicación del principio de la insignificancia en los delitos ambien-

tales, mostrando la divergencia de la doctrina y de la jurisprudencia.

Palavras-chaves:

Agroecologia, princípios constitucionais penais, Direito Ambiental,

Direito Penal.

Keywords:

Agroecology, constitutional principles of criminal law, environmen-

tal law, criminal law.

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Palabras clave:

Agroecología, principios constitucionales penales, Derecho Am-

biental, Derecho Criminal.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal prevê, em seu artigo 225, que todostêm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de usocomum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-seao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988). Nesse sen-tido, a Carta Magna trouxe significativa inovação ao elevar o meioambiente e sua proteção ao direito fundamental do cidadão.

Para Prado (2007), o traçado seguido pela ConstituiçãoFederal está alinhado com a exigência de criação de uma novaordem jurídica, que contenha mecanismos que limitam a utilizaçãodos recursos naturais. Nessa perspectiva, a Carta Magna erigiu comodireito fundamental o direito ao ambiente ecologicamente equili-brado, indispensável à vida e ao desenvolvimento do ser humano.

A relação estabelecida entre esse preceito constitucionale o conceito do bem jurídico penal ambiental é direta e explícitana própria Constituição Federal, no artigo 225, §3º, que estatuique as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio am-biente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a san-ções penais e administrativas, independentemente da obrigaçãode reparar os danos causados.

Nesse sentido, o dano ambiental poderá gerar imposi-ções concomitantes de sanções civil, administrativa e penal, in-cumbindo à legislação infraconstitucional a definição eregulamentação dessa tríplice responsabilidade, observando-se

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os princípios constitucionais da prevenção e da precaução, iden-tificados como objetivos fundamentais do Direito Ambiental.

Canotilho e Vital Moreira (apud MOLITOR, 2007) expla-nam sobre o efeito negativo da tutela penal ambiental, “ou seja,um direito à abstenção”. Para Molitor (2007), o Direito AmbientalConstitucional apresenta duas vertentes, isto é, o dever negativoe o dever positivo. O dever negativo busca a preservação am-biental por se consubstanciar na obrigação de não destruir o meioambiente. O dever positivo busca a abstenção das pessoas, físi-cas e jurídicas, em favor do meio ambiente, utilizando-se do Di-reito Penal como instrumento coercitivo perante a ineficácia deoutros meios de proteção ambiental.

A proteção do meio ambiente buscou atender a umaconstante reivindicação da comunidade internacional, que pug-nava pela aplicação de sanções penais aos atos lesivos à natu-reza, citando-se o XII Congresso Internacional de Direito Penal,realizado em Varsóvia, em 1975 (FREITAS e FREITAS, 2001).

Salientam-se alguns aspectos utilizados para legitimar atutela penal ambiental: a) o meio ambiente como bem jurídico pe-nalmente relevante; b) a natureza subsidiária do Direito Penal; ec) a função instrumental da sanção penal (SILVA, 2008). O bemjurídico protegido no Direito Penal Ambiental é o meio ambiente,considerado em sua visão global. Milaré (2009) explica essa di-mensão global do ambiente por integrar um conjunto de elemen-tos naturais, culturais e artificiais, detalhando da seguinte formapara possibilitar o entendimento:

meio ambiente natural (constituído pelo solo, a água, o ar at-mosférico, a flora, a fauna, enfim, a biosfera); meio ambientecultural (integrado pelo patrimônio artístico, histórico, turístico,paisagístico, arqueológico, espeleológico etc.); e meio ambienteartificial (formado pelo espaço urbano construído, consubstan-ciado no conjunto de edificações e nos equipamentos públicos:ruas, praças, áreas verdes, ou seja, todos os logradouros, as-sentamentos e reflexos urbanísticos, caracterizados como tal).

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Com base nessa dimensão global de ambiente, a Lei9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida como a Lei dos Cri-mes Ambientais, dispõe sobre as sanções penais e administrativasderivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente,tendo estatuído os crimes contra o meio ambiente em seu capítuloV, dividindo-os da seguinte forma: Seção I – Dos Crimes contra aFauna (ambiente natural); Seção II – Dos Crimes contra a Flora(ambiente natural); Seção III – Da Poluição e outros crimes am-bientais (ambiente natural); Seção IV – Dos Crimes contra o Or-denamento Urbano (ambiente artificial) e o Patrimônio Cultural(ambiente cultural); Seção V – Dos Crimes contra a AdministraçãoAmbiental (BRASIL, 1998).

A Lei 9.605/98 efetivou o ideário constitucional, além deatender a recomendações insertas na Carta da Terra e na Agenda21, aprovadas na Conferência do Rio de Janeiro, que impôs aos Es-tados a formulação de leis direcionadas à efetiva responsabilidadepor danos ao ambiente e para a compensação às vítimas da polui-ção. Trata-se de instrumento normativo de natureza híbrida, emboradenominada Lei dos Crimes Ambientais, pois estatui também infra-ções administrativas e dispõe sobre aspectos da cooperação inter-nacional para a preservação do meio ambiente (MILARÉ, 2009).

Para Silva (2008), a Lei 9.605/98 “é resultado de um pro-jeto de sistematização das penalidades anteriormente previstasem legislações esparsas”. Com a referida lei infraconstitucional,buscou-se efetivar uma consolidação de toda a legislação, queantes tutelava assuntos relativos ao meio ambiente, especificamenteno âmbito penal, pois havia, nas leis nacionais, vários dispositivosque eram totalmente separados por textos e datas, que regulavampenalmente alguns pontos referentes ao meio ambiente. Contudo,a Lei 9.605/98 não derrogou as leis anteriores.

O advento da Lei 9.605/98 pouco contribuiu para o aper-feiçoamento da legislação da matéria ambiental penal, pois setrata de uma lei excessivamente prolixa, casuística, tecnicamente

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imperfeita, inspirada por especialistas leigos em Direito, de difícilaplicação, tortuosa e completa, nos termos de Prado (2007).

Dessa forma, na tutela penal ambiental, por visar prote-ger bem jurídico de relevantíssimo valor social, se devem obser-var os princípios constitucionais que orientam o Direito Penal emface dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Não obstante, o tipo penal ambiental possui uma ampli-tude que, em razão de sua complexidade, pode alcançar condu-tas sem poder ofensivo ao bem ambiental tutelado. Em facedessa abrangência, verifica-se a necessidade de abordar a tutelapenal ambiental à luz dos princípios da mínima intervenção doDireito Penal e da insignificância, para utilizar a sanção penal noscasos extremos, diante da ineficácia das sanções civis e admi-nistrativas, e quando a lesão ambiental for relevante, isto é, pos-suir ofensividade concreta.

Destarte, a aplicação desses princípios não é aceita deforma majoritária pelos doutrinadores e entendimentos jurispru-denciais, que fundamentam a sua inconsistência com os princí-pios da prevenção e precaução, fundamentos do DireitoAmbiental, da impossibilidade de verificar a real potencializaçãodo dano ambiental perante o ecossistema, além de todo danoambiental ser de extrema gravidade.

PRINCÍPIO DA MÍNIMA INTERVENÇÃO DO DIREITO PENAL

O princípio da intervenção mínima ou ultima ratio esta-belece que “o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bensjurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, eque não podem ser eficazmente protegidos de outra forma”,“deve representar a ultima ratio legis, colocar-se em último lugar

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e só entrar em ação quando for indispensável para a manutenção daordem jurídica”, “é o que se denomina caráter fragmentário do DireitoPenal” (PRADO, 2007). Por esse princípio, apenas as ações maisgraves dirigidas contra bens fundamentais podem ser criminalizadas.

Sobre esse aspecto, Toledo (2000) ensina que, quandoa proteção de outros ramos do direito estiver ausente, “falhar ourevelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bemjurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve esten-der-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum”.

Nesse sentido, Roxin (apud SILVA, 2008) esclarece anatureza subsidiária do Direito Penal, ou seja, “onde bastem osmeios do direito civil ou do direito público, o direito penal deveretirar-se [...] consequentemente, e por ser a reação mais forteda comunidade, apenas se pode recorrer a ela em último lugar”.

O Direito Penal e o Processo Penal possuem a missão depreservar os direitos mais relevantes do homem, e não de resolvertodos os problemas sociais, assim, por se tratar de um sistema des-contínuo de ilicitudes, de caráter fragmentário, não se deve ocuparde qualquer ameaça aos bens jurídicos constitucionalmente rele-vantes, mas apenas das condutas que, por sua gravidade, colocamem risco a sociedade e o ser humano (JESUS, 2004).

Em consonância com esse princípio, somente será em-pregada a tutela penal quando os outros meios (cíveis e admi-nistrativos) não lograrem êxito na guarda dos bens tutelados.

Com esse alicerce, cita-se Milaré (2009), que crítica ocaráter altamente criminalizador da Lei 9.605/98, contrariando osprincípios penais da intervenção mínima e da insignificância, porelevar à categoria de crime condutas que deveriam ser conside-radas infrações administrativas ou contravenções penais.

No campo do Direito Ambiental, a legislação está voltadaa prevenir e reprimir as condutas praticadas contra a natureza e,após sua ocorrência concreta, à reparação do dano. Assim, seas outras esferas (cíveis e administrativas) forem suficientes para

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atingir integralmente os dois objetivos primordiais (prevenção ereparação tempestiva e integral) não há mais razão jurídica paraa incidência do Direito Penal.

Em análise dessa função instrumental de prevenção natutela penal ambiental, Silva (2008) afirma que é realizada atravésda prevenção geral e da prevenção especial. Na prevenção geral,a Lei 9.605/98 tipifica as condutas proibidas e comina penas pre-vistas aos infratores, com o intuito de estabelecer uma intimidaçãoformal para a abstenção de prática de condutas ilícitas. Na pre-venção especial, a tutela penal do meio ambiente busca a restau-ração do bem ofendido e a reeducação do infrator, tendo em vistaque a maioria das penas previstas na Lei de Crimes Ambientaissão as restritivas de direitos. Todavia, ressalta que o efeito maisforte da prevenção especial será sobre a pessoa jurídica infratora,“pois poderá criar uma rejeição a seus produtos”.

Esse caráter subsidiário do Direito Penal na defesa do meioambiente é apontado na Resolução (77) 28, do Conselho da Europa,adotada por seu Comitê de Ministros, em 1978, a qual dispõe que:

depois de considerar a necessidade de proteger a saúde dosseres humanos, animais e plantas... a necessidade de recorrerao Direito Penal como ultima ratio quando outras medidas nãose aplicam, são ineficazes ou inadequadas, o Comitê se vêobrigado a efetuar as seguintes recomendações a seus Esta-dos-Membros: 1. Os Estados-Membros devem submeter àconsideração o possível uso de sanções penais quando seproduzam danos ao meio ambiente.

Como exemplo claramente didático de aplicação do prin-cípio da mínima intervenção do Direito Penal Ambiental, Milaré(2009) cita que quando a reparação integral do dano ou o cum-primento total do Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental –TAC – ocorrer antes do oferecimento da denúncia, não se justificaa intervenção do Direito Penal. Nesse caso, explica que a even-tual ação penal não teria cabimento e não poderia ser proposta,por estar ausente o interesse processual, pressuposto essencial

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para o exercício da persecução criminal. No mesmo sentido, destaca-se a ação penal n. 437886-

64.2008.809.0000 (200804378864), promovida perante o Tribu-nal de Justiça do Estado de Goiás, pela conduta prevista noartigo 54, §3º da Lei 9.605/98, perante a Primeira Turma da 1ªCâmara Criminal, Relator Des. Huygens Bandeira de Melo, j.16/12/10. O Prefeito Municipal teria firmado um Termo de Ajusta-mento de Conduta (TAC) em 2005, tendo expressamente assu-mido a obrigação de fazer consistente em providenciar a devidalicença ambiental do aterro sanitário municipal, bem como pro-ceder à disposição dos resíduos sólidos na mencionada área,com a observância do disposto nas normas legais-técnicas per-tinentes, previstas na Lei Federal n. 11.445/07, na Lei Estadualn. 14.248/02 e nas Resoluções CONAMA n. 01/86 e 237/97, deforma a evitar o espalhamento do material (lixo e outros poluen-tes), a propagação de odores, fogo e fumaça, a proliferação deinsetos e roedores, a atividade marginal de catação de lixo e apresença de animais no local. Narra a denúncia que, durante agestão de 2005 a 2008, o denunciado, ciente do risco de danoambiental grave, decorrente da existência de “lixão a céu aberto”,teria deixado de adotar política municipal de gerenciamento dosresíduos sólidos e outros poluentes lançados na mencionadaárea (BRASIL, 2010).

Diante do descumprimento do referido TAC (ineficiênciado âmbito civil) surge, então, o interesse processual para o inícioda persecução penal ambiental. Sobre a ineficiência da tutelacível-administrativa, Sirvinskas (2009), em estudo de campo, ob-serva que, na esfera administrativa e civil, a proteção ao meioambiente não tem sido eficaz. Constatou que na esfera adminis-trativa, das multas aplicadas pelo IBAMA no ano de 2008, so-mente 6% (seis por cento) foram recolhidas aos cofres públicos,e, na esfera civil, nem todas as ações civis públicas têm sido co-roadas de êxito, especialmente pela demora no seu trâmite.

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As causas dessas ineficiências são inúmeras, cita-seque: a) os órgãos administrativos, no Brasil, contêm sérias difi-culdades estruturais (carência de pessoal e de condições de tra-balho); b) a sanção cível não atinge seu objetivo em razão de aempresa infratora (que é a maioria dos agressores) embutir emseus preços o valor das sanções aplicadas (SILVA, 2008).

Em corrente contrária, Freitas e Freitas (2001) defendema não aplicação do princípio do Direito Penal mínimo nas infra-ções ambientais, com alicerce na preservação ambiental, pois osdanos ambientais têm consequências graves e nem sempre depronto conhecimento.

Winfried Hassemer (apud ANDRADE, 2005) também de-fende a não aplicabilidade do princípio da mínima intervenção dodireito penal ambiental, sustentando que o dano causado ao meioambiente não pode ser considerado de natureza leve, ao contrário,possui extrema gravidade. O autor sustenta a aplicação imediatado Direito Penal, como prima ratio, e, para tanto, sustenta que:

Não há que se falar na aplicação do direito penal mínimo emsede de crimes ambientais. A lesividade contra o bem ambien-tal é sempre máxima e, muitas vezes, desconhecidas, sendoque, em muitos casos, os efeitos danosos somente serãoconhecidos muitas décadas depois. Não se pode admitir, emprejuízo do bem ambiental, que se aguarde a ineficácia da pro-teção administrativa para que, apenas posteriormente, se uti-lize a proteção penal, pois, neste caso, ineficaz a tutelacriminal se o bem jurídico tutelado já tiver sido destruído.

A circunstância de ser o ambiente o bem jurídico protegidonos crimes ambientais não é suficiente para afastar o princípio daintervenção mínima do Estado em matéria penal. O dano ambientalnão deixará de ter importância jurídica em razão desse princípio,deixará de ter apenas relevância no âmbito penal. As outras áreas(cível e administrativa) serão empregadas para a responsabilizaçãocivil, como bem explica o Ministro Gilmar Mendes, na ação penal439/SP, do Tribunal Pleno, DJE 13/02/09 (BRASIL, 2009):

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Parece certo, por outro lado, que essa proteção pela via do Di-reito Penal justifica-se apenas em face de danos efetivos oupotenciais ao valor fundamental do meio ambiente; ou seja, aconduta somente pode ser tida como criminosa quando de-grade ou no mínimo traga algum risco de degradação do equi-líbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora dessashipóteses, o fato não deixa de ser relevante para o Direito.Porém, a responsabilização da conduta será objeto do DireitoAdministrativo ou do Direito Civil. O Direito Penal atua, espe-cialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como ul-tima ratio, tendo caráter subsidiário em relação àresponsabilização civil e administrativa de condutas ilegais.Esse é o sentido de um Direito Penal mínimo, que se preocupaapenas com os fatos que representam graves e reais lesões abens e valores fundamentais da comunidade.

Salienta-se que o “Novo Código Florestal” (Projeto de Lei1.876-C, de 1999), aprovado na Câmara dos Deputados e em trâ-mite no Senado Federal como PLC n. 30 de 2011, alterará a Leidos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98), ora em debate, e prevêo princípio da intervenção mínima do Estado nos crimes ambien-tais. Dispõe, em seu artigo 331, a implantação de programas de

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1 Projeto de Lei 1.876-C/99: “Art. 33. A União, os Estados e o Distrito Federaldeverão implantar programas de regularização ambiental de posses e proprie-dades rurais com o objetivo de adequar as áreas rurais consolidadas aos ter-mos desta Lei. [...] § 2º A adesão do interessado ao programa deverá ocorrerno prazo de 1 (um) ano, prorrogável por ato do Poder Executivo, contado daimplementação do CAR. § 3º Com base no requerimento de adesão ao pro-grama de regularização ambiental, o órgão competente integrante do Sisnamaconvocará o proprietário ou possuidor para assinar Termo de Adesão e Com-promisso, que constituirá título executivo extrajudicial. §4º Durante o prazo aque se refere o §2º e enquanto estiver sendo cumprindo o Termo de Adesão eCompromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado e serão sus-pensas as sanções decorrentes de infrações cometidas antes de 22 de julhode 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em áreas de ReservaLegal, áreas de Preservação Permanente e áreas de uso restrito, nos termosdo regulamento. § 5º Cumpridas as obrigações estabelecidas no Programa deRegularização Ambiental ou no termo de compromisso para a RegularizaçãoAmbiental ou no termo de compromisso para a regularização ambiental das exi-gências desta Lei, nos prazos e condições neles estabelecidos, as multas re-feridas neste artigo serão consideradas como convertidas em serviços depreservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, legiti-mando as áreas que remanesceram ocupadas como atividades agrossilvopas-toris, regularizando seu uso como área rural consolidada para todos os fins”.

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regularização ambiental de posses e propriedades rurais, pela União,Estados e Distrito Federal, com o objetivo de adequar as áreas ruraisaos termos da legislação ambiental. Assim, o proprietário ou possui-dor firmará um Termo de Adesão e Compromisso (TAC) para os finsde composição ambiental e, durante o cumprimento desse termo,estará suspensa a punibilidade dos crimes previstos nos artigos 38,39 e 48 da Lei 9.605/982, interrompendo-se o prazo prescricional. Ocumprimento do TAC no prazo determinado acarretará na extinçãoda punibilidade, nos termos do art. 343 do Projeto de Lei (BRASIL,2011). Ou seja, a aplicação da sanção penal como ultima ratio, umavez que as medidas administrativas sejam suficientes para solucionara questão ambiental estas serão utilizadas, as sanções penais so-mente serão utilizadas em caráter subsidiário.

Por fim, o Direito Penal seria como um “soldado de re-serva”, conforme denominado nas doutrinas, que será utilizadoapenas na insuficiência dos outros ramos do Direito, em casosextremos de ofensa ao bem jurídico protegido. Salienta-se que oDireito Penal também não é a solução para as lesões ao am-biente, não resolverá os problemas do ecossistema, apenas apli-cará a sanção penal. A educação ambiental é, sem dúvida, asolução para minimizar esses problemas e atingir os objetivosprimordiais (prevenção e reparação tempestiva e integral).

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2 Lei 9.605/98: “Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservaçãopermanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normasde proteção: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas aspenas cumulativamente. [...] Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada depreservação permanente, sem permissão da autoridade competente: Pena – de-tenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.[...] Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais for-mas de vegetação: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”.3 Projeto de Lei 1.876-C/99: “Art. 34. A assinatura do Termo de Adesão e Com-promisso para regularização do imóvel ou posse rural perante o órgão ambientalcompetente, mencionado no art. 33, suspenderá a punibilidade dos crimes pre-vistos nos arts. 38, 39 e 48 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, en-quanto este estiver sendo cumprido. §1º A prescrição ficará interrompidadurante o período de suspensão da pretensão punitiva. §2º Extingue-se a pu-nibilidade com a efetiva regularização prevista nesta Lei”.

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da insignificância decorre da natureza fragmen-tária do Direito Penal e do princípio da intervenção mínima da legis-lação penal. A doutrina, especificamente Claus Roxin, elaborou ateoria do Princípio da Insignificância em matéria criminal, cujo obje-tivo “é excluir do âmbito penal as condutas que não apresentam umgrau de lesividade mínimo para a concretização do tipo penal, evi-tando, assim, que a sanção penal seja imensamente desproporcio-nal ao dano causado pela ação formalmente típica” (SILVA, 2008).

O conceito do princípio da insignificância não está pre-sente nas Leis Ordinárias e na Constituição Federal, incumbindoà doutrina e à jurisprudência elaborar um conceito ao princípio.Nesses termos, Silva (2008) conceitua o princípio da insignificân-cia “como aquele que interpreta restritivamente o tipo penal, afe-rindo qualitativa e quantitativamente o grau de lesividade daconduta, para excluir da incidência penal os fatos de poder ofen-sivo insignificante aos bens jurídicos penalmente protegidos”.

Toledo (2000) fornece elementos fundamentais para a de-dução de uma definição do referido princípio: a) o caráter de ins-trumento para aferição qualitativa e quantitativa do grau delesividade da conduta típica; b) o efeito jurídico produzido pelo prin-cípio, qual seja, a exclusão da tipicidade da conduta insignificante.

A orientação do Supremo Tribunal Federal para a incidênciado princípio da insignificância deve verificar a lesividade mínima daconduta e, para tanto, levar-se-á em consideração os seguintes ve-tores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhumapericulosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidadedo comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provo-cada, salientando que o Direito Penal não deve se ocupar de con-dutas que, diante do desvalor do resultado produzido, nãorepresentem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico

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tutelado, seja à integridade da própria ordem social, conformejulgado em Habeas Corpus 94.505/RS, da Segunda Turma, Re-lator Ministro Celso de Mello, DJE 24/10/2008 (BRASIL, 2008).

Persiste uma corrente doutrinária contra a aceitação doprincípio da insignificância no sistema penal, “sob argumento quenão fora incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro porqueainda não devidamente legislado” (SILVA, 2008). Destarte, a Cons-tituição Federal reconhece expressamente a existência de princípiosimplícitos, em seu artigo 5º, § 2º, que dispõe: “os direitos e garantiasexpressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes doregime e dos princípios por ela adotados, ou tratados internacionaisem que a República Federativa for parte” (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, Silva (2008) explica que a objeção comrelação à ausência de previsão expressa do princípio da insigni-ficância e, consequentemente, não incorporada ao ordenamentojurídico, não procede, “uma vez que se encontra esse princípiomaterialmente compreendido entre os enunciados dos demaisprincípios penais expressos na Constituição brasileira”, explicaque “o princípio da insignificância também é reconhecido atravésdo procedimento e concretização das normas constitucionais, noqual a complementação entre os princípios penais explícitos naConstituição revela sua existência”.

Aborda que uma das principais trincheiras de resistênciaao reconhecimento do princípio da insignificância e seus efeitosé o déficit conceptual que este apresenta (SILVA, 2008):

[...] uma vez que, argumenta-se, a indeterminação dos termospode pôr em risco a segurança jurídica. Tal argumentaçãoaduz que os critérios de fixação e determinação das condutasinsignificantes para incidência do princípio são determinadospelo senso pessoal de justiça do operador jurídico, ficandocondicionado a uma conceituação particular e empírica do queseja crime de bagatela.

Para Gomes (2010), alguns magistrados brasileiroscontinuam ignorando o princípio da insignificância, por vários

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motivos, destacando dois: (1) o princípio da insignificância nãoestá previsto expressamente na lei brasileira, conforme anterior-mente abordado; (2) juízes que são extremamente legalistas (oupositivistas-legalistas), pois “a formação jurídica no nosso paíscontinua (em geral) vinculada à doutrina do século XIX, isto é, aonascimento do Estado moderno (burguês-liberal)”. Critica queesse modelo de juiz não acompanhou a evolução do DireitoPenal ocorrida desde 1970.

Com relação à localização da incidência do princípio dainsignificância na teoria do delito e sua natureza jurídico-penal, hátrês correntes distintas, que o consideram como excludente de ti-picidade, excludente de antijuridicidade e excludente de culpabili-dade. A jurisprudência e a doutrina, majoritariamente, são adeptasde corrente que o considera como excludente de tipicidade, con-siderando atípicas aquelas condutas que importam numa afetaçãoinsignificante do bem jurídico tutelado (SILVA, 2008).

Assim, a aplicação do princípio da insignificância, causaexcludente de tipicidade material, admitida pela doutrina e pelajurisprudência em observância aos postulados da fragmentarie-dade e da intervenção mínima do Direito Penal, demanda oexame do preenchimento de certos requisitos objetivos e subje-tivos exigidos para o seu reconhecimento, traduzidos na irrele-vância da lesão ao bem tutelado e na favorabilidade dascircunstâncias em que foi cometido o fato criminoso e de suasconsequências jurídicas e sociais (BITENCOURT, 2009).

Todavia, prevalece perante a jurisprudência nacional(STJ e STF) a incidência do princípio da insignificância em ma-téria penal como excludente de tipicidade. Entretanto, no âmbitoambiental discute-se a incidência desse princípio em razão dosprincípios específicos que sustentam o direito ambiental, espe-cialmente o da prevenção e precaução.

Calhau (2011) ressalta a necessidade de buscar um equi-líbrio entre os princípios específicos do Direito Penal e do Direito

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Ambiental para uma efetividade na aplicação da norma penal am-biental, pois a aplicação do princípio da insignificância do DireitoAmbiental e o princípio ambiental da precaução chegam a ser “an-tagônicos”, além de pairar na atividade dos tribunais uma pro-funda “carência de qualquer espécie de fidelidade hermenêuticacom os objetivos constitucionais indicados à formação do conteúdo,e do alcance da proteção ambiental adequada ao Estado Democrá-tico de Direito”.

A discussão perante a não incidência do princípio da insig-nificância na tutela jurídica penal do ambiente centra-se em razãoda natureza do bem jurídico tutelado e da impossibilidade de auferira extensão do dano causado ao ecossistema. Essa discussão re-sulta em uma incerteza jurídica doutrinária e jurisprudencial.

Os Tribunais Regionais Federais entendem, de formamajoritária, que é inviável a aplicação do princípio da insignifi-cância em matéria ambiental. Nesse sentido, o posicionamentodo Procurador Regional da República Franklin da Costa, em pa-recer nos autos do recurso criminal 2002.43.00.001367-2/TO, daQuarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, relatorDesembargador Federal Carlos Olavo. Aduz o Procurador queconsiderar a destruição de área de preservação ambiental crimede bagatela é equiparar os crimes do meio ambiente, cuja des-truição compromete a própria existência humana, aos crimes pa-trimoniais, que podem ser recuperados.

[...] 'Ora, não se pode expressar em valor financeiro ou patri-monial um bem (o meio ambiente) que se refere à própria exis-tência do homem na face da terra' (fl. 50).Inclino-me também por este entendimento, considerando obem objeto de proteção legal, o meio ambiente. A preservaçãoambiental deve ser feita de forma preventiva e repressiva, embenefício de próximas gerações, sendo intolerável a práticareiterada de pequenas ações contra o meio ambiente, capazde, se consentida, resultar da sua inteira destruição. Assim,não pode ser considerado o princípio da insignificância, nocaso. Precedentes da eg. 4ª Turma deste TRF da 1ª Regiãocaminham neste sentido [...].

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Nesse diapasão, consolida-se entendimento do TribunalRegional Federal da 1ª Região sobre a inaplicabilidade do princípioda insignificância aos crimes ambientais, em razão da indisponibi-lidade do bem jurídico tutelado. Citam-se recursos: RSE 0002736-32.2006.4.01.3810/MG, Relator Juiz Federal Klaus Kuschel(convocado), Terceira Turma, DJ 08/07/11; RSE 0002440-68.2010.4.01.3819/MG, Relator Juiz Federal Marcus Vinícius ReisBastos (convocado), Quarta Turma, DJ 29/06/11; RSE 0001825-78.201.4.01.3810/MG, Relatora Desembargadora Federal Assu-sete Magalhães, Terceira Turma, DJ 31/03/11; ACR000171-79.2007.4.01.3804/MG, Relator Desembargador FederalMário César Ribeiro, Quarta Turma, DJ 08/04/10.

Observa-se que os enunciados do Tribunal Regional Fe-deral da 3ª Região seguem o mesmo entendimento, ou seja, ainaplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes ambien-tais, em razão do bem tutelado ser essencial à vida e à saúde detodos. Os danos ambientais, mesmo que de pequena monta,podem causar consequências graves e nem sempre previsíveis.Nesse sentido: ACR 2004.61.06.010764-4/SP, Relator Desem-bargador Federal Cotrim Guimarães, Segunda Turma, DJ30/08/11; RSE 2008.61.06.006180-7/SP, Relator DesembargadorFederal José Lunardelli, Primeira Turma, DJ 14/06/11; ACR2003.61.02.007430-1/SP, Relatora Desembargadora FederalVesna Kolmar, DJ 15/03/11.

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região podem-seconstatar entendimentos contrários à aplicação do princípio dainsignificância, aliado ao bem jurídico que ostenta titularidade di-fusa e o dano que lesiona o ecossistema, pertencente à coletivi-dade. Assim, não pode ser mensurado, o que resulta naimpossibilidade da aplicação dos princípios da intervenção mí-nima e da subsidiariedade do Direito Penal. Cita-se: ACR0003230-23.2009.404.7005, Relator Desembargador FederalPaulo Afonso Brum Vaz, de 24/09/10; EINUL na ACR

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2002.72.04.002336-1, Relator Desembargador Federal PauloAfonso Brum Vaz, DE 07/05/07; ACR 0023502-49.2006.404.7100, Relator Desembargador Federal Victor Luizdos Santos Laus, Oitava Turma, DJ 17/08/11; AC 0000473-91.2007.404.7016, Relator Desembargador Paulo Afonso BrumVaz, Oitava Turma, DJ 03/08/11.

Todavia, observam-se pensamentos favoráveis à insur-gência do princípio da insignificância perante a Sétima Turma doTribunal Regional Federal da 4ª Região. Destaca-se a apelaçãoCriminal n. 0000682-53.2008.404.7007/P, interposta pelo Minis-tério Público Federal contra a sentença que julgou improcedentedenúncia proposta contra Rafael Bueno Menezes, absolvendo-oda prática do delito do artigo 344 da Lei n. 9.605/98, com funda-mento no artigo 386, inciso III5, do Código de Processo Penal. Orecorrido foi surpreendido no ato da pesca (com rede) com trêspeixes ainda vivos (um pintado, um mandí e um tambiú - pesoestimado em cerca de duzentas gramas), no reservatório da re-presa da Usina Hidrelétrica de Salto do Caxias, formada pelo RioIguaçu, em período no qual a pesca estava proibida, utilizando-se de petrechos não permitidos. Narra a acusação que o recorridofoi surpreendido pescando em alagado da bacia hidrográfica dorio Paraná. O fato de ele não ter retirado a rede do lago, e, con-sequentemente, não ter retirado os peixes, não afastaria a tipici-dade de sua conduta, tendo em vista que o referido delito é crimeformal, de perigo abstrato, não exigindo efetiva lesão ao meioambiente para sua consumação.

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4 Lei 9.605/98: “Art. 34. pescar em período no qual a pesca seja proibida ou emlugares interditados por órgão competente: Pena - detenção de um ano a trêsanos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. Incorrenas mesmas penas quem: I - pesca espécies que devam ser preservadas ouespécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;II - pesca quantidades su-periores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, téc-nicas e métodos não permitidos; III - transporta, comercializa, beneficia ouindustrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas”.5 CPP, Art. 386. “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispo-sitiva, desde que reconheça: [...] III – não constituir o fato infração penal”.

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O revisor Juiz Federal Luiz Carlos Canalli, ao divergir dorelator, ressaltou, em seu voto, que a aplicação da excludente detipicidade por insignificância penal em crimes ambientais é admi-tida pela jurisprudência, em casos excepcionais, quando provadaa absoluta ausência de lesividade na conduta dos agentes. Con-siderou que o caso apresentado não possuía ofensa ao bem jurí-dico tutelado pela norma penal, o grau ínfimo da reprovabilidadeda conduta e a inexpressividade da lesão ao bem jurídico, sendoperfeitamente cabível a aplicação do princípio da insignificância.

Dessa forma, a orientação majoritária dos referidos TribunaisRegionais Federais é que não se apresenta juridicamente possível a apli-cação do princípio da insignificância nas hipóteses de crime ambiental.

Freitas e Freitas (2001) explicam que, em matéria demeio ambiente, nem sempre é fácil distinguir o que é e o que nãoé significativo:

Por exemplo, a morte de uma arara azul não pode ser consideradairrelevante, pois se trata de espécie em extinção. Assim, o magis-trado, para rejeitar uma denúncia ou absolver o acusado, deveráexplicitar por que a infração não tem importância. E mais, não sepode esquecer que o art. 37 da Lei n. 9.605/98 afirma não ser crimea morte de animal para saciar a fome, para proteger lavouras, po-mares e rebanhos ou por ser nocivo o animal, exigindo estas últi-mas modalidades autorização do órgão ambiental competente.[...] Tratando especificamente da proteção ambiental, a pri-meira indagação que deve ser feita é se existe lesão quepossa ser considerada insignificante. A resposta a tal perguntadeve ser positiva, mas com cautela. Não basta que a poucavalia esteja no juízo subjetivo do juiz. É preciso que fique de-monstrada no caso concreto. É dizer, o magistrado, para re-jeitar uma denúncia ou absolver o acusado, deverá explicitar,no caso concreto, por que a infração não tem significado. Porexemplo, em crime contra a fauna não basta dizer que é insig-nificante o abate de um animal. Precisa deixar claro, entre ou-tras coisas, que este mesmo abate não teve influência noecossistema local, na cadeia alimentar, analisar a quantidadede espécimes na região e investigar se não está relacionadoentre os que se acham ameaçados de extinção. Assim sendo,o reconhecimento do princípio da insignificância deverá ser re-servado para hipóteses excepcionais, principalmente pelo fatode que as penas previstas na Lei 9.605/98 são leves e admi-tem transação ou suspensão do processo.

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Marcão (2010) entende que o princípio da insignificânciadeve ser aplicado em matéria ambiental, contudo, com “parcimônia”:

uma vez que a mera retirada de espécie do seu ambiente na-tural já causa interferência no tênue equilíbrio ecológico, masnão há dúvida de que o elevado grau de maturidade e respon-sabilidade dos magistrados que integram as fileiras do PoderJudiciário Brasileiro assegura, sem sombra de dúvida, o cui-dado que se espera no manejo do instituto jurídico, que nadatem de ‘liberal’, ao contrário do que muitos sustentam com ra-zoável equívoco e até com um certo insinuar pejorativo.

Sobre o tema, importante a lição de Bitencourt (2009),que explica que se deve analisar não apenas o bem jurídico tu-telado, mas o grau de intensidade da lesão produzida:

a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deveser aferida não apenas em relação à importância do bem juri-dicamente atingido, mas especialmente em razão ao grau desua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida,como por exemplo, nas palavras de Roxin, 'mau-trato não équalquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somenteuma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesãograve a pretensão social de respeito. Como força deve serconsiderada unicamente um obstáculo de certa importância,igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultra-passar o umbral da criminalidade.

Em outra vertente, Nucci (2007) entende que o princípioda insignificância é perfeitamente aplicável no contexto dos deli-tos contra o meio ambiente e cita o caso do artigo 29, que prevêmatar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar qualquer animal de mí-nima importância para o ecossistema (ex.: uma borboleta ou umfilhote de pássaro que caiu do ninho).

O Superior Tribunal de Justiça, em precedentes, têm ad-mitido a incidência do referido postulado nos crimes contra omeio ambiente, quando, no exame do caso concreto, verifique-se não ter sido o bem jurídico tutelado pela norma extravaganteatingido pela conduta dos agentes, de acordo com o caso con-creto, analisando sempre de forma prudente e criteriosa, com a

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presença de certos elementos, como: (I) a mínima ofensividadeda conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade so-cial da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comporta-mento; e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.Nesse sentido, cita-se: HC 143.208/SC, Quinta Turma, RelatorMinistro Jorge Mussi, DJ 14/06/10; HC 112.840/SP, QuintaTurma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ03/05/10; HC 93.859/SP, Sexta Turma, Relatora Ministra MariaThereza de Assis Moura, DJ. 31/08/09; e HC 86.913/PR, QuartaTurma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 04/08/08.

No liame do caráter subsidiário do Direito Penal Ambiental,em relação à responsabilização civil e administrativa de condutasilegais, o Supremo Tribunal Federal aplica o princípio da insignifi-cância, fundamentando que o Direito Penal justifica-se apenas emface de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meioambiente, ou seja, para ter relevância penal a conduta tem que tra-zer pelo menos algum risco de degradação do equilíbrio ecológicodas espécies e dos ecossistemas, nos termos da Ação Penal439/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 12/06/08.

CONCLUSÃO

Conforme salientado, não há dúvidas da incidência doDireito Penal como o “soldado de reserva”, principalmente no Di-reito Ambiental, que busca a prevenção e a precaução das lesõesambientais. Perante a abrangência do tipo penal ambiental an-teriormente abordado, se evidencia a necessidade de se subme-ter ao princípio da insignificância para excluir as lesõesambientais penalmente irrelevantes, em consonância com osprincípios constitucionais.

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A doutrina se preocupa com o resultado dessa aplicaçãodo princípio da insignificância no âmbito penal em se banalizar obem jurídico protegido. Mas, ao contrário, estabelecer condutasmais eficazes em outras esferas resultaria nos objetivos primor-diais (prevenção e reparação tempestiva e integral).

Busca-se um equilíbrio entre os princípios específicos doDireito Penal e do Direito Ambiental para uma efetividade na apli-cação da norma penal ambiental diante de sua natureza fragmen-tária. Contudo, para essa aplicação faz-se necessário estabeleceralguns critérios, nos mesmos termos estabelecidos para os crimescontra o patrimônio pelo Supremo Tribunal Federal.

Imprescindível estabelecer esses critérios com o intuitode unificar o entendimento jurisprudencial, analisando o bem ju-rídico tutelado e o grau de intensidade da lesão produzida peloagente dentro de um contexto, seria a denominada aplicaçãocom “parcimônia” pelos doutrinadores.

Silva (2008) sugere alguns critérios de extrema impor-tância para analisar a “avaliação dos índices de desvalor da açãoe desvalor do resultado que integram a lesão ambiental”, sepa-rados em duas etapas: (1ª) avaliar esses índices em relação aopróprio bem ambiental atacado; (2º) avaliar esses índices em re-lação ao meio ambiente de forma global. Se o resultado dessesíndices indicar um grau de lesividade ínfimo nas duas etapas, sereconhece a incidência do princípio da insignificância.

Dessa forma, utilizar o judiciário com lesões ínfimas aobem jurídico ambiental acarretaria um congestionamento de pro-cessos e morosidades, além de, certamente, não atingir os prin-cípios constitucionais ambientais. Espera-se que este estudoestimule a discussão sobre a incidência do princípio da insignifi-cância na tutela penal ambiental, conjuntamente com o fortaleci-mento de outras medidas judiciais e extrajudiciais para aprevenção e precaução ambiental, deixando a sanção penalcomo ultima ratio.

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