O piá e a história

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O PIÁ e a encruzilhada da história Val Lima 1 Uma encruzilhada inédita. É assim o começo de toda nova jornada do PIÁ. A cada ano, o Programa de Iniciação Artística cria novos territórios ao provocar encontros, também inéditos, entre os espaços culturais, os artistas educadores, as crianças e os adolescentes. E a cada novo início é sempre assim, novos encontros acabam sendo provocados: quatro artistas educadores, quatro linguagens e quatro histórias de vida formam uma nova encruzilhada, cheia de expectativas, desejos e muitos desafios. O PIÁ é um programa da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que tem como proposta iniciar e despertar o interesse das crianças e adolescentes pelas linguagens artísticas: artes visuais, dança, música e teatro, que são trabalhadas juntas, promovendo experiências com foco no desenvolvimento dos processos criativos. Propiciando espaços-laboratórios para criação através da brincadeira e do lúdico, ampliando assim, as possibilidades de expressão artística. Uma das grandes potências do programa é ter se estabelecido em equipamentos culturais (CEUS, Centros Culturais e Bibliotecas) na periferia da cidade, ou seja, além de educar e discutir questões como as culturas da infância, o PIÁ se coloca em permanente debate sobre o público e o privado e sobre o direito dos cidadãos de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 2 Não seria, portanto, um exagero afirmar que o PIÁ é um programa de vanguarda dentro de uma rígida estrutura institucional. Estrutura que parece instaurar no programa a tradição do novo. Uma tradição que se dá tanto como potência quanto como fragilidade. E diante desse cenário, resolvi ir até minha janela de artista educadora e coordenadora de equipe, mas também de pesquisadora de arte- 1 Val Lima é artista educadora e coordenadora de equipe do PIÁ no CCJ, Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo. É fotógrafa e mestranda na linha de pesquisa Fundamentos do Ensino e Aprendizagem da Arte, na ECA/USP. 2 Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1947, Artigo XXVII, parágrafo 1.

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O PIÁ e a encruzilhada da história Val Lima1

Uma encruzilhada inédita. É assim o começo de toda nova jornada

do PIÁ. A cada ano, o Programa de Iniciação Artística cria novos territórios ao

provocar encontros, também inéditos, entre os espaços culturais, os artistas

educadores, as crianças e os adolescentes. E a cada novo início é sempre

assim, novos encontros acabam sendo provocados: quatro artistas

educadores, quatro linguagens e quatro histórias de vida formam uma nova

encruzilhada, cheia de expectativas, desejos e muitos desafios.

O PIÁ é um programa da Secretaria Municipal de Cultura de São

Paulo que tem como proposta iniciar e despertar o interesse das crianças e

adolescentes pelas linguagens artísticas: artes visuais, dança, música e

teatro, que são trabalhadas juntas, promovendo experiências com foco no

desenvolvimento dos processos criativos. Propiciando espaços-laboratórios

para criação através da brincadeira e do lúdico, ampliando assim, as

possibilidades de expressão artística.

Uma das grandes potências do programa é ter se estabelecido em

equipamentos culturais (CEUS, Centros Culturais e Bibliotecas) na periferia

da cidade, ou seja, além de educar e discutir questões como as culturas da

infância, o PIÁ se coloca em permanente debate sobre o público e o privado

e sobre o direito dos cidadãos de participar livremente da vida cultural da

comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de

seus benefícios.2

Não seria, portanto, um exagero afirmar que o PIÁ é um programa de

vanguarda dentro de uma rígida estrutura institucional. Estrutura que parece

instaurar no programa a tradição do novo. Uma tradição que se dá tanto

como potência quanto como fragilidade.

E diante desse cenário, resolvi ir até minha janela de artista

educadora e coordenadora de equipe, mas também de pesquisadora de arte-

                                                                                                               1  Val Lima é artista educadora e coordenadora de equipe do PIÁ no CCJ, Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo. É fotógrafa e mestranda na linha de pesquisa Fundamentos do Ensino e Aprendizagem da Arte, na ECA/USP.  2 Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1947, Artigo XXVII, parágrafo 1.

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educação, para olhar esta encruzilhada que é criada a cada nova vigência do

programa.

A princípio me senti olhando para uma esfinge: o que fazer diante

dela, para onde ir? Decidi, então, que eu precisava de um mapa, mas não

podia ser um mapa qualquer, era necessário que fosse um que me falasse de

caminhos já trilhados. Caminhos esses que fossem contados como uma

história de luta e fé, exatamente como construímos o PIÁ. E foi assim que

abri o baú da história, para entender o que veio antes de nós.

Mas antes de mergulhar nas histórias que estão dentro desse baú, é

preciso fazer um alerta: apesar do PIÁ ser um programa que trabalha a

interlinguagem, falo aqui da perspectiva das artes visuais, e já posso adiantar

que até determinado ponto da história vai ficar claro porque as outras

linguagens que compõem o programa, a dança, o teatro e a música, não

estão presentes.

O ensino de arte no Brasil começou com a chegada dos jesuítas e

baseou-se no ensino do desenho, que era entendido como um equivalente

funcional do ato de escrever. Com a expulsão da Companhia de Jesus, que

implantou no país um sistema de ensino organizado, uma reforma

educacional empreendida pelo Marquês de Pombal3 substituiu os colégios

pelas aulas régias, nas quais um professor era pago pelo governo para dar

aulas avulsas.

Entre os anos de 1771 e 1800 foram criadas as aulas de geometria

nas capitanias de São Paulo e Pernambuco e a aula régia de desenho e

figura, mas as mudanças significativas no ensino das artes no Brasil só

começariam com a chegada de D. João VI, que trouxe a prática das artes

plásticas para o país ao introduzi-la na educação de seus filhos,

reproduzindo, portanto, um costume europeu,.

Entre 1816 e 1818, A Missão Artística Francesa, que veio para o país

com o objetivo de criar profissões técnicas e científicas, fundou a Escola Real

de Ciências, Artes e Ofícios. Quando começou a funcionar, a escola mudou o

                                                                                                               3 As reformas empreendidas pelos Marques de Pombal estão estritamente ligadas a origem e ao desenvolvimento histórico da educação pública no Brasil. Se houver interesse em saber mais sobre tais reformas há um artigo chamado Marquês de Pombal e a reforma educacional brasileira, de Ana Paula Secco e Tânia Conceição Iglesias do Amaral, disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/periodo_pombalino_intro.html

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nome para Academia Imperial de Belas-Artes e a proposta de educação,

inicialmente tecnológica, foi substituída por uma educação artística com

ênfase no academicismo e no neoclassicismo. Após a proclamação da

república a Academia Imperial de Belas-Artes ganhou o nome de Escola de

Belas-Artes.

Foi nesse período que surgiu o ensino tecnicista, ou seja, o ensino da

arte deveria servir ao desenvolvimento tecnológico do país, deveria servir

para aplicação na indústria, utilizando uma metodologia que baseava-se no

modelo estrangeiro de profissionalização de jovens nas escolas. Com o

surgimento da educação tecnicista, Rui Barbosa propôs o desenho

geométrico e industrial voltado não só à educação para o trabalho, mas

também para o desenvolvimento estético e espiritual, mas a arte continuava a

ser vista como auxiliar das outras disciplinas escolares.

No Século XX, entre os anos de 1920 e 1960, ensino era voltado

para a arte modernista e a livre-expressão e até o início dos anos de 1930, o

ensino de desenho continuava a ser sinônimo de aula de arte. Neste período,

surgiram escolas especializadas em arte para crianças e adolescentes, com

influencias de Anita Malfatti e Mário de Andrade, que viam o ensino da arte

como atividade extracurricular.

Nesta época, surgiu o movimento da Escola Nova, que pregava a

importância da arte na educação da criança para o desenvolvimento da

imaginação, da intuição e da inteligência. No entanto, quando o movimento

estava prestes a conseguir implantar a arte como livre-expressão nas escolas

de 1º grau, a ditadura do Estado Novo instaurou nas escolas o desenho

geométrico e a cópia de estampas.

Com o fim da ditadura a livre-expressão recuperou sua força nos

ateliês e escolinhas de arte e a Escola Nova teve alguns dos seus princípios

retomados mas, na prática, o programa implantado pelo Estado Novo ainda

permanecia nas escolas.

Em 1948, surgiu a primeira Escolinha de Arte do Brasil, e a meu ver o

PIÁ estabelece uma relação direta com elas. As escolinhas multiplicaram-se

pelo país e procuraram influenciar o sistema público educacional. O que

gerou em 1958, uma lei federal que regulamentou a criação de Escolas

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Experimentais, a partir das ideias de Lúcio Costa, que tentava criar uma

articulação entre criação e técnica, a partir das práticas das escolinhas.

Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases eliminou a uniformização dos

conteúdos das escolas, mas na prática, as aulas de arte continuaram sendo a

exploração das técnicas de desenho, pintura e impressão, não havendo

nenhum desenvolvimento da arte. E em 1964, com a ditadura militar, as

Escolas Experimentais tiveram seus currículos normatizados e igualados aos

da escola comum.

A Lei de Diretrizes e Bases de 1971, estabeleceu a arte no Ensino

Básico e instituiu a obrigatoriedade da disciplina na escola. A prática da

polivalência (artes plásticas, música, teatro e dança) deveria fazer parte da

aula de Educação Artística no primeiro grau, no entanto, essa mesma lei

estabeleceu um ensino tecnicista e profissionalizante. Segundo Ana Mae

Barbosa, o objetivo era qualificar mão-de-obra de baixo custo no Brasil, a fim

de proporcionar trabalhadores para as companhias multinacionais – em sua

grande maiorias, americanas – que se instalaram no país durante a época da

ditadura militar.

Neste período houve uma busca de modelos estrangeiros de ensino

como apoio aos currículos escolares, refletindo a situação história de

dependência econômica e política do Brasil. E na tentativa de contrariar essa

tendência, o governo federal implantou no currículo de formação de

professores uma ideologia nacionalista, através da inclusão de disciplinas

como Folclore, uma atitude superficial que não permitiu uma real

conscientização da situação do país.

Após esse brevíssimo relato, é possível perceber que a Arte-

Educação no Brasil se construiu sobre idas e vindas, sobre as quais Ana Mae

Barbosa (apud BANIN, 2003, p. 27) considera que de 1870 a 1927, a

educação em arte se resumia à mera cópia dos modelos estrangeiros; de

1927 a 1958, esses modelos foram nacionalmente adaptados; de 1958 a

1963, buscou-se a criação de um modelo próprio, nacional, para que depois,

novamente, se importassem os modelos de fora, que foram submetidos a um

mascaramento de cunho nacionalista. “Houve evoluções e esforços para que

existisse um modelo de ensino próprio, mas a perseguição ideológica da

época das ditaduras afastou os educadores brasileiros da possibilidade de

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construírem uma identidade própria para o ensino da arte” (BANIN, 2003, p.

27).

Até aqui ficou claro que a prática do ensino da arte nas escolas

brasileiras esteve marcada não só por essa permanência do ensino do

desenho, muitas vezes destituído de aplicabilidade e compreensão ou pelos

simples “deixar fazer” sem aplicação de objetivos definidos, mas também,

pela função de servir para confecção de presentes para os pais em datas

comemorativas familiares e para ornamentação dessas datas na escola, ou

ainda, para celebração das datas cívicas, função que permanece até hoje,

desde a época da ditadura militar.

A partir de agora, farei um pequeno recorte sobre o ensino das artes

visuais e passo a me questionar quem foi esse educador. Até 1970 não

existiam livros sobre arte-educação no país e os professores de arte eram

alunos dos cursos das Escolas de Belas-Artes, de Professorado de Desenho,

das Escolas de Desenho Industrial e das Escolas de Artes e Comunicações,

que precisavam fazer uma complementação pedagógica para dar aulas.

Em 1973, as únicas instituições que formavam os artistas educadores

eram as Escolinhas de Arte e neste mesmo ano foram criados cursos de

Educação Artística. As licenciaturas eram cursos curtos, de dois anos, para

que o professor lecionasse música, teatro, artes visuais, desenho, dança e

desenho geométrico para alunos de primeiro e segundo graus. As

licenciaturas plenas constituíram-se na habilitação posterior em áreas

específicas, artes plásticas, artes cênicas ou música e os antigos professores

tiveram que retornar à universidade para se atualizarem, o que era exigido

por lei. Carolina Banin, sobre o professor de arte, considera que esta

profissão foi muitas vezes ignorada, vestida de preconceito ou deixada de

lado no que se refere à qualidade dos cursos formadores ou preparadores,

isso, quando esses cursos existiam.

Mas, em 1983, o curso da história ganha um novo capítulo com o I

Congresso Nacional de Arte-Educadores. Neste congresso uma polêmica

sobre a questão da polivalência, os professores universitários a criticaram e

os professores remanescentes das escolinhas, que recebiam verba do

Ministério da Educação, MEC, a defendiam. Ana Mae faz um questionamento

bastante pertinente sobre essa situação:

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Será que há o interesse recôndito dos donos do poder em preparar mal o professor de Arte, para que a arte seja incompetência da escola? Será que há interesse em levar ao descrédito o ensino da arte preparando mal os professores? Será que os arte-educadores estão usando as minguadas verbas a que tem acesso como borracha para apagar a reflexão sobre as relações entre poder e saber? Defendendo modos superficiais de ensino de arte, que gratificam epidermicamente e impedem a reflexão, garante-se que a eficácia da arte-educação seja nula para levar à contestação de valores e à formação de personalidades atentas e atuantes (BARBOSA, 1984, 20).

O fato é que até o fim dos anos 1980 não havia mestrado nem

doutorado na área de arte-educação no país. A aula de arte era tratada como

algo dispensável, os professores pareciam desorientados pelo ensino da arte

parecer incerto e caminhavam à margem. E no meio desse cenário

começaram a surgir encontros e reuniões sobre o ensino de arte que

questionavam as ideologias e metodologias, além dos projetos do governo e

que passaram impor novos valores às escolas.

Ana Mae Barbosa nos diz que os anos oitenta tem sido identificados

como a década crítica da educação que fora imposta pela ditadura militar e

da pesquisa por solução. A pós-modernidade trouxe a crise e o início de

mudanças no ensino da arte. E devido ao poder que arte tem de mobilizar,

provocar a reflexão, fomentar a crítica e potencializar a potência, fica claro os

motivos dos direcionamentos da educação no país: A arte na educação afeta a invenção, inovação, difusão de novas ideias e tecnologias, encorajando um ambiente institucional inovado e inovador. Estarão estes senhores e senhoras interessados em inovar suas instituições? Estarão interessados em educar o povo? Poucos os governantes o estão. Em geral a ideia é que o povo educado atrapalha porque aprende a pensar, a analisar, a julgar. Fica difícil manipular o povo pensante. (BARBOSA, apud Banin, 2003, p.30)

 Ainda sobre essa questão, em resposta ao Encontro de Secretários

de Educação no Rio Grande do Sul, em 1986, ocasião em que se propôs a

eliminação da educação artística nas escolas, Ana Mae nos diz: Será que eles, os secretários de educação (...) não sabiam que na área de artes gera um grande número de empregos no país? Aliás, no Canadá a indústria das artes desde 1982, vem sendo a que produz maior número de empregos em tempo integral e ocupa o nono lugar na produção de renda para o país, significando 2,5% do PNB. P. 2. (BARBOSA, 1991)

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Essa brevíssima história se trata de preocupações sobre o ensino da

arte na contemporaneidade e, mais especificamente, sobre a importância dos

Artistas Educadores do PIÁ conhecerem essa trajetória, que permanece

sujeita a questionamentos e em processo de transformação. Assim como a

própria arte contemporânea “está ancorada muito mais em dúvidas do que

em certezas, desafia, levanta hipóteses e antíteses em vez de confirmar

teses” (Lucimar Bello Frange, apud BANIN, 2003, p. 33) e tem a intenção de

tirar a obra de arte do pedestal, aproximando-a do cotidiano e do público.

Isso gera uma nova visão do ensino da arte.

E se olharmos mais a fundo o baú de Ana Mae Barbosa, podemos

encontrar uma lista de preocupações dos artistas educadores que estão

provocando mudanças no ensino da arte e que dialogam diretamente com o

PIÁ:

• Que o ensino tenha um maior compromisso com a cultura e com a

história;

• Que ao fazer se acrescente a leitura da obra de arte e a contextualização

histórica, social, antropológica e estética, procurando relacionar os três

fatores;

• Que se trabalhe conceito de criatividade não somente no fazer, mas

também na leitura e na contextualização;

• Que se valorize, além da criatividade, a elaboração e a flexibilidade;

• Que se tenha um maior compromisso com a diversidade cultural, no que

diz respeito à consideração e conhecimento dos diversos códigos

existentes (raça, etnia, classe social, gênero, etc.);

• Que seja considerada a produção da comunidade, relacionando-a com

outras culturas;

• Que, enfim, a aula de Arte possa proporcionar e construir um saber

consciente e informado.

E permanecendo neste diálogo entre a história da Arte Educação no

Brasil e o PIÁ, faz-se importante aprofundar alguns conceitos que são

repetidos com frequência, mas de fato, pouco discutidos, como

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pluriculturalidade, multiculturalidade e interculturalidade. “Ivone Richter trata

da multiculturalidade e interculturalidade como sendo termos usados para

expressar um mesmo conceito, que objetivam reconhecer as semelhanças

entre os grupos ao invés de ressaltar as diferenças e fazer com que as

fronteiras entre as culturas sejam diluídas em favor de um bem comum, que é

a educação” (BARBOSA, apud BANIN, 2003, p. 34).

Estendendo a compreensão desses termos, podemos aplica-los para

a forma como trabalhamos as linguagens no PIÁ, portanto, teremos a

multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. E fazer

uma explanação sobre esses termos não é algo excessivo. A

multidisciplinaridade conserva as fronteiras das linguagens, a

transdisciplinaridade busca um atravessamento entre os diversos campos do

conhecimento, enquanto a interdisciplinaridade utiliza diversas linguagens,

eliminando as fronteiras entre elas, sem que uma sobreponha a outra,

constituindo, assim, uma rede.

E para encerrar esse brevíssimo panorama do ensino da arte no

Brasil é importante destacar a Proposta Triangular para o ensino das artes,

que foi sistematizada por Ana Mae Barbosa e se baseia em três ações

básicas: ler obras de arte, fazer arte e contextualizá-la. E também falar sobre

os Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN, criados após a Lei de

Diretrizes e Bases de 1996.

As disposições anteriores foram revistas e a arte passou a ser

obrigatória na educação básica, tratando-a como área de conhecimento e

considerando que o ensino da arte tem como objetivo: “levar as artes visuais,

a dança, a música e o teatro para sem aprendidos na escola. Por muito

tempo, essas práticas foram consideradas atividades importantes apenas

para recreação, equilíbrio psíquico, expressão criativa ou simplesmente treino

de habilidades motoras.” (Brasil, 1998, p. 63).

Mas essas mudanças ideológicas no ensino da arte no Brasil,

reflexos da Proposta Triangular e por documentos como o PCN Arte, nem

sempre são observadas na prática escolar. Os progressos convivem com

metodologias surgidas nos séculos passados. O que parece também

acontecer no próprio PIÁ, observação que faço a partir dos relatos dos

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Artistas Educadores e Coordenadores durantes as reuniões ao longo do ano

de 2014.

Levando em consideração alguns questionamentos permanentes do

PIÁ, discutidos tanto em reuniões de equipe quanto em reuniões gerais, faz-

se necessário refletir sobre como esse legado histórico influencia o programa,

e mais especificamente sobre as escolinhas de arte, que a meu ver, fazem

um diálogo histórico com o trabalho que desenvolvemos no PIÁ.

A principal referência das escolinhas de arte, que tinham como foco

as diferentes linguagens e eram voltadas, fundamentalmente, para o público

infantil, era Herbert Read e seu livro Educação pela Arte. As ideias de Read

apoiam-se no princípio de que a educação é o fundamento da arte. E o

espírito da Escolinha de Arte do Brasil, criada em 1948 por Augusto

Rodrigues, Margareth Spencer e Lúcia Valentim, era a tentativa de ampliação

do repertório artístico pela inclusão de elementos da cultura popular, na

intensificação do diálogo entre as várias linguagens e na adoção de um

método pouco convencional de ensino. Segundo Lúcia, a grande mestra

deles foi sem dúvida a criança. Havíamos decidido nos guiar por ela:

observar o que ela fazia; oferecer situações novas e verificar como reagia;

analisar o que recusava; documentar como progredia.

E não é dialogando com todo esse saber que agimos? Não

decidimos nos guiar pelas crianças, tal qual fizeram as escolinhas de arte?

Portanto, é fundamental saber sobre os que vieram antes de nós, sobre o

nosso caminhar histórico, para compreender o que nos influencia hoje e

antever os caminhos que podemos e queremos trilhar.

Durante a vigência deste ano de 2014, muitas vezes me deparei com

duas questões que acredito serem muito importantes: a falta de

conhecimento histórico dos Artistas Educadores e Coordenadores do PIÁ e

de como o programa parece se colocar como antagonista da escola. Parece

que confundimos a vanguarda do programa com essa tradição do novo,

imposta por uma questão estrutural da instituição. É importante ressaltar que

não estamos “inventando a roda”, pelo contrário, nosso trabalho é sustentado

por raízes históricas, mesmo que não saibamos disso. E estas solidificam

ainda mais nossas lutas políticas e artísticas.

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Este ensaio de pesquisa-ação, é um trabalho em processo sobre o

ensino e a aprendizagem das artes visuais e aponta para a necessidade de

aprofundamento do tema dentro do programa. Fica, portanto, aberto o convite

para que outros artistas educadores possam falar sobre o ensino e

aprendizagem das outras linguagem, inclusive, a interlinguagem que é o foco

do nosso trabalho. Reafirmando assim, a vocação do PIÁ como um programa

de formação dos artistas educadores e que cria espaços de diálogo destes

com as crianças e os adolescentes e as comunidades do seu entorno.

Referências Bibliográficas BANIN, Carolina Augusta. O ensino da arte na contemporaneidade: a trama da história. TCC. São Paulo: Centro Universitário Belas Artes, 2003. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em 18 de novembro de 2014. Escolinhas de Arte do Brasil. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3757/escolinha-de-arte-do-brasil. Acesso em 18 de novembro de 2014.