SOUZA, P. PENTEADO, C. Precariado Ou Multidão. Seminário Sociologia e Política - Artigo Completo
o Precariado
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7/21/2019 o Precariado
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GUY STANDING
0 PRECARIADOA nova classe perigosaTraduo Cristina Antunes
Reviso da traduo Rogrio Bettoni
P edio
reimpresso
Coleo Invenes Democrticas - Volume IV Nupsi-USP autntca
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7/21/2019 o Precariado
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Copyright 2013 Guy Standing
Copyright 2013 Autntica Editora
Ttulo original; The Precariat: The New Dangerous Class
Todos os direitos reservadospela Autntica Editora. Nenhuma partedesta publicaopoder ser reproduzida,
seja por meios mecnicos, eletrnicos, seja cpia xerogrfica, sem autorizao prvia da Editora.
COORDENADORIA DA COLEO INVENES DEMOCRTICAS
And r Menezes Rocha, David Calderoni, Helena Singer,
Ulian DAbbate Ke/ian, Luciana de Souza Chaui Mattos
Berlinck, Marcelo Gomes Justo, Maria Luci Bu ff Migllori,
Maria Lcia de Moraes Borges Calderoni.
CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL
Boaventura de Sousa Santos (Universidade de Coimbra/
University o f Wisconsin), Chhstian Azas (Universit de
Picardie Juies Verne d'Amiens), Diego Tatian (Universidad
Nacional de Cordoba), Laurent Bove (Universit de Picardie
Jules Verne d'Amiens), Marana Gainza, Marilena de Souza
Chaui, M ilton Meira do Nascimento (FFLCH-USP), Paul Israel
Singer (FEA-USP), Sandra Jovchelovitch (London School
o f Economics), Vitto rio M or fino (Universit degli stud i di
Milano-Bicocca).
EDITORA RESPONSVEL
Rejane Dias
REVISO DA TRADUO
Rogrio Betton i
REVISO
Lucia Assumpo
CAPA
Diogo Droschi (sobre fotogra fia de
Caro! Anne de Mural em Berlim,
Alemanha, pintado em 2007 pelo
artista italiano BLU)
DIAGRAMAAO
Christiane Morais
Tamara Lacerda
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Standing, Guy
0 precariado : a nova classe perigosa / Guy Standing ; traduoCristina Antunes. -- 1. ed.; 1. reimp, - Belo Horizonte : AutnticaEditora, 2014 (Invenes Democrticas, v. IV).
Ttulo original: The Precariat: The New Dangerous Class.
ISBN 978-85-8217-245-2
1. Globalizao 2. Salrio minimo 3. Salrios 4. Setor informal(Economia) 5. Trabalho e classes trabalhadoras - Aspectos sociaisI. Ttulo.
13-10034 CDD-331.554
ndices para catlogo sistemtico:
1. Trabalho informal: Economia 331.5542. Trabalho precrio : Economia 331.554
G R U P O A U T N T I C A
Belo HorizonteRua Aimors, 981, 8 andar. Funcionrios30140-071 . Belo Horizonte . MGTel,: (55 31) 3214 5700
Televendas: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.br
So PauloAv. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I23 andar, Conj. 2301 . Cerqueira Csar01311-940 . So Paulo . SPTel.: (55 11)3034 4468
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Sumrio
Prefcio edio brasileira ...........................................................................7
Prof. Dr. David Calderoni
Prefcio ............................................................................................................11
Lista de abreviaes......................................................................................
13
C aptulo 1 - 0 p r ec aria d o .........................................................................15
Captulo 2 - Po r que o precariado est crescendo?............................ 49
Cap tulo 3 - Q u em ingressa no precariado?.........................................97
Captulo 4 - Migrantes: vtimas, viles ou her is? ........................... 141
Cap tulo 5 - Tarefa, trabalho e o arrocho do te m p o .......................177
Cap tulo 6 - U m a poltica de in fern o ................................................. 201
Captulo 7 - U m a poltica de paraso...................................................233
Referncias ................................................................................................... 273
Posfcio ......................................................................................................... 283
Senador Eduardo Matarazzo Suplicy
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Prefcio edio brasileira
Prof. Dr. David Calderonf
S.fomos todos pessoasflutuando ao redor do mundo. Encontramos uns aos outros,mas nunca chegamos realmente a nos conhecer. Este pungente testemunho
annimo deixado numa parede por um trabalhador migrante sintetiza
um dos mais emblemticos dramas da era do precariado, cuja formao
o economista ingls Guy Standing analisa com vasta erudio e notvel
clareza, informadas por muitos anos dedicados Organizao Interna
cional do Trabalho, docncia e pesquisa universitrias internac ionais
e R ede M undial de R en da Bsica, da qual fundador e copresidente.
O autor circunscreve o campo diagnstico e prognstico em grande
arco histrico e geopoltico, dando a ver que a globalizao precarizante,
desencadeada sob o influxo da terceira revoluo industrial, do neoliberalismo e da superexplorao de populaes da sia, desmantela o que os
gregos inventaram nos primrdios da democracia como o ceme hum ani-
zante do trabalho: o vnculo interno entre praxis ephilia , constitutivo do
autorreconhecimento dos cidados como homens livremente associados
nas construes da amizade cvica. Ao propor maneiras de reconstru-la
em todo o mundo, Guy Standing toma preciosa, necessria e urgente aobra O precariado: a nova classe perigosa.
O carter democrtico deste livro j se deixa apreender no modo
como o autor equaciona a definio do precariado. Apoiando-se em
categorias consagradas, atualiza suas significaes mediante sucessivas di
ferenciaes baseadas em dados sociais, histricos, polticos, psicolgicos
e econmicos, oferecidos passo a passo ao leitor.
' Idealizador do Nupsi-USP e da Coleo Invenes Democrticas.
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assim que o vemos desenvolver a questo da natureza categorial do
precariado em dilogo com as duas grandes referncias na tradio das cin
cias sociais: Convencionalmente, os socilogos pensam tendo em vista asformas de estratificao de Max W eber - classe e status Ou, em passa
gem anterior: Podemos afirmar que o precariado uma classe-em-formao,
se no ainda uma classe-para-si, no sentido marxista do termo.
Segundo o meu entendimento da perspectiva do autor, tanto classe
(referente posio nos processos de trabalho e nos modos de produo)
como status (que correlaciona ocupaes a hierarquias socioeconmicas
e simblicas) constituem categorias que impHcam relaes variveis deconfiana para com o Estado e o capital, sobredeterminadas por formas e
graus de acesso direto e indireto renda social, objeto da justia distributiva
(poltica salarial, securitria e previdenciria) e dos arranjos institucionais
conexos (sindicatos, leis trabalhistas, direitos sociais) praticados aps a
Segunda Guerra M undia l sob o influxo dos Estados de Bem -Estar Social
(Welfare States), caracterizados por polticas de proteo social da classetrabalhadora. Mas, num quadro histrico determinado pela derrocada do
Welfare State, Standing observa que:
Em qualquer caso, a diviso entre mo de obra remunerada [wage
labour] e empregado assalariado [salaried employee], e as ideias de
ocupao, se dissolve quando consideramos o precariado. [...] Sem
um poder de barganha baseado em relaes de confiana e sem
poder usufruir de garantias em troca de subordinao, o precariado
sui generis em termos de classe. Ele tambm tem uma posio de
status peculiar, no se encaixando em alto status profissional ou em
atividades artesanais de mdio status. Uma forma de explicar isso
dizendo que o precariado tem status trunc ad o [truncated status].
E, como veremos, a sua estrutura de renda social no se mapeia
perfeitam ente conforme velhas noes de classe ou ocupao.
Com o psicanahsta e cidado contraposto opresso laborai de cen
tenas de milhes de seres humanos em largas pores do planeta, gostaria
de sugerir a ideia de que a amizade poltica inviabihzada no apenas
intersubjetivamente, mas tambm intrapsiquicamente, na medida em que
o truncamento de status e a correlativa perda de identidade ocupacional
torpedeiam o cerne da autoestima, a saber, a relativa integridade ntimaque constmda ao longo do processo individual e social pelo qual respon
demos aos dois desafios psicossociais fundamentais que a problemtica do
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precariado agudiza e transversaliza, por envolver a globalizao de relaes
de produo e distribuio da insegurana e da incerteza: a necessidadede amparo e a necessidade de identidade.
Diante de obra to seminal, que nos incita a distinguir entre pleno
emprego e bem-estar no trabalho, concluo estas palavras preliminares
com um sentimento de misso cumprida e de mos obra. Senti-me
no dever de batalhar pela publicao e de me engajar na divulgao deste
trabalho desde o primeiro instante em que o conheci, quando organizei
o I Seminrio Intersetorial Nupsi-U SP, A s invenes democrticas diante dos
desafios do precariado: o encontro da Renda Bsica com a Economia Solidria,memorvel evento que reuniu Guy Standing, Eduardo Suplicy e Paul
Singer na Faculdade de Sade Pblica da USP em junho de 2012. A
parceria com a Autntica Editora permitiu que em apenas quatorze meses
lanssemos esta verso brasileira, com a presena do autor, no II Colquio
Internacional Nupsi-USP, Invenes democrticas: construes da felicidade,no
qual procuraremos, com acadmicos de oito pases, sedimentar alianas
entre modos democrtico-cooperativos de construir conhecimento em
parceria com comunidades desassistidas e em prol delas. Isso combina
com a composio heterognea do precariado tal como aqui postulada, a
qual congrega migrantes e minorias vulnerabilizados e superexplorados,
membros da classe trabalhadora destitudos das garantias de emprego e
indivduos cuja qualificao universitria no encontra trabalho condigno.
Agosto de 2013 .
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Prefcio
Guy Standing
E-iste livro trata de um novo grupo no mundo, um a classe em formao.Nele pretendo responder a cinco questes: O que essa classe? Por que
devemos nos preocupar com seu crescimento? Por que ela est crescendo?
Quem est ingressando nela? Para onde o precariado est nos levando?
Esta ltima questo crucial. A menos que o precariado seja en
tendido, h um perigo de que seu aparecimento possa levar a sociedade
para um a poltica de in fe rno. Isso no um a profecia, mas sim uma
possibilidade perturbadora. Ela s ser evitada se o precariado puder se
tornar um a classe-para-si, com um a agncia efetiva, bem como um a fora
para forjar uma nova poltica de paraso, uma agenda levemente utpica
e uma estratgia a ser adotada pelos polticos e pelo que , eufemistica-mente, chamado de sociedade civil, incluindo a a multiplicidade de
organizaes no governamentais que muitas vezes tm interesse em setornarem quase governamentais.
Precisamos urgentemente acordar para o precariado global. H
muita raiva po r a e m uita ansiedade. Porm, em bora este livro destaque
o lado vtima do precariado mais do que o lado libertador, vale afirmar
desde o incio que no correto ver a precariedade estritamente pelosseus dissabores. Muitos indivduos atrados po r ela esto procurando por
algo melhor do que o que foi oferecido na sociedade industrial e pelo
trabalhismo do sculo XX . Eles ainda merecem mais o nom e de Vtima
do que de Heri, mas esto comeando a mostrar por que o precariado
pode ser um prenncio de um a Boa Sociedade do sculo XXI.
O contexto que, enquanto o precariado crescia, a realidadeobscura da globalizao veio para a superfcie com o choque financeiro
de 2008. Adiado por muito tempo, o ajuste global est pressionando os
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pases de alta renda para baixo na medida em que melhora a situao
dos pases de baixa renda. A menos que as desigualdades negligenciadas
intencionalmente pela maioria dos governos nas ltimas duas dcadassejam reparadas de maneira radical, o sofrimento e as repercusses po
dem se tornar explosivos. A economia de mercado global pode acabar
elevando os padres de vida em todos os lugares - at mesmo seus crticosdeveriam desejar isso - , mas certamente apenas os idelogos podem negar
que ela trouxe insegurana econmica para muitos e muitos milhes. O
precariado est nas primeiras fileiras, mas ainda tem de encontrar a voz
para trazer baila sua agenda. No se trata da classe mdia oprimidaou de uma classe baixa, tampouco da classe trabalhadora mais bai
xa. Ela tem um fardo distintivo de insegurana e ter, igualmente, um
conjunto diferente de reivindicaes.
Nos estgios iniciais da elaborao deste livro , foi feita uma apre
sentao dos temas para o que acabou se tornando um grupo extrema
mente maduro de acadmicos de convico social-democrata. A maioria
recebeu as ideias com desprezo e disse que nelas no havia nada de novo.
Para eles, a resposta de hoje era a mesma de quando eram jovens. Eramnecessrios mais empregos, e empregos mais decentes. Tudo o que vou
dizer a essas distintas figuras que acho que o precariado no teria sido
afetado por isso.H muitas pessoas para agradecer individualmente por ajudarem no
raciocnio que est por trs deste livro. No entanto, gostaria de agradeceraos muitos grupos de alunos e ativistas que ouviram as apresentaes dos
temas nos dezesseis pases visitados durante sua preparao. Espera-se
que suas ideias e perguntas tenham sido absorvidas pelo texto final. Basta
acrescentar que o autor de um livro como este , principalmente, um
transmissor dos pensamentos dos outros.
Novembro de 2010.
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Lista de abreviaes
A A R P Am erican Association of R etired Persons (AA RP -
Associao Americana de Aposentados)
A FL -CIO Am erican Federation o f Labor/Congress o f Industrial
Organizations (AFL-CIO - Federao Americana doTrabalho e Congresso de Organizaes Industriais)
BBVA Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA)
BIEN Basic Income Earth N etwo rk (BIEN - R ede Globalde Renda Bsica)
CB T Cognitive behavioural therapy (TC C - Terapia cog-nitivo-comportamental)
C C T Cond itional cash transfer (T C R Transferncia con
dicional de renda)
CIA Central Intelligence Agency (CIA - Agncia Cen tral
de Inteligncia)
C R I Crim e Reduction Initiatives (Iniciativas para Reduodo Crime)
EH R C Equality and H um an R ights Com mission (UK)
(EH R C - Comisso de Igualdade e Direitos H um a
nos do Rein o Unido)
E U European U nion (UE Unio Europia)
GCSE General Certificate o f Secondary Educa tion (GCSE -Certificado Geral de Educao Secundria)
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IMF International M onetary Fund (FMI - Fundo M one
trio Internacional)
LIFO Last-in, first-out (LIFO - ltimo a entrar, primeiro asair)
N G O Non-governmenta l organisation (O NG - Organizao
No Governamental)
N IC Newly industria lising country (N IC - Pases recm-
industrializados)
OE CD O rganisa tion for Econom ic C o-o pe ra t ion and
D eve lopm ent (OC D E - O rgan izao pa ra a
Cooperao e o Desenvolvimento Econmico)
R M I Revenu m inimum d insertion (RM I - Rendimento
mnimo de insero)
SEWA Self-Employed Womeris Association o f ndia (SEWA -
Associao de Trabalhadoras Autnomas da ndia)
UK BA U K Border Agency (UKBA - Agncia de Fronteira
do Rein o Unido)
U M P U nion pour un Mouvement Populaire (UM P - Unio
por um M ovim ento Popular)
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Captulo 1
O precariado
N os anos 1970, um grupo de economistas de inspirao ideolgicacapturou o ouvido e a mente dos polticos. O elemento central de seu
modelo neoliberal era que o crescimento e o desenvolvimento de
pendiam da competitiv idade do mercado; tudo deveria ser feito paramaximizar a concorrncia e a competitividade e para permitir que os
princp ios de mercado perm eassem todos os aspectos da vida.
U m dos temas era que os pases deveriam aumentar a flexibilidade
do mercado de trabalho, o que passou a significar uma agenda para a
transferncia de riscos e insegurana para os trabalhadores e suas famlias.
O resultado tem sido a criao de um precariado global, que consiste em muitos milhes de pessoas ao redor do mundo sem uma ncora
de estabilidade. Eles esto se tornando uma nova classe perigosa. So
propensos a ouvir vozes desagradveis e a usar seus votos e seu dinheiro
para dar a essas vozes um a plataform a poltica de crescente influncia.
O verdadeiro sucesso da agenda neoliberal, aceita em m aior ou menor
grau por todos os tipos de governos, criou um monstro poltico incipiente.
E necessrio agir antes que o monstro ganhe vida.
O despertar do precariado
Em 1 de maio de 2001, cinco mil pessoas, principalmente estudan
tes e jovens ativistas sociais, se reuniram no centro da cidade de Milo
para o que pretendia ser um a marcha alternativa em tom de protesto noDia do Trabalho. Em 1 de maio de 2005, a quantidade de pessoas cresceu para bem mais de 50 mil - mais de 100 mil, de acordo com algumas
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estimativas - e o EuroM ayDay' se tornou p an-europ eu, com centenas
de milhares de pessoas, principalmente jovens, ocupando as ruas das
cidades de toda a Europa continental. Essas manifestaes marcaram osprim eiros movim entos do precariado global.
Os velhos sindicalistas que costumavam orquestrar os eventos doMay Day s puderam ficar perplexos diante dessa nova massa desfilante,
cujas dem andas por livre migrao e uma renda bsica universal tinh am
pouco a ver com o sindicalismo tradicional. Os sindicatos viram a resposta
ao trabalho precrio com o u m retorno ao modelo trabalhista que eles
tinham colaborado para consolidar em meados do sculo X X - empregosmais estveis com segurana de contratao a longo prazo e os aparatosde benefcios que vinham junto com isso. Mas muitos dos jovens ma
nifestantes viram a gerao de seus pais agindo de acordo com o padro
fordista de empregos em tempo integral e subordinao gesto industrial e aos ditames do capital. Apesar da falta de uma agenda alternativa
coesa, eles no mostraram nenhum desejo de ressuscitar o trabalhismo.
Despertando primeiro na Europa O cidental, o EuroM ayDay logo
assumiu um carter global, com o Japo tornando-se um importante
centro de energia. Comeou como um movimento de jovens, com europeus instrudos e descontentes alienados pela abordagem do mercado
competitivo (ou neoliberal) do projeto da Unio Europia que os instava
a uma vida de empregos, flexibilidade e crescimento econmico mais
rpido. Mas suas origens eurocntricas logo deram lugar ao internaciona-lismo, na medida em que eles viram sua difcil situao de inseguranasmltiplas ligadas ao que estava acontecendo com outras pessoas em todo
o mundo. Os m igrantes tornaram -se parte substancial das manifestaes
do precariado.
O movimento se espalhou para as pessoas com estilos de vida
no convencionais. E todo o tempo houve uma tenso criativa entre o
precariado tido como vtima, penalizado e demonizado por instituiestradicionais e polticas, e o precariado tido como heri, que rejeitava
essas instituies em um ato conjunto de desafio intelectual e emocional. Em 2008, as manifestaes do EuroMayDay estavam tolhendo as
1 O EuroMayDay um dia em que as aes polt icas e demandas so apresentadas para
com bater a precarizao ge neralizada da juv en tud e e a discriminao dos im igrantesna Europa e em outros lugares. comemorado no dia 1 de maio de cada ano. Dia do
Trabalho, tradicionalmente uma celebrao da solidariedade entre os trabalhadores de
todo o mundo. (N.T.)
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marchas sindicalistas que aconteciam no mesm o dia. Isso pode ter passado
bastante despercebido do pblico em geral e dos polticos, mas foi um
desenvolvimento significativo.Ao mesmo tempo, a dupla identidade de vtima/heri contribuiu
para a falta de coerncia. O utro problema foi o fracasso em se concentrar
na luta. O qu ou quem era o inimigo? Todos os grandes movimentosao longo da histria foram baseados em classe, para o bem ou para o
mal. Um grupo de interesse (ou vrios) lutava contra outro, sendo que
este explorava e oprimia aquele. Normalmente, a luta tratava do uso e
do controle dos principais recursos do sistema de produo e de distribuio do tempo. O precariado, por toda sua rica complexidade, parecia
no ter uma ideia clara do que eram esses recursos. Entre seus heris
intelectuais, temos Pierre Bourdieu (1998), que articulou a precarieda
de, Michel Foucault, Jrgen Habermas, Michael Hardt e Tony Negri
(2000), cujo Impriofoi um texto seminal, tendo H anna h Arendt (1958)
como pano de fundo. Havia tambm as sombras dos levantes de 1968,
ligando o precariado Escola de Frankfurt de O homem unidimensional
de Herbert Marcuse (1964).
Foi uma libertao da mente, a conscincia de um sentimento
comum de insegurana. Mas nenhuma revoluo surge do simples
entendimento. A inda no havia uma raiva eficaz - isso porque nenhum a
agenda poltica ou estratgia havia sido forjada. A falta de uma resposta
program tica foi revelada pela busca de smbolos, pelo carter dialticodos debates internos e pelas tenses dentro do precariado que ainda esto
l e no vo embora.Os lderes dos manifestantes do EuroMayDay fizeram o possvel
para literalm ente encobrir as rachaduras, como acontecia em seus car
tazes e imagens visuais. Alguns enfatizaram uma unidade de interesses
entre os migrantes e outros grupos {migranti e precariefoi um a mensagem
estampada num cartaz do EuroMayDay de Milo em 2008) e entre os
jovens e os idosos uma simptica justaposio no cartaz do EuroMayDay
de Berlim em 2006 ( D o e r r , 2006).
Porm^ como movimento esquerdista libertrio, ele ainda tem de
provocar o medo, ou mesmo o interesse, de quem est fora. At mes
mo seus protagonistas mais entusiastas admitiram que as manifestaes
at agora tinham sido mais teatro do que ameaa, que tratavam maisde afirmar a individualidade e a identidade dentro de uma experincia
coletiva de precariedade. Na linguagem dos socilogos, as manifestaes
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pblicas tm sido sobre o orgulho em subjetividades precrias. U m car
taz do EuroMayDay feito para uma manifestao de Hamburgo funde
quatro figuras em pose de desafio um faxineiro, um profissional desade, um refugiado ou m igrante e um chamado trabalhador criativo
(presumivelmente com o a pessoa que desenhou o cartaz). Foi dado umlugar de destaque a um a sacola de compras, exibida com o smbolo icnico
do nomadismo contemporneo no mundo globalizado.
Os smbolos so importantes. Eles ajudam a unificar grupos em algomais do que uma multido de estranhos. Ajudam a formar uma classe
e a construir identidade, promovendo uma conscincia de afinidade euma base para solidariedade oufraternit. A passagem de smbolos para
um programa poltico o assunto deste livro. A evoluo do precariado
como agncia de uma poltica de paraso ainda precisa passar do teatro
e das ideias visuais de emancipao para um con junto de exigncias que
vo envolver o Estado em vez de meramente confundi-lo ou irrit-lo.
Uma caracterstica das manifestaes do EuroMayDay tem sido
sua atmosfera de carnaval, com msica caribenha e cartazes e discursos
construdos em torno de zombaria e humor. Muitas das aes ligadas frouxa rede que est por trs dessas manifestaes so anrquicas e
intrpidas, em vez de estratgicas ou socialmente ameaadoras. Em
Hamburgo, os participantes foram aconselhados sobre como evitar o
pagamento de tarifas de nibus ou ingressos de cinema. Em uma proeza
acontecida em 2006, que entrou para o folclore do movimento, umgrupo de cerca de 20 jovens usando mscaras de carnaval e cham ando-se
por nomes com o M am e A ranha, M ultiflex, O peraistorix e Santo
Guevara, invadiu um superm ercado g ou rm et no m eio da m anh. Eles
encheram um carrinho com comidas e bebidas de luxo, posaram para
as prprias cmeras e depois saram, no sem antes entregar caixa
uma flor com um bilhete explicando que eles produziam riqueza, mas
no a desfrutavam em nada. O episdio foi como a vida imitando a
arte, baseado no filme The Edukators. O grupo, conhecido como a
gangue de Robin Hood, nunca foi capturado. Eles publicaram uma
nota na intern et anunciando que haviam distribudo os alimentos para
estagirios, a quem destacavam como os trabalhadores precrios mais
explorados da cidade.
Raram ente pretendendo conquistar amigos ou influenciar as correntes dominantes da sociedade, as travessuras de grupos como esse
trazem mente analogias histricas. Podemos estar em um estgio na
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evoluo do p recariado no qual aqueles que se opem s suas principais
caractersticas - precariedade de m oradia, de trabalho e de emprego e
de proteo social - so parecidos com os rebeldes prim itivos quesurgiram em todas as grandes transformaes sociais, quando direitos
antigos foram eliminados e pactos sociais foram jogados para escanteio.
Sempre houve Robin Hoods, como Eric Hobsbawm (1959) observou
de forma memorvel. Eles geralmente se sobressaram em um perodo
anterior configurao de uma estratgia poltica coerente para promoveros interesses da nova classe.
Aqueles que partic ipam das paradas do EuroM ayDay e dos eventosparceiros em outras partes do m undo so apenas a ponta do precariado.
H um elemento muito maior vivendo no medo e na insegurana. A
maioria no se identificaria com as manifestaes do EuroMayDay. M'
isso no os torna menos parte do precariado. Eles esto fiutuando, de-
ri\'a e potencialm ente furiosos, capazes de se desviar po liticamente para
2
extrema direita ou para a extrema esquerda e de apoiar a demagogiapopulista que tira proveito de seus medos ou suas fobias.
O precariado desperto
Em 1989, a cidade de Prato, prxima a Florena, era quase in
teiramente italiana. Durante sculos, havia sido um grande centro de
manufatura de tecidos e vesturio. Muitos dos seus 180 mil habitantesestavam ligados a essas indstrias, gerao aps gerao. Refietindo os
valores antigos, essa cidade toscana permaneceu firme em sua poltica.
Parecia a personificao da moderao e da solidariedade social.
Naquele ano, um grupo de 38 trabalhadores chineses chegou
cidade. Um novo gnero de empresas de artigos de vesturio, perten
centes aos imigrantes chineses e a uns poucos italianos ligados a eles,comeou a surgir. As empresas importavam mais e mais trabalhadores
chineses, muitos vindos sem vistos de trabalho. Apesar de notados,
eram tolerados; eles contribu am com a prspera economia e no faziam
exigncias com relao s finanas pblicas, uma vez que no recebiam
quaisquer benefcios sociais. Mantiveram-se isolados, cercados em um
enclave onde as fbricas chinesas estavam localizadas. A m aioria veio de
um a cidade do litoral de W enzhou, na provncia de Zhejiang, um a reacom um a longa histria de migrao de profissionais empreendedores. A
maior parte chegou via Frankfurt com visto de turista para trs meses e
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continuou a trabalhar clandestinamente depois que seus vistos expiraram,
colocando-se num a posio vulnervel e explorvel.
Em 2008, havia 4.200 firmas chinesas registradas na cidade e 45mil trabalhadores chineses, constituindo um quinto da populao dePrato ( D i n m o r e , 2010a, b). Esses trabalhadores produziam um milho de
peas de vesturio por dia, o suficiente para vestir a populao mundial
durante 20 anos, de acordo com clculos dos representantes municipais.
Nesse meio tempo, minadas pelos chineses e fustigadas pela concorrncia
da nd ia e de Bangladesh, as empresas italianas locais se viram obrigadas
a dem itir em massa. Em 2010, elas empregavam apenas 20 m il trabalha
dores, 11 m il a menos do que em 2000. A medida que encolhiam , essasempresas provocavam a transio de mais trabalhadores de empregos
regulares para empregos precrios.Ento veio o choque financeiro, que atingiu Prato de um modo
muito parecido com o que atingiu tantas outras antigas reas in dust ria i^ a
Europa e da Am rica do N orte. As falncias se multiplicaram , o desem^prego aumentou, a indignao tom ou propores obscenas. Em poucosmeses, a esquerda poltica tinha sido varrida do pod er pela xenfoba Liga
do Norte, que prontamente instituiu uma represso aos chineses, exe
cutando invases noturnas em suas fbricas e empresas escravizantes,
capturando trabalhadores e demonizando-os, do mesmo modo que o
aliado poltico da Liga, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, falou de
sua determ inao em derrotar o exrcito do m al, forma com o descreveuos imigrantes ilegais. Um embaixador chins abalado veio apressadamente
de Roma e disse que o que estava acontecendo lembrava-lhe os nazistas
em 1930. Estranhamente, o governo chins parecia relutante em levar
os migrantes de volta.
Os problemas no foram causados apenas por nativos intolerantes.
A realidade do enclave tambm contribuiu. Enquanto as antigas fbricasde Prato lutavam para competir, deixando os trabalhadores italianos pro
curarem fontes alternativas de rend imento, os chineses constru ram uma
comunidade dentro da comunidade. As gangues chinesas, ao que consta,
organizaram o xodo da China e dirigiam o enclave, ainda que disputassem
o controle com gangues da Rssia, da Albnia, da Nigria e da Rom
nia, bem como com a Mfia. E elas no estavam apenas se restringindo
a Prato. As gangues chinesas estavam ligadas s companhias chinesas noinvestimento em projetos de infraestrutura itahanos, incluindo um proposto
multibilionrio term inal E uro-C hin a perto do porto de Civitavecchia.
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Prato se tornou u m smbolo de globalizao e dos dilemas levanta
dos pelo crescimento do precariado. Na medida em que aquelas empresas
escravizantes se espalharam, os italianos perderam seus papis proletrios
e foram abandonados para brigar por um emprego precrio ou absolu
tamente inexistente. Assim a parte migrante do precariado foi exposta
retaliao das autoridades, embora fosse dependente de redes dbias
dentro do enclave de sua comunidade. Prato reflete um a contracorrente
da globalizao, mas sem dvida no a nica.
O filho da globalizao
No final dos anos 1970, um encorajado grupo de pensadotes sociais
e econmicos, posteriormente chamados de neoliberais e liqertrios
(embora os termos no sejam sinnimos), percebeu que suas opinies
estavam sendo ouvidas depois de serem ignoradas durante dcadas. A
maioria deles era jovem o suficiente para no ter sido marcada pela
Grande Depresso ou para ter se dedicado agenda social que eliminou
as correntes dominantes depois da Segunda Guerra Mundial.
Eles no gostavam do Estado, que comparavam a governo cen
tralizado, com seu planejamento e seu aparato regulatrio. Viam o
mundo como um lugar cada vez mais aberto, onde o investimento,
o emprego e a renda fluiriam para onde as condies fossem mais
receptivas. Argumentavam que a menos que os pases europeus, emparticular, reduzissem os ttulos de crdito, que haviam se acumulado
desde a Segunda Guerra Mundial para a classe operria industrial e o
setor pblico burocrtico, e a menos que os sindicatos fossem doma
dos, a desindustrializao (conceito novo na poca) se aceleraria, o
desemprego aumentaria, o crescimento econmico seria mais lento,
o investimento escoaria e a pobreza se agravaria. Foi uma avaliao
moderada. Eles queriam m edidas drsticas e encontravam , em polticoscomo M argaret Thatcher e R on ald R eaga n, o tipo de lderes dispostos
a concordar com sua anlise.
A tragdia foi que, enquan to o seu diagnsticoem parte fazia sentido,
o seu prognsticoera insensvel. Ao longo dos 30 anos seguintes, a tragdia
foi agravada pelo fato de que os partidos polticos social-democratas que
construram o sistema que os neoliberais queriam desmantelar, depoisde brevemente contestarem o diagnstico dos neoliberais, acabaram
aceitando, meio sem jeito, tanto o diagnstico quanto o prognstico.
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Um a reivindicao neoliberal que se consolidou na dcada de 1980
foi a de que os pases tinham de perseguir a flexibilidade do mercado
de trabalho. A menos que os mercados de trabalho se flexibilizassem, os
custos trabalhistas aum entariam e as corporaes transfeririam a produo
e o investimento para locais onde os custos fossem mais baixos; o capital
financeiro seria investido nesses pases, em vez de ser investido em casa.
A flexibilidade tinha muitas dimenses: flexibilidade salarial significavaacelerar ajustes a mudanas na dem anda, especialm ente para baixo; flexi
bilidade de vnculo empregatcio significava habilidade fcil e sem custos
das empresas para alterarem os nveis de emprego, especialmente parabaixo, im plicando uma reduo na segurana e na proteo do em pregt^
flexibilidade do emprego significava ser capaz de mover continuamente
funcionrios dentro da empresa e modificar as estruturas de trabalho com
oposio ou custo mnimos; flexibilidade de habilidade significava ser
capaz de ajustar facilmente as competncias dos trabalhadores.
Em essncia, a flexibilidade defendida pelos impetuosos economistas
neoclssicos significava, sistematicamente, tornar os funcionrios mais
inseguros, o que afirmavam ser um preo necessrio para a manutenodo investimento e dos empregos. Cada revs econmico era atribudo,
em parte, de form a justa ou no, a um a falta de flexibilidade e falta de
reforma estrutural dos mercados de trabalho.
N a m edida em que ocorria a globalizao e os governos e corpo
raes se perseguiam mutuamente para tornar suas relaes trabalhistasmais flexveis, o nmero de pessoas em regimes de trabalho insegurosaumentou. Esse fato no foi determ inado em termos tecnolgicos. C on
forme o trabalho flexvel se propagava, as desigualdades cresciam, e a
estrutura de classe que sustentava a sociedade industrial deu lugar a algo
mais complexo, porm certamente no menos classista. Voltaremos a isso
mais tarde. No entanto, as mudanas polticas e as respostas das corpora
es aos ditames da economia do mercado globalizante geraram em todo
o m undo um a tendncia que jamais havia sido prevista pelos neoliberais
ou pelos lderes polticos que estavam pondo em prtica suas polticas.
Milhes de pessoas, em economias de mercado abastadas ou em er
gentes, passaram a fazer parte do precariado, um novo fenmeno, ainda
que tivesse nuances do passado. O precariado no fazia parte da classe
trabalhadora ou do proletariado. Estes termos sugerem uma sociedadecomposta, em sua maioria, de trabalhadores de longo prazo, em empregos
estveis de horas fixas, com rotas de promoo estabelecidas, sujeitos a
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acordos de sindicalizao e coletivos, com cargos que seus pais e mesteriam entendido, defrontando-se com empregadores locais com cujos
nomes e caractersticas eles estavam familiarizados.
Muitos que passaram a fazer parte do precariado no conheceriam
seu empregador ou saberiam quantos companheiros empregados tinham
ou provavelmente teriam no futuro. Eles tambm no eram a classe
mdia, uma vez que no tinham um salrio estvel ou previsvel ou ostatus e os benefcios que as pessoas da classe mdia deveriam possuir.
Conforme a dcada de 1990 avanou, mais e mais pessoas, no
apenas nos pases em desenvolvimento, encontravam-se em um a posioque os economistas do desenvolvimento e os antroplogos chamarifrde
info rm al. Provavelmente elas no considerariam esse term o um a fornlg
til de descreverem a si prprias, muito menos uma forma de faz-las
ver nos outros uma maneira comum de viver e trabalhar. Sendo assim,
elas no eram classe trabalhadora, nem classe mdia, nem informal.
O que eram elas? Um lampejo de reconhecimento teria ocorrido ao
serem definidas como tendo uma existncia precria. Amigos, parentes e
colegas tambm estariam num a condio temporria de algum tipo, semgarantia de que estariam fazendo dali a alguns anos, ou ainda meses ou
semanas, o que faziam naquele m om ento. M uitas vezes eles nem sequer
desejavam ou tentavam faz-lo dessa maneira.
Definindo o precariado
H duas maneiras de definir o que queremos dizer com precariado.
Um a delas dizer que se trata de um grupo socioeconm ico distinto, de
modo que, por definio, uma pessoa faz parte dele ou no. Isso til
em termos de imagens e anlises e nos permite usar o que Max Weber
chamou de tipo ideal. Nesse esprito, o precariado poderia ser descrito
como um neologismo que combina o adjetivo precrio e o substantivo relacionado proletariado. Neste livro, o term o frequen temente
usado nesse sentido, embora tenha limitaes. Podemos afirmar que o
precariado um a classe-em-formao, se no ainda uma classe-para-si, no
sentido marxista do termo.
Pensando em termos de grupos sociais, podemos dizer que, dei
xando de lado as sociedades agrrias, a era da globalizao resultounuma fragmentao das estruturas de classe nacionais. medida que as
desigualdades aumentaram e que o mundo se moveu na direo de um
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mercado de trabalho aberto e flexvel, a classe no desapareceu. Em vez
disso, surgiu uma estrutura de classe global mais fragmentada.
Os termos classe trabalhadora, trabalhadores e proletariadoforam incorporados em nossa cultura por vrios sculos. As pessoas po
diam se descrever em term os de classe, e outras pessoas as reconheceriam
nesses termos, pela maneira como se vestiam, falavam e se comportavam.
Hoje em dia, so pouco mais que etiquetas evocativas. Andr Gorz (1982)
escreveu sobre o fim da classe trabalhadora h muito tempo. Outros
continuaram a agonizar sobre o significado daquele termo e sobre o
critrio para classificao. Na realidade, talvez precisemos de um novovocabulrio, um vocabulrio que reflita as relaes de classe no sistetaade mercado global do sculo XXI.
Em termos gerais, enquanto as classes antigas persistem em partes
do mundo, podemos identificar sete grupos. No topo est uma elite,
que consiste em um minsculo nm ero de cidados globais absurdamente
ricos governando o universo, com seus bilhes de dlares, listados naForbes como pessoas de prestgio, capazes de influenciar os governos
em todos os lugares e de se permitirem gestos filantrpicos generosos.
Abaixo da elite vm os assalariados, que ainda ocupam emprego estvel
de tempo integral, sendo que alguns esperam passar para a elite, mas a
maioria apenas aprecia os sinais simblicos de sua espcie, com penses,
frias pagas e benefcios da empresa, muitas vezes subsidiados pelo Estado.
Os assalariados esto concentrados em grandes corporaes, agnciasgovernam entais e na administrao pblica, incluindo o servio pblico.
Ao lado dos assalariados, em mais de um sentido, est (at agora)
um grupo m enor deproficians.Esse termo combina as ideias tradicionais
de profissional (professional) etcnico (technician),mas abrange quem
detm um conjunto de habilidades que podem ser vendidas, recebendo
altos rendimentos em contrato, como consultores ou trabalhadores autnomos. Osproficianseqivalem aosyeomen (pequenos proprietrios de
terras com direitos polticos), cavaleiros e squires (nobres rurais) na IdadeMdia. Vivem com a expectativa e o desejo de se m udar continuam ente,
sem um impulso para o emprego de longo prazo e de perodo integral
numa nica empresa. A relao de emprego padro no serve para eles.
Abaixo dosproficians,em termos de renda, est um ncleo retrado
de trabalhadores manuais, a essncia da velha classe trabalhadora. OsEstados do bem-estar foram construdos tendo em mente esse grupo,assim como os sistemas de regulam entao do trabalho. Mas os batalhes
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de trabalhadores industriais que integravam os movimentos trabalhistas
se retraram e perderam seu sentido de solidariedade social.Em baixo desses quatro grupos est o crescente precariado, flan-
queado por um exrcito de desempregados e um grupo separado de
pessoas hostis socialm ente desajustadas, vivendo custa da escria da
sociedade. O carter dessa estrutura de classe fragmentada discutido
alhures (St a n d i n g , 2009). E o precariado que queremos identificar aqui.
Convencionalmente, os socilogos pensam tendo em vista as formas
de estratificao de M ax W eber - classe e status - , sendo que classe se
refere s relaes sociais de produo e posio da pessoa no processode trabalho (W e b e r , [1922] 1968). Dentro dos mercados de trabalho,com exceo de empregadores e trabalhadores autnomos, a principal
distino tem sido feira entre trabalhadores remunerados e empregados
assalariados os primeiros so prestadores de servio que recebem por
tempo de trabalho ou po r pea, com imagens de pagamento por esforo,
e os ltimos supostamente so gratificados pela confiana e compensao
por servio (G o l d t h o r p e , 2007, v. 2, cap. 5; M c G o v e r n ; H i l l ; M i l l s ,
2008, cap. 3). Sempre se presumiu que o assalariado estivesse mais perto
de gerentes, chefes e proprietrios, enquanto os trabalhadores remunera
dos seriam inerentemente alienados, exigindo disciplina, subordinao
e uma combinao de incentivos e sanes.Em contraste com classe, a ideia de status tem sido associada com a
ocupao de um a pessoa, sendo as ocupaes de status mais altos aquelasque esto mais perto de servios profissionais, gerenciamento e admi-
mstrao (G o l d t h o r p e , 2009). Uma dificuldade que se apresenta que
dentro da maioria das ocupaes h divises e hierarquias que envolvem
status muito diferentes.
Em qualquer caso, a diviso entre mo de obra remunerada e empre
gado assalariado, e ideias de ocupao, se dissolve quando consideramos
o precariado. O precariado tem caractersticas de classe. Consiste empessoas que tm relaes de confiana m nim a com o capital e o Estado,
o que as torna completamente diferentes do assalariado. E ela no tem
nenhuma das relaes de contrato social do proletariado, por meio dasquais as garantias de trabalho so fornecidas em troca de subordinao e
eventual lealdade, o acordo tcito que serve de base para os Estados de
bem-estar social. Sem um poder de barganha baseado em relaes deconfiana e sem poder usufruir de garantias em troca de subordinao,
o precariado sui generis em termos de classe. Ele tambm tem uma
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posio de status peculiar, no se encaixando em alto status profissional
ou em atividades artesanais de m dio status. Um a form a de expficar isso
dizendo que o precariado tem status truncado. E, como veremos, a
sua estrutura de renda social no se mapeia perfeitamente conforme
velhas noes de classe ou ocupao.O Japo ilustra os problemas confrontando os estudantes do preca
riado. O pas tem tido um nvel relativamente baixo de desigualdade de
renda (o que faz dele um bom pas, de acordo com W ilkinson e Pickett,
2009). Mas a desigualdade profunda em termos de hierarquia de status
e tem sido intensificada pela proliferao do precariado, cuja situaoeconmica subestimada por medidas convencionais de desigualdade de
renda. As posies de status mais alto na sociedade japonesa acarretam um
conjunto de gratificaes que proporcionam segurana socioeconmica e
que valem muito mais do que pode ser medido pela renda monetria por
si s (Ke r b o , 2003, p. 509-512). O precariado no tem todas essas gratifi
caes, razo pela qual a desigualdade de renda to seriamente atenuada.
O termo descritivo precariado foi usado pela primeira vez pelossocilogos franceses nos anos 1980, para descrever os trabalhadores tem
porrios ou sazonais. Este livro usa um a noo diferente, mas o status de
mo de obra tem porria com preende um aspecto central do precariado.
Apenas temos de lembrar que contratos de em prego temporrios no so,
necessariamente, a mesma coisa que fazer trabalho temporrio.
Alguns tentam dar ao precariado uma imagem positiva, tipificando um romntico esprito livre que rejeita normas da antiga classe
trabalhadora mergu lhada no trabalho estvel, hem com o o materialismo
burgus de quem tem empregos assalariados de colarinho branco.
Esse desafio do esprito independente e do inconformismo no deve ser
esquecido, porque ele realmente figura no precariado. No h nada de
novo nas lutas da juventude e dos no to jovens contra os ditames do
trabalho subordinado. O que mais novo a receptividade po r parte dosidosos do trabalho precrio e do estilo de mo de obra, optando por
semelhante modo de vida aps um longo perodo de emprego estvel.
Ns os consideraremos mais tarde.
O significado do termo tem variado na medida em que entra no debate
popular. Na Itlia, o termo precariato tem sido empregado para significar
mais do que apenas pessoas cumprindo tarefas casuais e com baixas rendas,indicando a existncia precria como um estado de vida normal (G r i m m ;
R o n n e b e r g e r , 2007). N a Alemanha, o termo tem sido usado para descrever
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no apenas trabalhadores temporrios, mas tam bm desempregados que no
tm esperana de integrao social. Isso se aproxima da ideia marxista de
um lumpenproletariate no o que ser apresentadoTeste livro.
N o Japo, o term o tem sido usado como sinnimo de trabalhador
pobre, embora tenha evoludo como um termo distintivo na m edida em
que passou a ser associado com o movimento japons do D ia do Trabalho e
os chamados sindicatos freeter, formados por jovens ativistas que exigem
melhores condies de trabalho e de vida ( U e n o , 2007; O b i n g e r , 2009).
O Japo tem produzido um grupo de jovens trabalhadores conhecidos
como freeters - um nom e que combina peculiarmente free (livre)e Arbeiter, palavra alem para trabalhador que tem sido forado a um
estilo de emprego casual.
No correto equiparar o precariado com o trabalhador pobre ou
simplesmente com o emprego incerto, embora essas dimenses estejam
correlacionadas com ele. A precariedade tam bm implica a falta de um a
identidade segura baseada no trabalho, considerando que os trabalhado
res em alguns empregos de baixa renda podem estar construindo uma
carreira. Alguns analistas tm ligado a ideia falta de controle sobre seuemprego. Isso complicado, uma vez que existem vrios aspectos do
trabalho e do emprego, sobre os quais uma pessoa pode ter o controle
desenvolvimento e uso de habilidades, tempo necessrio para o emprego,
tempo de emprego e trabalho, intensidade do trabalho, equipamentos,
matrias-primas, etc. E h vrios tipos de controle e de controladores, noapenas o supervisor padro ou o gerente que supervisiona o trabalhador.
Afirmar que o precariado se com pe de pessoas que no tm con
trole sobre o prprio trabalho ou emprego seria m uito restritivo, um a vez
que sempre h ambivalncia e acordo implcito em relao a empenho,
cooperao e aplicao de habilidades, bem como espao para atos de
sabotagem, furto e atividades inteis. Mas os aspectos de controle so
relevantes para uma avaliao de sua situao.Talvez um a linha de delineamento igualmente interessante esteja asso
ciada com o que pode ser chamado de dissonncia de status. Pessoas com
nvel relativamente alto de educao formal que tiveram de aceitar empregos
com um status ou rendimento abaixo do que acreditam estar de acordo
com suas qualificaes so propensas a sofrer de frustrao de status. Esse
sentimento tem predominado no jovem precariado do Japo (Ko s u g i , 2008).Para nossos propsitos, o precariado consiste em pessoas que so
desprovidas das sete formas de garantia relacionadas ao trabalho resumidas
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no quadro a seguir, e perseguidas pelos social-democratas, partidos traba
lhistas e sindicatos aps a Segunda Guerra M undia l com o sua agenda de
cidadania industrial para a classe trabalhadora ou para o ^oletariado
industrial. N em todos aqueles que fazem parte do precariado valrizariam
todas as sete formas de segurana, mas se saem mal em todos os aspectos.
Formas de garantia e segurana de trabalho nos termos
da cidadania industrial
Garantia de mercado de trabalho - oportunidades adequadas de renda-
salrio; no nvel macro, isto realado por um compromisso gover
namental de pleno emprego.
Garantia de vnculo empregatcio - Proteo contra a dispensa arbitrria,
regulamentao sobre contratao e demisso, imposio de custos aos
empregadores por no aderirem s regras e assim por diante.
Segurana no emprego - Capacidade e opo rtunidade para manter um
nicho no emprego, alm de barreiras para a diluio de habilidade, e
oportunidades de mobilidade ascendente em termos de status e renda.
Segurana do trabalho- Proteo contra acidentes e doenas no trabalho
atravs, por exemplo, de normas de segurana e sade, limites de tem po de trabalho, horas insociveis, trabalho noturno para as mulheres,
bem como compensao de contratempos.
Garantia de reproduo de habilidade - O portunidad e de adquirir habili
dades, atravs de estgios, treinam ento de trabalho, e assim por diante,
bem como oportunidade de fazer uso dos conhecimentos.
Segurana de rendaGarantia de renda adequada e estvel, protegida,
por exemplo, por meio de mecanismos de salrio m nim o, indexao
dos salrios, previdncia social abrangente, tributao progressiva para
reduzir a desigualdade e para complementar as baixas rendas.
Garantia de representao - Possuir uma voz coletiva no mercado de
trabalho por meio, por exemplo, de sindicatos independentes, com odireito de greve.
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Nas discusses da atual insegurana de trabalh>dada mais ateno
*Hegurana de vnculo empregatcio - falta de contratos de longo prazo
CMsncia de proteo contra a perda do vnculo. Isso compreensvel. Noo m ito , a insegurana no emprego tambm um a caracterstica marcante.
A diferena entre garantia de vnculo e segurana no emprego vi-
nL Considere-se um exemplo. Entre 2008 e 2010, trinta funcionrios da
aDce Telecom cometeram suicdio, resultando na indicao de algum
t fora como o novo chefe. Dois teros dos 66 mil funcionrios tinham
otabilidade do servio pblico, com a segurana de vnculo empregatcio
garantida. Mas a administrao sujeitou-os sistemtica insegurana nonqwego, com um sistema chamado Time to Move (Hora de Mudar),
i|ae os obrigava a mudar de escritrio e postos de trabalho abruptamente,
de poucos em poucos anos. A tenso resultante foi considerada a principal
causa dos suicdios. A insegurana no emprego foi relevante.
Essa insegurana tam bm tem im portncia no servio pblico. Os
empregados assinam contratos que lhes do a to cobiada segurana dexinculo empregatcio. Mas eles tambm concordam em ser alocados para
cargos de acordo com a vontade de seus gerentes. Em um mundo de
ngorosa gesto de recursos humanos e flexibilidade funcional, provvel que o deslocamento para l e para c seja pessoalmente perturbador.
O utra caracterstica do p recariado a renda precria e um padro
de renda que diferente daquele de todos os outros grupos. Isso pode ser
demonstrado usando-se o conceito de renda social. Em todos os lugares,as pessoas obviam ente tm de sobreviver com a renda que recebem , seja
na forma de fluxo m onetrio ou de rendimentos em espcie, em termos
do que as pessoas ou suas famlias produzem. Isso pode ser medido pelo
que elas poderiam receber antecipadamente, caso venham a precisar. A
maior parte das pessoas, na maioria das sociedades, tem vrias fontes derenda, embora alguns possam depender de apenas uma.
A composio da renda social pode ser dividida em seis elementos. O
prim eiro a autoproduo, os alimentos, os bens e os servios produzidos
diretamente, se consumidos, trocados ou vendidos, incluindo o que se
pode plantar numa horta ou num terreno domstico. Em segundo lugar,
h o salrio nominal ou a renda em dinheiro recebido do trabalho. Em
terceiro, h o valor do apoio fornecido pela famlia ou pela comunidade
local, muitas vezes por meio de crditos de seguros informais mtuos. E mquarto, h benefcios corporativos que so fornecidos a muitos grupos de
empregados. Em quinto , h os benefcios estatais, incluindo benefcios de
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seguro social, assistncia social, transferncias discricionrias, subsdios pa
gos diretamente ou atravs dos empregadores, e servios sociais subsidiados.
Por fim, h os benefcios privados derivados de economias e investimentos.Cada um deles pode ser subdividido em formas que so mais ou
menos seguras ou garantidas e que determ inam seu valor integral. Por
exemplo, os salrios podem ser divididos em formas fixadas num a base
contratual de longo prazo ou formas variveis ou flexveis. Se algum
recebe hoje um salrio que oferece a mesm a renda m ensal para o pr
ximo ano, a renda recebida esse ms vale mais do que a mesma renda
em dinheiro derivada de um salrio que dependente dos caprichos do
tempo e da agenda de produo ind etermina da de um empregador. Damesma forma, os benefcios estatais pod em ser divididos em direitos de
cidadania universal, ao lado de benefcios de seguro, que dependem
de contribuies passadas e por isso so, em princpio, garantidos, e
mais transferncias discricionrias que podem ou no estar disponveis,
dependendo de circunstncias imprevistas. Os benefcios da empresa p odem ser subdivididos em elementos que todos recebem num a empresa,elementos que dependem do status ou do servio an terior e elementos
dados discricionariamente. O mesmo verdadeiro para os benefcios
da com unidade, que podem ser divididos em reivindicaes de famlia
ou parentesco e reivindicaes que podem ser feitas na comunidade
em geral para apoio em momentos de necessidade.
O precariado pode ser identificado por uma estrutura caractersticada renda social, que confere um a vulnerabilidade que vai bem alm da que
seria transmitida pela renda financeira recebida em um mom ento espec
fico. Por exemplo, num perodo de rpida comercializao da economia
de um pas em desenvolvimento, os novos grupos, muitos a caminho do
precariado, acham que perdem os benefcios tradicionais da comunidade e
no obtm benefcios corporativos ou do Estado. Eles so mais vulnerveisdo que muitos grupos com rendas mais baixas que m antm formas tradi
cionais de apoio da comunidade e so mais vulnerveis do que empregados
assalariados que tm rendimentos financeiros similares, mas tm acesso a
um conjunto de benefcios da empresa e do Estado. Um a caracterstica do
precariado no o nvel de salrios em dinheiro ou de rendas auferidas
em qualquer momento especfico, mas a falta de apoio da comunidade em
momentos de necessidade, a falta de benefcios assegurados da empresa oudo Estado e a falta de benefcios privados para complementar ganhos em
dinheiro. Consideraremos os efeitos disso no captulo 2.
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Alm da falta de garantia no emprego e da renda social insegura,
aqueles que fazem parte do precariado carecem de um a identidadebaseada
no trabalho. Quando esto empregados, ocupam empregos desprovidosde carreira e sem tradies de memria social, ou seja, no sentem que
pertencem a uma comunidade ocupacional imersa em prticas estveis,
cdigos de tica e normas de comportamento, reciprocidade e fraternidade.O precariado no se sente parte de uma comunidade trabalhista
solidria. Esse fato intensifica um sentimento de alienao e instrumen-
tahdade no que ele tem de fazer. As aes e atitudes derivadas da preca
riedade tendem ao oportunismo. No h sombra de futuro pairandosobre suas aes, para lhes dar um senso de que o que dizem, fazem
ou sentem hoje ter um forte ou obrigatrio efeito em suas relaes de
longo prazo. O precariado sabe que no h nenhum a sombra do futuro ,
da mesma forma como no h futuro no que eles esto fazendo agora.
Estar fora amanh no seria um a surpresa, e sair talvez no fosse ru im ,
caso ou tro trabalho ou um a exploso de atividade surjam no horizonte.O precariado carece de identidade ocupacional, mesmo que al
guns tenham qualificaes vocacionais e mesmo que muitos tenham
empregos com ttulos extravagantes. Para alguns, h uma liberdade
em no ter nenhum comprometimento moral ou comportamental
que defina uma identidade ocupacional. Consideraremos a imagemdo nm ade u rban o mais tarde, bem como a relacionada imag em de
habitante , a pessoa que no um cidado pleno. Da mesma formaque alguns preferem ser nm ades - isto , viajantes no colonos - , nem
todos que esto n o p recariado devem ser considerados com o vtimas.
N o entanto, a m aioria vai se sentir desconfortvel em sua insegurana,sem uma perspectiva razovel de fuga.
Tarefa, trabalho,^ diverso e cioOs antecedentes histricos do precariado foram os banausoida Grcia
antiga, aqueles que deviam cumprir as tarefas produtivas na sociedade
(ao contrrio de escravos, que trabalhavam apenas para seus senhores).
Os banausoi, considerados por seus superiores como rgidos de corpo
N o o rig ina l, lab o u r e w o rk . E m te rm os m arxistas, lab o u r esta ria lig ado aovalor de troca, e work ao valor de uso. Baseado nas distines estabelecidas por
Guy Standing, optamos p or t raduzir wo rk por trabalho e labo ur por tarefa ou
emprego. (N.E.)
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e vulgares de mente, no tinham nenhum a opo rtunidade de ascender
na escala social. Trabalhavam ao lado dos metecos(residentes estrangeiros),
artesos aceitos com direitos limitados. Juntamente com os escravos, essesdois grupos faziam todas as tarefas, sem expectativa de que alguma vez
pudessem partic ipar da vida da polis.
Os antigos gregos compreendiam melhor do que nossos estra
tegistas polticos atuais as diferenas entre trabalho e tarefa e entrediverso e cio, ou o que eles chamavam de schole. Os que faziam as
tarefas eram no-cidados, pois os cidados no as cumpriam; eles se
entregavam praxis, ao trabalho na casa e ao redor dela, com a famlia
e os amigos. Tratava-se de uma atividade reprodutiva, o trabalho
feito por si s, para fortalecer relaes pessoais, para se misturar par
ticipao pblica na vida da comunidade. De acordo com os nossos
padres, a sociedade deles era desigual, particularm ente no tratam ento
das mulheres. No entanto, eles entendiam por que era ridculo medir
tudo em termos de tarefas.Uma controvrsia neste livro que um dos principais objetivos de
se superar o lado negativo do precariado medida que o sculo XXIavana deveria ser resgatar o trabalho que no tarefa e o cio que no
diverso. Durante todo o sculo XX, a nfase esteve em maximizar
o nmero de pessoas que realizam tarefa, enquanto se denegria ou se
ignorava o trabalho que no fosse tarefa. Esperava-se que o precariado
realizasse tarefas, como e quando fosse necessrio, em condies que noso, em grande parte, de sua prpria escolha. E esperava-se que se permitisse muita diverso. Conforme argumentado no captulo 5, tambm
se espera que seja feito muito trabalho por tarefa no remunerado. Mas
seu cio considerado acidental.
Variedades do precariado
No im porta como seja definido, o precariado est longe de ser
hom ogneo. O adolescente que entra e sai o tempo inteiro de um ciber-
caf enquanto sobrevive de empregos transitrios no o mesmo que o
migran te que usa a inteligncia para sobreviver, estabelecendo febrilmente
um a rede de contatos enquanto se preocupa com a polcia. Tam pouco
semelhante me solteira que se preocupa de onde vir o dinheiro paraos alimentos da prxima semana, ou ao homem de 60 anos que aceita
empregos eventuais para ajudar a pagar as despesas mdicas. Mas todos
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des com partilham um sentimento de que seu trabalho til (para viver),
oportunista (pegar o que vier) e precrio (inseguro).
Uma maneira de descrever o precariado como habitantes [de-trcHs]. O habitante algum que, por uma razo ou outra, tem um
conjunto de direitos mais limitado que o dos cidados. A ideia de habi
tante, que pode ser rastreada at os tempos romanos, tem sido, geralmente,
jfJicada a estrangeiros qu recebem direitos de residncia e direitos para
exercerem seu comrcio, mas no direitos plenos de cidadania.
A ideia pode ser expandida se pensarmos na gama de direitos
dos quais as pessoas so merecedoras - civis (igualdade perante a lei edireito proteo contra o crime e dano fsico), culturais (igualdade de
icesso ao usufruto da cultura e direito a participar da vida cultural da
comunidade), sociais (igualdade de acesso a formas de proteo social,
inclu indo penses e servios de sade), econmicos (igualdade de direitopara realizar atividade de gerao de renda) e polticos (igualdade de
direito de votar, candidatar-se a eleies e participar da vida poltica
da comunidade). Um nmero crescente de pessoas em todo o mundo
no tm pelo menos um desses direitos e, como tais, pertencem ao
conjunto de habitantes em vez de ao conjunto de cidados, ondeque r que estejam vivendo.
O conceito tambm poderia ser estendido vida corporativa, com
cidados corporativos e habitantes de vrios tipos. Os assalariados po
dem ser visto como cidados com, pelo menos, direitos de voto implcitosna empresa, abrangendo uma srie de decises e prticas que o outro
grupo de cidados, os acionistas e proprietrios, aceitam implicitam ente,
embora tenham seus prprios direitos de voto explcitos sobre as decises
estratgicas na empresa. O resto das pessoas ligadas s corporaes - os
temporrios, eventuais, empreiteiros dependentes e assim por diante -
seriam habitantes, com poucos m erecimentos ou direitos.
Em todo o mundo, a maioria dos habitantes migrante de um
npo ou de outro, e eles sero abordados mais tarde. No entanto, outra
categoria se destaca - a grande camada de pessoas que foram crim inaliza
das, os condenados. A era da globalizao tem visto um crescimento no
nmero de aes consideradas criminosas. Mais do que nunca, pessoas so
detidas e presas, resultando em uma quantidade sem precedentes de pes
soas sendo criminalizadas. Parte da expanso da criminalizao deve-seao pequeno crime, incluindo reaes comportam entais aos esquemas de
assistncia social que criam riscos imorais, situaes em que as pessoas
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carentes arriscam penalizar a si mesmas caso digam a verdade e, assim,
acabam caindo na violao de alguma regra burocrtica.
Os trabalhadores temporrios desprovidos de carreiras, habitantes
migrantes, batalhadores criminalizados, requerentes de benefcios sociais...
os nmeros crescem. Infelizmente, as estatsticas trabalhistas e econmicas
no so apresentadas de uma forma que nos permitiria estimar o nmero
total de pessoas no precariado, e muito menos o nmero nas variedades
que com pem suas categorias. Temos de construir um a imagem com base
em variveis substitutas. Consideremos os principais grupos que consti
tuem o precariado, tendo em mente que nem todos eles se encaixam aliharm oniosamente; a caracterstica identificadora no , necessariamente,
suficiente para indicar que uma pessoa est no precariado.
Para comear, a maioria das pessoas que se encontram em empre
gos temporrios est perto de estar no precariado porque tem relaes de
produo tnues, baixas rendas comparadas com outros que fazem um
trabalho similar e tm oportunidades mnimas em termos ocupacionais.
O nmero de pessoas cujos empregos esto rotulados como temporrios
tem crescido enormemente na era do mercado de trabalho flexvel. Em
uns poucos pases, como o Reino Unido, as definies restritivas do que
constitui o trabalho temporrio dificultaram a identificao do nmero de
postos de trabalho sem proteo do emprego. Mas, na maioria dos pases, a
estatstica mostra que o nm ero e a quota das foras nacionais de trabalho
em status temporrios vm aumentando acentuadamente ao longo dasltimas trs dcadas. Eles cresceram rapidamente no Japo, onde em 2010mais de um tero da fora de trabalho ocupava empregos temporrios,
mas a proporo pode ser mais alta na Coreia do Sul, onde, fazendo uma
interpretao sensata, mais da metade dos trabalhadores ocupa empregos
temporrios no regulares.
Em bora o fato de ocupar um emprego temporrio seja o indicativo
de um a pessoa que ocupa um emprego desprovido de carreira, isso nem
sempre o caso. N a verdade, aqueles que ch am am os proficiansalegram-se
por ter uma existncia baseada em projetos, saindo de um projeto de curto
prazo para outro . E os empregos de longo prazo, nos quais se deve fazer
as mesmas poucas tarefas repetidas vezes, dificilm ente so ambicionados.
Ter um emprego temporrio bom se o contexto social for satisfatrio.
Mas se o sistema econm ico global exige que um m onte de gente tenhaempregos temporrios, ento os estrategistas polticos deveriam tratardo que os torna precrios.
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Atualmente, ter um trabalho temporrio um forte indicador de
um tipo de precariedade. Para alguns, ele pode ser um trampolim para
a construo de uma carreira. Mas, para muitos, pode ser um degrauque desce para um status de renda mais baixa. Aceitar um emprego
temporrio aps um perodo de desemprego, como encorajado por
muitos estrategistas polticos, pode resultar em ganhos menores para osprxim os anos ( A u t o r ; H o u s e m a n , 2010). Quando uma pessoa aceita
um emprego em um patamar mais baixo, a probabilidade de ascensosocial ou de ganhar uma renda decente perm anentem ente reduzida.
Aceitar um emprego casual pode ser uma necessidade para muitos, mas improvvel que promova a mobilidade social.
Outra via de entrada para o precariado o emprego de meio pero
do, um complicado eufemismo que se torn ou um a caracterstica da nossa
economia terciria, ao contrrio das sociedades industriais. Na maioria
dos pases, o sujeito que trabalha em regime de meio perodo definido
como empregado ou rem unerado por menos de 30 horas semanais. Seriamais preciso cham-los de supostos trabalhadores de meio perodo, uma
vez que muitos que escolhem ou so obrigados a ter um emprego de
tempo parcial acham que tm de trabalhar mais do que o previsto e mais
do que so pagos para fazer. Os trabalhadores de meio perodo, muitas
vezes mulheres, que decaem na carreira, podem acabar mais explorados,
tendo que fazer muito trabalho por tarefa no remunerado fora de suas
horas pagas, e mais autoexplorados, tendo de realizar trabalhos extraspara m anter um lugar de algum tipo.
O crescimento dos empregos de meio perodo ajudou a ocultar a
expanso do desemprego e do subemprego. Desse modo, na Alemanha,
deslocar mais pessoas para os miniempregos tem mantido a iluso de alto
nvel de emprego e levado alguns economistas a fazerem reivindicaes
tolas sobre um milagre empregatcio no pas aps o colapso financeiro.
Outras categorias sobrepostas ao precariado so os empreiteirosindependentes e os empreiteiros dependentes. Aqui no h equiva
lncia com o precariado, um a vez que muitos empreiteiros esto seguros
em alguns aspectos e tm uma forte identidade ocupacional. Pensa-se
no dentista autnomo ou no contador. Mas diferenciar o empreiteiro
dependente do independente tem causado dores de cabea para os advo
gados trabalhistas em todos os lugares. Tem havido debates interminveissobre como distinguir aqueles que prestam servios daqueles que prestam
tarefa de servio, e entre aqueles que dependem de algum interm edirio
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e aqueles que so empregados ocultos. Em ltima anlise, as distines
so arbitrrias, dependendo de noes de controle, subordinao e de
pendncia de outras partes. Todavia, aqueles que dependem de outrospara serem alocados em tarefas sobre as quais tm pouco controle correm
um risco maior de entrar para o precariado.O utro grupo ligado ao precariado o crescente exrcito nas centrais
de atendimento. Essas centrais esto em toda parte, um smbolo sinistroda globalizao, da vida eletrnica e do trabalho alienado. Em 2008, o
Channel 4 do Reino Unido apresentou um documentrio de televiso
cham ado Phone Rag e [Fria do Telefone], destacando os desentendimentos mtuos entre os jovens funcionrios das centrais de atendimentoe os clientes irritados. De acordo com o programa, em mdia, as pessoasno R ein o Unido passavam um dia inteiro a cada ano falando com centraisde atendimento, e a quantidade de tempo estava aumentando.
Depois h os estagirios, um fenmeno m oderno peculiar po r meio
do qual os recm-formados, os atuais alunos e at mesmo os pr-universi
trios trabalham durante um tempo, por pouca ou nenhuma remunerao,cumprindo tarefas insignificantes de escritrio. Alguns analistas francesesequipararam o precariado aos estagirios, o que incorreto, porm indicativo da inquietao com que o fenmeno encarado.
Os estgios so potencialm ente um veculo para canalizar os jovens
rumo ao precariado. Alguns governos ainda tm lanado programas de
estgio como uma forma de poltica ativa do mercado de trabalho,projetada para esconder o desem prego. Na realidade, os esforos parapromover os estgios so muitas vezes pouco mais do que esquemas dispendiosos e ineficientes de subveno. Eles tm custos administrativosaltos e usam pessoas para fazerem pouca coisa de valor duradouro, seja
para as organizaes, seja para os prprios estagirios, apesar da retrica
sobre aclimatar as pessoas para a vida organizacional e a aprendizagem
no emprego. Consideraremos os estagirios mais adiante.Em resumo, uma maneira de olhar para o precariado perceber
como as pessoas passam a realizar formas inseguras de trabalho queprovavelm ente no as ajudaro a construir uma identidade desejvel ou
uma carreira cobiada.
PrecarizaoOutra maneira de ver o precariado em termos de processos, a
maneira pela qual as pessoas so precarizadas. Esta palavra canhestra
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inloga a pro letarizado, descrevendo as foras que levaram proleta-
rizao dos trabalhadores no sculo XIX. Ser precarizado ser sujeito a
presses e experincias que levam a uma existncia precariada, de viverno presente, sem um a identidade segura ou um senso de desenvolvimento
alcanado por meio do trabalho e do estilo de vida.
Nesse sentido, parte dos assalariados est sendo levada ao precariado.
O caso do lendrio salaryman [homem assalariado] no Japo ilustrativo.
Esse trabalhador do sculo XX I, com emprego vitalcio em um a empresa,
surgiu atravs de um modelo altamente paternalista do trabalhismo que
prevaleceu at o inc io dos anos 1980. N o Japo (e em outros lugares), agaiola dourada pode facilmente se tornar uma gaiola de chumbo, com
tantas garantias de vnculo empregatcio que o exterior se torna uma
zona de medo. Isso o que aconteceu no Japo e em outros pases doleste asitico que adotaram um modelo similar. Sair da companhia ou
organizao tornou-se um sinal visvel de fracasso, uma desmoralizao.
Em tais circunstncias, a busca do desenvolvimento pessoal facilmentedi lugar a uma politicagem de deferncia em relao aos que esto em
posio mais alta na hierarquia in terna e de conspiraes oportunis tas.
Isso foi levado ao limite no Japo. A companhia tornou-se uma
tmlia fictcia, de modo que a relao de emprego se tornou uma
kintractshipj na qual o empregador adotava o empregado e, em troca,
esperava algo prx imo de um a relao dadivosa de subservincia, dever
nhal e dcadas de trabalho intenso. O resultado foi um a cultura de horasextras de servio e o sacrifcio mximo do karoshi,a morte por excesso
de trabalho (M o u e r ; Ka w a n i s h i , 2005). Mas desde o incio dos anos
1980, a participao da fora de trabalho japonesa na massa assalariada
encolheu drasticamente. Aqueles que ainda esto agarrados a ela esto soh
presso, muitos esto sendo substitudos por trabalhadores mais jovens e
por mulheres sem nenhuma garantia de vnculo empregatcio equivalente
deles. O precariado est deslocando o salaryman, cuja dor revelada
por um aumento alarmante do nm ero de suicdios e de doenas sociais.
A transformao japonesa do salarymanpode ser um caso ex tremo.
Mas possvel ver como algum psicologicamente aprisionado a um
emprego de longo prazo perde o controle e levado a se aproximar de
uma forma de dependncia precria. Caso o pai se torne descontente.
O te rmo kintractship derivado de um a com binao da palavra contract (contrato) com a
palavra kinship (parentesco). (N.T.)
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ou seja, incapaz ou relutante de continuar no papel parental fictcio, a
pessoa ser lanada no precariado, sem as habilidades de autonomia e de
proezas de desenvolvimento. O emprego de longo prazo podedesqualificar.
Como foi explicado em outro texto (St a n d i n g , 2009), esse foi um dos
piores aspectos da era do trabalhismo.Em bora se deva tom ar cuidado para no estender demais a defini
o, outra caracterstica da precarizao o que poderia ser chamado
de mobilidade ocupacional fictcia, simbolizada pelo fenmeno ps-moderno de uptitling elegantemente satirizado pelo The Economist
(2010a). Uma pessoa que ocupa um emprego esttico, que no leva a lugarnenhum , recebe um ttulo pomposo para sua ocupao a fim de esconder
as tendncias do precariado. Pessoas so transformadas em chefe ouexecutivo ou oficial sem ter um exrcito para liderar ou um a equipe
para modelar. O corpo profissional dos Estados Unidos, que caracteristi-camente d a si mesmo o ttulo presunoso de Associao Internacional
de Profissionais Administrativos (tendo sido antes a Associao Nacional
de Secretrias, bem mais modesta), inform ou que teve mais de 500 ttulos
de emprego em sua rede, incluindo coordenador de escritrio princi
pal, especialista em docum ento ele trnico, oficial de distribuiode m dia (jornaleiro/jornale ira), oficial de reciclagem(esvaziador de
cestos) e consultor de instalaes sanitrias (limpador de banheiros).
Mas os Estados Unidos no tm o monoplio sobre a criatividade das
titulaes: ela est acontecendo em todos os lugares. Os franceses agoratendem a cham ar as mulheres da limpeza com o nome mais prestigioso
de techniciennes de surface.O The Economist atribuiu a proliferao de ttulos de ocupao
recesso ps-2008 , que induziu a substituio de novos ttulos po m po
sos por aumentos de salrios, e crescente complexidade interna das
corporaes multinacionais. Mas isso no apenas um surto recente de
hiprbole. Reflete o crescimento do precariado, em que smbolos fictciosde mobilidade ocupacional e desenvolvimento pessoal tm de encob rir a
falta de trabalho. As estruturas profissionais achatadas so ocultadas pela
inflao de ttulos. O The Economist colocou isso muito bem:
O culto da flexibilidade tambm inflacionrio. A moda de nivelar
hierarquias tem tido o efeito paradoxal de multiplicar ttulos de
emprego sem sentido. Os trabalhadores almejam ttulos que soemimportantes, da mesma forma que os polticos so nomeados C hance
ler do Duca do de Lancaster ou Lorde Presidente do Con selho. Todo
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m und o, do con junto executivo para baixo, que r ajeitar seu currculo
como umal cerca-viva contra a demisso.
Isso aponta/para um mal-estar mais profundo. O The Economistconclui sua anlise panormica afirmando que os benefcios de dar s
pessoas um novo ttulo pomposo geralmente tm vida curta. O prejuzo
e je longa durao. O The Economistpercebeu que a prtica induzia ao
cmismo e que os ttulos extravagantes podem tornar seus possuidores
lais descartveis. Certamente, o mesmo vale para o contrrio. Os titu-
los que so dados s pessoas tambm demonstram esse fato porque elasocupam cargos descartveis.
A mente precarizada
No preciso ser um determinis ta tecnolgico para perceber que
o cenrio tecnolgico configura a maneira como pensamos e nos com
portamos. O precariado no se mostra ainda como uma classe organizada que busca ativamente seus interesses, em parte porque aqueles que
meie se encontram so incapazes de controlar as foras tecnolgicas que
enfrentam. H um indcio crescente de que a parafernlia eletrnica
qne perm eia cada aspecto de nossas vidas vem exercendo um im pacto
profundo no crebro humano, na maneira como pensamos e, de forma
amda mais assustadora, na nossa capacidade de pensar. O que compatvel com a ideia de precariado.
O precariado definido pelo curto prazismo, que pode evoluir
para um a incapacidade da massa de pensar a longo prazo, induzida
pelabaixa probabilidade de progresso pessoal ou de construo de uma
carreira. Os grupos de iguais podem acentuar essa questo ameaando
marginalizar aqueles que no esto em conformidade com as normas
de com portam ento. Regras tcitas sobre o que ou no feito impemcustos pesados sobre os dissidentes.
A internet, o hbito de navegar, o envio de mensagens curtas, o
Facebook, o Tw itter e outras mdias sociais - tud o isso est agindo para
reprogramar o crebro (C a r r , 2010). Essa vida digital est danificando
o processo de consolidao da memria de longo prazo que a base do
que geraes de seres hum anos vieram a considerar com o in teligncia, acapacidade de raciocinar m ediante processos complexos e de criar novas
ideias e modos de imaginao.
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o m und o digi/alizado nao tem respeito pela contemplao ou
reflexo; ele proporciona a estimulao e a gratificao instantneas,
forando o crebro a dar mais ateno s decises e reaes de curtoprazo. Embora isso oferea algumas vantagens, uma conseqente perda
a mente alfabetizada e a ideia de individualidade. H um afastamento
de uma sociedade formada por indivduos com distintas combinaes
de conhecimento, experincia e aprendizagem para uma sociedade na
qual a maioria das pessoas tem pontos de vista socialmente construdos,
rapidamente adquiridos, que so superficiais e desviados para a aprovao
do grupo e no para a originalidade e a criatividade. A bundam os termos
extravagantes, tais como ateno parcial contnua e dficits cognitivos.
Isso pode parecer exagerado. Mas est ficando cada vez mais
difcil negar que esto acontecendo mudanas mentais, emocionais
e comportamentais e que esse fato consistente com a expanso da
precarizao. A m ente alfabetizada - com seu respeito pelo potencial
deliberativo do tdio, do tempo parado, para a contemplao reflexiva e um a sistemtica ligao do passado, do presente e de um futuroim aginado est sob a ameaa do bom bardeio constante de investidas
de adrenalina induzidas eletronicamente.
A capacidade de se concentrar deve ser aprendida e pode, igual
mente, ser perdida ou distorcida. Alguns bilogos evolucionistas afir
mam que os dispositivos eletrnicos esto devolvendo o crebro hu
mano ao seu estado primitivo, quando era condicionado a responderinstintiva e rapidamente a sinais de perigo e s circunstncias, e o
pensam ento intelectual era a aberrao histrica. Essa interpretao
de uma regresso biolgica sem dvida deprimente e tem enormes
implicaes evolucionistas.
O ambiente eletrnico perm ite e encoraja a multitarefa, uma carac
terstica da sociedade terciria que ser considerada mais tarde. A pesquisatem mostrado que aqueles que, por hbito, inclinao ou necessidade,
cedem multitarefa sistemtica dissipam energias e so menos produtivos
em relao a qualquer tarefa especfica do que aqueles que fazem isso com
menos frequncia. Os multitarefeiros so excelentes candidatos ao precaria
do, uma vez que tm mais problemas em se concentrar e mais dificuldades
em excluir a informao irrelevante ou perturbadora ( R i c h t e l , 2010) .
Incapazes de controlar seu uso do tempo, eles sofrem de estresse, o quecorri a capacidade de manter uma mente desenvolvente que percebe a
aprendizagem reflexiva com um a perspectiva de longo prazo.
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Resumindo, o precariado sofre de sobrecarga de informao sem
um estilo de vida que pudesse dar aos seus membros o controle e a ca
pacidade de peneirar a in fo rm ao que til da que suprflua. Mais
adiante, veremos como o Estado neoliberal est lidando com isso.
Raiva, anomia, ansiedade e alienao
O precariado sofre do que, em ingls, chamamos de quatro A
- raiva {anger, em ingls), anomia, ansiedade e alienao. A raiva decor
re tanto da frustrao diante das vias aparentemente bloqueadas parapromover um a vida significativa quanto de um sentimento de relativa
privao. Alguns a cham ariam de inveja, mas estar rodeado e cons
tantemente bombardeado pelas armadilhas do sucesso material e pela
cultura da celebridade certamente induzir indignao fervilhante.
O precariado se sente frustrado no s por causa de toda uma vida de
acenos de empregos temporrios, com todas as inseguranas que vm
com eles, mas tambm porque esses empregos no envolvem nenhuma
construo de relaes de confiana desenvolvidas em estruturas ou redes
significativas. O precariado tambm no tem nenhum meio de mobili
dade para ascender, o que deixa a pessoa em suspenso entre a profunda
autoexplorao e o desengajamento.
Um exemplo citado no The Observer ( R e e v e s , 2010) o de uma
assistente social de 24 anos, que recebe 28 mil libras por ano trabalhando,em teoria, 37,5 horas por semana. Ela fazia algumas visitas noturnas
porque algumas famlias no podiam ser visitadas durante o dia, e assim
gastava mais tempo trabalhando sozinha e em casa. Ela disse ao jornal;
Minha grande frustrao que, durante um bom tempo, disseram-
me que eu era boa o suficiente para prog red ir para o prxim o nvel,
e eu tenh o assumido tarefas alm do m eu papel de trabalho, mas noh reconhecimento disso. Preciso apenas esperar a disponibilidade
de um cargo. Acho que isso acontece para poucas pessoas. Da equi
pe com quem comecei, eu sou a nica assistente social que sobrou.
E muitos deles saram por causa de questes de plano e progresso
de carreira. Ns fazemos um trabalho rduo, responsvel, e, se isso
fosse reconhecido, p oderia nos m anter no emprego po r mais tempo.
Essa mulher est ligada ao precariado por falta de progresso e por
sua avaliao desse fato. Ela concordava com a autoexplorao na esperana
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de ter mobilidade, fazendo mais trabalho por tarefa. Seus colegas fugitivos
constataram que a miragem da promoo no passava disso.
Pelo menos desde o trabalho de Em ile Durkhe im , entendemos quea anomia um sentimento de passividade nascido do desespero. Ele cer
tamente intensificado pela perspectiva de empregos simples e desprovidos
de carreira. A anomia surge de um a indiferena associada com a derrotaconstante, agravada pela condenao arremessada por polticos e analistas
da classe mdia sobre muitos que esto no precariado, castigando-os como
preguiosos, sem rum o, desmerecedores, socia lm ente irresponsveis,
ou pior. No caso dos que clamam pelos benefcios sociais, dizer que aspsicoterapias so o caminho a seguir paternalista e facilmente visto
como tal por aqueles estimulados a optar por elas.
O precariado vive com ansiedade - insegurana crnica associada
no s oscilao beira do limite, sabendo que um erro ou um epi
sdio de m sorte poderia pender a balana entre a dignidade modestae ser um sem-teto, mas tambm com um medo de perder o que possui,
mesmo quando se sente enganado por no ter mais. As pessoas tm a
mente insegura e so estressadas, e ao mesmo tempo subempregadas
e sobrempregadas. So alienadas de seu emprego e de seu trabalho, e
seu comportamento anmico, incerto e desesperado. As pessoas que
temem perder o que tm esto constantemente frustradas. Ficaro com
raiva, mas em geral, de forma passiva. A mente precarizada alimentada
pelo medo e motivada pelo medo.A alienao decorre do conhecimento de que aquilo que fazemos
no para o nosso propsito ou para o que poderamos respeitar ou apre
ciar; simplesmente algo feito para outros, ordem deles. Isso tem sido
considerado como uma caracterstica marcante do proletariado. Mas os
membros do precariado experim entam vrias injees especiais, inclusi
ve um sentimento de ser enganado dito a eles que devem ser gratos
e felizes porque esto trabalhando e devem ser positivos. E dito a
eles que devem ser felizes, mas eles no conseguem perceber o motivo.
Experimentam o que Bryceson (2010) chama de ocupacionalidade fra
cassada, que s pode ter um efeito psicolgico adverso. Pessoas em tais
circunstncias so susceptveis de experimentar a desaprovao social e uma
profunda falta de propsito. E a falta de ocupao cria um vcuo tico.
O precariado no se deixa enganar. Seus membros enfrentam umbombardeio de apelos. Porm, ser que a mente inte ligente sucumbe to
facilmente? Em Smile or Die, Barbara Ehrenreich (2009) ataca o culto
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moderno do pensamento positivo. Ela relembra como, nos EstadosUnidos nos anos 1860, dois charlates (Phineas Quimby e Mary Eddy)
criaram o M