o olho do fotýgrafo_szarkowski
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SZARKOWSKI, John. The photographer’s eye. New York: Museum of Modern Art, 19661.
O OLHO DO FOTÓGRAFO
John Szarkowski
Introdução
ESSE LIVRO É UMA INVESTIGAÇÃO sobre como as fotografias são e porque são
assim. Ele se preocupa com o estilo e a tradição fotográfica: com o sentido das
possibilidades que um fotógrafo hoje incorpora em seu trabalho.
A invenção da fotografia supriu um processo de confecção de imagem radicalmente
novo – um processo baseado não na síntese mas na seleção. Era uma diferença básica. As
pinturas eram feitas – construídas a partir de um inventário de esquemas, habilidades e
atitudes tradicionais – mas as fotografias, como diz o homem das ruas, eram tomadas.
A diferença projetou uma questão criativa de uma nova ordem: como poderia esse
processo mecânico e sem razão ser levado a produzir imagens significativas em termos
humanos – imagens com clareza, coerência e um ponto-de-vista? Foi rapidamente
demonstrado que não seria encontrada uma resposta por aqueles que amavam
demasiadamente as velhas formas porque, em grande medida, o fotógrafo era ignorante
das antigas tradições artísticas. Baudelaire, falando da fotografia, disse: “Esta indústria, ao
invadir os territórios da arte, se tornou no seu inimigo mortal.”[1] E em seus próprios termos
de referência Baudelaire estava parcialmente certo; certamente, o novo meio não poderia
satisfazer os antigos padrões. O fotógrafo deve encontrar novos modos para tornar claro
seu significado.
Esses novos modos seriam descobertos por homens que poderiam abandonar suas
fidelidades aos padrões pictóricos tradicionais – ou pelo artisticamente ignorante, que não
teria nenhuma antiga fidelidade para romper. Tem havido muitos do último tipo. A fotografia,
desde seus dias inaugurais, tem sido praticada por milhares que não compartilhavam
nenhuma tradição ou treinamento comum, que não eram disciplinados e unidos por
nenhuma academia ou grêmio, que consideravam seu meio diferentemente como uma
ciência, uma arte, um negócio ou um entretenimento e que estavam freqüentemente
desinformados a respeito do trabalho dos demais. Aqueles que inventaram a fotografia
eram cientistas e pintores, mas seus praticantes profissionais eram um grupo muito 1 Tradução de Rui Cezar dos Santos publicada no site www.devolucoes.com.br (acesso em 30/08/2010). Este texto faz parte de um livro/catálogo da exposição The Photographer’s Eye, realizada no MoMA em 1966, e que teve curadoria de Szarkowski. Recentemente, foi publicado na coletânea organizada por Liz Wells (The photograph reader, 2003), disponível na Biblioteca da EBA. Na presente versão constam a introdução do livro e as notas que abrem cada módulo/capítulo onde são reproduzidas fotografias da exposição.
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diferente. Holgrave, o herói daguerreotipista de Hawthorne, em The House of Seven
Gables, não era talvez muito diferente do típico:
“Embora hoje com apenas vinte e dois anos de idade, ele já foi um mestre de escola
rural; vendedor de uma loja rural; e o editor político de um jornal do interior.
Subseqüentemente, ele viajou como vendedor ambulante de água de colônia e
outras essências. Estudou e praticou odontologia. Ainda mais recentemente, foi um
conferencista público sobre hipnotismo, para cuja ciência ele possuía dotes muito
notáveis. Sua fase atual como daguerreotipista não era, em sua própria opinião,
mais importante nem provavelmente mais permanente que qualquer uma das
anteriores.”[2]
A enorme popularidade do novo meio gerou profissionais aos milhares – ourives,
funileiros, farmacêuticos, ferreiros e impressores convertidos. Se a fotografia era um
problema artístico novo, tais homens possuíam a vantagem de não ter nada para
desaprender. Entre si eles produziram uma torrente de imagens. Em 1853, o The New York
Daily Tribune estimou que naquele ano estariam sendo produzidos 3 milhões de
daguerreótipos.[3] Algumas dessas imagens eram o resultado de conhecimento e perícia,
sensibilidade e invenção; muitas eram produto de acidente, improviso, equívoco e
experimentação empírica. Mas se produzida por arte ou por sorte, cada imagem era parte
de um ataque maciço aos nossos tradicionais hábitos de ver.
Uma multidão ainda maior de snapshooters casuais juntou-se, nas últimas décadas
do século XIX, aos profissionais e amadores sérios. No início da década de 1880 a placa
seca, que podia ser adquirida já pronta para uso, substituiu o refratário e confuso processo
da placa molhada que demandava que a placa fosse preparada exatamente antes da
exposição e processada antes que a emulsão secasse. A placa seca desovou a câmera
portátil e a fotografia vernacular. A fotografia se tornara fácil. Em 1893 um escritor inglês
lamentava que a nova situação havia “criado um exército de fotógrafos que se deslocava
excessivamente sobre o globo terrestre fotografando objetos de todos os tipos, tamanhos e
formas, sob quase todas as condições, sem mesmo jamais pausarem para se perguntar,
será isso ou aquilo artístico? … Eles espiam uma vista, ela parece agradar, a câmera é
focalizada e o quadro exposto! Não há nenhuma pausa, porque haveria de haver? Porque a
arte pode errar mas a natureza não pode falhar, diz o poeta, e eles obedecem ao ditado.
Para eles, composição, luz, sombra, forma e textura são apenas demasiadas frases de
efeitos …”.[4]
Essas imagens, produzidas aos milhares por trabalhadores diaristas e por hobbyists
dominicais, eram diferentes de qualquer imagem antes delas. A variedade de sua
imaginária era prodigiosa. Cada variação sutil do ponto de tomada ou da luz, cada
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momento evanescente, cada mudança na tonalidade da imagem criava uma nova imagem.
O artista treinado podia desenhar uma cabeça ou uma mão de uma dúzia de diferentes
perspectivas. O fotógrafo descobriu que os gestos de uma mão eram infinitamente variados
e que a parede de um prédio iluminado pelo sol não era, jamais, duas vezes igual.
A maioria desse dilúvio de imagens parecia sem forma e acidental mas algumas
alcançaram coerência, mesmo em suas esquisitices. Algumas das novas imagens eram
memoráveis e pareciam significativas além de suas limitadas intenções. Recordadas, essas
imagens ampliaram o senso de possibilidades das pessoas à medida que olharam
novamente para o mundo real. Enquanto eram relembradas elas sobreviveram, como
organismos, para reproduzir e evoluir.
Mas não era apenas o modo como a fotografia descrevia as coisas que era novo;
eram também novas as coisas que escolhera para descrever. Os fotógrafos fotografaram “
… objetos de toda natureza, tamanho e formas … sem jamais pausarem para se perguntar
será isso ou aquilo artístico?” A pintura era difícil, cara e preciosa e registrava o que era
sabidamente importante. A fotografia era fácil, barata e onipresente e registrava tudo:
vitrinas, casas rurais e animais de estimação das famílias, motores a vapor e pessoas sem
importância. E uma vez tornadas objetivas e permanentes, imortalizadas em uma imagem,
essas coisas triviais adquiriam importância. Ao final do século, pela primeira vez na história,
mesmo o homem pobre sabia como se pareciam seus ancestrais.
O fotógrafo aprendeu de dois modos: primeiro, do conhecimento íntimo, de um
trabalhador, de suas ferramentas e materiais (se sua placa não registrava as nuvens, ele
podia apontar sua câmera para baixo e eliminar o céu); e, segundo, ele aprendeu de outras
fotografias, que se apresentavam numa corrente incessante. Independentemente de sua
preocupação ser comercial ou artística, sua tradição foi formada por todas as fotografias
que deixaram marcas em sua consciência.
As imagens reproduzidas nesse livro foram feitas durante quase um século e um
quarto. Elas foram feitas, por vários motivos, por homens de interesses diferentes e talentos
variados. Elas tinham de fato pouco em comum exceto seus sucessos e um vocabulário
compartilhado: essas imagens eram inconfundivelmente fotografias. A visão que
compartilhavam não pertence a nenhuma escola ou teoria estética mas à própria fotografia.
O caráter dessa visão foi descoberto pelos fotógrafos no trabalho à medida que cresceu
sua consciência do potencial da fotografia.
Se isso é verdade, deve ser possível considerar a história do meio em termos da
progressiva consciência dos fotógrafos das características e problemas que pareceram
inerentes ao meio. Cinco dessas questões são consideradas a seguir. Essas questões não
definem categorias de trabalho discretas; ao contrário, elas devem ser consideradas como
aspectos interdependentes de um único problema – como vistas secionadas através do
corpo da tradição fotográfica. Como tal, espera-se que possam contribuir para a formação
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de um vocabulário e de uma perspectiva crítica mais completamente responsiva ao
fenômeno único da fotografia
A Coisa em si
A primeira coisa que o fotógrafo aprendeu foi que a fotografia lidava com o real; ele
não apenas tinha que aceitar esse fato, mas valorizá-lo; a menos que o fizesse, a fotografia
o venceria. Ele aprendeu que o próprio mundo é um artista de inventividade incomparável e
que reconhecer seus melhores trabalhos e momentos, antecipá-los, elucidá-los e torná-los
permanentes requer inteligência ao mesmo tempo aguda e flexível.
Mas ele também aprendeu que a materialidade de suas imagens, não importa quão
convincente e inquestionável, era uma coisa diferente da própria realidade. Muito da
realidade era eliminado na estática e pequena imagem em preto e branco e algo dela era
mostrado com uma clareza não natural, uma importância exagerada. O sujeito e a imagem
não eram a mesma coisa embora, posteriormente, parecessem ser. O problema do
fotógrafo era ver não somente a realidade à sua frente mas a imagem ainda invisível e
tomar suas decisões em termos da última.
Esse era um problema artístico e não um problema científico, mas o público
acreditava que a fotografia não podia mentir e era mais fácil para o fotógrafo se ele também
acreditasse nisso, ou assim fingisse. Assim, ele provavelmente argumentaria que o que os
nossos olhos viam era uma ilusão e que o que a câmera viu era a verdade. O Holgrave de
Hawthorne, falando do retrato de um sujeito difícil disse: “Nós damos crédito (com os céus
amplos e luz solar básica) apenas para a descrição da mera superfície mas ele realmente
revela o caráter secreto com uma verdade que nenhum pintor jamais se aventuraria a
buscar, mesmo que pudesse detectá-la. … o ponto notável é que o original desgasta, aos
olhos do mundo … um sobrepujante semblante agradável, indicador de benevolência,
coração aberto, saudável bom humor e outras qualidades dignas de elogio da mesma
natureza. O sol, como você vê, conta uma história bem diferente e não será persuadido do
contrário após meia dúzia de pacientes tentativas de minha parte. Aqui temos um homem
astuto, sutil, duro, imperioso e, além disso, frio como gelo.”[5]
Em um sentido, Holgrave estava correto em dar mais crédito à imagem da câmera
que aos seus próprios olhos porque a imagem sobreviveria ao sujeito e se tornaria a
realidade relembrada. William M. Ivins Jr. Disse: “em qualquer momento dado, o relato
aceito de um evento é de maior importância que o próprio evento porque o que pensamos a
respeito e agimos sobre é o relato simbólico e não o próprio evento concreto.”[6] Ele disse
também: “O século XIX começou acreditando que o que era razoável era verdade e
terminaria acreditando que aquilo que via em uma fotografia era verdade.”[7]
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O Detalhe
O fotógrafo estava preso às evidências das coisas e era seu problema forçar as
evidências a dizer a verdade. Ele não podia, fora do estúdio, posar a verdade; podia apenas
registrá-la da forma que a encontrara e era encontrada na natureza em uma forma
fragmentada e inexplicável – não como uma estória, mas como pistas dispersas e
sugestivas. O fotógrafo não podia montar essas pistas em uma narrativa coerente, podia
apenas isolar o fragmento, documentá-lo e por assim fazê-lo reivindicar para ele alguma
significância especial, um significado que ia além da simples descrição. A clareza
constrangedora com a qual a fotografia registrava o trivial sugeria que o sujeito jamais havia
sido propriamente visto antes, de que era de fato talvez não trivial, mas repleto de
significado não imaginado. Se as fotografias não podiam ser lidas como histórias, elas
podiam ser lidas como símbolos.
O declínio da pintura narrativa, no século passado, tem sido atribuído em grande
parte à ascensão da fotografia que “aliviou” o pintor da necessidade de contar estórias. Isso
é curioso uma vez que a fotografia nunca foi bem-sucedida no campo da narrativa. Ela de
fato raramente a tentou. As elaboradas montagens do século XIX, de Robinson e Rejlander,
laboriosamente compostas a partir de muitos negativos posados, tentavam contar estórias
mas esses trabalhos foram reconhecidos, em seu próprio tempo, como fracassos
pretensiosos. Nos primórdios das revistas ilustradas foi feita a tentativa de alcançar a
narrativa através de seqüências fotográficas, mas a coerência superficial dessas estórias
era geralmente alcançada às custas da descoberta fotográfica. A heróica documentação da
guerra civil americana, feita pelo grupo de Brady, e o registro fotográfico
incomparavelmente maior da segunda guerra mundial possuem isso em comum: nenhum
deles explicava, sem legendação extensiva, o que estava acontecendo. A função dessas
imagens não era a de tornar a estória clara, era a de torná-las real. Robert Capa, o grande
fotógrafo de guerra, expressou tanto a pobreza narrativa quanto o poder simbólico da
fotografia quando comentou, “Se suas imagens não são boas, você não está
suficientemente próximo.”
O Quadro
Uma vez que a imagem do fotógrafo não era concebida mas selecionada, seu
sujeito jamais era verdadeiramente discreto, jamais totalmente auto-contido. As margens de
seu filme demarcavam o que achava mais importante mas o sujeito que havia capturado
era outra coisa; ele se expandira em quatro direções. Se o quadro do fotógrafo cercava
duas figuras, isolando-as da multidão onde estavam, ele criava um relacionamento entre
essas figuras que antes não existira.
O ato central da fotografia, o ato de selecionar e eliminar, força uma concentração
na margem da imagem – a linha que separa incluídos e excluídos – e nas formas que são
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por ela criadas.
Durante a primeira metade de século da existência da fotografia, as fotografias eram
copiadas no mesmo tamanho da placa exposta. Uma vez que a ampliação era geralmente
impraticável, o fotógrafo não podia mudar de idéia na câmara escura e decidir usar apenas
um fragmento de sua imagem sem reduzir, na mesma proporção, o seu tamanho. Se havia
comprado uma placa de oito por dez polegadas (ou pior, a houvesse preparado),
transportando-a como parte de seu pesado equipamento e a tivesse processado ele
provavelmente não iria se contentar com uma imagem com a metade daquele tamanho. Um
singelo sentido de economia era o bastante para levar o fotógrafo a tentar encher a imagem
até suas margens.
As margens da imagem raramente eram limpas. Pedaços de figuras ou de prédios
ou características da paisagem eram truncadas deixando uma forma pertencente não ao
sujeito mas (se a imagem era boa) ao equilíbrio, à propriedade da imagem. O fotógrafo
olhava o mundo como se fosse uma pintura em pergaminho, aberta entre as mãos, exibindo
um número infinito de cortes – de composições – à medida que o quadro avançava.
O sentido da margem da imagem como uma ferramenta de corte é uma das
qualidades da forma que mais interessaram os pintores inventivos no final do século XIX.
Até que ponto essa consciência derivou da fotografia e até que ponto da arte oriental, ainda
está aberto a estudos. Entretanto, é possível que a proeminência da imagem fotográfica
tenha ajudado a preparar o campo para uma apreciação da gravura japonesa e também
que as atitudes compositivas dessas gravuras devessem muito aos hábitos de ver que
derivaram da tradição dos pergaminhos.
Tempo
Não existe, de fato, tal coisa como uma fotografia instantânea. Todas as fotografias
são exposições temporais, de duração menor ou maior, e cada uma descreve uma parcela
discreta de tempo. Esse tempo é sempre o presente. Singularmente, na história das
imagens, uma fotografia descreve apenas aquele período do tempo em qual foi feita. A
fotografia alude ao passado e ao futuro apenas até ao ponto em que existe no presente, o
passado através de suas relíquias sobreviventes, o futuro através de profecia visível no
presente.
Nos dias dos filmes pouco sensíveis e objetivas pouco luminosas, as fotografias
descreviam um segmento de tempo de muitos segundos ou mais. Se o sujeito movia,
resultavam imagens que jamais haviam sido vistas anteriormente: cachorros com duas
cabeças e um molho de caudas, faces sem características, homens transparentes
estendendo suas diluídas substâncias por metade da placa. O fato de que essas imagens
foram consideradas (na melhor das hipóteses) como fracassos é menos importante que o
fato de que eram produzidas em quantidade; elas eram familiares a todos os fotógrafos e a
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todos os fregueses que haviam posado para retratos de família com crianças contorcendo.
É surpreendente que a predominância dessas imagens radicais não tenha
despertado interesse nos historiadores da arte. A pintura de tempo-intervalado de Duchamp
e de Balla, feitas antes da primeira guerra mundial, tem sido comparada ao trabalho feito
por fotógrafos tais como Edgerton e Mili que trabalharam conscientemente com idéias
semelhantes um quarto de século depois, mas as fotografias acidentais de tempo-
intervalado do século XIX têm sido ignoradas – presumivelmente porque eram acidentais.
À medida que os materiais fotográficos foram tornados mais sensíveis, as objetivas
mais luminosas e os obturadores mais rápidos, a fotografia se voltou para a exploração de
sujeitos em rápido deslocamento. Da mesma forma que o olho é incapaz de registrar os
quadros simples de um filme projetado na tela à velocidade de 24 quadros por segundo, ele
é também incapaz de seguir as posições de um sujeito movimentando-se rapidamente na
realidade. O cavalo em galope é o exemplo clássico. Como havia sido adoravelmente
desenhado incontáveis milhares de vezes pelos gregos e egípcios, e persas e chineses e
posteriormente em todas as cenas de batalha e imagens esportivas do cristianismo, o
cavalo corria com as quatro patas estendidas, como um fugitivo de um carrossel. A tradição
foi quebrada não antes que Muybridge fotografasse, com sucesso, um cavalo em galope
em 1878. Foi assim também com o vôo dos pássaros, com a movimentação dos músculos
nas costas do atleta, com o panejamento da vestimenta de um pedestre e com as
expressões fugidias da face humana.
Imobilizar esses sutis nacos de tempo tem sido uma fonte de fascínio constante
para o fotógrafo. E enquanto perseguia esse experimento ele descobriu algo mais:
descobriu que havia um prazer e uma beleza nessa fragmentação do tempo que tinha
pouco a ver com o que acontecia. Isso tinha a ver, ao contrário, com ver a padronização
momentânea de linhas e formas que haviam sido anteriormente escondidas dentro do fluxo
do movimento. Cartier-Bresson definiu o comprometimento com essa nova beleza com a
frase O momento decisivo, mas a frase tem sido mal-entendida; a coisa que acontece no
momento decisivo não é um clímax dramático, mas visual. O resultado não é uma estória,
mas uma imagem.
O Ponto de tomada
Muito tem sido dito sobre a clareza da fotografia mas pouco tem sido dito sobre sua
obscuridade. E, não obstante, é a fotografia que tem nos ensinado a ver do ponto de vista
inesperado e nos mostrou imagens que proporcionam a sensação da cena ao mesmo
tempo em que retinha seu significado narrativo. Necessariamente, os fotógrafos escolhem a
partir das opções disponíveis e isso freqüentemente significa imagens do outro lado do
proscênio, mostrando as costas dos atores, imagens do ponto-de-vista dos pássaros, ou
das minhocas, ou imagens nas quais o sujeito é distorcido por um encolhimento extremo,
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ou por nenhum, ou por um padrão pouco familiar de luz, ou por uma aparente ambigüidade
de ação ou gesto.
Ivins escreveu, com rara percepção, do efeito que essas imagens produziram nos
olhos do século XIX: “Inicialmente, o público comentou demasiado sobre o que chamava de
distorção fotográfica. … [Mas] não demorou muito e os homens começaram a pensar
fotograficamente e, desta forma, a ver por si mesmos coisas que anteriormente coube à
fotografia revelar a seus olhos atônitos e protestativos. Da mesma forma que a natureza
havia, um dia, imitado a arte ela, agora, ela começou, igualmente, a imitar a imagem
produzida pela câmera.”[8]
Após um século e um quarto, a habilidade da fotografia para desafiar e rejeitar
nossas noções esquematizadas da realidade ainda permanece fresca. Em sua monografia
sobre Francis Bacon, Lawrence Alloway comenta o efeito da fotografia sobre o pintor: “A
natureza evasiva de sua imaginária, que é chocante mas obscura, como fotografias de
acidente ou de atrocidade, foi alcançada pelo uso de amplo repertório de imagens visuais
da fotografia. … Fotografias jornalísticas sem legenda, por exemplo, freqüentemente
parecem como momentosas e extraordinárias. … Bacon usou essa propriedade da
fotografia de subverter a clareza da pose das figuras na pintura tradicional.”[9]
A influência da fotografia sobre os pintores modernos (e sobre os escritores
modernos) tem sido grande e inestimável. Estranhamente, é fácil esquecer que a fotografia
tenha também influenciado fotógrafos. Não apenas as grandes imagens de grandes
fotógrafos mas fotografia – seu grande todo indiscernível, homogêneo – tem sido o
professor, a biblioteca e o laboratório para aqueles que tem usado a câmera
conscientemente, como artistas. Um artista é um homem que procura novas estruturas para
nelas ordenar e simplificar sua sensação da realidade da vida. Para o fotógrafo artista,
muito de seu senso de realidade (onde sua imagem se inicia) e muito de seu senso de
ofício ou de estrutura (onde sua imagem é completada) são dons anônimos e inseparáveis
da própria fotografia.
A história da fotografia tem sido menos uma jornada que um crescimento. Seu
movimento não tem sido linear e consecutivo, mas centrífugo. A fotografia, e nosso
entendimento dela, se espalhou a partir de um centro; ela tem, por infusão, penetrado
nossas consciências. Como um organismo, a fotografia nasceu inteira. É na nossa
progressiva descoberta disso que está sua história.
Notas introdutórias aos módulos contendo as fotografias reproduzidas no catálogo
A Coisa em si
Mais convincentemente que qualquer outro tipo de imagem, uma fotografia evoca a
presença tangível da realidade. Seu uso mais fundamental e sua mais ampla aceitação têm
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sido substitutos do próprio sujeito – uma versão mais simples, mais permanente, mais
claramente visível do fato puro.
Nossa fé na verdade de uma fotografia reside em nossa crença de que a objetiva é
imparcial e irá desenhar o sujeito como ele é, nem mais nobre nem mais mesquinho. Esta
fé pode ser ingênua e ilusória (porque embora a objetiva desenhe o sujeito, o fotógrafo
define-o), mas persiste. A visão do fotógrafo nos convence até ao ponto em que o fotógrafo
esconde sua mão.
O Detalhe
Para o fotógrafo, tendo deixado o estúdio, era impossível copiar os esquemas dos
pintores. Ele não podia dirigir uma batalha, como Uccello ou Velásquez, reunindo juntos
elementos que tinham estado separados no espaço e no tempo, nem podia rearranjar as
partes de sua imagem para construir um design que melhor o agradasse.
A partir da realidade à sua frente ele podia apenas selecionar aquela parte que
parecesse relevante e consistente e que preenchesse sua placa. Se ele não podia mostrar
a batalha, explicar seus propósitos e sua estratégia, ou distinguir seus heróis de seus vilões
ele podia mostrar o que era muito comum para ser pintado: a estrada deserta com balas de
canhão espalhadas, o barro incrustado nas rodas da carroça, as faces anônimas, a simples
figura partida junto à parede.
Intuitivamente, ele procurou e encontrou o detalhe significante. Seu trabalho, incapacitado
para a narrativa, voltou-se na direção do símbolo.
O Quadro
Citar fora de contexto é a essência do ofício do fotógrafo. Seu problema central é do
tipo simples: o que deve incluir, o que deve rejeitar? A linha de decisão entre dentro e fora é
a margem da imagem. Enquanto o desenhista começa a partir do meio da folha, o fotógrafo
inicia com o quadro.
As margens do fotógrafo definem o conteúdo.
Elas isolam justaposições inesperadas. Ao cercar dois fatos, elas criam um
relacionamento.
A margem da fotografia disseca formas familiares e mostra seu fragmento não-
familiar.
Ela cria as formas que cercam os objetos.
O fotógrafo edita os significados e padrões do mundo através de um quadro
imaginário. O quadro é o começo da geometria de sua imagem. Ele é para o fotógrafo como
a tabela para a mesa de bilhar.
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Tempo
As fotografias possuem uma relação especial com o tempo, porque descrevem
apenas o presente.
Na fotografia primitiva as exposições eram longas. Se o sujeito movesse, suas
múltiplas imagens descreviam também uma relação espaço-tempo. Talvez tenham sido tais
acidentes que sugeriram o estudo fotográfico do processo do movimento e, posteriormente,
das formas virtuais produzidas pela continuidade do movimento no tempo.
Os fotógrafos descobriram um assunto inexaurível no isolamento de um simples
segmento de tempo. Eles fotografaram o cavalo no meio do galope, as expressões fugidias
da face humana, os gestos da mão e do corpo, o bastão acertando a bola, a gota
esborrachando-se no prato com leite.
Mais sutil foi a descoberta daquele segmento de tempo que Cartier-Bresson chamou
de o momento decisivo: decisivo não por causa do evento exterior (o bastão acertando a
bola) mas porque naquele momento o fluxo de formas e padrões mutantes foi percebido
como adquirindo equilíbrio e clareza e ordem – porque a idéia se tornou, por um instante,
em uma imagem.
O Ponto de tomada
Se o fotógrafo não podia mover seu sujeito, ele podia mover sua câmera. Para ver
claramente o sujeito – freqüentemente para vê-lo simplesmente – ele teve de abandonar
um ponto de tomada normal, e tomar sua imagem vista de cima, ou de baixo, ou de muito
próximo, ou de muito distante, ou pelas costas, invertendo a ordem de importância das
coisas, ou com o sujeito nominal de sua imagem escondido pela metade.
A partir de suas fotografias ele aprendeu que a aparência do mundo era mais rica e
menos simples que teria imaginado sua mente.
Ele descobriu que suas imagens podiam revelar não apenas a clareza mas a
obscuridade das coisas, e que estas imagens evasivas e misteriosas podiam também, em
seus próprios termos, parecer ordenadas e significativas.
……………………..
[1] – Charles Baudelaire, “Salon de 1859,” traduzido por Jonathan Mayne para “The Mirror
of Art, Critical Studies by Charles Baudelaire”. Londres: Phaidon Press, 1955 (Citado de “On
Photography, A Source Book of Photo History in Facsimile”, editado por Beaumont Newhall,
Watkins Glenn. N.Y.: Century House, 1956, p. 100.
[2] – Nathaniel Hawthorne, “The House of Seven Gables”, Nova Iorque: Signet Classics
edition, 1961, ps. 156-57.
[3] – A. C. Willers, “Poet and Photography,” em Picturescope, volume XI, # 4, Nova Iorque:
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Picture Division, Special Libraries Association, 1963, p. 46.
[4] – E. E. Cohen, “Bad Form in Photography,” em The International Annual of Anthony’s
Photographic Bulletin. New York and London: E. and H.T. Anthony, 1893, p. 18.
[5] – Hawthorne, citado, p. 85.
[6] – William M. Ivins Jr., “Prints and Visual Communications,” Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1953, p. 180.
[7] – Idem, p. 94.
[8] – Idem, p. 138.
[9] – Lawrence Alloway, “Francis Bacon”. New York .: Solomon R. Guggenheim Foundation,
1963, p. 22.