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29 OPPIDUM número especial, 2008 1. Introdução O presente trabalho apresenta alguns dos resulta- dos obtidos pelos trabalhos arqueológicos prévios às obras de construção da auto-estrada A11/IP9 (sublanço O Povoado da Idade do Bronze da Cimalha Pedro Brochado de Almeida * e Francisco Fernandes ** Resumo A escavação arqueológica efectuada nas Cimalhas detectou um povoado atribuível à Idade do Bronze. Os vestígios encontrados permitiram identificar diversas áreas com funções especializadas. Desde uma área habitacional, passando pela zona com fossas de aprovisionamento, até à necrópole do povoado, todas as áreas são constituídas por estru- turas do tipo fossas abertas no saibro. O trabalho apresentado é o primeiro estudo sinté- tico das diferentes áreas detectadas pela escavação arqueológica. tendo em atenção a não dicotomia entre sagrado e profano e o valor dos mortos como legitimadores dos lugares, criadores de memória e de identidade Abstract The archaeological intervention executed at Cimalha, detected the existence of one settlement belonging to the Bronze Age. The evidences found allowed the identification of different areas with “specialised functions” in the settlement. Since one residential area with two huts, passing trough a zone with storage pit, in a number of 122, until the necropolis with 175 identified graves, all the areas of the settlement are constituted by structures cut in the sandy clay. The work here presented is the most synthetic study of the different detected areas by the archaeological excavation, done so far, concerning that the non-dichotomy between the sacred and the profane and the value of the dead, as legitimated of places, creators of memories and identities. Guimarães – IP4), trabalhos esses realizados no mon- te da Cimalha, levados a cabo pela empresa de arque- ologia Mola Olivarum, Património Lda., sob a promo- ção da AENOR (Auto-Estradas do Norte). * Arqueólogo. Direcção da intervenção arqueológica do povoado da Cimalha. ** Arqueólogo. Direcção da intervenção arqueológica do povoado da Cimalha.

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1. IntroduçãoO presente trabalho apresenta alguns dos resulta-

dos obtidos pelos trabalhos arqueológicos prévios àsobras de construção da auto-estrada A11/IP9 (sublanço

O Povoado da Idade do Bronze da Cimalha

Pedro Brochado de Almeida* e Francisco Fernandes**

ResumoA escavação arqueológica efectuada nas Cimalhas detectou um povoado atribuível àIdade do Bronze. Os vestígios encontrados permitiram identificar diversas áreas comfunções especializadas. Desde uma área habitacional, passando pela zona com fossas deaprovisionamento, até à necrópole do povoado, todas as áreas são constituídas por estru-turas do tipo fossas abertas no saibro. O trabalho apresentado é o primeiro estudo sinté-tico das diferentes áreas detectadas pela escavação arqueológica. tendo em atenção anão dicotomia entre sagrado e profano e o valor dos mortos como legitimadores doslugares, criadores de memória e de identidade

AbstractThe archaeological intervention executed at Cimalha, detected the existence of onesettlement belonging to the Bronze Age. The evidences found allowed the identificationof different areas with “specialised functions” in the settlement. Since one residentialarea with two huts, passing trough a zone with storage pit, in a number of 122, until thenecropolis with 175 identified graves, all the areas of the settlement are constituted bystructures cut in the sandy clay. The work here presented is the most synthetic study ofthe different detected areas by the archaeological excavation, done so far, concerningthat the non-dichotomy between the sacred and the profane and the value of the dead, aslegitimated of places, creators of memories and identities.

Guimarães – IP4), trabalhos esses realizados no mon-te da Cimalha, levados a cabo pela empresa de arque-ologia Mola Olivarum, Património Lda., sob a promo-ção da AENOR (Auto-Estradas do Norte).

* Arqueólogo. Direcção da intervenção arqueológica do povoado da Cimalha.** Arqueólogo. Direcção da intervenção arqueológica do povoado da Cimalha.

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Os trabalhos arqueológicos decorreram em três fa-ses distintas. Numa primeira fase procedeu-se à aber-tura das primeiras sondagens arqueológicas, de formaa confirmar o potencial arqueológico do sítio, sonda-gens essas que decorreram entre o dia 23 de Outubroaté ao dia 7 de Novembro de 2003. Seguiu-se-lhe umasegunda fase, com o alargamento da área escavada, deforma a clarificar algumas das estruturas humanas aídetectadas, fase essa que decorreu entre 17 de Novem-bro a 12 de Dezembro do mesmo ano.

Figura 1a. Mapa Localização Povoado da Cimalha.

Por fim, face às evidências arqueológicas coloca-das a descoberto, foi necessário escavar toda a áreaque iria ser destruída pela construção do corredor daauto-estrada, escavação que correspondeu à 3ª fase quedecorreu de 26 de Janeiro a 23 de Junho de 2004 e de26 de Outubro de 2004 a 21 de Fevereiro de 2005, oque correspondeu a uma área escavada a rondar os 4500m², num total de 170 dias úteis de trabalho.

2. Localização, Contexto Geomorfológicoe Ambiental

O povoado da Cimalha localiza-se na freguesia deSernande, concelho de Felgueiras, distrito do Porto.

Está implantado num morro de média dimensão,com vertentes suaves e sem condições naturais de de-fesa. Dele é possível observar, a Este, o complexomontanhoso da Serra do Marão. A vertente com mai-or inclinação encontra-se voltada a Oeste, sendo asvertentes Este e Norte de fácil acesso. As linhas deágua encontram-se a pouca distância, mas encaixadasnos vales que as circundam. Os terrenos da envolventepossuem óptimas condições agrícolas, condições es-sas que se prolongam inclusivamente pelas vertentesdo próprio povoado. Deste modo, era possível encon-trar terreno agrícola em abundância no interior do ter-ritório potencialmente explorável, que se situasse en-tre os 15 e os 30 minutos de distância. (Fig. 1)

Geomorfologicamente, situa-se numa zona de tran-sição entre a plataforma de Felgueiras, zona que abran-ge a parte central do concelho de Felgueiras, área geo-lógica tendencialmente coberta por um manto aluvialproveniente da metereorização dos granitos porfiroídes,

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Figura 1. Monte da Cimalha antes do início da escavação.

e os relevos periféricos que delimitam o concelho deFelgueiras a Oeste e Sudoeste. O terreno geológico éassim composto por rochas ígneas, nomeadamente, for-mações graníticas sob a forma de granitos porfiroídesde grão grosseiro, a maioria deles em avançado estadode meteorização, mas que formam um terreno aindasuficientemente impermeável e resistente para compor-tar as estruturas rasgadas no mesmo.

A cobertura vegetal do local é essencialmente com-posta por espécies arbustivas e herbáceas, existindoainda alguns eucaliptos, sobretudo na vertente mais aSul/Sudeste.

A área arqueologicamente intervencionada situa-se na vertente Norte, sendo que o topo do morro en-contra-se ocupado por uma antena de telecomunica-ções. Parte do topo do morro, bem comoa vertente sul e sudeste já se encontramparcialmente urbanizadas, tendo aindana vertente Sudeste laborado uma pe-dreira de rocha granítica, entretantoabandonada. (Fig 2)

3. Metodologia de Trabalho

A metodologia dos trabalhos arque-ológicos realizados no povoado daCimalha foi sendo afinada, consoante seia avançando nos trabalhos de escava-ção, ao longo das três fases já descritas.

Na primeira fase foram realizadasvárias sondagens, espalhadas ao longode toda a área de expropriação para cons- Figura 2. Localização da área escavada no monte da Cimalha.

trução da auto-estrada, em torno doP.K. (Ponto de Quilometragem)identificado no Estudo de ImpactoAmbiental como zona com poten-cial arqueológico.

As sondagens, inicialmente re-alizadas por meio de quadrículas de2x2m, ficaram espalhadas por 3zonas distintas, a Zona A, localiza-da a Este do P.K. definido, a ZonaB, em torno do mesmo P.K. e aZona C, a oeste do mesmo P.K. Senas zonas A e C a limpeza foi feitade forma manual, visto aí existirapenas mato rasteiro, já no Zona B

foi necessária a intervenção de um tractor com um atre-lado de correntes que limpasse toda a vegetação aí exis-tente.

Nestes primeiros trabalhos privilegiamos a esca-vação na vertical por unidades estratigráficas, tentan-do identificar e distinguir todas as ocupações huma-nas que pudessem ter existido no local. Contudo, oselementos identificados não permitiram clarificar essaocupação, já que foram apenas recolhidas amostrascerâmicas atribuíveis à Idade do Bronze e fragmentosde mós manuais de rebolo com cronologia indefinida,o que conduziu à segunda fase dos trabalhos, onde seaumentou a área de escavação, agora por meio de va-las de sondagem, com a mesma metodologia de esca-vação na vertical por unidades estratigráficas, de for-

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ma a permitir a clarificação de alguns pormenores re-lacionados com a cronologia, tipologia e importânciacientífica dos vestígios entretanto recolhidos.

Foi nesta segunda fase que se identificou a enormeimportância dos vestígios arqueológicos descobertos,já que nas valas de sondagem realizadas na Zona B e Cforam detectadas estruturas de habitação e ocupação,nomeadamente buracos de poste e restos de lareiras, bemcomo fossas abertas no saibro para armazenamento dealimentos, estruturas essas em relação directa com ves-tígios cerâmicos e líticos. Houve então necessidade, facea importância dos achados, de se alargar integralmentea área de escavação nas Zonas A e B, integrando assondagens já efectuadas numa malha de quadrículas emsistema alfanumérico seguindo a orientação dos pontoscardeais, quadrículas essas de 4x4m, sem banquetasentre elas. Continuamos a proceder à escavação na ver-tical das unidades arqueológicas até se detectarem es-truturas, sendo depois essas escavadas, sempre que pos-sível, por meio de cortes longitudinais, de forma a po-dermos aferir da deposição estratigráfica no interiordessas estruturas (fossas de armazenamento e sepultu-ras), sendo as terras provenientes do interior das mes-mas peneiradas com malhas finas. Foram ainda reco-lhidas amostras de carvões e de terras do interior dasfossas, bem como recolhidas algumas amostras de se-mentes do interior das estruturas de armazenamento,recolha essa feita por método de flutuação.

Todos os perfis e estruturas foram desenhados, fo-tografados e cotados.

4. A Escavação Arqueológica

A escavação arqueológica realizada no Povoado daCimalha ficou registada com o seguinte acrónimo : PC-S-FLG-04 (Povoado da Cimalha – Sernande –Felgueiras – 2004), tendo a direcção científica dos tra-balhos estado a cargo de Pedro Miguel Dias Brochadode Almeida (Mestre em Pré-História e Arqueologia pelaFLUP) e Francisco Rui de Carvalho Fernandes (Licen-ciado em História, variante de Arqueologia pela FLUP).

4.1 - Estratigrafia

Foi possível pela escavação arqueológica reconhe-cer a seguinte estratigrafia geral para todas as áreasintervencionadas:

Estrato 1- Camada de enchimento de uma violaçãorecente – Terra heterogénea, de cor castanho escuro,com restos de lixo recente(couros de moldes de sapa-tos, objectos metálicos, plásticos e têxteis).

Estrato 2- Terreno vegetal – Terra heterogénea,humosa, de cor castanho-escuro, misturada com terracinzenta e carvões, vegetação e muitas raízes, frag-mentos de cerâmica contemporânea.

Estrato 3 - Camada de enchimentos dos buracosprovocados pelo saque de raízes de árvores – Terraheterogénea, humosa, de cor castanho-escuro. Mistu-rada com saibro de cor amarelo e pequenas lascasgraníticas de pequeno e médio porte.

Estrato 4 – Camada de enchimento da violação paraexploração de saibro e granito – Terra heterogénea,de cor castanho acinzentado, misturada com terras decor castanho escuro e saibro de cor amarelo, com mui-tas lascas e escombros de granito de cor azul e cin-zento.

Estrato 5 – Camada de deposição de entulho saídoda construção de um poço de extracção de água – Sai-bro de cor amarelo com escombros de rocha graníticade vários tamanhos e formas.

Estrato 6 – Camada de enchimento de pequenosburacos com função indeterminada – Terra heterogé-nea, de cor castanho claro misturada com saibro ama-relo.

Estrato 7 – Camada de enchimento das valas desaque de muros de divisão de propriedade – Terra he-terogénea, humosa, de cor castanho escuro com nódu-los de terra de cor cinzento, muitas raízes, fragmentosde cerâmica, líticos em granito e quartzo, bem comopedras graníticas de forma e tamanho variado.

Estrato 8 – Camada de enchimento para cultivo –Terra heterogénea, bastante humosa, de cor castanhoescuro misturada com alguns nódulos de saibro.

Estrato 9 – Antigo terreno vegetal que sela algu-mas das fossas de armazenamento de alimentos – Ter-ra heterogénea, de cor castanho misturada com restosde saibro e algumas pedras graníticas de vários tama-nhos e portes.

Estrato 10 –– Camada de deposição natural quesela algumas das fossas de armazenamento de alimen-tos - Terra homogénea, em algumas quadrículas bas-tante compacta, de cor castanho escuro, humosa, comfragmentos cerâmicos. Esta camada serviu também decamada de ocupação e circulação.

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Estrato 11 – Camada de enchimento dos buracosde poste – Terra heterogénea, desagregada, de corcastanho com nódulos de cinzento e saibro de coramarelo

Estrato 12 – Camada de enchimento das fossas dearmazenamento de alimentos – Terra heterogénea, decor castanho acinzentado, com nódulos de saibro epedras graníticas de vários tamanhos e formas, entreos quais restos de mós de rebolo e respectivos moventesmanuais, fragmentos de cerâmica e líticos de quartzoe granito.

Estrato 13 – Camada selagem do fundo falso dafossa de armazenamento de alimentos n.º 105 – Ca-mada de barro de cor laranja, homogéneo e bastantecompacto.

Estrato 14 – Camada de enchimento do depósitodentro da fossa n.º105 – Terra homogénea. De cor pre-to, com bastantes carvões e cinzas.

Estrato 15 – Camada de enchimento das fossas se-pulcrais – Terra heterogénea, de cor castanho-escuromisturada com nódulos de cinzento e saibros amare-

los, carvões e pedras graníticas e quartzos de pequenoporte, com cerâmica (pote). Esta camada subdivide-senoutras camadas conforme as sepulturas mais antigasque são cortadas por outras mais recentes.

Estrato 16 – Camada de ocupação/abandono dashabitações (cabanas) – Camada pouco espessa de cin-zas de cor preto e carvões.

Estrato 17 – Piso da habitação onde se detectourestos de uma lareira (cabana n.º 1) - Terra homogé-nea, bastante compacta, oxidada, barrenta de cor ver-melho alaranjado.

Estrato 18 – Camada de preparação e enchimentopara assentamento do piso e lareira da cabana n.º 1 –Terra homogénea, barrenta, de cor castanho.

Estrato 19 – Camada não arqueológica origináriada desagregação do terreno geológico – Terra saibro-sa, de cor castanho claro com lascas de granito e quart-zos de vários tamanhos e portes.

Estrato 20 – Camada não arqueológica – Terrenogeológico, composto por saibro de cor amarelo e gra-nito, quer cinzento quer azul.

Quadro 1. Quadro - Síntese da Estratigrafia

Est. Arqueológico Período Funcionalidade

1 Contemporâneo Lixeira2 Uso Agrícola3 Exploração Madeira4 Exploração Pedra5 Construção Poço6 Uso Agrícola

7 Moderno / Contemporâneo Destruição Muros Propriedade8 Uso Agricola

9 Indeterminado Terrenos vegetais1011 Enchimento buracos poste12 Enchimento fossas silagem

13 Bronze Selagem barro fossa 10514 Cinzas interior fossa 10515 Enchimento fossa sepulcrais16 Camada ocupação cabanas17 Piso e lareiras18 Preparação/nivelamento Pisos

19 Terreno Geológico em Desagregação20 Terreno Geológico

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4.2 – Comentário ao registo estratigráfico geral

Analisando então toda a estratigrafia detectadapodemos dizer que o registo estratigráfico mais antigocorresponde a camadas sem interesse arqueológico.Tratam-se de camadas geológicas (estratos 19 e 20),sendo essas as camadas onde foram rasgadas as estru-turas detectadas.

Cronologicamente segue-se a camada de prepara-ção para assentamento do piso das cabanas (estrato18), cuja função era o de regularizar as imperfeiçõesdo terreno, tornando-o mais plano e nivelado. De se-guida assentou-se o piso das habitações, onde se in-cluem também as lareiras (estrato 17). Este não será opiso original das habitações, até porque o elevado nú-mero de buracos de poste, alguns com alinhamentosdiferentes, parece indiciar que elas sofreram diversasreformas e restauros, sendo então este o piso da últimaocupação do local, já que não foi possível detectaroutros. Sobre o piso encontrou-se uma fina camada deocupação (estrato 16) que na zona das lareiras assu-mia uma maior espessura.

As fossas de silagem e as sepulturas serão, em par-te, contemporâneas das cabanas de madeira. Todavia,como todas estas estruturas foram abertas no terrenogeológico, é difícil estabelecer uma relação cronoló-gica entre elas através da sequência estratigráfica.

As fossas sepulcrais e tumuli em madeira abertosno terreno geológico, após o enterramento, são cober-tas então por terra (estrato 15). A dada altura, o au-mento da área de enterramentos levou a que este prati-camente se unisse à zona dos silos de armazenamento,existindo um caso que, aparentemente, um dos silosfoi utilizado como local para enterramento, sendo esteum caso único detectado em toda a zona. Para o efeitofoi escavada uma pequena cavidade no fundo da fossade silagem que, depois de cheio com cinzas (estrato14), foi selada com uma argamassa de barro (estrato13). Este facto pode querer indiciar que o silo conti-nuou a ser utilizado como área de armazenamento,embora coloquemos muitas reservas nesta afirmação,já que não detectamos indícios arqueológicos que nospermitam afirmar categoricamente o mesmo.

Seguem-se então estratos relacionados com o aban-dono do povoado. É o caso da camada de terra queencheu parcialmente algumas das fossas de silagem(estrato 12), misturada com restos de mós manuais,

pedras e alguns fragmentos cerâmicos, bem como dacamada de terra que enche os buracos de poste (estra-to 11), provavelmente originária da decomposição dospostes de madeira.

Ao abandono, seguiu-se um período em que toda aárea foi ocupada por vegetação que, depois de morta,deu origem a uma camada humosa. Estas terras (estra-tos 9 e 10) acabaram por selar a totalidade das fossasde silagem, bem como o espaço ocupado pelas caba-nas, entretanto destruídas.

Mais recente é uma camada de terra que serviu deterra de cultivo (estrato 8). A ocupação agrícola doterreno é bem visível nos sulcos talhados em algumasdas rochas graníticas de maiores dimensões í existen-tes, provocados pela passagem do arado metálico. Acapacidade produtiva destas terras atraiu os agriculto-res que emparcelaram esta área com recurso a murosde divisão da propriedade.

O recente movimento de concentração da proprie-dade levou à fusão de vários terrenos, resultando nadestruição de muitos desses muros, fenómeno que fi-cou também registado na sequência estratigráfica (es-trato 7). A actividade agrícola necessitava de grandequantidade de água pelo que a presença de um poçonas imediações não é de estranhar. A sua construçãodeixa marcas que acabaram por ser identificadas noâmbito da intervenção arqueológica (estrato 5).

Paralelamente este espaço foi também alvo de ex-ploração de pedra, especialmente de granito azul. Todaa área arqueológica esta pejada de batólitos graníticosarredondados e de diferentes dimensões. Alguns de-les foram removidos, remoção que implicou a abertu-ra e a selagem de valas de saque com detritos dessamesma exploração (estrato 3).

Em algumas zonas da área escavada também seefectuou a exploração de madeira, fosse para explora-ção económica ou regularizar o terreno agrícola, le-vando em alguns casos a arrancarem as próprias raízesdestas árvores. Deste modo, tornou-se necessário ta-par e regularizar o terreno com terras (estrato 3).

As duas actividades anteriores permitiram aumen-tar a área de exploração agrícola, através do lançamentode uma nova camada de terra (estrato 2).

Mesmo após o abandono agrícola do local, e esteter sido ocupado por giestas e ervas daninhas, a versa-tilidade funcional do local foi reforçada pelo facto deter sido utilizado como depósito de lixos e de desper-

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dícios de uma fábrica têxtil e ou-tros desperdícios. Restos de lixoencontravam-se disseminados umpouco por toda a área, bem comofoi detectado um grande buracoaberto no terreno, para onde fo-ram lançados restos de vestuário,de couro, moldes de sapatos, me-tais e plásticos, tendo por fim,tudo isto sido tapada por uma ca-mada de terra (estrato 1).

4.3 – Estruturas detectadas

A intervenção arqueológicapermitiu detectar diversos tiposde estruturas. Destacamos as la-reiras e restos de piso de duas ca-banas, e respectivos buracos de poste, bem como ou-tras estruturas abertas no terreno geológico, nomea-damente fossas, quer do tipo de fossas de armazena-mento de alimentos do tipo silo, quer do tipo de fossassepulcrais em forma de cista plana. (Fig. 3)

4.3.1 – Cabanas e Lareiras

Os trabalhos arqueológicos permitiram identificara localização de duas lareiras, ou os vestígios destas.Estas situam-se nas quadrículas E1 e H4 respectiva-mente, sendo delimitadas por pequenas fossas abertasno saibro, de formas circular, sub-circular e ovaladas,interpretadas como buracos de poste, formando assimduas cabanas.

As lareiras tratam-se apenas de restos de um pisobarrento oxidado, bastante compactado, de coloraçãovermelho - alaranjado. Assentavam, pelo menos nocaso registado na cabana 1, numa terra barrenta de corcastanho, que servia-lhe de preparação e enchimentopara a respectivo assentamento da lareira. Sobre ambasas lareiras foi ainda detectada uma camada de ocupa-ção/abandono das habitações (cabanas), composta poruma fina camada de cinzas de cor preto e carvões, cujosrestos foram recolhidos para análises, mas cuja quan-tidade recolhida não é suficiente para uma datação porC14.

As lareiras encontravam-se no interior destas duasestruturas, cujos alicerces assentavam então em bura-

cos de poste. Os buracos de poste detectados encon-tram-se distribuídos pelas quadrículas E1-F1-G1-E2-F2-G2, sendo esta a Cabana 1, e pelas quadrículas G4-H4-I4-G5-H5-I5, sendo esta a cabana 2, tendo sidodetectados um total de 68 buracos de poste, sendo que46 pertencem à cabana 1 e os restantes 22 à cabana 2.

Os buracos de poste possuem várias formas e ta-manhos, destacando-se os de forma circular ou sub-circular e mesmo ovalados, com dimensões médiasde 20 a 30 cm. (Fig 4)

Estas cabanas encontram-se situadas junto ao li-mite Sul/Sul-Sudeste da área escavada, sendo que assuas formas deram-se a conhecer tanto pelos buracosde poste, como pelos pisos e respectivas lareiras. Alocalização de ambas é muito próxima, sendo que emseu redor existem várias fossas de aprovisionamento,em provável articulação entre ambas as estruturas.Estas fossas de aprovisionamento encontram-se, no-meadamente junto à cabana 1, onde se identificaramas fossas de armazenamento com os números 10,11,13(Q-F1), 15 (Q-D1), 16 (QD1-D2), 36 (Q-G1), 35 (Q-F2), 88 (Q-F2-F3), 89 (Q-F3) e 90 (Q-G2). Já quantoà cabana 2, junto a ela encontram-se as fossas dearmazenamento com os números 82 (Q-H5), 103 (Q -G4-G5), 109,110,111 (Q-G5) e 102 (Q-G4), podendoainda ser detectadas outras nas suas imediações.

Não existem estruturas similares noutras áreas daescavação, pelo que parece credível pensar que as res-tantes estruturas arquitectónicas da zona habitacional

Figura 3. Fotografia aérea da área escavada

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do povoado, neste caso ca-banas, encontram-se numacota superior àquela onde seprocedeu esta intervenção.

A grande quantidade deburacos de poste encontra-dos, alguns dos quais comalinhamentos diferentes, per-mitem pensar em diversasreformulações destas caba-nas, contudo não foi possí-vel descortinar no registoarqueológico a quantidadede reformulações que estasmesmas podem ter tido, facese tratarem de um tipo deestruturas abertas no subs-trato saibroso e por existiruma enorme perenidade doselementos construtivos que as compunham. Essa ne-cessidade premente de constante reformulação das ca-banas estará relacionada com a combinação de 3 fac-tores: os fortes ventos que aí se fazem sentir, especial-mente durante o Inverno, a implantação do povoadonum monte desabrigado e a própria natureza dos ma-teriais de construção. Aliás, a preocupação com a re-sistência das construções levou à criação de cabanascom a forma de gota de água, analisando os alinha-mentos deixados pelos buracos de poste, sendo que aárea em forma de cunha encontra-se voltada para Este,de onde provêm os ventos mais fortes. Deste modo,diminuiu-se a resistência ao vento, tentando dotar es-tas estruturas de uma maior resistência e durabilidade.

Estas cabanas, construídas com materiais perecí-veis, tais como postes e ramos em madeira, em prová-vel conjugação com elementos saibrosos e barrentos,funcionariam então como local de habitação das po-pulações que povoavam o monte das Cimalha. A ocu-pação habitacional das respectivas cabanas é compro-vada pela presença das duas lareiras detectadas, umapor cabana no interior do perímetro delimitado pelosburacos de poste. Contudo, face aos dados existentes,é muito difícil estabelecer seguramente qual atemporalidade de ocupação destas construções, bemcomo seria o seu real tamanho ou forma.

O último elemento relevante a mencionar é a qua-se exiguidade de vestígios cerâmicos ou metálicos

dentro delas ou nas suas imediações, aliás um dadoque se repete ao longo de boa parte de toda a área ondefoi efectuada a escavação arqueológica, o que nos podeleva a questionar se estas seriam mesmo cabanas dehabitação, ou então estruturas de apoio à grande áreade silagem aí detectada? Mesmo face á exiguidade deespólio arqueológico, estamos convencidos, face aoelevado número de silos identificados, que estas se-riam cabanas de ocupação habitacional, funcionandomesmo com um carácter permanente.

4.3.2 – As Fossas para armazenamentode alimentos – Silos

Outro dos elementos arqueológicos detectados nopovoado das Cimalha foram fossas de armazenamentode alimentos do tipo silos. Os silos detectados pos-suem, em grosso modo, poucas variantes tipológicas.São todas eles fossas abertas no substrato saibroso,quase todos com uma abertura circular ou sub-circu-lar, variando entre os de abertura estreita e os de aber-tura larga. Em termos de paredes, distinguem-se aque-les que possuem paredes côncavas bastante bojudas,dos que possuem paredes verticais, bem como dos deparedes oblíquas ou então os de paredes irregulares.Em termos de profundidade, distinguem-se os silos quepossuem pouca profundidade, dos de profundidade mé-

Figura 4. Fotografia da Cabana 1.

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dia e dos de grande profundidade, o que se reflecte naquantidade de alimentos que podiam ser armazenados,expressos em termos de cubicagem.

Gráfico 1. Gráfico percentual dos silos por cubicagem

No total foram encontradas 122 fossas deste tipo. Amaioria delas provavelmente serviria para o aprovisio-namento de alimentos, sendo que a maior percentagemdessas fossas não está associada às cabanas identificadas,permitindo pensar que a Cimalha possuía uma área co-munitária especializada no armazenamento de alimen-tos. Apenas podemos associar 16 fossas de aprovisio-namento às duas cabanas existentes, o que é apenas 14%do total de silos detectados, sendo que uma esmagado-ra maioria (86%) dos silos poderia então pertencer àenorme área comunitária. (Fig. 5)

A selecção da sua localização era meticulosa, im-pondo que todos fossem rasgados em áreas onde a ro-

Figura 5. Fotografia do silo 8 após a sua escavação.

cha já havia perdido a coesão estrutural, e havia sidotransformada em saibro. Esta opção garantia que asfossas de aprovisionamento eram abertas rapidamentee sem grande dispêndio de recursos.

Todavia, foram encontradas algumas fossas deaprovisionamento cuja construção foi interrompida eabandonada. Um dos factores que levava a tomadadesta decisão prende-se com o facto de quem abriuestas fossas ter encontrado rocha inalterada a poucaprofundidade, levando a que estas fossas fossem chei-as de terra e inutilizadas. Tal é o exemplo das fossascom os números 17 (Q-C2), 18 (Q-C1), 74 (Q-J4) e90 (Q-G2), sendo a fossa 74 o exemplo mais ilustrativo,onde após o início da abertura da fossa, foi detectada apresença de rocha granítica, o que motivou o abando-no e enchimento da mesma. Consequentemente, o es-forço construtivo foi direccionado para uma área ondeas condições do terreno eram mais favoráveis.

Essas decisões só foram possíveis porque o monteda Cimalha colocou poucos entraves à expansão do po-voado. As suas encostas suaves e prolongadas dis-ponibilizaram áreas amplas, pelo que não era difícilencontrar locais alternativos para implantar estruturasinicialmente planeadas para outros espaços. (Fig. 6)

As fossas de aprovisionamento convencionalmen-te designadas por silos podem ser divididas em trêsgrandes categorias consoante a sua capacidade dearmazenamento: de grande (>600 m3), de média(300

a 600 m3) e de pequenacapacidade (<300 m3). Detodos os silos detectados,a maior percentagem agru-pa-se nos de média capa-cidade (300-600 m3) com38% dos silos. Logo deseguida encontram-se osde pequena capacidade(<300 m3) com 33%, e porfim os de grande capacida-de (>600m3) com 29%.

Existem alguns exem-plares cuja capacidade ron-daria os 100 litros (Fossa213 – Q- C9), enquanto ou-tros poderiam conter maisde 1100 litros (Fossa 66 –Q-E4).

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Figura 6. Fotografia da área com silos.

Contudo, realçamos que aqueles que mais baixacapacidade de armazenamento possuem, são tambémos silos que mais destruídos se encontravam, poden-do, se estivessem em perfeitas condições, aumentaresta capacidade.

Também é de destacar que os silos com maior ca-pacidade de armazenamento são aqueles que possu-em uma forma circular, de abertura estreita e paredescôncavas ou ovóides, o que nos leva a questionar senão seriam estes que se encontravam em melhorescondições de preservação em relação a todos os ou-tros. Este questão contudo não obteve resposta nosregistos arqueológicos recolhidos.

A média rondaria então entre os 400 e os 500 litrosde capacidade de armazenamento, valores que se mul-tiplicados pelo número de silos detectado atingiriacomo capacidade total de armazenamento númerosentre os 48,880 a 61,000 litros de armazenamento. Es-tes números devem ser analisados com muitas reser-vas pois é difícil comprovar a contemporaneidade detodos estes silos, bem como não existe a certeza deque foram detectados todos os silos do povoado. Comcerteza existem mais em áreas que não foram escava-das, quer para Sul, subindo até ao topo do morro dasCimalha, quer para Norte e Oeste.

Tipologicamente, as fossas de aprovisionamento

assumem diversas formas. Aforma mais comum é a cir-cular com paredes côncavasou verticais, fundo arredon-dado e entrada larga. Estarepresenta mesma 50% datotalidade das formas iden-tificadas, possuindo umaprofundidade baixa ou mé-dia, o que depois se reflectena quantidade de alimentosarmazenados expressos emcubicagem. A mesma formacircular subdivide-se depoisnas fossas com paredesovóides ou côncavas, fundoarredondado e entrada estrei-ta, representando estas umtotal de 14,75%; nas fossascom paredes oblíquas e en-trada larga com 16,4%; e por

fim as paredes e fundo irregular com 15,58%. As res-tantes fossas são aquelas que apresentam uma formasub-circular, sendo na sua maioria fossas com paredesverticais ou côncavas, representando apenas 3,27% dossilos detectados. (Fig. 7)

Parte das terras provenientes dos silos foram su-jeitas a crivagem com malhas finas e mesmo aflutuações no local de escavação, mas que não produ-ziram grandes resultados. Foram então recolhidas di-versas amostras de terras do interior dos silos paraanálises posteriores, cujo intuito é o de proceder à iden-tificação das espécies armazenadas, bem como àdatação de alguns dos carvões que se encontraram noseu interior. No estado actual da investigação não épossível revelar nenhum dos resultados.

A escavação das fossas de aprovisionamento per-mitiu perceber que o seu abandono foi progressivo. Aanálise das camadas arqueológicas detectadas no seuinterior, indicam-nos camadas de deposição de detri-tos, de origem natural e antrópica. O abandono destasestruturas é tanto mais evidente quando se percebe queperto da boca da fossa n.º 63 (Q-M3) foi encontradauma mó manual a selar a mesma. Este aliás é um outroelemento de destaque. De facto, boa parte das fossasde aprovisionamento continham, no seu interior, ele-mentos pétreos associados a actividades de moagem.

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Figura 7. Desenhos cortes de perfil de alguns silos.

Foram detectados inúmeros fragmentos de mós ma-nuais e moventes, sendo que nalgumas fossas forammesmo detectadas mós manuais inteiras, o que com-prova a sua utilização enquanto fossas de aprovisio-

namento de cereais. Em al-gumas destas fossas de apro-visionamento foram aindadetectados no seu interiorvestígios de entalhes escava-dos nas paredes de saibro dafossa, quer perto da sua boca,o que serviria para colocaruma tampa que selasse a fos-sa e a protegesse o seu con-teúdo das intempéries natu-rais, favorecendo a sua pre-servação, quer a meio da fos-sa, o que leva a supor que setrataria de uma divisão inter-na da própria fossa. Tais sãoos exemplos das fossas nú-meros 10 (Q-F1), 25 (Q-H6),84 (Q-L1), 87 (Q-C6-D6), 91(Q-K3) 3 97 (Q-J5-J6).

A escavação das fossasde aprovisionamento nãopermitiu detectar quaisquerresíduos de um provável re-vestimento das paredes dasfossas de aprovisionamento.

Destacamos um caso úni-co no universo de todas es-tes silos que é o da fossa deaprovisionamento n.º 105(Q- J7-J8). Ao contrário detodas as outras cujo fundoera o substrato saibroso, estafossa possuía um fundo fal-so em argila. Uma vez remo-vido, foi possível identificarque existia uma pequena ca-vidade repleta de cinzas.Elas foram recolhidas parafuturas análises laborato-riais, embora, como hipóte-se de trabalho, é provávelque pudessem pertencer a

uma cremação. De qualquer modo, estamos face a umdepósito intencional, posterior à utilização da fossa epor terem selado essa cavidade, terá sido possívelmanter a fossa de aprovisionamento em funcionamen-

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to, já que as cinzas nunca estavam em contacto directocom o conteúdo da fossa de aprovisionamento. Se as-sim foi, poderá este ser um indício de propriedade?(Fig. 8)

4.3.3 - As fossas sepulcrais

Os enterramentos identificados nesta intervençãopodem ser divididos em dois tipos, as de inumação e decremação, num total de 175 fossas. 174 são fossas deinumação, enquanto de cremação foi encontrado únicoexemplar, que será a Fossa 105, anteriormente referida.

Quanto às restantes fossas, estas são sepulturas soba forma de cistas planas de inumação, sub-rectangula-res, com paredes côncavas, rasgadas no terreno geo-lógico saibroso. (Fig 9)

Localizam-se no lado mais oriental da zona escava-da, espalhadas por uma área de cerca de 1088m2, nãotendo sido identificada qualquer barreira arquitectóni-ca construída que separasse os silos das sepulturas.

Foram identificadas 175 sepulturas de inumação decista plana escavadas no saibro. As suas dimensõesmédias situam-se nos 222cm de comprimento, por 85cmde largura e uma profundidade de 35cm. Existam se-pulturas menores e maiores, em termos de dimensões.

Nem todas possuem uma orientação semelhante.Vinte e quatro das sepulturas possuem uma orienta-ção Este/Oeste, o que corresponde a 14% do total das

Figura 8. Fotografia do silo 105.

sepulturas. Trinta e oito possuem umaorientação Nordeste/Sudoeste, repre-sentando 22%. Quarenta possuem umaorientação Noroeste/Sudeste, totali-zando 23%. A maior percentagem desepulturas 40%, num total de setenta euma, possui uma orientação Norte/Sul,existindo ainda uma sepultura que nãofoi possível determinar a sua orienta-ção face ao seu estado de desagrega-ção.

Gráfico 2. Gráfico percentual das Sepulturas por orientação

Esta situação de diferentes orientações das sepul-turas levanta a possibilidade dos enterramentos teremsido efectuados ao longo de um período cronológicomuito dilatado. Esta hipótese pode ser confirmada pelasobreposição de algumas delas.

Outros meios de prova poderão ser as amostra decarvão, retiradas do interior de algumas das sepultu-ras, depois de submetidas a testes de Carbono 14.

O enchimento destas fossas sepulcrais era, em gros-so modo, o mesmo tipo de terras em todas elas, o iden-tificado estrato 15, composto por uma terra heterogé-nea, de cor castanho escuro misturada com nódulos decinzento e saibros amarelos, carvões, pedras graníticase quartzos de pequeno porte. Além de carvões dis-persos, em duas delas foram detectadas grandes pre-senças de carvões, que posteriormente iremos descre-ver com mais pormenor. Esta camada subdivide-senoutras camadas conforme as sepulturas mais antigasque são cortadas por outras mais recentes, embora nãotenham sido detectadas diferenças quanto ao tipo deterras. Esta sobreposição só foi possível identificar aoanalisar a orientação das sepulturas no e respectivoscortes no terreno geológico.

Sepulturas por Orientação

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Em 120 dessas sepulturas encontrava-se um potecerâmico, provavelmente votivo, situado sempre numadas extremidades das mesmas. Não existia contudonenhum padrão quanto à localização deste potes

Figura 9. Desenhos de cortes de perfis de algumas sepulturas.

votivos em relação à orien-tação das sepulturas, ou seja,em quaisquer das orienta-ções, os potes votivos foramencontrados em quaisqueruma das extremidades dasmesmas, não sendo possíveldizer se estes se situavam nacabeceira ou aos pés do cor-po inumado na sepultura.(Fig. 10)

Caso curioso é o da se-pulturas n.º 322 (Q- R7-S7),que possui uma orientaçãoNorte/Sul. Durante a sua es-cavação foi identificado, soba forma de madeira carboni-zada, um suposto caixão. Nointerior dessa caixa de ma-deira, composta por fundo,paredes laterais e tampa, foiencontrado um pote tronco-cónico em muito bom esta-do de conservação. (Fig. 11)

(Fig. 12) Outras sepultu-ras possuíam o mesmo ritualde enterramento, tal como nafossa 245 (Q - R4), ondetambém se detectou umagrande extensão de carvão nasuperfície da sepultura e car-vão na sua base, mas nemneste nem em qualquer ou-tro dos casos detectados, foipossível documentá-lo comtanta precisão como na fos-sa 322. Nestas sepulturastambém se documentou apresença de madeira carbo-nizada e cinzas, mas em ne-nhuma delas era evidenteque faziam parte de uma cai-xa em madeira. Essa evidên-

cia só se tornou clara com a descoberta da sepulturada fossa 322. (Fig. 13)

Perante esta evidência, será necessário actualizaros conceitos relacionados com os rituais de enterra-

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Figura 10. Fotografia da sepultura 244 após a sua escavação. Figura 11. Fotografia da sepultura 322 após a limpeza da terraque enchia o caixão de madeira.

Figura 12. Pote saído da sepultura com caixão.

mento deste período, para a região do Noroeste dePortugal. Ao confirmar-se as datações apresentadasatravés de métodos radiocarbónicos, este facto irá al-terar a visão sobre a mentalidade e relação que existiana Idade do Bronze, relativamente aos rituais associa-dos à morte e enterramentos subsequentes.

Relativamente aos enterramentos após cremação,a intervenção arqueológica só detectou um possívelcaso, o da Fossa nº 105, já mencionado anteriormente.

5. Conclusões

O povoado da Cimalha, após a análise destes dadosarqueológicos parciais, apresenta características de tersido um povoado com estruturascavadas no saibro, pro-vavelmente aberto, sem estruturas defensivas visí-veis, possuindo pelo menos dois níveis de ocupação quepercorrem, pensamos nós, toda a Idade do Bronze.

A área escavada revelou estarmos na presença deum povoado com três áreas especializadas, umahabitacional associada a estruturas de aprovisionamen-to, à qual correspondem as estruturas tipo cabanasidentificadas pelos buracos de poste e respectivos si-los; uma outra exclusivamente de aprovisionamento,à qual se poderia apelidar de “grande armazém”, ondesó foram detectados silos, uma boa parte deles comelementos pétreos relacionados com a moagem de ce-reais, nomeadamente mós manuais ou o que restamdelas e respectivos moventes e uma terceira área, estafunerária, ao qual se pode apelidar de necrópole do

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Figura 13. Desenhos cortes perfis da sepultura com cai-xão1.

povoado, cujas sepulturas são abertas no saibro semestruturas delimitadoras, área essa situada relativamen-te próxima, se não mesmo contígua, à área com estru-turas de aprovisionamento.

Esta proximidade leva-nos a equacionar que o sí-tio da Cimalha foi um lugar onde as actividades sagra-das e profanas estiveram profundamente interligadas,numa perspectiva de ver o mundo onde os mortos e osvivos conviveram em grande intimidade.

A falta de estruturas, ou pelo menos a sua nãodetecção no registo arqueológico, que delimitassemestes dois espaços com funções tão distintas, parececonfirmar esta hipótese. A necrópole era perfeitamen-te visível e pode-se dizer mesmo “palpável”, para aspopulações que utilizassem os silos, numa actividadeque pensamos seria quase diária.

A necrópole fazia então parte do próprio povoado.Encontra-se numa área delimitadora do mesmo masperfeitamente enquadrada nele, o que corrobora a afir-mação da integração da necrópole na área do povoado,uma situação já conhecida, como no caso do Povoadode Bouça do Frade, em Baião, mas que representa umaenorme evolução quando pensamos em períodos da pré-história mais antigos. Mesmo ainda, sem um suporte dedatações absolutas para a estação, a análise dos elemen-tos recolhidos e sobretudo dos vasos cerâmicos saídosda necrópole, parece indiciar que este povoado teve umaocupação fixa, desde o final do III milénio a.C. até aofinal da Idade do Bronze. Este, aliás, é um carácter quesalientamos, o de uma ocupação fixa do local, já que agrande quantidade de estruturas de aprovisionamento ede sepulturas, não se coadunam com a ideia de povoa-do de ocupação sazonal.

Cremos que as populações que ocuparam o sítioda Cimalha, desde o Bronze Antigo ou Bronze Mé-dio, tiveram a necessidade de o marcar simbolicamen-te e de lhe conferir um “sentido de sítio”, asseguran-do, deste modo, a estabilidade, a legitimação da possee criando laços de identidade com o novo território devivência. Com os dados que dispomos tal parece tersido feito através dos enterramentos continuados, emactos que se supõem públicos, tendo em vista as ca-racterísticas abertas e de fácil acesso à necrópole, poisos mortos contribuem para conferir identidade aos lo-cais, tornando-se, progressivamente, em antepassados,a quem a sociedade atribui histórias que contribuempara perpetuar a memória do lugar.

Como não foram detectados vestígios posteriores,poderá deduzir-se que este povoado perdeu funciona-lidade, tendo sido definitivamente abandonado antesda transição para a Idade do Ferro. Este facto é expli-cável por este local não possuir características natu-rais para a implementação de estruturas defensivas,tão próprias dos povoados da Iª Idade do Ferro.

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