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Fiscalidade

O Papel da comparabilidade na determinação dos preços de transferência

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1- Nos quais se inclui o preço.2 - "(…)"i.e., grupos de empresas associadas cujas actividades se desenvolvem para além das fronteiras

nacionais e se vão transformando, progressivamente, em entidades económicas poderosas com estratégiaspróprias" in Ciência e Técnica Fiscal, Caderno 144, prefácio.

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FiscalidadeRosa Maria Ferreira da Silva

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A presente exposição abordará algunsaspectos relacionados com o papel desem-penhado pela comparabilidade na deter-minação do preço de transferência de umatransacção, enquanto premissa cuja pre-sença é imprescindível garantir no conjun-to de informação utilizado na determinação daquele preço, sob pena dese comprometer a obtenção de um efecti-vo preço de plena concorrência, em con-formidade com o estabelecido, quer nasorientações internacionais, quer na legislação nacional.

Num primeiro momento, apresentar-se-áum breve enquadramento da temática dospreços de transferência, apontando asrazões da sua relevância no contexto daeconomia actual. Posteriormente, descrever-se-á, genericamente, a etodolo-gia a adoptar pelas empresas - por formaa validarem se os termos e condições dasoperações por si efectuadas, com enti-dades relacionadas, respeitam o princípioda plena concorrência - com o objectivode, por um lado, destacar o papel crucialda comparabilidade na aplicação dessametodologia e, por outro, aprofundardiversas questões, de índole teórica eprática, relacionadas com este aspectosubstancial em sede de preços de transferência.

Por último, tendo por base alguns doscomentários prestados, por diversas entidades internacionais, no âmbito doinquérito "Aspectos sobre comparabili-dade" promovido, em 2003, pelaOrganização de Cooperação e deDesenvolvimento Económicos (OCDE), eo meu entendimento sobre a temática, apontar-se-ão alguns aspectos relevantesem matéria de comparabilidade, os quais, devidamente aprofundados, ao nível dasinstituições competentes, poderão con-duzir, no futuro, a soluções com reflexopositivo na aplicação prática dos preços detransferência.

DA RELEVÂNCIA DOS PREÇOSDE TRANSFERÊNCIA

Entende-se por preços de transferência, ostermos ou condições1 praticados pelosagentes económicos em operações comerci-ais ou financeiras.

Quando agentes económicos indepen-dentes efectuam essas operações entre si,os termos ou condições estabelecidos sãoregidos, por norma, pelos mecanismos demercado. Contudo, a globalização daeconomia e o crescimento das empresasmultinacionais2 têm vindo a traduzir-se noaumento do número de transacções entreentidades associadas - i.e. entidades

“Nesta área a tributação é umaarte, e nenhuma quan-tidade de metodolo-gias complexas con-segue transformá-lanuma ciência".

Pagan & Wilkie

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unidas por vínculos que permitem viabilizar a possibilidade de gestão, extra mercado, dos ter-mos ou condições das transacções - reflectindo-setal na perda de estatuto do mercado na determi-nação dos termos ou condições estabelecidos nessas transacções, com vantagem para factorestão distintos quanto, por exemplo, as exigênciasdos accionistas (nomeadamente no que à rendibili-dade diz respeito), a existência de regimes fiscaisdiversos e a possibilidade de reporte de prejuízos,para citar apenas alguns. Esta tendência ao nívelda realidade económica está na origem daatribuição de uma cada vez maior importância àtemática dos preços de transferência, numa ópticanão só financeira3 mas, principalmente, fiscal.

De facto, a política de preços de transferênciaadoptada por uma empresa multinacional afecta, directamente, o montante de lucro/prejuízo apura-do por cada um dos seus membros nas diversas jurisdições onde operam e, consequentemente, areceita fiscal dos Estados em causa (aplicação docritério da residência do sujeito passivo ou da fonte

do rendimento). Daí que, na perspectiva do país deacolhimento, o objectivo das regras dos preços detransferência consiste em garantir que a parcelaadequada de rendimento lhe é imputada, fazendo-se cumprir, dessa forma, o princípio dacapacidade contributiva dos sujeitos passivos.

Por norma, esta preocupação é igualmentepartilhada pelas empresas multinacionais, na medi-da em que uma incorrecta alocação de proveitos ecustos tem subjacente o risco de dupla tributaçãoeconómica dos rendimentos, na sequência de even-tuais ajustamentos efectuados pela AdministraçãoTributária de determinada jurisdição, uma vez quenão é garantido que a Administração Tributária doEstado contraparte venha a aceitar o correspon-dente ajustamento correlativo4.

Tendo em vista atingir os objectivos supra - asse-gurar uma correcta determinação da base deimposto em cada país e evitar a dupla tributaçãoou a não eliminação da mesma, nefasta ao desenvolvimento das trocas e investimentos

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3 - Transfer pricing "it is an important driver of shareholder value, providing an oportunity to optimse the value of a business"in www.camagazine.com/index.cfm/ci_id/21554/la_id/1.htm - Transfer Pricing by John C. Hollas.

4 - Vide, a este respeito, o ponto 17. do prefácio dos Guidelines da OCDE.

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internacionais - diversos países, entre os quaisPortugal, integraram, na sua legislação fiscal inter-na, regras a aplicar nesta matéria, as quais, na suagrande maioria, encontram-se em conformidadecom o estabelecido a nível internacional5, quer noartigo 9º do Modelo de Convenção Fiscal sobre oRendimento e o Património da OCDE (adiantedesignada abreviadamente por "Modelo deConvenção Fiscal da OCDE"), cuja redacção seencontra plasmada na maioria das convençõesbilaterais para evitar a dupla tributação celebradasentre diversos Estados, quer nos princípios ori-entares da OCDE nesta matéria ("OCDE -Princípios aplicáveis em matéria de preços detransferência destinados às empresas multina-cionais e às Administrações Fiscais", adiante designados abreviadamente por "Guidelines daOCDE").

Em Portugal, a legislação, actualmente em vigor,em matéria de preços de transferência, consubstan-cia-se no artigo 58º do Código do Imposto sobre oRendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e naPortaria n.º 1.446-C/2001, de 21 de Dezembro(Anexo 3). Apesar da supra referida compatibilidade da legislação interna com os tra-balhos desenvolvidos pela OCDE, quanto a preçosde transferência, importa referir que o legislador português inovou em alguns aspectos, nomeada-mente ao admitir, expressamente6,

a possibilidade de aplicação de um método de concepção privada do sujeito passivo ("outro méto-do"), distinto das soluções padronizadas, e aointroduzir uma regra concreta de selecção do método mais apropriado, na qual sobressai o papelda comparabilidade.

A RELEVÂNCIA DA COMPARABILIDADE

Atento o disposto no n.º 1 do artigo 58º do Códigodo IRC, cuja redacção se inspira no n.º1 o artigo9º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, "nasoperações comerciais (…) bem como nas operaçõesfinanceiras, efectuadas entre um sujeito passivo equalquer outra entidade sujeita ou não a IRC, coma qual esteja em situação de relações especiais7, devem ser contratados, aceites e pratica-dos termos ou condições substancialmente idênti-cos aos que normalmente seriam contratados,aceites e praticados entre entidades independentes8em operações comparáveis".

Do exposto resulta que, do ponto de vista fiscal, ospreços de transferência são uma questão relevante sempre que se esteja perante umatransacção de natureza comercial ou financeira efectuada entre entidades relacionas, entendendo-se

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5 - Não obstante a problemática dos preços de transferência se suscitar igualmente a nível interno, relativamente a operações vinculadas realizadas entre entidades relacionadas, ambas residentes em território português.

6 - Enquanto que nos Guidelines da OCDE (vide ponto 1.68) a referência a outros métodos é apenas apontada como uma possibilidade remota.

7 - Conforme definido no n.º 4 do artigo 58º do Código do IRC. Note-se que o conceito de relações especiais definido na legislaçãoportuguesa é muito mais abrangente que o mesmo conceito definido nos termos do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE (e,consequentemente, nas diversas Convenções naquele inspiradas).

8 - Entidades não relacionadas.

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como tais as definidas no n.º 4 do artigo 58º doCódigo do IRC. Nestas circunstâncias, cabe aosujeito passivo o ónus de reunir a prova que permi-ta demonstrar que os termos e condições estabele-cidos na transacção se regem pelo princípio daplena concorrência, i.e., são em tudo idênticos aosque se verificariam num contexto de ausência derelações especiais. O objectivo do sujeito passivo é, pois, o de determinar um intervalo depreços que possa ser considerado de plena concor-rência, por forma a evidenciar que o preço por sipraticado se enquadra naquele intervalo e, portanto, nenhum ajustamento é devido.

A aplicação do princípio da plena concorrência é,no entanto, de difícil implementação prática,porquanto pressupõe, desde logo, a verificação deum conjunto de pressupostos que a realidade nemsempre reúne (estrutura de mercado concorrencial, quando predomina a estrutura de oligopólio e, nãoraro, o monopólio; bens homogéneos, quando pre-domina a diversidade de bens; somente para citaralguns dos referidos pressupostos), para além deque não toma em consideração as economias de

escala e as inter-acções entre osdiversos membrosda empresamultinacional.

Efectivamente, asempresas associ-adas, em virtude

do vínculo que as une, efectuam muitas vezes, entresi, operações que empresas independentes nãorealizariam, constatando-se, nesses casos, a impossibilidade de obtenção de um padrão de com-paração adequado ao princípio teórico.

Contudo, as diversas dificuldades - nomeadamenteao nível da obtenção de informação, que pode serincompleta, de difícil interpretação, confidencial ousimplesmente não existir - não dispensam o sujeitopassivo de reunir a supra referida prova de con-formidade, pelo que este deve prosseguir na deter-minação do preço de transferência, fazendo o melhor uso da evidência existente e tendo em contaque a fixação de tal preço não é uma ciência exacta e exige uma apreciação casuística. Para sua salvaguarda, o sujeito passivo deve efectuar uma documentação adequada da metodologia adoptada,justificando os diversos pressupostos assumidos.

Ora, conforme decorre do exposto, a solução subja-cente ao princípio da plena concorrência - o qualpretende "neutralizar" a variável fiscal enquantoperturbadora das posições concorrenciais relativas

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- consiste em identificar uma transacção similar9,efectuada entre entidades independentes, que sejasusceptível de ser utilizada como padrão paraefeitos de avaliar os termos e condições de umaoperação efectuada, em circunstâncias com-paráveis, entre entidades relacionadas. É esse, pois,o ponto de partida.

Num primeiro momento, o sujeito passivo deveanalisar os contornos da operação cujos termos econdições importa valorar - no que respeita ao seuracional económico, às contrapartidas para as enti-dades envolvidas e ao impacto (materialidade) daoperação no contexto do negócio das partes - como objectivo de recolher informação relativa aonegócio, necessária à análise de comparabilidade, eidentificar os possíveis métodos a utilizar na deter-minação do preço de transferência.

A primeira etapa supra descrita é vital para se pro-ceder a uma adequada identificação de operações comparáveis (potenciais transacções padrão) realizadas entre entidades independentes, na medi-da em que permite focalizar a pesquisa para deter-minado conjunto de potenciais comparáveis que apresentem certas características. Essa identifi-cação é efectuada, normalmente, mediante recursoa informação interna ou, conforme se verifica namaioria dos casos, por inexistência da primeira, ainformação externa, organizada em bases de dadoscomerciais e nos relatórios e contas das empresas.

Identificados os potenciais comparáveis, importaproceder a uma análise de comparabilidade maisdetalhada (de índole não só quantitativa, mas tam-bém qualitativa) ao nível das operações e empre-sas seleccionadas, atendendo aos diversos factoresde comparabilidade que se descrevem infra, com oobjectivo de avaliar se:

• O potencial comparável constitui, na suaforma original, um efectivo padrão de com-paração;

• O potencial comparável constitui um efectivopadrão de comparação, desde que se introduza os ajustamentos necessários para eliminar as diferenças detectadas;

• O potencial comparável não constitui um efectivo comparável, uma vez que as diferen-ças detectadas têm um impacto de talforma material nos termos ou condições dastransacções que não é possível garantir queeventuais ajustamentos possibilitem a obtenção de um preço de plena concorrência. Neste caso, dever-se-á rejeitar ocomparável a pesquisar um novo potencialcomparável.

Eleita a transacção padrão, dever-se-á verificar seo método inicialmente perspectivado é o adequadopara efeitos da determinação do preço de transferência, tendo em conta a informação recolhi-da, na esfera das entidades relacionadas e das enti-dades independentes, bem como a regra de selecçãodo método mais apropriado, prevista no n.º 2 doartigo 4.º da Portaria n.º 1.446-C/2001, de 21 deDezembro.

Segundo o citado normativo, o método mais apro-priado é aquele que é "(...) susceptível de fornecera melhor e mais fiável estimativa dos termos oucondições que seriam normalmente acordados,aceites ou praticados numa situação de plena con-corrência, devendo ser feita a opção pelo métodomais apto a proporcionar o mais elevado grau decomparabilidade entre as operações vinculadas eoutras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com amelhor qualidade e maior quantidade de infor-mação disponível para a sua adequada justificaçãoe aplicação e que implique o menor número deajustamentos para eliminação das diferenças exis-tentes entre os factos e as situações comparáveis".A aplicação do método, que ocorrerá na faseseguinte, permitirá apurar o intervalo de preços de

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9 - O padrão de comparação pode ser uma transacção, um produto ou uma entidade, consoante as circunstâncias da situação em apreço.

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plena concorrência, em face do qual o sujeito passivo poderá concluir sobre a conformidade, ounão, dos termos e das condições praticados na operação realizada com entidades relacionadas,com o princípio de plena concorrência. Conformesupra referido, para efeitos de salvaguarda dosujeito passivo, nomeadamente junto daAdministração Tributária, todas as etapas dametodologia descrita devem ser documentadas,nomeadamente no que respeita aos critérios erazões subjacentes à selecção/eliminação de cadatransacção/entidade comparável e de cada método,

A metodologia em apreço, a aplicar pelo sujeitopassivo para efeitos da determinação do preço detransferência, constitui um mero referencial, namedida em que se deverá ajustar a cada situaçãoconcreta a avaliar. Contudo, a referida metodologiacumpre o objectivo pretendido, ou seja, evidenciaque o conceito de comparabilidade - presente, porexemplo, em referências como transacção similar ecircunstâncias comparáveis - constitui a pedraangular do princípio da plena concorrência, per-mitindo a determinação do preço de transferência,na estreita observância daquele princípio. De facto,sem uma análise de comparabilidade adequada, emcada uma das etapas descritas, aumenta o risco dea informação da entidade externa considerada nãorepresentar o verdadeiro preço de mercado, devidoa diferenças entre essa entidade (produto outransacção) e a entidade em estudo (produto outransacção) e, portanto, sair gorado o exercício dadeterminação do preço de transferência. A imprescindibilidade da análise da comparabili-dade é, por várias vezes, destacada nos Guidelinesda OCDE. Refira-se, a título de exemplo, aseguinte citação, a respeito da aplicação dos méto-

dos baseados nos lucros: "(...)só podem ser acolhi-dos na medida em que sejam compatíveis com oartigo 9º do Modelo de Convenção Fiscal daOCDE, em especial no que diz respeito à compara-bilidade"10.

Fica demonstrado que, mais do que a aplicação deste ou daquele método - que constitui apenas um processo de cálculo económicode avaliação da transacção - a comparabilidade é o instrumento fundamental, não só na execuçãodos trabalhos preliminares de selecção dos com-paráveis (adaptação da informação de naturezacomercial para efeitos de delinear as condiçõesusualmente praticadas por partes independentes) edos métodos a aplicar, como ao longo das restantesetapas do processo de determinação do preço deplena concorrência (nomeadamente, a nível deprocessos subsequentes de revisão da metodologiaadoptada).

COMPARABILIDADE NA PRÁTICA

A comparação apenas releva se as característicaseconómicas das situações em causa forem suficien-temente similares, i.e. se não houver diferençasmateriais nas situações comparadas, susceptíveisde afectar a condição a examinar - preço, margemde lucro - ou havendo-as as mesmas sejam suscep-tíveis de ajustamento. Na prática, o sujeito passivodefronta-se, usualmente, com a segunda situação.

Ora, é através da análise de comparabilidade -comparação de características relevantes com

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10 - Vide, a este respeito, o ponto 3.3 dos Guidelines da OCDE.

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impacto nos termos e condiçõespraticados - que se determina o graude similaridade efectiva entre produtos,operações ou empresas e se identifica asdiferenças a ajustar tendo em vista aobtenção do preço de plena concorrência.

Conforme referido, esta análise pode operar aonível dos produtos, das actividades ou das empresas, dependendo das circunstâncias do casoconcreto e do método que se perspectiva como omais apropriado.

O factor de comparabilidade direccionado para aprimeira perspectiva - focalizada no produto - con-siste em avaliar o grau de comparabilidade entre aoperação vinculada e a potencial operação padrãotendo em conta as características específicas dosbens, direitos ou serviços transaccionados, em par-ticular as suas características físicas, a qualidade, aquantidade, a fiabilidade, a disponibilidade, aforma negocial acordada, as garantias, para citarapenas alguns aspectos.

A este respeito importa referir que, não obstante,quer os Guidelines da OCDE, quer a legislaçãointerna, atribuírem preferência aos métodos dedeterminação do preço de transferência baseadosnas operações, em detrimento dos métodos basea-dos no lucro11, e em particular, ao método do preçocomparável de mercado, a experiência prática permite constatar que nem sempre se dis-põe de bens/serviços/direitos comparáveis.

Deste facto resulta que, não raro, o sujeito passivose vê obrigado a recorrer a indicadores menosdirectos e, logo, aos outros métodos de

determi-nação dos preços detransferência, aos quais estão

mais associadas as outras perspectivas da análisede comparabilidade - focalizadas nas actividadesou nas empresas - e, consequentemente, outros factores de comparabilidade, que se destacam deseguida:

1. Análise funcional

Este factor, no qual se materializa por excelência aanálise de comparabilidade, tem subjacente oaxioma de que a remuneração de determinadatransacção está associada às funções exercidaspelas entidades intervenientes, tendo em consideração os activos utilizados (nomeadamenteintangíveis) e os riscos assumidos (v.g. risco demercado, risco de investimento, risco de investigação e Desenvolvimento), sendo que, quando maior o valor acrescentado pelas funções, oqual depende do nível de especificidade dos activose o do risco assumido, maior a remuneração esperada.

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11 - Vide, a este respeito, o Anexo 4, que contém uma descrição dos métodos.

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A análise funcional é, assim, levada a cabo com oobjectivo de avaliar o grau de comparabilidade dasactividades exercidas e das responsabilidadesassumidas, no plano económico, pelas empresasrelacionadas e pelas empresas independentes,dando especial atenção à estrutura e organizaçãodo grupo onde se inserem. A análise funcional nãoconstitui uma alternativa à pesquisa de com-paráveis, nem se confunde com a determinação dopreço de transferência. É, simplesmente, um meiode direccionar a pesquisa dos comparáveis e indi-ciar quais os métodos mais apropriados.

2. Cláusulas Contratuais

A análise deste factor de comparabilidade justifica--se em virtude de as cláusulas contratuais definirem,por norma, quer expressa, quer implicitamente, asmodalidades de repartição das responsabilidades,dos riscos e dos benefícios entre as partes.

3. Enquadramento económico

Este factor de comparabilidade abrange a análise,relativamente a cada uma das partes interve-nientes, da localização geográfica, da dimensão do

mercado, do grau de concorrência e da posição con-correncial relativa dos compradores e dos vende-dores; da disponibilidade ou do risco de disponibi-lidade dos bens e dos serviços sucedâneos, do nívelda oferta e da procura no mercado na sua globali-dade, do poder de compra dos consumidores, danatureza e do âmbito das regulamentações públi-cas, dos custos de produção e transporte, do está-dio de comercialização (marketing), entre outrosaspectos, no pressuposto de que os preços de plenaconcorrência variam consoante o mercado onde seactua, mesmo em caso de operações que envolvamos mesmos bens ou serviços.

4. Estratégias empresariais

Este factor pretende avaliar o grau de comparabi-lidade entre a operação vinculada e a potencialoperação padrão no que respeita a variáveis tãodiversas quanto a inovação, o desenvolvimento denovos produtos, o grau de diversificação, a aversãoao risco, a ponderação dos factores políticos, opapel da legislação do trabalho e os demais factorescom influência no quotidiano da empresa. Importater presente que as estratégias tendentes à pene-tração nos mercados podem justificar, igualmente,ajustamentos de comparabilidade.

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No que respeita aos ajustamentos de comparabili-dade a introduzir, poucas ou nenhumas orientaçõessão transmitidas ao sujeito passivo, quer a nívelinternacional, quer a nível nacional, pelo que é con-ferido a este um elevado grau de discricionari-edade.

Conforme anteriormente exposto, o ónus de provarque as condições ou termos praticados, relativa-mente a uma operação entre entidades relacionadas, respeitam o princípio de plena con-corrência, cabe ao sujeito passivo. Contudo, a nívelnacional, atento o disposto no n.º 3 do artigo 77ºda Lei Geral Tributária, é exigido à AdministraçãoTributária, em caso de correcção da matéria tributável em virtude de ajustamentos ao preçopraticado em operações realizadas entre entidadesrelacionadas, uma fundamentação detalhada, queinclua (i) a descrição das relações especiais; (ii) aindicação das obrigações infringidas pelo sujeitopassivo; (iii) a aplicação dos métodos previstos naLei, e (iv) a quantificação dos referidos efeitos.

A mera constatação de que determinada operaçãoentre entidades vinculadas não respeita o estipula-do em matéria de preços de transferência, nãolegitima o ajustamento à matéria colectável, comoresulta, aliás, de jurisprudência diversa (v.g.Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,proferido no âmbito do processo n.º 119/04, de 22de Setembro de 2004 e Acórdão do SupremoTribunal Administrativo, proferido no âmbito dorecurso n.º 20.188, de 6 de Novembro de 1996).Portanto, em face das exigências que a Lei colocaà Administração Tributária paar efeitos de proce-der a liquidações adicionais nesta matéria, entendoexistir toda a conveniência em o sujeito passivoefectuar uma documentação adequada dametodologia adoptada, em matéria de preços detransferência, justificando os diversos pressupostosassumidos.De facto, a existência de um estudo demonstrativoda estratégia adoptada em matéria de preços detransferência deixa antever a realização de um tra-balho ponderado por parte do sujeito passivo e,

portanto, reduz a probabilidade de o mesmo vir aser contestado pela Administração Tributária.

A COMPARABILIDADE PERSPECTIVA FUTURA

Em 2003, a OCDE promoveu um inquérito sobre opapel da comparabilidade, no âmbito dos procedi-mentos de monitorização da implementação dosGuidelines em matéria de preços de transferência.Tendo por base alguns dos comentários prestados,por diversas entidades internacionais, às questõescolocadas naquele inquérito12, bem como a minhaopinião sobre esta matéria, aponta-se, de seguida,alguns aspectos relevantes que, devidamente apro-fundados, ao nível das instituições competentes,poderão conduzir, no futuro, a soluções com reflexopositivo na aplicação prática dos preços de trans-ferência, nomeadamente no sentido da obtenção deum efectivo/mais elevado grau de comparabilidadedas operações. Aspectos há que revestem a formade sugestões a implementar, enquanto outros cons-tituem meros reparos quanto à necessidade deobter orientações técnicas sobre determinadoassunto.

Da dificuldade de obter informação

De acordo com os Guidelines da OCDE, a opção,para efeitos da determinação do preço de transferência, por métodos baseados nas operaçõesé preferível relativamente à opção por métodosbaseados nos lucros. Salienta-se, contudo, que orecurso a comparáveis internos - subjacentes aoperações similares à operação em análise, masrealizadas pela empresa em causa com entidadesindependentes - não é possível, na maioria doscasos, por inexistência dos mesmos. Por outro lado,é igualmente difícil aceder a informação de empre-sas externas, organizada na perspectiva da

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12 - Refira-se que, até à presente data, ainda não foi publicado o correspondente relatório final, por parte da OCDE. Foi, no entanto, apresentado, em 10 de Maio de 2006, um novo convite público para comentar um documento eleborado com base nainformação recolhida no inquérito inicialmente efectuado, o qual foi intitulado de Series of Draft Issue Notes.

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transacção, uma vez que a ênfase dos relatórios econtas e demais elementos disponíveis ao público écolocada na empresa e não na transacção. Aspróprias bases de dados comerciais, que constituem uma ferramenta importante em sede deanálise da comparabilidade, não foram construídasem função das necessidades específicas dos preçosde transferência.

Em face do exposto, e tomando em consideraçãoque, quer a nível internacional, quer a nívelnacional, a primazia é dada aos métodos baseadosnas transacções, em detrimento dos métodos basea-dos nos lucros, importará equacionar as seguinteshipóteses e os seus reflexos positivos ao nível dacomparabilidade, sob pena de se condenar, a médioprazo, a preponderância do primeiro tipo de méto-dos referido.

• Possibilidade da divisão da empresa por fun-ções ou por segmentos de negócio, porforma a que cada segmento seja comparadocom uma empresa independente especializadanaquele negócio específico;

• Possibilidade de considerar relevante, paraefeitos da determinação dos preços detransferência, a informação sobre empresasindependentes inseridas igualmenteem empresas multinacionais e que realizamoperações materialmente relevantescom empresas do seu Grupo (com paráveisdependentes);

Da dificuldade de verificar os factores de comparabilidade

Em face da escassez de recursos, a validação, paracada situação em análise, dos cinco factores decomparabilidade nem sempre é exequível. Pornorma, consoante as circunstâncias específicas decada caso, este ou aquele factor ou conjunto de factores de comparabilidade assume maior relevân-cia. Neste contexto, seria conveniente estabelecerorientações técnicas relativamente aos seguintestópicos:

• Análise do custo/benefício associado ao procedimento de validar todos os factores de comparabilidade;

• Possibilidade de seleccionar os factores de comparabilidade a testar mais detalhada-mente tendo em conta os métodos tendencialmente mais apropriados;

• Definição do nível de materialidade a partirdo qual se considerar que dois produtos/oper-ações são considera dos comparáveis, tendoem conta que a análise da comparabilidadelevada ao extremo não é conveniente;

• Importância da variável qualidade dos produtos, em particular, e do papel dosintangíveis, em geral, na análise de comparabilidade e definição dos procedimentos a efectuar em matériade ajustamentos de comparabilidade;

• Distinção entre a função de empresário e a função do prestador de serviços, emvirtude dos diferentes riscos assumidos;

• Avaliação do actual estado de integraçãoeconómica, por exemplo dos diversos países daUnião Europeia, por forma a concluir se o

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recurso a bases de dados supranacionais não inviabiliza a determinação do preço deplena concorrência;

• Critérios mais específicos de selecção/eliminação de comparáveis susceptíveis dedistorcer o intervelo de plena concorrência(v.g. empresas em início de actividade,empresas que acumulam prejuízos).

Da dificuldade de efectuar ajustamentos decomparabilidade

Resulta da metodologia dos preços de transferênciaanteriormente descrita que, quando se verificamdiferenças materiais entre as operações vinculadase as suas comparáveis independentes, que afectamsignificativamente o preço, há que efectuar ajusta-mentos de comparabilidade. No entanto, poucassão as orientações dadas nesta matéria, quer a nívelinternacional, quer a nível nacional, pelo que édeixado um elevado grau de discricionariedade aosujeito passivo.

A este respeito importa referir que, enquanto algumas diferenças de natureza quantitativa (v.g.diferenças ao nível do volume da transacção)podem ser ajustadas de forma relativamente directas, sendo os correspondentes pressupostosfacilmente perceptíveis, mesmo por entidadesexternas à empresa, outras há, nomeadamente denatureza predominantemente qualitativa (v.g.diferenças resultantes de marcas distintas dos pro-dutos) que, ainda que sejam objecto de correcção,dificilmente se conseguirá provar que o preço quevenha a ser determinado foi ajustado de acordocom os requisitos de comparabilidade subjacentesao princípio de plena concorrência. Importa, pois,também nesta matéria, obter orientações adi-cionais.

Das dificuldades de natureza diversa

Porque muitas outras interrogações se colocam emmatéria de comparabilidade, resume-se, de seguida,algumas mais, relativas a diversos aspectos. Sãoelas:

• Urgência na regulação (eventual proibição)do recurso a comparáveis não públicos ouconfidenciais, por forma a reduzir a probabili-dade de obtenção de resultados díspares nasanálises efectuadas pela AdministraçãoTributária e pelos sujeitos passivos;

• Conveniência em estabelecer que o preço detransferência deve ser (i) determinadotomando em consideração a perspectiva deambas as entidades associadas e (ii)considerado válido pelas AdministraçõesTributárias de ambas as jurisdições13;

• Conveniência em referir expressamente a possibilidade de recurso a avaliações de entidades independentes, como forma de justi-ficar os termos e condições praticados nasoperações entre entidades relacionadas,nomeadamente porque tal opção é uma práti-ca corrente das empresas;

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13 - Em oposição ao disposto no ponto 17 do Prefácio dos Guidelines da OCDE.

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• Conveniência, no casoespecífico português, deacelerar a implementaçãodos Acordos Prévios emmatéria de preços de trans-ferência, tendo em vistagarantir maior segurança aosujeito passivo e à própriaAdministração Tributária;

Conclusões

Cada vez mais a organizaçãoactual da economia torna pre-mente a adopção de políticas depreços de transferência, con-formes com as orientações inter-nacionais, e nacionais, por formaa garantir, nas operações entreentidades relacionadas, a apli-cação do princípio da plena con-corrência. A difícil implemen-tação prática deste princípio, noque a preços de transferência dizrespeito, não dispensa o sujeitopassivo de reunir prova que per-mita demonstrar que o mesmo éconsiderado na determinação dopreço praticado em operaçõesvinculadas. Para o efeito, osGuidelines da OCDE propõem,implicitamente, uma metodolo-gia, na qual o papel da compara-bilidade merece destaque,enquanto ferramenta impres-cindível para garantir a

determinação do preço de trans-ferência em conformidade com oprincípio em apreço. Vários sãoos aspectos a ter em conta paragarantir a necessária comparabi-lidade, e muitos outros se equacionam, mas enquanto tan-tas questões permanecem semesposta objectiva, a tributação,nesta matéria será, e continuaráa ser, uma arte, conforme referi-do por Pagan & Wilkie.Entendo, pois, que urge desen-volver esforços no sentido deuma maior especificação dos pro-cedimentos a adoptar a nívelmetodológico, e principalmente,da definição tão precisa quantopossível, do grau de segurança14,para o sujeito passivo e para aAdministração Tributária, dosresultados obtidos na sequênciada aplicação de tal metodologia.

Fiscalidade

14 - Insusceptibilidade de contestação

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FiscalidadeRosa Maria Ferreira da Silva

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OCDE, Preços de transferência e empresas multi-nacionais - Relatório do Comité dos AssuntosFiscais da OCDE de 1979, Centro de EstudosFiscais, Lisboa, 1985.

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XAVIER, Alberto, Direito tributário Internacional- Tributação das Operações Internacionais,Almedina Coimbra.

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www.ird.govt.nz - Transfer Pricing Guidelines(New Zeland) - Inland Revenue;

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O Regime da Subcapitalização: sua Natureza,

Âmbito e Condicionantes

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Fiscalidade

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FiscalidadeMargarida Teixeira Pinto do Couto

Introdução

O objectivo deste trabalho consiste na análise doregime da subcapitalização, que foi introduzido nalegislação portuguesa pelo Decreto - Lei nº 5/96 de29 de Janeiro, sob a forma de alteração ao Códigodo IRC, através do aditamento de um novo artigo(57º - C)1, o qual se aplicava aos exercícios findosem 1996. O Orçamento do Estado para 1995,obteve a autorização da Assembleia da Repúblicapara legislar sobre esta matéria, contudo a mesmaapenas foi efectuada em 1996.

Estas regras foram criadas como medida anti-abuso, com o objectivo de prevenir a evasão fiscale a erosão de receitas tributárias, para evitaresquemas de financiamento abusivos por parte dassociedades, junto dos seus sócios e/ou entidadesassociadas não residentes, dado não serem neutrasdo ponto de vista fiscal. É mais vantajoso para umsócio não residente ser remunerado sob a forma dejuros do que sob a forma de dividendos, devido àdiferença das taxas de retenção.

A sanção pelo abuso fiscal consiste, essencialmentena derrogação da dedutibilidade de parte dosencargos financeiros, na determinação do lucrotributável. Esta medida adoptada pelo legisladornacional não pretende requalificar os juros considerados excessivos, como dividendos e tributá-los como tal. Apesar do texto da autoriza-ção legislativa no preâmbulo prever a qualificaçãodos juros relativos ao excesso de endividamento,como lucros distribuídos, contudo não veio a concretizar-se no artigo. A qualificação como divi-dendos está prevista na legislação de vários países.

1. O Regime da subcapitalização - suanatureza

1.1 - Definição de subcapitalização

A subcapitalização evidencia-se quando existe umadesproporção acentuada entre o capital próprio deuma sociedade e o seu endividamento, para com ostitulares do capital que não sejam residentes emterritório português ou em outro Estado-Membroda União Europeia, com os quais existam relações especiais. Até a publicação da Lei nº 60-A/2005 de30 de Dezembro as regras de subcapitalização ape-nas não se aplicavam às entidades residentes emterritório português.

A subcapitalização ou excesso de endividamentoexiste quando o valor das dívidas em relação a enti-dades não residentes em território português ou emoutro Estado-Membro da União Europeia com aqual existam relações especiais, com referência aqualquer data do período de tributação, seja supe-rior ao dobro do valor da correspondente participação (directa e/ou indirecta) no capitalpróprio do sujeito passivo.

Na parte do endividamento considerado excessivo,os juros suportados relativos a essa parte não serãoconsiderados como dedutíveis para efeitos de deter-minação do lucro tributável. Esta medida é do tipo"safe haven", ou seja, no caso do coeficiente deendividamento não ser ultrapassado não é coloca-da em causa a dedutibilidade integral dos jurossuportados, desde que respeitadas as condições dededuções previstas na lei2.

O coeficiente de endividamento deve ser calculadode forma individualizada, relativamente a cadauma das entidades, embora se pretenda limitar oendividamento total do sujeito passivo. O métodoexistente é o de calcular o financiamento por cadaentidade.

1 - Actualmente artigo 61º do Código do IRC.2 - Desde que cumpra os requisitos do artigo 23º e 58º (princípio da contratação em condições de mercado - "arm's length")

do CIRC.

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A definição deste rácio conferesegurança às empresas atéalcançar o limite, contudo temalguns inconvenientes dadotratar-se de um valor médio anível nacional, não tendo em con-sideração o sector de actividade,a dimensão da entidade, entreoutros. No caso das entidades quenão atinjam o limite do coefi-ciente, podem ser induzidas aaumentar o financiamento dossócios, sob a forma de suprimen-tos em detrimento dos capitaispróprios.

O nº 6 do artigo 61º do CIRCprevê a possibilidade de mini-mizar o impacto do primeiroinconveniente.

2 - Tratamento fiscal dosjuros e dos lucros distribuídos

O Código do IRC no artigo 80ºfixa as taxas de retenção na fonteem 20%3 para os juros e em 25%4

para os dividendos, sempre queos beneficiários sejam entidadesnão residentes, sem prejuízo daaplicação dos acordos para evitara dupla tributação, da DirectivaComunitária nº 90/435/CEE, de23 de Julho, conforme artigo 14ºe 89º do CIRC para os dividendose da Directiva nº 2003/49/CEpara os juros, conforme artigo89º-A e 80º do CIRC. A retençãona fonte no caso dos dividendosocorre no momento da colocaçãoà disposição e no caso dos jurosno momento do vencimento.

No caso dos países em que existeconvenção para evitar a duplatributação, os dividendospoderão ser tributados à taxa de5%, 10% ou 15%, enquanto que

os juros serão tributados a 10%ou 15%. Para ser aplicada aredução da taxa terão de sercumpridos os critérios definidosem cada convenção para evitar adupla tributação.

Não existe lugar a retenção nafonte dos dividendos distribuídospor uma entidade residente emterritório português, nascondições estabelecidas no artigo2º da Directiva n.º 90/435/CEE,de 23 de Julho, conforme previs-to no nº 3 do artigo 14º do CIRC,desde que sejam colocados à dis-posição de entidade residentenoutro Estado Membro da UniãoEuropeia; que esta esteja nasmesmas condições e que detenhadirectamente uma participaçãono capital da primeira não inferi-or a 15% e desde que tenha sidodetida nos dois anos anteriores àdata da colocação à disposição dos dividendos.

52 REVISORES&AUDITORES OUT/DEZ 2006

Fiscalidade

3 - Artigo 80 nº2 alínea c) do CIRC.4 - Artigo 80 nº2 do CIRC.

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OUT/DEZ 2006 REVISORES&AUDITORES 53

FiscalidadeMargarida Teixeira Pinto do Couto

O regime transitório previsto naDirectiva 2003/49/CE (regimefiscal comum aplicável a paga-mentos de juros e royalties pagosentre sociedades associadas deEstados Membros diferentes)aplica-se desde 1 de Julho de2005, data da aplicação, emPortugal, da Directiva2003/48/CE, relativa à tribu-tação da poupança sob a formade juros.

A directiva 2003/49/CE trans-posta para a legislação portugue-sa pelo Decreto-Lei nº 34/2005 de17 de Fevereiro, adita ao Códigode IRC o artigo 89º-A e altera oartigo 80º e 90º. Esta directivaprevê a isenção de imposto noEstado da fonte relativamente aospagamentos de juros entresociedades associadas de Estados--Membros diferentes, e acordocom a sua definição. Portugalbeneficia de um período tran-sitório de oito anos para a inte-gral aplicação da directiva,durante o qual as taxas deretenção na fonte, aplicáveis aopagamento de juros serão pro-gressivamente reduzidas. A partirde 1 de Julho de 2005, as taxas deretenção na fonte conforme dis-posto na alínea g) do nº 2 do arti-go 80º CIRC, que incidem sobreos pagamentos de juros efectua-dos por uma sociedade portugue-sa a uma sociedade associada dooutro Estado-Membro são asseguintes:

No caso de existirem relaçõesespeciais, a taxa reduzida ou aisenção não são aplicáveis aosjuros correspondentes ao endivi-damento considerado excessivopor força do artigo 61º do Código do IRC, conforme novare-dacção do nº 5 do artigo 80ºalínea c).

A aplicação deste regime estádependente do cumprimento devários requisitos formais queterão de ser verificados e compro-vados junto das autoridades fis-cais portuguesas.

De acordo com o artigo 90º- A doCIRC, para usufruírem das taxasacima referidas, os beneficiáriosdevem fazer prova perante a enti-dade obrigada a efectuar aretenção na fonte, até a data emque ocorre essa obrigação, apresentando os formulários pre-vistos.

No caso de não serem cumpridasem tempo oportuno as formali-dades para a redução imediata dataxa ou para a aplicação daisenção, é possível obter o reem-

bolso do impostosuportado emexcesso desde quecumpridas as for-malidades especifi-cadas na Directiva.

Ao contrário dos

lucros distribuídos, os juros pagosem condições normais de mercadosão dedutíveis para efeitos deIRC, desde que cumpram os re-quisitos do artigo 23º e 61º doCódigo do IRC.

3. Âmbito das regras de sub-capitalização

3.1 - Entidades abrangidas pelasregras da subcapitalização

O âmbito subjectivo de aplicaçãodas regras de subcapitalizaçãoengloba todas as sociedades comerciais ou civis sob a formacomercial bem como outras pessoas colectivas que exerçam atítulo principal actividades co-merciais ou industriais, residentesem território português, desdeque sejam sujeitos passivos deIRC. Neste âmbito as sucursais deentidades não residentes emEstados-Membros da UniãoEuropeia também estariamabrangidas pelas regras de sub--capitalização, independente-mente da actividade aí exercida.Desde a consagração desta normano código de IRC que existemdúvidas quanto à aplicação destasregras a estas entidades.

De acordo com uma informaçãoprévia vinculativa emanada pelaDirecção dos Serviços do IRC, emAbril de 2004 em resposta a um pedido apresentado por umsujeito passivo, foi esclarecido,que as regras de subcapitalizaçãonão se aplicam às sucursais localizadas em territórioportuguês, uma vez que nãotendo capital próprio, não é pos-sível determinar o excesso de

Período Taxa

Entre 1 de Julho de 2005 e 30 de Junho de 2009 10%Entre 1 de Julho de 2009 e 30 de Junho de 2013 5%A partir de 1 de Julho de 2013 0%

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Fiscalidade

endividamento nos termos previs-to no nº 3 do artigo 61º do CIRC.

3.2 - Relações Especiais

O nº 1 do artigo 61º do Códigodo IRC remete a definição derelações especiais para o nº 4 doartigo 58º do CIRC que abordaos preços de transferência. O con-ceito de relações especiais nãovisa exclusivamente os titularesde capital, para evitar que associedades facilmente contor-nassem a situação recorrendo aoutras entidades do grupo, oucom vínculos com os detentoresde capital.

De acordo com o artigo 58º doCódigo do IRC, considera-se queexistem relações especiais entreduas entidades quando uma temo poder de exercer, directa ouindirectamente uma influência significativa nas decisões degestão da outra, o que se conside-ra verificado, quando:

• Uma entidade e os respecti-vos titulares do capital,incluindo cônjuges, ascen-

dentes ou descendentes,detenham, directa ou indi-rectamente, pelo menos 10%do capital ou dos direitos devoto da outra sociedade;

• Pelo menos 10% do capitalou dos direitos de voto deduas entidades (estas duasserão relacionadas entre si)seja detido pela mesma entidade;

• Os membros dos órgãos soci-ais, ou administração,direcção, gerência ou fiscali-zação, de duas entidadessejam comuns ou estejamligados por casamento ouparentesco próximo;

• Entidades ligadas por con-trato de subordinação,de grupo paritário ou outrocom efeito equivalente;

• Empresas que se encontremem relação de domínio, nostermos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação deelaborar demonstrações

financeiras consolidadas;

• As actividades económicas desenvolvidas por uma entidade estejam em largamedida dependentes deoutra entidade (devido àexistência de dependênciacomercial, financeira, profissional ou jurídica);

• Uma entidade residente euma entidade sujeita aum regime fiscal privilegia-do5, constante da listaaprovada pelo Ministrodas Finanças.

As actividades económicas deuma entidade dependem substan-cialmente de outra, quando:

• Existe cedência de direitosde propriedade industrial,intelectual ou know-how(por exemplo contrato defranchising);

• O aprovisionamento de matérias-primas, acessoa canais de venda de

5 - Quando o imposto pago relativamente às importâncias pagas ou devidas for igual ou inferior a 60% do IRC.

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FiscalidadeMargarida Teixeira Pinto do Couto

produtos, mercadorias ouserviços é depende de outra;

• A actividade só se poderealizar com ou dependede decisões da dominante;

• Por imposição constante deacto jurídico, uma tem odireito de fixar os preços daoutra ou condições de efeitoeconómico equivalentes;

• Existência de termos oucondições comerciais oujurídicas através dos quaisuma condiciona as decisõesda outra em função de factos ou circunstânciasalheias à própria relação comercial ou profissional.

O nº 2 do artigo 61º do CIRCequipara a existência de relaçõesespeciais a uma terceira entidadenão residente em território português ou em outro Estado--Membro da União Europeia,

quando assume a posição definanciadora de uma entidade residente, sempre que tenha sidoprestado aval ou garantia poruma das entidades referidas nonº4 do artigo 58º do CIRC. Estacláusula é idêntica às do tipo"back-to-back-financing".

Para efeitos do cálculo da participação indirecta no capitalou nos direitos de voto atrásreferida, nas situações em quenão há regras especiais definidas,são aplicáveis os critérios previs-tos no n.º 2 do artigo 483.º doCódigo das SociedadesComerciais.

3.3 - Coeficiente de endividamento- cálculo do capital próprio e doendividamento

O cálculo do coeficiente de endi-vidamento é efectuado com basenuma fracção. No numeradorconsta endividamento dasociedade residente para com

uma entidade não residente emterritório português ou em outroEstado-Membro da UniãoEuropeia, com a qual existamrelações especiais e no denomi-nador o valor da correspondenteparticipação no capital próprioda sociedade.

Para efeitos da determinação doendividamento relevante de acor-do com o nº 4 do artigo 61º sãoconsideradas todas as formas decrédito, em numerário ou emespécie, qualquer que seja o tipoe forma de remuneração acorda-da, incluindo os créditos resul-tantes de transacções comerciaisquando decorridos mais de seismeses após a data do respectivovencimento, desde que concedidospor entidade com a qual existemrelações especiais. As regras desubcapitalização são aplicadasquando o endividamento ultra-passar em qualquer data do exer-cício, o dobro da correspondenteparticipação no capital próprio.

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56 REVISORES&AUDITORES OUT/DEZ 2006

Fiscalidade

De acordo com o nº 5 do artigo61º do CIRC a expressão "capitalpróprio" engloba as rubricas constantes do balanço designada por capital próprio ousituação líquida de acordo com oPlano Oficial de Contabilidade eos princípios contabilísticos geral-mente aceites em Portugal, comexcepção das mais ou menosvalias potenciais ou latentes,nomeadamente as resultantes dereavaliações técnicas ou outrasque não tenham por base umdiploma de natureza fiscal, e osajustamentos que resultem daaplicação do método da equivalência patrimonial. Assim,para cálculo do capital próprioconsidera-se o capital social subscrito e realizado, assim como

as demais rubricas de acordo coma regulamentação contabilísticaem vigor, excepto as quetraduzem mais ou menos valiaspotenciais ou latentes.

O legislador não especificou umadata de referência para cálculo docapital próprio. Analisandovárias legislações estrangeiras,será razoável considerar que omontante do capital próprio sejadeterminado pela média aritméti-ca dos montantes que figuram emdois balanços consecutivos.

Para cálculo dos coeficientes deendividamento em relação a cadaentidade não residente em ter-ritório português ou em outroEstado-Membro da União

Europeia com as quais existamrelações especiais6, deve-se pro-ceder à determinação prévia dascorrespondentes proporções docapital próprio, tendo em consideração as percentagens departicipação detidas por cadauma daquelas entidades.O coeficiente de endividamentorepresenta um limite de isenção,dado que as consequências fiscaisapenas se aplicam à parte doendividamento que ultrapasse olimite legalmente estabelecido, ouseja, o dobro do valor da partici-pação no capital próprio dasociedade.

4. Consequências fiscais dasregras da subcapitalização

6 - De acordo com o nº4 do Artigo 58º e nº2 do Artigo 61º do CIRC.

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FiscalidadeMargarida Teixeira Pinto do Couto

O artigo 61º do CIRC tem comoconsequência fiscal quando existeendividamento excessivo, paracom uma entidade não residenteem território português ou emoutro Estado-Membro da UniãoEuropeia, com a qual existamrelações especiais, a não conside-ração para efeitos fiscais da deter-minação do lucro tributável docusto dos juros correspondente aomontante do excesso do endivida-mento. O montante deve ser cal-culado com referência ao períodoem que o coeficiente for ultrapas-sado. O custo dos juros que nãocorrespondem ao excesso de endi-vidamento apenas são considera-dos para efeitos da determinaçãodo lucro tributável, se compro-vadamente forem indispensáveispara a realização de proveitos ouganhos sujeitos a imposto oupara a manutenção da fonte produtora.Para o montante dos juros seremaceites fiscalmente temos de terem consideração as regras de

preços de transferência, dadoestarmos perante existência derelações especiais.

Nestes casos devem ser contrata-dos, aceites e praticados termosou condições substancialmenteidênticos aos que normalmenteseriam contratados aceites e praticados entre entidades independentes em operaçõescomparáveis.

A alínea j) do nº 1 do artigo 42ºdo CIRC e a Portaria 184/2002de 4 de Março, prevêem que nocaso da não aplicação das regrasdos preços de transferência, nãosejam aceites como custo os jurosde suprimentos efectuados pelossócios à sociedade, na parte queexcedam o valor correspondente àEuribor a 12 meses do dia da constituição da dívida, acrescidade um spread de 1,5%.Excepto nos casos de endivida-mento com entidades residentesem território ou região com

regime fiscal claramente maisfavorável, que constem de listaaprovada por Portaria doMinistro do Estado e dasFinanças, o contribuinte pode efectuar a prova prevista no nº 6do artigo 61º do CIRC. Nesta situação os juros relativos aoexcesso de endividamento serãoconsiderados para efeitos dadeterminação do lucro tributável.

O ajustamento deve ser efectuadopelo sujeito passivo na sua decla-ração de rendimentos7 apresen-tada anualmente, na linhanúmero 254 com o nomeSubcapitalização (artº 61.º, nº1)".

Para melhor entendimento apre-sento abaixo um exemplo da aplicação das regras de subcapi-talização, com uma entidade resi-dente num país terceiro, nãosujeito a um regime fiscal clara-mente mais favorável.

7 - Declaração do Modelo 22

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Fiscalidade

No exemplo supra como podemosverificar estamos perante umasituação de endividamento exces-sivo. No caso do contribuinte nãoter a prova prevista no nº 6 doartigo 61º do CIRC, para integraro processo de documentação fiscalconforme disposto no nº 7 domesmo artigo, terá de acrescerpara efeitos da determinação dolucro tributável o montante de132.887,91 Euro.5. Condicionantes do regimeda subcapitalização

5.1 - Possibilidade de derrogaçãodas normas de subcapitalização

O nº 6 do artigo 61 do CIRCprevê a possibilidade de derrogar o nº 1, desde que exce-dido o coeficiente e caso o sujeitopassivo demonstre que tendo emconsideração o tipo de actividade,

o sector em que se insere, adimensão e outros critérios con-siderados pertinentes, poderia terobtido o mesmo nível de endivi-damento em condições análogaspor uma entidade independente.Esta derrogação não é aplicávelpara as entidades residentesempaís, território ou região comregime fiscal claramente maisfavorável, que constem de listaaprovada por portaria peloMinistro do Estado e dasFinanças.

A prova deve compreender ele-mentos da própria empresa ouelementos do exterior, nomeada-mente declarações de entidadesfinanceiras, dados relativos aempresas comparáveis ou outros considerados convenientes. Aprova de acordo com o dispostono nº 7 do artigo 61º deverá serintegrada no processo de docu-

mentação fiscal. No caso decumprimento destes requisitos osjuros referentes ao endividamentoconsiderado excessivo, serão con-siderados dedutíveis para efeitosda determinação do lucro tributável.

Antes das alterações introduzidaspela Lei n.º 60-/2005, de 30 deDezembro, a prova tinha de serapresentada no prazo de 30 diasapós o termo do período de tributação.

A lei oferece a possibilidade aossujeitos passivos de não se subor-dinarem ao coeficiente de endivi-damento fixo, tendo em consider-ação o princípio do "arm'slength", que apela à comparabili-dade com a situação que se veri-ficaria entre empresas indepen-dentes em condições de mercadoe em circunstâncias análogas.

Esta possibilidade visa ate-nuar os efeitos da fixação deum único coeficiente deendividamento, que nãoreflecte as particularidadesde cada ramo de actividade,à dimensão das empresas eoutros critérios relevantes.

5.2 - As regras de subcapitali-zação para as sucursais denão residentes

Conforme já foi referidoanteriormente, de acordocom uma informação vincu-lativa dos Serviços de IRC,foi clarificado que as regrasde subcapitalização não se

SUBCAPITALIZAÇÃO - art. 61.º

Descrição X-REF Empresa Credora

Participação emp. com relações especiais 95,00%Capital próprio do sujeito passivo 6.628.065,64

6.296.662,36

Valor referência excesso endividamento 12.593.324,72Valor do empréstimo 17.908.841,23Créditos resultantes de operações comerciais (1) 0,00Excesso endividamento 5.315.516,51

Coeficiente de endividamento 2,84

Juros 447.721,03Percentagem de não dedutíveis 30%

132.887,91

(1) Não existem créditos de operações comerciais vencidos há mais de 6 meses.

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aplicam às sucursais localizadasem território português. Assucursais são formas locais derepresentação, logo são entidadesdesprovidas de personalidadejurídica, distinta da sociedadenão residente, não podendo, figu-rar como partes em quaisquercontratos.

Assim, as transferências entre asede e o estabelecimento estáveldeverão ser consideradas comomeros movimentos internos, semrelevância jurídica.

Embora a lei não excluísse os estabelecimentos estáveis doâmbito da aplicação das regras desubcapitalização, existiam algu-mas dificuldades de aplicação,por não existirem critérios orien-tadores que permitissem avaliar onível de endividamento, sobretu-do por não existirem normas

relativas à dotação do capital doestabelecimento estável, comexcepção, das sucursais financeiras de entidades fora dacomunidade europeia.

Estas entidades pelo facto deestarem sujeitas a supervisão doBanco de Portugal têm dotaçãode capital.

A informação vinculativa refereque não tendo a sucursal capitalpróprio, não é possível determi-nar o excesso de endividamento ecomo tal não se aplica as regrasda subcapitalização. Contudo anão aplicação destas regras nãoprejudica a aplicação das regrasrelativas aos preços de transferên-cia, ao abrigo do nº 9 do artigo58º do CIRC. A não aplicaçãodesta regra é contrabalançadacom o reforço em matéria de

preços de transferência, do princí-pio da equiparação a empresaindependente ao assemelhar asrelações internas a verdadeirasrelações jurídicas.

5.3 - Princípio da Liberdade de Estabelecimento

As regras de subcapitalização atéa alteração efectuada pela Lei n.º60-A/2005, de 30 de Dezembro, aplicava-se a todas as entidadesnão residentes, pelo que violava aliberdade de estabelecimento.

O Acórdão do Tribunal deJustiça das ComunidadesEuropeias (que faz jurisprudênciade aplicação obrigatória em todoo território da União Europeia)de 12 de Dezembro de 2002, nocaso Lankhorst-Hohorst GmbH,determina que as regras de sub-

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60 REVISORES&AUDITORES OUT/DEZ 2006

Fiscalidade

capitalização constantes doCódigo do Imposto sobre asSociedades alemão (que eram emtudo semelhantes às previstas noCódigo do IRC) violavam oprincípio da liberdade de estabelecimento8.

A norma alemã descrimina osjuros pagos por uma filial resi-dente a uma sociedade-mãe nãoresidente, dos juros pagos poruma filial residente a umasociedade-mãe residente (as quaispodem beneficiar de crédito deimposto). A norma alemã prevê areconversão dos juros em dividen-dos.

Existe violação da liberdade deestabelecimento sempre que umafilial tem um tratamento menosfavorável em termos fiscais, pelo

facto da sociedade mãe ter a suasede num Estado-Membro diferente daquele onde a filialestá estabelecida. Esta diferençade tratamento constitui umobstáculo à liberdade de estabe-lecimento, em princípio proibidapelo artigo 52º CE.

A norma portuguesa à semelhança da Alemã previa umtratamento menos favorável paraas empresas que tinham a suasede num Estado-Membro diferente, do que para as residentes, pelo que violava odireito comunitário nestamatéria, sempre que a entidadecredora e devedora fossem residentes na União Europeia.

5.4 - Princípio da NãoDescriminação

As regras de subcapitalizaçãocomo apenas incidem sobre ofinanciamento concedido porentidades que existam relaçõesespeciais não residentes em território português ou em outroEstado-Membro da UniãoEuropeia, entram em conflitocom o parágrafo 4 e 5 do artigo24º do Modelo de Convenção daOCDE.

O parágrafo 4 do artigo 24º doModelo da Convenção refere queos juros pagos por uma empresade um Estado contratante a umresidente de outro Estado con-tratante, serão dedutíveis paraefeitos da determinação do lucrotributável, como se fossem pagos

8 - Previsto no artigo 43º do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

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a um residente do mesmo estado,com excepção da aplicação doparágrafo 1 do artigo 9º e pará-grafo 6 do artigo 11º. A aplicaçãodas regras de preços de transferência estão excluídas daaplicação do artigo 24º, por issonão viola o princípio da nãodescriminação.

Para evitar a violação do princí-pio da não descriminação, nosacordos mais recentes de DuplaTributação, Portugal negociou ainclusão de uma cláusula especialque salvaguarda a aplicação doregime interno da subcapitaliza-ção, nestes casos as regras podemser aplicadas sem violar o princí-pio da não descriminação.

Os acordos de Dupla Tributaçãoassinados por exemplo com aÁustria, Brasil, Finlândia,França, Noruega, Suiça, ReinoUnido e Venezuela, não incluemuma cláusula similar a do pará-grafo 4 do artigo 24º.

5.5 - Princípio da Eliminação daDupla Tributação

O risco de dupla tributação deri-va dos juros serem tributados naesfera do devedor (estado daorigem) como parte integrante dabase de imposto sobre os lucros ena esfera do credor (estado deresidência). No caso de o Estadode residência não reconhecer oajustamento efectuado peloEstado da fonte como justificado,estamos perante uma dupla tributação económica resultanteda tributação dos juros em ambosos Estados.

No caso de existir convenção paraevitar a dupla tributação, estapode ser eliminada através doajustamento correspondente, deacordo com o parágrafo 2 do arti-go 9º da Convenção da OCDE,no caso da disposição estar incluí-da na convenção e o estado deresidência do credor aceitar a jus-tificação correspondente às cor-recções efectuadas pelo estado dafonte ao abrigo da sua lei interna.No caso do estado de residêncianão reconhecer pode-se recorrerao procedimento amigável previs-to no artigo 25º do Modelo daConvenção da OCDE, emboraeste procedimento não vincule osestados a chegar a um acordo.

6 - Preços de Transferência

As regras de subcapitalizaçãocomo já referimos apenas se apli-cam sempre que estejamos peran-te entidades com relações especi-ais conforme definido no nº 4 doartigo 58º do CIRC e nº 2 doartigo 61º do CIRC.

O nº 6 do artigo 61º do CIRCprevê a possibilidade dos sujeitospassivos demonstrarem que nocaso de excedido o coeficiente,teriam obtido o mesmo nível deendividamento de uma entidadeindependente em condiçõesanálogas. Esta possibilidade vaiao encontro do artigo 9º doModelo da Convenção da OCDE,para garantir o princípio da plenaconcorrência. O ajustamento efectuado ao lucro tributável aoabrigo das regras de subcapita-lização, apenas deve incidir sobre

os juros superiores as condiçõesnormais de mercado.

As regras de Preços deTransferência previstas no artigo58º do CIRC e na Portaria 1446-C/2001 de 21 de Dezembro, serãoaplicados a todo o endividamentoe não apenas a parte do excesso.O contribuinte tem de provar queas condições praticadas, são subs-tancialmente idênticas as queseriam contratadas entre enti-dades independentes. Caso estasregras não fossem adoptadas,podíamos ter entidades comtaxas de juro superiores ao mer-cado e apenas seria acrescido aparte referente ao excesso de endividamento.

No Anexo H da declaração anualde informação contabilística e fis-cal, relativo a operações com não residentes o sujeito passivo devedeclarar o montante de excessode endividamento9 nos termosprevisto no artigo 61º do CIRC ese efectuou a prova prevista no nº6 do mesmo artigo. No caso docontribuinte ter um volume anualde vendas líquidas superior a3.000.000 Euro fica obrigado aconstituir um dossier fiscal depreços de transferência, no qualdeve constar os comprovativosdas condições de mercado.

9 - Quadro 033, na terceira rubrica, capo H127

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7 - Artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais -Perda de Metade do Capital

O Decreto-Lei nº 237/2001 de 30de Agosto, fixou a entrada emvigor do artigo 35º do CSC, foialterado pelo Decreto-Lei nº162/2002 de 11 de Julho, queprevê a dissolução automática dasociedade para os casos em que ocapital próprio se mantenha a umnível igual ou inferior a metadedo capital social durante doisexercícios consecutivos, produzin-do efeitos a partir de 2005, devido ao período de adaptaçãoconcedido.

Esta medida visa incentivar o financiamento das empresasatravés dos capitais próprios emvez do recurso aos capitaisalheios. O Decreto-Lei nº19/2005 de 18 de Janeiro, altera

uma vez mais a redacção do arti-go 35º, eliminando a dissoluçãodas sociedades cujo capitalpróprio se tivesse mantido,durante dois anos consecutivos,num nível abaixo de metade docapital social, como uma dasmedidas a propor obrigatoria-mente aos sócios.

Sempre que se verifique a perdade metade do capital social, osgerentes, administradores oudirectores devem convocar aassembleia geral, de modo ainformarem os sócios da situaçãoe os mesmos tomarem as "medi-das adequadas". Da convocatóriada assembleia geral, devem constar pelo menos a dissoluçãoda sociedade, redução do capitale entradas por reforço de capital.

No caso da medida adoptada fora entrada por reforço de capital

aumenta o património dasociedade, consequentemente temimpacto no cálculo do coeficientede endividamento podendo sanaruma eventual situação desubcapitalização.

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Conclusão

As regras de subcapitalizaçãotêm como objectivo evitar situ-ações de abuso originadas peloendividamento excessivo junto deentidades com as quais existamrelações especiais não residentesem território português ou emoutro Estado-Membro da UniãoEuropeia, procurando tirar van-tagem do tratamento maisfavorável dos juros em relação aosdividendos.

Neste trabalho procuramosmostrar o tratamento fiscal dosjuros e dos lucros distribuídos,efectuamos o enquadramento dasregras de subcapitalização,demonstramos as condicionantesda sua aplicação e as respectivas consequências fiscais.

Como podemos verificar estanorma viola o princípio da nãodescriminação previsto naConvenção da OCDE. Dado con-ceder um tratamento diferenciadoaos empréstimos concedidos auma sociedade pelos sócios resi-dentes e não residentes em outroEstado-Membro da UniãoEuropeia em situações análogas,o que não é justificável. Até à alteração efectuada pela Lein.º60-A/2005 de 30 de Dezembro,as regras de subcapitalização ape-nas não se aplicavam àssociedades residentes, pelo queviolava também o princípio da liberdade de estabelecimento.

No plano interno também podemverificar-se situações de evasãofiscal, na forma de financiamento

das sociedades pelos sócios, peloque seria conveniente que asregras de subcapitalização tam-bém abarcassem os casos de endi-vidamento de uma sociedadejunto dos sócios residentes emterritório português e em outroEstado-Membro da UniãoEuropeia.

Esta norma necessita de ser equa-cionada, na minha opinião julgoque o futuro será harmonizar estanorma de forma a ser aplicada atodas as entidades, para assim seevitarem discriminações e formasde concorrência desleal.