O Primeiro Momento Modernista

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O primeiro momento modernista Um mês após a Semana de Arte Moderna, a política brasileira vive dois momentos importantes: em 1° de março , a eleição para escolha do sucessor de Epitácio Pessoa na Presidência da República, com vitória do mineiro Artur Bernades sobre Nilo Peçanha; nos dias 25,26e 27 de março , a realização , no Rio de Janeiro , do congresso de fundação do Partido Comunista Brasileiro. A eleição de 1922 ocorre em meio a grave crise econômica e, contrariando a norma da Republica do café com leite , polariza-se entres as candidaturas de Artur Bernades ( representantes das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais) e Nilo Peçanha ( representantes das oligarquias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul).Trata-se de uma disputa motivada por interesses pessoais locais , e não por proposta diferentes de governos. O processo revolucionário tem início com a revolta dos militares do Forte de Copacabana , em 5 de julho de 1922; o movimento , entretanto , dura apenas 24 horas e termina com a caminhada fatal , pelas ruas de Copacabana , de17 jovens militares e um civil contra mais de 3 mil soldados das forças governistas .Esse episódio , conhecido como Os 18 do Forte , significou , nas palavras do historiador Edgar Carone, “o sacrifício por um ideal ,”ficando gravado como símbolo de luta. Os primeiros anos de Artur Bernades são marcados por um constante estado de sitio , cesura à imprensa e intervenção nos estados . No entanto ,essas medidas não são suficiente para estancar a marcha

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O primeiro momento modernista

Um mês após a Semana de Arte Moderna, a política brasileira vive dois momentos importantes: em 1° de março , a eleição para escolha do sucessor de Epitácio Pessoa na Presidência da República, com vitória do mineiro Artur Bernades sobre Nilo Peçanha; nos dias 25,26e 27 de março , a realização , no Rio de Janeiro , do congresso de fundação do Partido Comunista Brasileiro.A eleição de 1922 ocorre em meio a grave crise econômica e, contrariando a norma da Republica do café com leite , polariza-se entres as candidaturas de Artur Bernades ( representantes das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais) e Nilo Peçanha ( representantes das oligarquias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul).Trata-se de uma disputa motivada por interesses pessoais locais , e não por proposta diferentes de governos.O processo revolucionário tem início com a revolta dos militares do Forte de Copacabana , em 5 de julho de 1922; o movimento , entretanto , dura apenas 24 horas e termina com a caminhada fatal , pelas ruas de Copacabana , de17 jovens militares e um civil contra mais de 3 mil soldados das forças governistas .Esse episódio , conhecido como Os 18 do Forte , significou , nas palavras do historiador Edgar Carone, “o sacrifício por um ideal ,”ficando gravado como símbolo de luta.Os primeiros anos de Artur Bernades são marcados por um constante estado de sitio , cesura à imprensa e intervenção nos estados . No entanto ,essas medidas não são suficiente para estancar a marcha revolucionaria : em 5 de julho de 1924 , dois anos após os acontecimentos de Copacabana , estoura uma revolução em São Paulo em que os militares exigem o fim da corrupção , maior representatividade política , voto secreto e justiça .O período de 1922 a 1930 também se caracteriza por definições no quadro partidário : em 1922, sob o impacto da Revolução Russa , é criado o Partido Comunista , que contava , entre seus fundadores , com vários elementos egresso das

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lutas anarquistas ; em 1926 surge o Partido Democrático , de larga penetração entre a pequena burguesia paulista e teve , entre seus fundadores , Mário de Andrade.

As revistas e os manifestos

Klaxon A revista Klaxon – Mensário de Arte Moderna foi o primeiro periódico modernista , frutos das agitações do ano de 1921 e da grande festa que foi a Semana da Arte Moderna . Seu primeiro número circulou com a data de 15 de maio de 1922 ; a edição dupla , de números 8 e9 , a última da revista saiu em janeiro de 1923.Klaxon foi inovada em todos os sentidos : desde o projeto gráfico ( tanto da capa como das páginas internas ) até a publicidade das contracapas e da Quarta capa ( propagandas sérias , como a dos chocolates Lacta, e propaganda satíricas , como a da “Panuosopho, Pateromnium &Cia.” – uma grande fábrica de... sonetos)Na oposição entre o velho e o novo , na proposta de uma concepção estéticas diferentes , enfim , em todos os aspectos , era uma revista que anunciava a modernidade , o século xx buzinando ( Klaxon era o termo empregado para designar a buzina externa dos automóveis) , pedindo passagem.

Eis alguns trechos do “manifesto” que abriu o primeiro número da revista:

Klaxon sabe que a vida existe . E, aconselhado por Pascal , visa o presente .Klaxon não se preocupará de ser novo , mas de ser atual. Essa é a grande lei da novidade.

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Klaxon sabe que o progresso existe . Por isso , sem renegar o passado , caminha para diante , sempre , sempre .

Klaxon não é exclusivista. Apesar disso jamais publicará inéditos maus de bons escritores mortos.Klaxon não é futurista.Klaxon é Klaxista.

Manifesto da Poesia Pau – Brasil

O manifesto escrito por Oswaldo de Andrade foi inicialmente publicado no jornal Correio da Manhã , edição de 18 de março de 1924 ; no ano seguinte , uma forma reduzida e alterada do manifesto abria o livro de poesia Pau – Brasil .No manifesto e no livro Pau – Brasil ( ilustrado por Tarsila do Amaral ), Oswaldo de Andrade propõe uma literatura extremamente vinculada à realidade brasileira , a partir de uma redescoberta do Brasil .Ou , como afirma Paulo Prado ao prefaciar o livro:

A seguir , alguns trechos do manifesto:

A poesia existe nos fatos . Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela , sob o azul cabralino , são fatos estéticos .

A poesia para os poetas . Alegria dos que não sabem e descobrem.

A poesia Pau – Brasil . Ágil e Cândida . Como uma criança.

A revista

A revista foi a publicação responsável pela divulgação do movimento modernista em Minas Gerais . Circularam apenas três números , nos meses de julho e agosto de 1925 e janeiro

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de 1926 ; contava entre seus redatores com Carlos Drummond de Andrade . Em seu primeiro número, o editorial afirmava:

(...) Somos , finalmente , um órgão político . Esse qualificativo foi corrompido pela interpretação viciosa a que nos obrigou o exercício desenfreado da politicagem.Entretanto , não sabemos de palavra mais nobre que esta : política . Será preciso dizer que temos um ideal ? Ele se apoia no mais franco e decidido nacionalismo

Manifesto Regionalista de 1926 .

Os anos de 1925 a 1930 marcam a divulgação do Modernismo pelos vários estados brasileiros . Assim é que o Centro Regionalista do Nordeste , com sede em Recife lança o Manifesto Regionalista de 1926 , em que procura “desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste “ dentro dos novos valores modernista . Apresenta como proposta “trabalhar em prol dos interesses da região nos seus aspectos diversos : sociais . econômico e culturais.” Além de promover conferencias , exposições de arte , congressos, o Centro editaria uma revista .Vale lembrar que , a partir de da década de 1930 , o regionalismo nordestino resultou em brilhantes obras literárias , com nomes que vão de Graciliano Ramos , José Lins do Rego , José Américo de Almeida , Rachel de Queiroz e Jorge Amado , no romance , a João Cabral de Melo Neto, na poesia

Produção Literária

Mário de Andrade

Mário Raul de Morais Andrade , o chamado “papa do Modernismo “, nasceu em São Paulo , na rua Aurora , em 9 de Outubro de 1893 . Na capital paulista , após o grupo escolar e

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o ginásio , matriculou-se na Escola de Comércio Álvares Penteado , abandonando o curso depois de uma briga com seu professor de português . No ano seguinte , 1911, matriculo-se no Conservatório Musical de São Paulo , formando-se em piano. Jovem ainda ,iniciou suas críticas de arte escrevendo para jornais e revistas .Em 1917, ano em que travou amizade com Oswaldo de Andrade , publicou seu primeiro livro e “descobriu” Anita Malfatti , transformando-se numa das figuras mais importantes de nossa vida cultural. Foi diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo e professor de História e Filosofia da Arte na Universidade do Distrito Federal ( Rio de Janeiro ). Voltando a São Paulo , trabalhou no Serviço de Patrimônio Histórico. Morreu em sua casa , São Paulo , na rua Lopes Chaves ,em 25 de fevereiro 1945.

Sua poesia manifesta-se poesia a partir do livro Paulicéia desvairada , que rompe com todas as estruturas ligadas ao passado . O livro tem como musa inspiradora ,ou melhor , como objeto de análise e constatação , a cidade de São Paulo e seu provincianismo , o rio Tietê , o Largo do Arouche , o Anhangabaú , a burguesia, a Aristocracia, o proletariado ; uma cidade multifacetas , uma colcha de retalho , uma roupa de arlequim – uma cidade de arlequinal . Inicia-se com os seguintes versos:

InspiraçãoSão Paulo ! comoção de minha vida...Os meus amores são flores feitas de original...Arlequinal !.. Traje de losangos ...Cinzas e ouro ...Luz e bruma ... Forno e inverno morno ...Elegância sutis sem escândalos, sem ciúmes...Perfumes de Paris... Arys!Bofetadas líricas no Trianon ... Algodoal !

São Paulo! Comoção de minha vida ...Galicismo a berrar nos desertos da América!

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Em Macunaíma , o herói sem nenhum caráter , talvez , a criação máxima de Mário de Andrade : a parti desse anti- herói , o autor enfoca o choque do índio amazônico (que nasceu preto e virou branco- síntese do povo brasileiro)com a tradição e a cultura européia na cidade de São Paulo, valendo –se para tanto de profundos estudos de folclore . E Macunaíma , no seu “pensamento selvagem”, faz transformações que ele quer : um inglês vira London Bank , a cidade de São Paulo vira uma preguiça (animal), e assim por diante , colocando todas as estruturas de pernas para o ar.

Macunaíma

Esta “rapsódia” ( como qualificada na primeira edição) conta as aventuras de Macuníma , herói de uma tribo amazônica , que o autor misturou a outros , também indígenas , e que reinventou como personagem picaresca , sem cortar as suas ligações com o mundo lendário . Depois da morte da mulher ( Ci , a mãe do Mato , que se transforma na estrela Beta de Centauro ), Macunaíma perde um amuleto , que ela lhe dera, a “muiraquitã “. Sabendo que está nas mãos de um mascate peruano , Venceslau Pietro Pietra , morador em São Paulo , vem para esta cidade com os dois irmãos , Maanape e Jiguê. A maior parte do livro se passa durante as tentativas de reaver a pedra do comerciante , que era afinal de contas o gigante Piaimã , o comedor de gente.Conseguido o propósito , Macunaíma volta para o Amazonas , onde , após uma série de aventuras finais , se transforma na constelação Ursa Maior.

Oswaldo de Andrade

José Oswaldo de Sousa Andrade nasceu em São Paulo , em 11de janeiro de 1890. Cursou a Faculdade de Direitos do Largo de São Francisco , bacharelando-se em 1919. Desde o

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retorno de sua primeira viagem à Europa , em 1912 , trazendo as idéias do Futurismo , Oswaldo de Andrade transformou-se em figura fundamental dos principais acontecimentos da vida cultural brasileira da metade do século xx . Homem polêmico , irônico , gozador , teve vida atribulada não só no que diz respeito ás artes como também à política e aos sentimentos : foi o idealizador dos principais manifestos modernistas , militante político , teve profundas amizades e inimizades , rumorosas casos de amor e vários casamentos ( com destaque para dois :com Tarsila do Amaral e com Patrícia Galvão , a Pagu).Mais do que a de outros escritores , sua vida é irmã gêmeas de sua obra , como afirma seu filho Rudá em carta ao critico Antônio Cândido : “Creio que a obra de Oswaldo de Andrade não pode ser estudada desvinculada de sua vida .” E aqui cabe chamar a atenção para dois fatos ; primeiros , a vida de Oswaldo teve um verdadeiro divisor de águas, o ano de 1929, quando , fazendeiro de café , vai à imagem de um “palhaço da burguesia ”, o que ofuscou em muito o brilho de sua obra e amargurou o escritor nos últimos anos de sua vida . A propósito , assim se manifestou o próprio Oswald:

Quando , depois de uma fase brilhante em que realizei os salões do modernismo e mantive contato com a Paris de Cocteau e de Picasso , quando num só dia da débâcle do cafê ,em 29 , perdi tudo – os que se sentavam à minha mesa iniciaram uma tenaz campanha de desmoralização contra meus dias. Fecharam então num cochicho beiçudo o diz- que –diz que havia de isolar minha perseguida pobreza nas prisões e nas fugas . Criou-se então a fábula de que só fazia piada e irreverência , e uma cortina de silêncio tenteou encobrir a ação pioneira que dera o Pau –Brasil e a prosa renovada de 22.

A esse respeito , o crítico Antônio Cândido assim se manifesta

Mas esse Oswald lendário e anedótico tem razão de ser : a sua elaboração pelo público manifesta o que o mundo burguês de uma cidade provinciana enxergava de perigo e negativo para os seus valores artístico e sociais . Ele escandalizava pelo fato de existir , porque a sua personalidade excepcionalmente poderosa atulhava o meio com a simples presença .

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Conheci muito senhor bem posto que se irritava só de vê-lo ,- como se andando pela rua Barão de Itapetininga ele pusesse em risco a normalidade dos negócios ou o decoro do finado chá- -das- cinco.

Quando à sua obra , Oswald de Andrade apresenta, de maneira geral , as características já comentadas desta primeira fase do Modernismo ,uo seja , um nacionalismo que busca as origens sem perde a visão crítica da realidade brasileira .Os romances de Oswald inovou a poesia com seus pequenos poemas , em que sempre havia um forte apelo visual , criando o chamado “poema – pílula” ; como afirma Paulo Prado no prefácio ao livro de poesias Pau – Brasil: “Obter , em comprimidos , minutos de poesia .”Os romances de Oswald de Andrade , especialmente Memórias Sentimentais de João Mirimar e Serafim Ponte Grande , quebram todas estruturas dos romances tradicionais , apresentando capítulos curtíssimos e semi- independentes, num misto de prosa e poesia , que ,ao final da leitura , formam um grande painel . Para exemplificar , transcrevem-se dois capítulos de Memórias sentimentais de João Mirimar.

Mais que perfeito

Eu tinha saído do laboratório da Itacolomi Film onde Rolah tinha dado uma hora preguiçosa de pose para observações contratuais .Ela me tinha confessado pela manhã que seus amores anteriores com pastores não tinham passado de pequenos flertes de criança.Agora quando tínhamos descido a escada longa eu me tinha baixado até os orquestrais cabelos louros.E tínhamo-nos juntado no grande doce e carnoso grude dum grande beijo mudo como um surdo.

Objeto direto

Ao longo do longo Viaduto bandos de bondes iam para as bandas das Avenida.O poente secava nuvens no céu mal lavado.

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No triângulo começado de luz bulhenta de antes da perdida ocasião de ir para casa entramos numa casa de jóias.

Manuel Bandeiras

Manuel Carneiro de Souza Bandeiras Filho nasceu em Recife , em 19 de abril de 1886.Ainda jovem mudou-se para o Rio de Janeiro , onde fez seus estudos secundários . Em 1903 transferiu- se para São Paulo , matriculando-se na Escola Politécnica . Acometido de tuberculose , abandonou os estudos e voltou para Rio de Janeiro . A partir de então , desenganado várias vezes pelos médicos , iniciou uma peregrinação pelas melhores casas de saúde situadas em situações climáticas do Brasil e da Europa . Em 1917 publicou seu livro de estréia A cinza das horas , de nítidas influência parnasiana e simbolista . Em 1922 participou a distância da Semana de Arte Moderna : apesar de a leitura de sua poesia “Os sapos “ , por Ronald de Carvalho , Ter sido um dos momentos altos da semana , o poeta recusou-se a comparecer , permanecendo em Recife , por não concordar com a intensidade dos ataques parnasianos e simbolistas .Em apenas quatro anos ( entre 1916 e 1920 ) , Manuel Bandeiras assiste à morte da mãe , da irmã e de seu pai , ao mesmo tempo que lutava cotidianamente contra a própria morte .Viveu solitariamente , apesar dos amigos e das reuniões na Academia Brasileira de Letras , para a qual foi eleito em 1940 . Morreu aos 82 anos , no dia 13 de outubro de 1968.Todas essas fatalidades deixaram cicatrizes profundas na obra do poeta , levando o crítico Alfredo Bosi a afirma .”A biografia de Manuel Bandeiras é a história de seus livros .Viveu para as letras “... .E , nesse ponto , é oportuna a leitura de seu “Auto – Retrato “’, no qual ele se autodefine de forma pouco convencional;

Provinciando que nunca soubeEscolher bem uma gravata;

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Pernambucano a quem repugnaA faca do pernambucano ;Poeta ruim na arte da prosaEnvelheceu na infâmia da arte ,E até mesmo escrevendo crônicasFicou cronista de províncias ;Arquiteto falhado , músicoFalhado (engoliu um diaUm piano , mas o tecladoFicou de fora) ;sem família ,Religião ou filosofia ;Mal tendo a inquietação de espíritoQue vem do sobrenatural ,E em matéria de profissãoUm tísico profissional.

Com a publicação dos livros Carnaval , em1919 , e O ritmo dissoluto , e,1924 , o poeta vai se engajando cada vez mais no ideário modernista , para explodir definitivamente com a publicação de Libertinagem ( 1930) , uma das obras mais importantes de toda a literatura brasileira , na qual aparecem poemas como “O cacto ” , “ Pneumotórax” , “Evocação do Recife”, “Poema tirado de uma notícias de jornal”, “Irene no céu” e “Vou-me embora pra Pasárgada”, entre tantos outros. E aqui aparece a palavra –chave de toda a sua obra modernista : liberdade, seja de conteúdo , seja de forma.

Poema do beco

Que importa a paisagem , a Glória , a baía ,a linha do horizonte?- O que eu vejo é beco.

Estrela da manhã

Eu quero a estrela da manhãOnde está a estrela da manhã?Meus amigos meus inimigos

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Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nuaDesapareceu com quem?Procurem por toda parte

Digam que sou um homem sem orgulhoUm homem que aceita tudoQue me importa?Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noitesFui assassinado e suicidaLadrão , pulha , falsário

Virgem mal- sexuadaAtribuladora dos aflitosGirafa de duas cabeçasPecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandrosPecai com os sargentosPecai com os fuzileiros navais

Pecai de todas as maneirasCom os gregos e com os troianosCom o padre e com o sacristãoCom o leproso de Pouso Alto

Depois comigoTe esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisa[de uma ternura tão simples

Que tu desfalecerás

Procurem por toda partePura ou degradada até a última bixezaEu quero a estrela da manhã

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( Manuel Bandeiras)

Antônio de Alcântara Machado

Antônio Castilho de Alcântara Machado d’ Oliveira nasceu em São Paulo , a 25 de maio de 1901 , filho de ilustre e tradicional família paulistana. Formou –se em Direitos pela Faculdade do Largo São Francisco . Apesar de colaborar periodicamente com artigos sobre cultura no jornal do comércio ,só tomou contato direto com os modernista de São Paulo a partir de 1925 . Sua estréia literária se deu em 1926, com um livro de crônicas intitulado Pathé- Baby, com prefácio de Oswald de Andrade . Em 1928 , participou ativamente da primeira “ detenção” da Revista de Antropofagia ; após 1929 , por divergência ideológica , afastou –se de Oswald de Andrade , ao mesmo tempo que estreitou laços de amizade com Mário de Andrade . Morreu em 14 de abril de 1935, em São Paulo , aos 34 anos de idade.Alcântara Machado teve seu nome definitivamente consagrado com a publicação dos livros de contos Brás , Bexiga e Barra Funda(1927 ) e laranja da china( 1928 ). A maior característica de sua obra está no retrato , ao mesmo tempo crítico , anedótico , apaixonado , mas sobretudo humano , que faz da cidade de São Paulo e deu povo , com particular atenção para os imigrantes italianos , quer os moradores de bairros mais pobres, quer os que se vão aburguesiando . Todo esse painel é narrado no verdadeiro dialeto paulistano resultante da mistura do linguajar do migrantes italianos com o falar do povo brasileiro , que se convencionou chamar de “português – macarrônico” , já brilhantemente utilizado por Juó Bananére . Em Brás , Bexiga e Barra Funda, o autor define seus contos “noticias” e o livro como um “jornal- órgão dos ítalos-brasileiros de São Paulo.

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Trasncrevemos , a seguir , um trecho do “editorial” desse “jornal”.

Do consórcio da gente imigrantes com o ambiente , do consórcio da gente imigrantesCom a indígenas nasceram os novos mamelucos.Nasceram os intalianinhos .O Gaetaninho .A Carmela.Brasileiros e paulistas . Até bandeirantes.E o colosso continuou rolando.No começo a arrogância indígenas perguntou meio zangada:Carmano pé –de- chumboCalcanhar de frigideiraQuem te deu a confiançaDe casar com brasileira?

Segunda Fase do Modernismo

A parti de 1928 , deu –se a estabilização das feitas em 22 , tanto na prosa quanto na poesia.Na prosa , sobretudo como o movimento regionalista , os nossos problemas de natureza social e política são ampla e profundamente desenvolvido.A poesia , nesta Segunda fase do Modernismo , vê ampliada sua possibilidades temáticas : não só assuntos nacionais , políticos e sociais , mas também religiosos , filosóficos e existentes passam a ser abordados. O movimento espiritualista , alimento em parte pelo Simbolismo , já havia entrado neste novo campo de dimensões mais universais e transcendentes .A poesia modernista “começa a navegar por outras águas , menos superficiais e menos polêmicas , mas construtivas e , sob diversos aspectos , mais autênticas , mas conforme à realidade brasileira” ( Gilberto M. Teles).

A geração de modernista de poetas que está surgindo , mais silenciosa , sem programas e manifestos , abandona o nacionalismo pitoresco e neo- indianista e procura dedicar-

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se às preocupações espirituais e sociais do homem brasileiro.

Eis os principais representantes : Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima , Cecília Meireles , Augusto F. Schmidt, Vinícius de Moraes , Henrique Lisboa , Dante Milano , Mário Quintana , Joaquim Cardoso e outros que vinham se renovando da fase anterior.

Drummond , por exemplo declara-se firmemente preso à realidade do mundo , angustiado pelos seus paradoxos e diz a que veio:

Não serei o poeta de mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro .Estou preso à vida e olho meus companheiros.Entre eles, considero a enorme realidade.O presente é tão grande , não nos afastemos .Não nos afastemos muito , vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher , de uma história,não direi os suspiros ao anoitecer , a paisagem vista da janela ,não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas,não fugirei para as ilhas nem serei rapta por serafins.O tempo é a minha matéria, o tempo presente , os homens presentes, a vida presente.

Vinícius de Moraes, com um estilo totalmente diferente , mais líricos , mais “carne- viva”, também se preocupava com as “lágrimas de seu tempo”;

Poética 2

Com as lágrimas do tempoE a cal do meu diaEu fiz o cimentoDa minha poesia

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E na perspectivaDa vida futuraErgui em carne vivaSua arquitetura.

Não sei bem se é casaSe é torre ou se é templo(um templo sem Deus )

Mas é grande e claraPertence ao seu tempo;- Entrai , irmãos meus!” .

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Ibatinga (MG), em 1902 . Em 1918-19 , era interno do Colégio Anchieta , da Nova Friburgo (RJ) . Dois anos depois , estava entre os jovens escritores de Belo Horizonte, iniciando sua longa e rica carreira literária .Formado em Farmácia , nunca exerceu a profissão. Em 1925 , juntamente com Emílio Moura e Martins de Almeida , lançou A Revista , órgão do Modernismo mineiro . Jornalista atualmente , entrou no funcionamento publico trabalhando na Secretaria de Educação de Minas Gerais. Posteriormente , fixou residência no Rio de Janeiro , onde residiu até a sua morte em 1987. Foi poeta cronista.Como poeta , Drummond ocupou um dos lugares mais altos da literatura brasileira e mesmo contemporâneo. Foi mestre na crônica , retratando a realidade cotidiana do homem moderno com fino senso de humor e ironia.Podemos dizer que Drummond foi o poeta de nossa tempo. São característica especificas: a visão críticas da realidade social , o humor e a ironia , o desencanto , o pessimismo, a luta pela expressão verbal e a busca desesperada de sentimentos para sua existência.

Alguns trechos de Morte do Leiteiro

Há pouco leite no país,

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É preciso entrega-lo cedo.Há muita sede no país ,É preciso entrega-lo cedo.Há no país uma legenda,Que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteiroDe madrugada com sua lataSai correndo e distribuindoLeite bom para gente ruim.

Sua lata , suas garrafas,E seus sapatos de borrachaVão dizendo aos homens no sonoQue alguém acordou cedinhoE veio do ultimo subúrbioTrazer o leite mais frioE mais alvo da melhor vacaPara todos criarem forçaNa luta brava da cidade.

Vinícius de Moraes

Marcus Vinícius de Mello Moraes nasceu no Rio de Janeiro, em 1913, e faleceu no mesmo Estado, em 1980. Formou-se em Direitos e , mais tarde, estudou língua e literatura inglesa na Universidade de Oxford.Foi cronista , critico de arte , mas , acima de tudo , poeta lírico.Nas primeiras obras , Vinícius produz uma poesia neo-simbolista , de inspiração religiosa. Passa , em seguida , a tematizar a efetividade e a vivência erótica. Nas últimas obras , alarga o campo de seus interesses e compõe poesia de crítica social.

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O operário em construção

Onde antes só havia chãoComo um pássaro sem asasEle subia com as casasQue lhe brotava da mão .Mas tudo desconheciaEra ele que erguia casasDe sua grande missãoNão sabia , por exemploQue a casa de um homem é um temploUm templo de religiãoComo tampouco sabiaQue a casa de um homem é um temploUm templo de religiãoComo a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão

A 3º fase do modernismo

Como vimos , a ficção de 30 procurava retratar o homem circunscrito a uma realidade regional, bruta e desumanizante, especialmente no romance nordestinoGradatividade, porém , a narrativa ganha novos contornos :supera-se , de certo modo , aquela idéia do meio como agente determinante (o naturalismo persistente ) e percebe-se um aprofundado na aniles psicológica e existentes do ser humano. Nessa linha já apontara Graciliano Ramos , São Bernado .Agora , a partir de 1945 , alguns autores rompem com o esquema romanesco de 30 e partem para um super – regionalismo , na denominação de Antônio Cândido . É o caso de João Guimarães Rosa e Clarice Lispector . Embora haja muitas diferenças entre a obra de cada um , eles partiram para uma pesquisa do instrumento de expressão :

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a linguagem . Ambos universalizaram o romance nacional , dando a seus personagens uma dimensão mais psicológica e mais profunda . Guimarães Rosa mantém o enredo e subverte o código lingüistico, com a criação freqüente de neologismo , com o aproveitamento de recursos poéticos , como aliterações ; onomatopéia, rimas internas , elipse, deslocamento de sintaxe e associações etimológicas esquecidas pelo uso.

Clarice Lispector, por seu lado , ainda que mantivesse o código mais tradicional, abandonou a trama romancesca e mergulhou em profundas para dentro dos personagens , isolados e problemáticos.

Mas o maior representante desta tendência ficciona brasileira foi, sem dúvida , Guimarães Rosa , com Sagarana(1946_),e depois com Grande Sertão : Veredas(1956). Com essas e outras obras , o genial mineiro procurou valorizar a paisagem novamente , criar personagens típicas , reaproveitar as falas do sertanejo e atualizar o folclore.

Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) , em 1908 , e morreu no Rio de Janeiro , em 1967. Passou sua infância e juventude na zona de Urucuia e desse fato adviria , em grande parte, sua preferencia regionalista . Foi médico da força Publica de Minas Gerais e entrou depois na carreira diplomática . Representou o Brasil na Alemanha, Colômbia e França, além de Ter sido o Chefe de gabinete do Ministério das Relações Exteriores .Como escritor , conquistou diversos prêmios literários e , em 1963 , foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras .

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Grande sertão : Veredas

ESSE romance é um monólogo , do começo ao fim , de Riobaldo , outrora jagunço de fama e agora vingador de Joca Ramiro .No presente , é um pacato fazendeiro e conta a um pacato fazendeiro e conta a um suposto interlocutor (técnica inédita) suas aventuras da juventude , as lutas que teve , seus temores e suas dúvidas ... Supõe –se que este forasteiro , que é recebido pelo narrador , seja o próprio autor , vindo da cidade . Para poder vingar –se da morte de Joca Ramiro , faz um pacto com Diabo . Diadorim é o seu companheiro fiel e dedicado, pelo qual sente carinho e admiração . Numa luta com Hermógenes , morre Diadorim e Riobaldo descobre que era mulher , filha de Joca Ramiro .Os acontecimentos narrados seguem o vaivém da lembrança de Riobaldo que , ansiosamente , busca compreender o que conta , indignando-se continuamente sobre o destino da existência humana , fazendo do sertão um mundo de mistério e desencontros.

José Cândido de Carvalho

José Cândido de Carvalho nasceu em Campos ( RJ ) , em 1915 .Inicia sua atividade jornalística em O Liberal , de sua cidade . Em 1937 , conclui o curso de Direitos e logo atua como redator de A Noite e de O Estado , no Rio . Sempre ligado ao jornalismo , à literatura e à cultura , escreveu também em O Cruzeiro . Foi diretor da Rádio Roquete – Pinto , do serviço de Radiodifusão do Ministério da Educação e Cultura.Na linha de Guimarães Rosa , José Cândido de Carvalho pesquisa e recria o mundo mágico do interior brasileiro. Para tanto , cria uma linguagem muito particular que ainda hoje influencia o modo de falar no teatro e nas novelas.

O romance O Coronel e o Lobisomem narra , em primeira pessoa , a história do famoso coronel Ponciano de Azeredo Furtado . A narrativa tem como ambiente a atividade açucareira no interior do Rio de Janeiro . Por lá , o coronel é o rei , andando atrás de causas perdidas e preso a mista- como é o caso do lobisomem e da sereia . Podemos dizer que Ponciano tem a mesma ambigüidade de Riobaldo : hesita entre a consciência mítica e a consciência dessacralizada . Riobaldo , porem , atravessa os dois mundos e

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permanece lúcido . Ponciano hesita e chega à loucura. É forte contra assombração , mas fraco nos seus amores . Acaba morrendo , enfeitiçado pelo lobisomem.

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