O PORTUGUÊS JURÍDICO COMO OBSTÁCULO AO ACESSO … · 2018-03-14 · entendimento poder se...

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Faculdade Unyleya Português Jurídico Gloria Teresinha da Silva Melgarejo O PORTUGUÊS JURÍDICO COMO OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA Rio de Janeiro 2017

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Faculdade Unyleya Português Jurídico

Gloria Teresinha da Silva Melgarejo

O PORTUGUÊS JURÍDICO COMO OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA

Rio de Janeiro 2017

Gloria Teresinha da Silva Melgarejo

O PORTUGUÊS JURÍDICO COMO OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA

Monografia apresentada à Faculdade Unyleya como requisito

para conclusão do curso de Pós-graduação lato sensu

“Português Jurídico".

Orientador: João Francisco Sinott Lopes

Rio de Janeiro 2017

RESUMO

Este trabalho traz reflexões sobre a complexidade do “juridiquês” enquanto

obstáculo ao efetivo acesso à Justiça. A necessidade por parte do meio jurídico de

se expressar de maneira tão rebuscada e as consequências deste modo de agir

para as relações entre os profissionais do Direito e aqueles que se utilizam de seus

serviços, sobretudo as pessoas mais pobres, foram focos do estudo. A intenção foi

juntar subsídios para reflexão de alternativas, que tornem a comunicação no meio

jurídico mais fácil e efetiva. Foi utilizada abordagem qualitativa e a fonte de pesquisa

foi a bibliografia existente sobre o tema, com destaque para buscas na Internet. Os

excessos da linguagem jurídica, que podem impedir uma compreensão clara e

rápida dos textos dos autos; a hipótese de esta situação de restrição ao

entendimento poder se configurar como uma forma velada (ou não) de violação ao

direito constitucional de acesso à Justiça; o poder da linguagem no âmbito jurídico;

os eventuais prejuízos possivelmente causados pelo uso do “juridiquês” ao bom

andamento dos processos judiciais; e a percepção de autores que já se dedicaram

ao assunto a respeito da dificuldade de entendimento pelas partes leigas do que

acontece no curso processual foram objetos de análise. No Capítulo 1, ao refletir-se

sobre o poder da linguagem no âmbito jurídico, verificou-se que o Direito está

interligado à linguagem, pois esta é ferramenta base para o trabalho executado

pelos operadores da área. Justamente por isso, há uma grande preocupação por

parte dos autores analisados com a utilização de termos e expressões que causem

ruídos à comunicação. No Capítulo 2, avaliou-se o quanto o “juridiquês” interfere

negativamente no bom andamento dos processos judiciais e se constatou que,

apesar de haver legislação que regule o texto legal com vistas a facilitar sua

acessibilidade, na prática, a complexidade linguística abre um buraco entre a

comunidade leiga e os intelectuais juristas e o uso de uma linguagem recheada de

vícios e citações desnecessárias acaba por tornar a Justiça cara e morosa. No

Capítulo 3, refletiu-se sobre o “juridiquês” enquanto ruído na comunicação com

pessoas leigas. Os autores analisados são unânimes quanto à necessidade de se

encontrar um equilíbrio entre a linguagem técnica e a do leigo. A conclusão do

trabalho foi que o uso de uma linguagem jurídica clara, acessível e objetiva é

determinante para que o cidadão possa usufruir efetivamente do seu direito

constitucional de acesso à Justiça. É de suma importância escolher a linguagem

mais adequada ao receptor da mensagem, sob pena de a comunicação não se

completar por falta de entendimento. No âmbito jurídico, a situação se agrava, pois

as consequências da ausência deste cuidado constituem-se em um obstáculo ao

acesso à Justiça, já que afeta negativamente o andamento dos processos judiciais

(Justiça cara e morosa) e faz pessoas leigas de reféns de profissionais do ramo, o

que vai de encontro ao conceito de Estado Democrático de Direito, que leva à ideia

de que a informação jurídica ao alcance de todos é uma das formas de exercício

democrático.

Palavras-chave: Justiça. Juridiquês. Linguagem. Comunicação. Democratização.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 5

REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................... 7

CAPÍTULO 1- O poder da linguagem no âmbito jurídico ...................................... 9 CAPÍTULO 2- “Juridiquês” versus bom andamento dos processos judiciais ..14

CAPÍTULO 3- “Juridiquês” como ruído na comunicação com pessoas leigas.19 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 27

5 INTRODUÇÃO

O Português Jurídico, linguagem própria utilizada por operadores do Direito,

muitas vezes, pode se apresentar como um obstáculo ao acesso à Justiça pela

incompreensão gerada naqueles que não conhecem seus termos e expressões.

Qual seria a relação entre a complexidade do “juridiquês”, não raro

indecifrável ao ponto de as partes interessadas não conseguirem acompanhar o

curso processual, e o efetivo acesso à Justiça?

O trabalho que exerce na Defensoria Pública da União possibilitou à autora

sua aproximação desta linguagem diferenciada, que é o Português Jurídico. Tendo a

Comunicação Social como atividade profissional, dois aspectos despertaram seu

interesse. O primeiro seria o motivo de o meio ter a necessidade de se expressar de

maneira tão rebuscada e, muitas vezes, até incompreensível. O segundo seriam as

consequências deste modo de agir para as relações entre os profissionais do Direito

e aqueles que se utilizam de seus serviços, principalmente as pessoas com menor

poder aquisitivo e, consequente, acesso ao conhecimento das mais variadas formas

da língua. Também trouxe preocupação a dificuldade que a imprensa em geral tem

em compreender este verdadeiro dialeto, desconhecido por parte dos leigos.

Este estudo pretende se aprofundar nestas questões para, com isso,

oferecer subsídios que possam contribuir na reflexão de alternativas, que tornem a

comunicação no meio jurídico mais fácil e efetiva. Informações claras poderão

favorecer o transcorrer dos processos judiciais, beneficiando as instituições

envolvidas, os seus agentes e usuários.

O objetivo deste trabalho é analisar os excessos de formalidade, de

arcaísmos, de termos latinos, dentre outros, da linguagem jurídica, que possam

impedir uma compreensão clara e rápida do texto dos autos, quer pelas partes

interessadas no processo ou pelos serventuários da justiça, e até pelo advogado da

parte contrária, e refletir como esta situação de restrição ao entendimento pode se

6 configurar como uma forma velada (ou não) de violação ao direito constitucional de

acesso à Justiça. Para tanto, pretende refletir sobre o poder da linguagem no âmbito

jurídico, pesquisar, na bibliografia existente sobre o tema, que tipo de prejuízo é

causado pelo uso do “juridiquês” ao bom andamento dos processos judiciais e

verificar como autores que já se dedicaram ao assunto percebem a questão da

dificuldade de entendimento pelas partes leigas sobre o que acontece no curso

processual.

Quanto à metodologia, será utilizada a abordagem qualitativa por apresentar

maior liberdade teórico-metodológica. As informações a serem analisadas serão

pesquisadas em bibliografia existente sobre o tema, com destaque para buscas na

rede mundial de computadores, a Internet. Também serão meios utilizados, para

obtenção de informações, publicações periódicas, artigos e/ou matérias de jornais e

revistas, inclusive os veiculados em meios eletrônicos, e documentos legislativos.

7 REFERENCIAL TEÓRICO

O direito de acesso à Justiça para todos se constitui em um dos pilares da

cidadania plena e está previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988. No artigo “Linguagem Jurídica e Acesso à Justiça”, a

professora Nirlene da Consolação Oliveira sustenta: “Não têm direito de acesso à

Justiça, todos aqueles para os quais a linguagem jurídica se lhes afigura como uma

língua alienígena”. (OLIVEIRA, disponível em:

<http://revistapensar.com.br/direito/pasta_upload/artigos/a121.pdf>Acesso em 23 de

março de 2016).

Oliveira relata que, em março de 2004, “uma pesquisa do Ibope,

encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, demonstrou haver um

enorme fosso entre a linguagem jurídica e a língua utilizada pelo cidadão comum,

deixando do lado de fora dos portais do Judiciário uma parcela significativa da

população brasileira”. De acordo com a professora, a linguagem jurídica pode ser

considerada “como um dos obstáculos ao acesso ao direito”.

Para a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), “a Justiça deve ser

compreendida em sua atuação por todos e especialmente por seus destinatários.

Compreendida, torna-se ainda mais imprescindível à consolidação do Estado

Democrático de Direito”. Tal preocupação fez com que a associação lançasse o livro

“O Judiciário ao alcance de todos: noções básicas de juridiquês”, com o intuito de

“alterar a cultura linguística dominante na área do Direito e acabar com textos em

intricado juridiquês”. (AMB, 2007, p.4)

O mesmo livro dedica um capítulo ao relacionamento entre o Judiciário e a

Mídia.

Muitos jornalistas, induzidos ao erro pela falta de tempo ou de

conhecimento em relação aos procedimentos e à linguagem jurídica, não

raro interpretam sentenças, liminares e outros atos judiciais de forma

incorreta. As características de apuração da Mídia, condicionadas não só a

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questões de tempo, mas também a fatores como pouco espaço, dificultam a

clareza dos textos e implicam incorreções no uso da linguagem de assuntos

de conteúdo técnico. (AMB, 2007, p. 7 e 8)

Segundo a AMB, nesta relação, verifica-se que o Judiciário se distancia do

público “pela postura excessivamente formal, pela produção de material

eventualmente incompreensível para o cidadão comum, por sentenças com

linguagem e vocabulário complicados, por exemplo”, ao mesmo tempo em que a

imprensa “continua a revelar patente desconhecimento jurídico por parte de

jornalistas designados para a cobertura de tais assuntos”. (AMB, 2007, p.8)

9 CAPÍTULO 1 O poder da linguagem no âmbito jurídico

O Direito é interligado à linguagem. O mundo jurídico, de acordo com Cruz

(2003), procura solucionar os conflitos da sociedade com o uso da retórica e é por

meio da linguagem que as leis se exteriorizam, sejam elas escritas ou verbais.

Segundo a autora, “no âmbito jurídico, a comunicação é o fator que viabiliza a

existência do Direito”. Para ela, linguagem e Direito são “como ‘a panela e a tampa’,

e o Direito nada seria sem a linguagem”. (CRUZ, 2003)

Entre as definições para o termo “linguagem”, relacionadas no Michaelis

Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, estão: “faculdade que tem todo homem

de comunicar seus pensamentos e sentimentos”; “conjunto de sinais falados,

escritos ou gesticulados de que se serve o homem para exprimir esses

pensamentos e sentimentos”; e “qualquer meio utilizado pelo homem para se

comunicar”. (DICIONÁRIO MICHAELIS, disponível em:

<http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=linguagem>Acesso em 20

de janeiro de 2017). Ou seja, é através da linguagem que os seres humanos

interagem e se sociabilizam.

Marilena Chauí, em Convite à Filosofia, conceitua linguagem como “a forma

propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros,

da vida social e política, do pensamento e das artes”. (CHAUÍ, 2000, p. 173)

A linguagem é nossa via de acesso ao mundo e ao pensamento, ela nos envolve e nos habita, assim como a envolvemos e a habitamos. Ter experiência da linguagem é ter uma experiência espantosa: emitimos e ouvimos sons, escrevemos e lemos letras, mas, sem que saibamos como, experimentamos sentidos, significados, significações, emoções, desejos, ideias. (CHAUÍ, 2000, p. 185)

Em Linguagem Jurídica e Acesso à Justiça, Nirlene da Consolação Oliveira

vai além e define “linguagem” como construção histórica, social e cultural.

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Esta concepção fundamenta-se na ideia de que, como elemento constitutivo da atividade propriamente humana, a linguagem origina-se no processo social da existência humana, processo este que combina interações do homem com a natureza e com os outros homens. (OLIVEIRA, [s.d.])

Oliveira [s.d.] acredita que “a linguagem só existe enquanto realização

social” e que “a função social da linguagem, em um Estado Democrático de Direito,

não deveria ser outra senão a de comunicar”. Ela considera que tal comunicação é

prejudicada pelo chamado “juridiquês”.

(...) tendo em vista toda a discussão sobre participação democrática e cidadã, infira-se que a linguagem jurídica - rebuscada, obsoleta, impregnada de arcaísmos e latinismos - não contempla os ideais constitucionais de igualdade e democracia, impactando, em grande medida, o acesso à Justiça. (OLIVEIRA, [s.d.])

Caetano et al., [s.d.] define “juridiquês” como um conjunto de expressões e

termos utilizados entre os operadores do Direito, “com gírias e jargões que tornam

robusto o texto apresentado aos autos dos processos. É definido como um desvio no

linguajar jurídico por prejudicar a inteligibilidade aos interlocutores”.

Em linhas gerais, linguagem jurídica é a forma de expressão escrita ou oral

utilizada no universo jurídico. Diferencia-se de outras linguagens pela utilização de

termos técnicos próprios e de recursos de rebuscamento do texto.

Os termos técnicos, englobados no que se denomina terminologia jurídica, são signos que remetem a situações e conceitos específicos do Direito, criados com o objetivo de dar ao texto jurídico, clareza, precisão e objetividade. Em outra faceta, os recursos de ornamentação e rebuscamento presentes na linguagem jurídica, dentre os quais destacam-se o arcaísmo, o preciosismo, o latinismo, o vocabulário erudito, as citações doutrinárias e as expressões laudatórias, têm, igualmente, seus objetivos, motivação e consequências. (OLIVEIRA, [s.d.])

Arcaísmo é o uso de palavras e expressões obsoletas. De acordo com

Oliveira, “são palavras que a memória coletiva dobrou e guardou, e que, com

frequência, pulam dos espessos dicionários para exibir sua cara amarrotada em

muitos textos e, com propriedade, nos textos jurídicos”. São exemplos de palavras e

expressões arcaicas: exordial, excelso soldalício, ergástulo público, o Supremo

Pretório, dentre outras.

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Aqueles que utilizam tais palavras consideram que o texto ganha feições eruditas e carimbo de sabedoria. Há ainda quem considere tal uso um recurso estilístico e outros, na mais notória ignorância, veem como uma necessidade para dar ao texto clareza e precisão. (OLIVEIRA, [s.d.])

A autora destaca ainda que “a presença de palavras e expressões arcaicas

está normalmente combinada com a uma produção textual prolixa e truncada, o que

compromete sobremaneira a compreensão do texto”. (OLIVEIRA, [s.d.])

Latinismo é o uso de palavras e expressões em Latim, língua morta da qual

se originou a Língua Portuguesa.

É de se esperar, portanto, transitem no léxico contemporâneo resquícios da raiz latina, claramente manifesta em radicais e afixos, presentes na formação das palavras portuguesas. Contudo, muitas palavras e expressões latinas, por influência do Direito romano, foram trazidas ao vocabulário jurídico sem modificações na escrita, vindo a compor com relevância a linguagem jurídica, sem que sejam de notório conhecimento popular. (OLIVEIRA, [s.d.])

Cruz (2003) ressalta que o jurista com vocabulário pobre não terá sucesso

profissional. “De outro lado, o Direito não pode esquecer da linguagem comum, visto

que tudo começa com a linguagem vulgar e com esta também termina. Na verdade

o que ocorre é uma tradução, assim como traduzir uma língua estrangeira

desconhecida.”

No artigo A (In)compreensão da Linguagem Jurídica e seus Efeitos na

Celeridade Processual, os autores pesquisadores alertam para o poder da

linguagem, que, segundo eles, consiste em “um artifício de poder na vida em

sociedade, mais ainda no mundo jurídico”. Eles explicam: “O operador do direito se

vale das palavras, tanto oralmente como na forma escrita, para conseguir o objetivo

de seu cliente nos autos.” (CAETANO et al., [s.d.])

Jhonatan de Castro e Silva, em Direito: linguagem, poder simbólico e

interpretação, conceitua Direito como “um sistema de normas, que só adquirem

juridicidade enquanto inseridas nesta estrutura maior que é o próprio ordenamento

jurídico”.

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Normas existem para pautar condutas humanas ou tudo que faça referência à conduta humana (...). Basicamente, estabelece o que devemos, não devemos e o que podemos fazer, ou seja, os limites e as razões do agir humano em sociedade. Para tanto, transmitem-se, manifestam-se e vivem por meio da linguagem. (SILVA, [s.d.])

Sendo assim, “para que possamos nos conduzir juridicamente, devemos

entender e compreender os signos que veiculam o quê é juridicamente exigido de

nós, senão não há comunicação jurídico-normativa possível”, esclarece o autor.

Para a juíza Oriana Piske (2006), reconhecer a necessidade de simplificação

da linguagem jurídica é o primeiro passo para a real democratização e pluralização

da Justiça.

É certo que a entrega da prestação jurisdicional não pode deixar de transitar por um processo, previamente regrado com uma linguagem clara, sem margem à ambiguidade na interpretação. O devido processo legal é essencial para a legitimação da atividade judicial, mas esse processo deve ser caminho de realização da Justiça, não estorvo incompreensível e inaceitável. (PISKE, 2006)

A magistrada sugere que tribunais e comarcas adotem uma linguagem mais

compreensível, promovam campanhas de simplificação e cursos de atualização da

linguagem jurídica e criem revistas que contemplem peças jurídicas que contenham

exemplos de expressões substituídas por alternativas mais simples. Cita como

exemplos as substituições de “Pretório Excelso” por “Supremo Tribunal Federal”,

“peça exordial” por “petição inicial”, “expert” por “perito”, “cônjuge sobrevivente” por

“viúvo” e assim por diante.

Sobre iniciativas do tipo, uma das que se destaca é a da Associação dos

Magistrados Brasileiros (AMB). Lübke (2016) conta que a AMB lançou, em 11 de

agosto de 2005, na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de

Janeiro, Brasil, uma campanha pela “Simplificação da Linguagem Jurídica” utilizada

por magistrados, advogados, promotores e outros operadores da área, “com o objeto

de aproximar o Poder Judiciário do cidadão comum, através de uma reeducação

linguística nos tribunais e nas faculdades de Direito, com o uso de uma linguagem

mais clara, e objetiva”.

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Partindo do mote: ninguém valoriza o que não conhece, a campanha teve por foco os estudantes de Direito. Por meio de palestras do presidente da entidade, juiz Rodrigo Collaço, a AMB divulgou a iniciativa em quatro Estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e no Distrito Federal. Também foi lançado um livreto com termos acessíveis, que transmitem as mesmas ideias das expressões complicadas frequentemente utilizadas nos documentos produzidos pelos profissionais do Direito. (LÜBKE, 2016)

É nesse livreto, produzido e distribuído pela campanha, que a AMB registra:

“A Justiça deve ser compreendida em sua atuação por todos e especialmente por

seus destinatários. Compreendida, torna-se ainda mais imprescindível à

consolidação do Estado Democrático de Direito.” (AMB, 2007, p.4)

Lübke (2016) conclui e sintetiza: “Simplificar a linguagem jurídica não é

sinônimo de involução intelectual, o contrário disso, é evolução!”

14 CAPÍTULO 2 “Juridiquês” versus bom andamento dos processos judiciais

Segundo Oliveira [s.d.], a Lei Complementar n° 95 de 26 de fevereiro de

1998, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 107 de 26 de abril de 2001,

veio dispor sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis,

conforme previsão do art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal.

Em seu art. 11, a lei mencionada estabelece que “as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica.” De forma didática, em seus incisos I e II, explicita as formas de obtenção de clareza e precisão, conforme se pode verificar no texto que traz a lei: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; b) usar frases curtas e concisas; c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis; d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente; e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico; II - para a obtenção de precisão: a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; b) expressar a ideia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico; c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado; f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto; g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes. (OLIVEIRA, [s.d.])

De acordo com a autora, “é clara a preocupação do legislador com a

acessibilidade do texto legal, uma vez que ele não só estabelece as características

principais para sua redação, como também ensina a escrever de forma a contemplá-

las”. (OLIVEIRA, [s.d.])

Note-se o apreço pelo termo técnico e pela linguagem comum, em detrimento de estilismos ou quaisquer marcas pessoais que venham a

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dificultar o entendimento da lei. O espírito dessa lei é o alcance da norma pelo seu destinatário, objetivo a que se persegue com a uniformidade da técnica legislativa e com redação jurídica adequada, aos moldes do artigo 11, da referida lei complementar. (OLIVEIRA, [s.d.])

O que se verifica na prática, porém, não corresponde ao estabelecido na lei.

Silva [s.d.] considera que “é de fato constatável na experiência cotidiana – e as

críticas neste sentido procedem – que a vaidade e o elitismo são comuns no mundo

jurídico (mas não só neste)”. Para o autor, “a estrutura da linguagem e do discurso

jurídico-científico deve ser mantida; mas, não decorre disso a sustentação do

excesso de formalismo ou tecnicismo prolixo que transparece no famigerado

‘juridiquês’”.

Lübke (2016) destaca prejuízos provocados pelo “juridiquês” ao bom

andamento dos processos judiciais.

Diante dessa complexidade linguística presente no vocabulário dos operadores de Direito, que faz existir um buraco na comunicação entre a comunidade leiga e os intelectuais juristas, discorrer-se-á sobre a importância da clareza na linguagem jurídica, com pretensão de desmistificar essa linguagem empolada, recheada de vícios, citações desnecessárias, que prolongam os prazos de execução dos processos e tornam a justiça cara e morosa. Em matéria de direito e linguagem, é possível encontrar um ponto de equilíbrio entre o discurso técnico e a linguagem cotidiana que possa colocar o judiciário ao alcance de todos. (LÜBKE, 2016)

A professora afirma que, para alguns pensadores, o “juridiquês” é um dos

responsáveis pela lentidão da justiça brasileira. “Peças processuais contendo mais

de 100 páginas, contendo citações desnecessárias que engrossam os autos

processuais.” Ela cita o caso de uma petição inicial que continha 120 páginas, um

exemplo que demonstra “o exagero na linguagem, que consome ainda mais o tempo

das cortes superiores, que por sinal já estão sobrecarregadas com milhões de

processos a serem resolvidos”.

Mesmo esta estando bem encadernada, foi devolvida pelo juiz com um pedido de que fosse mais sucinta. Refeita a petição, ficou esta com 70 páginas. Como se tratava de uma simples reclamação trabalhista, o juiz novamente devolveu o pedido, exigindo mais objetividade. Por fim, o advogado entregou a petição contendo catorze páginas. (LÜBKE, 2016)

Oliveira [s.d.] destaca que, “com o Estado Social positivado na Constituição

16 do Brasil em 1988, iniciou-se a busca de superar as barreiras ao acesso à Justiça,

cujas ações resultariam em reformas legislativas que diminuíssem o custo e a

lentidão dos processos”.

Dentre as causas geradoras da demora no processo cite-se o excessivo número de recursos, o formalismo exagerado, excesso de feitos, falta de adoção da tecnologia da informação, entre outros. O liberalismo e o capitalismo trouxeram a ideia de que tempo é dinheiro, de forma que a produtividade de uma atividade seja na medida em que mais rápido se realize. Acontece que a tutela jurisdicional, organizada numa estrutura burocrática e formalista, não consegue dar uma resposta com a rapidez almejada pela sociedade. Em contraponto à lentidão do Judiciário, a ideia que se coloca é a da segurança jurídica e o temor de que, em razão de uma aceleração desajuizada do processo, tenham-se decisões inadequadas e desequilibradas. O lado nocivo da demora do processo judiciário é que ela se torna um mecanismo útil e previsível amplamente utilizado por aqueles que querem protelar o pagamento de suas obrigações, estratagema este utilizado inclusive pelo Poder Público para atrasar o pagamento de seus débitos. (OLIVEIRA, [s.d.])

A professora critica juristas, profissionais do Direito e estudiosos do

problema do acesso à Justiça, que não dão relevância à linguagem jurídica como

aspecto sociocultural a ser mais seriamente considerado na democratização da

Justiça. O caminho de sua argumentação é previsível e ratificado em muitas outras discussões: o problema da linguagem jurídica não está nela e, sim, no cidadão, que é pobre, sem instrução, sem educação de qualidade. O que quer dizer claramente que a linguagem jurídica pode permanecer exatamente como está até que todos os cidadãos estejam ricos, instruídos e educados. Enquanto isso não acontece, com ou sem a intervenção do Estado, é natural que a Justiça esteja à disposição apenas de um pequeno grupo de privilegiados. (OLIVEIRA, [s.d.])

Oliveira opina que “o problema não é só de educação, é da linguagem

jurídica. O que é muito razoável de se pensar porque as pessoas de formação

superior diversa da jurídica, educadas e letradas, também não entendem a

linguagem jurídica”.

A professora afirma ainda:

Estabelecendo-se como um código a que poucos têm acesso, pode-se dizer que, ao produzir o texto jurídico, o autor tem em mente seus destinatários: aqueles a quem é possível a compreensão do mesmo, e aqueles para quem a compreensão é impossível. A sua intenção de exclusão de determinado público já se explicita no momento em que ele escolhe com que palavras comporá o seu texto. (OLIVEIRA, [s.d.])

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As dificuldades relacionadas com a linguagem que impossibilitam a

comunicação também contribuem para a demora na solução de conflitos pelo Poder

Judiciário. Caetano et al [s.d.] destaca que, “em macro esfera, o juridiquês torna o

trabalho cartorário mais lento, dificulta o entendimento pelos serventuários da justiça

e pelas partes leigas, que têm seu direito constitucional de acesso à justiça

restringido e acabam “reféns” dos advogados para entender o que acontece no

curso processual”.

É importante destacar que o cerne da questão não se refere ao uso de termos técnicos, porque muitos são necessários e insubstituíveis sob pena de macular o objetivo da peça que o contém. Todavia, conforme já explanado, o juridiquês pode existir na forma do preciosismo, pelo exacerbado uso de expressões latinas, de expressões ou termos arcaicos, rebuscados e neologismo, tornando-se um dos fatores que dificultam a compreensão das peças processuais por parte de pessoas leigas e até mesmo de advogados. Vê-se no cotidiano dos serventuários dos Tribunais de Justiça a necessidade de primeiro compreender as expressões latinas não costumeiras, para então trabalhar nos autos. (CAETANO et al., [s.d.])

Segundo Caetano et al [s.d.], “se a linguagem jurídica for mal empregada,

tende a afastar o operador do direito do público que procura o Poder Judiciário”. O

autor considera que, apesar de o acesso à justiça ser um direito inerente a todo

cidadão, “o juridiquês é uma barreira e fomenta a desvalorização social do

Judiciário, visto que sem a compreensão individual do processo e, por

consequência, de seu resultado, dificulta-se a credibilidade de sua eficácia”.

É necessário entender as formalidades e solenidades próprias dos textos jurídicos como instrumento capaz de promover harmonia entre o advogado e os receptores, pois a linguagem rica prescinde de complexidade, uma vez que um linguajar exacerbado em arcaísmo e rebuscado pode conferir ambiguidade e proporcionar um entendimento divergente do esperado, bem como gerar a lentidão da máquina judiciária. (CAETANO et al., [s.d.])

Na opinião de Cruz (2003), o Direito não deve reduzir-se a uma só

linguagem, apesar de não poder se afastar da tecnicidade de suas normas.

Ou seja, a linguagem do Direito não é exclusivamente natural ou exclusivamente técnica, mas composta de ambas as espécies, podendo-se denominar a linguagem jurídica como mista. Afinal, em decorrência da necessidade de se cumprir as normas, a linguagem empregada nas normas jurídicas, ou melhor, na tradução destas, deve se basear na linguagem natural para que o Direito cumpra o seu papel de controle social e resolução de conflitos. (CRUZ, 2003)

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Para Lübke (2016), “há uma enorme disparidade na comunicação do “Mundo

Jurídico” com “Mundo Popular” que torna o Judiciário cada vez mais distante da

sociedade”.

Há excessos (e exageros) na linguagem jurídica, na comunicação dos advogados e magistrados, nas peças processuais, nas súmulas, que vão além do técnico, do lógico, do racional, do eficiente, ou seja, que atinge o nível do ‘blá-blá-blá’, do supérfluo, do obscuro, do ridículo, que faz nascer “a morosidade mórbida do Judiciário de todos os dias”. (LÜBKE, 2016)

A professora conclui que, “para sanar isso, é necessário clareza na

comunicação, sensibilidade para saber com quem está lidando, ou seja, ser culto

para com os cultos e simples para com os simples”.

Ter ciência de que a Justiça é para todos, sem exceção. É saber que um juiz, um promotor, um advogado, um operador do direito exerce seu ofício para promover justiça aos povos – “todo poder emana do povo” – e que este povo é composto por pessoas de diferentes classes sociais, intelectuais, culturais e econômicas, e que também possuem o direito de entender seus direitos. (LÜBKE, 2016)

19 CAPÍTULO 3 “Juridiquês” como ruído na comunicação com pessoas leigas

Terminologia é o conjunto de palavras técnicas pertencentes a uma ciência

ou a uma arte. Oliveira [s.d.] explica que, “na ciência jurídica, a utilização de termos

que vão trazer ao enunciado precisão e certeza serve, em tese, para salvaguardar a

segurança jurídica”. Segundo a autora, “por esse viés, é que se valoriza o termo

técnico como aquele que vai estabelecer oposições claras e bem definidas, trazendo

no contexto jurídico, para cada palavra, uma ideia particular”.

Dessa forma, essenciais são, por exemplo, a utilização dos termos roubo e furto para tipificar condutas diferentes, bem como situações que envolvam calúnia, difamação ou injúria não podem ser tomadas como sinônimas, sob pena de se cometer injustiça. (OLIVEIRA, [s.d.])

Para a professora, o problema da terminologia jurídica “reside não onde a

relação de oposição é necessária, mas sim, quando entre palavras com o mesmo

significado, escolhe-se aquela menos conhecida da maioria das pessoas para

materializar o texto oral ou escrito”.

São exemplos o uso de termos e expressões tais como de cujus, ex tunc, outorga uxória, vício redibitório, trânsito em julgado, comodato, erga omnes, os quais podem ser substituídos por expressões mais conhecidas, sem que haja prejuízo na relação semântica. Se a função do Direito contemporâneo é a resolução de conflitos, buscando métodos lógicos e eficazes, primando por princípios e valores necessários ao bem-estar coletivo, não se justifica o uso de um vocabulário que vá apartar ao contrário de harmonizar direitos e garantias fundamentais. (OLIVEIRA, [s.d.])

Cruz (2003) adverte que “não se pode esquecer a linguagem comum, visto

que o cliente é afeito apenas à linguagem diária e o advogado terá de lhe responder

na mesma linguagem, caso contrário não será entendido”.

É necessário ainda inferir que a linguagem, sendo uma forma de comunicação entre as pessoas, busca construir signos com significados para uma relação clara e objetiva. A linguagem técnica, por ter um caráter de cientificidade, deixa muitas pessoas confusas e por isso a importância de operadores jurídicos para sanar essas dúvidas, esclarecendo os termos técnicos que a ciência do Direito possui. (CRUZ, 2003)

20

Na visão de Silva [s.d.], aqueles que detêm o poder de criar normas

jurídicas, a quem ele chama de “autoridades”, devem ser objetivos e claros ao

utilizarem os signos com os quais produzirão tais normas. Do mesmo modo, aqueles

que, direta ou indiretamente, contribuem para este processo, como os advogados,

também devem ter este cuidado. “Assim, os destinatários terão alguma possibilidade

de compreender os limites jurídicos de sua conduta.”

A casta dos jurisconsultos, fechando-se em si, elege-se como a única capaz de entender e fazer os leigos entenderem o que a lei ordena, proíbe ou permite. (...) Cria-se um campo jurídico no qual as relações sociais são neutralizadas, pois os participantes diretos são absorvidos no jogo (tornam-se clientes), mas não atuam com efetividade. Falam apenas por meio dos profissionais ou peritos (advogados, juízes, promotores...) capazes de entender as regras e que sabem como jogar. (SILVA, [s.d.])

No tocante ao Brasil, o autor avalia que o jurista nacional vive em uma

sociedade em processo nascente de democratização e disso decorre seu papel ou

função social: a inclusão de toda sociedade na compreensão e desenvolvimento da

ordem jurídica nacional, de acordo com os caminhos traçados pela Constituição

Federal de 1988. No entanto, nas camadas mais “refinadas” do conhecimento humano, nutre-se um preconceito generalizado contra o conhecimento vulgar, contra o que é popular, sendo que as experiências do cotidiano constituem uma fonte inesgotável de questionamentos, base para qualquer pesquisa de caráter científico ou filosófico. Portanto, a democratização do saber deveria ser a nota dominante. (SILVA, [s.d.])

Oliveira [s.d.] questiona: “Que compreensão poderia ter um cidadão diante

da expressão ‘Agravo julgado deserto’?” A professora avalia que, diante de um texto

que é “um amontoado de termos técnicos, misturados a um farto juridiquês, regado a

rebuscamentos e latinismos”, o cidadão, que é o outro na ponte do diálogo, não

existe: “ele foi anulado pelo discurso implícito no texto e a linguagem jurídica do

texto pôde ser mantida em paz”.

Não existindo o cidadão, existe, contudo, o outro a quem o texto se dirige e que será capaz de decifrar as manchas escuras do papel. O outro pode ser o juiz, o desembargador, o ministro, alguém, enfim, pertencente à engrenagem jurídica hierarquizante. Assim, o rebuscamento, a bajulação, os excessos de ornamentação presentes na linguagem jurídica revelam, como regras do jogo, uma postura de servilismo e reverência, comuns nas relações hierárquicas de poder e nas sociedades fundadas na desigualdade. (OLIVEIRA, [s.d.])

21

Lübke (2016) considera que cabe ao profissional da área jurídica facilitar ao

seu interlocutor, isto é, ao jurisdicionado, o entendimento frente àquilo que este

busca na esfera jurídica: seus direitos. “Mas sabe-se que nem sempre isso

acontece, pois a linguagem jurídica possui muitos vocábulos que para boa parte da

população não são compreensíveis.” A professora entende que o rigor formal é

necessário ao procedimento jurídico, “uma vez que o ramo do direito é repleto de

formalidades, solenidades, termos técnicos e lógicos”, mas afirma que é condenável

“o excesso de formalismo, de rebuscamento, a falta de discernimento/sensibilidade

na escolha/seleção lexical”.

Um grande exemplo disso foi o julgamento dos mensaleiros em 2012, em que os ministros do Supremo Tribunal Federal fizeram questão de falar difícil, em um julgamento que foi transmitido ao vivo para milhões de brasileiros. O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da Justiça da União no Brasil, e que tem como competência primordial a defesa da Constituição Federal, não deu tanta importância ao artigo 13 da Constituição em vigor que determina que “a Língua Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”, utilizando uma linguagem incompreensível para a maioria dos espectadores. (LÜBKE, 2016)

Para Oliveira [s.d.], o fato é que nem todo cidadão brasileiro tem direito a ter

direitos, “o que, no caso em questão, quer dizer que não tem direito de acessar à

Justiça todo aquele que não tem direito à uma educação jurídica ou não tem

condições econômicas para pagar seu acesso”. Ou seja, “não têm direito de acesso

à Justiça todos aqueles para os quais a linguagem jurídica se lhes afigura como uma

língua alienígena”.

Sendo a palavra o principal e mais utilizado signo linguístico, fonte privilegiada da interação social, é também onde podem ser percebidas as tensões sociais, os conflitos ideológicos. A sua escolha e utilização, além de refletir o âmbito social, pode também distorcer, levando a múltiplas formas de apropriação e mesmo a nenhuma, a depender da intenção do falante e da habilidade com que este manuseia o signo linguístico. (OLIVEIRA, [s.d.])

Caetano et al [s.d.], aponta “a existência de ruído na comunicação, tanto na

forma escrita quanto na oralidade, devido à utilização excessiva e desnecessária de

termos técnicos”. Em seu entendimento, isso “pode ferir o direito ao acesso à justiça,

pressuposto do Estado Democrático de Direito, uma vez que a parte fica refém de

seu advogado para entender o que acontece no tramitar do processo”.

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Cabe enfatizar que a CF confere ao cidadão vários direitos aos quais possuem acesso através do Poder Judiciário, mas, sobretudo, possuem o direito de entendê-los e, para isso, a linguagem jurídica deve ser consoante à intelectualidade do povo, para que o Direito Constitucional não seja apenas abstrato e que ocorra a popularização dos preceitos basilares do Estado Democrático de Direito. (CAETANO et al., [s.d.]) .

A este respeito, Oliveira [s.d.] indica:

O Estado brasileiro regula a si mesmo e a vida de todos os cidadãos através do Direito. O Direito é ferramenta para viabilizar o bem-estar coletivo e a justiça social, objetivos do Estado Social. Tão importante é o conhecimento do Direito que o artigo 3° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. A presunção de que o conhecimento da lei é exigível de todos faz supor a existência de um Estado Democrático de Informação: um Estado que, através da educação institucional ou não, faça a informação chegar às últimas fronteiras de seu território e ao mais anônimo e pobre nacional. (OLIVEIRA, [s.d.])

Segundo a autora, “o conceito de Estado Democrático de Direito leva

imediatamente à ideia de que a informação jurídica posta a largo ao alcance de

todos é uma das maneiras de exercício democrático”.

Ocorre que o desconhecimento do direito é apontado como um dos fatores a obstar o acesso à Justiça, o que significa, obviamente, que o conhecimento do direito não tem sido democraticamente veiculado. A primeira questão a se considerar é que, de conhecimento presumido, a lei deveria ser, por si só, informadora de direitos e deveres, redigida em uma estrutura padrão simples e direta, utilizando-se de um vocabulário que fosse conhecido da maioria da população a que se destina. (OLIVEIRA, [s.d.])

Oliveira destaca ainda que “muito já se legislou e muitas ações

desembocaram numa justiça mais inclusiva, a exemplo dos Juizados Especiais, a

Assistência Judiciária Gratuita e a Defensoria Pública”.

Na contramão desses avanços, em março de 2004, uma pesquisa do Ibope, encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, demonstrou haver um enorme fosso entre a linguagem jurídica e a língua utilizada pelo cidadão comum, deixando do lado de fora dos portais do Judiciário uma parcela significativa da população brasileira. (OLIVEIRA, [s.d.])

No entender da professora, “indubitável é que o direito, para muitos,

adormece na letra fria da lei porque sua compreensão efetiva está muito distante do

cidadão médio, embora tenha consequências diretas na vida de todos”. Oliveira

acredita que “o discurso técnico, que segue à risca a norma padrão, elaborado em

23 grande formalidade, acaba por marginalizar e excluir sujeitos com baixo grau de

letramento”, mas não só a eles, já que a maior parte das palavras e expressões

latinas é familiar apenas ao universo jurídico e para aqueles que nele transitam. “As

pessoas, de modo geral, mesmo os letrados, as desconhecem e elas lhes perturbam

o acesso ao texto jurídico, o conhecimento do direito.”

A linguagem jurídica é produto de construção sociocultural, imprescindível à efetivação do acesso à Justiça e deveria estar, por princípio constitucional, ao alcance de todos. No entanto, via de regra, é ela a se colocar como uma grande muralha entre o cidadão e o texto jurídico, seja ele escrito ou oral, tornando-se grande responsável pelo desconhecimento do direito e, por consequência, óbice ao acesso à Justiça. (OLIVEIRA, [s.d.])

Para Lübke (2016), “clareza na linguagem jurídica é, também, uma forma de

fazer justiça”.

A simplicidade é maior do que a complexidade; simplicidade está no nível da nobreza, da realeza. O operador de direito que compreende isso deixa de ser um mero “doutor da lei”, um profissional fabricado em laboratório e terá mais condições de promover o bem-estar de toda coletividade, concedendo e garantindo os direitos fundamentais essenciais ao desenvolvimento humano, aliado à democracia, que afirma a soberania popular no poder como instrumento de efetivação dos direitos previstos, ocupando o judiciário um importante papel de interpretar e aplicar os direitos fundamentais previstos na Constituição. (LÜBKE, 2016)

Já Piske (2006) entende que a simplificação da linguagem jurídica é um

instrumento fundamental, “que oportuniza o acesso à Justiça e contribui,

efetivamente, para a compreensão do funcionamento e da atuação do Poder

Judiciário como um todo”. A juíza conclui: “ninguém valoriza o que não entende”.

Fazer-se entender foi justamente o objetivo do juiz gaúcho João Batista de

Matos Danda, ao redigir uma sentença trocando o tom pomposo do Direito pela

linguagem do dia a dia. A história foi contada, em junho de 2015, pela jornalista

Bruna Scirea e publicada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

Sob o título Magistrado faz sentença em linguagem coloquial para combater

"juridiquês", a repórter informou que “o resultado foi um texto de fácil compreensão e

uma repercussão maior do que ele imaginava: virou notícia no meio jurídico — e fora

dele”.

24

A ideia surgiu quando João Batista de Matos Danda, então juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, viu-se completamente perdido em uma conversa com a filha. Por mensagem, a jovem contava sobre um novo emprego, na área do marketing. — Ela escreveu expressões como "startup", "incubada", "transmídia", "DNA de marca". Aí, eu perguntei: ‘minha filha, o que tu estás falando exatamente? Traduz, por favor’ — conta Danda, ainda achando graça do papo que não lhe fez sentido. Ao se dar conta de que a linguagem técnica acaba restringindo o entendimento a poucos, geralmente aqueles que trabalham na mesma área, o juiz, então, se propôs ser mais claro em suas decisões. (SCIREA, 2015)

Na matéria, Scirea (2015) compara um trecho da sentença em questão com

a maneira como as mesmas informações normalmente seriam escritas.

Ao falar do processo de revisão da sentença, o magistrado soltou essa: "para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não. Vamos ver". É um texto tão coloquial que parece não ter nada de mais, certo? Errado. O próprio juiz conta como normalmente essa ideia seria escrita, em um processo "normal": — Inconformado com a sentença, que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante buscando sua reforma quanto ao vínculo de emprego e indenização por acidente de trabalho. Com contrarrazões sobem os autos a este tribunal. É o relatório. Passo a decidir. (SCIREA, 2015)

“Se é linguagem, tem que comunicar e, se o país é formado por realidades

sociais tão diversas, algo precisa ser feito para minimizar a desigualdade frente à

informação.” (OLIVEIRA, [s.d.])

25 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho foi refletir e avaliar o quanto e de que forma a

complexidade do “juridiquês”, linguagem própria utilizada por operadores do Direito,

funciona (ou não) como obstáculo ao efetivo acesso à Justiça. Procurou-se

identificar a razão de o meio jurídico ter necessidade de se expressar de maneira tão

rebuscada e, muitas vezes, até incompreensível e verificar as consequências deste

modo de agir para as relações entre os profissionais do Direito e aqueles que se

utilizam de seus serviços, principalmente as pessoas com menor poder aquisitivo e,

consequente, acesso ao conhecimento deste linguajar. A intenção deste estudo foi

oferecer subsídios para reflexão de alternativas, que tornem a comunicação no meio

jurídico mais fácil e efetiva.

Para tanto, focou-se na análise dos excessos de formalidade, de arcaísmos,

de termos latinos, dentre outros, da linguagem jurídica, que podem impedir uma

compreensão clara e rápida dos textos dos autos, quer pelas partes interessadas no

processo ou pelos serventuários da justiça, e até mesmo pelo advogado da parte

contrária. A hipótese de esta situação de restrição ao entendimento poder se

configurar como uma forma velada (ou não) de violação ao direito constitucional de

acesso à Justiça também foi foco de atenção. Através de pesquisa na bibliografia

existente sobre o tema, refletiu-se ainda sobre o poder da linguagem no âmbito

jurídico, sobre eventuais prejuízos possivelmente causados pelo uso do “juridiquês”

ao bom andamento dos processos judiciais e sobre a percepção de autores que já

se dedicaram ao assunto a respeito da dificuldade de entendimento pelas partes

leigas do que acontece no curso processual. Utilizando-se abordagem qualitativa, foi

usada, como fonte de pesquisa, a bibliografia existente sobre o tema, com destaque

para buscas na rede mundial de computadores, a Internet.

No Capítulo 1, refletiu-se sobre o poder da linguagem no âmbito jurídico e se

verificou que o Direito não tem como existir sem a linguagem, pois esta é ferramenta

base para o trabalho executado pelos operadores da área. Justamente por isso, há

uma grande preocupação por parte dos autores analisados com a utilização de

26 termos e expressões que causem ruídos à comunicação.

No Capítulo 2, avaliou-se o quanto o “juridiquês” interfere negativamente no

bom andamento dos processos judiciais e se constatou que, apesar de haver

legislação que regule o texto legal com vistas a facilitar sua acessibilidade, na

prática, a vaidade e o elitismo são comuns no mundo jurídico. A complexidade

linguística abre um buraco entre a comunidade leiga e os intelectuais juristas e o uso

de uma linguagem recheada de vícios e citações desnecessárias acaba por tornar a

Justiça cara e morosa.

No Capítulo 3, refletiu-se sobre o “juridiquês” enquanto ruído na

comunicação com pessoas leigas. Os autores analisados são unânimes quanto à

necessidade de se encontrar um equilíbrio entre a linguagem técnica e a do leigo. O

uso de uma linguagem jurídica clara, acessível e objetiva é determinante para que o

cidadão possa usufruir efetivamente do seu direito constitucional de acesso à

Justiça.

Todo texto tem um público-alvo a que se destina. É de suma importância que

se escolha a linguagem mais adequada ao receptor da mensagem que se quer

passar, sob pena de a comunicação não se completar por falta de entendimento. No

caso da linguagem jurídica, a situação se agrava, pois as consequências da

ausência deste tipo de cuidado constituem-se em um obstáculo ao acesso à Justiça,

já que afeta de forma negativa o andamento dos processos judiciais (Justiça mais

cara e morosa) e faz pessoas leigas que precisam dos serviços judiciais de “reféns”

de profissionais do ramo, o que vai de encontro ao conceito de Estado Democrático

de Direito, que leva à ideia de que a informação jurídica ao alcance de todos é uma

das formas de exercício democrático.

27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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http://periodicos.uesc.br/index.php/litterata/article/download/819/838. Acesso em: 25

de jan. 2017.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000

CRUZ, Kelly Graziely da. LINGUAGEM: qual sua Importância no Mundo Jurídico? Publicado em 2003. Disponível em:

https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/7

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LÜBKE, Helena Cristina. Entender Direito é um Direito de Todos. Publicado em

2016. Disponível em: http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-

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28 de jan. 2017.

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http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=linguagem. Acesso em: 20

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OLIVEIRA, Nirlene da Consolação. Linguagem Jurídica e Acesso à Justiça. Disponível em: http://revistapensar.com.br/direito/pasta_upload/artigos/a121.pdf.

Acesso em: 23 de mar. 2016.

28 PISKE, Oriana. Simplificação da Linguagem Jurídica. Publicado em 2006.

Disponível em:

http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2006/simplificacao-da-linguagem-

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SCIREA, Bruna. Magistrado faz sentença em linguagem coloquial para combater "juridiquês". Zero Hora, Porto Alegre, 05 junho 2015. Disponível em:

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2017.

SILVA, Jhonatan de Castro e. Direito: linguagem, poder simbólico e interpretação. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21809/direito-linguagem-

poder-simbolico-e-interpretacao. Acesso em: 25 de jan. 2017.