O PARADIGMA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS

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O presente artigo tem o objetivo não apenas de explicar sobre as teorias dos movimentos sociais que surgiram nesses vinte e cinco anos, mas também elucidar sobre como é possível entender os movimentos sociais na América Latina.

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MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS NO BRASIL: UMA TRAJETÓRIA DE

MÚLTIPLAS LUTAS

Camila Costa Valadão (Bolsista PET)

Gizelle Agrizzi

Raquel Moulin Dardengo (Bolsista PET)

Sabrina Lucia P. da Silva (Bolsista PET)

Ana Targina R. Ferraz (Orientadora)

RESUMO: Este artigo é resultado da revisão bibliográfica realizada para a pesquisa

“Movimentos Sociais Urbanos e Gestão Participativa: Continuidades e Mudanças” que

objetiva compreender as mudanças sofridas no perfil político e organizativo dos

movimentos sociais urbanos no Brasil, após a implantação de mecanismos de gestão

participativa para a formulação de políticas públicas. O trabalho tratará as matrizes

interpretativas que emergiram no processo de reflexão teórica a partir de inúmeros

estudos realizados sobre estes movimentos nas décadas de 70, 80 e 90.

PALAVRAS-CHAVE: movimentos sociais; democracia; participação.

ABSTRACT: This article is resulted of the bibliographical revision carried through for

the research “Urban Social Movements and Participative Management: Continuities and

Changes” that objective to understand the changes suffered in the profile politician and

organization of the urban social movements in Brazil, after the implantation of

mechanisms of participative management for the formularization of public politics. The

work will treat the interpretative matrices that had emerged in the process of theoretical

reflection from innumerable studies carried through on these movements in the decades

of 70, 80 and 90.

KEYWORDS: social movements; democracy; participation.

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I – INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado da revisão bibliográfica realizada por ocasião da pesquisa

“Movimentos Sociais Urbanos e Gestão Participativa: Continuidades e Mudanças”, que

objetiva compreender as mudanças sofridas no perfil político organizativo dos

movimentos sociais urbanos, após a implantação de mecanismos de gestão participativa

para a formulação de políticas públicas. A pesquisa é composta de duas etapas: a

primeira etapa, já concluída, é a de revisão da literatura sobre democracia, participação

política, movimentos sociais e novas formas de participação política, com destaque para

estudos sobre os conselhos. Na segunda etapa, em andamento, selecionaremos um

movimento para cada um dos quatro municípios que compõem a Grande Vitória

(Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica), e em seguida, iniciaremos o trabalho de coleta

de dados através de entrevistas, observação não participante e pesquisa documental.

A partir disso, este texto esboça a trajetória dos movimentos sociais no Brasil,

caracterizada por Lüchmann e Sousa (2005), nas décadas de 70 e 80, como a “fase mais

combativa e reivindicativa” e a partir da década de 90, como a “fase mais propositiva e

participativa junto às instâncias governamentais”, assinalando a entrada dos

movimentos nos espaços instituídos. Busca-se, portanto, compreender o surgimento

desses novos atores sociais, suas reivindicações e mobilizações, bem como seu caráter

em diferentes períodos históricos.

II - REFLEXÃO TEÓRICA

Ao falarmos sobre movimentos sociais é importante destacar qual a nossa compreensão

a cerca do mesmo:

[...] ações sociais coletivas de caráter sócio-político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. Na ação concreta essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples

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denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações, etc.), até as pressões indiretas. (GOHN, 2003, p.13)

Os movimentos sociais contemporâneos ocuparam posição privilegiada no debate

acadêmico a partir da década de 70. Este período foi marcado pela articulação dos

movimentos sociais, caracterizados nesta época como sujeitos protagonistas da

transformação social. Inúmeros estudos e ensaios foram feitos percorrendo diferentes

caminhos teórico-metodológicos e posições analíticas.

Para Doimo (1995), é possível verificar três matrizes interpretativas dos movimentos

sociais no Brasil. A primeira delas consiste na inflexão estrutural autonomista, na qual

enfatizava-se que os conflitos sociais residiam na contradição de classes. Premissas

como a presença de um Estado “classista” que privilegia a reprodução do capital em

detrimento da garantia de reprodução da força de trabalho, e de que a sociedade civil

possui uma capacidade ativa de organizar-se autonomamente contra esse mesmo

Estado, resultaram nos novos movimentos sociais - autônomos e independentes. Esses

traziam consigo novos sujeitos coletivos empenhados na transformação das relações

capitalistas de produção.

A segunda matriz consiste na inflexão cultural autonomista, que de encontro a anterior

critica seu caráter reducionista e economicista, propondo a revalorização da cultura

como campo significativo dos conflitos sociais. Também situada no universo marxista,

esta tendência propõe a “pluralidade de sujeitos” e uma “constelação de novos

significados”. Esses movimentos aqui caracterizados foram denominados de “novos

sujeitos coletivos”, portadores de uma “nova identidade sócio cultural, com contornos

de projetos políticos, voltados para a transformação social e a radical renovação da vida

política”.

Por fim, com o restabelecimento dos canais institucionais de participação, a

reinstauração do pluripartidarismo e o aquecimento do debate sobre a democracia,

emerge a terceira matriz interpretativa denominada “enfoque institucional”. Essa, de

natureza oposta às outras, propõe a compreensão de que a relação estabelecida entre o

Estado e os movimentos sociais dependerá dos interesses em jogo, ou seja, o Estado ora

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pode ser “amigo” ou “inimigo”, trazendo assim, para o debate o binômio autonomia –

institucionalização.

III – A TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Os anos 70 viram emergir os movimentos sociais no Brasil, que buscaram pautar suas

ações pela autonomia frente ao Estado autoritário e na conquista dos direitos sociais.

Segundo Paoli (1995), esses movimentos não só reinventaram formas e espaços para um

regime democrático formal, mas, sobretudo, lutavam por uma democratização das

relações no interior da própria sociedade. Buscavam a superação do autoritarismo social

que caracteriza a cultura social e política do país.

As inquietações com as dificuldades do cotidiano, como: moradia, transporte coletivo,

creches, favelização, emprego, custo de vida, saúde, saneamento básico, educação e

segurança, constituíram a arena de lutas dos novos atores sociais, a fim de transformar

essa realidade. Portanto, as expressões da questão social, evidentes neste momento,

foram à base das reivindicações dos movimentos sociais.

Os modos de abordagem da realidade foram neste momento subsidiados pela atuação de

diferentes segmentos da sociedade: a Igreja Católica, especialmente os setores mais

progressistas inspirados na Teologia da Libertação, o ecumenismo “secularizado” ligado

à ética do compromisso social, segmentos da intelectualidade acadêmica,

principalmente os que fundaram centros independentes de pesquisa, agrupamentos de

esquerda, então fragmentados pela ditadura, e por fim, os sindicatos que adotam um

novo discurso, que não o da conciliação, mas sim o da contestação ao patronato e de

oposição à direções sindicais consideradas pelegas.

A Igreja Católica que desde o Concílio Vaticano II, que teve como tema “A Igreja e sua

missão”, já vinha sofrendo transformações para adaptar-se ao mundo moderno e as

novas realidades sociais, portanto, setores progressistas latino-americanos pautados na

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Teologia da Libertação incorporam em seu discurso e prática religiosa a opção

preferencial pelos pobres, no intuito de sua integral libertação. O desafio da pobreza

estava posto para a Igreja naquele momento, que implementa várias ações e cria órgãos

voltados para o social. Desses órgãos, alguns permanecem atrelados a estrutura

funcional da igreja até os dias de hoje, como a Cáritas Brasileira, o Centro de Estatística

Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), Instituto Brasileiro de Desenvolvimento

(IBRADES ), Comissão de Justiça de Paz e a Comissão Pastoral da Terra; outros foram

emancipados como, a Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional

(FASE), Movimento de Organização Comunitária (MOC) , Frente Nacional dos

Trabalhadores (FNT) e Ação Católica Operária (ACO) .

A partir das ações da Igreja, do seu compromisso com a justiça social e da evidência de

seus objetivos em ampliar seus laços com os cristãos não católicos, percebemos a pré-

disposição ao ecumenismo.1. Para César (apud DOIMO, 1995) ocorre uma “virada

ecumênica”, resultado da gênese de um novo pensamento teológico-sociológico,

compreendido pelos valores do “povo como sujeito”. Inaugura-se, portanto, um

ecumenismo “secularizado” que, desprendido da velha linguagem da tradição

separatista, da ênfase espiritualista do ecumenismo conservador e do autoritarismo

característico das estruturas protestantes, resulta em uma complexa rede das primeiras

ONGs, ligadas ao Método Paulo Freire de “educação popular”, que viriam mais tarde a

estabelecer-se como importantes mecanismos de participação sócio-política e de

eficácia questionável.

Convém ressaltar que nesse momento autores como Gramsci e Paulo Freire exercem

forte influência sobre os intelectuais brasileiros. Da leitura de Gramsci pode-se

compreender melhor o populismo e recolocar teoricamente a categoria de cultura

popular, que desmistificam o suposto de uma sociedade civil amorfa e gelatinosa.

Categorias como sociedade civil e hegemonia também foram descobertas e utilizadas

por diversos intelectuais. Da leitura de Paulo Freire, especialmente sua obra “A

Pedagogia do Oprimido”, Paiva (apud DOIMO, 1995) considera que essa propunha a

necessidade da “comunicação de consciência para a formação de um número crescente

de individualidades autônomas e promover a sua manifestação política”.

1 Desejo de estabelecer laços entre os povos, formando uma unidade entre os discípulos de Cristo.

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A maioria dos intelectuais brasileiros eram militantes de esquerda, e as concepções

dessa nova esquerda fundamentavam-se na “filosofia da práxis”, ou seja, na conquista

da hegemonia por meio da “guerra de posição”. Tal redefinição de posições ideológicas

dessa nova esquerda foi resultado do exílio que se manifestou da desilusão diante das

estratégias revolucionárias e/ou enfrentamentos armados do final dos anos 60. Muitos

desses ativistas de esquerda passaram a ocupar a direção ou quadros de ONG’s

desenvolvendo experiências de “educação popular”.

A partir da década de 80, peculiares movimentos sociais ocuparam o cenário político

brasileiro, redefinindo o caráter e a pauta das lutas, passou-se a atuar mais no plano

cultural. Dentre estes é importante destacar o movimento de mulheres, o movimento

negro, os movimentos sociais urbanos, os movimentos rurais, o movimento

ambientalista, dentre outros. De acordo com Lüchmann e Sousa (2005), esses novos

sujeitos e demandas sociais foram denominados como “novos movimentos sociais”, que

no Brasil eram novos em vários sentidos, sobretudo em suas demandas por direitos,

dignidade e cidadania.

Para Paoli (1995), o movimento de mulheres é sem dúvida o principal dentre eles, pois,

entre outros, esse movimento desnudou o modo como a sociedade brasileira vive suas

representações e organiza suas oportunidades sociais, segundo uma desigualdade

simbólica, freqüentemente oculta sob a lógica da desigualdade material. Neste

movimento a noção de autonomia adquiriu contornos cruciais para a questão de uma

nova política. O movimento de mulheres parece ter conseguido criar e ocupar, de modo

novo, espaços de atuação com graus de institucionalidade diversos sem perder de vista a

critica a esses espaços.

O movimento negro também aparece neste cenário com crítica aos valores e tradições

que apontam para o racismo no Brasil. As ações do movimento são fundadas pela

constante denúncia da exclusão e repressão das quais o negro é alvo preferencial no dia-

dia, e também pela refundação da memória histórica do passado escravista. Os

movimentos sociais rurais, com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST), foram um marco, também nesse período, principalmente no que

tange a luta pela terra, enfrentando uma verdadeira guerra civil por tal direito.

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Vale destacar que nesse período tem-se a criação, a partir dos Movimentos de Base e

sindicais, do Partido dos Trabalhadores (PT), que se propunha dar voz e vez aos

trabalhadores que haviam começado a se organizar em meados dos anos 70 e apostavam

no partido como servo dos movimentos, jamais seu guia. Tem-se nessa mesma época, o

surgimento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) cujas lutas se referiam a um

campo legal estabelecido, seja para fazer cumprir direitos que estivessem sendo

desrespeitados ou para conquistar novos direitos.

Assim, para Paoli (1995), nas décadas de 70 e 80 emergiram ações coletivas

diferenciadas, nas quais a principal reivindicação era a do direito a ter direitos, que viria

a se consolidar na nova Constituição do país de 1988, assegurando novos direitos para

as mulheres, operários, crianças e adolescentes, idosos, reformulou direitos sobre

educação, saúde e previdência social, além de reconhecer o pluralismo étnico, punir o

racismo como crime e assegurar ampla noção de direitos humanos. Esta inaugurou

ainda, um novo paradigma referente ao relacionamento entre os movimentos sociais e

os aparatos políticos institucionais, indicando a inserção dos movimentos nos espaços

instituídos.

A Constituição assegurou mecanismos de participação popular, chamados de

“democracia direta”, que asseguram a iniciativa popular em propor leis e emendas

constitucionais, além do poder de participar das decisões do poder público e fiscalizá-

las em sua implementação (PAOLI, 1995).

Dentre os mecanismos de participação popular assegurados pela Constituição, cabe

destacar os Conselhos, que geralmente têm funções consultivas ou deliberativas. Os

formatos dos Conselhos brasileiros variam entre gestores de programas governamentais,

ou à elaboração implantação e controle de políticas públicas, através de Conselhos de

política setoriais definidos por leis federais. Há também os Conselhos temáticos que

perpassam pelos direitos e comportamentos dos indivíduos da sociedade, como, Direitos

Humanos, violência, o negro.

Trata-se de um aparato misto, pelo qual a sociedade penetra no Estado e busca introduzir uma lógica de persuasão sobre as questões mais sentidas pela sociedade, criando assim novas agendas e novos parâmetros para as ações governamentais [...]. Trata-se, pois, de uma nova institucionalidade que não decorre meramente da lei ou da discussão no parlamento, mas do debate público nos espaços sociais, da interlocução de diferentes atores, até

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a constituição de um conjunto de proposições que serve de balizamento para as esferas de decisão formal. (TEIXEIRA, 2000, p.104)

A partir da década de 1990 ocorreu o surgimento de outras formas de organização

popular, mas institucionalizadas, como a constituição de fóruns, por exemplo, e

iniciativas de parcerias entre a sociedade civil e o poder público, impulsionadas por

políticas estatais. De acordo com Lüchamn e Sousa (2005), uma parte da ação dos

movimentos sociais passou a privilegiar esse nível institucional técnico da ação política

como espaços chaves para a transformação social, na qual denominam de “os novos

instituintes/instituídos”, já aqueles que apresentam um posicionamento de negação a

essa institucionalidade, por meio de experiências autonomistas, que em sua maioria são

pertencentes à geração de jovens, denominam de “os novos contra-instituintes”.

Assim, como os termos já indicam, os “novos instituintes/instituídos” se caracterizam por uma aproximação (variada) com a institucionalidade, seja pelo reconhecimento e pela ocupação dos espaços tradicionais da política (partidos políticos e agências governamentais); seja pela luta e aposta na construção de novas instituições políticas, a exemplo dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas e de experiências de Orçamento Participativo; seja ainda pelo conjunto de esforços em alcançar um maior grau de institucionalidade em um formato organizacional, a exemplo da proliferação de organizações não-governamentais (ONGs). (LUCHAMM E SOUSA, 2005, p.93)

Neste período o país se vê assolado pelo processo de globalização e passa a

implementar as medidas neoliberais, que reduziram a intervenção do Estado,

acarretando o desemprego estrutural, contenção dos gastos públicos, a perda de poder

dos sindicatos, a terceirização e precarização do trabalho, o crescimento da economia

informal, a transferência da oferta dos serviços públicos para o mercado e para a

sociedade. Como conseqüência, tem - se o aumento da pobreza e o desmantelamento de

direitos sociais. Em contrapartida a ausência do Estado na garantia dos direitos sociais,

as iniciativas voluntaristas e comunitaristas crescem significativamente2.

2 Deve-se ressaltar que, como analisa Raichelis (1998:77), este apelo voluntarista e comunitarista não apenas não é novo no país, como se atualiza na articulação da valorização da filantropia tradicional com “a filantropia do grande capital, que moderniza seu discurso e suas práticas, incorpora pautas que buscam homogeneizar o discurso dos diferentes segmentos da sociedade civil, redefinindo o papel socializador do capital e ampliando suas ações para fora da empresa como parceiros na implementação de políticas sociais”.(LUCHAMM E SOUSA, 2005, p.99)

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Mediante a essa conjuntura, marcada pela ênfase na filantropia, valorização do privado

e despolitização da sociedade civil, as organizações não-governamentais (ONGs)

mudam seu caráter, passam a ocupar lugar de destaque na execução de ações e

programas sociais e, principalmente, na atuação dentro dos espaços de participação

política de elaboração das políticas públicas, a exemplo os conselhos gestores e fóruns

do país. O que antes se configurava em uma assessoria aos movimentos sociais nas

décadas de 70 e 80, agora nos anos 90 passam a ocupar os espaços da esfera pública e

privada.

Para Dagnino (apud LUCHAMM E SOUSA, 2005, pg.101)

“o predomínio maciço das ONGs expressa, por um lado, a difusão de um paradigma global que mantém estreitos vínculos com o modelo neoliberal, na medida em que responde às exigências dos ajustes estruturais por ele determinados. Por outro lado, com o crescente abandono de vínculos orgânicos com os movimentos sociais que as caracterizavam em períodos anteriores, a autonominação política das ONGs cria uma situação peculiar onde essas organizações são responsáveis perante as agências internacionais que as financiam e o Estado que as contrata como prestadoras de serviços, mas não perante a sociedade civil, da qual se intitulam representantes, nem tampouco perante os setores sociais de cujos interesses são portadoras, ou perante qualquer outra instância de caráter propriamente público. Por mais bem intencionadas que sejam, sua atuação traduz fundamentalmente os desejos de suas equipes diretivas.”

Gohn (2003), define um panorama geral dos movimentos sociais na atualidade ao redor

de dez eixos temáticos das lutas e demandas dos movimentos sociais no Brasil:

1) lutas e conquistas por condições de habitabilidades da cidade, nucleados pela

questão da moradia, expressa em três frente de luta: a) articulação de redes

sócio- políticas que militam ao redor do tema urbano e participaram do processo

de construção e obtenção de um “Estatuto da Cidade”; b) movimentos sociais

populares dos Sem- teto (moradores de rua a participantes de prédios

abandonados); c) contra a violência urbana (no trânsito, ruas, escolas, etc);

2) mobilização e organização popular em torno de estruturas institucionais de

participação na estrutura político administrativa da cidade (Orçamento

participativo e Conselhos gestores);

3) mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, físico-

espaciais;

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4) mobilizações e movimentos contra o desemprego;

5) movimentos de solidariedade e apoio a programas com meninos e meninas de

rua, adolescentes que usam drogas, portadores de HIV e de deficiências físicas;

6) mobilizações e movimentos dos sem- terra, na área rural e suas redes de

articulações com as cidades;

7) movimentos étnicos - raciais;

8) movimentos envolvendo questões de gênero;

9) movimentos rurais pela terra, reforma agrária e acesso ao crédito para

assentamentos rurais;

10) movimentos contra as políticas neoliberais e os afeitos da globalização.

O que se observa ao longo de toda essa trajetória dos movimentos sociais no Brasil é

uma mudança no seu perfil político organizativo, que foi influenciado pela conjuntura

política do país e do mundo, mas também foram atores de transformações e vitimas

dessa conjuntura. Uma vez que por meio das políticas neoliberais tentou-se desorganizar

e enfraquecer os setores organizados. Por isso, os movimentos sociais e populares “[...]

tiveram que abandonar e mudar algumas posturas e adotar posições mais ativas/

propositivas” (GOHN, 2003, p.30). Passaram a atuar em parcerias e redes, dentro dos

marcos da institucionalidade. Essa nova fase gerou novas práticas, que trouxe também

um conhecimento mais profundo sobre a política estatal, sobre os governos e suas

máquinas.

Neste cenário é que se desenvolve esta pesquisa, buscando compreender as mudanças

sofridas no perfil político e organizativo dos movimentos sociais urbanos após a

implantação de mecanismos de gestão participativa para a formulação de políticas

públicas, bem como as decorrentes do processo de reorganização da sociedade

capitalista (reestruturação produtiva; mudanças no mercado de trabalho; inovações nas

tecnologias de informação).

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IV – REFERÊNCIAS

DAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os

dilemas da confluência perversa. Política e Sociedade: Revista de Sociologia

Política/Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em

Sociologia Política. – v. 1. n. 5. (2004). – Florianópolis: UFSC: Cidade Futura, 2004.

DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação

política no Brasil pós –70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995.

GOHN, Maria da Glória (org.). Movimentos sociais na atualidade: manifestações e

categorias analíticas. In: GOHN, Maria da Glória (org.). Movimentos sociais no século

XXI. Petrópolis: Vozes, p. 13-32, 2003.

____________. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e

contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997.

LAVALLE, Adrián Gurza; CASTELLO, Graciela; BICHIR, Renata Mirándola. Quando

novos atores saem de cena. Continuidades e mudanças na centralidade dos movimentos

sociais. Política e Sociedade: Revista de Sociologia Política/Universidade Federal de

Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. – v. 1. n. 5. (2004).

– Florianópolis: UFSC: Cidade Futura, 2004.

LUCHMANN, Lígia Helena Hahn; SOUSA, Janice Tirelli Ponte. Geração, democracia

e globalização: faces dos movimentos sociais no Brasil contemporâneo. Serviço Social

e Sociedade, Brasil, ano 26, n. 84, 2005.

PAOLI, Maria Célia. Movimentos sociais no Brasil: em busca de um estatuto político.

In: HELLMANN, Michaela (org.). Movimentos sociais e democracia no Brasil. São

Paulo: Marco Zero, Ildesfes, Labor, p. 24-55, 1995.

SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1988.

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TEIXEIRA, Elenaldo Celso. Conselhos de Políticas Públicas: Efetivamente uma nova

institucionalidade participativa? In: CARVALHO, Maria do Carmo A. A.; TEIXEIRA,

Ana Claudia C. (org.). Conselhos Gestores de Políticas Públicas. São Paulo, Pólis,

2000.

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