O Pintor de Caconde · Os fatos relatados nesta pequena biografia do grande pintor artístico, que...

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O Pintor de Caconde

De José Luiz.

Prefácio do autor

Os fatos relatados nesta pequena biografia do grande pintor artístico, que é

Edmundo Migliaccio, são reais.

Quero com minhas palavras simples, narrar de uma forma mais humana, as

situações com que lutou o biografado.

É digno de admiração e respeito, um homem que, com denodo e resignação,

soube levar de vencida as adversidades da vida.

Ofereço a Edmundo Migliaccio como prova de estima e apreço.

São Paulo, 21 de outubro de 1956.

O autor: José Luiz.

I

Quem o vê, todas as tardes, sentado no terraço de sua confortável residência,

cercado de crianças que brincam despreocupadas e felizes, não pode imaginar que

aquele homem simples é um artista. Compartilha dos folguedos da petizada

relembrando talvez a sua infância na sua querida Caconde, uma cidadezinha no

longínquo interior do Esta, onde passara os melhores dias de sua vida, não imaginando

que um dia teria que deixar aquele rincão, para seguir no árduo caminho da glória.

Corria com os demais meninos de sua idade pelos campos verdejantes, e pelas

campinas floridas, inspirando-se as vezes naquelas lindas paisagens. Ao voltar para

casa, ficava horas e horas com lápis entre os dedos, desenhando aquilo que o coração

ditava. Quando fazia um desenho, corria à mostrá-lo a seus pais que compartilhavam

com a sua alegria. Quando sozinho em seu humilde quarto, ficava a sonhar com o

futuro, e tinha certeza que ainda pintaria lindos quadros como os grandes pintores de

quem tanto ouvira falar.

Na escola, enquanto os outros meninos procuravam apreender as lições do

professor, Edmundo, às ocultas, fazia desenhos. E que bonitos eram... Fazendo com

que o professor relatasse ao seu pai as qualidades artísticas daquela criança,

encorajando-o a dar ao filho os estudos para a sua formação artística.

O pai de Edmundo sentia-se feliz por ouvir aquelas palavras, mas logo sentia a

preocupação de um futuro incerto. Não era rico, e lutava com dificuldades para o

sustento de sua esposa e cinco filhos. Como conseguiria dinheiro para pagar os

estudos do filho? Mas tinha fé em Deus. Sabia que ele dentro da sua imensa

magnitude e bondade, não o desampararia. Fora esse Deus que com o leve toque de

sua mão, dera àquela criança aquele dom. O de pintar. Essa arte tão difícil

transportada do coração para a tela, dentro do mais profundo realismo.

II

Aos domingos, via-o passar em direção à Igreja, onde ia assistir a missa.

Trajava-se com uma roupinha simples, e trazia sempre um sorriso nos lábios. Era um

bom cristão, e ouvia os conselhos do Padre a quem tanto estimava. Não era como os

outros meninos que passavam o dia brincando, ou fazendo travessuras! Nas horas

vagas ficava a fazer desenhos distribuindo-os entre seus amiguinhos. A tardinha

costumavam brincar numa ladeira, deslizando do alto, sentados num carrinho feito

com taboas velhas, e ali ficavam até o sol esconder-se entre as montanhas

imponentes, altas e fortes, tão fortes quanto os sonhos daquela criança.

Todos o conheciam por Chiquinho, Foi assim apelidado por ser pequenino e

magro. Possuía o cabelo encaracolado e a cútis morena.

Era comum ver-se o Chiquinho sentado à beira do rio, no lugar denominado

“Açude”. Ali ficava durante muito tempo a conversar com as pretas velhas que

costumavam lavar roupa naquele rio. Outras vezes dirigia-se até o brejo, colhia um

pouco de junco, e com esse material fabricava lindas cadeirinhas que distribuía entre

as lavadeiras.

Bem me lembro que todo o dia, aproximadamente as 11, 00 horas, via-o

passar, com o mesmo semblante alegre e risonho, conduzindo um embrulho contendo

a marmita com o almoço de seu pai, que trabalhava no Paradouro na sua profissão de

pedreiro.

Andava sempre descalço, vestia uma blusa branca, e trazia sempre nos bolsos

da calça um pedaço de giz ou carvão.

Não hesitava em traçar desenhos nos muros limpos, ou pintados de novo.

Transformava-os em lindos painéis, e quando via um muro sujo e enegrecido, fazia das

próprias manchas provenientes da sujeira, lindas cabeças humanas. As pessoas que

por ali passavam sabiam ser aqueles desenhos, obras do Chiquinho, que

transformavam os muros das casas da cidade, em uma verdadeira galeria para seus

quadros.

III

Lembro-me de um caso interessante: Certa tarde, Chiquinho juntamente com

sua mãe foram visitar uma visinha. Na sala, Chiquinho não tirava os olhos de um

sabonete, que estava dentro de um pires sobre uma estante. Não resistindo a

curiosidade, aproximou-se daquele objeto e pegou-o na mão. Resultado: Mantendo o

sabonete no ar, Chiquinho não evitou que o pires caísse ao chão, quebrando-se. Com o

barulho produzido, correram sua mãe e a visinha para verem o que tinha acontecido.

Chiquinho permanecia imóvel, e a seus pés estava o pires quebrado

juntamente com sabonete.

Sua mãe sem compreender a situação, e pensado ter seu filho tentado

apoderar-se do sabonete, não se conteve, chamou-o severamente a ordem, mas foi

contida pela visinha que procurou remediar o acontecido, dizendo: “Não faça caso, as

crianças são assim mesmo. Deixe o menino, não foi nada”.

Chiquinho tudo ouvia, mas nada dizia. De seus olhos correram sentidas

lágrimas. Chorava porque sua mãe pensara que ele tinha furtado o sabonete, mas sua

intenção não fora aquela. E sabem o que realmente tinha acontecido? Não. Pois vou

contar... Motivado pelos raios de sol que entravam pela janela da sala, o sabonete

apresentava um lindo coloridos cujas cores impressionaram os olhinhos daquele

pequeno artista, motivando que ele pegasse o pires na mão para melhor verificar

aquelas cores. Foi isso o que aconteceu.

Os tempos corriam, e a vida na sua família era a mesma. A esperança de dias

melhores fazia-se sentir nos pais de Chiquinho.

Tinham fé em Deus que tudo melhoraria. Os filhos cresceriam e se tornariam

homens, ajudando-os na manutenção do lar.

A família era estimada no lugar. Era comum ver-se os vizinhos trocarem entre si

os quitutes que faziam. As casas não tinham muros fazendo a separação do terreno, e

a cidade parecia um verdadeiro paraíso.

IV

Quando matavam um porco, a carne era repartida entre a vizinhança. Havia

uma espécie de festinha no lugar. Todos se sentiam felizes, e dentro daquela harmonia

os dias se passavam.

Bons tempos aqueles, onde não havia tanta falsidade. Os homens se

compreendiam melhor, e a vida era mais amena.

Mais deixemos essas recordações, e falemos do Chiquinho... Aquele menino

que não gostava só de pintura. Também amava a música, e sua maior alegria seria

possuir um violino, onde pudesse dedilhar seus dedos executando as melodias daquela

época.

Mas como comprar um violino? Custava muito caro, e seu pai não podia fazer

tal gesto.

Mas quando menos esperava, recebeu de seu pai um pequeno violino. Exultou

de contente. Passando horas e horas com aquele instrumento entre as mãos,

procurava arrancar daquelas cordas a harmonia dos sons.

Era persistente, e não esmorecia quando encontrava dificuldades na execução.

Alguns trechos de melodias conhecidas eram arrancados das cordas daquele frágil

instrumento.

Certa vez, tive a oportunidade de ver um fato interessante. Fio no jardim da

Várzea. Chiquinho se encontrava passeando despreocupadamente quando dele se

aproximou uma linda menina. Tinha uns 11 anos. Chiquinho já a conhecia de vista.

Costumava passar todos os dias pelo caminho da escola. Procurou entabular conversa

com ele, e inesperadamente sem que Chiquinho pudesse esboçar qualquer

movimento, colocou sobre seus olhos um lenço de seda, e beijou-o afetuosamente no

rosto.

Chiquinho nada disse. Apenas ficou a fitá-la demoradamente, e não

compreendeu aquele gesto. Mas ela gostava dele, e naquele beijo inocente e sem

intuito de maldade testemunhara aquela afeição.

E, daí por diante, inúmeras vezes eu os via passearem juntos, indiferentes aos

olhares de todos.

V

Na escola o professor Barreto via naquele menino um futuroso artista. Nos dias

de festas comemorativas, nas datas nacionais, lá estava o Chiquinho desenhando no

quadro negro lindos desenhos alegóricos às festividades. Ganhava sempre o premio

pelos seus esforços. Um vidro de tinta, ou um pedaço de bom-bocado.

E as festas do Divino Espírito Santo, realizadas no largo da Matriz! Que beleza!

Que espetáculo para os olhos.

A noite, entre fogos das mais variadas cores, o céu de Caconde ficava

iluminado. O Largo era pequeno para conter a enorme massa que apara ali se dirigia, a

fim de assistir os festejos. E, entre aquela imensa alegria, era visto o desenho do Divino

Espírito Santo. O desenho feito pelo Chiquinho, a pedido de Joaquim Paes, o

fogueteiro de Caconde.

O pequeno artista crescia, e seu pai já se preocupava com seu futuro. Tinha que

dar um jeito para seu filho estudar. Resolveu mandá-lo a São José do Rio Pardo.

Chamou-o, e disse: “Meu filho, não mantenho posses para dar-lhe uma educação a

altura, mas sinto que um dia você será alguém. Será famoso e encherá de orgulho o

coração de seus velhos pais. Quero que você vá morar com Sr. Inocêncio Vigliegas, em

São José do Rio Pardo. Ele é bom, e o pouco que sabe, te ensinará. Procure aproveitar,

e seja bonzinho para ele.

E, assim iniciava-se em sua vida uma nova fase.

Despediu-se da família e partiu. Sua mãe com os olhos marejados de lágrimas

procurava ocultar a dor que lhe ia n’alma. Seu coração de mãe iria sentira falta de seu

Chiquinho. Via que no seu coração se abria um vazio, era o lugar ocupado por aquele

filho. Mas, com o decorrer do tempo, se conformou.

Em São José do Rio Pardo, ele procurava seguir os conselhos do seu novo

protetor. Aprendia com facilidade seus ensinamentos, e ajudava-o nos pequenos

serviços, tais como, retoques de retratos, ampliações, mas nunca deixou de visitar seus

idolatrados pais.

VI

No seu novo lar sentiu que era bem tratado. Que as mãos de Inocêncio o

guiavam pelo árduo caminho da sabedoria. Sabia que longa seria a caminhada para

chegar ao ponto com que tanto sonhava. E assim, permaneceu naquela companhia

durante seis meses, voltando para Caconde junto dos seus.

Numa tarde, passeando pelos campos da Fazenda Moranga, Chiquinho se

dirigiu à tulha do café. Percorreu-a admirando as paredes pretas, sentindo uma

vontade indominável de usá-las como tela. Não hesitou: tirou do bolso o giz branco e,

em rápidos traços transformou-as em lindos quadros, transpondo para aquelas

paredes, seus maravilhosos desenhos.

Em seu redor havia diversas pessoas que, com os olhos fixos, acompanhavam

seus movimentos.

O fazendeiro, que naquele momento entrava, ficou deslumbrado com o que

via. Não se conteve. Chamou Chiquinho, e disse-lhe: Vou falar com seu pai sobre seus

desenhos, e retirou-se com um sorriso significativo.

Tinha aquele menino, aproximadamente quinze anos.

O fazendeiro, que era o senhor João Gomes de Araújo, ao chegar em casa

contou tudo à esposa Dona Esméria Ribeiro do Vale, e, após certos entendimentos,

resolveram custear os estudos daquele menino.

No dia seguinte, aquele fazendeiro procurou o pai de Chiquinho. Muito

conversaram a esse respeito, e ficou resolvido que o pequeno artista, teria que estudar

em São Paulo. Muito agradeceu o progenitor daquela criança, o grande favor recebido.

Não tinha com o que pagar aquela alma nobre e compreensiva. Jamais poderia dar o

que estava recebendo. Deus o havia escutado.

Finalmente chegou o dia da partida.

Chiquinho, antes de partir despediu-se de seus amigos.

VII

Passou a maior parte do dia no Paradouro, contemplando a imensidão do rio,

as pedras grandes e fortes, as frondosas árvores que debruçavam seus galhos sobre as

águas como querendo beijá-las. Sentou-se à beira do rio, e ficou a olhar aquele

deslumbrante panorama como estivesse a vê-lo pela ultima vez. Que saudades não

sentiria de tudo aquilo! Que saudade não sentiria longe de seus campos floridos, longe

do rumor incessante das águas batendo nas pedras do Paradouro. Longe daquelas

paragens, que se perdiam na imensidão do horizonte.

Não resistiu. Chorou. E seu pranto triste como canto do sabiá, ninguém ouviu.

A partida foi sentida por todos.

Sua mãe apertou-o junto a peito, regando-lhe a cabeça com as lágrimas

sentidas, e brotadas do fundo do coração. Beijou-o demoradamente, como não

querendo que ele partisse. Aquela partida era como se fosse perdê-lo. Mas era

preciso, e assim, Chiquinho deixou Caconde com destino à “Cidade Grande”.

Aqui, hospedou-se na Pensão paga pelo fazendeiro, e procurava aprender o

que seus professores ensinavam. Após brilhantes curso conseguiu distinguir-se como o

melhor aluno, recebeu o grau de sua formatura. Diplomara-se em pintura artística. Ao

deixar o Liceu de Artes e Ofícios, ouviu de seus mestres Nicola Rollo e Enrico Vio, as

mais encorajadas palavras para prosseguir na arte que abraçara. Mas não estava

completo seu sonho. Matriculou-se na Escola Profissional Masculina, hoje Escola

Técnica Getúlio Vargas, sendo Diretor naquela época, Aprígio Gonzaga e Professor,

José Barchitta.

VIII

Continuou a estudar. Via nos seus novos mestres verdadeiros amigos, e sabiam

os responsáveis por aquele estabelecimento, que aquele rapaz com ares de caipira,

ainda galgaria o pedestal da virtuosidade.

Nas aulas, se fazia notar pela facilidade de seus desenhos. E, aos poucos, foi

angariando amigos, pelos seus dotes de bondade e respeito aos superiores. Mas não

podia imaginar o pequeno artista, que a vida lhe estava preparando um drama.

Viera a notícia. Falecera Dona Esméria Ribeiro do vale, a sua protetora. Diante

dessa notícia, compreender que teria que pagar com o próprio suor de seu trabalho os

estudos e a pensão. Como fazer? Seu pai não poderia ajudá-lo, pois ganhava pouco,

que mal dava para o sustento da família, que ficara em Caconde.

Na pensão, procurava dentro do silencio do seu quarto, um meio de resolver

aquele problema. Como poderia trabalhar e estudar, se o horário da escola era das

oito às dezessete horas?

Falou com Aprígio Gonzaga, e este, consentiu que ele frequentasse somente o

período da tarde.

Durante meses, trabalhou em oficinas de pintura, fazendo cartazes,

decorações, e pintando até paredes para poder sustentar-se. Passou misérias, fome,

mas dentro de si, havia aquela força própria dos que não se intimidam pelas

adversidades da vida. Prosseguiu na luta, e só terminaria quando tivesse atingido seu

objetivo.

Mas a vida não era uma verdadeira madrasta para Chiquinho. Tinha bons

amigos, e entre eles, José Carrara, que possuía uma espécie de oficina de pintura,

intitulada “Escola de Arte Dramática”. Convidou-o a morar com ele. Chiquinho aceitou.

O tempo decorria e Chiquinho se sentia feliz em sua companhia. Ajudava-o nas

decorações, e em pequenas pinturas. Encontrou nesse amigo um verdadeiro pai.

Muito o estimava e era também estimado por todos da família Carrara.

IX

Tendo concluído o curso de pintura artística na Escola Técnica Getúlio Vargas, o

jovem artista após prestar exame onde conseguiu classificar-se em primeiro lugar,

continuou naquela casa de ensino como Mestre em pintura artística. Estendeu a mão

da mesma forma como a estenderam. Dedicou toda sua vida ensinando aos jovens, a

arte de pintar. Tinha naquela época 21 anos.

Entre inúmeros admiradores seus, Chiquinho tinha no Senhor Salvador Luzzi,

um amigo incondicional. Esse senhor costumava frequentar a casa do Sr. Carrara, e, foi

com grande satisfação que recebeu um convite daquele senhor para ir morar com ele

e sua família. Aceitou a oportunidade que lhe estava sendo oferecida, e agradecendo

ao Sr. Carrara todas as atenções recebidas, deixou sua companhia.

No seu novo lar, Chiquinho era estimado. Se Salvador Luzzi comprava pares de

sapatos para seus próprios filhos, não esquecia de comprar também para Chiquinho.

Enfim, naquela casa não era um hóspede, mas sim, um novo filho naquela família.

Muito deve a Salvador Luzzi. Deve talvez a maior parte de sua existência. Foi

naquela alma nobre e boa, que encontrou um carinho paternal. O carinho de seu pai,

que tão longe estava.

Mas, Chiquinho também pagava aquele carinho. Não com dinheiro, pois não o

possuía, mas sim, com o respeito, com o afeto que dedicava àquela família.

Foi Salvador Luzzi que organizou a primeira exposição de quadro para o

pequeno artista. No dia da inauguração que foi bastante concorrida, se encontravam

no recinto grandes personalidades daquela época, entre eles: Dr. Jorge Tibiriçá,

político; Dr. Valoar de Casto, Presidente do Tribunal; Dr. Marrey Junior, advogado;

Ramos de Azevedo, arquiteto. Todos foram unânimes em afirmar que realmente se

encontravam diante de um grande pintor artístico. Foi um grande dia para Chiquinho.

Era o primeiro passo para impor-se entre os grandes pintores daquela época. E a quem

deve tudo isso? A Salvador Luzzi, o seu amigo incondicional.

Continuou a sua obra. Pintava inúmeros quadros que logo eram vendidos. Foi

ganhando fama, sempre encorajado pelas palavras amigas de seu protetor.

Vivendo sempre na companhia de Salvador Luzzi, Chiquinho, aos poucos sentiu

que nutria por Josefina Luzzi uma grande afeição. Via na filha de Salvador Luzzi a

mulher dos seus sonhos. Josefina também o amava, e desse amor, nasceu o

casamento. Isso se verificou em 1924.

Nada modificou. O casal continuou a morar na mesma casa, e Salvador Luzzi

dedicava-lhes a mesma afeição. Se quis bem a Chiquinho como hóspede, muito mais o

queria como genro. Mas, com o falecimento de Salvador Luzzi, as coisas se

modificaram. Grande perda para Chiquinho. Tenho certeza que até hoje sente a

saudades daquela alma boa.

Com o decorre do tempo, mudou-se para outro lugar. Encontrava sempre na

esposa um motivo para almejar dias melhores. Lutou com denodo para construir um

lar. Conseguiu seu intento. É a casa, onde hoje reside.

Cercado por seus filhos, Rubens, Jeová e Jurema, passa talvez os melhores dias

de sua existência. Sente que é estimado por eles, e também dedica-lhes um amor

profundo. Dá gosto vê-lo entre os filhos, tocando violão, ou, compartilhando de suas

brincadeiras. Possui dois netinhos, filhos de Jeová. Também quer muito a essas

criaturinhas. Enfim, todos são o motivo da sua imensa alegria. Tem inúmeros amigos, e

trata-os sempre com a maior cortesia. Seu lar nunca fechou a porta a ninguém. Todos

são recebidos nas mesmas condições. E, são essas qualidades, que dignificam o

homem perante as leis de Deus. Conseguiu projetar-se vendo seu nome apontado

como grande mestre de pintura através de seus dotes humildes. A recompensa de

Deus.

X

Galgou posição de destaque no cenário artístico nacional.

Venceu com galhardia os obstáculos que a vida pusera em seu caminho. Seus

quadros receberam os maiores elogios da crítica de arte. Recebeu inúmeros prêmios,

os seguintes: Menção Honrosa, Pequena Medalha de Bronze, Grande Medalha de

Bronze e Medalha de Prata.

É membro do Júri da Associação Paulista de Belas Artes, Fiscal Artístico de

poses modelo vivo. Seus quadros atravessaram fronteiras. Itália, França, Alemanha, e,

quando um artista vê seu nome projetado no estrangeiro, entre nomes famosos, pode

dizer que está consagrado. São inúmeros seus quadros e composições: O Avaliador, O

Restaurador, Laranjas dos Brasil, Confidências, In Vino Veritas, Cinzas, este último,

exposto no Salão Paulista de Belas Artes, causou enorme sucesso.

Seus trabalhos quase sempre se relacionam com motivos orientais, mas, não

deixou de enaltecer a beleza de nossa terra, nas cores inconfundíveis de suas telas, e

nos traços harmoniosos de seus desenhos. Seu nome será perpetuado, tenho certeza.

Hoje está aposentado da função de mestre em pintura da Escola Técnica

Getúlio Vargas, mas não se afastou do convívio daqueles que necessitam de seus

conhecimentos. Leciona particularmente, continuando sua obra digna de ser admirada

e difundida. Tenho certeza que, jamais pegará um pincel para transpor para a tela

esses incompreensíveis desenhos, esses rabiscos criados pela Arte Moderna. Sou leigo

em pintura artística, mas minha alma sente as vibrações daquilo que é belo. Daquilo

que meus olhos veem.

A pintura é como a música. Ferem nossos sentimentos e enlevam nossa alma, e

nessa questão de julgar, possuo um crítico severo e competente: meu coração.

E aqui termino esta pequena biografia de Edmundo Migliaccio, o nosso

Chiquinho, nascido em Caconde a 30 de novembro de 1903. Uma vida dedica ao

engrandecimento da pintura de nossa terra, que ele soube representar nos traços do

seu pincel e na vivacidade de suas cores.

Fim