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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA ANTÔNIO ARAÚJO SOBRINHO O OLHO E O CÉU CONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE ASTRONOMIA NO NÍVEL MÉDIO Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, área de Ensino de Física e Astronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Jafelice NATAL 2005

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIASNATURAIS E MATEMÁTICA

    ANTÔNIO ARAÚJO SOBRINHO

    O OLHO E O CÉUCONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE ASTRONOMIA NO NÍVEL MÉDIO

    Dissertação apresentada como requisitoparcial à obtenção do grau de Mestre emEnsino de Ciências Naturais e Matemática,área de Ensino de Física e Astronomia,Universidade Federal do Rio Grande doNorte.

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Jafelice

    NATAL 2005

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  • ANTÔNIO ARAÚJO SOBRINHO

    OLHO E O CÉUCONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE ASTRONOMIA NO NÍVEL MÉDIO

    Dissertação apresentada como requisitoparcial à obtenção do grau de Mestre emEnsino de Ciências Naturais e Matemática,área de Ensino de Física e Astronomia,Universidade Federal do Rio Grande doNorte.

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Jafelice

    APROVADA EM: 15/08/2005

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________________Prof. Dr. Luiz Carlos Jafelice

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    ____________________________________________Prof. Dr. José Ronaldo Pereira da Silva

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

    ____________________________________________Prof. Dr. Ciclamio Leite Barreto

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

  • O aspecto mais triste da vida de hoje é que a ciência ganha em conhecimento mais

    rapidamente que a sociedade ganha em sabedoria .

    (Isaac Azimov)

    Dedico este trabalho a meus filhos Talita e George e a todos meus alunos e alunas de

    ontem e de hoje, que com suas indagações e inquietações sempre me estimularam na busca

    por um melhor desempenho do trabalho educativo.

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO 9

    2 AS CIÊNCIAS E OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS 13

    3 A ASTRONOMIA E OS TEXTOS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO 16

    4 A ASTRONOMIA E A INTERDISCIPLINARIDADE 20

    5 O OLHO E O CÉU 23

    5.1 A observação do céu a olho nu 23

    5.2. Uma noite sem luar longe dos centros urbanos 24

    5.3. Uma noite de lua cheia 26

    5.4 A observação do céu com equipamentos 26

    5.5 O olho: o mais importante instrumento de observação da Astronomia 29

    5.6 O trabalho observacional 31

    5.7 A observação da Lua com instrumentos astronômicos 37

    5.8 A observação dos planetas 35

    5.9 A observação das estrelas 36

    6 PARA ALÉM DA OBSERVAÇÃO ÓPTICA 39

    7 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS 42

    REFERÊNCIAS 45

    APÊNDICES 50

    ANEXOS 63

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    1 Observação do céu a olho nu 25

    2 Representação de um olho humano 29

    3 Espectro eletromagnético 40

    4 Representação de um olho normal 54

    5 Representação de olho míope 54

    6 Representação de um olho hipermétrope 54

    7 Representação da obtenção da imagem de um objeto distante por uma

    luneta através da lente objetiva e sua visualização pela ocular. 57

    8 Representação da obtenção da imagem de um objeto distante por um

    telescópio newtoniano através de um espelho esférico (objetiva) e sua

    visualização pela ocular. 58

    9 Representação de um observador fazendo uso do telescópio de

    Cassegrain 58

    10 Uso do telescópio newtoniano em aula de treinamento com docentes 59

    11 A luneta de Galileu 64

    12 O telescópio de Newton 64

    13 O maior telescópio refrator do mundo 65

    14 O maior telescópio Russo 66

    15 O maior telescópio refletor do mundo 67

    16 Telescópio Espacial Hubble 68

    17 O maior telescópio brasileiro 69

    18 O VLT 70

    19 Cartaz explicativo sobre o eclipse solar de 11/08/1999 71

    20 Observação da formação das imagens na lente convergente 75

    21 Observação da formação das imagens na lente divergente 75

    22 Simulação dos raios luminosos incidindo num espelho plano 76

    23 Obtenção da imagem no espelho côncavo 76

  • TABELAS

    1 Análise dos textos didáticos, volume único, referentes a Astronomia 19

    2 Análise dos textos didáticos, coleção de três volumes, referentes a Astronomia 19

    3 Alguns dos telescópios mais famosos da história 61

    4 Atividades realizadas em Óptica Básica e História da Óptica no FIC 73

    5 Atividades realizadas em Instrumentos Ópticos e Astronomia no FIC 73

    6 Material utilizado em Óptica Básica e História da Óptica no FIC 74

    7 Material utilizado em Instrumentos Ópticos em Astronomia no FIC 74

    8. Principais dados do sistema solar 80

  • LISTA DE SIGLAS

    ANRA: Associação Norte-Rio-grandense de Astronomia

    CEFET-RN: Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte

    COBE: Cosmic Background Explorer (Explorador da Radiação Cósmica de Fundo)

    DFTE: Departamento de Física Teórica e Experimental

    EUA: Estados Unidos da América

    FIC: Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti

    GREF: Grupo de Reelaboração do Ensino de Física

    MG: Minas Gerais

    NASA: National Aeronautic Space Administration: Agência de Administração

    Espacial dos Estados Unidos da América

    PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais

    PPGECNM-UFRN: Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais e

    Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    RN: Rio Grande do Norte

    UERN: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

    UFRN: Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    VLT: Very Large Telescope (sigla inglesa, cujas palavras significam: Telescópio

    Muito Grande)

  • AGRADECIMENTOS

    Durante o curso de pós-graduação não foram poucas as pessoas que

    contribuíram, cada uma a seu modo, para que eu chegasse ao presente

    estágio. Gostaria, portanto, de usar este espaço para agradecer a quem me

    apoiou e ajudou a realizar este desejo.

    i Ao Professor Luiz Carlos Jafelice, pela firmeza e dedicação com que me

    conduziu em todo o desenvolvimento do trabalho durante o curso.

    i A Minha esposa Nanci Barbosa Ferreira Araújo, pelo constante apoio e

    incentivo, tão necessários, nos momentos difíceis.

    iA professora, Leonor de Araújo Bezerra Oliveira e ao professor Luis

    Ferdinando Patriota, pelas revisões de redação do texto em português e do

    Abstract em inglês, respectivamente.

    i Aos Professores Luis Seixas das Neves e Gilvan Luiz Borba, por terem tido

    ouvidos sempre abertos aos problemas enfrentados e palavras de apoio

    durante o desenrolar do curso.

    i Aos amigos Gustavo Fontoura de Souza e Milton Thiago Schivani Alves,

    pelo auxílio nos trabalhos de ilustração e organização do texto.

    i Aos colegas Antonio Moreira Barros e Tércio de Lima Silva, pela troca de

    idéias durante todo o curso de mestrado.

    i A colega de Mestrado: Geneci Cavalcante Moura de Medeiros pelas

    discussões e troca de idéias referentes à aplicação de nosso trabalho na

    Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti.

  • i Aos professores e professoras que participaram das atividades durante o

    curso de treinamento na Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti,

    em especial, aos professores Edrobledo José da Silva (Edi) e José Marcos

    da Silva, pelas discussões posteriores relacionadas com a Astronomia, a

    prática docente e aprimoramento das idéias em suas aulas.

    i Aos amigos: Antônio Carlos Miranda e José Ronaldo Pereira da Silva, pela

    troca de idéias durante o desenvolvimento do trabalho de dissertação.

    i Aos amigos e colegas de mestrado: Albano Oliveira Nunes, Francisco de

    Assis Nobre e Francisco Valdomiro de Morais, pelo diálogo e trocas de idéias

    que estimularam a superação de momentos difíceis durante todo o curso.

    i A meus pais José e Francisca e a todos os irmãos, pelo carinho e incentivo

    sempre presente.

  • RESUMO

    No presente trabalho estuda-se o comportamento dos instrumentos ópticos

    a partir do olho humano, considerado o mais importante dentre os instrumentos de

    observação visual. O trabalho se desenvolve a partir de uma análise dos Parâmetros

    Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), de como os textos didáticos

    trabalham a óptica e a Astronomia e faz uma proposta didática para o ensino de

    óptica fundamentado nos equipamentos da astronomia. O propósito é que os

    experimentos aqui propostos possam ser aplicados no Ensino Médio, dentro da

    realidade educacional das escolas públicas ou privadas de nosso Estado e também

    do País. Tal proposta foi aplicada e discutida como parte de um projeto de

    treinamento mais amplo na Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti, em

    Natal, no ano de 2003. Na ocasião trabalhou-se com uma equipe interdisciplinar de

    professores do ensino médio, na qual foram aplicados dois módulos: Óptica básica e

    a História da Óptica, no primeiro momento e Instrumentos Ópticos em Astronomia,

    no segundo. Em outra oportunidade, com estudantes de segundo ano do nível

    médio, no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte, o

    trabalho realizado e os temas abordados foram semelhantes. Em ambos os casos,

    a contextualização e os fatos históricos, que propiciam um melhor conhecimento e

    compreensão de que o olho é o início e o fim de qualquer estudo relacionado com a

    visão, foram destacados. Para atingir os objetivos foram usados materiais de fácil

    manuseio e aquisição. Técnicas e procedimentos didáticos contextualizados com a

    realidade vivencial de estudantes e professores também se fizeram presentes. Os

    recursos e práticas implementados se mostraram relevantes na contribuição de uma

    efetiva realização de um ensino interdisciplinar e contextualizado de acordo com o

    que reza os PCNEM. Enfatiza-se a integração da teoria com a prática durante todo o

    desenvolvimento da proposta por considerar-se que tal procedimento tende a

    facilitar o processo de ensino-aprendizagem, bem como a fazer o estudante sentir a

    aplicação do conhecimento no dia-a-dia.

    Palavras-chave: Olho. Céu. Observação astronômica. Telescópio.

  • ABSTRACT

    In the present work we analyze the behavior of optical instruments

    beginning with the human eye, the most important tool among the visual observation

    instruments. This work develops from an analysis of the Parâmetros Curriculares

    Nacionais para o Ensino Médio do Brasil (PCNEM) (Brazilian National Guidelines to

    High-School Teaching) on how didactic texts work optics and astronomy and it

    makes a didactical proposal on how to teach optics based on astronomy equipments.

    The purpose is that the experiments proposed here may be applied to the high

    school teaching, according to the educational reality of the public and private schools

    in our state and also in our country. Such a proposal was applied and discussed as

    part of an in-service training project at the Escola Estadual Professor Francisco Ivo

    Cavalcanti, in Natal. In that occasion we worked with an interdisciplinary team of high

    school teachers, in which we applied two modules; in the first one: Basic Optics and

    History of the Optics; and in the second one: Optical Instruments and Astronomy. In

    another opportunity, with second year high school students of the Centro Federal de

    Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte, we worked out similar approach and

    themes. In both cases the contextualization and the historical facts, which provide a

    better knowledge and understanding of the eye as the beginning and the end of any

    study related to vision, were pointed out. To reach our goal, we used easy-handled

    materials which were also easy to acquire. We further adopted techniques and

    didactic procedures contextualized with the daily reality of students and teachers.

    The resources and practices implemented were relevant to the contribution of an

    effective achievement of an interdisciplinary teaching and a contextualization

    according to which the PCNEM preaches. We emphasize the integration of theory

    and practice during all the development of this proposal, because we consider that

    such a procedure tends to facilitate the learning-teaching process, as well as it tends

    to make the student feels the application of the knowledge in daily life.

    Key-words: Eye. Sky. Astronomic observation. Telescope.

  • 9

    1 INTRODUÇÃO

    O presente trabalho procura destacar a história e a importância da

    observação do céu a olho nu e com equipamentos, levando-se em consideração o

    uso adequado e saudável dos olhos e também a utilização de equipamentos de

    observação astronômica. Diferentemente dos textos didáticos em uso, propõe-se um

    estudo em que se trabalhe os aspectos sócio-culturais e históricos que caracterizam

    a observação celeste.

    Enfatiza-se a importância do olho como ponto de partida para qualquer

    observação e propõe-se, na seqüência, que se trabalhe a ampliação do alcance

    visual através dos aparatos tecnológicos. Ao mesmo tempo, não se consideram os

    produtos da tecnologia como sendo mais importantes que o próprio olho, nem

    tampouco se consideram as culturas detentoras dessa tecnologia mais importantes

    que as culturas que nos antecederam, por não conhecerem esses aparatos. É

    praticamente indiscutível afirmar que a Astronomia é a mais antiga das ciências.

    Assim, a observação a olho nu teve e tem contribuído para que nos sintamos mais

    integrados ao cosmo e nos coloquemos em harmonia com o conhecimento legado

    por nossos antepassados.

    Sabe-se que muito do conhecimento que temos do céu se deve a

    observações feitas, ao longo dos tempos, com a vista desarmada (esta é uma

    expressão típica em Astronomia para significar observação a olho nu). As diversas

    culturas tinham as suas maneiras diferentes de ver o céu e associavam os

    acontecimentos aí ocorridos com os acontecimentos aqui da Terra. Assim, criaram,

    no céu, a morada dos deuses; associaram eventos da natureza, como eclipses e

    aparecimentos de cometas, a castigos divinos e deram explicações próprias para a

    criação do mundo, para eles, o universo. A olho nu identificaram estrelas e planetas,

    chamados de astros errantes, em função do movimento diferente destes com

    relação às estrelas. Assim, catalogaram estrelas e, através da imaginação

    associaram supostos agrupamentos de estrelas, que julgavam próximas, com

    fenômenos ou figuras legendárias, então criando, assim, as constelações.

  • 10

    Acredita-se que o estudo das lentes1 e espelhos, em particular, possibilitou

    não apenas o aumento de nossos limites de observações visuais, como também

    contribuiu para um melhor conhecimento dos processos da visão, para um

    aperfeiçoamento dos instrumentos ópticos e, conseqüentemente, também para a

    melhoria nos tratamentos de saúde visual. Associados ao estudo da gravitação, os

    instrumentos ópticos possibilitaram avanços nos campos da pesquisa espacial,

    aeronáutica, meteorologia, telecomunicações e comunicações, dentre outros ramos

    da tecnologia.

    Destaca-se que todo o aparato tecnológico de hoje seria inconcebível sem

    os supostos erros e contradições que a humanidade teve ao longo de sua história.

    Daí não se poder afirmar que nosso conhecimento seja superior ao de nossos

    antepassados. Pode-se até afirmar que a construção desse conhecimento é que nos

    faz admirar aqueles que nos precederam com suas contribuições.

    Também se sabe que os produtos das pesquisas da Astronomia têm

    aplicações em várias atividades científicas e em vários outros ramos da tecnologia.

    O conhecimento do céu nas sociedades ao longo dos tempos exerce influência

    direta ou indiretamente na nossa vida como um todo. Como alguns exemplos dessa

    intricada relação, podemos citar: o espelho côncavo do dentista, as lentes dos

    oculistas, as comunicações à distância, a fotografia, a astrofotografia, a gravitação, a

    pesquisa espacial com os satélites de telecomunicações, a espectrofotometria, a

    identificação dos elementos químicos a partir da luz dos astros e tantos outros.

    Analisando-se o que foi citado acima, surgem as seguintes indagações:

    Como a Astronomia é apresentada no Ensino Médio? Como acreditamos que deva

    ser inserida? O que e como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam

    acerca dos conhecimentos astronômicos e a inserção do estudante no contexto do

    Brasil e do mundo em constante transformação?

    Ao longo de alguns anos de estudos, constata-se que pouco espaço é

    dedicado nos livros de Ensino Médio à Astronomia (em poucos destes livros tal

    espaço chega a ser superior a 6%). O olho humano é tratado como sendo um caso

    1 Neste sentido, o trabalho de Cox e DeWeerd (2003) mostra semelhanças com o que aqui se propõe no que se referea como se trabalhar as lentes dentro de uma perspectiva educacional, ao sugerir atividades coerentes com odinamismo das aplicações no cotidiano.

  • 11

    isolado, sem a devida e merecida relevância como o mais importante instrumento de

    observação visual. Os textos também seguem uma seqüência rígida e imutável. Tal

    seqüência dificulta a compreensão por parte do educando no que concerne aos

    fenômenos e instrumentos ópticos. Os experimentos, quando são propostos,

    aparecem como um caso a parte, dissociados da realidade vivenciada por

    professores.

    A experiência profissional tem demonstrado que, em muitos casos, existem

    docentes que desconhecem as mais simples atividades práticas que possam tornar

    as aulas mais interessantes e consigam fazer com que o conhecimento seja mais

    atrativo e significativo para o estudante. Deve-se salientar que o aprendizado efetivo

    e significativo é aquele em que o estudante consegue incorporar o conhecimento

    científico sem vê-lo de forma abstrata e fora da realidade de seu cotidiano, ao

    mesmo tempo em que não vê desprezado o conhecimento intuitivo extra-escolar.

    Este projeto de pesquisa procura analisar como o conhecimento de

    Astronomia pode ser contextualizado com o olho humano e que interações podemos

    fazer com os instrumentos ópticos para trabalhar os conteúdos da Astronomia a

    partir de elementos mais simples e concretos dentro da realidade vivenciada por

    estudantes, sem com isto, no entanto, omitir o caráter científico necessário que se

    propõe para uma melhor compreensão do mundo.

    Procurando trabalhar de forma integrada a teoria e a prática, acredita-se

    que dessa forma o aprendizado poderá ser mais significativo e contextualizado com

    a realidade vivencial dos estudantes. Propõem-se materiais que estejam dentro do

    contexto econômico e pedagógico das escolas de nível médio de nosso estado,

    sejam de fácil aquisição no mercado e cujo manuseio não ofereça perigo para o

    educando. Isso não quer dizer que haja omissão na formação de atitudes

    responsáveis, como o zelo pelos materiais e equipamentos da escola; apenas que

    não se fazem necessários altos investimentos materiais para desenvolver um ensino

    de qualidade, visando atingir os objetivos educacionais que se almeja alcançar.

    Aspectos históricos, sociais, culturais e filosóficos são particularmente

    enfatizados. Os recursos e práticas sugeridos visam contribuir para a efetiva

  • 12

    realização de um ensino interdisciplinar e contextualizado que se defende nesse

    trabalho, em concordância com o que rezam os PCN.

    Trabalhou-se, segundo essa ótica, em um treinamento de professores no,

    da Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti (FIC), de Natal (RN), no ano

    de 2003. Em tal treinamento, foram enfatizadas a evolução do conhecimento, a

    história da ciência, a localização espaço-temporal dos acontecimentos astronômicos

    e suas influências para a sociedade ao longo dos tempos.

    Pretende-se, com o presente trabalho, despertar professores e estudantes

    para leituras de aspectos históricos, sociais, culturais e filosóficos associados aos

    temas estudados; contribuir para a efetiva realização de um ensino interdisciplinar e

    contextualizado no dia-a-dia escolar; e indicar material didático-pedagógico para ser

    disponibilizado para uso geral de profissionais interessados.

  • 13

    2 AS CIÊNCIAS E OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN)

    Os PCN enfatizam a necessidade de se inserir uma integração entre

    o macro e o microcosmo; suas relações com o conhecimento abstrato e com o

    concreto, no sentido de dar mais significado à interação do ser humano com a

    sociedade em que vive e com o universo. Tudo isso é um desafio que os

    docentes e toda a comunidade escolar devem buscar vencer, pois nenhum texto

    didático conseguirá dar as respostas a tudo o que se propõe. Também o docente

    deverá entender que não tem e nunca terá respostas para todas as indagações

    dos estudantes, o que não o torna menos importante em sua função social na

    educação.

    Assim os PCN se contrapõem a uma falsa realidade, vivenciada ao

    longo de nossa história, de que o professor é a fonte da sabedoria e da verdade

    absoluta. Nosso estudante busca modelos sólidos e inquestionáveis de verdade

    e temos consciência de que isso é impossível de se obter; quer seja na ciência

    quer seja na sala de aula, quer seja durante toda a sua vida.

    Acredita-se que tudo isso está condizente com as liberdades

    democráticas que se deseja alcançar. Que as autoridades façam por merecer o

    respeito sem a necessidade de uma obediência cega às mesmas e, também,

    que não sejam irrefutáveis as suas decisões. Almeja-se que isto esteja presente

    nas relações entre estudantes e educadores sem que se façam ausentes o

    respeito mútuo que deve caracterizar o processo de formação do ser humano.

    Entende-se que não apenas a Física, mas toda a Ciência é uma

    construção humana e é essa construção que busca dar condições necessárias,

    embora não suficientes, para a promoção de uma consciência, envolvendo

    responsabilidades sociais e éticas. Assim, não se pode considerar o

    conhecimento científico como sendo formado por dogmas inquestionáveis, ao

    mesmo tempo em que se sabe que eles são necessários e fundamentais à

    preservação de nossa espécie, sendo passíveis de revisões e discussões

    inerentes à prática científica, educativa e democrática.

  • 14

    Entende-se também que a fragmentação do ensino, ou a forma isolada

    de se trabalhar cada disciplina, não permite que se visualize o estudante como

    um todo, e dessa forma a aprendizagem não é efetivamente empreendida. Esse

    trabalho é facilitado quando a educação é apresentada com uma exploração de

    aspectos multidisciplinares. Nesse aspecto, a Astronomia é de fundamental

    importância, como a mais antiga das ciências, por ter conteúdos integradores e

    servir de elo de ligação entre praticamente todo o conhecimento científico ao

    longo da história da humanidade.

    Com este ponto de vista procura-se trabalhar a ciência como construção

    histórica e dinâmica, característica da atividade social humana, emergindo da

    cultura e buscando sua aplicabilidade no cotidiano de nosso estudante e não um

    ensino dissociado de sua vida social e familiar. Isso é importante dentro do

    mundo de competitividade em que vivemos. Quando se propõem atividades

    integradas com outras disciplinas, procura-se vivenciar o todo que constitui

    nosso estudante. Pois se sabe que a Física, ou qualquer outra ciência, tem muito

    a perder quando é estudada como uma disciplina isolada. Também não se pode

    visualizar o cientista como um ser superior aos mortais comuns. Ele é parte

    importante, e não única, no processo de manutenção da estrutura de nossa

    sociedade.

    A idéia de um ensino centrado no aluno como citado nos PCN, pressupõe

    um rompimento com a educação bancária, muita bem definida por Paulo Freire, em

    que a mente do estudante é vista como um banco, onde o professor deposita os

    seus conhecimentos. A presente proposta está em concordância com aquela idéia

    explicitada nos PCN, sem acreditar, contudo, que, assim sendo, ocorra uma

    descaracterização do trabalho educativo do professor e da escola. Julga-se, assim,

    que possa haver um diálogo mais efetivo na construção conjunta do conhecimento,

    onde o centrado no aluno não signifique negligência ao ambiente escolar e à

    figura e importância do professor enquanto participante ativo no processo de

    ensino-aprendizagem.

    Compreende-se que o ensino será mais significativo quando se atingir

    integração de fato entre os assuntos relacionados com a Geologia e a Astronomia,

  • 15

    sendo estudados por profissionais da Biologia, da Química, da Matemática, da

    Literatura, num contexto interdisciplinar que preside o ensino de cada disciplina e do

    seu conjunto. Sabe-se também que não basta inserir-se isso nos PCN, afirmando

    que isso será feito e assim serão solucionados os problemas que o ensino isolado

    proporciona. As orientações dadas pelos PCN são boas na medida em que fazem

    os docentes refletirem sobre suas práticas profissionais, aprofundando o debate

    entre as instituições e a sociedade. Nesse sentido o PPGECNM da UFRN é digno

    de nosso louvor por nos oferecer condições de debater sobre esses temas criando

    um ambiente favorável à reflexão profissional.

    Concorda-se que, quando se leciona visando à memorização de fatos e

    fórmulas matemáticas, o aprendizado não ocorre, e quando ocorre perde o

    significado, sendo gradualmente esquecido, por não se visualizar e compreender

    sua aplicabilidade. Diariamente ocorre um bombardeio de informações científicas,

    apresentadas pelos meios de comunicação e entende-se que a pura memorização

    de fórmulas dissociadas de suas aplicações não propicia um entendimento dos

    fatos veiculados. Isso tudo contribui para que nosso ouvinte ignore, ou não possa

    compreender, o significado das informações, sentindo-se incapacitado para

    entender essas notícias e sendo levado ao conformismo de achar que isso não tem

    nada a ver com sua vida.

  • 16

    3 A ASTRONOMA E OS TEXTOS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO

    É comum a muitas pessoas, quando ouvem falar de Astronomia, estrelas,

    planetas, constelações, cometas, eclipses e chuvas de meteoros, suspirarem e

    pensarem: puxa, pena que não sei nada sobre isso, nem mesmo sou capaz de

    acompanhar nada disto ; ou a Astronomia é algo completamente inacessível para

    mim . Essa idéia errônea está inserida na forma como a Astronomia é tratada nos

    textos didáticos e nos meios de comunicação. Pretende-se, com este trabalho,

    desmistificar tudo isso, aproveitando ainda que há uma concordância entre esta nossa

    postura e o que defendem os PCN relativamente a este assunto.

    Nos textos didáticos de Ensino Médio, normalmente, quando se fala sobre

    Astronomia é no capítulo destinado à gravitação. Uma boa parte dos autores destaca

    muito pouco esse assunto, restringindo poucas páginas nas quais se enfatiza as três

    Leis de Kepler, a Lei de Newton da gravitação universal, juntamente com alguns

    exercícios de aplicação direta das equações. Outros autores, como Beatriz

    Alvarenga/Antônio Máximo e Alberto Gaspar, enfatizam fatos históricos relevantes,

    como os modelos geocêntrico e heliocêntrico, respectivamente de Cláudio Ptolomeu

    e Nicolau Copérnico, apresentando as diferenças entre estes e trazendo até citações

    relevantes sobre Galileu, Tycho Brahe e Newton.

    Mesmo sendo pouco o que se apresenta sobre Astronomia, esse pouco

    ainda incorre em erros como a apresentação das órbitas dos planetas como sendo

    elipses bastante achatadas, quando se sabe que, na maioria dos casos a trajetória

    dos planetas em torno do Sol é praticamente circular, isto é, uma elipse de pequena

    excentricidade.

    Quando se apresenta algo como uma fotografia de um eclipse , é

    representada uma figura sem maiores explicações, que apenas mostra a Lua, a Terra

    e o Sol, citando as regiões de sombra e penumbra. Nada é explicado com relação às

    distâncias e as escalas dos astros envolvidos.

    As leis de Kepler são tratadas como um pacote informativo , ministradas

    em doses excessivas de exercícios e apresentadas com uma visão simplista da

  • 17

    história, na qual nada se discute sobre os árduos anos de seus estudos no trabalho

    de elaboração das referidas leis.

    O GREF, embora seja uma exceção à regra, por fugir à seqüência

    tradicional dos textos, também dá pouca ênfase aos aspectos históricos e conceituais

    da Astronomia, enfatizando em demasia, na parte de óptica, a máquina fotográfica, e

    muito pouco os instrumentos astronômicos.

    No que se refere à óptica e aos instrumentos ópticos de observação, ocorre

    praticamente uma seqüência rígida e imutável em todos os autores. Tal seqüência é:

    propagação da luz (que em alguns casos se mostra uma figura de um eclipse sem

    maiores explicações); reflexão da luz (com destaque para o espelho plano); espelhos

    esféricos; refração da luz e lentes esféricas. Uma rara exceção disto ocorre no GREF,

    onde se exploram mais os fundamentos que propiciam a visão das coisas.

    Os instrumentos ópticos são tratados posteriormente como um caso a parte

    no estudo da reflexão e refração. Nesses momentos são apresentados o olho, o

    microscópio, os binóculos, a luneta e o telescópio, que são pouco explorados nos

    exercícios.

    A despeito de todo o desenvolvimento científico-tecnológico que se associa

    aos instrumentos de observação astronômica, os autores pouco associam ou

    exploram isso nos exercícios ou textos didáticos. São também raros os enfoques

    históricos associados ao aperfeiçoamento dos instrumentos de observação e aos

    personagens que contribuíram para tal aperfeiçoamento.

    Poucos textos comentam ou associam o desenvolvimento tecnológico com

    as pesquisas científicas recentes no campo da ciência, particularmente com a

    Astronomia, embora alguns até mostrem ilustrações relativas a isso.

    A Cosmologia, o impacto filosófico e teórico que seus fundamentos

    representam para o conhecimento de nossa história cósmica e evolução, parecem ter

    pouca importância para os autores de textos para o Ensino Médio. É como se temas

    dessa natureza só pudessem ser tratados por seres humanos de mentes superiores e

    isolados do convívio social dos mortais comuns.

    Em suma, sabe-se que a Astronomia tem aplicações em todos os ramos do

    conhecimento e não somente em gravitação. O estudo do olho é o início e o fim de

  • 18

    qualquer observação visual e todo um leque de conhecimentos tem como ponto de

    partida o olho humano, daí se faz necessário um melhor conhecimento deste para,

    conhecendo-o melhor, fazer uso do mesmo de forma mais eficiente e racional.

    As tabelas 3.1 e 3.2 representam uma análise relativa aos textos didáticos e

    o ensino de Astronomia, na qual se constata que a Astronomia e os instrumentos

    ópticos exercem pouca influência na maioria dos autores de livros didáticos de Física.

    Foram analisados, ao todo, 26 livros, abrangendo um total de 14 autores (que

    publicam individualmente ou em co-autoria; destes livros, 08 são apresentados como

    volume único e os outros 18, seriados, são apresentados em três volumes,

    correspondentes ao primeiro, segundo e terceiro anos do nível médio).

    Esses livros destacam-se, com exceção do GREF, por estarem entre os

    mais adotados pelas escolas privadas de Natal e/ou por serem considerados os

    melhores da área (pela maioria dos professores de Física desse nível de ensino). O

    GREF foi incluído por ser considerada uma proposta educacional mais condizente

    com o que rezam os PCN e por ser mais coerente com o que se pretende desenvolver

    na prática educativa neste trabalho. Ainda relativamente ao GREF trabalhamos dentro

    desse ponto de vista no projeto Pró-ciências, o qual foi realizado em conjunto pelas

    entidades CEFET-RN, UFRN e UERN, durante os anos de 1997 e 1999, e ter sido

    considerado um trabalho bastante positivo. Entretanto, o próprio GREF explora muito

    pouco a Astronomia durante todo o conteúdo.

    Conforme se pode perceber dos dados das tabelas, o tópico Astronomia,

    cuja história precede e se confunde com a da própria Física e em inúmeros exemplos

    determina o desenvolvimento desta última, aparece no máximo com 8,43% do número

    total de páginas de conteúdos (em Alvarenga e Máximo) e 7,68% do número total de

    exercícios (em Paraná). Na média esse percentual não difere entre os livros. Esses

    percentuais, que em si já seriam bem pequenos pelas relações não só históricas, mas

    conceituais existentes entre Astronomia e Física, ainda têm o agravante de

    concentrarem-se basicamente em torno do tema gravitação e, mesmo assim, de

    maneira superficial e atentando apenas para resultados quantitativos mais notáveis,

    bem ao gosto dos exercícios tradicionais que os exploram depois nas aplicações .

  • 19

    Tabela 3.1 Análise dos textos didáticos, volume único, referentes a Astronomia

    NO Autor(es) Editora Total de

    paginas

    Páginas sobre

    astronomia

    Exercícios Exercícios de

    astronomia

    01 Alvarenga e

    MáximoiScipione 670 37 = 5,52% 1052 45 = 4,28%

    02 Alvarenga e

    MáximoiScipione 415 35 = 8,43% 940 36 = 3,82%

    03 Paranáii Ática 398 22 = 5,53% 924 71 = 7,68%

    04 Bonjorno FTD 550 16 = 2,91% 1315 19 = 1,44%

    05 Gaspar Ática 480 27 = 5,62% 1020 22 = 2,16

    09* Carson e

    GuimarãesiiiModerna 264 16 = 6,06% 689 17 = 2,47%

    07 Chiquetto Scipione 432 06 =1,39% 1265 13 = 1,03%

    08 Penteado e

    Scolfaro

    Moderna 630 17 = 2,70% 1228 27 = 2,22%

    (i) De olho no mundo do trabalho(ii) Série Novo Ensino Médio(iii) Contém um capítulo exclusivo sobre Astronomia

    Tabela 3.2 Análise dos textos didáticos, coleção de três volumes, referentes a Astronomia

    NO Autor(es) Editora Total depaginas

    Páginas sobreastronomia

    Exercícios Exercícios deastronomia

    01 Alvarenga eMáximo

    Scipione 1297 80 = 6,17% 2659 135 = 5,08%

    02 Paraná Ática 1341 50 = 3,73% 1080 47 = 3,35%

    03 Bonjorno FTD 1221 28 = 2,29% 2502 35 =1,40%

    04 Gaspar Ática 1254 62 = 4,94% 2671 63 = 2,36%

    05 GREF Edusp 1136 20 = 1,76% 322 07 =2,17%

    06 Ramalho Moderna 1382 53 = 3,84% 2685 86 = 3,20%

  • 20

    4 A ASTRONOMIA E A INTERDISCIPLINARIDADE

    Na disciplina História e Ensino de Ciências Naturais e Matemática, do

    PPGECNM/UFRN, realizou-se um trabalho de pesquisa em que foram feitos quatro

    questionamentos, são eles: 1) Para você, o que é o universo? 2) O universo teve um

    início? ( ) sim. Como? ( ) Não. Por quê? 3) Para você de que é feito o universo? 4)

    O universo vai acabar um dia? Esta pesquisa foi realizada por vários grupos

    distribuídos dentro de escolas públicas e privadas de nossa cidade, onde os

    estudantes foram escolhidos aleatoriamente em grupos de 5 meninos e 5 meninas.

    O nosso grupo trabalhou com estudantes do Centro Educacional Maristella, uma

    escola privada. Ao final das apresentações dos resultados constatamos não haver

    muita diferença nas respostas dos diversos grupos estudados.

    A idéia de conhecer a concepção prévia dos estudantes é de fundamental

    importância para o início de qualquer atividade educacional. Esse trabalho pode ser

    feito em forma de questionários (como no exemplo recém mencionado), diálogo

    aberto ou qualquer outra forma da qual seja possível obter informações dos

    estudantes. Como se sabe, o conhecimento prévio orienta o professor em sua

    estratégia de trabalho. Estes conhecimentos podem contribuir ou não para o

    processo ensino-aprendizagem e cabe ao professor a tarefa de melhor orientar o

    estudante no desenvolvimento de seus trabalhos educativos, além de inserir o

    conhecimento científico sem desqualificar o que o aluno conhece anteriormente,

    tanto no meio familiar como no meio social em que vive.

    No exemplo acima, constatou-se que as respostas dos estudantes estavam

    relacionadas à religiosidade ou ao big bang. Acredita-se que a principal razão disso

    reside no fato de que no ambiente familiar ou escolar existe uma total

    desinformação em relação às antigas civilizações e também quanto às informações

    sobre tecnologia. Também quando se estuda história, pouco ou nada se fala sobre

    os fatos científicos que determinaram a evolução das idéias dentro das civilizações.

    É como se a ciência fosse um caso a parte da história da humanidade. A cultura

    oriental tampouco é considerada.

  • 21

    Como se sabe, a exploração européia praticamente dizimou as culturas

    africanas e indígenas em nome da civilização . Acredita-se que caso não tivesse

    ocorrido o quase extermínio e a exploração dessas várias culturas e civilizações que

    nos antecederam, nossa história seria mais rica no que diz respeito à ciência de

    nossos antepassados, possibilitando que seus conhecimentos, com seus mitos,

    crenças e histórias, pudessem chegar até nós.

    Tudo isso propicia um entendimento de que a forma como vêm sendo

    lecionados os conhecimentos científicos é falha, por não resgatar valores sociais e

    históricos que estão presentes na história da ciência, na cultura de nosso povo e

    ausentes em nosso ensino.

    Os meios de comunicação divulgam fatos sensacionalistas relacionados a

    todo um aparato tecnológico para vasculhar os céus, ao mesmo tempo em que se

    sabe, quanto é motivadora uma aula noturna, usando apenas nossos olhos,

    binóculos e um telescópio simples operado manualmente.

    As indagações relativas à Lua, seus mistérios e seus movimentos; a

    observação dos anéis de Saturno; a confirmação, através da observação, de que

    existem satélites em Júpiter; a visualização das fases em Vênus, por exemplo,

    condiciona uma viagem ao tempo de Galileu e permite uma reflexão sobre sua

    época e seus dilemas no enfrentamento das concepções dominantes de sua

    época. Tudo isso é fascinante e atrai nossos estudantes de uma maneira lúdica e

    coerente com nossas raízes, ao mesmo tempo em que mostra a inter-relação da

    Astronomia com outras áreas do conhecimento como História, Geografia, Física,

    Química, Matemática, Filosofia, Artes e estrutura social de um povo.

    O céu também tem sido fonte de inspiração para muitas canções e isso é

    condizente com a crença de que esta forma artística e poética de expressão

    humana também pode ser explorada didaticamente. Isso pode ser feito ouvindo

    músicas, discutindo suas letras e explorando questionamentos relativos ao conteúdo

    de Astronomia relativo a tal letra.

    Daí constata-se que o ensino fragmentado, ou uma forma isolada de

    ensinar as disciplinas acarreta dificuldades no aprendizado, que é facilitado quando

  • 22

    o trabalho educativo é elaborado na exploração de aspectos multidisciplinares que a

    Astronomia proporciona.

    De acordo com JAFELICE (2002, p.1):Contrariamente ao que ocorre com a maioria dos assuntos científicos, o

    interesse das pessoas por questões astronômicas se deve a motivações queestão além de sua curiosidade intelectual ou necessidade de formaçãocientífica .

    E ele prossegue destacando:Argumentamos que o principal objetivo dos cursos introdutórios de Astronomia

    não deveria ser apenas o de prover educação científica (conforme normalmentepressuposto), e sim propiciar aos alunos oportunidades de vivências psico-cognitivas únicas e favorecer uma melhor ligação entre as culturas humanísticae científica .

    Encontramos semelhança entre o contexto interdisciplinar que

    procuramos trabalhar em BARRETO (2004, p.1), quando afirma:

    É maravilhoso apreciar o céu, especialmente numa noite de clima agradável, denuvens escassas, quando podemos dar asas à imaginação. A astronomia, muitoda qual todos devem aprender desde o ensino fundamental, nos ensina adistinguir planetas das estrelas, estas possuem luz própria e se acham muitodistantes, aqueles mais próximos, apenas refletem a luz, como a Lua, a luz querecebem do Sol .

    O fascínio da astronomia também se destaca pela forma como são

    apresentadas e divulgadas as informações relativas aos eventos astronômicos.

    Assim, relativamente ao trânsito de Vênus, DANTAS (2004, p. 1) afirma que:

    No dia 8 de junho de 2004 um evento de maior importância científica ocorreráquando o planeta Vênus passar à frente do Sol em relação à Terra. Este eventoé chamado de trânsito de Vênus e o último ocorreu em 1882 .

  • 23

    5 O OLHO E O CÉU

    A presente proposta reforça a necessidade de se trabalhar a Astronomia

    mostrando que somos indissociáveis do cosmo. Através do sentido da visão nos

    relacionamos com aquilo que nosso olhar alcança, quer seja a olho nu ou com

    equipamentos que ampliem nosso alcance visual.

    5.1 A observação do céu a olho nu

    Como proposto em nossas atividades desenvolvidas no FIC, a observação

    do Sol deve ser feita sempre de forma indireta, através de filtros apropriados ou de

    projeções da imagem do Sol em algum anteparo (parede, papel, tela). Para chamar

    a atenção da interdisciplinaridade com a área de saúde, salientamos que o olhar

    diretamente para o Sol pode nos privar do pleno sentido da visão. Os danos ao olho

    podem ser irreversíveis, com seríssimas conseqüências para a pessoa. Portanto sua

    proteção é uma questão de saúde e é imprescindível. Através do uso de filtros

    apropriados ou projeções é possível a observação de vários aspectos do sol

    divulgados na imprensa, tais como as manchas solares, eclipses, trânsitos, etc.

    Embora a observação a olho nu tenha suas limitações óbvias, esta

    proporciona uma visão de conjunto única e é altamente recomendada para início do

    estudo da Astronomia e para o trabalho didático-pedagógico. Aconselha-se que

    sejam realizadas observações do céu como ponto de partida de todo um trabalho

    em que se vise uma melhor compreensão dos fenômenos relativos aos fundamentos

    sócio-culturais que caracterizam nossa visão de mundo. Então, sugere-se que se

    busque fazer uma reintegração do homem com o cosmo através de atividades de

    observação como prática educativa para todos os níveis de ensino. De fato,

    acredita-se que só se aprende a reconhecer as principais constelações e as estrelas

    mais brilhantes, adquirindo a prática necessária à observação astronômica. O

    reconhecimento das constelações está associado com a forma como se observa o

    mundo dentro de cada época, sendo, portanto, mais de caráter histórico e cultural. O

    uso dos instrumentos ópticos virá como um complemento do estudo.

  • 24

    A observação a olho nu, também chamada observação à vista desarmada,

    foi a única observação astronômica possível ao longo de milhares de anos. Só a

    partir do início do século XVII, com Galileu, a humanidade deu início a utilização de

    instrumentos ópticos para ampliar as capacidades de nossa visão.

    Pensando num aprendizado mais eficiente, com relação aos conhecimentos

    dos instrumentos astronômicos, julgamos que se deva começar com o estudo do

    olho. Dando seqüência a esse estudo, sugerimos o estudo das lentes fazendo-se

    uma associação com a refração da luz, posteriormente o estudo dos espelhos e

    finalmente com as associações entre lentes e espelhos que constituem os principais

    instrumentos da Astronomia.

    Julgamos que a observação do nascer ou do pôr-do-sol não são coisas que

    estão unicamente ligadas ao imaginário poético ou artístico. Acreditamos que esses

    eventos, que se fazem presentes no cotidiano das pessoas, devam ser explorados

    em seus aspectos históricos, filosóficos, artísticos e educativos. Isso pode propiciar

    uma série de indagações sobre o Sol, sobre como se modifica a sombra ao longo de

    um dia, sobre as posições do nascer e do pôr-do-sol etc. Podemos ainda explorar os

    pontos cardeais a as estações do ano através do movimento aparente do Sol ao

    longo de um dia e ao longo de um ano.

    5.2. Uma noite sem luar longe dos centros urbanos

    Ao se contemplar o céu totalmente estrelado, experimenta-se uma atividade

    de puro prazer e beleza poética, que proporciona ricos momentos de reflexão sobre

    beleza e a condição humana como parte de tudo o que existe. Daí percebe-se que o

    fascínio do céu é muito amplo e não se limita à observação da Lua.

    Quantas indagações surgem e quanto ainda há para se admirar e conhecer

    sobre o céu estrelado? Quantas situações didáticas ainda podem ser exploradas?

    Por exemplo, podemos apresentar uma série de questionamentos relacionados ao

    céu, tais como:

  • 25

    - Observando o céu estrelado e se questionando: como os povos antigos

    diferenciavam estrelas de planetas?

    - Todas as estrelas e todos os planetas são visíveis durante toda a noite?

    - Em todas as partes da Terra o céu apresenta-se exatamente igual para os

    diversos observadores? Isto é, são vistas as mesmas estrelas e nas mesmas

    posições do céu?

    - É possível ver mais objetos no céu com a Lua cheia ou sem ela? Por quê?

    A figura 1 ilustra o trabalho de uma noite de observações que encaminhamos

    com os professores do FIC, na praia de Pirangy, quando do encerramento do

    treinamento no ano de 2003.

    Fig. 1 Observação do céu a olho nu.

    Para se chegar a responder questionamentos como aqueles acima, faz-se

    necessário que se vivencie ambos os momentos, o da observação e o da discussão.

    Constata-se que quando o professor procura dar as respostas, ou apenas quando

    se lê algo sobre o assunto, o aprendizado não tem sido eficiente nem motivador. A

    experiência no trabalho educativo faz levantar, após uma discussão das respostas

    àquelas questões, novos questionamentos, tais como:

    - O que são constelações e como os povos antigos faziam para identificá-las?

    - Você consegue identificar alguma constelação no céu?

    - Caso as constelações fossem identificadas hoje, os nomes seriam os mesmos

    dos povos antigos? Por quê?

  • 26

    - Usando instrumentos ópticos fica mais fácil ou mais difícil a identificação das

    constelações?

    - Como os marinheiros da antiguidade se orientavam pelas estrelas?

    - Seriam as estrelas as placas de sinalização do universo?

    - Que curiosidades da Astronomia estão associadas com nossa história, nossa

    cultura e nossa posição geográfica?

    5.3 Uma noite de lua cheia

    Como já destacado, a observação do céu a olho nu é algo muito fascinante.

    Tanto assim que temas associados ao céu estão presentes nas artes, na literatura e

    na música, e, surge naturalmente o questionamento: Por que também não se

    fazerem presentes nas atividades didáticas?

    Vive-se mergulhado no mundo da artificialidade e deixa-se de apreciar e

    estudar o encanto proporcionado pela noite.

    Numa noite de Lua cheia, é possível fazer uma integração entre tantas

    fantasias e mistérios do imaginário popular com as atividades pedagógicas. É

    também possível e aconselhável a discussão coletiva dos seguintes temas:

    - Por que a Lua não se mostra sempre cheia?

    - É possível ver a Lua durante o dia? E durante todas as noites?

    - O que representam aquelas figuras que observamos na Lua?

    - Qual a influência da Lua sobre nossa vida na Terra?

    - Qual a forma da trajetória da Lua em torno da Terra?

    - Qual a influência da Lua no calendário?

    - Como os antigos habitantes da América viam o Sol e a Lua?

    Todos estes questionamentos não tiram o encanto e a paz que uma noite

    de luar nos proporciona e sugerimos que estes aspectos sejam explorados nas

    aulas de Geografia, Artes, História, Física, Matemática e Literatura, num trabalho

    interdisciplinar e contextualizado com a realidade vivenciada no campo. Sugerimos

    também que seja discutida a diferença entre olhar a Lua numa fazenda, longe da

  • 27

    iluminação artificial, e olhar a Lua nos centros urbanos. Particularmente a Física

    deve explorar a luminosidade da Lua e a dificuldade de observação de outros astros

    em decorrência da claridade devido ao luar, acrescentando mais algumas questões,

    tais como:

    - Com a Lua cheia fica mais fácil ou mais difícil de observar outros corpos

    celestes como estrelas, planetas, cometas meteoros, nebulosas, etc?

    - Quanto demora uma fase da Lua?

    - Durante quanto tempo uma fase volta a se repetir?

    - Quando a Lua apresenta-se cheia em nossa região também é igualmente cheia

    em todos os pontos da Terra?

    - Qual a relação entre a Lua e as marés?

    A discussão das respostas a questões desse tipo torna o trabalho educativo

    mais significativo, atraente e contextualizado, uma vez que envolve uma maior

    participação do estudante, ao mesmo tempo em que ele precisa entender que

    nenhum professor tem respostas para todas as questões. Todos fazemos parte de

    uma busca por elas sem deixar de contribuir para a construção do conhecimento.

    5.4 A observação do céu com equipamentos

    Antes de qualquer observação faz-se necessário que se reflita sobre várias

    questões relativas a este assunto, tais como:

    - Qual o instrumento adequado para visualizar o quê?

    - O que observar?

    - Como observar?

    - Em quais datas do ano é possível observar um determinado fenômeno?

    - Quando tal fenômeno se repete?

    - Quais os eventos que podemos observar?

    - Existem acontecimentos na Astronomia que não podem ser observados?

    - Onde obter esse tipo de informações?

  • 28

    Não se tem a pretensão de dar respostas a todos os questionamentos

    acima citados. Não obstante, desejamos destacar algumas coisas relativas à

    observação que consideramos importantes, destacando o olho como o mais

    importante instrumento de observação na Astronomia. Falando dessa forma, pode-

    se afirmar que nenhuma observação na Astronomia é feita sem equipamentos e que

    o principal equipamento de que dispomos é o olho.

    Para que aconteça a formação das imagens, quatro fenômenos

    relacionados com a luz são essenciais: geração, propagação, refração, e reflexão.

    A geração da luz envolve processos de transformações de energia através

    de reações químicas ou outros processos. No caso das estrelas ocorrem reações

    nucleares de fusão, somente explicadas quando dos trabalhos de Einstein da Física

    Moderna, em que massa de repouso se transforma em energia. Em tais reações a

    soma das massas dos núcleos reagentes é maior que a massa do núcleo-produto

    (diferentemente das reações químicas, que envolvem átomos e essencialmente

    rearranjos de ligações ou de energia potencial elétrica) e é essa diferença de massa

    que é convertida em energia.

    No caso da refração faz-se necessário que a luz proveniente de um meio

    penetre em um outro meio e passe a se propagar neste. Especificamente com as

    lentes, para que ocorra a formação da imagem, se faz necessário que vários raios

    provenientes de um dado ponto de um objeto se encontrem no lado oposto da lente

    também em um mesmo ponto (no caso das convergentes) ou que o prolongamento

    dos respectivos raios se encontrem em um mesmo ponto (nas lentes divergentes).

    Propositalmente, em nossas práticas, não definimos o que é lente convergente ou

    divergente a priori. Todavia afirmamos que somente as lentes convergentes

    permitem projeção das imagens num anteparo. A imagem que pode ser projetada é

    chamada de real, sendo virtual aquela que não se consegue projetar. A obtenção da

    imagem virtual é feita pelo prolongamento dos raios dispersados.

    Nosso trabalho parte do pressuposto de que o conhecimento teórico não

    pode estar dissociado de suas aplicações em atividades práticas. Para tanto,

    orientamos os estudantes para a realização das medidas das posições do objeto e

    da imagem em relação às lentes. O ponto fundamental é a determinação do foco da

  • 29

    lente e a comparação com o foco do olho, que é o ponto onde se devem localizar as

    imagens dos objetos que vemos. O destaque desta prática, em particular, é fazer

    com que raios paralelos atinjam frontalmente uma lente convergente para

    determinar o seu foco.

    5.5 O olho: o mais importante instrumento de observação da Astronomia

    O que é o olho humano? Um sistema muito complexo. No que diz respeito a

    nossas necessidades mais pragmáticas nesta abordagem, reduzimos tal análise a

    aspectos óptico-mecânicos do olho, sem querer com isto, porém, criar uma falsa

    imagem de que ele se resume apenas a tais aspectos.

    Na figura 2 está representado um olho humano com alguns de seus

    elementos constituintes definidos pela Biologia, que trata do estudo das estruturas

    vivas.

    Fig.2 Representação de um olho humano.

    Imagem obtida de www.on/revista_ed.../olhos.html

    Assim, feitas tais ressalvas, o olho humano, considerado estritamente em

    seu aspecto óptico-mecânico mais elementar, pode ser visto como uma esfera que

    mede aproximadamente 2,5 cm de diâmetro, com células especializadas na retina

    que nos permitem distinguir cores e formas (após o devido processamento pelo

    cérebro dos sinais recebidos através do nervo óptico). Ele foi adaptado para

    funcionar com relativa eficiência na presença de luz forte ou fraca, de perto ou de

    longe. No nosso atual cotidiano, ele ajuda a ler livros, assim como, desde sempre,

  • 30

    nos permitiu observar situações e identificar pessoas. Enfim, o olho é um elo de

    ligação muito importante com o mundo à nossa volta e, nas suas características

    óptico-mecânicas básicas, funciona graças a um complexo balé entre músculos e

    nervos.

    Nas artes e na ciência o olho tem sua importância histórica, como

    podemos apreciar nas palavras de Leonardo da Vinci (1452-1519):

    ...Ora, não percebeis que com os olhos alcançais toda a beleza do mundo? Oolho é o senhor da Astronomia e o autor da cosmografia; ele desvenda e corrigetoda a arte da humanidade; conduz os homens às partes mais distantes domundo; é o príncipe da matemática, e as ciências que o têm por fundamento sãoperfeitamente corretas.O olho mede a distância e o tamanho das estrelas; encontra os lamentos e suaslocalizações; ele... deu origem à arquitetura, à perspectiva, e à divina arte dapintura....Que povos, que línguas poderão descrever completamente sua função! O olhoé a janela do corpo humano pela qual ele abre os caminhos e se deleita com abeleza do mundo.2

    Inspirado no funcionamento do olho, o homem criou a máquina fotográfica.

    Ou seja, em nossos olhos, a córnea funciona como a lente da câmera, permitindo a

    entrada de luz no olho e a formação da imagem na retina. Localizada na parte

    interna do olho, a retina seria o filme fotográfico, onde a imagem se reproduz. A

    pupila funciona como o diafragma da máquina, controlando a quantidade de luz que

    entra no olho. Assim, em ambientes com muita luz, a pupila se fecha e, em locais

    escuros, ela se dilata, com o intuito de captar uma quantidade de luz suficiente para

    formar a imagem.

    Faz-se necessário, então, conhecer como a luz chega aos olhos e os

    processos físicos que propiciam a formação das imagens dos objetos. Isto tudo é

    abordado da maneira o mais contextualizada possível em aulas. Vide Apêndice B,

    onde expomos sobre esta parte com mais detalhes.

    2 As palavras de Leonardo da Vinci podem levar a crer que tanto o olho como as ciências que o têm por fundamentosão perfeitamente corretas. Isto não é verdade, por isto chamamos a atenção para tal eventual interpretaçãoequivocada. Contudo, tal fato não desmerece a referida afirmação de da Vinci. No contexto em que ele trabalhava eela lhe foi inspirada não se tinha um estudo mais detalhado das ilusões de óptica e os limites de nossos órgãossensoriais não eram discutidos em sua arte.

  • 31

    5.6 O trabalho observacional

    É comum, em atividades, da Associação Norte-Riograndense de

    Astronomia (ANRA), a qual temos presidido desde sua reinauguração em abril de

    1994, quando trabalhamos com crianças de nosso estado, que ao perguntarmos

    qual o mais importante instrumento de observação do céu obter-se como resposta

    que é o telescópio. Sabe-se de toda a influência que os meios de comunicação têm

    sobre nossos estudantes e do destaque que se dá às descobertas feitas pelos

    grandes telescópios e laboratórios científicos. Todavia, da forma como as notícias

    são divulgadas não deixam claro o processo histórico das descobertas e fazem

    parecer que estas são coisas de pessoas com mentalidade superior, isoladas do

    convívio comum das pessoas. Assim, não são levadas em consideração as antigas

    descobertas a olho nu, ligado às culturas, e que ajudaram a estruturar mitologias e

    conhecimentos astronômicos. Tampouco se enfatiza a importância do olho nas

    observações.

    De antemão, é preciso deixar claro que a atividade principal que

    consideramos importante promover é olhar para o céu e identificar alguns objetos,

    começando com a observação do Sol. Tais atividades são feitas, normalmente à

    tarde, antes do pôr-do-sol, fazendo-se a seguir, observações da Lua, de planetas e

    estrelas. Constata-se que atividades desse tipo são bastante motivadoras, pelo

    envolvimento de todos e pela grande curiosidade que estudantes têm com relação

    aos temas trabalhados, e proporcionam um aprendizado mais eficiente e integrador

    da Astronomia, com a vivência de nosso estudante e com a integração natural de

    outras áreas do saber humano.

    É importante destacar que as atividades promovidas através da ANRA

    caracterizam típicas situações de ensino não-formal. Assim, antes de qualquer

    atividade, nos apresentamos, de modo informal, o que deixa as crianças mais à

    vontade para trabalharem sem o rigor da escola. Em seguida mostramos alguns

    instrumentos de trabalho e afirmamos que a principal fonte de inspiração é o próprio

    céu.

  • 32

    Fazemos, então, o questionamento: Qual o mais importante instrumento

    para se observar o céu? . Como já dissemos, não nos causa surpresa quando a

    grande maioria responde que o mais importante instrumento para observar o céu é o

    telescópio. Isto confirma, em particular, uma realidade divulgada pelos meios de

    comunicação, em especial a televisão, a qual dá ênfase às imagens espetaculares

    tiradas pelos grandes telescópios, particularmente pelo telescópio espacial Hubble.

    Afinal, o Hubble é da NASA, agência espacial dos Estados Unidos, e a imprensa faz

    ver que lá está o cerne da ciência e da tecnologia do mundo. Neste sentido,

    relativamente pouca coisa é divulgada com relação ao desenvolvimento científico

    europeu, oriental e muito menos nacional.

    Depois de sentir toda a excitação e a motivação que a atividade propicia

    nos estudantes, o professor solicita que todos fechem os olhos, desenha algo no

    quadro ou faz algum gesto, e pede que digam o que está sendo desenhado no

    quadro ou que imitem o gesto feito. Então todos devem abrir os olhos e o professor

    faz os comentários sobre as respostas. De antemão o professor deve deixar claro

    que a atividade não tem valor numérico como avaliação e deve servir como um

    suporte para se prosseguir com as atividades de aprendizado. Uma nova situação

    pedagógica é, então, proposta. Alguns estudantes devem olhar de olhos fechados

    pelo telescópio e afirmar o que conseguiram ver. Para ninguém causa surpresa

    quando todos conseguiram identificar o que foi feito no quadro, após abrirem os

    olhos, e, por outro lado, que nada viram com os olhos fechados diante da lente do

    telescópio.

    Deve-se, a partir dessas provocações, retornar o questionamento sobre

    qual o mais importante instrumento de observação visual. Não se estranha, então,

    quando boa parte das respostas afirma que o olho é realmente o mais importante

    instrumento de observação. Esse argumento é reforçado, afirmando-se que lentes,

    binóculos, lunetas ou telescópios, quaisquer que sejam, não podem ser, em

    nenhuma hipótese, mais importantes que o olho.

    O trabalho prossegue com a observação do Sol. Inicialmente chamamos a

    atenção para os cuidados que se deve ter, de jamais olhar o Sol diretamente e

    menos ainda através de binóculo, luneta ou telescópio, pois, nestes casos a pessoa

  • 33

    pode cegar instantaneamente. Para a observação do Sol dispomos de vidros de

    proteção, usados por soldadores. Comentamos outras formas, mais seguras ainda,

    de observação do Sol, como a projeção da imagem deste em um anteparo ou

    parede, por meio de binóculos e telescópios.

    Explicamos também como se fazem observações dos eclipses solares,

    enfatizando bastante, novamente, os cuidados que devemos ter com a proteção dos

    raios do Sol para nossos olhos. A ênfase neste caso é porque a situação

    envolvendo eclipses solares é traiçoeira neste sentido, pois a diminuição da luz

    solar, pela interposição da Lua, dá a falsa impressão de que é possível ficar olhando

    para o Sol sem maiores problemas; a partir de certo ponto do eclipse seu brilho não

    ofusca tanto e a pessoa pode ter a vista danificada por olhar direto para o Sol

    naqueles longos minutos anteriores e posteriores a um eclipse total. Outras

    questões surgem, ou podem surgir, relativas aos raios solares e à pele. Então se faz

    necessário falar sobre tratamento de pele, filtros bloqueadores, raios infravermelhos

    e ultravioletas. Tudo isso deve ser levado em consideração quando se pretende

    tomar banho de Sol e de mar.

    Além disto, deixamos mais algumas outras questões em aberto, tais como:

    - Você ouviu na televisão que os melhores horários para se ir à praia são antes

    das nove horas da manhã e depois das quatro horas da tarde. Por que essa

    restrição?

    - O que são raios ultravioletas?

    - O que são raios infravermelhos?

    - O que estes raios fazem à pele e aos olhos que os fazem ser nocivos?

    - O Sol é uma estrela, então as outras estrelas também emitem raios nocivos?

    Também tratamos da importância na responsabilidade no manuseio com os

    equipamentos de que dispomos, como uma forma de tratar aspectos relativos não

    só a manutenção dos equipamentos, mas também como forma de cidadania, no

    zelo pelo instrumento de trabalho. Em um recente evento: eclipse total do Sol de 11

    de agosto de 1999, visível em boa parte da Europa, foi possível conhecer como os

    europeus investem na saúde visual de seus habitantes. Na França, particularmente,

  • 34

    milhares de óculos especiais foram distribuídos para a população e aos visitantes

    para observar o fenômeno. Vide figura e as explicações nas páginas 67 e 68.

    5.7 A observação da Lua com instrumentos astronômicos

    Quando o Sol se põe, surgem aos olhos outros astros celestes, como a Lua

    (embora ela está presente durante o dia em muitos dias por mês; mas durante o dia

    seu brilho não se destaca tanto quanto à noite), os planetas, as estrelas e outros

    corpos no espaço. Então é hora de vermos a Lua. Primeiro a olho nu, pede-se que

    os estudantes identifiquem alguma coisa na Lua que lhes seja conhecida, depois

    que façam figuras representando a Lua. A partir daí mais uma série de

    questionamentos sobre a Lua é feita. Tais como:

    - Nos mapas que se fazem da Lua, são destacados mares, crateras e

    montanhas. O que nós conhecemos sobre mares, é que são locais cheios de

    água. Será que tem água na Lua?

    - É possível ir de avião até a Lua?

    - Em 21 de julho de 1969, dois astronautas norte-americanos, Neil Armstrong e

    Edwin Aldrin, foram os primeiros homens a descer no solo lunar, numa região

    chamada de mar da tranqüilidade. Eles ficaram molhados nesse mar?

    - E as montanhas da Lua são maiores ou menores que as que você conhece?

    - Qual o tamanho que você acredita que seja uma cratera da Lua? Faça um

    desenho. Você acha que na sua cratera na Lua caberiam quantas pessoas?

    - O que é um eclipse da Lua?

    - Você já viu um algum eclipse da Lua? Quando?

    - É possível ter eclipse da Lua durante o dia? Por quê?

    Então é hora de colocarmos o telescópio em ação. Alguns mais curiosos se

    aproximam e querem saber tudo e logo aprendem a manusear um telescópio

    simples, outros falam que o pai tem binóculos, outros falam que tem luneta. O mais

    importante é que todos querem ver algum planeta ou a Lua com o telescópio.

  • 35

    Aproveitamos e enfatizamos o zelo que se deve ter com o equipamento e

    controlamos a ansiedade de todos, colocando-os em fila e afirmando que ninguém

    deixará de ver alguma coisa no céu.

    Durante e após tal atividade podemos lançar mais uma bateria de questões:

    - O que você achou da Lua?

    - Você viu alguma coisa da Lua que se parece com algo aqui da Terra? O quê?

    - Faça dois desenhos da Lua, o primeiro desenho é de sua observação sem

    telescópio e o segundo, com o telescópio. Existem muitas diferenças nos

    desenhos?

    5.8 A observação dos planetas

    Quando todos tiverem observado a Lua, partimos à caça de um planeta:

    Vênus, Marte, Júpiter ou Saturno, dependendo de qual(is) esteja(m) visível(eis)

    naquela época ou naquele horário, pois estes três são os planetas mais facilmente

    localizáveis no céu noturno.

    Sugerimos visitas a grupos de Astronomia, criações de grupos nas próprias

    escolas, indicamos sites na Internet onde sejam citados horários sobre nascer do

    Sol, da Lua e dos planetas e como se observar esses astros.

    Estando o céu em condições meteorológicas favoráveis, são feitas

    observações a olho nu de planetas e de estrelas, identificando-se as diferenças na

    observação de ambos. No primeiro momento a concentração é nos planetas mais

    facilmente visíveis a olho (como dissemos, Vênus, Marte, Júpiter e/ou Saturno),

    depois são feitas observações com o telescópio.

    A partir daí, fazem-se necessários outros questionamentos:

    - Você viu alguma coisa em Júpiter, ou próximo dele, que não conseguiu ver sem

    o telescópio? O quê?

    - Faça um desenho indicando como foi sua observação de Júpiter.

    - Mostre Júpiter sem olhar no telescópio.

    - Por que você não vê todos os planetas numa mesma noite?

  • 36

    - E como é o planeta Saturno? Você seria capaz de mostrar Saturno para alguém

    sem o telescópio?

    - Faça um desenho colorido que represente sua observação.

    No anexo 7, página 78, é apresentada uma tabela com os principais dados do

    sistema solar, incluindo os primeiros satélites de Júpiter, descobertos por Galileu,

    fazendo uso de sua luneta.

    5.9 A observação das estrelas

    As estrelas são facilmente visualizadas a olho nu. Todos, mesmo crianças a

    partir de seis anos de idade, sabem o que são as estrelas, enquanto astros que

    aparecem no céu noturno. Mas há muitos fatos desconhecidos associados à

    observação das estrelas. Por isto exploramos esse desconhecimento através de outro

    conjunto de questões. Por exemplo:

    - Todas as estrelas são visíveis a olho nu?

    - As estrelas que enxergamos com dificuldade estão mais distantes que aquelas

    mais facilmente visíveis?

    - Todas as estrelas têm a mesma cor?

    - O que caracteriza a cor de uma estrela?

    Pretendemos fazer com esses questionamentos, em particular, que eles

    comecem a refletir sobre as distâncias entre o ser humano e as estrelas e a fazer

    comparação com as distâncias entre a Terra e os outros planetas. Assim, fica a idéia

    de esclarecer alguma coisa sobre a dimensão do universo visível.

    Parece uma frustração para alguns quando, ao se apontar o telescópio para

    alguma estrela, não se constatam diferenças entre a visualização com o equipamento

    e a observação a olho nu, diferentemente das observações feitas da Lua ou dos

    planetas. Temos, então, nesse estranhamento, algo novo a comentar e explorar. A

    partir desse fato começamos a argumentar sobre as enormes distâncias entre a Terra

  • 37

    e as estrelas, muito superiores às dos planetas. Também é destacada a limitação do

    equipamento em uso.

    Para se ter uma idéia das distâncias em Astronomia é necessário se fazer

    alguns comentários sobre as mesmas, inclusive com alguns cálculos. Com os

    veículos espaciais desenvolvidos pelo ser humano é possível desenvolver uma

    velocidade próxima de 50.000 km/h. Com tal velocidade uma viagem até a Lua, que

    não é feita numa trajetória retilínea, demora três dias, ou 72 horas. Para se chegar em

    Marte, a última sonda espacial demorou sete meses. A nave Cassini percorreu sua

    viagem até Saturno em sete anos.

    Agora, com nossa tecnologia e supondo que fosse possível uma viagem até

    a estrela mais próxima de nosso Sol, sem nenhuma escala para reabastecimento,

    quanto tempo duraria a viagem?

    Como se sabe, em Astronomia as unidades de medida de distâncias que

    normalmente se usa aqui na Terra perdem o sentido, pois não é possível haver

    comparação com as distâncias em nosso planeta. Então as medidas em centímetros,

    metros ou quilômetros não fazem sentido quando se trata de distâncias astronômicas.

    Outras unidades para medir distâncias são necessárias, tais como a Unidade

    Astronômica (a unidade astronômica é a distância entre a Terra e o Sol) e o ano-luz.

    O ano-luz é a distância que a luz percorre, no vácuo, durante um ano se

    deslocando à velocidade de 300.000 km/s. A transformação de ano-luz em km é

    obtida, portanto, do produto do valor desta velocidade pelo intervalo de tempo de um

    ano medido em segundos. Isto nos dá que um ano-luz corresponde a 9,47 x 1012 km.

    Alfa de Centauro, nossa primeira estrela vizinha, após o Sol, está a 4,3 anos-luz. Isto

    equivale a 4,07 x 1013 km.

    Com a velocidade de 50.000 km/h, uma viagem ininterrupta até tal estrela

    duraria:

    84

    13

    1014,8/100,5

    1007,4×=

    ××

    ==hkm

    kmvdt horas

    Em anos, esse valor seria de:

    880.92/2425,365

    1014,8 8=

    ××

    =anoh

    ht anos

  • 38

    Tudo isso nos dá uma idéia das distâncias em astronomia, como também

    da energia produzida pelas estrelas e galáxias para que sua luz possa ser observada

    aqui da Terra. Também fornece algo sobre as limitações de nossas velocidades,

    sobre a necessidade de equipamentos cada vez maiores e melhores para desvendar

    os mistérios que as distâncias astronômicas nos ocultam. É importante frisar que é o

    olho que visualiza as imagens captadas pelos grandes observatórios.

    É importante destacar que usando o telescópio é possível visualizar estrelas

    que orbitam em torno de um centro de gravidade comum (são as estrelas binárias ou

    até múltiplas; como exemplo de uma estrela ternária, temos Alfa de Centauro,

    facilmente identificada no telescópio ou na luneta neste caso, para instrumentos

    relativamente pequenos aos quais em geral se tem acesso, ela chega a ser

    identificada apenas como se fosse uma estrela binária, pois o poder de resolução

    desses instrumentos normalmente não permite discernir sua composição ternária).

    Assim, com a intermediação desse tipo de equipamento, torna-se possível a

    visualização de estrelas duplas (pelo menos), o que não se pode fazer a olho nu,

    devido a este ter um poder de separação visual menor em comparação ao dos

    instrumentos ópticos mencionados.

    No desenrolar dos trabalhos, aparecem aqueles que ficam mais tempo

    fazendo uma série de perguntas sobre diversos temas que ouviram falar na televisão

    ou leram em revistas ou jornais. A maioria das perguntas se refere a buracos negros,

    viagens espaciais, vida extraterrestre (em especial no planeta Marte).

    Todas as perguntas e as respectivas respostas dos alunos indicam o nível

    de conhecimentos destes sobre os temas em discussão e servem como ponto de

    partida para o trabalho a ser realizado pelo professor.

  • 39

    6. PARA ALÉM DA OBSERVAÇÃO ÓPTICA

    A contemplação do céu estrelado dá a sensação de paz, tranqüilidade e

    regularidade. Essa aparência, porém, conseqüência da observação a olho

    desarmado, levou a se pensar durante muito tempo que o universo era sempre

    como um relógio a funcionar quase que sem a ocorrência de novidades.

    A contemplação de uma noite de Lua, com todo o encantamento que ainda

    revela aos olhos é uma coisa fascinante. Contudo, do ponto de vista da observação

    astronômica, a Lua cheia, apesar de não emitir luz própria, reflete a luz que recebe

    do Sol, e ofusca o brilho de uma grande quantidade de estrelas. Numa noite sem

    Lua, com o céu claro, é possível vislumbrar-se com muito mais detalhes o

    encantamento do firmamento. A poluição luminosa dos grandes centros impede que

    se aprecie o encantamento do céu durante a noite pelos habitantes urbanos. O

    progresso, que, por um lado, nos municiou de melhores instrumentos para uma

    observação astronômica de maior resolução, por outro lado, impede que possamos

    nos encantar com os mistérios e as indagações que faziam as noites estreladas de

    nossos antepassados.

    Fundamentando-se no modelo geocêntrico, muito se aprendeu sobre a

    posição da Terra dentro da esfera celeste. O estudo das constelações, o catálogo

    das estrelas, as previsões de eclipses e tantos outros eventos celestes eram feitos

    na antiguidade, muito antes dos grandes telescópios. Ainda hoje, com os

    planetários, se fundamenta e se aprende muito sobre a Terra, sobre os planetas, e

    sobre as estrelas e outros astros do espaço sideral. O conhecimento acumulado de

    tudo isso é um legado que não pode ser superado pelos grandes instrumentos de

    observação de que hoje dispomos.

    As invenções e os aperfeiçoamentos dos grandes instrumentos ópticos

    propiciaram um melhor conhecimento sobre nós mesmos, ao mesmo tempo em que

    contribuíram para tirar a Terra da posição do centro do universo . Os estudos

    recentes demonstram que a Terra não ocupa um lugar privilegiado nesse universo;

    apenas orbita uma das estrelas, sendo por ela iluminada. Existem outros planetas,

    iluminados por outras estrelas, muito distantes de nós e umas das outras.

  • 40

    Hoje se vasculha a imensidão do espaço. As unidades de comprimento que

    conhecemos e usamos em nosso cotidiano são inadequadas quando se referem a

    objetos cada vez mais distantes. Através da luz se conhece muita coisa sobre os

    elementos constituintes do universo.

    O olhar do céu através de equipamentos faz com que se receba muito mais

    luz e, devido a isto, que se veja mais longe no espaço e no tempo. Utilizando

    aparelhagens e métodos atualizados os astrônomos conseguem localizar galáxias a

    milhões e bilhões de anos-luz de distância.

    Isso pode nos parecer, à primeira vista, que com a observação óptica se

    consegue conhecer muita coisa sobre essa estrutura em que vivemos. Em parte isto

    é verdade. Porém, a visão abrange apenas o que chamamos região óptica do

    espectro eletromagnético. Assim, a visão é apenas um dos sentidos que dispomos

    para conhecer o mundo, mas muita coisa escapa à percepção visual. A faixa visível

    do espectro é relativamente muito restrita. Dentro desse espectro muita informação

    provém do espaço em comprimentos de onda diferentes da faixa visível. Os

    radiotelescópios, o satélite COBE e tantos outros equipamentos deixam claro que

    existe uma ampla faixa do conhecimento a ser explorada além da faixa visível.

    A figura 3 ilustra o espectro eletromagnético. Uma análise da mesma

    mostra o quanto é limitada à faixa do visível, compreendida entre as radiações

    ultravioletas e infravermelhas, de freqüência da ordem de 1014Hz, isto é, a região

    acessível por olhos humanos, lunetas e telescópios. Todavia, nessa faixa muito se

    tem aprendido acerca dos componentes constituintes das estrelas e galáxias.

    Fig. 3 Espectro eletromagnéticoFigura obtida de http://www.scb.org.br/fc/FC58_19.htm

    http://www.scb.org.br/fc/FC58_19.htm

  • 41

    É importante destacar que além da observação através da radiação

    eletromagnética, seja no comprimento de onda que for, ou da captação de partículas

    cósmicas ou meteoritos, existem também os campos psíquico e filosófico, que a

    ciência não pode desprezar quando se trata de conhecer o ser humano em si

    mesmo. Tanto a observação óptica, quer seja feita a olho nu ou com instrumentos,

    como as outras formas de conhecer o cosmo, mostram que ainda são vastos

    caminhos a se percorrer e nenhuma dessas formas, por si só, pode ser considerada

    a única e/ou a mais correta.

  • 42

    7 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

    Concordamos com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2003, p. 119), sobre

    a angústia do professor relativa ao uso que se faz do conhecimento escolar, quando

    questionam:

    O que, de fato, aproveitamos e usamos hoje do conhecimento que fomos

    obrigados a estudar na escola? O que lembramos tem utilidade para nossa vida

    fora do espaço escolar? O que, de fato, aprendemos, ou seja, aquilo de que nos

    apropriamos e podemos usar para compreender e intervir? E o que aprendemos

    em aula? O que só aprendemos, de fato, quando começamos a ensinar? O que

    aprendíamos quando discutíamos com nossos colegas, quando fazíamos

    trabalhos juntos ou quando ensinávamos nosso irmão ou amigo mais novo?

    Hoje se vasculha a imensidão do cosmo. Até mesmo a unidade de

    comprimento chamada unidade astronômica (distância média da Terra ao Sol, 150

    milhões de quilômetros) é inadequada como referência para medir os grandes

    espaços interestelares e intergalácticos. Essas distâncias são descomunais e sem

    comparação com nada do que se conhece no planeta. Os grandes telescópios dos

    dois últimos séculos ampliaram os horizontes visuais para distâncias inimagináveis.

    Com novas lentes e espelhos, esses equipamentos permitem ver detalhes antes

    impossíveis do cosmo. O telescópio espacial Hubble e o VLT são bem mais precisos

    que os grandes instrumentos do início e de meados do século passado. O Hubble

    consegue ampliar, e em muito, o poder visual da luneta de Galileu do século XVII. O

    VLT, quando totalmente completo, terá um poder de resolução bem superior ao

    Hubble. Isso começou com um desafio de se olhar para o céu.

    Tudo isso estimula questionamentos do tipo: Estavam errados os nossos

    ancestrais, que acreditavam no modelo geocêntrico do universo? Estavam também

    errados aqueles que não levaram a sério as descobertas científicas de Galileu? E os

    opositores a Newton, o que podemos dizer deles?

    Acreditamos que os questionamentos nesse sentido não ficam perdidos no

    vazio das futilidades humanas. A ciência muito tem errado ao relegar para um

    segundo plano a discordância das idéias e as contradições ao longo da história. Os

  • 43

    legados críticos, históricos e filosóficos do passado e os pensamentos discordantes

    não são condição para uma afirmação de que se avançou no conhecimento.

    Podemos até dizer que hoje estamos na vanguarda do conhecimento da mesma

    forma como outros seres humanos do passado estavam. Cada povo, em sua época,

    é parte de um todo histórico e a ciência não pode desprezar a contribuição de

    nenhum povo.

    Pretendemos ampliar os presentes estudos através de Cursos nos quais os

    experimentos não sejam vistos como partes isoladas dos fundamentos teóricos,

    aplicando o que discutimos no curso de pós-graduação e no treinamento da Escola

    FIC. Nestas e em outras aplicações tem-se em mente as limitações e os avanços

    que a pós-graduação permite. Assim, pensamos em contribuir para um melhor

    aprendizado de ciências por parte dos estudantes, o que é um dos objetivos do

    Programa em que este trabalho está inserido.

    Sugerimos aqui ampliações do trabalho proposto, ainda a ser

    implementado, através de estudos da Astronomia em áreas fora do alcance óptico.

    Por exemplo, com o estudo de espectros de emissão e de absorção de estrelas e

    galáxias em outras faixas de freqüência. Em particular, através do estudo de

    radiações eletromagnéticas em geral nas regiões ultravioleta, raios-X, raios gama,

    infravermelho e micro-ondas, todas acessíveis atualmente através de detectores

    instalados em satélites, e também da região rádio, neste caso abrindo a discussão

    para a grande área de pesquisa em radioastronomia, feita com rádio-telescópios

    instalados em terra, em especial no Brasil. Isto tudo pode ser explorado do ponto de

    vista educacional hoje em dia, apesar de todas essas regiões estarem além da faixa

    visível. Desta forma acreditamos que se pode construir um processo de ensino-

    aprendizagem mais condizente com o que aqui propomos.

    Fazer parte das indagações e estar em constante procura é um dos

    fundamentos da vida, quer seja da ciência, da filosofia, da religião ou de tudo isso

    junto.

    Muito ainda há para ser feito. A ampliação destas discussões com outros

    colegas é apenas uma parte do estudo que temos em mente. As indagações fazem

    parte da cultura humana, são novos desafios na busca de um tratamento didático

  • 44

    mais significativo para o trabalho docente e discente. Pretendemos contribuir de

    forma significativa em eventos ligados ao ensino de Física, com grupos de debates,

    com novos integrantes do PPGECNM e com nossos professores.

  • 45

    REFERÊNCIAS

    ARAÚJO SOBRINHO, A, SOUZA JÚNIOR, C. F de, Uma Proposta deexperimentos para o ensino de Física Térmica. In: Simpósio Nacional de Ensino

    de Física, 14., 2002, Anais, Natal: Sociedade Brasileira de Física, 2002.

    ASIMOV, I. Cronologia das ciências e descobertas. Tradução de Ana Zelma

    Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.

    BARRETO, C. L, A maior festa junina de 2004: O trânsito de Vênus em frente ao

    Sol no dia 8. DFTE/UFRN, Natal, 2004.

    BERNARD, I. C; WESTFAAL R. S. Org. Newton: textos antecedentes e

    comentários. EDUERJ, Contraponto. Rio de Janeiro, 2002.

    BONJORNO, R. et al, Física completa, São Paulo: FTD. 2000.

    BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.

    Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999. 4v.

    BRAZ JÚNIOR, D. FÍSICA MODERNA Tópicos para o ensino médio. Campinas:

    Companhia da Escola, 2002.

    CANALLE, J. B. G., OFICINA DE ASTRONOMIA, Colaboração: Rodrigo Moura,

    Instituto de Física UERJ 1995.

    CARRON, W; GUIMARÃES, O. Física, São Paulo: Moderna, 2001. (Coleção base).

    CHASSOT, A. A Ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna: 1994 (Coleção

    Polêmica).

  • 46

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