o Papel Do Designer de Moda No Seculo XXI

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  • O Papel do Designer de Moda no Sculo XXI

    Rafaela Satiko Sasaki 1

    Dorotia Baduy Pires 2

    ResumoApresenta a necessidade de repensar os atuais mtodos aplicados pelos projetos deprodutos de moda, a considerar o ecodesign desde o princpio do processo. Identifica aobsolescncia e a efemeridade como caractersticas marcantes e hipertrofiadas da moda.Aponta estes aspectos como responsveis pela maior parte do impacto ambiental geradopela indstria de moda. Sugere o fluxo fechado e o design de ciclo de vida como mtodoseconomicamente viveis e atrativos para implementar o ecodesign na moda. Analisa opapel das empresas, empresrios e designers como agentes de afirmao de umaconscincia ecolgica que considere as futuras geraes.

    Sob uma concepo mais recorrente, o que torna a moda nica sua intensa

    efemeridade relacionada ao grande consumo de recursos naturais, gerao de resduos

    e grandes descartes.

    Da rpida passagem ao ps-uso da moda, Lipovetsky ressalta (2003:160) que a

    lgica econmica de fato varreu todo ideal de permanncia, pois o que ela acentua a

    regra do efmero que governa a produo e o consumo de objetos.

    Reverter o efeito deste impacto negativo no meio ambiente, sem ingressar em um

    retrocesso econmico e cultural que limitaria as liberdades de expresso esttica

    conquistadas, o atual desafio da vanguarda da indstria de moda e, por efeito, dos

    designers de moda.

    O caminho trilhado atualmente uma busca por processos produtivos cclicos que

    desenvolvam o pensar ecolgico do incio at o descarte e reutilizao do produto e que

    contribuam para sensibilizar o conjunto da populao acerca da importncia do conceito

    de sustentabilidade.

    Desde a dcada de 1960, depois da Segunda Guerra Mundial, quando o consumo

    desenfreado e o aumento da produo comearam a acarretar danos ambientais e

    abalos na sustentabilidade do planeta, comeou-se a pensar na ecologia porque a

    demanda de recursos minerais, matrias-primas e a gerao de resduos se

    evidenciaram incompatveis com a capacidade de reposio de recursos naturais e

    absoro de resduos (VALLE, 2002).

    As inmeras tentativas de diminuir as conseqncias causadas por aes

    impensadas e pelo efeito cumulativo da gerao de resduo deram origem conscincia

    1 Ps-graduanda, Universidade Anhembi-Morumbi2 Mestre, Universidade Estadual de Londrina

  • ecolgica. O homem percebeu, ento, que a soluo no estava em proibir a gerao de

    resduos, mas em criar tecnologias que eliminassem desperdcios para um

    desenvolvimento sustentvel3.

    A indstria da moda que j se desdobrou para atender a avidez e a ansiedade de

    seus consumidores, mais do que qualquer outra, tem agora um novo e grande desafio:

    incluir em seu sistema pensamentos e aes para conservar o meio ambiente.

    Ao tentar dar valor ou novo significado aos produtos descartados, certo que

    muitas empresas j iniciaram os primeiros passos rumo sustentabilidade, com solues

    mais efetivas.

    Esta nova viso implica considerar o processo de desenvolvimento do produto desde o seuincio, o que atribui uma importante funo aos designers de moda. Atendendo tendnciade valorizao do meio-ambiente e qualidade de vida, muitos empresrios, associaes ecooperativas tm voltado suas aes para o desenvolvimento da moda comprometida coma sustentabilidade ecolgica e social (COSTA; SOARES, 2004 : 26).

    Conscientes deste novo cenrio, muitas empresas vem nesse processo uma

    oportunidade de reposicionamento consciente, o que lhes confere compreender suas

    interaes, reduzir custos no uso de matrias-primas, minimizar o volume de resduos

    gerados, de fazer uso eficiente de energia, entre outros.

    Os benefcios da adoo do pensar ecolgico no so imediatos. A maioria das

    empresas ainda descrente quanto aos processos de ciclos renovveis em suas

    estruturas, o que impede uma reao mais rpida e efetiva quanto sustentabilidade.

    O novo paradigma empresarial deve substituir a ideologia do crescimento

    econmico pela sustentabilidade ecolgica, sob uma concepo de empresa que valoriza

    a conservao, no a expanso; a qualidade, no a quantidade; a parceria, no a

    dominao (CALLENBACH et al., 1993, apud COSTA; SOARES, 2004).

    Para Kazazian (2005:34), a escolha e o sucesso dessas concepes dependem

    invariavelmente de um engajamento permanente da diretoria da empresa e de uma

    adeso sem falha de seus empregados. De fato, uma organizao que pretenda lanar-

    se como empresa sustentvel requer que seus funcionrios acreditem e sintam tanto

    quanto o chefe que conservar preciso porque, sem o apoio de todos, a simples

    existncia de maquinrios e idias ecolgicas ou aes isoladas no sero efetivas. A

    incorporao dos conceitos do desenvolvimento sustentvel e da conservao ambiental

    3 O desenvolvimento sustentvel, segundo Thouvenot (apud KAZAZIAN, 2005), um desenvolvimento queconcilia crescimento econmico, conservao do meio ambiente e melhora das condies sociais e visa aatender as necessidades da gerao atual sem o comprometimento dos direitos das futuras geraesatenderem suas prprias necessidades (VALLE, 2002:28).

  • no dia-a-dia de uma empresa requer uma mudana de cultura em todos os nveis

    funcionais (VALLE, 2002:33).

    Entretanto, no somente as empresas devem assumir polticas mais sustentveis

    de produo; preciso que os clientes a populao em geral adotem novos

    comportamentos e hbitos de consumo.

    certo afirmar que os consumidores ainda no esto familiarizados com produtos

    ecoeficientes e que deve se considerar a dificuldade em inserir produtos e servios

    ecologicamente aceitveis no mbito de um quadro cultural e comportamental que

    continua dominado por expectativas e valores diferentes (MANZINI; VEZZOLI, 2005: 21).

    Ao pensar nesta situao, o papel das empresas se torna fundamental como

    agentes da introduo do desenvolvimento sustentvel em suas estruturas, j que estas,

    segundo Manzini e Vezzoli (2005), detm maiores recursos em termos de conhecimento,

    de organizao e de capacidade de tomar iniciativas; alm disso, seu poder de coero

    mais amplo e vai desde os consumidores at as empresas concorrentes.

    O papel das instituies de moda na divulgao e ensino do pensar ecolgico

    tambm fundamental para que o novo designer conhea sua funo social. Conforme

    analisa Pires (2006: 3),

    O designer exerce uma atividade intelectual e no simplesmente oferece um negcio oupresta um servio para as empresas. O designer procura identificar e avaliar relaesestruturais, organizacionais, funcionais, expressivas e econmicas, visando a tarefas, asquais destacamos: ampliar a sustentabilidade global e a proteo ambiental (tica global);oferecer benefcios e liberdade para a comunidade humana; apoiar a diversidade cultural,apesar da globalizao do mundo (tica cultural); ampliar o valor da vida.

    Nesse contexto, os designers de moda tm a funo de introduzir o pensamento

    ecolgico em produtos ecoeficientes e diminuir o impacto da transio para uma moda

    menos efmera e mais sustentvel.

    O ecodesign4 e o design de ciclo de vida so as ferramentas que permitem que a

    moda, to associada s inovaes e mudanas constantes, no perca o fascnio ou o

    ritmo enquanto se caminha em direo a uma sociedade muito mais consciente.

    Recentemente, foi reconhecido que para o ecodesign ser bem-sucedido ele

    precisa ser integrado no processo de design no estgio mais precoce possvel no

    processo de desenvolvimento do produto durante as discusses de design de marketing

    4A primeira definio de ecodesign foi descrita por Victor Papanek e trata-se de uma abordagem queconsiste em reduzir os impactos de um produto, ao mesmo tempo em que conserva sua qualidade de usomelhorando a qualidade de vida do usurio de hoje e de amanh (KAZAZIAN, 2005:36). Completa aindaManzini e Vezzoli (2005) que um modelo de projeto (design) orientado por critrios ecolgicos queengloba um vasto conjunto de prticas projetuais com o intuito do redesenho dos prprios produtos paradiminuir os impactos ambientais.

  • industrial (BHAMRA et al. 1999. apud LOFTHOUSE; BHAMRA, 2001: 1). Nesses

    estgios primrios, as ordens so mais flexveis e as decises mais crticas so feitas a

    respeito da longevidade, durabilidade e possibilidade de consertos.

    Kramer e Ferstera enfatizam que o papel do designer criar produtos que no

    sejam um capricho nem uma afetao ou um modismo passageiro impensado, mas

    produtos cujas formas e funes tenham um apelo em longo prazo e que sejam uma

    contribuio a nossa cultura contempornea (1995 apud LOFTHOUSE; BHAMRA 2001).

    Assim, eis o desafio do designer de moda: pensar um projeto de produto que considere

    criao, desenvolvimento, fabricao, consumo e descarte ou reutilizao ou reciclagem.

    A aceitao dos produtos ecolgicos outro desafio porque nem todos desejam

    produtos verdes; muitos consumidores podem ser cticos e v-los como portadores de

    qualidade inferior.

    Pesquisas do National Consumer Council da UK Green Consumer Attitudes and Behaviour,descrito em um relato interno da Electrolux (Sherwin, 1999), identifica cinco diferentesgrupos de consumidores; Afluentes Verdes (19%), Recicladores (19%), Jovens Verdes(17%), Gastadores Cautelosos (19%) e Cticos (26%) sendo apenas o primeiro grupoconsiderado ativamente interessado em comprar produtos verdes. Isto indica que nemsempre apropriado vender produtos pela sua credencial ambiental, que explica porqueHerman Miller vende suas cadeiras eco-redesigned como A mais confortvel cadeira nomundo, ao invs de seu mrito ambiental (LOFTHOUSE; BHAMRA 2001: 5).

    certo afirmar que em um mercado como o da moda, to viciado em produzir

    cpias e a temer a inovao, todo aquele que ousar com sabedoria e excelncia

    produzir novos conceitos e nova viso sobre o homem e o mundo.

    A sociedade atual ainda tem base na economia de consumo do novo, cuja

    empresa para se tornar competitiva precisa sempre se antecipar e prever comportamento

    e desejos de seus consumidores. Lipovetsky (2003:160) disserta que

    (...) uma empresa que no cria regularmente novos modelos perde em fora de penetraono mercado e enfraquece sua marca de qualidade numa sociedade em que a opinioespontnea dos consumidores a de que, por natureza, o novo superior ao antigo.

    Um dos passos a considerar sobre a escolha por uma moda ecolgica gerenciar

    a obsolescncia que faz diminuir as mudanas de aparncias, j que estas, em termos

    temporais, so superficiais.

    Lipovetsky (2003) entende que, embora a moda possa suscitar verdadeiras

    inovaes, estas so muito raras frente sucesso das alteraes de detalhe e da lgica

    das pequenas modificaes que caracterizam a moda, o que Sapir ressalta com a

  • afirmao de que a moda tem sido uma variao no interior de uma srie conhecida

    (apud LIPOVETSKY, 2003:32).

    A atitude de refreamento de mudanas da moda no descaracteriza

    necessariamente seu esprito de efemeridade, mas a torna mais cclica e sustentvel. As

    solues quanto a esse processo podem ser inmeras, sobretudo com a intensificao

    do uso do produto base, o que pode ser reformulado com recondicionamento, adaptao

    ou transformao, para diferenciar o produto sem novos gastos na construo das peas.

    Para esta aplicao, existe o fluxo fechado que, segundo Kazazian (2005), uma

    estratgia para aproximar a produo limpa pela reduo de output (emisses e

    resduos) e a venda das emisses restantes a outras empresas como matrias

    secundrias. Tal considerao traduz que o uso de energias e recursos (inputs) deve ser

    otimizado, para haver maior controle dos ciclos do produto at seu fim de vida til.

    Uma vez devolvido, o produto passa pela remanufaturao, atualizado para ser

    reintroduzido no mercado ou desmontado para reutilizao de algumas peas em

    novos produtos e seus componentes no-reutilizveis so reciclados. Para Kazazian

    (2005:52), duas novas estruturas industriais so criadas, no mesmo local de produo,

    uma que produz, outra que remanufatura os produtos utilizados e devolvidos, de

    acordo com a Figura 1.

    Esta estratgia na moda e em vrios setores, como o caso de indstrias eltricas

    e eletrnicas, permite maior controle do processo produtivo e possibilita um

    relacionamento de fidelidade com o cliente, de modo que ambas as partes passam a ter

    mais responsabilidade ambiental e social.

    Para compreender esse ciclo de vida na moda, necessrio considerar algumas

    questes. Se a cada estao as pessoas compram novas peas e, conseqentemente,

    deixam de usar outras, para onde vo as roupas que saram da estao? Para onde vo

    tanto as que foram consumidas quanto as que ficaram obsoletas antes mesmo de seu

    consumo?

    As respostas so inmeras. A maioria das peas de vesturio acaba dentro de

    grandes armrios, esquecidas entre as vrias pilhas de diferentes modelos e cores. So

    roupas compradas no impulso e na onda de tendncias que, massificadas, perdem status

    rapidamente, antes do produto se desgastar.

    Para as peas que ficaram defasadas antes mesmo de serem consumidas, a

    moda oferece uma segunda chance em liquidaes e bazares de grandes marcas

    conhecidas.

  • Ao tratar-se de grandes marcas detentoras de status, a moda vintage, que para

    Mesquita (2001) o comrcio de peas nicas e envelhecidas verdadeiras relquias

    mas no menos conservadas, faz surgirem novas lojas em concorrncia aos brechs e

    bazares e at leiles.

    Na moda, o fluxo fechado seria uma tima alternativa porque a maioria dos tecidos

    possui um material resistente que pode ser reformulado quando o usurio no estiver

    mais satisfeito com o produto, de modo que tem a chance de devolv-lo empresa. A

    empresa de moda e vesturio Patagnia (2006) possui esse servio. O produto devolvido

    e reformulado em um setor de lavanderia ou de customizao possibilita que seja

    remanufaturado e volte para o consumidor.

    Outra alternativa desmanchar o produto que o cliente no deseja mais, retirar os

    componentes de metais, zperes e detalhes da pea para serem reciclados e transformar

    o tecido em acessrios, tais como: bolsas, bons, cintos, capas, colchas, a depender do

    desejo do cliente que paga um custo adicional pela reformulao da pea. A parceria com

    cooperativas como a Coopa Roca (2006) tambm uma boa opo.

    Empresas que possuem lojas prprias poderiam ter um setor anexo de lavanderia,

    tinturaria e de customizao de peas e produtos que permitiria ao cliente reformular a

    pea, conforme seu gosto. So estratgias que permitiriam empresa bom atendimento,

    satisfao e renovao do desejo do cliente pela pea, alm de formar um vinculo afetivo

    com a empresa. Ainda, tais iniciativas diminuiriam gastos com recursos e menor gerao

    de resduos.

    Para que a moda ecolgica seja realmente eficaz, portanto, preciso que a

    concepo do projeto se faa de maneira consciente, em suas diversas etapas. Que as

    empresas, empresrios, instituies de ensino, designers e consumidores trabalhem

    juntos na transformao da moda efmera para uma moda cclica, aliada ao meio

    ambiente e comprometida no apenas com os anseios da sociedade atual mas com a

    sustentabilidade das futuras geraes.

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