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O papel do perito judicial

*Gilberto Melo 1. IntroduçãoA grande maioria das perícias que são impropriamente chamadas de contábeis na verdade são períciasfinanceiras, envolvendo a necessidade de que o perito tenha conhecimentos aprofundados de matemáticafinanceira e habilidade mínima com a interpretação de contratos e da matéria legal em geral. A participação doPerito Judicial como auxiliar da justiça (art. 139 do C.P.C.) é de grande importância na prestação jurisdicionalquando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico (art. 145 do C.P.C.). O Perito, comotodo ser humano, é sujeito por todo o tempo a reações e interações com o meio.

2. O papel do perito judicialTodos nós um impulso devido à nossa formação, hábitos e referências, de tomar partido de todos os eventos ànossa volta, de uma forma ou de outra, influenciados por diferentes motivações. Se isto acontece em todos osmomentos do cotidiano, quando enxergamos as situações de maneira polarizada, com muito mais razão,consciente ou inconscientemente, o perito judicial pode ser levado a inclinar-se para uma ou outra tese ouposição defendida em um processo onde atua.

Há que se lembrar que a própria instauração de um processo estabelece uma situação de conflito, que a partirdos posicionamentos das partes e advogados nos autos leva a qualquer um que tenha acesso ao processo umacarga emocional forte, que pode eventualmente arrastá-lo a uma tomada de posição, a um juízo de valor. Alémde impregnar-se com a carga emocional do conflito, certamente estará influenciado pelas "verdades" interioresadquiridas ao longo de sua vida. O perito está sujeito a cair nesta armadilha ou em outras, ou seja:

• Sentir-se na responsabilidade de "decidir" o processo, assumindo para si o ônus da prestação jurisdicional. Seos quesitos conduzem a mais de uma hipótese de solução da controvérsia e se a definição por uma ou outrahipótese depende de matéria de direito deve o perito apresentar em seu laudo as diferentes alternativas, com aressalva dos respectivos aspectos influenciáveis. Por mais que salte à vista do perito qual seria a hipóteselegalmente adequada, deve ele apenas apresentar todas as possibilidades em seu laudo, deixando para o juizanalisar a matéria legal, a interpretação da lei.

• Envolver-se emocionalmente na questão, identificando-se com uma das partes, encarnando um preconceitocontra uma das partes, ou de alguma forma deixando-se influenciar e saindo da posição de neutralidade eimparcialidade que devem ser qualidades indispensáveis no perito.

• Premido pelo temor reverencial em relação ao Juiz, preocupar-se excessivamente em produzir um preciosismotécnico, que em tese ajudaria ao Juiz na prolação da sentença, mas na prática pode colocá-lo numa situação deimpasse por não ter sido devidamente clarificada a matéria de fato da especialidade do perito.

• Pressionado pela responsabilidade de fazer uma peça técnica impecável o perito pode acabar se afastandoda necessidade de se expressar numa linguagem, embora abordando aspectos técnicos, que sejacompreensível ao leigo naquela ciência do conhecimento.

Além dessas ciladas de ordem subjetiva a que pode sucumbir o perito, está ele sujeito a não compreender areal natureza de sua função como auxiliar da justiça que em termos seria:

• Procurar a verdade dos fatos, colocando-se de forma neutra e imparcial.

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• Ater-se à matéria de fato, da sua especialidade, negando-se a responder quesitos que dela se afastem ouque avancem na interpretação de matéria legal ou no estabelecimento de respectivos direitos, matéria deapreciação exclusiva do Juiz.

• Compreender que mesmo que os quesitos tomem posições contraditórias eles devem ser respondidos, seconcernentes à matéria técnica sob exame e se não tiverem sido expressamente indeferidos pelo Juiz.

• Conscientizar-se de que, se do questionamento dos autos surgirem diferentes possibilidades de resultados deacordo com a defesa de diferentes teses vinculadas à matéria de direito a ser apreciada pelo Juiz, deve operito apresentar as alternativas técnicas aventadas, com as devidas ressalvas de aspectos técnicos (e não dedireito), relevantes e eventualmente ocultos nas defesas das teses pelas partes.

É importante lembrar que como Auxiliar da Justiça e gozando da confiança do Juiz que o nomeou, tem o Peritoo dever de manifestar-se sobre estes pontos ocultos não revelados pelas partes em seus quesitos, sob penade contribuir, por omissão, com a prolação de uma decisão equivocada, por se fundar em análise técnica quenão aborde todas as variáveis envolvidas.

A linha divisória entre o limite até o qual pode ir o perito e a partir do qual terá que recuar, é tênue, entretanto. Avigilância tem que ser constante pelo perito, para que se movimente nas fronteiras de suas atribuiçõesprocurando o ponto ótimo que melhor esclareça as questões de fato, sem adentrar, contudo, na matéria dedireito ou em outras especialidades que não a sua. Outro evento inquietante para o perito e que ocorre muitasvezes na prática é que há perícias nas quais as questões suscitadas na quesitação não atingem o cerne daquestão. As partes se movimentam pelas bordas, muitas vezes pelo receio de que indo ao ponto estariamarriscando-se a abrirem a guarda e tornarem seus direitos mais vulneráveis ao invés de consolidá-los.

A consequência é que os quesitos nesta hipótese são formulados de maneira a tocarem apenas a superfície doconflito ou a abordarem aspectos que nada influem no objeto da pretensão colocada em Juízo. Neste caso acautela do perito deve ser reforçada, pois no ímpeto de ver analisados os fatos essenciais ao deslinde daquestão, pode acabar extrapolando os limites estabelecidos pelas partes através da quesitação.

Situação peculiar que acontece regularmente é a de processos que parecem ao perito tão claramenteresolvidos com o que consta dos autos que ele não se permite avançar na investigação da matéria de fato,limitando-se a referendar determinados pontos de vista que entendem estarem consolidados nos autos.Exemplo típico é o das ações fiscais, sejam anulatórias ou execuções, onde já se percorreu um longo trajeto naesfera administrativa, através de recursos e pedidos de reconsideração que via de regra já contemplaram oprincípio da ampla defesa naquele âmbito. Ocorre que quando se instaura o processo judicial, abre-se apossibilidade de um questionamento amplo sobre todo o conteúdo do processo tributário administrativo. Operito deve então abstrair-se de todo o processado nos autos administrativos e dedicar-se a uma revisão damatéria de fato desde a estaca zero, respeitando, é claro, os limites colocados pelo quesitos formulados elimitando-se à área de sua especialidade.

Os usuários da prova pericial, principalmente as partes através de seus advogados, colocam-se em relação aotrabalho do perito do Juízo de forma muitas vezes hostil, quer alegando parcialidade, quer alegando ter ficado"em cima do muro". Esta reação é perfeitamente natural, visto que as partes exercem o seu direito de alegar oque quiserem na defesa de seus interesses. Entretanto, a partir da análise dos aspectos que levantamos linhasatrás, pode-se perceber que o munus pericial é muito mais complexo do que pode parecer a princípio, não selimitando à visão simplista de que o perito deve colocar-se de acordo com uma ou outra tese, favorável a umaou outra parte. Este é o posicionamento típico do nosso sistema jurídico, mas que não deve ser estendido aotrabalho técnico de um perito, a quem não cabe dar razão a um ou outro, mas apresentar somente os fatospara que o Juiz possa decidir.

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3. ConclusãoO perito é o olho técnico do Juiz, cabendo-lhe a análise desapaixonada da matéria de fato, abstendo-se demanifestar-se sobre matéria de direito ou fazer conclusões que possam induzir em erro o Juiz da causa, porconterem juízo de valor, mesmo que velado. Às partes e ao Ministério Público, se for o caso, sob a presidênciado Juiz da causa, cabe orientar o curso da prova através de quesitos objetivos que removam a cortina defumaça existente sobre a matéria de fato, não imputando ao perito a responsabilidade de dar rumo definitivo àsolução do conflito.

* O Autor é parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença ecálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios, criador da tabela uniforme de fatores deatualização monetária para a Justiça Estadual aprovada no 11º ENCOGE, engenheiro, advogadoe pós-graduado em contabilidade, com site em www.gilbertomelo.com.br.

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