O PENSAMENTO POLÍTICO - repositorio-aberto.up.pt · alvaro jose dos penedos o pensamento polÍtico...

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  • ALVARO JOSE DOS PENEDOS

    O PENSAMENTO POLTICO DE PLATO

    Volume I

    DA APOLOGIA DE S6CRATES AO MflNON

    PUBLICAOES DA FACULDADE DE LETRAS DO PORTO

  • Dissertao para doutoramento

    e m FILOSOFIA e HISTORIA D A FILOSOFIA

    apresentada n a Faculdade de Letras do Porto

  • ALVARO JOSI? DOS PENEDOS

    Volume I

    D A APOLOGIA DE SCRATES AO MgNON

    PUBLICAOES DA FACULDADE DE LETRAS DO PORTO

  • Sem dvida que a estupefaco uma atitude absolutamente pr- pria dum filsofo; nem outra foi a origem da filosofia.

    Plato, Teeteto, 155 d

  • PREFACIO

    Mais um estudo sobre Plato, embora limitado ao seu pen- samento politico, pode causar estranheza, devido imensa biblw- grafia cmsagrada a este filsofo que, ano aps ano, tem vindo a ser enriquecida. Se empreendemos tal trabalho, foi na convico de que o conhecimento da poca grega, entre 450 a.C. e 350 a.C. hoje mais amplo e completo, cmuluzindo, pw conseguinte, a u m melhor esclarecimento da vida e da obra de Plato. Assim, poder- se- empreender a actuao do fiL5sofo e o significado da sua obra no campo poltico a uma lzcz mais frworvel, deviclo T e - sena de material valioso que tem sido carreado por grande nmero de estudiosos.

    O nosso trabalho, de que apresentado o volume primeiro, tem a ambio de ser, em parte, uma sntese de re~ultudos j' obtidos. E m parte, pois pretendemos, com o auxilio desses mesmos resultados, apresentar uma interpretao do pmamento polz'tico de Plato que, no sendo inteiramente original, alguma coisa, contudo, se prope apresentar de novo.

    Tambm nos anima o desejo de contribuirmos, ainda que madestamente, para enriquecer a escassa bibliografia portuguesa sobre a materia.

    O presente volume dividido em duas partes: na primeira, estuda-se a actividade do filsofo durante a juventude; na se- gunda, vamos encontrar PZato no pertado da mattwidade, mas

  • o nosso estudo termina ?w dilogo Mnon, ou seja, antes da publi- cao da Repblica.

    Assim, procurou-se detectar a gnese do pensamento poltico de Plato, guardando-se para u m segundo volume a anlise da parte final do penodo da maturidade.

    Seguiremos o seguinte critrio expositivo: o texto apre- senta a interpretao b s h relativa s vrias questes tratadas; as notas, alm das indicaes bibliogrficas, facultaro refern- cias a vrias teses respeitantes aos pontos mais controvertidos.

    Quanto bibliografia que acompanha este volume, um apontamento prvio se impe. Dividida em duas partes, uma res- peitante a aspectos gerais da vi& grega, a outra dedicada a Plato, de forma alguma pretende ser exaustiva. Sendo fcil, nos nossos dias, apresentar uma longa lista de obras consagrada8 ao filsofo, opta-se pela bibliografia selecta dos livros e artigos que consideramos relevantes para o nosso estudo.

    Ao Instituto da Alta Cultura, que nos concedeu uma bolsa de estudo no ano lectivo de 1971-72 para frequentarmos a Uni- versidade de Cambridge; ao Prof. W . R. C. Guthrie, da Univer- sidade de Cambridge, pela hospitalidade e orientao que nos forneceu; ao Prof. Doutor Antnio Cruz, Director da Faculdade de Letras do Porto, pelo auxilio dado para a publicao deste livro; ao Prof. Doutor Eduardo Abrancltes de Soveral, pela orien- tao, incentivo e preciosas indicaes que nos forneceu; aos cole- gas Ana Paula Sottomayor, Levi Malho e Pedro Fiqueiredo, pela colaborao prestada na reviso do texto; minha Mulher, que nos acompanhou sempre ao longo da elaborao deste estudo; a todos desejamos expressar o nosso sincero agraecimento. Para aqueles que nos auxiliaram com a sua p a b r a amiga a nossa gratido t a m b h .

  • INTRODUAO

    Quando apresentado um trabalho com a pretenso de ser criticamente fundamentado, lgico que o autor tenha ou deva ter uma concepo sobre o campo que est a investigar. A Hist- ria da Filosofia, como outros domnios do saber, passvel de ser entendida de maneiras diferentes, o que impe um esclareci- mento prvio para se entender quais as linhas de fora que nor- tearam a obra a que metemos ombros + o Pensamento de Plato.

    Vai j longe o tempo em que esta se considerava como constituda por um conjunto de biografias e exposies das dou- trinas dos filsofos ('), sendo nos nossos dias um lugar-comum o afirmar-se que o Homem inserido num contexto histrico, qual- quer que ele seja, sofre influncias de tal contexto e que, em parte, a sua actuao por ele explicada; assim, a Histria da Filosofia no pode ignorar o momento em que este ou aquele filsofo viveu ou, em que esta ou aquela corrente filosfica veio luz.

    (1) De facto, a Histria da Filosofia no pode contentar-se com uma tarefa essencialmente histrica; precisa, tambm, da interpretao das dou- trinas, interpretao essa necessariamente filosfica. Dai estarmos de acordo com L. Robin quando este afirma que o historiador rio pensamento utanto filsofo como historiadors (La Pense Grecque, Paris, 31963, pg. 4) .

    De passagem, anotemos a importncia dada pelos historiadores ingle- ses dos nossos dias Filologia. Esta, sem dvida, 6 importante para a compreenso das doutrinas filosficas. O que est errado, quanto a ns, substituir a interpretao filosfica pela Filologia.

  • As corrente filosficas contemporneas ou anteriores a um determinado pensador no so s, para alm do seu talento natural, as determinaes da sua filosofia. Deve-se levar em linha de conta, para a compreenso da actividade de um filsofo, as instituies polticas e o seu funcionamento, as manifestaes culturais, o fundo religioso predominante, etc. Os aspectos mltiplos da rea- lidade histrica condicionam, em parte, a atitude do filsofo: a sua obra pode revelar no s a influncia de determinados pensa- dores como tambm responder a problemas candentes da socie- dade em que vive.

    Embora no seja nossa inteno o alongarmo-nos nestas consideraes, impe-se todavia uma reflexo sobre um ponto abordado atrs e que desejamos fique o mais claro possvel.

    Ao dizermos que o Homem sofre a influncia do ambiente circundante, e no caso particular que nos interessa, o filsofo est em conexo com a sociedade, afirmmos que a sua actuao devida, em parte, a esse factor. Em parte, e no na totalidade, pois no nos parece que o filsofo seja um mero reflexo, assim como afastamos a tese de que ele completamente independente do contexto histrico em que nasceu. Se fosse simplesmente reflexo ou produto da sociedade, no se compreenderia que as suas ideias introduzissem mutaes no organismo social seu contemporneo ou naquele que venha a surgir no futuro P). Alis, a sua obra pode ser uma polmica contra a sociedade em que est inserido, o que afasta com clareza a hiptese do filsofo ser um espectador eminentemente passivo (9.

    Tendemos, pois, para ver no pensador o homem que mantm uma relao recproca com a sociedade, em que esta contribui com uma quota parte para a sua formao mental, mas em que este, por sua vez, atravs da sua filosofia, influencia as institui- es e a cultura. Desta maneira, defendemos que o filsofo no o ser alheado do que o cerca, portanto um isolado sem contacto com a realidade; bastava um olhar para os filsofos gregos, para

    ( 5 ) Para no deixarmos dvidas, se possivel, acrescentemos que no se trata de uma relaco de co?ldicio?ia?zte e co?cicionado.

    ( 3 ) A utopia 6 um exemp!o tipico do que afimamos, Vide pgs. 24-25.

  • vermos as ocupaes prticas que exerceram e as relaes que mantiveram com figuras proeminentes d e outros domnios ("). A falsa ideia do isolado, do afastado da realidade devida, ao que nos parece, sobretudo a um interesse manifestado pelo pen- sador por determinado estrato da realidade e por ir ao fundo das coisas, o que contrasta com o conformismo e a falsa curio- sidade manifestados pelo homem massificado.

    Aps estas sucintas consideraes, abordamos outro pro- blema, alis intimamente ligado aos anteriores.

    Qual o valor pedaggico da Histria da Filosofia? Pergunta que se pode colocar ainda mais radicalmente: Ter a Histria da Filosofia algum interesse para o aprendiz de filsofo? No nos queremos embrenhar agora na complexa questo do valor filo- sfico da Histria da Filosofia (").

    Se admitirmos que a Histria da Filosofia no simples erudio, no se confinando a pormenores meramente secund- rios, ela tem de ser uma exposio em que o mtodo to rigo- roso como nas outras cincias ( O ) , exposio essa das doutrinas dos pensadores esclarecidas com todos os elementos que se possam reunir.

    Assim, a inteno filosfica, a concatenao dos problemas, as solues apresentadas e o valor que a obra dum determinado pensador oferece tm um interesse directo para o aprendiz de filsofo, na medida em que fornece um campo para meditao ou serve de ponto de partida para a elaborao de um pensamento ou para, em oposio a ele, se definir uma reflexo autnoma.

    (') Falando apenas dos Pr-Socrticos podemos dar estes exmplos: Tales de Mileto foi engenheiro militar, Parmnides de Blea legis:ador, Anaxgoras de Clazmenas amigo e, possivelmente, conselheiro de PBricles.

    ( 5 ) Fugimos a essa temtica, pois pelo menos a heuristica de Heidegger, Gadamer e Ricoeur no podia ser desconhecida, o que nos obri- gava a um longo desenvolvimento, incompativel com as pretenses desta introduo.

    ( 6 ) Ser hom recordar que positividade e rigor no so sinnimos; desta maneira a Histria da Filosofia 6 to rigorosa como a Fisica, embora a primeira no seja positiva como a segunda.

  • Desta maneira, a meditao sobre os textos filosficos e o esclarecimento da circunstncia em que surgiram pode ser uma autntica introduo Filosofia, sem que tal represente uma quebra de originalidade, na medida em que um pensamento dito autnomo alimentado tambm pelo que o passado forneceu.

    Pedagogicamente, a Histria da Filosofia tem plena razo de ser, e, no caso particular da Filosofia Grega, o contacto com as fontes que alimentaram o pensamento ocidental relevante, na medida em que pode contribuir para um melhor esclarecimento da temtica contempornea.

    Apresentemos ento, nestas linhas introdutrias, as razes que nos levaram a optar por um determinado mtodo-o gen- tico- para o aplicar ao estudo do pensamento poltico de Plato.

    Este mtodo obteve resultados de assinalar em alguns estu- dos dedicados primeiro a Plato e mais tarde a Aristteles ('1. Muito resumidamente, podemos dizer que ele se emprega numa obra disposta cronologicamente, perscrutando as influncias re- cebidas e as modificaes operadas ao longo da carreira de um filsofo, pois este altera por vezes a sua linha filosfica abando- nando determinados temas e preocupando-se com outros surgidos mais tardiamente.

    No ignoramos os resultados positivos alcanados atravs doutros mtodos como, por exemplo, o estruturalista aplicado por Victor Goldschmidt obra platnica. So deste historiador as seguintes palavras:

  • das obras. No contestamos, todavia, a legitimidade dos estudos genticos sobre outros problemas e trata-se, ainda menos, para as investigaes estruturais de reivindicar um diploma de igno- rncia no que respeita vida, cronologia das obras e, possi- velmente, evoluo do autor. Aquilo que defendemos que tais informaes e outras ainda so prvias compreenso do autor: constituem, por vezes, a condio necessria mas nunca suficiente, muito longe de substituir a prpria compreenso que duma ordem completamente diferente>

    O mtodo gentico permite, pelo menos, segundo o estrutu- ralista Goldschmidt, a introduo ao estudo de um determinado pensador. Embora julguemos que este mtodo pode levar mais longe, o nosso objectivo confina-se a uma primeira abordagem do pensamento poltico de Platao.

    Parece, quanto a ns, que o mtodo gentico oferece duas vantagens, que explicitam o que j dissemos atrs:

    a) D-nos a conhecer a evoluo da doutrina, a marcha por vezes irregular do pensamento filosfico e as motivaes recebidas.

    b) Oferece-nos uma viso de toda a dinmica de um pensa- mento que vai tomando forma, e as dificuldades que se pem a descoberto tm um valor altamente pedaggico para o aprendiz de filsofo.

    No caso concreto em que nos vamos ocupar, este mtodo aplicado a um pensador - Plato - cuja actividade de escritor se prolongou por cerca de cinquenta anos. E a grande dificuldade que nos surge logo no limiar o facto de a sua obra ter chegado at ns sem a indicao da data em que foi publicada (9. No obstante os esforos dos estudiosos do platonismo, sobretudo depois de se ter utilizado pela primeira vez o mtodo estilstico,

    ~ ~ ~- --

    (a) V. Goldschmidt, Les Dialogzces de Platon, Paris, 2 1963, pg. XXII. (*) Na Antiguidade, Aristfanes de Bizncio (s6cu:o I1 a. C.) agrupou

    os Dilogos em trilogias, e mais tarde Trasilo (contemporneo de TibBrio) reuniu-os em tetralogias; qualquer destas classificaes no levava em linha de conta os dados cronolgicos.

  • subsistem dvidas quanto colocao de alguns dilogos numa ordem cronolgica ( 'O) .

    No podamos desconhecer esta dificuldade, assim como no podamos tambm deixar de apresentar a nossa opinio quanto poca em que este ou aquele dilogo surgiu. Neste campo o risco a correr grande, mas restava-nos apenas arcar com tal responsabilidade.

    (10) O mtodo estiiistico surgiu na segunda metade do sculo X i X , permitindo um avano considervel na colocao cronolgica dos Didlogos.

    Quanto a este assunto fundamental a obra de W. Lutoslawsky, The 0Tigin and Growth of Plato's Logic, WitR a ? ~ Account of Plato's style a7zd of tlze Chronology of 7~is Writi?zgs, London, 1897. O livro de L. Robn, Platon, Paris, 21968, pgs. 26-31, contm algumas observaes pertinentes quanto a este tema, que no pode ser ignorado no limiar de um estudo de conjunto, como 6 o nosso, sobre Plato.

  • Primeira Parta

    A BASE DA JUVENTUDE

  • I. A GRCIA DO JOVEM PLATO

    1. O AMBIENTE POLITIGO

    A. O SZCULO DE PZRICLES

    Para quem se debrua sobre a Histria da Filosofia Grega, um dos problemas mais controversos que encontra o da crono- logia dos pensadores. Com informaes vagas e muitas vezes contraditrias, s aproximadamente se pode indicar a poca em que viveu a maioria dos filsofos gregos.

    Felinnente, e este um caso raro, no h grande discre- pncia quanto cronologia de Plato. O filsofo ateniense teria nascido em 428-427 a. C. e a sua morte ocorrido em 347 a. C., segundo os dados do cronologista Apolodoro. (I)

    (1) Plato pertencia aristocracia ateniense; pelo lado do pai, Arston, remontava a CoCro, iiltimo rei de Atenas, enquanto pe:o lado da me, Perictone, de Dropide, amigo intimo de Sion. A pretento da fam;ia do fiisofo de descender do lendrio Codro mostra o desejo de ocupar lugar de destaque na aristocracia de Atenas.

    Avancemos, desde j, que, em nossa opinio, Plato no fez o jogo da sua classe, isto , no pretendeu uma vitria po!tica dos aristocratas, embora, pe:o nascimento, fosse um deles.

    Quanto 3. cronologia de P:ato, Robin (Platon, Paris, 21968, pgs. 1-2) ao apontar as datas de 428-7 e 348-7 a. C., embora levante aguns reparos, no apresenta outras; Crombie (An ezami?~ation of Plato's doctrines, I, Lon- dou, 81966, pgs. 1 e 8) apresenta as datas de 427 e 348-7 a. C., respectiva- mente para o nascimento e morte do filsofo.

  • Tal cronologia da vida de Plato significa que o pensador foi espectador da guerra do Peloponeso, durante a juventude e, j no declnio da sua vida, o poder macednico, encarnado em Filipe, vai fazer a sua apario e, em breve, dominar a Grcia. Desta maneira, os parmetros da existncia de Plato vo acom- panhando os da cidade-estado que, de crise em crise, se precipi- tava na total destruio.

    No mbito de um estudo sobre o pensamento poltico de Plato da mxima importncia apurar-se at que ponto o filsofo foi um contemporneo atento do desenrolar desse pro- cesso histrico, e indagar se ele teria a inteno de apresentar solues para uma sociedade em mutao constante.

    Pensamos que, para tal, deveremos comear pelo estudo das linhas gerais do chamado Sculo de Pricles, poca muito pr- xima do jovem Plato, e cujas figuras cimeiras, algumas pelo menos, teria conhecido pessoalmente.

    Antes de abordarmos o tema do ambiente poltico que en- volveu o filsofo, uma observao preliminar se impe: -a nossa exposio no pretende ser exaustiva, minuciosa e original.

    Move-nos apenas o desejo de traar um quadro que nos parece indispensvel e permita uma melhor compreenso da actividade do pensador.

    Em meados do sculo V a. C., o estratego Pricles apre- senta-se como o smbolo de um determinado regime poltico - o democrtico; e o crculo que constituiu ao seu redor foi bem representativo do ambiente cultural que ento se respirava. Plu- tarco, na sua Vida de PricZes, d-nos algumas indicaes pre- ciosas sobre a constituio de tal circulo. Assim se sabe que o sofista Protgoras foi um dos ntimos do grande poltico; e pode-se acrescentar ter sido ele quem elaborou a constituio para a colnia de Trio, construda sobre a arrasada cidade de Sbaris. (=) Zeno de Elea, o clebre discpulo de Parmnides, gozou tambm da mesma audincia; ua sua maneira era discutir

    ($1 Plutarco, Vida de Pricles, 55 (Trad. Lobo Vilela, in Cadernos Inqurito).

    ( 8 ) Plutareo, Vida de PBricles, 16.

  • com toda a gente, diz Plutarco, cempregar os argumentos mais subtis e levar os adversrios a no saberem que responder- -lhe> ('). Foi possvel que tanto o sofista como o eleata tivessem preparado Pricles para os grandes embates na Assembleia, onde o discurso bem como a arte de disputar eram os grandes trunfos para a vitria poltica. Mas Plutarco, que continuamos a seguir, no esconde em vrios pontos da sua obra a sua admirao por Anaxgoras: o amigo mais ntimo de Pricles ... aquele, enfim, que lhe inspirou a grandeza de alma que o distinguia, a dignidade que ressaltava de toda a sua conduta, foi Anaxgoras de Claz- menas... ( I )

    Estas figuras que rodearam Pricles, sem falarmos dou- tras indubitavelmente tambm importantes ('), indicam-nos j qual o quadro intelectual da Atenas da segunda metade do sculo V a. C.

    Passando agora para o aspecto poltico, o nosso melhor guia o historiador Tucdides, chefe militar na guerra que ops Atenas a Esparta e pensador poltico que, na Guerra do PeZopo- neso, embora com moderao, no esconde a sua simpatia pelo dirigente ateniense. Em texto que ficou clebre, o historiador apresenta uma orao fnebre, pronunciada pelo estratego, em que este aproveita para definir o regime sob o qual vivia Ate- nas. (') E um elogio democracia cujo regime caracteri- zado pela possibilidade de todos os cidados, indiferentemente da sua posio econmica, ascenderem aos mais altos cargos da polis. Mas, impe-se fazer algumas consideraes, quanto sociedade ateniense e democracia de Pricles, para determinar o que h de novo na vida da Cidade, bem como o que se deve entender por democracia enquanto Pricles esteve frente dos destinos de Atenas. Sobre o primeiro ponto, parece no haver

    4 Plutarco, Vida de Pricles, 4. 5) Plt~tarCO, Vida de PBcles, 5. Vide pg. 39. f 6 ) Re'embremos o arquitecto Hipdamo de Mileto (uide pgs. 26-28).

    Fidias, conselheiro e executor artistico de Pric'es, e Dmon (vide 3. Mor- rison, The origins of Plato's philosopher-stateman, ifl Classical Qzcartely, 1958, paga. 204-205).

    (7) Tucidides, Guerra do Pelopovbeso, 11, 35-46. ( 8 ) Tucidides, Guerra do Pelopofleso, E, 37.

  • dvida em assinalar-se uma transformao que, embora ainda no radical, contrastava com a de Atenas de algumas dcadas atrs. Os grupos familiares que agregavam a si uma srie de partid- rios cedem o lugar a grupos mais vastos, que se diferenciam dos anteriores pelo maior nmero de membros e por um esboo de ideologia que os vais enformando. (9 Embora encaremos cau- telosamente toda e qualquer comparao, permitimo-nos afir- mar que, entre 450 e 440 a. C., surgem os partidos polticos tal como hoje os entendemos. Agrupamentos, como dissemos, mais vastos (em que o ncleo j no era o cl familiar), com uma doutrina j assente e cujo objectivo era a conquista do poder e a instaurao dum determinado tipo de governo. Assim, frente a frente, encontravam-se o partido democrtico e o aristocrtico. O primeiro agrupava, essencialmente, os indivduos cujo privi- lgio no era o sangue, ou seja, aqueles que pertenciam classe popular e A burguesia de riqueza grande ou mediana, alcanada atravs do comrcio e da indstria, aos quais se juntaram alguns nobres. O segundo era constitudo pela nobreza que no queria perder os seus antigos privilgios, o qual atraiu tambm a si alguns ricos burgueses. Tal partido visava, fundamentalmente, constituir um governo oligrquico.

    Todavia, no nos devemos enganar pela democracia ate- niense, de que Pricles era o expoente mximo. Em primeiro lu- gar, este era um Alcmenida, isto , um membro de uma das famlias mais poderosas de Atenas que, ao longo de geraes, lutava pela conquista do poder. (I0) O prprio Tucdides, simpa- tizante do famoso estratego, no se furta a dizer que o governo de Atenas, no seu tempo, era essencialmente o governo de um homem s, ('1) OU seja, que, sob a capa da democracia, Pricles tinha praticamente todos os poderes, restando ao demos aplaudi-lo.

    (9) Claude Mosse, Histoire d'une dmocratie: AthAnes, Paris, 1971, p&g. 46.

    (10) Os Alcmenidas constituam uma das famlias mais poderosas de Atenas; Clistenes foi um dos seus membros.

    Quanto ao episdi, que manchoi' esta famiia no sc. VI1 a.C. uide Moss, o. c., p8g. 14.

    (li) Tucdides, &erra do Peloponeso, iI, 65.

  • Mas a democracia, com Pricles ou com os seus sucessores ime- diatos, comportava apenas uma parte dos habitantes (I2). Ora, u m regime em que s uma fraco da populao goza de direitos polticos, no pode ser considerado uma democracia integral, uma vez que nesta todos os indivduos gozam dos mesmos direi- tos polticos. Apesar de todas estas reticncias, o regime que tramos, em linhas muito gerais, apontava para a futura demo- cracia. (I3)

    No obstante as caractersticas do governo de Pricles, as transformaes sociais e polticas acima anotadas tornaram-se mais marcantes at ao final do sculo V a. C. Entre os sucesso- res de Pricles contaram-se Lsicles, u m mercador de carneiros, e Clon, to ridicularizado por Aristfanes p4), o qual tinha o mister de tanoeiro. Estes exemplos parecem indicar a penetra- o cada vez mais profunda duma nova classe social nos neg- cios pblicos.

    Os acontecimentos de 411 a. C., em plena Guerra do Pelo- poneso, so elucidativos de como algo de profundo ocorria na vida ateniense. Nesse ano, os oligarcas tomaram o poder atra- vs duma revolta, constituindo o chamado governo dos Quatro- centos, o que mostrar a dificuldade que a nobreza tinha em tomar um lugar de relevo na conduo da vida poltica, sem recurso fora. Esse facto mostrava tambm como se iam extre- mando, cada vez mais, os campos ideolgicos, manifestando-se ums conscincia muito aguda dos contedos doutrinrios dos partidos em presena. Mas, o governo dos Quatrocentos, cujo terico seria Antifonte, (16) contou com a oposio obstinada duma parte da frota e do exrcito que, na altura, estacionava na

    ('2) Quanto h democracia e instituies atenienses vide C. Mos&, Les illstitutions grecqzces, Paris, 6 1972, pgs. 11-78,

    ( 13 ) Talvez possamos fazer uma analogia entre a democracia de Pricles e o regime liberal, sobretudo no sc. XIX, em que o nmero de cidados era restrito.

    ( 1 Aristfanes, Os Cavaleiros. ( I 5 De facto o terico dos oligarcas foi Antifonte, constituindo pro-

    blema muito controverso saber se Antifonte, o sofista, Antifonte, o orador. ou se so duas pessoas distintas. Bignone (5tudi sw: pensiero antico, Napoli, 1938, 161-174) defende que o orador e o sofi-ta so pessoas diferentes,

  • ilha de Samos, o que se poder interpretar como expresso de um sentimento profundamente democrtico do povo ateniense. ('O)

    Este quadro histrico que, grosso d o , se estende de 450 a 404 a. C., data em que novamente os oligarcas voltaram ao poder, (I7) abrange alguns tericos que se manifestam quanto s reformas que a vida poltica deveria sofrer.

    O aparecimento de tais homens facto elucidativo de como se procedia a uma reviso quanto s melhores formas de governo, procurando-se novas vias.

    Dois nomes avultam nessa poca: Fleas de Calcednia e Hipdamo de Eleto, que teriam apresentado as primeiras utopias polticas, precursoras, portanto, da Repblica de Plato, surgida algumas dcadas depois.

    Mas ser conveniente esclarecer desde j o que entendemos por utopia poltica (18) ; a dilucidao rigorosa do contedo dos termos sempre necessria, para evitar dvidas quanto ao em- prego de designaes de sentido varivel. Por tal expresso en- tendemos, pois, uma construo ideolgica que leva em linha de conta dois factores:

    1.0 -A crtica sociedade tal como est constituda; 2.0 -A proposio de normas para o seu aperfeioamento

    ou para a constituio de uma sociedade futura, em novas bases.

    Destes dois factores decorrem, quanto a ns, duas atitudes que, parecendo diferentes, se articulam harmoniosamente:

    1." - Pssimismo quanto s condies factuais de uma so- ciedade;

    enquanto J. Morrison (Antiphon, i n Proceedings of the Cambri dge Philo- logicaz Sooiety, 1961, pgs. 49-58) considera Antifonte o orador e o sofista.

    Contra Morrison pensamos que o frag. 44B (Diels) de Antifonte no se coaduna com a defesa da oligarquia; a igualdade entre Gregos e Brbaros defendida nesse fragmento prprio de um espirito democratico. Seguimos pois na esteira de Bignone.

    (16) Vide Moss.5, Histoire d'une dmocratie: Athlies, pg. 88. (17) v i d e p&gs. 34-35. (18) Tema tratado de maneira sugestiva por J. Servier, Histoire de

    l'utopie, Paris, 1967.

  • 2.0-0ptiiismo quanto possibilidade de regenerao dessa ou duma futura sociedade.

    Pelo que expusemos, torna-se ntido, assim o esperamos, que entendemos por utopia algo de francamente positivo, no sendo pois uma construo desgarrada da realidade, pura abstraco desinteressada da possibilidade de instaurao dos princpios que prope.

    E sob este ngulo que a Repblica de Plato, assim como as doutrinas de Fleas e de Hipdamo, tm de ser encaradas. Mas, neste momento, interessa-nos expor, apenas, o pensamento destes dois ltimos.

    Infelizmente, as informaes que possumos acerca destes doutrinadores so escassas, resumindo-se, quanto a Fleas, a algumas passagens da Politica de Aristteles; sobre o segundo, alm do que se l na citada obra do Estagirita, s existem algu- mas referncias de Hesquio e Fcio.

    Fleas de Calcednia, que talvez tivesse exercido funes polticas, ('9 considerou que a fonte das revolues a desigual- dade econmica. Para obviar injustia e evitar sangrentas con- vulses sociais, preconizou a igualdade de riqueza para todos os cidados. pO)

    Dada a dificuldade em implantar um tal regime nos Esta- dos j constitudos, aconselhava (o que mostra um profundo realismo) que o comiinismo de bens entrasse em vigor aguando

    (19) Pensamos que Fleas tivesse vivido no sc. V a. C., pois Aris. tteles considera-o o primeiro defensor da igua:dade de riqueza (PoUtica, 11, IV, 1). Como mostraremos mais tarde (vide pg. 127), nos principias do sc. IV a.C. tais ideias encontravam-se difundidas, o que nos leva a Supor que este autor tivesse vivido no sculo anterior.

    S possivel que tivesse exercido funes poiitieas, j que uma passagem de Aristteles referente a Hipdamo de Mileto (Polltica, 11, V, 1) o mostra como o primeiro que escreveu sobre matria poltica sem exercer cargos pblicos.

    A passagem do Estagirita, que citmos em ltimo lugar, e a proba- bilidade de Hipdamo e Fleas terem sido contemporneos, levaram-nos B hiptese de o ltimo ter ocupado um cargo politico.

    (a) Aristteles, Pol., II, TV, 8. Vide, tambm, Pa', 11, IV, 1.

  • da fundao de novos Estados P'), pensando provavelmente, adiantamos ns, nas colnias que iam aumentando progressiva- mente o mundo grego.

    No possuindo outra fonte de informao para alm da Politica de Aristteles, difcil esclarecer com mais profundi- dade o pensamento de Fleas. E possvel que ele tivesse apenas traado as linhas gerais de uma teoria, j que o Estagirita nota duas omisses importantes: a constituio do exrcito e a orga- nizao das finanas. p2)

    Em nossa opinio, o mais importante sublinhar este comunismo de bens como resposta injustia que seria provo- cada pela desigualdade econmica, o que mostra que, no sculo V a. C., havia quem se debruasse sobre a origem dos conflitos e adiantasse a teoria de que o problema econmico era o mais agudo existente numa comunidade.

    At que ponto a doutrina exposta por Fleas teve reper- cusso no seu sculo? A resposta extremamente difcil, mas o que podemos adiantar que tais teorias, possivelmente, atra- vessaram esse sculo e tornaram-se matria de discusso acesa, logo nos incios do sculo iV a. C., como mostraremos mais tarde. (23 )

    Hipdamo ( 2 4 ) , esse

  • trica. Este arquitecto, a quem Hesiquio e Fcio chamaram me- teorlogo, o que significava ser partidrio da filosofia jnica, tinha uma determinada concepo quanto ao espao em que devia implantar-se a Cidade dos homens. O espao que o Homem devia ocupar na sua actividade estava contido naquele mais amplo, que era o cosmolgico; a Cidade era pois um microcosmo em consonncia com o Mundo, que, no dizer de Servier PO), xdeve- ria fazer participar os homens na harmonia csmicas.

    O Estado, segundo Hipdamo, devia ter uma populao limitada, dez mil cidados, o que para G. Glotz P7) no constitui algo de inovador, mas sim o produto de uma observao do que era comum no mundo grego.

    A Cidade devia ser governada por magistrados eleitos por todos, ou seja, pelos elementos das trs classes em que ele divide a sociedade, a saber, a dos artesos, a dos lavradores e a dos guerreiros. P8) Desta maneira, a linha geral da constituio no apontava para uma realeza, como em Esparta, nem admitia uma magistratura em que os membros eram tirados sorte, como acontecia em Atenas. (2e)

    A utopia de Hipdamo respondia frontalmente a um problema da democracia ateniense; o que defendido por este terico uma democracia completa, em que todo e qualquer cidado, de qualquer classe, podia intervir, pelo menos atravs do seu voto, na vida poltica do Estado. A atitude, agora pre- conizada, mostrava que, pelo menos nos crculos intelectuais, se levantava o problema da essncia da democracia e se considerava que aquela, simbolizada por Pricles, era demasiadamente es- treita e pouco audaciosa.

    Com um nmero limitado de cidados, a cidade-estado de Hipdamo era aberta ao progresso, pois as descobertas teis

    ("1 J. Servier, ob. cit., pg. 28. ("1 G. G:otz, ob. cit., pg. 35. i") Aristbteles, Pol., 11, V, 2. PS) Referimo-nos ao colgio dos arcontes, cujos membros eram

    tirados 8. sorte, o que representava, em nossa opinio, uma deficincia da organizao democrtica. Esta pressupe, sempre, uma eleio atravs da qual os cidados escolhem aqueles que pensam ser os melhores.

  • realizadas por qualquer pessoa seriam objecto duma recom- pensa. ($O) Convm sublinhar tal facto por ser elucidativo de como o terico preconizava uma sociedade em evoluo, em marcha, portanto, para no cair num imobilismo e conserva- dorismo.

    Pelo que podemos perscrutar na utopia de Hipdamo de Mileto, h a reter, essencialmente, o esforo em traar as linhas gerais de uma democracia que ultrapassasse aquelas que ento se encontravam implantadas.

    Para uma melhor compreenso do ambiente que rodeou Plato, parece-nos necessrio fazer uma referncia, embora breve, Guerra do Peloponeso, cujas ltimas fases foram con- temporneas do filsofo. Em 404 a. C. quando um tratado pe fim s hostilidades, Plato tinha cerca de vinte e quatro anos. Se ele no conheceu directamente a democracia de Pricles, pelo menos esteve em contacto com o regime que lhe sucedeu dentro da mesma orientao e a quem coube a direco das operaes militares. Que influncia poderiam ter tido no seu esprito os acontecimentos que se desencadearam sua volta, o que ten- taremos dilucidar.

    B. A GUERRA DO PELOPONESO

    A Guerra do Peloponeso (SI) ocupa, praticamente, as trs ltimas dcadas do sculo V a. C. O conflito teve a sua origem na pretenso de hegemonia manifestada pelas duas cidades-esta- dos mais poderosas da Grcia - Atenas e Esparta; no s factores econmicos mas tambm ideolgicos estiveram em jogo.

    Atenas tinha constitudo um imprio, cujo grande obreiro tinha sido o prprio Pricles, composto essencialmente por esta- dos situados no quadrante oriental do mundo grego e que pro- curava j estender-se para as regies do Ocidente. Plutarco, na Vida de Pricles, diz que este tinha o cuidado de refrear as

    (30) Ar!stbteles, Pol , I1 V, 4. (a) Quanto a este ponto vide Mos&, 08. c i t , pgs. 67-96 e P. Leve-

    que, A Aventura Grega, Lisboa, 1967, pgs. 284-288.

  • loucas pretenses dos Atenienses.. . comea j, at, a acender-se no corao da maior parte deles este fatal e desgraado desejo de subjugar a Siclia, desejo que os oradores do partido de Alci- bades inflamaram depois com tanta violncia)). (52)

    Era este imprio que fornecia as matrias-primas de que Atenas necessitava, P3) enquanto que esta dava pmteco mili- tar s suas aliadas. Os impostos recebidos por Atenas, assim como os lugares de funcionrio e soldados que constituam a estrutura ateniense, faziam com que a Cidade da Atica pudesse viver desafogadamente, ao mesmo tempo que uma parte dos seus habitantes tinha uma ocupao que lhes dava, pelo menos, para viver razoavelmente. Desta maneira, a manuteno do im- prio era vital para a sobrevivncia de Atenas como grande potncia, e da o no estranhar-se que os governantes empe- nhassem todos os seus esforos para o manter. E, por outro lado, o grande nmero de atenienses que viviam das ocupaes oferecidas pela administrao desse mesmo imprio tinha tam- bm todo o interesse na sua manuteno.

    Entende-se assim que o partido democrtico se encontre empenhado na defesa dos resultados j conseguidos, gozando, como bvio, de grande apoio popular.

    Por razes ideolgicas, o partido aristocrtico era pr- -espartano, sendo portanto contrrio a uma guerra que opusesse a sua cidade a Esparta, P4) e parece tambm que no estaria interessado na manuteno de um imprio.

    As cidades-estados, ameaadas por Atenas, juntaram-se a Esparta, e a guerra pela supremacia prolongou-se durante vinte e oito anos, com excessos de ambas as partes. ($9

    (33) Plutarco, Vida de Pricles, 33. (u) Entre as mat6rias-primas vindas sobretudo do quadrante oriental

    contavam-se a madeira, os minrios e os cereais. Estes ltimos eram funda- mentais para Atenas. Quando Esparta. na guerra do Peloponeso. cortou os abastecimentos de cereais, Atenas sofreu um tremendo rev6s.

    (") Esparta, com uma organizao poltica aristocrtica, dava todo O seu apoio aos partidos oligrquicos, que nas Cidades que se lhe opunham faziam todos os esforos para derrubar os governos democr&ticos.

    (3" Para pormenores que seriam descabidos nesta obra, uide indi- caes bibliogrficas, pg. 28, n. 31.

  • As desvastaes realizadas pelo exrcito espartano na Atica, assim como as pilhagens nas costas do Peloponeso pela frota ateniense, foram marcos de uma violncia que transbordou desses limites geogrficos. Relembremos apenas o massacre efectuado pelos atenienses na pequena ilha de Melos, em que os homens foram mortos e as mulheres e as crianas feitas es- cravas. p)

    Quando a guerra j no favorecia os atenienses, estes entra- ram uma espcie de demncia. Os prprios estrategos, embora vencedores junto das ilhas Arginusas, no podendo recolher os corpos dos compatriotas, devido a uma tempestade, foram con- denados em bloco-o que era contra a lei (9. A brutalidade cometida contra o inimigo encontrava portanto acolhimento no seio da prpria Cidade.

    A batalha de Egosptamo ps fim guerra do Peloponeso pela destruio da esquadra ateniense, o que levou celebrao da paz em condies talvez no muito duras para quem tinha realizado tais violncias a coberto de razes polticas e em nome da justia. P8)

    Plato assistiu, atentamente segundo cremos, aos ltimos anos desta guerra. At que ponto ela o teria influenciado problema controverso. Segundo Sinclair, a fazer f nos seus escritos, esta guerra, que afectou to profundamente Tucdides, no ensinou muito a Plato. (3s) No concordamos, todavia, com as palavras deste historiador. E certo que Plato faz pou- cas referncias nas suas obras aos acontecimentos histricos

    (36) Tucidides, G ~ e n ' a do Peloponeso, I, 76. (87) Vide Moss, ob. cit., pgs. 92-93. O episdio tambm contado

    por Plato; vide pg. 79. (35) Os Atenienses que deviam ter a conscincia pesada. ao saberem

    do desastre de Egosptamo, entraram em pnico:

  • coevos; mas, na Repblica, ao falar da tica da guerra, consi- dera que o conflito entre gregos sempre uma guerra civil. (*O) O cuidado do filsofo ao estabelecer uma espcie de cdigo a que os beligerantes se deviam submeter, parece motivado pelo mais duro conflito blico a que assistiu. Embora depois da guerra terminada, em 404 a. C., Atenas abrisse novamente hos- tilidades, muito possvel que, ao escrever essas linhas na RepbMca, Plato tivesse em mente a longa e sangrenta guerra do Peloponeso.

    Durante o perodo de durao deste conflito surgiu um panfleto, a Repblica dos Atenienses ("), cujo autor conven- cionalmente chamado o Velho Oligarca, panfleto esse durante muito tempo atribudo a Xenofonte. Popper (42) defende que o autor foi Crcias, um dos futuros governantes do regime de 404 a. C.; , quanto a ns, uma mera hiptese, embora plausvel.

    Este pequeno escrito extremamente importante na medida em que representativo de uma faco que, mesmo em plena guerra do Peloponeso, se opunha ao governo democrtico. En- quanto Fleas e Hipdamo ficavam, pelo que sabemos, no campo dos grandes princpios, o Velho Oligarca ia para um ter- reno mais concreto, tratando essencialmente do funcionamento das instituies democrticas e do momento poltico que Atenas vivia ento; o panfleto, surgido muito provavelmente quando Plato era ainda bastante jovem, derrama alguma luz sobre a luta ideolgica ento travada no seio da prpria Atenas.

    Mas entremos numa breve anlise da Repblica dos Ate- niemes. Logo nas primeiras linhas so expostos incisivamente os dois princpios que'o autor vai desenvolver: Acerca do go- verno dos Atenienses, no os louvo por terem escolhido este sistema poltico, porque quiseram, ao escolh-lo, favorecer os maus e prejudicar os bons ... mas, j que decidiram desta ma-

    (40) Plato, Republica, V, 471 a-b. () Este escrito devia ter aparecido entre 424 e 415 a. C., segundo

    a opinio de Chambry na sua introduo Repziblica dos Atewietlses (Xeno- phon, Oeuvres compltes, 11, 1967, pg. 470).

    (4%) K. Popper, The opea society and its enemies. I-The spell oj Pkato, London, 1969 (reirnpr.), peig. 187.

  • neira, proponho-me demonstrar que mantm habilmente a cons- tituio~. (4S)

    Como se pode ver, o sistema poltico de Atenas, segundo o Velho Oligarca, sustenta os maus, sinnimo de populares, pre- judicando os bons ou honestos, sinnimo de aristocratas. Perfeitamente lgico que o povo tivesse mais vantagens que os nobres e os ricos, j que forneceu os soldados e os marinheiros sobre os quais assentava o poderio ateniense. (*6)

    Da mesma maneira, seria justo que alguns magistrados sassem da prpria classe popular, (4n) e natural, tambm, que a constituio afavorecesse sobretudo os maus, os pobres e os populares em detrimento dos melhores, pois se, pelo contrrio,

  • ausentes na classe popular. A justia apangio do melhor e ser importante dilucidar com mais clareza qual a ideia que o autor tem deste conceito. Assim, noutra passagem, afirma que o bom governo o oligrquico, ou seja, o governo dos melhores, o que levaria o povo, por coerncia interna, a cair na servi- do. (60) O Velho Oligarca, portanto, no esconde as suas ideias acerca do povo, e qual o lugar que lhe compete dentro dum regime meramente aristocrtico. A justia, para o autor, pois confiar o governo aos nobres e conduzir a classe popular para uma autntica escravatura.

    Queremos, agora, anotar a meno da teoria de que a falta de bens causa da falta de educao e ignorncia. No deixando trausparecer a sua posio pessoal, o Velho Oligarca transcreve uma doutrina, muito provavelmente em voga nas ltimas dcadas do sculo V a. C. Tratar-se-ia da concepo de Fleas, que se teria difundido nos meios intelectuais atenienses? E muito provvel. Mas seja como for, as passagens que apre- sentmos so bem representativas da luta ideolgica da ltima metade do sculo V a. C.; cada vez mais, as doutrinas polticas tornavam-se conscientes e eram objecto d~ discusso acesa.

    Alguns aspectos concretos so apresentados pelo autor para caracterizar o regime democrtico durante a guerra do Peloponeso: a lentido da mquina administrativa, as prepo- tncias sobre os aliados, entre as quais se contam a obrigato- riedade de comparecerem nos tribunais de Atenas, e a manuten- o das colnias militares em territrio aliado. P1)

    Estes aspectos apontados no parpafo anterior corres- pondiam, ao que parece, realidade. O imprio ateniense, como j dissemos, assentava no domnio sobre as outras cidades-esta- dos, que tinham de se comportar como autnticos satlites. Como a literatura do sculo IV a. C. ir demonstrar, a legitimidade da manuteno do imprio foi frequentemente posta em dvida, (62)

    (ta) Rep. dos Aten., I, 9. (61) Rep. dos Aten., I , 14-19; IiI, 2. (52) Ao que nos parece, a defeca feita por Iscrates do ImpBrio

    Ateniense mostraria uma forte corrente contraria, nos principias do se. IV a. C. Essa defesa feita no Panegkico, que apareceu em 380 a. C.

  • e a Repiblica dos Atenienses surge, nesta perspectiva, como panfleto extremamente perigoso para a democracia; em primeiro lugar, porque contrapunha fortemente as duas ideologias em jogo e, em segundo, porque, passando crtica de alguns as- pectos da actuao dos governantes democrticos, punha a des- coberto certos pontos fracos da sua poltica externa.

    Aps a guerra do Peloponeso, graves acontecimentos ocor- reram em Atenas, acontecimentos esses que marcaram profun- damente Plato, como iremos ver.

    C. ATENAS E O GOVERNO DOS TRWTA TIRANOS

    Em 404 a. C., Atenas obteve a paz a troco da destruio das suas muralhas e da perda da frota e do imprio. O partido democrtico, sob a presso interna e externa, no se conseguiu manter e os oligarcas constituram um governo. Este, cedo conheceu a ciso, pois Crcias, figura preponderante da aristo- cracia, era partidrio de um regime de fora, enquanto Termenes, representante dos moderados, pretendia uma nova constituio.

    Aristteles, na Constituio de Atenas, mostra a sua sim- patia por Termenes. P3) Repare-se todavia que ele se juntou a Crcias no grupo dos trinta governantes, podendo admitir-se que tenha sido por oportunismo poltico que se tornou o chefe da faco moderada. Xenofonte, P4) nas Helnicas, conta-nos como depois, em plena assembleia, os dois polticos se defrun- taram, tendo Crcias conseguido levar o seu adversrio morte. I3 provvel que esta ciso tenha resultado do facto de Termenes ver com clareza que o apoio ao governo ia diminuindo devido s perseguies e extorses que, ento, se praticavam. Seja como for, o chamado governo dos Trinta Tiranos levou os democratas a refugiarem-se em Tebas (onde se encontrava Trasibulo, que j em 411 a. C. se tinha oposto ao governo dos Quatrocentos), e em Mgara, que tambm abriu as suas portas aos refugiados; a estes exilados juntaram-se depois os partidrios de Termenes.

    (53) Ariotteles, Constituio de Atenas, XXXVi. ( 5 4 ) Xenofonte, Helnicas, II, 3, 24-56. (55) Cfr. Moss, ob. cit, p&gs. 101-102.

  • Com um corpo de cidados reduzido a trs mil, e uma onda de terror que, segundo Aristteles ("), levou morte cerca de mil e quinhentas pessoas, o governo oligrquico tornou-se odioso.

    Na data em que Crcias e os seus companheiros alcanaram o poder, Plato, como j vimos, tinha cerca de vinte e quatro anos. A fazer f na chamada Carta Stima, (&') o jovem filsofo

    ( 5 6 ) Aristteles, Constituio de Atenas, XXXV, 4. (57) Sendo esta a primeira vez que falamos na chamada Carta

    Stima de Plato, impem-se aigumas consideraes sohre a sua autoria. 3. Souilh, na introduo s Cartas de Plato (Paris, 31960, pags. V-

    -XXVIII), historiou as opinies acerca dessa coleco e defende e genuinidade da Carta Stima ( o b . cit., pgs. =V-XXV). Citemos a titulo de exemplo dois historiadores com a mesma opinio: Werner Jaeger, Paideia, Lisboa, s/d, pgs. 547-548 e I. M. Crombie, ob. cit., pg. 14.

    Uma breve discusso do probzema encontra-se em G. C. Field, Plato and I L ~ contemporaries, London, 31967, pgs. 197-201. L. Robi, ob. cit,, pg. 23, embora no recuse a autenticidade da Carta Stima, apresenta todavia uma srie de observaes para mostrar que essa autenticidade no 6 c:ara.

    Em sntese, pode dizer-se que at 1966 a Carta Stima foi considerada, geralmente, como um ezcrito de Plato.

    Quando tudo parecia indicar que este problema estava encerrado, duas obras vieram reabri-lo: G. Ryle, Plato's progress, Cambridge, 1966 e L. Edelstein, Plato's seuexth letter, Leidew, 1966. De facto, para os A. citados a chamada Carta Stima no teria sido escrita por P.ato. A categoria dos A,, a mincia, sobretudo de Edelstein, tm de levar, em nossa opinio, a uma reviso do proh' ~ema.

    Sem querermos resolver tal questo observemos o seguinte: a ) No h dvida de que o estilo indica um escrito da poca da morte

    de Plato; b ) Muitos dos elementos contidos na Carta Stima so confirmados

    noutras fontes, o que parece indicar que se pode utiliz-la como documento, sem dvida importante;

    c) A apresentao dm intuitos polticos do filsofo e a Bnfase posta na aventura siciliana do-nos a impresso de que se trata de uma apologia de Plato. O filsofo teve responsabilidades na expedio de Don, e o facto deste ltimo ter sido assassinado por um membro da Academia devia levan. tar uma suspeita muito forte sobre a escola platnica.

    Dai o admitirmos, como provvel, que a Carta Stima fosse escrita por um discipulo de Plato, no s para o ilibar, como tambm para ju-tificar a actuao da Academia. Mais do que o prprio filsofo, estava em jogo o destino da sua escola.

  • estaria animado em tomar parte na vida poltica. O momento era propcio, pois Crcias, um dos trinta tiranos, e Crmides, um dos dez arcontes do Pireu, eram membros da sua famlia. E chegou efectivamente a ser chamado por eles para exercer funes pblicas, acerca de cuja natureza nada se sabe. Mas a desiluso veio cedo; e vendo na verdade estes homens em breve demonstrarem que tinha sido dourado o regime poltico precedente ... Um pouco mais adiante, ao referir-se aos cri- mes praticados, diz o autor: ...observando todos estes factos e outros do mesmo gnero e de no pequena importncia, in- dignado, afastei-me desses males da poca. ("O)

    A primeira experincia poltica de Plato terminava desas- trosamente e, como mostraremos mais tarde, o conhecimento directo que teve do governo oligrquico ir sobressair nas suas obras.

    A fazer f, ainda, no mesmo documento, teria sido com esperana que Plato viu os trinta tiranos serem substitudos pelos democratas. (O1)

    De facto, em 403 a. C., Trasibulo, reunindo os exilados, conquistou, primeiramente, o Pireu, entrando, em seguida, na prpria Atenas.

    Sem grande oposio das foras espartanas, o regime democrtico foi restaurado, tendo os novos governantes usado de uma moderao notvel, como se refere na Carta Stima ( O 2 ) e nas HeZnicas de Xenofonte. ( O 3 )

    Num perodo bastante curto, Plato pde, assim, assistir queda da democracia, responsvel pela Guerra do Peloponeso, ao regime de violncia do governo oligrquico e, por fim, nova democracia, extremamente conservadora que, a partir de 403 a. C., se encontra frente dos destinos de Atenas.

    (B) Crmides era tio de Piato e Cricias era seu primo em segundo grau.

    (5s) Carta Stima, 324 . ( m ) Carta Stima, 325 a. (61) Carta Stima, 325a. (m) Carta Stima, 325 b. (a) Xenofonte, Heinicas, 4 4, 42.

  • 2. O AMBIENTE INTELECTUAL

    A. AS TENDENCIAS DA FILOSOFIA

    Vimos anteriormente o ambiente poltico que cercou Plato e cujas razes se estendem at ao tempo de Pricles. Por um ou outro apontamento, vimos j a importncia que determinados acontecimentos da vida poltica ateniense tiveram no jovem filsofo. E chegado agora o momento de delinearmos a atmos- fera intelectual das ltimas dcadas do sculo V a. C., essencial para a compreenso do pensamento platnico. Dessa atmosfera acolheu Plato alguns aspectos, enquanto a sua filosofia se ia definindo, tambm, em oposio a outras Pacetas.

    Comecemos por apresentar o ltimo arranque da chamada, com uma certa ambiguidade, Filosofia da Natureza, que nasceu na jnica Mileto, nos incios do sculo VI a. C.

    Para uma melhor compreenso deste ponto, relembremos que foi no quadrante orienbal do mundo grego que os primeiros filsofos fizeram a passagem da cosmogonia para a comlogia. De um modelo mtico (cosmogonia), em que no se davam ra- zes para uma determinada concepo do Mundo, transitava-se para a explieao cujas bases eram lanadas pela razo (cosmo- logia). Os milsios (Tales, Anaximandro, Anaxmenes) abriram uma brecha no mito, embora, alguns aspectos deste, se fizessem sentir na Filosofia at Plato.

    Relembremos ainda que os filsofos mais antigos foram' designados pelos termos fsico, fisilogo, meteorlogo, por se terem debruado sobre a phhis, palavra por vezes traduzida por Natureza, levando a uma ambiguidade a que fizemos refe- rncia. (O4)

    (6s) Quanto aos milsios, fizemos uma referncia breve para mostrar a passagem da cosmogonia cosmologia. Hesiodo (Teogolda, vv. 116-130), mostra uma transio entre o modelo eminentemente mitico, em que o Mundo era criaa dos deuses, e a concepo milsica, em que se procurava a substncia primordial a partir da qual tudo se tinha formado. Para Hesiodo, entram j elementos fsicos embora personificados.

  • Physis sinnimo de genesis ( O 6 ) e, portanto, as figuras que se encontram no limiar da Histria da Filosofia entenderam por physis todo um processo que vinha das origens at ao mundo constitudo que os rodeava. Os astros, os objectos ina- nimados que caam sob a alada dos sentidos, bem como o prprio Homem, eram parte integrante da mesma realidade, perscrutando os primeiros pensadores qual a arch de todas as coisas. O pro- blema do uno e do mltiplo, equacionado j em termos rigorosos, comeava a fazer parte do patrimnio da filosofia. (") Dever todavia referir-se que a expresso teve tambm um sentido mais restrito e veio a conhecer larga voga, no s no domnio filo-

    Ao falarmos da brecha aberta pelos primeiros pensadores na menta- lidade arcaica (ou mitica), no desconhecemos que o processo anterior a Tales; o papel dos milsios foi sobretudo tomar conscincia desse processo, lev-lo mais longe, e, atrav6s dos seus escritos, tornarem-no difundido.

    Quanto a este tema, outra observao se impe. A obra de sapa ini- ciada pelos milsios no transformou por compieto a mentalidade grega. AO lado da explica80 natural continuou a vigorar a mitica. E pode.se acrescentar, at, que em determinados pensadores o antigo eepirito e a Filosofia se encontram juntos (por exemplo, em Empdocles de Agrigento).

    Da imensa bibliografia sobre este assunto, destacamos, sobre o mito em geral, M. Eliade, O Sagrado e o Profano, Lisboa, s/d, R. Otto, Le sacr, Paris, 1969; sobre os antecedentes da Filosofia e os mi:sios, Kirk and Raven, The presocratic philosophers, 1962, reimpr., pgs. 8-162, J.-P. Vernant, Mgthe et peme chez les grecs, Paris, 81966, pgs. 285-314, idem, Les origines de la pense grecque, Paris, 1962, Comford, Principium sapientiae, Oxford, 1952; sobre a coexistncia das duas mentalidades, Dodds, Los griegos y 10 irracio?ul, Madrid, 1960, L. Gernet, Les origines de Ta philosophie, in Anthrop0:ogie de Za Grce antique, Paris, 1968, pgs. 415.

    (65) Vide W . Jaeger, L a teologia de 20s primeros filosofos griegos, Mexico, 1952, pgs. 26.

    (66) O problema que os milsios levantam, fundamentalmente, saber se as coisas existentes ( t a os ta ) t&m algo de comum, ou se possuem uma exfstencia separada. Por exemplo, uma pedra, uma rvore, um homem tm algo a lig-los ou so elementos independentes? Para os milsios, h& uma substncia primordial, raiz e substractzcm das coisas exxistentes, embora estas no percam a sua individualidade. Neste ponto, ou seja a existncia da substncia primordial, esto de acordo, embora para Tales ela seja a dgua, para Anaximandro o apeirdib, para Anaximenes o ar.

    Apontemos apenas duas obras que contm tambm os textos mais importantes: Kirk and Raven, ob. cit., pgs. 74-162, e J. Burnet, L'ai~rore de lu philosophie grecque, Paris, 1952, pgs. 37-85.

  • sfico como tambm no cientfico, nos sculos V e TV a. C. ('9 Ocupando lugar de relevo no movimento filosfico dos meados do sculo V a. C., situava-se Anaxgoras de Clazmenas P8) que, como j dissemos, pertenceu ao crculo de Pricles. Herdeiro directo da corrente jnica, ele foi, juntamente com Demcrito, o ltimo grande pensador desta linha. A sua presena em Ate- nas indcio muito provvel do desejo de Pricles em ver desen- volver-se na cidade a especulao filosfica que, presente nas fronteiras do mundo grego, tinha estado arredada de Atenas.

    A estadia do ilustre filsofo tem pois um alto significado cultural, na medida em que a Filosofia mudava de quadrante geogrfico, passando da Grande Grcia para a tica. ("O) A expli- cao dada por Anaxgoras da formao do mundo atravs das sementes, a partir de um caos original, dirigidas pelo Noos, fora motriz e inteligncia, e a explicao natural dos fenmenos teve repercusso em Atenas, onde o pensador deixou disc- pulos. ( 'O) O prprio Scrates ter-se-ia entusiasmado por este sistema, se uma passagem famosa do Fdon descreve uma situa- o histrica. O que no parece que tal pensamento tivesse impressionado Plato, como se provar pela passagem citada e por uma outra do Fedro. pZ) Mas voltando novamente a Ana- xgoras, faamos referncia apenas acusao de impiedade, ou de asebeia, um dos maiores crimes em que um habitante podia ser inculpado, e que consistia na negao dos deuses tra- dicionais ou na introduo de novas divindades. Acusado de tal crime, o filsofo retirou-se para Lmpsaco. ( 1 3 )

    (6') Vide pgs. 42-43. (68) Vide pg. 21. Citemos apenas a seguinte bibliografia: W. Jaeger,

    ob. cit., pgs. 155-171, 3. Burnet, o. c., pgs. 287-316, Kirk and Raven, ob. cit., pgs. 362-394.

    ( 6 9 ) De facto s tardiamente que a Filo~ofia entrou em Atenas. Surgindo na Jnia, instalou-se em seguida na Grande Grcia atravs de Xenfanes e Pitgoras atingindo o apogeu com Parmnides de Elea.

    ( 70 ) Vide J. Burnet, ob. cit, pg. 414. (71) F6don, 97 -98 c. (72) Fedro, 269 e-270 a. (73) Depois do processo, Anaxgoras retirou-:e para Lmpsaco, onde

    teria fundado uma escola. Quanto ao processo e estadia do filsofo em Gampsaco, vide J. Burnet, ob. cit., pgs. 293-295 e 414.

  • Os mais recentes pensadores, representantes desta linha filosfica, so Hpon de Samos P4), que restaura o ponto de vista de Tales, Digenes de Apolnia, ( 1 6 ) possivelmente o de maior valor, que regressa a Anaxmenes, e Arquelau, (?9 disc- pulo de Anaxgoras, que tentou conciliar o pensamento deste ltimo com o do milsio Anaxmenes. Todos eles foram defen- sores dum ecletismo em que as teorias dos pensadores de Mileto eram reelaboradas com a ajuda de conhecimentos de ordem cientfica especializada, sobretudo mdica, conhecimentos esses que tiveram um surto de grande desenvolvimento pelos meados do sculo V a. C. (9

    Mas este ecletismo no chegou a impor-se, e se a cincia conhecia o apogeu, a filosofia, para no cair num beco sem sada, teve de fazer uma viragem, devida como veremos, em grande parte, ao movimento sofstico.

    Se a Filosofia tinha nascido em Mileto, Atenas que vai assistir aurora dum novo impulso filosfico.

    B. O DESENVOLVIMENTO DA CIENCIA

    Como j assinalmos, o sculo V a. C. foi frtil em muta- es polticas, sociais e culturais. Pela mesma altura, a cincia

    (76) Sobre Hpon de Samos mencionamos as seguintes obras: J. Bur- net, ob. cit., pgs. 405-406, e L. Robin, La p a s 6 e grecque, Paris, -1963, pgs. 155-156.

    (76) Vide J . Burnet, ob. cit., pgs. 406-414; L. Robin, ob. cit., pgs. 156-157: Kirk and Raven, ob. cit., pgs. 427-445.

    (76) Vide Kirk and Raven, ob. c i t , pgs. 395-399; J. Burnet, ob. cit., p6.g~. 414-416.

    (77) Pelas nossas palavras, depreende-se que em meados do sc. V a. C. a Cincia ganha autonomia. De facto, os mil6sios foram no s os primeiros filsofos como tambm os primeiros cientistas. De uma maneira geral, essa tendncia prolonga-se at Plato e Aristteles. Todavia o sc. V a.C. v surgir alguns homens apenas com preocupaes cientficas ou tcnicas, o que constitui algo de novo na vida grega.

    Quanto ao ecletismo a que fizemos referncia no texto, vide L. Rohin, ob. c i t , pgs. 155-157.

  • e a tcnica ganham foros de cidadania. (19 Enquanto anterior- mente, o filsofo era tambm o cientista, assiste-se agora ao aparecimento de tratados tcnicos ou cientficos cujos autores no so filsofos, embora possam, certo, ter sofrido uma influncia da corrente filosfica. Desde os tratados sobre a agricultura at queles cujo tema a msica, muito se escreveu na Grcia, e essas obras tiveram larga difuso, tocando muitos espritos francamente abertos para tudo o que era cultura, a qual se designava muitas vezes pelo termo filosofia que, mesmo no sculo TV a. C., no tinha o sentido restrito que possui nos nossos dias. (70)

    Dos nomes mais ilustres sobressaem os dos matemticos Enpides e Hipcrates de Quio, prolongando um do- mnio cultivado pela escola pitagrica, a qual alcanou xitos assinalveis at ao sculo TV a. C., e cujos representantes mais famosos foram conhecidos pelo prprio Plato, sobretudo quando este fez a primeira viagem Grande Grcia. Famoso tambm o astrnomo Mton, que lanou ombros reforma do calen- drio, pertencendo a essa pliade de cientistas que a Grcia via surgir. Embora a tcnica nunca tivesse conhecido o grande favor do escol grego, Plutarco (a8) assinala o nome do enge- nheiro rtemon que acompanhou Pricles no cerco de Samos e fora o inventor de algumas mquinas de guerra, utilizadas nessa altura.

    (") Quanto a este tema pode consultar-se Forbes e Dijkterhuis, Histria da Cincia e da Tcnica, Vol. I , Lishoa, s /d; Werner Jaeger, Paideia, Lisboa, s/d ( e m especial pgs. 939-995); P.-M. Scbuhl, Essai sur la formation de la pense grecqzce, Paris, -1949 ( e m especial pg;. 307-347); G. Sarton, A historg of science, ancient science tlhrougl~ the golden age of Greece, Harvard, a 1959.

    ( 7 9 Vide M. H. Rocha Pereira, Estzidos de Histria da Cultura Clssica, I , Lisboa, 8 1970, pgs. 182-188.

    ( 8 0 ) Enpides de Quio foi tambm astrnomo. Vide P.-M. Schuhl, ob. cit., pgs. 335-336.

    (81) Vide P.-M. Schuhl, ob. cit., pgs. 337-339. (8:) Vide P.-M. Schuhl, ob. cit., pgs. 335-336. Aluso B reforma de

    Mhton em Aristfanes, As Nuvens, vv. 614-617. (83) Plutaico, Vida de Pricles, 23.

  • Mas o grande movimento cientfico foi levado a cabo pela Medicina (84 ) , cujo centro principal foi a Escola de Cs dirigida pelo clebre Hipcrates. O Corpus Hippocraticum chegado aos nossos dias no permite distinguir o que pertenceu ao mestre e o que pertena dos seus discpulos.

    Werner Jaeger teve entre outros, evidentemente, o grande mrito de, na sua Paideia, aprofundar o significado e mostrar o impacto que a cincia mdica teve no mundo culto do seu tempo. So do clebre historiador estas palavras, bem elucidativas:

  • reflexo filosfica para o campo da cincia mdica. Para ilus- trarmos a voga deste conceito bastar dizer que, num dos es- critos hipocrticos, se aconselha o mdico que se dirija a qual- quer cidade, para estudar, em primeiro lugar, a situao desta, as guas, os ventos, portanto o que era matria da chamada meteorologia; s de posse destas informaes ele estaria habili- tado a debruar-se sobre o doente. O conceito de natureza, de physis, ainda tomado, pois, no sentido em que os milsios o empregaram.

    Se os escritos um pouco mais antigos mostram a influn- cia da chamada filosofia da natureza, todavia a medicina d um passo em frente e ser esta que, em meados do sculo V a. C., influencia os prprios pensadores como Anaxgoras, Di- genes e Hpon, sendo este ltimo um mdico tambm. Surgem os estudos sobre os alimentos, ou seja, a diettica, bem como as obras sobre a ginstica. Tais conhecimentos so ten- dentes a que o Homem atinja um equilbrio, pois o cosmo uma ordem harmoniosa, e o Homem, inserido nesse mesmo cosmo, deve constituir tambm uma harmonia.

    Dos conceitos mais importantes que vo surgir , sem dvida, o de natureza humana que mais interessa aqui focar. Do sentido lato de natureza passa-se agora para o sentido mais restrito da natureza que prpria do Homem, preocupando-se a cincia mdica com a dimenso eminentemente antropolgica. Desta maneira, alguns escritos do Corpo Hipocrtico mostram um avano sobre os Acerca da Natureza, dos filsofos pr-socr- ticos. (1) E ser essa noo que, por sua vez, ir influenciar o prprio movimento sofstico que, segundo Robin, foi sobre- tudo permevel ao Acerca da Arte, um dos tratados da coleco hipocrtica.

    A bibliografia indicada na pg. 42, n." 84, indicamos para este ponto especifico o excelente artigo de P . Kucharski, Anaxagore et les idees biologiques de son sicle in Revue Philosophique de la France e t de T'Stramge~, t . CLiV, 1964, p8gs. 137-166.

    (m) Vide pg. 40. (89) Vide pg. 40. ('1 Vide pgs. 37-38. (") L. Robin, La pense grecque, Paris, 21963, p&g. 172.

  • A autonomia da cincia mdica est bem expressa na obra intitulada Da Medicina Afitiga, cujo autor considera que esta cincia no necessita de uma nova fundamentao, e aponta para um campo mais restrito, para um certo empirismo, em que o Homem fosse estudado, no j nas suas relaes com a Natureza, mas em si prprio. (n2)

    As linhas Da Medicina Antiga sero aquelas que iro vigo- rar, sobretudo nos finais do sculo V e princpios do sculo IV a. C., ou seja, em plena poca da formao de Plato, quando este escreveu os seus primeiros dilogos. O filsofo, em vrios passos das suas obras, desde as iniciais at s prprias L&, refere-se aos mtodos da medicina e acolhe vrios aspectos ou estabelece analogias de que o dilogo Grgim bem representa- tivo. Mas, como estudaremos mais detalhadamente este dilogo, ($*) escolhemos uma passagem do Fedro para mostrar o interesse de Plato pelo mtodo hipocrtico: xA ndole da medicina como a da retrica ... Em ambas neccssrio analisar a natureza: numa, a do corpo, na outra, a da alma ... (OS) E, um POUCO mais adiante, pode ler-se: xEm primeiro lugar ( necessrio saber-se), ser simples ou multiforme o objecto acerca do qual queremos ser ns prprios versados e capazes de fazer com que outros o sejam. Em segundo lugar, no caso de ser simples preciso exa- minar a sua capacidade: qual a que possui por natureza, em relao a qu, no tocante aco; qual a que possui, tendo em conta a possibilidade e sob que agente. Se tiver vrias formas, preciso depois de especificadas, examinar pelo que respeita a cada uma delas o que foi tomado em considerao para uma s: por meio de qual delas age o objecto naturalmente e qual a aco que produz ou por meio de qual delas naturalmente ps- sivel e sob que agente ... Em todo o caso, sem isto a investigao pareceria o caminhar dum cegox. ('9

    (a) Da Medicina Antiga, 20. (m) Citemos, por exemplo, Protdgoras, 311-b-c; Banquete, 186 a-188 e;

    LBiS, 857 C-d. ($6) Vide pigs. 145-169. (a) Fedro, 270b. (96) Fedro, 270s-e.

  • Ao que nos parece, esta longa passagem bem elucidativa do que afirmmos anteriormente.

    Um dos grandes movimentos culturais dos meados do sculo V a. C. foi, sem dvida, a sofstica, com uma repercusso que ultrapassa esse sculo, penetrando no seguinte, sendo pois contemporneo do prprio Plato.

    Protgoras, Grgias, Prdico e Hpias so os representan- tes mximos desta corrente sendo, ao mesmo tempo, os seus ini- ciadores. A actividade destes quatro homens decorre mais ou menos entre 450 a 420 a. C., surgindo ento um ,mpo constitudo essencialmente por discpulos dos primeiros: Trasmaco, Plo, Xeniades, Lcofron, Alcdamas, etc. Se Plato no tivesse possivelmente conhecido, directamente, a primeira gerao dos sofistas, foi pelo menos contemporneo e podia ter conhecido pessoalmente alguns dos da segunda gerao. (O')

    A actividade destes homens denegrida durante muito tempo , nos nossos dias, e duma maneira geral, encarada de forma positiva. Robin, em La Pense Grecque, ainda escreveu estas linhas: Quaisquer que tivessem sido as fraquezas e as taras profundas, a obra dos sofistas, do sculo V, no deve ser depreciada. Sem dvida, o seu mtodo formal, a maioria das vezes vazio de pensamento pessoal e de sinceridade*. (9

    Estas reticncias no so compartilhadas por Werner Jae- ger que, sobre este movimento, afirma o seguinte: Do ponto de vista histrico, a sofstica um fenmeno to importante como Scrates ou Plato. Mais, no possvel conceb-los sem ela. (9 A opinio deste historiador partilhada entre outros por Du-

    (") Para a cronologia dos sofistas, vide W. K. Gruthrie, The Sophists, Cambridge, 1971, pgs. 261-314.

    (e) L. Rohin, ob. cit, pg. 177. (w) W. Jaeger, ob. cit., pg. 316.

  • prel (Io0) e Guthrie, (lol) tendo este ltimo, em nossa opinio, efectuado o estudo mais profundo sobre os sofistas.

    Aps estas linhas introdutrias, convm salientar que o sofista era um mestre do saber, (IoZ) um profissional como hoje diramos, e a sua aco s se compreende pelas mutaes cada vez mais rpidas que a sociedade grega sofrta. A partir dos meados do sculo V a. C., como j dissemos, o aparecimento dos partidos, a luta ideolgica transposta por vezes para o conflito blico, fazia com que a carreira poltica fosse, simultaneamente, mais difcil e mais aliciante. Sobretudo a juventude, que queria tomar parte na gesto da coisa pblica, tinha de ter uma pre- parao cuidadosa, pois era perante as assembleias, nas quais os cidados compareciam, que se travava a luta pelo poder. ('"3) Os sofistas respondiam a essa necessidade assim como quela, sobretudo na classe mais elevada, que consistia numa curiosi- dade pela anlise literria e pelos temas filosficos e cientficos. O fenmeno sofstico tem de ser compreendido, portanto, no enquadramento histrico e cultural, o qual, a ser desconhecido, tornaria ininteligvel o aparecimento e a voga destes profissio- nais do saber.

    At que ponto os sofistas desenharam um movimento com interesse para a Histria da Filosofia constitui um tema con-

    (100) E. DuprBel, Les sophistes, Neuchte!, 1948. (101) W. I

  • troverso. Referindo-se ao aparecimento do subjectivismo e do relativismo filosfico, Werner Jaeger defende a seguinte posio: a 0 esboo duma teoria por parte de Protgoras no justifica tais generalizaes, e um erro evidente de perspectiva histrica pr os mestres da aret ao lado dos pensadores do estilo de Anaximandro, Parmnides ou Heraclitoa. ( ' O 4 ) A posio de Werner Jaeger , pois, a de que as Histrias da Filosofia Grega cometem um erro ao considerarem a sofstica como um ramo ou escola filosfica, o que Aristteles no tinha feito, na opinio do mesmo historiador. po6)

    Problema sem dvida delicado este, o de se considerar o movimento sofstico como devendo ou no entrar na Histria da Filosofia. O estilo destes homens, sem dvida, diferente dos investigadores da physis, e se certo tambm que Aristteles no Livro A da sua Metafisica no historia este movimento, to- davia o Estagirita, em vrios passos das suas obras, refere-se a alguns sofistas. ('O0) Mas a grande objeco que levantamos tese de VV?rner Jaeger a de que no se compreenderia a luta de Plato contra os sofistas, praticamente ao longo de toda a sua obra, se estes no tivessem uma envergadura intelectual, e se no tivessem levantado problemas pertinentes, no campo filo- sfico. Se entre os sofistas foi Protgoras o mais atacado por Plato, vrios dilogos mostram com clareza que o filsofo consi- derou tambm como adversrios difceis, no s alguns homens da primeira como da segunda gerao. ('O7)

    O movimento sofstico deve ter o seu lugar na Histria da Filosofia Grega, segundo pensamos, e tentaremos mostrar que

    ' ) Werner Jaeger, ob cit., pg. 319. M. H. Rocha 'r'ereira (ob oit, pg. 336) considera os sofistas afiguras de pouca importncia na histria da filosofia>. Posio identica s anteriores em H.-I. Marrou, Histria da Educao na Antiguidade, So Paulo, 2: reimpr., 1971, pg. 85.

    (105) Werner Jaeger, ob. cit, pg. 319. ('00) Aristteles menciona alguns sofistas (ou as suas posies) na

    Metaflsica, Pol.ltica, etc., mas as suas Refutaes Soflsticas mostram o inte- resse que o filsofo lhe dedicou.

    (") Parece-nos que o ataque de Plato 6 concludente para mostrar a fora e a importncia dos sofistas no campo filosfico. O Protgoras, Grgias e Ez~tidemo so ilogos dirigidos contra os sofistas das primeira e segunda geraes, e mesmo no perodo da veihice Plato escreve o Sofista,

  • a sua problemtica foi importante para o desenvolvimento ulte- rior da Filosofia.

    Os sofistas no constituiram propriamente uma escola P8) e, no obstante apresentarem pontos comuns, h diferenas tam- bm a notar entre eles. Essencialmente os dois grandes traos que os unem so os seguintes:

    a) So professores profissionais. b) So mestres da poltica aret.

    Mas, a partir desta plataforma, surgem as diferenas. Sendo eminentemente professores, procurando corresponder a um anseio dos seus jovens clientes, as formas de educao so dspares. ...deparamos nos sofistas, diz Werner Jaeger, com duas modalidades distintas de educao do esprito: a transmisso de um saber enciclop6dico e a formao do esprito nos seus diversos campos)). E, um pouco mais adiante, o mesmo autor afirma: ...ao lado da formao meramente formal do entendimento existe, igualmente, nos sofistas, uma educao formal no mais alto sentido da palavra, a qual no consiste j numa estruturao do entendimento e da linguagem, mas partia da totalidade das foras espirituais. E Protgoras quem a representa. ("O)

    Ora, o que os sofistas pretendiam ensinar era a poltica aret, preocupao bem saliente em Protgoras e Grgias, a qual tambm no devia estar ausente em Hpias e Prdico. ("l)

    o que mostra a preocupao do filsofo em desferir um golpe mortal na sofistica.

    Quanto aoProtgoras e ao Ghgias, v. respectivamente p&gs. 95-111 e 145-169.

    (109) Vide R. Mondolfo, O Pe%iamento Alttigo, I, So Paulo, 1964, p&gs. 133-135, s quais se seguem uma srie de textos.

    (100) W. Jaeger, ob. cit., pg. 317. (110) W. Jaeger, ob. cit., pg. 317. (iu) Que Hipias de Blis tinha uma determinada concepo politica.

    depreende-se com clareza do Protgoras, 337 c-d. Prdico de Cs com as suas preocupaes gramaticais devia preparar os seus discpu!os para a disputa verbal e para a Oratria. Quanto a este iiltimo, vide Guthrie. 08. cit., p8gs. 274-280.

  • A falar-se de aret, devemos observar que esta expres- so impropriamente traduzida por virtude. A palavra grega aret no corresponde ao que entendemos por vir- tude. Os gregos tomavam-na num sentido mais lato, pois a aret , essencialmente, excelncia (lX2), embora, ao longo dos sculos, esta tivesse sido vista atravs de ngulos diferentes. A excelncia dos heris da IZada era a sua bravura e destreza, que permitiam grandes feitos guerreiros (9, mas, na Odis- seia, a aret, encarnada sobretudo em Ulisses, constitua a pm- dncia e a sagacidade, que permitia resolver todas a dificul- dades. (I1*) Quando a p2is est constituda, a aret sobretudo o dom da palavra, a possibilidade do cidado convencer os de- mais, na Agora, na assembleia, no tribunal. Desta maneira, a persuaso obtida atravs da palavra foi to importante para os Gregos que a entronizaram como a deusa Peith. ('I6) A aret, para os sofistas, define-se como a excelncia que o cidado possui, capaz de fazer impor aos seus concidados determinado ponto de vista, levando portanto aquele que a possui em alto grau a dominar o partido a que pertence e a alcanar o governo da cidade. A aret poltica , pois, a envergadura intelectual con- ducente ao triunfo na vida pblica.

    Os sofistas detinham, portanto, as tcnicas conducentes aret e, ao mesmo tempo, uma teoria quanto lei, ou seja, uma teoria quanto ao fundamento do Estado.

    A retrica, como arte de bem discursar, e a eristica, como arte de bem disputar, eram meios de que o poltico tinha de se servir. O grande mestre da retrica foi Grgias, enquanto

    ("2) Yide Guthrie, ob. cit., pg. 90, n." 1; M. H. Rocha Pereira, ob. cit., p&g. 101; A. Koyr, Intraduction Za Zecture de Platolz> Paris, 1962, pg. 22, n.' 2. (Este A. prefere o termo valor para a traduo da palavra grega).

    (na) Vide M. H. Rocha Pereira, ob. c i t , pgs. 101-102. (115) Vide M . H . Rocha Pereira, ob. cit., pg. 102, (116) Quanto a n6s, foi 5. P. Vernant, Les origines de la pense

    grecques, Paris, 1962, quem melhor estudou as transformaes na Grcia, desde o periodo micnio at aos alvores da Filosofia. O A. insiste no papel da pa!avra para a constituio da polis.

    (118) Vide Guthrie, ob. cit., pgs. 192-200.

  • Protgoras foi autor duma obra de antilogias, ("') um livro onde se ensinava a defender uma tese e a sua contrria. A arte de disputar foi extremamente divulgada na segunda metade do sculo V a. C., e quando Aristfanes apresentava o dilogo entre o Raciocnio Justo e o Raciocnio Injusto, nas Nuvens, tal exemplo corresponde, com toda a verisimilhana ao que ento estava em voga. ('18) Chegou at aos nossos dias um curioso opsculo sob o ttulo de Discursos Contraditrios (Dissoi Logoi), que devia ser um exerccio de escola, e torna-se extremamente interessante verificar que algumas das objeces apresentadas pelo autor annimo vo surgir em dilogos de Plato, como, por exemplo, no Nnon. ("9 O conhecimento que o filsofo tinha desses argu- mentos e a refutao levada a cabo na segunda dcada do sculo TV a. C. mostram-nos como a erstica se encontrava di- fundida e era utilizada, sobretudo pela juventude (Iz0).

    E muito provvel que a gerao mais recente dos sofis- tas tivesse cado em subtilezas e num certo amoralismo, ao uti- lizar igualmente a defesa, no s da parte mais fonte como tambm da parte mais fraca. (lZ1) Assim, quando, no Grgias, Scrates discute com o grande retrico se os mestres so ou no os culpados do mau uso que os discpulos fizerem do seu ensino, Grgias responder que tal responsabilidade no pode recair sobre os professores. (lZ2) E possvel, pois, que houvesse um divrcio entre as duas geraes de sofistas, dado o amora- lismo decorrente de determinadas tcnicas.

    Mas, se as tcnicas de ensino so importantes para a com- preenso do movimento, igualmente o a concepo que estes apresentam da lei. Para os Gregos existia, ao lado do nomos, o agraphos nomos e ainda os nomina, ou seja, os costumes, aquilo que consuetudinrio. Enquanto o nomos era a lei feita pelos ho-

    (li?) Vide A. Bayonas. L'art politique d'aprs Protagoras, in Revue Philosopllique de la France et de PEtraiger, t. CLVII, pgs. 43-58.

    ( i l a ) Aristfanes, As Nuvens, vv. 889-1112. (1") Vide pag. 186. (ia) O Eutidemo foi o dialogo em que Plato mais amplamente (ia) Vide W . K . Guthrie, ob. cit., pag. 316. (Ir) Grgias, 457 b-c.

    criticou a Erstica.

  • mens, pelo legislador, a lei no escrita (agraphos nomos) era de origem divina. Da o desenrolar-se, no sculo V a. C., um amplo debate quanta validade das leis, tendo tal debate levado a um conflito entre a lei escrita e a lei no escrita, surgindo uma anttese, como sublinhou Guthrie, entre n m o s e physis, (Iz3) sendo este ltimo termo corrente na terminologia filosfica an- terior, como j vimos, mas aparece agora com um matiz mais restrito, devido, muito possivelmente, influncia da cincia mdica. Daqui o deslocar-se a discusso entre a lei e a lei no escrita, esta de origem divina, para um campo j diferente, em que a lei feita pelos homens se opunha em determinado mo- mento lei por natureza, que era aquela que brotava da prpria condio humana. Para os sofistas, defensores de tal ponto de vista, o nomos era uma conveno em que o fraco visava domi- nar o forte, enquanto a lei por natureza impunha uma nova or- dem e um novo conceito de justia, em que o direito do mais forte se sobrepunha aos interesses do mais fraco.

    Superficialmente, parece estarmos perante um problema abstrato posto por alguns sofistas, o qual pretendia escandali- zar a opinio pblica. Tambm o Livro I da Repblica e o Gr- gim de Plato podiam mostrar, no recontro entre Scrates, Tra- smaco e Plo, uma temtica meramente acadmica. Todavia, a realidade bem diferente. Ao ler-se a Guerra do PeZopmeso de Tucdides deparamos com uma linguagem idntica, com a mesma concepo, agora no sustentada pelos sofistas mas sim pelos chefes polticos. No dilogo travado entre os Atenienses e os Mlios, ('2') a justia surge como um termo que s pode ser utilizado entre naes de igual poder, pois quando se trata da relao entre uma nao mais forte e outra mais fraca a lei que se impe a vantagem do mais poderoso. Note-se a rude franqueza dos chefes atenienses, que no escondem, afinal, o que comum nas relaes internacionais.

    Interessa sobretudo focar que a problemtica surgida no Livro I da Repblica e no Grgias foi aquela que vigorou em plena

    (1s) A anttese nomos-physis, na moral e na po'itica, foi objecto Ce excelentes consideraes por W. K. Guthrie, ob. cit, pigs. 55-134.

    (126) Tucdides, Guerra do Peloponeso, I, 76.

  • guerra, em que a concepo da lei do mais forte ditou o massa- cre da ilha de Melos. Desta maneira, compreende-se o interesse de Plato em retomar um tema possivelmente bem presente na altura em que escreveu os dilogos citados.

    No que diz respeito estrutura do Estado, se encontramos sofistas defensores duma democracia, caso de Protgoras, (Iz5) dum antiescravismo defendido por Alcdamas, ('*O) tambm encontramos os defensores da lei por natureza que podia desem- bocar na tirania, como expe Plo, no dilogo Grgias. ( I z r )

    Karl Popper tentou mostrar que a filosofia poltica de Plato era de arquitectura totalitria, opondo-a G r a d e G e r ~ o , em que os sofistas so encarados como os liberais da poca. ( I z 8 ) Se no podemos discutir ainda a ndole do pensamento poltico de Plato, podemos afirmar que os homens da chamada G r a d e Gerao estavam divididos quanto forma do governo que devia reger o Estado. Desta maneira, encarar os sofistas como os liberais a quem se ope Plato o produto duma an- lise demasiado simplista, por parte de Popper, pois se, por hip- tese, Plato foi um totalitrio, no seria de forma alguma por essa razo que ele se oporia aos sofistas.

    (1%) Vide pg. 103. (126) A atitude dos sofistas marca, de uma maneira geral, uma

    viragem na mentalidade grega. Se os mil6sios tm uma atitude crtica perante o corpo de saber, vigente na sua poca, alguns sofistas esto em desacordo com as ideias reinantes na segunda metade do sc. V e princ- pios do IV a. C.

    Como exemplos frisantes, temos o citado Alcdamas, para quem por aatureza todos os homens so livres (por convenpo 6 que existem escravos e homens livres) e Antifonte e Licofron que consideram Gregos e Brbaros como iguais por natureza.

    (i=) Vide pgs. 156-159. (1%) So de Popper as seguintes palavras: a , . . tenciono destruir o

    que em minha opinio h de nocivo na sua filosofia. E a tendncia tota- litria da filosofia poltica de Plato que tentarei analisar e criticam, The open societ?~ a& its enemies, I-The spell of Plato, London. reimpr. 1969, pg. 34.

    NHo podemos discutir neste vol. a tese de Popper. Pe:o menos o A. teve um mrito: chamar a ateno para a filosofia poltica de P.ato. A partir de 1945 (data da 1." ed.), surgiram vrias obras confirmando ou tentando infirmar o ponto de vista de Popper.

  • 11. A FORMAO FILOSFICA DE PLATO

    1. CRTZLO

    No captulo anterior, tentmos mostrar as principais linhas de fora da poltica e da cultura gregas, especialmente em Atenas. Foram elas que o jovem Plato encontrou, e, algumas, como j anotmos, tiveram repercusso no filsofo, mesmo nos perodos da maturidade e velhice.

    Mas chegado o momento de estudarmos a formao filos- fica recebida por Plato. Neste campo, o nosso melhor guia Aristteles que, na Metafsica, apresenta uma passagem do m- ximo interesse:

    Desde a sua juventude, Plato, sendo primeiramente amigo de Crtilo e famlias das opinies de Heraclito, segundo os quais todas as coisas sensveis permanecem num fluir constante e no podem ser objecto de cincia, permanecer fiel a esta doutrina. Por outro lado, Scrates, cujas preocupaes iam para as coisas mo~ais e no para a Natureza, no seu conjunto tinha, nesse do- minio, procurado o universal e foi o primeiro a fixar o pensa- mento nas definies. Plato aceitou a sua doutrina mas a for- mao primitiva levou-o a pensar que este universal devia exis- tir em realidades de uma ordem diferente das coisas sens- veis.. . P )

    (I) Aristteles, DZetaflsica, A, 6, 987 a-b

  • O Estagirita no nega, pois, a influncia de Scrates, mas considera a influncia heraclitiana prolongando-se para alm do magistrio de Crtilo, e que Plato, ao esboar a sua teoria das Ideias, ultrapassa Scrates, pois a influncia de Heraclito estaria ainda subjacente.

    Estamos perante uma interpretao, como j dissemos, devida a Aristteles, mas que parece ser correcta. De facto, tanto nos primeiros dilogos como no perodo da maturidade, em que se desenvolveu com clareza a teoria das Ideijas ou Fonnas, Plato vai considerar sempre o mundo sensvel num perptuo fluir, e este, prtanto, no pode fornecer o objecto estvel que, forosamente, a Cincia deve ter. O estvel tem de ser procurado fora do fluir; a explicao deste s se encontra na ideia. Esta deduo leva o filsofo a considerar necessrio o mundo sen- svel tal como tinha sido concebido por Heraclito. Todavia, ultrapassa esta concepo que, pelo menos nos continuadores do Efsio, tornava impossvel o conhecimento objectivo, como acontecia tambm em Pmtgoras. (') Concluindo: era necess- rio conciliar Heraclito e Scrates, e foi essa a tarefa levada a cabo por Plato. (9

    Falar-se da formao filosfica de Plato evocar Scra- tes. Evocar Scrates equacionar sempre um dos maiores enigmas, seno o maior, da Histria da Filosofia Grega.

    A argcia dos historiadores tem sido posta prova para se deslindar, atravs da srie de testemunhos chegados at ns, a figura e o pensamento do mestre de Plato.

    ( 6 ) Protgoras, frag. 1 (Diels). Esta foi a gnese da filosofia platnica. O encontro com Arquitas,

    em Tarento, foi importante para a estruturao de uma Metafisica. (8)

  • Os sculos V e TV a. C. oferecem-nos uma vasta literatura, cuja figura central Scrates, que se pode dividir em duas correntes: uma apologtica e outra anti-socrtica.

    Que crdito se deve conceder aos adversrios do filsofo? Como interpretar os testemunhos de Plato e Xenofonte

    (chegados intactos at aos nossos dias) que encerram contradi- es graves?

    Eis duas perguntas pertinentes e difceis com que abre o chamado problema socrtiw.

    Analisar os testemunhos de Plato e de Xenofonte e ainda os de Aristfanes, de Aristxeno de Tarento, de Polcrates e de Esquines o Orador, sem referir outros, constitui tarefa longa e penosa.

    Por isso vejamos, em traos largos, os testemunhos mais importantes sobre Scrates. Da literatura anti-socrtica, o tes- temunho mais amplo, pois chegou completo, o de Aristfanes. Scrates, para o clebre comedigrafo, um sofista partidrio do raciocnio injusto que, com a sua educao, perverte a juven- tude. As Nuvens retratam-nos Scrates como familiarizado com as tcnicas que mais deviam impressionar o homem comum, como era, sem dvida, a defesa da chamada parte fraca em detrimento da parte forte. (9 E, alm disso, um pensador que segue a tra- dio dos meteorologistas, para a qual o ar era a substncia pri- mordial, (I0) apresentando a sua Escola e o ensino a ministrado traos pitagricos, como notou Morrison .(I1)

    A amplitude do ataque lanado pelo comedigrafo mostra- -nos como o filsofo ateniense devia ser uma figura conhecida, e de envergadum tambm, para merecer tal ateno da parte do seu crtico.

    O que Aristfanes conta, sobretudo nas Nuvens, publicadas em 423 a. C. (I2), tem vindo a constituir um desafio para os

    ( 9) Aristfanes, As Nuvens, vv. 889-1 112. (10) Aristfanes, As Nuvens, vv. 225-234. (11) 3. S. Morrison, The origins of P.ato9s philosopher-statema+t,

    Classicat Quartelg, 1958, pgs. 198-218, no s estudou os traos pitagricos de Scrates (n'As Nuvens) como tamb6m o encontro de Plato com Arquitas

    ( l i ) Quanto a uma 2.' ed. d'As Nuvens, vide Van Daele, Aristopha?te, t. I, Paris, a 1964, pags. 153-157.

  • historiadores. Como conciliar, de facto, este testemunho com aqueles em que Scrates surge como um adversrio dos sofis- tas? Ou, se Scnates no foi um sofista, como explicar as ra- zes do aparecimento das Nuvens, ridicularizando este?

    Alguns autores inclinam-se a considerar duas fases na actividade de Scrates: a fase sofstica, at cerca dos cinquenta anos, e a fase retratada por Plato, portanto posterior, e em que o filsofo, aps a resposta da Ptia de Delfos, teria envere- dado por uma anti-sofstica. No hiptese que repugne consi- derar Scrates com um passado de sofista, pois Aristfanes no considerado um inventor de falsidades, embora gozasse, por- ventura, da sua liberdade de autor de comdias. Esta prerro- gativa literria lev-lo-ia a sublinhar com traos mais negros alguns aspectos de personagens importantes da vida ateniense. E, de passagem, queremos chamar a ateno para a atitude arbi- trria tomada por alguns historiadores, ao tentarem solucionar, com uma simplicidade ingnua, o testemunho de Aristfanes. No h argumentos slidos para considerar a figura de Scra- tes, nas Nuvens, como uma maquinao maquiavlica do escritor pois, se se d crdito, embora descontando o tal exagero a que fizemos referncia, s outras comdias, no se pode retirar esse mesmo crdito nica e exclusivamente L Nuvens.

    Esta obra no mostra a figura imaculada que, duma ma- neira geral, apontada como o primeiro mrtir da Filosofia, mas, de um ponto de vista de metodologia, por ta l facto, no deixa de constituir um documento sob o qual o historiador se deve debruar sem ideias preconcebidas.

    Volvendo os olhos para a literatura socrtica, surge o grande problema da no identidade das posies assumidas por Plato e Xenofonte. (I8) O testemunho deste ltimo foi extre- mamente cerceado aps um trabalho de Lon Robin ('l), hoje considerado clssico, a que se seguiu mais recentemente Le

    (I3) Plato apresenta Scrates em todos os dialogas, excepto n'As Leis. Xenofonte retrata o filsofo na Apologia, Banquete, Econmico e Nemorveis.

    (14) L. Robin, Les Nmorab~es de Xnophon et notre connaissance de la pMlosophte de Socrate in La pense heii+~ique, Paris, 21967. pgs. 81-13?,

  • problme de Socrate de Magalhes Vilhena. p5) O chefe militar da retirada dos Dez Mil considerado um mau historiador, um homem procurando glorificar apenas a sua figura, um desco- nhecedor dos factos que narra, como acontece na Apologia de Scrates, em que apresenta o julgamento do filsofo embora o escritor estivesse ausente de Atenas ("1 ; finalmente, um leitor dos dilogos de Plato, dos quais se serviu para apresentar a figura de Scrates. Esquematicamente apresentamos as acusa- es principais do processo contra Xenofonte. Podemos adiantar, desde j, que algumas dessas acusaes nos parecem assentes em bases pouco slidas, e necessrio, segundo pensamos, com- preender o Scrates de Xenofonte luz das ideias e da con- cepo de vida, defendidos pelo autor das Memorveis. (I7)

    Xenofonte um pragmtico, interessado em solues con- cretas e imediatas, sendo defensor de uma pedagogia onde a cavalaria e a caa tinham um lugar importante. Conservador em matria poltica, no nos parece, todavia, um partidrio dos governos totalitrios como a tirani~a e a oligarquia. Dentro desta perspectiva, perfeitamente compreensvel que Xenofonte, o homem prtico, visse em Scrates o expositor de temas muito comuns, ou ento, fizesse do filsofo o narrador dessas matrias.

    Desta maneira, ressaltam dois problemas que, com uma certa facilidade, podem ser confundidos: um o Scrates de Xenofonte englobado ou esclarecido dentro do pensamento do historiador; o segundo consiste em se saber o valor histrico que o seu testemunho pode apresentar. Se h um exagero no autor das Memorveis, este tem de ser compreendido na mesma linha em que se compreende aquele, possivelmente, cometido pelo prprio Plato. Parece-nos excessivo afirmar-se qu