O Ofício do Presbítero

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F. MARTINS _______

O OFÍCIO DE PRESBÍTERO

(origens, história, evolução e funções)

CASA EDITORA PRESBITERIANA

Rua Com. Norberto Jorge, 40 – Brooklin CEP – 04602 – S. Paulo. S.P.

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PREFÁCIO

Tenho esplêndido amigo e irmão na fé, e ainda na vocação apostólica grande estímulo, que escreveu, prefaciando certa literatura que lhe ofertaram, não gostar desta natureza de escrito — prefácio — "Inúteis". Diz esse amigo.

Discordo.

Acho úteis os proêmios.

Não é tão agradável, e não é mesmo cousa de bom tom, e de mediana educação fina, apresentar a gente a outros amigos e conhecidos os amigos, os colegas, os parentes, os ilustres?

Claro, evidente que é bom.

Pois é isto o que faço nestas linhas rápidas. Tenho imenso gosto e satisfação em dizer ao leitor ou amigo que este relativamente pequeno volume, uma tese, simplesmente uma tese, é um tesouro, uma riqueza, um vade-mecum inestimável.

Foi uma das maravilhas que surgiram no inédito e abençoado l.o Congresso de Presbíteros, na Capital da República, nos meados do ano corrente. Foi a tese maior, mais completa, mais analítica e mais erudita, no seu campo de pesquisas, que se viu e se ouviu no conclave magnifico mencionado, ao meu modo de ver.

Sobre a doutrina, a importância, a prática e a benemerência do ofício presbítera!, ou do presbiterato na Igreja Evangélica, sobre todos os aspectos, minúcias e grandezas, essência e forma, quantidade e qualidade, no quadro da ação e reação do sagrado múnus, do maravilhoso carisma ou dom, em lín gua portuguesa, nunca tivemos cousa igual, nem melhor. Não ficou nada por considerar, como não faltou nem mesmo uma bibliografia de consulta rica e primorosa, ampla, em línguas diversas, desde a Bíblia às mais técnicas obras sobre o assunto.

Quem ler e assimilar bem, e o livrinho é claro, correto e límpido, o conteúdo da tese, ora em mãos do leitor, terá tudo1 o que precisa saber e aplicar sobre a doutrina e a pragmática do presbiterato cristão.

Tudo, sem dúvida alguma.

Ê só examinar a tese e consumi-la com apreço e entendimento. É só isto.

O segredo de uma monografia assim tão1 avantajada e vantajosa, útil e prestante, séria e suave, bem pensada, bem dividida, tecnicamente harmoniosa e espiritualmente edificante e consoladora, está em dois fatos: a fonte de onde saiu a ideia, que é a Palavra de Deus, perfeita, divina e autorizada e o autor, joalheiro de raro tino, semeador de senso esperto e incansado, crente de coração generoso e oficial da Igreja Militante vocacionado mesmo e de verdade pela graça eficaz.

Francisco Martins da Silva é o autor desta tese.

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Autor capaz, competente, educadíssimo, homem de bem e de Deus, servidor dos mais dedicados que o Senhor pôs em sua seara, no Brasil, e obreiro teimoso em servir ao seu Salvador do melhor jeito possível, ao tempo e à hora, sem canseiras ou displicências.

Conheço esse irmão, que há anos milita em nosso arraial presbiteriano, lá na encantadora Belo Horizonte, capital de Minas, já como crente, já como ovelha fiel e piedosa que foi do meu rebanho, por vários anos, no Rio, já como um dos fundadores da famosa 2.a Igreja de Belo Horizonte, já como veteraníssimo presbítero praticante, também doublé, em várias circunstâncias, de "pastor-leigo", na falta dos pastores, tantas vezes, realizando com vivacidade, alegria e fé, as tarefas de um presbiterato afanoso e útil em todos os setores do Reino.

O Chico Martins, assim o conhecemos sempre, ou portas a dentro!, em casa, ou mesmo no templo, tem uma qualidade específica, entre muitas que alindam o seu caráter cristão, — é a sua tenacidade —. Quando põe mãos numa tarefa, faz o que deve e o que é preciso, e tudo executa com redobrado senso de responsabilidade, com o ideal de perfeição, querendo o melhor dentroí do melhor.

A tese que aí está perante o nobre leitor é prova cabal do que estou pontificando.

É erudita. É completa. É bíblica. É técnica. É prática. É total.

Desejo apenas que o leitor percorra esta monografia útil com simpatia, com fé e no elevado espírito de servir ao Senhor dos presbíteros fiéis de sua seara militante, no nosso Brasil, sentinelas firmes e incansáveis, e ainda que Deus abençoe sobremodo esta primorosa obra e o seu ilustre servo, dela autor abnegado, o qual, eu sei, procurou realizar nestas páginas elucidativas o máximo do bom para o bem máximo de todos.

Rio de Janeiro, outubro de 1958.

Galdino Moreira

Pastor Emérito da Igreja Presbiteriana do Riachuelo, D.F., Fiscal de Ensino no Distrito Federal, Presidente do Sínodo Central ""é detentor de quantos cargos pôde aceitar nos Concílios da Igreja Presbiteriana do Brasil, além de jornalista e notável esciitor e de ser considerado o maior te ólogo presbiteriano do Brasil.

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O O FÍ CI O DE PRE SB ÍTE RO

FUNÇÃO ADMINISTRATIVA

Administrar é gerir, reger, velar, governar, aplicar, conferir, ministrar, funcionar no sentido ativo e, não, meramente, como um rei num trono.

Gerindo, o presbítero assume a responsabilidade de quem tem contas a prestar. Um conhecimento adequado de todas as dimensões da função, da sua origem até o ato da posse, é indispensável a quem fôr investido no cargo.

Regendo, o presbítero governa, guia, pilota, como se estivesse sozinho com um barco em pleno mar. Obediência às regras, qualidades pessoais próprias para quem tem de navegar sem horizonte, virtudes que determinem prudência nos movimentos e coragem na tormenta, são condições essenciais para o cargo.

O exercício do governo requer experiência, proscreve a improvisação. O presbítero tem de conhecer de onde veio e para onde vai, para bem conduzir a comunidade a seu cargo.

Velando, êle cerca o cargo da proteção que merece, exerce a função com perseverança, dignifica o ofício pelo contato permanente com o Doador de energias, sabedoria e fé. Os vendavais que o oficio tem enfrentado sugerem ao presbítero uma vigilância insone para não quebrar a linha mestra dos objetivos de Deus, que criou o cargo.

Conferindo, dando, outorgando, concedendo, transmitindo a outros, o presbítero continua a obra da maneira como nela entrou. Está formando equipes futuras. Está intercedendo junto ao Pai para que preserve, naquele que recebe missões de Sua mão, os padrões multimilenares do ofício.

Ministrando, em nome de Deus, o presbítero está concretizando o ideal cristão de servir. Está pondo diante de alguém alguma virtude, algum ato, alguma coisa, que, por seu intermédio, é contemplada.

Pelo exposto vê-se que a função administrativa do presbítero não é assunto que se situe no espaço, isoladamente, e, nem, tão pouco, no tempo, como criação humana. Isso, a menos que nos limitemos a reproduzir o que a Constituição da Igreja define como sua competência nos dias que correm.

O presbítero é parte de um órgão, no qual deve funcionar obedecendo a regras implantadas pela experiência. Então, temos que perquirir a História, para aquilatar da sua eficiência.

O presbítero é uma instituição, com conceitua-•ção própria, firmada no mundo. Então, temos que indagar como a fundaram. Temos que perguntar à Doutrina como a criou, e à Igreja como a tem conservado através dos tempos.

O presbítero é um espelho no qual mandam as Escrituras se mirem os do rebanho. Então, é preciso investigar a sua motivação e as suas qualificações, a ver se o tempo pode depor em seu favor.

O presbítero é discutido. Então, é necessário ver como tem resistido aos vendáveis, se tem sofrido desfigurações e se tem comprometido sua frutificação. Que a árvore é vetusta, sim,

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é. Mas é preciso ver onde se firmaram suas raízes, que seiva a alimenta, que sombra oferece e que benefícios comunica seus frutos.

Vem daí o plano deste trabalho, o qual se encontra a seguir.

O desenvolvimento desse plano se faz pensando em glorificar a Deus, em honra ao Senhor Jesus e em testemunho de amor à Igreja Presbiteriana.

ÍNDICE I .........................................................................................................................................8

O OFÍCIO DE PRESBÍTERO ............................................................................................8

1. DEFINIÇÃO ..............................................................................................................8

2. NATUREZA E ESSÊNCIA ..................................................................................... 11

3. ATRIBUTOS E PROPRIEDADES .......................................................................... 16

II ...................................................................................................................................... 20

HISTÓRIA DO PRESBITERATO ................................................................................... 20

1. ORIGEM BÍBLICA .............................................................................................. 21

2. EVOLUÇÃO BÍBLICA ........................................................................................ 23

3. EVOLUÇÃO DEPOIS DA ERA APOSTÓLICA .................................................. 29

4. ASPECTOS DA HISTÓRIA DO PKESBITERATO EM OUTRAS IGKEJAS ........ 36

5. A LUTA ENTRE O PRESBÍTERO E O BISPO PRELATICO.............................. 39

III. ................................................................................................................................... 44

A VOCAÇÃO E A INVESTIDURA DO PRESBÍTERO ................................................. 44

1. QUALIFICAÇÃO .................................................................................................... 44

2 — ELEIÇÃO ............................................................................................................ 61

3 — POSSE ................................................................................................................. 64

IV .................................................................................................................................... 68

MOTIVAÇÃO DO PBESBITERATO ............................................................................. 68

1 — Razões Materiais .................................................................................................. 68

2 — RAZÕES ESPIRITUAIS ...................................................................................... 70

3 — BENEFÍCIOS DO REGIME PRESBITERAL .................................................... 71

a) A REPRESENTAÇÃO PURA .......................................................................... 72

b) O GOVERNO RACIONAL .............................................................................. 74

c) A ORGANIZAÇÃO CONCILIAR .................................................................... 75

d) A DINAMIZAÇÃO DAS FORÇAS .................................................................. 76

V...................................................................................................................................... 79

DISCRIMINAÇÃO FUNCIONAL .................................................................................. 79

a) FUNÇÕES DO PRESBÍTERO DOCENTE ............................................................. 80

b) FUNÇÕES DO PRESBÍTERO REGENTE .......................................................... 82

VI. O PRESBÍTERO NO BRASIL .................................................................................. 85

1 — Situação Determinada pela Constituição da Igreja ................................................ 85

2. COMPARAÇÃO COM OUTROS CARGOS .......................................................... 89

VII. .................................................................................................................................. 90

CONCLUSÕES ............................................................................................................... 90

VIII. ................................................................................................................................. 93

OBSERVAÇÕES ............................................................................................................ 93

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I

O OFÍCIO DE PRESBÍTERO

1. DEFINIÇÃO

Segundo a opinião de homens santos e estudiosos da questão, o presbiterato tem a consagração do tempo como um ofício.

Ofíc:o é, antes de tudo, uma dignidade, um ministério, uma missão, todos em grau acima do comum. É um mandato com confiança e autoridade. O seu desempenho é um serviço e não uma obrigação tabelada.

Por ser um serviço difere de cargo, que é somente obrigação. O cargo pode ser uma delega-ção, mas pode ser, também, uma imposição aplicada por necessidades circunstanciais. O cargo assemelhasse à gerência de bens alheios; tem carãter dependente e estreita relação com gestão de negócios. No cargo o ocupante é mero instrumento de regulamentos, variando a situação conforme as interpretações. É especificamente temporário, com prémios e sanções. O ocupante do cargo é escolhido por determinação (senão por injunção) exterior e seu comportamento vincula-se à noção de paga e retribuição, se não objetiva, pelo menos subjetivamente.

O cargo tem muito do múnus e o ofício nada tem que ver com o estipêndio.

O ofício é contínuo, é um estado. O cargo é um modo, portanto, é circunstancial, é o desenvolvimento de uma aptidão.

Em comum, o ofício e o cargo conferem autoridade e poderes, os quais, no ofício são o desempenho da missão e, no cargo, a constrangida obediência a normas e regulamentos.

Nas Igrejas Católica Romana e Grego Ortodoxa o ofício é, ademais, uma classe. Seu ocupante é um dignitário e não um diginificado. É um revestido de dignidade e não um investido em dignidade.

O presbiterato sendo, primeiramente, um ofício, 6 secundariamente, um cargo, mas sua importância provém categoricamente de ser um ofício em virtude da elevada peculiaridade do ofício.

Presbítero

A palavra presbítero, amplamente conhecida na literatura, é a tradução literal do vocábulo grego PRESBYTEROS (SÉNIOR, no latim), que é o comparativo de superioridade de PRÉSBYS, velho ou ancião. Ccnclue-se, assim, que, preliminarmente, o presbítero é um homem menos moço, com mais idade do que o comum dos de um grupo ou congregação. Idade, no sentido de vida mental, vida moral e vida espiritual, experiência, mais mesmo, do que vida no tempo. Nessa acepção encontra-se a palavra desde tempos imemoriais entre-1 o povo grego, dando nome à função de patriarca de uma família, ao chefe de um tribo e ao governador de regiões conquistadas. Em todos os casos citados é um homem em idade provecta exercendo função de cornando único. A afirmativa é importante, em virtude da qualificação "'de tais homens, que eram es que mais tinham vivido, visto, ouvido e experimentado.

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Vê-so que o termo é desses que são exclusivamente bíblicos; tanto melhor para quem desejar conhecer menos superficialmente a sua expressão.

O presbítero, no sentido em que aqui o estudamos, é personagem saliente na História Sagrada, desde o tempo das primeiras narrativas. Entrou nela por todas as portas que lhe dão acesso: como magistrado, chefe, governador, cabeça de família, cabeça de tribo e condutor de massas, assim como embaixador e, até, comandante militar. O primeiro elemento chamado, entre o povo judeu escravo, para representá-lo perante uma autoridade é o ancião, — o presbítero, — ao qual Deus determinou a Moisés convocasse para gestões de libertação perante faraó do Egito1. Na última página da História Sagrada, isto é, no cumprimento das profecias, vamos encontrar o presbítero exaltado, cercando o Rei Jesus no trono do Monte Sião, recebendo as honras que lhe serão prestadas pelos 144 mil2.

Na sequência magnífica em que o presbítero é encontrado no mundo das Escrituras Sagradas e no ponderável dos atos que o vemos praticando no tempo e em toda parte, encontramos os elementos necessários à definição do presbiterato. Diremos, assim, que o presbítero é:

— homem, — homem amadurecido, já vivendo a média das idades encontradiças na comunidade religiosa que o está escolhendo, — com conhecido conjunto de virtudes e reconhecida capacidade de governo até da própria família; — com um trato que inspire acatamento e respeito; — com aptidão para satisfazer a maioria, se ão a totalidade das exigências e modalidades do ofício, para o qual, em estando tudo em ordem, é tido como chamado por Deus e investido pelo Concílio.

A necessidade de compor esse quadro faz pender essas preferências para a anciania. Nela, a maior probabilidade de reunir a soma de cabedais suficientes. Foi assim no passado. É a essa altura que se defrontam o presbítero e o ancião. Defron-tam-se, confundem-se e unificam-se. O ofício é, assim, antigo.

As funções nascem primeiro. Quem as deve executar aparece depois. A missão do presbítero já existia nas brumas da história antiga. O cargo surgiu como uma real necessidade. À míngua de designação específica para quem a viesse desempenhar, o “an-cião”, que reunia os atr"butos, serviu no tempo e por muito tempo, entrando nos assentamentos hie tóricos como "o mais velho" da família, da tribo, da cidade, do governo, etc. Na realidade porém, era o presbítero quem desempenhava essas funções. O "ancião" era só. o nome local de um oficial que, ma:s tarde, à luz da influência grega, viria a chamar-se "presbítero".

É como ancião, ou presbítero, que o vemos:

— desempenhando embaixada, como nrnistro plenipotenciário do povo israelita perante o faraó3, — recebendo ordenação do próprio Deus4,

1 Ex. 3:16 e 18 2 Apoc. 14:3 3 Ex. 5:15 4 Números, 11:16,17

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— participando de um governo colegiado5, — judicando6, — integrando um Senado presidido por Moisés7

, — ensinando, instruindo8.

Somando-se os diversos fatores da descrição das suas funções com o modelo bíblico acima retratado, pode-se concluir que o presbítero é:

1) o vocacionado por Deus 9 para uma tarefa de cooperação com Êle; 2) um ancião escolhido pela comunidade em que vai exercer o cargo; 3) um ordenado por Deus para um nrnistério; 4) um representante do povo, que o elegeu, em toda parte onde a multidão não puder comparecer em massa; 5) uma parte num governo que deve ser exercido com outros seus iguais; 6) uma autoridade judicante em todas as cortes das causas de interesse da comunidade; 7) um guia, um guarda e um Mestre, para conduzir o povo dentro do plano divino, para que cada um se comporte corretamente como um cidadão da Terra e do Céu.

No Antigo Testamento o ofício é o que mais importa; o resto é consequência deste. Mas encargos da natureza dos enumerados só cabem no que se chamava de "ancião".

No Novo Testamento é encontrado na sinagoga10, nos agrupamentos, ora ensinando 11, orando, lendo as Escrituras e exortando12, disciplinando o povo 13 e muito mais. Também tem assento no Sinédrio, — como nos tempos do Antigo Testamento, compondo os setenta, na companhia de sacerdotes renomados, príncipes e escribas, exercendo poderes sobre a vida e a morte14. Contrastando com a grandeza do Sinédrio, achamo-lo como policial prendendo 15, insuflando a plebe16, inquirindo 17 e impondo castigos sumários 18.

O presbítero viveu e serviu sempre como ancião. É nessa qualidade que S. Pedro se apresenta como presbítero 19, mostrando sentir-se bem em apresentar-se como detentor do cargo. Êle era tanto o apóstolo como o presbítero, mas escreve às igrejas invocando uma autoridade que muito o honra junto à função de apóstolo, assim, igualando-se ao seus companheiros e presbíteros, nas igrejas.

5 Deut. 1:15 6 Deut. 16:18 7 Deut. 27:1 8 Juizes. 8:16 9 Efes. 4:1 10 Mat. 15:2; Atos 18:8 11 Atos 11:30; 14:23 12 Atos 13:15 13 Luc. 13:14 14 Mat. 26:3 15 Mat. 26:57 16 Atos 6:12 17 Atos 7:1 18 Atos 23:2 19 I* Pedro 5:1/3

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S. Paulo erige o presbiterato em motivo de honra para os fiéis 20 e, ao faze-lo, emprega a denominação nova do ofício, chamando-o pelo nome grego de PRESBYTEROS. O vocábulo antigo passa a nomear as funções características no rebanho cristão. Dividem-se as águas na terminologia néo-testamentária.

O presbítero de agora era o mordomo da Velha Dispensação, por alguns chamada "Igreja do Velho Testamento"21, o qual exercia o cargo pela inspiração de Deus e por Deus consagrado22.

A Igreja do Novo Testamento coube apenas apossar-se da herança gloriosa do ofício e, fazen do-a derivar do apostolado 23, conservou o presbítero como separado por Deus, porém, escolhido pela livre vontade da congregação que o submete à imposição das mãos para se consagrar ao ministério da Igreja em setor de dignidade.

Transformado o processo da salvação, enveredou o presbítero na rota do antigo ancião, como na do primitivo sacerdote em certos atos, escoimado o ofício do extinto cerimonial. A Igreja repartiu as funções, sem afetar a essência do ofício. Fundada na diversidade de dons, a uma classe de presbíteros ficaram todos os encargos do ofício, mais o de ministrar o sacramento. À outra, igual em tudo menos nisso, o auxílio à primeira e as demais ini-ciativas no apascentamento do rebanho. Juntos, compõem os dois um corpo diretivo da família de Jesus e funcionam, normalmente, como partes que se completam.

2. NATUREZA E ESSÊNCIA

Evidentemente, o ofício de presbítero é uma honra, uma distinção. Não se procura, ao escolher um candidato, um indivíduo em condições de exercer a administração em todos os sentidos. Procura-se pessoa recatada, respeitável ou que tenha outras recomendações.

Ê uma posição que enaltece. O presbítero ê alguém a se sobressair na comunidade.

Não é, entretanto, mera honraria; o presbite-rato integra o oficial na vida administrativa da igreja em todos os seus variados setores.

Destarte, devemos olhar o preshiterato com mais respeito e melhor compreensão, porque é, acima de tudo, uma investidura de natureza espiritual. No presbiterato é preciso reconhecer interferências divinas. No exercício do cargo deve-se ver Deus executando a mais variada e a mais edificante tarefa, em favor do rebanho de Cristo.

Por isso é necessário penetrar a fundo na natureza do presbiterato para que se possa compreendê-lo e, consequentemente, para que se possa exercê-lo dignamente.

Três aspectos diferentes, a nosso ver, explicam a natureza do presbiterato:

1.° — o dom; 2.° — o ofício; 3.° — a classificação.

20 I Pedro 5:2 21 Waiter L. Lingle, D.D., THE PRESBYTERIANS, their hístory and beliefs 22 Núm. 11: 16 e 17 23 James Hasiings DICTIONARY OF THE APOS-TOLIC CHURCH

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O DOM

O dom, que em sentido lato é uma transferência voluntária de algo que se possua ou se detenha, sem compensação, é, também, um ato de amor, de afeto, e de serviço, prestado por uma pessoa (o doador) a quem o recebe (o recipiendário). Mas só é ato de amor, de afeto e de serviço quando praticado sem consideração de nenhuma espécie.

No uso vulgar, o que se dá é um presente24, ou uma recompensa 25, talvez uma reparação 26, e, até um suborno 27. Em todos os casos, todavia, exceto o último, o dom é um penhor de amizade, de favor, de boa vontade, de reconhecimento, de cooperação, de inspiração,

Como Deus opera no Seu Reino por meio dos homens e, como essa operação, que é o ministério da igreja 28, requer o aperfeiçoamento dos obreiros para o progresso do Reino, Deus colocou-se como Supremo Doador de excelentes graças 29, para que cada um e todos lavrem cada vez melhor a vinha do Senhor.

O rebanho tem que ser instruído e edificado nas verdades eternas e o dom é, em linguagem humana, o material a ser gerido de tal forma que os benefícios se comuniquem de maneira a merecer a aprovação de Deus 30. O presbítero é um mordomo e administra os dons de Deus, conforme os tiver recebido.

Sem constranger a personalidade dos seus servos, aos quais proporciona meios de ação por iniciativa própria 31, o Senhor oferece oportunidade de exercício de poderes espirituais e de pendores pessoais.

Deus chama os obreiros para executarem uma obra por Êle planejada, distribui as responsabilidades, não as acumulando, mas dividindo-as com a sabedoria própria da divindade, conforme a enumeração dada por S. Paulo:

"De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é miirsté-rio, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com libera-lidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria" 32.

Todos na obra, seja no campo, seja na cidade, distribuídos por setores 33, dirigidos pelo Espí rito Santo de Deus 34. Uns em serviços mais simples, outros em deveres de maior significação. Uns a formar os grupoc, agregando os elementos, formando as equipes, com habilidade, outros só a dirigi-los. Uns aprendendo a trabalhar, outros ensinando a trabalhar

24 Est. 2:18; Mat.-2:11 25 Dan. 5:17 26 Gên. 34:12 27 Deut. 16:19 28 Efes. 4:12 29 Tiago 1:17 30 I Pedro 4:10 31 Mat. 25:14/17 32 Rom. 12:6-8 33 I Cor. 7:7 34 I Cor. 12:14/17

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35. Uns confinados ao programa individual, outros como forças de comunicação entre os obreiros e dos obreiros com o Supremo Comandante, Deus 36.

Instituindo o presbiterato, Deus deu ao homem oportunidade de ser um mordomo em grau mais elevado, pelo que, escolhe servos com maior soma de dons.

A maneira de os fazer compreender onde operar, de selecionar a espécie de trabalho a cumprir e de infundir a disposição para executar, com gosto, com constância, e com crescente aperfeiçoamento, a atribuição respectiva, isso é a vocação divina.

O que parece certo é que Deus, na sua imensa sabedoria, vocaciona para obra determinada; cada um, ao entrar na vinha, recebe ordem expressa, missão caracterizada até por espec'alidade dentro da mesma função. É assim que achamos S. Paulo chamado para o apostolado dos gentios e Pedro para o dos judeus 37. Os setenta da peregrinação 38, o Senhor os convocou para o anunciado fim de colaborarem no governo da multidão, dizen-do a Moisés:

"contigo levarão a carga do povo, para que tu só não a leves".

O indivíduo tem, todavia, que depender de Deus para, através do Espírito Santo, receber impulsos de despertamento da vontade e de dinamização dos seus dons. É a que S. Paulo afirma, quando diz:

"Deus é o que opera e,m vós tanto o querer, como o efetuar, segundo a sua boa vontade" 39.

Deus, porém, é a fonte de energia esperando o contato. O dom 40 não é uma imposição; é o tornar proveitosa a disposição íntima e essa é o efeito de outros fatores nos quais Deus participa através das suas leis. Ao dar-nos Jesus Cristo, o Pai não violentava a vontade do Filho, mas tornava eficiente a disposição da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade para operar a redenção do homrm decaído.

Repita-se que a disposição para exercer ativi-dades no Reino (dádiva) e a capacidade de ex-cu-tar at'"vidades no Reino (dom) são graça conferida por Deus e conferida por Deus espontaneamente 41.

Parece-nos, pois, caber aqui a conclusão de que a natureza do ofício presbiteral é de origem divina, de iniciativa divina e a sua substância é o toque da vontade d'vina refletido no poder de executar a parte humana da tarefa.

EXERCÍCIO

O exercício do cargo de presbítero é ministério, cumprimento de missão, desempenho de mandato. Todos os três aspectos; uma ação em nome de outrem.

35 Salmo 6:6 36 Salmo 6:6 37 Gál. 2:8 38 Num. 11:17 39 Filip. 2:13 40 João 4:10 41 Tiago 1:17

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Essas três definições exprimem: 1.° uma investidura atuante; isso é o ministério; 2° uma ativi dade, um movimento objetivo, planificado; isso é a missão, como a de um embaixador junto a uma ração estrangeira; 3.o uma autoridade, um poder conferido, transferido; isso é o manuato, a outorga, a procuração, a delegação.

No ministério toma-se uma parte dos serviços de algué-i para cooperar com ele. É uma descarga de responsabilidade para quem o nomeia e uma carga para quem recebe.

O ministério de Deus consiste em executar a parte humana do programa de Deus que visa à redenção do homem42. Deus fêz o plano. O plano compreende muitos serviços. O min:stro aceita uma parte dos serviços. Aceita para empregar seus dons. Emprega segundo a quantidade e a qualidade dos dons. Aí, a diversidade de desempenho de um ofício que conserva, mesmo na variedade, uma única natureza.

Segundo o emprego dos dons no exercício presbiteral, têm sido distinguidas três classes:

1.ª — a do ministério da Palavra, 2.ª — a do governo e disciplina e 3.ª — a da administração de património social.

Misturam-se nessas três classes de atividades do presbiterato todas as tarefas suficientes para satisfazerem os requisitos necessários de ordem espiritual e de ordem material, que ocorrem na vida da comunidade. Essas necessidades surgem na Igreja de Cristo da mesma maneira e com tamanha frequência como apareceram nas sociedades humanas. Os problemas, como os ventj-i nem sempre se anunciam antecipadamente; a organização da equipe da igreja, com o presbiterato, é uma força amortecedora dos seus efeitos.

A Igreja de Cristo tem experimentado isso mesmo através da sua vida. Contava apenas 48 anos quando enfrentou o problema do rito mosaico; 43 esse fato foi somente o início de uma série de problemas que tem, infelizmente, juncado os campos de batalha de cadáveres de irmãos.

Também o presbiterato, o exercício do cargo de presbítero, tem defrontado dificuldades enormes e inúmeras. Logo no princípio foi chamado a ouvir e a julgar um relatório 44, o da primeira viagem missionária de S. Paulo. E outros e muitos outros, num crescendo constante.

Os diversos aspectos do exercício do ofício mul-tiplicaram-se e com a multiplicação vieram apelos e mais apelos, sugerindo a necessidade de interferências em todos os terrenos e a todas as horas. O presbítero, premido pelas circunstâncias, reconhe-cia-se cada vez mais dependente de Deus, transformando seu ofício em um cargo de oração e unção no dizer de João Calvino 45.

João Calvino diz "eram os oficiais", defin:ndo a abrangência da equipe; er^rn todos. A diversidade de dons e a variedade de serviços não excluíam ninguém. A Igreja, organizando-se de baixo para c:ma, levou todos os obreiros, sem distinção, à seara do

42 Oséias 12:10 43 Atos 15 44 Atos 21:18/21 45 Tiago 5:14 citado por Calvino em "Institutas"

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Mestre. Apóstolos, profetas, evangelistas, pastores, doutores 46, cada um operando em seu setor e todos, em conjunto, na obra geral.

A obra cresceu e passsou a reclamar estruturação, coordenação, a bem da ordem e do rendimento das energias empregadas. É a lição da natureza, dos seres vivos, do corpo humano. Há partes essenciais e partes dependentes. É preciso desenvolver a açao e enfrentar a reação. Tudo foi agitado sob a inspiração de um princípio animador e fêz-se a

CLASSIFICAÇÃO

A divisão em classes, — providência necessária, — sempre dá origem a dificuldades. Definição de posições, ascenção, prestígio, são, sempre, fato-res de inquietação onde prepondera a ideia humana. Por outro lado, ela poder trazer consigo erros que reclamem providências.

O objetivo da primeira classificação era puramente funciona], compreendendo: ordem no serviço, distribuição racional dos encargos e aumento do rendimento. Não obstante, a classificação insi-nuou-se na era post-apostólica como hierárquica. O presbiterato não era de natureza a inspirar hierarquia, mas o evento aconteceu e a inovação implan-tou-se.

O que o progresso vertiginoso do cristianismo indicava era a divisão das funções, a classificação funcional. Divisão em partes, relativamente iguais em autoridade, peso, e nível, para conservar a harmonia na ação. O presbítero continuaria a ser o centro do organismo eclesiástico, como tem sido possível na Igreja Presbiteriana. Seria o "supremo título de honra do ministério"47, o eixo do sistema doutrinário, o modelo das virtudes para o rebanho sem comparação 48, uma só voz no ambiente conciliar, uma só autoridade, um só Juiz, uma só obrigação de prestar contas; tudo isso, evidentemente, exprimindo o voto das maiorias em colégio.

A classificação era o caminho para a racionalização, para a especialização dos serviços, tão do gosto em nossos dias em matéria administrativa. A uma classe: a palavra, a doutrina, a interpretação e a pregação 49, com o ensino espiritual público e particular 50, a ministração das ordenanças 51, que são encargos afins. À outra: o comple-men dessas atividades como auxílio da primeira 52, a fim de dinamizar a doutrina em serviço, a fim de tirá-la do terreno da teoria, pró ordem 53, disciplina 54, supervisão 55, administração dos bens da sociedade 56, alimentando as ovelhas com amor, desprendimento e exemplo (57).

A natureza e as razões do que é atribuído ao primeiro, aquilo que êle deveria realizar para não falhar à sua missão, a obrigação precípua, normal, não casual nem acidental, eficientemente elaborati-va da santificação do rebanho, isso é que determinaria a formação

46 Efes. 4:11 47 W.C Taylor, DOUTRINAS 48 I Tim. 5:17/24 49 I Tim. 5:17 50 Atos 20:20/21 51 Mat, 28:19; I Cor. 1:16,17 52 Núm. 11:17 53 I Tim. 3:5 54 I Tim. 5:17 55 Atos 20:17 56 I Pedro 5:1/4

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da classe dentro do todo do ofício, sem bifurcação. A isso se aplicaria o nome de função de presbítero docente. Variação em um mesmo grau; ramo de uma mesma ordem sacra.

A jurisdição do segundo, conhecida a do primeiro, man"festa-se claramente nas obrigações de ajudar no governo, e desenvolver outras atribuições de natureza material em favor das ovelhas.

Esse é o presbítero regente.57

3. ATRIBUTOS E PROPRIEDADES

Atributos

O presbítero é um mandatário da congregação; essa, a convicção presbiteriana. O mandato é cas sável, conforme as Constituições das Igrejas em todas as nações. É uma delegação de poderes, com as características de uma procuração no sentido secular.

Na existência de categorias de mandatos, na sua amplitude ou na sua confinação, com a indicação dos atos a praticar, reside a limitação dos poderes. É uma consequência natural da soberania do outorgante, à Igreja, — como agência do Reino de Cristo, militante.

A inteira obediência a essa forma de organização em nossa Igreja atesta o espírito democrático do seu regime, dando a cada simples membro de uma comunidade o direito de participar, pelos seus representantes, da vida geral em todas as fases. E esse regime é, a seu turno, a manifestação da fé que depositamos em doutrinas como a da Soberania de Deus, a Justificação pela Fé e outras que valorizam a criatura humana e a colocam em posição ativa na movimentação do rebanho de Deus para realizar o Seu plano.

Essa organização é,- também, um testemunho da importância que se atribui aos cargos, os quais sobem da categoria de simples honras à de funções atuantes na sociedade eclesiástica.

O mandatário da comunidade é um irmão que se projeta, que se realça, no ofício Co

presbiterato, mas não é um homem qua se apossa de uma situação, por sua livre escolha, impondo-se à comunidade como um fato que se consuma à revelia dela. Aqui, um outro atributo do cargo. Os ocupantes são investidos e a investidura é precedida de consulta a toda a comunidade, que recebe instruções previamente e elege quem bem quiser.

O cumprimento de um mandato exige autoridade, delegada pelo mandante. Rezam as procurações de uso comum: "como se eu próprio fosse". O outorgado passa a corporificar-, dentro dos termos da outorga, aquele que a concedeu até que se proceda à cassação. Há uma fronteira para a delegação dos poderes; é onde o mandante quiser entrar na ação, ele próprio. Verifica-se, destarte, a graduação dos poderes que pode ser discriminada na outorga, ou qualificada de "poderes gerais". O mandante sempre tem uma parte que é indutàvelmen-te sua e se a outorga não contiver restrição, dentro dos quadros legais, é porque o outorgante já recebeu o que era seu antecipadamente, vendendo um direito. Ainda assim, está satisfeita a sua vontade e coberto o que era seu. A Lei, soberanamente, preside ao jogo de interesse entre as partes.

57

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O caso tem reprodução perfeita no presbite-rato. A lei é a Bíblia; ela preside o desempenho do cargo, respeitando os direitos das partes. Os regulamentos são as resoluções dos Concílios regulares. Nesse clima, o presbítero exerce seu cargo. E aqui, outro atributo magnífico do presbiterato, o qual não não se pode exceder em desmandos, em imposições, em abuso de poder, em má interpretação da Lei. Autoridade? Êle a tem muita, mas debaixo da lei, como reza o muito citado provérbio latino.

Imputando-lhe autoridade, a congregação re-veste-o da dignidade que acompanha a toga de um mestre e a beca de um magistrado. Não há decência nos cargos a quem faltar dignidade, dimimrda pelas restrições. Não se respeitam os ocupantes de cargos que se arrogam dignidade própria. Eis aqui outro atributo do presbiterato e um atributo dos mais nobilitantes.

O depoimento da história coloca o presbítero, desde os mais antigos tempos, como o conselheiro dos reis, dos príncipes e dos governadores 58. Sempre foi parte nos Conselhos e nos Concílios 59. Vimo-lo associado as autoridades na sanção de leis e na lavratura de decretos da igreja 60. Aqui, é oficial com direito a trato ameno, mesmo quando incurso em falta 61; ali está agasalhado

contra a maledicência (tão comum contra os que ocupam posições), não podendo ser processado senão com o testemunho de duas ou três testemunhas 62. É credor da estima e da honra dos que o elegem para o ofício, valorizando a escolha que deixa de ser uma formalidade 63.

Esses, mais alguns privilégios, formam os atributos do presbiterato. Não são produto de raciocínio, nem interpretação de ocorrências do nosso dia; são pronunciamentos da Palavra de Deus.

Para realçar o ofício, temos nele a vitaliciedade da ordem. É a marca divina do presbiterato. Sendo o presbiterato de origem divina, é instituição com as marcas do decreto de Deus, para cujos efeitos não há tempo, porque o tempo é humano. A vitaliciedade no ofício do presbiterato é outro atributo e é matéria de fé na igreja a que pertencemos.

Um ofício que pode apresentar-se com esses sinais distintivos só pode ser de origem divina.

Propriedades

O presbiterato é cargo para quem quer servir. Insistimos na opinião de que não é só honraria. Suas funções compreendem encargos difíceis e acumulados, que exigem dedicação e trabalho constantes e árduos.

Podemos citar as seguintes propriedades deste ofício: a vocação divina, a legitimidade, o ajusta mento, direitos peculiares, consequências próprias e naturais. Poderíamos dizer que

58 Esdr. 10:8 59 Atos 15:6 60 Atos 16:4 61 I Tim. 5:1 62 I Tim. 5:19 63 I Tim. 5:17

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essas três: a vocação, a legitimidade e o ajustamento são essencialmente primárias: as restantes são secundárias.

A Vocação é um "chamamento com voz" (voca-tio de vocare, chamar audivelmente). Deus, Onis-ciente, conhecendo, como conhece as'nossas inclinações, cria ambiente, no qual circunstâncias peculiares atraem nossa atenção para aquilo que devemos ado-tar como um determinado programa de ação para nossa vida64. Desse ambiente, alguma voz exterior ecoa, algum fato nele ocorre, alguma comunicação acontece, e tal fato é o chamamento para entrar na obra.

Essa voz ressoa em ocasiões e em tonalidades as mais variadas. Difícil é o compreendê-la.

Josefo, o grande historiador do povo hebreu 65, declara presumir que Terá sentiu de alguma forma, na Caldeia, a necessidade de sair de Ur, quem sabe, diz êle, para esquecer um filho que falecera. A narrativa bíblica 66 ignora o caso. No discurso do Capítulo 7 de Atos, Estêvão assegura que Deus falou a Abrão 67, que já residia em Harã, para fundar uma nação. O ambiente foi criado por uma emigração, em companhia dos parentes enlutados; a circunstância foi a vida numa terra estranha, com hábitos e meios diferentes dos caldeus. A voz é, nessa feita, a do próprio Deus que, em todos os casos, arremata o chamamento interior por outro exterior, ou outros, visíveis.

Saulo foi chamado em pleno dia, à vista de testemunhas 68 Samuel, uma criança que pres tava serviços sem significação no Templo, num leito antes de adormecer 69.

Na galeria de obreiros do Reino veríamos uma infinidade de cenas como as descritas, com aspectos peculiares, mas todas com o mesmo característico comum. Heróis da fé nos dias de martírio, soldados valentes, reformadores, pregadores, professores, ministros, missionários, cada um tem a sua história e cada história mais edificante. Ira D. Sankey, o grande musicista evangélico e missionário, foi chamado por Deus pela voz de Moody que o convocou dentro de uma repartição pública: "eu te intimo, em nome de Deus, a ir pregar o Evangelho com a tua voz"!

Cada presbítero integrado na sua função, que esteja exercendo mesmo a administração do rebanho do Senhor, terá uma experiência a contar, confirmando a sua vocação.

A Legitimidade verifica-se na maneira de investidura, na sua conduta no exercício do cargo e nas consequências da sua atuação.

Esses fatores serão, oportunamente, objeto de estudo, tal a sua expressão na vida presbiteral. Diga-se, porém, desde já, que há prescrições bíblicas que dizem, claramente, sobre a propriedade, em cada caso. A sua desobediência depõe contra a legitimidade da vocação e a propriedade do ofício. Acentue-se que a conduta do oficial, se digna, cres-centemente firme70, sem tropeços e quedas repetidos 71, testemunho abundante até em afli-

64 Is. 22:20 65 "Antiguidades" 66 Gèn. 12 67 Gên. 12:1 68 Atos 9:3/7 69 I Sam. 3:3/15 70 Efes. 4:1 71 II Pedro 1:10

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ções 72 e com trabalho por ideal elevado, mirando alvos nobres 73, dirá da legitimidade da vocação. Pode haver engano da parte dos eleitores, co mo no caso de Diótrefes 74. Erros e quedas podem ser experiências dos santos 75, mas a inépcia, a irresponsabilidade, a indiferença para com a dignidade do cargo76, o mau comportamento social e o pecado provarão que a congregação fêz uma escolha ilegítima, sem a sanção divina.

O ajustamento, a adaptação do homem ao ofício, é outra propriedade de capital importância para o presbiterato.

O desajustamento neutraliza o obreiro e pode levá-lo a uma atuação verdadeiramente desastrosa para a Congregação. Porisso, as gestões iniciais à eleição devem incluir a experiência do candidato em outras atividades locais, a ver se se ajusta ao presbiterato. Não vivemos mais aqueles tempos em que se "pescavam" homens a esmo para oficiais da igre-ja, principalmente, para presbíteros.

Quatro campos de observação oferecem cogitações quanto ao ajustamento: a doutrina, a sociedade, a noção de dever e o sistema de agir.

O cargo só fica bem com quem conhece os padrões básicos da doutrina presbiteriana. Grandes males podem acontecer com quem ignora ou faz restrições, por exemplo, à doutrina da Soberania Divina. Como ensina às ovelhas aquilo em que sua fé não está firme?

Um bom desempenho do ofício tem estreita relação com a afinidade entre o presbítero e a sociedade local. O conhecimento, as relações, a harmonia, a receptividade, possibilitarão um exercício certo e próprio no cargo, tornando prestante e produtivo o esforço em favor da vida administrativa da Igreja.

O sistema de vida varia de local para local, principalmente em país como o nosso, em que não se fundiu uma raça, nem se implantou um sistema a que se possa aplicar o nome de brasileiro. Há diferenças, também, até de igreja para igreja, dentro da mesma denominação, como acontece nas grandes cidades. Sem dúvida, a experiência de um local pode ser útil a outro, mas não é indispensável; indispensável, sim, é um amplo conhecimento do meio, dos seus planos, dos seus ideais, das suas necessidades e do sistema que tem sido adotado com êxito.

A noção de cumprimento do dever fala tão alto por si mesmo, que nos dispensamos de comentá-la.

Por último, o modo de agir da pessoa dirá se ela se ajusta ou não a um presbiterato com propriedade. Impulsos, gosto reconhecido pelas novidades, desprêso a certas tradições caras ao meio e à denominação, repulsa a normas modernas na parte propriamente administrativa da sociedade, e outros requisitos, devem ser investigados antes de se "pôr o homem no lugar", para não ter, logo depois de o deixar à margem.

"Faça-se tudo decentemente e com ordem", recomenda S. Paulo muito avisadamente. Temos tendência geral para o relaxamento. Deus desce aos menores detalhes na instrução 72 II Tim. 1:9 73 Filip. 3:14 74 III João 9:10 75 I Cor. 10:12 76 II Tim. 4:14

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do povo, mandando colocar cada coisa no seu devido lugar e a seu devido tempo 77. O Senhor ensina com o seu método que as instituições do seu Reino devem ser propriamente dotadas em todos os sentidos.

As demais propriedades, embora secundárias, pouco menos significam como expressão do ofício. Porisso serão comentadas, mas a seu turno, posteriormente, em melhor oportunidade. Diremos, entretanto, com J. R. Seeley78, que

"onde houver a percepção de um ideal, aí podemos esperar encontrar o sentido de uma vocação";

porisso, todo cuidado é pouco, para não levarmos as restrições ao excesso. Por outro lado, certas manifestações defeituosas de caráter afastam o homem do cargo. Elas podem esconder deficiências de gravidade que destroem o sentido do ideal. A inconstância, por exemplo; em certas épocas fervor em alto grau, talvez, num vastíssimo deserto. Cuidado!

O Capítulo que agora se encerra mereceu tempo e estudo. Êle é a chave com que se abre a porta ao homem que deseje calaborar na administração da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.

II

HISTÓRIA DO PRESBITERATO

Em Direito Administrativo todas as questões oriundas da situação de um cargo, todos os problemas sugeridos no exercício de uma função, e todas as prerrogativas invocadas pelo detentor de uma posição, são estudadas à luz do passado. Velhos Códigos, Estatutos mofados, Regulamentos e Decisões, são cotejados com a legislação atual moderna e, frequentemente a superam. Assim, o passado é o velho mestre cujo convívio muito interessa. E nos demais setores da vida o caso se repete.

Por analogia, encontramos na história do presbítero os elementos necessários ao esclarecimento do que deve ser a sua função administrativa. Os edificantes episódios que essa história encerra, clareiam muito os horizontes atuais.

Diremos, com o devido respeito, que a história do presbiterato é a história da religião de Deus.

O conteúdo do capítulo anterior parece concorrer para se afirmar sem receio que o presbiterato é instituição divina. Como instituição divina e parte do Plano de Deus, o presbítero esteve presente e funcionou desde os primeiros capítulos da história dos povos. Colorações diversas, que as teve e ainda as tem, não afetam o aspecto fundamental do ofício do presbiterato.

Reconhecidas essas verdades, que, convenha-se, não se demonstram com dados matemáticos, à mingua de registros históricos, ftea evidenciado que o pensamento humano,

77 Lev. 26:4 78 NATURAL RELIGION

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a conceituação do ofício, é que têm sofrido a ação modificadora do tempo; não o presbiterato. Juntamos um gráfico ilustrando o Mo.

A Igreja que O conserva até nossos dias em acordo com as primeiras notas da história, despido dos ornatos com que pensaram engrandecê-lo, com a mesma modesta dignidade mas com a plenitude dos movimentos da sua função, essa igreja é depositária de uma herança gloriosa. Ê responsável pela conservação de um legado esplêndido que deve trans-mitir inalterado, na natureza e na essência, administrativa, moral e espiritualmente, às gerações futuras e jatar-se de assim poder transmiti-lo.

Seria bom que o homem considerasse intocáveis os padrões bíblicos das instituições divinas. Não deveria ser para importar o que pensamentos irrequietos ou insatisfeitos sugiram para modificá-los. As correntes modificadoras sempre existiram; mais em umas épocas e menos em outras. Muitas delas não passam de atestados da insensatez humana, insinuando a possibilidade de aperfeiçoar o que foi feito por Deus; justificam-se a seu modo, a pretexto de variação de interpretação, evolução, modernização, e alcançam o seu auditório; todo orador tem auditório...

Todavia, conservado dentro dos moldes em que primeiro surgiu, o presbiterato nada perdeu em eficiência, majestade e dignidade. E, — o que é de suma importância, — permanecendo com as características originais fica inteiramente na Bíblia, podendo dispensar com facilidade as novas roupagens que os modificadores lhe oferecem mais como decoração. Compulsemos a Palavra de Deus.

1. ORIGEM BÍBLICA

O ofício é bíblico. A nomenclatura, entretanto, tem variado com o tempo. As funções são as mesmas, em que pese a mudança do Pacto.

O Antigo Testamento apresenta-o, ora como "ancião", ora como "oficial". O novo Testamento acrescentou, mais, o "bispo".

Consideremos os dois primeiros.

O ANCIÃO

O ancião, seja como cargo ou como ofício, existiu antes do Êxodo. O cargo é anterior, mesmo, ao que tudo indica, ao próprio registro histórico das Sagradas Escrituras. A história da família hebréia está, inteirinha, nas Sagradas Escrituras, porisso e porque a melhor fonte de informações sobre o ancião é, mesmo a família hebréia 79, não sairemos dela. Nossas observações serão, pois, baseadas no Velho Testamento, como única fonte digna de fé. Do Velho Testamento tomaremos, principalmente, o Pentateuco, mais o livro de Ruth. Depois, apelaremos para o Talmud judaico com as suas tradições escrupulosamente compiladas, com o qual formaremos ideias sem menção especial, por que de difícil conferência.

No princípio a posição de ancião não era de escolha. Caía sobre, o indivíduo como uma decorrência da idade e da condição de patriarca, sobre cujos ombros pesasse a condução de uma prole.

79 Willysíone Goodsell, Ph. D., "A HISTORY OF MARRIAGE AND FAMILY"

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Admitido, já naqueles tempos como ainda hoje, que nada acontece que não seja da vontade de Deus, a condição de um patriarca, com descendência maior ou menor segundo a mercê divina (na convicção ju daica) 80, era investidura divina. Não era escolha própria, mas uma situação criada por circunstâncias promovidas por Deus. Porisso, era uma posição de dignidade, revestida de autoridade, cercada de respeito e obediência. Como hoje, nem todo casado era pai e nem todo pai era patriarca. A mão de Deus mostrava-se na propiciação dos meios para que o fato acontecesse. Não era fatalístico, porque, como dissemos, nem todo pai era patriarca. Reunidos os fatores determinantes, erigia-se o venerando pai em "cabeça da família", "príncipe da família", daí, em "príncipe das tribos" ou "pai dos pais" 81. Por esse caminho êle galgava a posição em que sua voz era a vontade de Jeová. Essa voz era ouvida ou como instrução, ou como conselho, como sentença. Não se congrega o povo na tenda, nem no campo, sem a sua chefia. Não se aceitam desafios para a peleja com vizinhos hostis sem o seu comando. A palavra do ancião era a palavra da calma^ e da prudência, da fé e da autoridade, na administração do património comum ou individual e no culto a eJová.

Parece fácil estabelecer a comparação entre esse ancião e o presbítero. Identificamo-lo nas suas ordens e no seu mister, tanto como na sua conduta perante a congregação do povo. A Setuaginta, aliás, em caráter único entre as traduções do Antigo Testamento, emprega o vocábulo presbítero para designar esse ancião das priscas eras.

O nome, todavia, não importa, quando o ofício pode ser assim identificado. E quem pode discutir diferença?

Se, entretanto, a questão é o nome, então vamos recuar e verificar que o de presbítero é mais velho do que o cargo, se bem que levando o traço comum do homem mais velho, disciplinador, condutor e governador. É assim que o encontramos nas origens da família grega, onde, ao oficial de governo e juiz se acrescentava o sacerdócio 82. Também aqui é o guia da família e o chefe da tribo helénica. Também aqui o PRESBÍTERO era de idade provecta e era venerado pela família que lhe tributava respeito e obediência e lhe conferia autoridade suprema em tudo.

Foi por faltar outra designação que o povo hebreu limitou-se a chamá-lo de ancião, sendo o ser ancião um privilégio que poucos homens conseguiam nas agruras da vida do seu tempo. Um exame consciencioso das funções e dos elementos históricos sobre o oficial leva à única conclusão: o presbítero está no ancião e o ancião está no presbítero. No-te-se de passagem, que o presbítero era um ancião, mas nem todo ancião era um presbítero; a função, os cargos e os encargos, os direitos e a autoridade, mais que o título, é que o levam ao encontro com o presbítero naqueles dias do longínquo passado.

Quando, mais tarde, se encontraram as duas civilizações, a hebréia e a helénica, esta socorreu aquela com o nome característico e aquela incorporou o título que a segunda não poderia conservar com a evolução do tempo e do pensamento religioso. A importação de um nome não afeta, nem levemente, a ideia ou a coisa; eis uma lição dos nossos dias. Uma língua mal aquinhoada no vocabulário se enriquece com a importação de terminologia estranha, muita vez só modificada pela grafia. O açúcar já existia antes de adotarmos no mundo latino a locução árabe que o designa; deixou de ser doce porisso?

80 Salmo 127:3 81 WMystone Goodsell, Ph. D., obra citada 82 Idem idem

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Os atenienses empregavam o "PRESBYTEROS" nas acepções mencionadas e o alternava com EPISCOPOS, este, porém, mais frequentemente, como governador civil, note-se, das regiões conquistadas. Era um interventor, imposto aos povos dominados, para reorganizá-lo nas bases das nações vitoriosas. Ao "PRESBYTEROS", reservava-se função mais elevada, mais transcendental, mais espiritual tanto que Homero empregou o termo na "Ilíada" para nomear deuses!

Não só os gregos, mas outros povos adotavam a dignidade presbiteral, com o nome de ancião, adaptado à sua língua, obviamente. Assim, os moabitas 83 e os midianitas 84, segundo o próprio testemunho bíblico.

Em suma, o ofício de presbítero não tem nascimento determinável, ninguém sabe quando apareceu. Ê de origem divina. É bíblico e está na Bíblia em retrato a corpo inteiro 85.

2. EVOLUÇÃO BÍBLICA

As funções

Muito importa a discriminação das funções do antigo ancião, porque é na sua identidade que nos fundamentamos para a afirmação dos nossos princípios. E estamos felizes porque temos tudo na Bíblia e, além dela, temos o socorro da História.

Partimos da família hebréia, conforme referência anterior; da família iremos à tribo e daí, à aldeia e à cidade. A aldeia foi o núcleo na formação nacional. É o que diz Goodsell:

"Dentro da comunidade de aldeia ou "grande família", conservava-se intacta — tendo seu próprio domicílio — a família básica, consistente de pais, filhos, e, muitas vezes, de avós e netos" 86.

Como a família hebréia era uma organização religiosa, coesa e una, o seu patriarca era também sacerdote; isso é um fato do tempo, como tantos outros que continuam acontecendo. As atividades sacerdotais devem ter sido constantes, tal o grande número de festas ritualísticas, de cerimoniais e de jejuns, segundo os relatos da Escritura, e do Tal-mud.

A vida pastoril do povo hebreu determinava uma emigração constante. Melhores sítios, melhores pastagens, melhores aguadas, os faziam mudar frequentemente. Também isso está no relato bíblico. Não havia, assim, nesse princípio de formação da raça, aglomerações estacionárias. Diríamos que viviam em "aldeias móveis", cuja estabilização flutuava à mercê das circunstâncias favoráveis à manutenção do grupo. O trabalho do ancião era nesse tempo o de cabeça, inclusive nas disputas com tri-, bos adversárias; muito afanosa era sua vida.

Dada, porém, a fecundidade da mulher hebréia, no que, aliás, o povo via a mão de Deus, e, celebrada, como era, a procriação, as famílias cresciam constantemente. Surgiu a dificuldade da remoção dos trastes, dos gados, das crianças e dos dependentes por deformidades ou incapacidade de sustento próprio. Aí, a razão do aldeamento.

83 Núm. 22:4 84 Núm. 22:7 85 W.H. Roberts, O SISTEMA PRESBITERIANO, trad. Rev. Gutenberg de Campos 86 WÍIlystone 'Goodsell, Ph. D., obra citada

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Mas a população continuou a crescer. Novos meios de vida acrescentaram-se ao pastoreio. A indústria do lar tomou forma 87 sob a gerência da mulher. Dificultaram-se, cada vez mais, as migrações. As aldeias desenvolveram-se e transforma-ram-se em cidades. Não há mais nomadismo. Agora o ancião governa uma cidade, cujos reclamos o levam a chamar outros para formarem um colégio para deliberações de âmbito temporal, moral e espiritual.

Ampliou-se o raio de ação do presbítero. Apareceu a oportunidade para se demonstrar o espírito liberal do ofício e democrático da ação e êle convoca companheiros para, no mesmo nível, administrarem o povo. Mas as funções desdobradas não sofrem modificação. Seria demasiado numerosa a lista das referências em que "os anciãos" figuram na Bíblia desempenhando as suas funções, as mesmas funções, com a mesma autoridade e auferindo as mesmas homenagens devidas ao ofício.

Os serviços

As mutações sociais exigiram o desdobramento das suas funções e determinaram a prestação de novos serviços. Todos dentro do plano geral, sem hipertrofia, apenas aumentando a sua responsabilidade.

Encontramos, agora, o ancião na disciplina social 88, na corregedoria 89, como deputado do povo perante o próprio Deus 90, como depositário da fé 91, como fiscal das ordenações do governo92, etc. Também toma assento no Senado das tribos, ao lado dos chefes, juízes e reis que presidiam as cortes.

As congregações locais, — as sinagogas, — tinham um tribunal composto de três juízes, a quem cabia dirimir as questões de ganho, perda ou restituição. Era o nosso atual Conselho de Igreja 93.

Seus serviços iam além do horizonte local; o ancião integrava a segunda Câmara de Justiça, composta de 23 juízes. Nela podia sentenciar até à morte.

Também no Grande Sinédrio (ou Senado), ao qual subiam as altas questões de religião, de direito e do Estado, o ancião falava como Juiz no Corpo dos Setenta, cujo presidente era o chamado Sumo Sacerdote. Era o Tribunal de última instância e mais que uma Corte de Apelações; podia proceder como instância especial, como no julgamento e na condenação de Jesus Cristo 94.

Servir no Sinédrio, a suprema Corte Nacional hebréia, era o mais alto ideal acalentado pelo cidadão judeu ao encaminhar-se para a velhice. O assento ao lado de um sacerdote nessa Corte era o mais sonhado prémio de uma vida digna, experimentada nos serviços de outras naturezas, prestados pelo ancião em qualquer lugar do país.

87 Prov. 31:13/27 88 Deut. 19:11/12 89 Deut. 21:20; 21:22 90 Deut. 29:10 91 Deut. 27:1; Jos. 24:31; I Sam. 16:4 92 Esd. 10:7,8 93 Mat. 9:18; Mares 5:35; Lucas 8:41; Atos 13:35 94 Mat 26;S7; Marcos 14:53; Lucas 22:52, 54,66; João 18:13,24,28

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Portanto, a relevância dos serviços prestados pelo ancião paira acima de qualquer discussão. A sua identificação com a do presbítero evidencia a origem bíblica do presbiterato.

A narrativa bíblica chama-o ora "ancião do povo", ora "ancião dos judeus", outras vezes "ancião de Israel" e, ainda, simplesmente "ancião". Às vezes aparece sozinho, no singular, o que dá grande popularidade ao cargo, e, outras vezes é encontrado no plural, indicando que diversos anciãos estão realizando o mesmo serviço. Também funcionam, em outros casos, em companhia de escribas, de sacerdotes e de oficiais.

A área das suas atividades era o meio em que habitava; quando em tribunais era a respectiva jurisdição, — regional ou nacional, — mas nunca como instituição generalizada. A Bíblia não cogita de formas de governo, nem suas partes, ao tempo em que foram escritas, tiveram essa cogitação. Ela se limita a descrever as funções necessárias ao bom andamento da sociedade dos fiéis. A repetição de tais funções em diversas comunidades e a sua conservação através dos tempos recomenda.ram o cargo do ancião como governador do povo na esfera religiosa.

Sendo o ancião o presbítero, pode-se, então, afirmar sem erro que a igreja do povo hebreu era governada por presbíteros antes do Êxodo, no deserto da peregrinação, na época dos juízes, durante o reino unido e o reino dividido, nos cativeiros e na dispersão, até os nossos dias. Os judeus, portanto, eram e são presbiterianos na sua forma de governo eclesiástico 95.

O Oficial

Já dissemos que encontramos no Velho Testamento o cargo mencionado como sendo de ancião umas vezes e de "oficial" outras.

Um exame perfunctório, para não nos aprofundarmos demais, vai indicar que as funções são as mesmas e o emprego de um ou outro vocábulo depende do gosto, das preferências do escritor.

Parece que quando o escritor quis esclarecer o tipo do obreiro, para distinguir o clérigo, êle empregou textualmente "o ofício de sacerdote", ou "o ofício sacerdotal", ou, somente "o sacerdócio". Muitas passagens lançam luz sobre este ponto de vista 96.

O hebreu José quando teve necessidade de organizar administrativamente o povo egípcio para enfrentar a fartura, a fim de conjurar a futura miséria, sugeriu ao faraó que nomeasse "oficiais". Era o pensamento hebreu, transportado para as regiões do Nilo pelo vice-rei. Quando o povo escravo tinha de clamar ao faraó, o intermediário era um "oficial"., O juizado das portas da cidade era do ancião, mas diversas referências citam "juízes e ofi-ciais" 97. Assim em outros casos como na sele-ção de soldados para a guerra 98, na ocupação dos templos pagãos, desalojados os sacerdotes idólatras 99, e semelhantes tarefas..

95 Philipp Schaff, DD., IX. Dl, "A Religious Encyclo-paedia or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Praticai Theology" 96 Ex. 28:1, 3, 4, 41; 29:1, 33; 30:30; Lev. 7:35; Num.3:3, etc. 97 Deut. 16:18 98 Deut. 20:5 99 II Reis 11:18

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Pode dizer-se, pois, do oficial, o que dissemos do prebítero, isto é, que o oficial está no ancião, como o ancião no oficial. Consequentemente, o oficial do Velho Testamento é o presbítero em toda a sua extensão de autoridade e dignidade, salvo os casos em que se trata de um militar, o que não focalizaremos aqui.

O Novo Testamento é a área da especialização do ofício do presbiterato. É aqui que êle se afirma e se define com maior clareza, porque o ambiente mudou na Dispensação da Graça.

Extingiu-se o sacerdócio. A relig;ão deixou de ser nacional-hebréia, para ser universal. A Igreja configurou-se e, se bem que teólogos, como o Dr. Walter L. Longle 100, afirmem ter havido uma 'Igreja do Antigo Testamento", é no Novo que ela tomou forma. A nebulosa, misturada com religião de Estado, tomou forma com o advento de Jesus Cristo, condensou-se e o ancião nela tomou pé como presbítero.

Há nova disciplina para a vida religiosa e uma nova forma para o culto. A congregação dos fiéis marcha, ela só em direção a Deus. Transpõe o véu. Nessa marcha, que tem de ser ordenada, ela é liderada pelo ancião, convertido em presbítero.

A transição da sinagoga para a igreja deu-se com a naturalidade de um evento comum. O discípulo de Jesus Cristo e o prosélito frequentavam a sinagoga como o Mestre fizera. A afinidade de ideias os aproximou e conglomerou. Os primeiros choques com o mofo da velha dispensação fizeram o resto lá dentro: uniu-os em blocos. Tornaram-se quistos- O repúdio à simples menção do nome de Jesus Cristo e a defesa dos seus princípios (antes da formulação da doutrina, a qual só mais tarde, com S. Paulo viria) provocaram conflitos. Depois, a expulsão dos componentes dos quistos e surgiu a igreja101, a assembleia dos que queriam adorar a Deus segundo os ensinamentos de Jesus Cristo.

Aí, nessa narrativa despida de pretensão, está a génese da Igreja Cristã. E, o que é mais digno de nota, foi o ancião da antiga sinagoga o presbítero da nova organização, investido em suas funções 102, sem haver solução de continuidade, A antiga corte local (102) ressurge no Consistório 103. Transplan-taram-se os mesmos objetivos do oficialato e a mes-ma autoridade 104. A instituição multimilenar reafirma-se e sem mutilação.

Como o Senhor Jesus não cuidou de estabelecer um sistema de governo específico para sua Igreja, nada mais natural do que moldarem-se os novos ajuntamentos cristãos à sinagoga judaica; é o resultado natural da experiência vivida. O Senhor Jesus lançara as bases de uma organização que de veria destinar-se a servir e não a governar 105. Mas um governo era indispensável onde multidões se ajuntavam crescentemente. Foi o que se fez, im-portando o sistema da sinagoga de início, para, logo depois, evoluir com marcas certas da dispensação da graça.

Com o consistório, uma nova ordem; um novo comando. Não há mais o levita; qualquer servo de Deus pode ocupar o cargo. Desapareceu a casta sacerdotal; só Jesus é sacerdote e um sacerdote presente pelo Espírito Santo de Deus. Todo o ajuntamento dos fiéis à doutrina e aos princípios do Sacerdote opera como sacerdotes, sem exceção, nem mesmo

100 THE PRESBITERIANS, Their History and Beliefs 101 Atos 12:12, I Cor. 1:2 102 Atos 14:23, 15 103 Deut. 19:12, Esd. 10:14, Atos 15:6 104 Davis "A Dictionary of *he Bible" 105 James Moffat "The Presbyterian Churches"

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dos apóstolos 106. Não lhes concedera o Crucificado as credenciais para isso, quando, rompido o véu, lhes deu acesso ao Santo dos Santos? Só a necessidade de ordem nos trabalhos, orientação no culto e disciplina na vida, podiam inspirar a necessidade de se-parar-se alguém para o desempenho de funções diferentes do geral. O Espírito Santo operava abundantemente naqueles tempos e fazia que cada um manifestasse os seus dons. Esses que manifestavam os seus dons eram consagrados para os diversos se-tores da obra que requeria atividade constante, coragem e, até, agressividade. A massa agitava-se com fervor. A comunidade tinha requisitos especiais. Os homens escolhidos para satisfazer tais requisitos careciam de impulsos especiais. Há manifestações impressionantes; o livro de Atos está cheio delas. Era o carisma. Era a inspiração direta do Espírito Santo de Deus, em abundância miraculosa, sobre a massa dos cristãos. .

Proliferaram obreiros. Surgiu o profeta; depois o mestre, os quais, reunidos aos apóstolos, dividiam entre si o trabalho da nova organização que trans bordava de Jerusalém primeiro e da Judeia depois 107. Os métodos de trabalho começam a sofrer impacto; as funções começam a sofrer influência dos novos fatores de progresso da nova fé. Também o oficialato tem de sofrer influências novas e de evoluir. Logo encontramos o pastor, a juntar-se ao profeta e ao mestre 108. O pastor e o mestre unificam-se 109. Os dons realizam maravilhas em toda a parte, tais quais os de doutores, milagres, curas, socorros, governo, línguas etc. 110.

A Igreja consolida-se como o edifício. Jesus Cristo é a pedra angular 111. O edifício assen-ta-se sobre o profeta e o apóstolo. Com o apostolado a disciplina, e o sacramento. O profeta é o oficial da palavra, é o pregador da doutrina. Ao profeta cumpre o relatório apostólico, de experiência incomunicável, mas transmissível aos escolhidos em "batalha pela fé" 112.

Entretanto, o carisma era para uma época. Era um grandíssimo favor divino para aquela fase da vida da Igreja de Jesus Cristo. Era uma providência para o tempo. Deus iria passando ao homem, dentro do programa de Jesus Cristo, o privilégio de participação pessoal na obra de redenção. Quando a Igreja de Antioquia separa, entre os seus profetas e doutores, a Barnabé, Simão — Niger, Lúcio e Manaém, para uma expedição missionária 113 quando isso aconteceu, repetimos, parece que a Igreja entrou na fase de transição entre o carisma e o ministério oficial. Isso se dava lá para o ano 47 A.D.

Ê essa a fase que determinou a conveniência de ordenar as atividades do povo de Deus nas igrejas. O culto carece de um diretor, se bem que a direção não lhe conferisse direitos especiais, O diretor é escolhido pela congregação, que não o considera superior aos membros dela. O diretor "ministra para ela; não ministra por ela", pois cada crente é um sacerdote e continua sendo. A exemplo da sinagoga, de onde haviam saído, os congregados adotam um critério de qualificação obediente a diversas normas, prevalecendo a norma geral de preferir-se um ancião para.dirigir. A congregação cresce e torna-se necessário

106 I Pedro 2:5, 9; Apoc. 1:6; 5:10; 20:6 107 I Cor. 12:28 108 Efes. 4:11 109 Atos 13:1 110 I Cor. 12:28 111 Efes. 2:20 112 Judas 3 113 Atos 13:1/4

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aumentar o número dos diretores. Escolhem-se mais anciãos e fica formado o grupo dirigente, uns cooperando com os outros.

Contudo, e de um modo geral, não havia uma direção organizada para as igrejas do Novo Testamento. Não havia um corpo representativo do grupo; S. Paulo dirije-se em suas cartas às igrejas e não a oficiais, com qualquer designação. No culto público os homens a quem o Espírito Santo conferia dons especiais assumiam a direção e os havia em certo número 114. Mas eram serviçais da ocasião e não uma classe, uma instituição, pelo menos no início. Eram, ademais, obreiros que colaboravam dessa maneira no local, sem projeção além dos limites das comunidades a que pertenciam 115.

Obviamente, a repetição de atos e atitudes acaba implantando certa afinidade entre quem os executa e o serviço executado. Nasce uma certa identificação entre o obreiro e a obra. Ao fim de certo tempo uma congregação investe certo indivíduo em certa função, porque já o viu desempenhá-la muitas vezes a contento. Foi assim que os crentes dotados acabaram ficando identificados com os trabalhos de direção do culto. Não só isso: entre os que vinham dirigindo, os que melhor- se distinguiam iam recebendo mais constantes e mais assinalados apelos; nasce aí a liderança. Todo grupo, a seu turno, requer um coordenador de suas funções. Entre os próprios líderes outros se sobressaíram. A notícia de Atos 15 dá ideia de como os líderes surgem nas igrejas.

É nessa ocasião que surge, segundo uns autores, o diácono 116. Muitos acreditam que "os sete" não eram só diáconos; podemos, entretanto, aceitar a opinião da maioria, segundo a qual 117, nessa ocasião nascia o diaconato.

No grupo dirigente, era aos mais experimentados, mais dedicados e mais santificados que se conferia a liderança. É assim que encontramos Tiago, o irmão do Senhor, em lugar de destaque na igreja de Jerusalém, ao que afirmam os estudiosos, à vista de importantes subsídios 118 e daquele "anunciai isto a Tiago" de S. Pedro 119. O experimentado é o ancião da Sinagoga, é o presbítero da nova igreja.

Um grupo à parte, não por livre escolha ou vaidade, mas como fruto da homenagem que se lhe prestava, continuou com características especiais. Eles haviam visto a Jesus. Eram testemunhas da vida e da obra do Mestre. Eram os apóstolos, a quem a igreja nascente tributava respeito especial, porque o que eles viram e ouviram só se repetiria no segundo advento. Fossem quais fossem e quais viessem a ser as novas funções na congregação dos fiéis, nenhuma delas substituiria o apostolado, porque esse título definia uma condição do passado.

Em virtude disso, os movimentos locais, com os "casos" tão frequentes nos ajuntamentos humanos, começaram a surgir e a arena foi o campo de ação do presbiterato. Certas fórmulas do Velho Testamento e certos privilégios do Pacto das Obras insinuaram-se na nova dispensação. Já no primeiro século da era cristã houve situações que exigiram interferência de homens como S. Paulo. O presbiterato iniciou evolução. Já no segundo século um presbítero era dono de outro título, o de bispo-"che-fe". Até o fim do primeiro

114 I Cor. 12:28; Efes. 4:11; Rom. 12:6/8 115 "Dictionary of Apostolic Church" 116 Atos 6:1 117 Philip Schaff, DD, IX, D, obra citada 118 Atos, 15:3; 21:18 119 Atos 12:17

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século a identidade entre o presbítero e o bispo era completa. Mas veio a bifurcação e um ramo novo soltou rebentos, engrossou, tomou corpo próprio, seguiu outra direção, banhou-se em outros sóis, de tal forma que no fim do século segundo esse ramo, o do bispo, tanto se hipertrofiara que poucos se recordavam de que existira outrora o presbítero.

Antes, porém, o presbítero e o bispo andavam juntos na representação da igreja 120, exigiam-se-Ihes as mesmas qualificações para o ofício 121, eram investidos da mesma forma e submetiam-se igualmente à exortação do apóstolo 122.

E a terminologia na língua original dos registros? Ora, sobre esta, os próprios mestres divergem. O EPISCOPOS servia para um e para outro, tanto designando presbítero como bispo, como veremos em outra parte deste escorço. S. Pedro, intitulado "o bispo dos bispos" pelo catolicismo romano, cha-ma-se a si mesmo presbítero em uma de suas cartas 123. Só emprega EPISCOPOS uma vez 124 e, essa, figurativaente, referindo-se a Jesus Cristo, o "Pastor e Bispo das nossas almas". Vemos assen tados no primeiro Concílio de Jerusalém tanto presbíteros como bispos 125, ambos administrando os rebanhos de Cristo em um mesmo pé de igualdade 126.

Então, para que a diferenciação no ofício ? Para que, se esbarra com o testemunho histórico e se, antes do bispo, o presbítero era o oficial servindo até de sacerdote? 127. Para que, enfim, se ao nascer, o bispo provinha de um ofício habilitado a dirigir a igreja e de um cargo em que ambos cooperaram por tanto tempo? Pode alguém desconhecer que cada igreja do Novo Testamento tinha seu colégio de presbíteros-bispos? 128.

Foi um triste quadro, efetivamente, esse dos princípios do segundo século, para a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Triste, porque marcou o fim da influência direta e edificante dos apóstolos e triste porque dividiu as águas que nunca mais se juntaram integralmente no leito antigo 129.

3. EVOLUÇÃO DEPOIS DA ERA APOSTÓLICA

Repetimos aí que a classificação de cargos começou a insinuar a hierarquia prelática.

Primeiramente, o ministro desejou ser um presbítero de categoria aparte; era o sacerdotalismo do Velho Testamento que erguia a cabeça. Sem outro amparo senão a vontade pessoal, procurou insuflar os apóstolos, sugerindo-lhes privilégios resultantes da situação deles. Com os apóstolos em categoria acima do comum dos oficiais, criar-se-ia uma saliên cia para ser ocupada mais tarde. A justificação era muito fácil no presente. Entretanto, nem os apóstolos, mesmos, jamais desejaram ir além do que eram quando o Mestre subiu aos céus. S, Paulo, objeto de uma revelação especial, dotado com dons que o elevavam acima do comum dos membros do Colégio Apostólico em posição, cultura, génio e trato, declara-o indubitavelmente, quando afirma:

120 Atos 11:30; 20:17 121 I Tim. 3:1/4 122 Tito 1:5/7 123 í Pedro 5:, 2:25 124 I Pedro 5:1 125 Atas 15 126 Dr. Thomas Porter em "Aos Presbíteros, Dispenseiroa de Deus" 127 Gen. 18:19; Jó 1:5 128 Atos 20:17; 28; Filip. 1:1; Tím. 4:14 129 Dr. James Orr, em THE INTERNATIONAL STANDARD BIBLE ENCYCLOPAEDIA

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"Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo não se faça vã" 130

Disse, ainda mais claramente:

"se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar"131.

Pensa Dr. J. Orr 132 que o apostolado não era só dos doze, à vista de diversas passagens, entre as quais aponta a situação de Andrônico e Júnia "os quais se assinalaram entre os apóstolos" 133 e a maneira de se exprimir quanto à diversidade de dons dando "uns para apóstolos" 134 De outro modo teria dito S. Paulo "deu os doze para apóstolos", tão claro e positivo é o estilo de S. Paulo.

O que não padece dúvida é que Jesus Cristo comissionou os apóstolos para testemunhas da sua ressurreição e não para exercerem governo da Igreja 135. A autoridade deles e o respeito que lhes devemos tributar resultam de terem tido o privilégio de verem o que viram 136.

A promoção não somente aumenta a validade dos atos dos promovidos, como abre vagas na casta inferior, vagas que ensejam novas promoções de outros que ainda estavam abaixo. Isso era de grande interesse para os que pensavam no sacerdotalis-mo, porque dava oportunidade a uma escala, a uma sucessão, com a qual a casta se transmitiria no tempo. A sucessão apostólica seria garantia, não tanto da conservação da salubridade doutrinária, mas da validade do sacerdócio e da proeminência no governo 137.

O ministro crescia dessa forma, porque na investidura se lhe concedia a inclusão numa cadeia iniciada pelos apóstolos. O ministério local, até então exercido pelo colégio de presbíteros, bispos e mestres, cedeu lugar a um oficial dirigente, ao qual se atribuiria a ministração dos sacramentos. Entorta-se o tronco da bela árvore plantada pelo Senhor Jesus. Com o novo oficial entram os sacramentos, a ordenação, os rituais e, até, os paramentos do antigo sacerdote. Aquela graça salvadora, singelamente pregada por Cristo, começa a sofrer influências demolidoras, que, mais, viriam tirar-lhe a eficácia. O homem toma o lugar de Jesus Cristo res-surreto. Jesus volta a ser "o Senhor morto"! Todavia, a palavra PRESBYTEROS não tem associação de sentido com a palavra sacrifício. As escri-turas registrariam IEREÚS, se quisessem estabelecer essa associação; mas esse vocábulo não apareceu nem uma vez para nomear o ofício.

O sacerdócio judeu foi instituído por Deus para tipificar Jesus Cristo e com Jesus Cristo, lògicamente, tinha de se extinguir, como, efetivamente, se extinguiu. Nada de altar 138, a não ser aquele de que "os que servem ao tabernáculo" não podem participar. Nesse, cada cristão — sendo um sacerdote — oferece-se em sacrifício de louvor 139 e, todos,

130 I Cor. 1:17 131 I Cor, 9:16 132 Dr. James Orr em ENCYCLOPAEDIA OF RELI-GION AND ETHICS 133 Rom. 16:7 134 Efes, 4:11 135 Mat. 28: 19 e 20 136 J. Hastings, era ENCYCLOPAEDIA QF RELIGION AND ETHICS 137 Dr. James Orr, em ENCYCLOPAEDIA OF RELIGION AND ETHICS 138 Hebr. 13:10 139 Hebr. 13:15

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indistintamente, são convocados para o sacrifício do culto e da oração 140, de corpo e de alma 141.

Nada, dessas atividades novas do sacerdote, é oferta por pecado, é vicariato.

Entretanto, o ministro-sacerdote implantou-se e a ocupação do cargo passou a ser objeto de competição.

Aí começa a separação entre o ministro e o presbítero. Dela derivam atos e fatos que compreendem a história da Igreja Cristã. Schaff 142 responsabiliza Clemente de Roma pela criação da hierarquia no presbiterato. É que, em sua carta aos coríntios, escrita no ano 97 A.D., Clemente invoca a distinção do Velho Testamento, ao que parece, para agradar ao bispo local e hoje, tantos séculos depois, podemos afirmar que atingiu seu alvo e soprou um balão que subiu extraordinariamente...

Mas o presbítero continuou a ser presbítero até hoje, ao passo que o bispo iniciou uma carreira evolutiva inclinada e verticalmente que se estendeu através dos tempos. Um título empregado pouquíssimas vezes no original do Novo Testamento e empregado, como dissemos, para satisfazer o gosto dos helenistas, consolidou-se. Consolidou-se e evolveu. Evolveu tanto, que se tornou necessária uma re-es truturaçao geral do organismo eclesiástico. Tudo se fêz aos olhos do bispo: nova estruturação, nova interpretação, nova teologia. Mas quem tudo observou, não o faria sem interesse próprio e o bispo continuou ganhando terreno.

Nos dias que correm pouco depois desses passos, como se olha o bispo?

1.° — como presidente dos colégios locais, 2° — como quem reduz o presbítero à condição de seu conselheiro e 3.° — como quem expande, por conta própria, sua autoridade, com o ofício que passa a designar-se EPISCOPÊ 143.

Não só isso, mas transforma o cargo no centro de um organ'smo cujas peças não se movimentam senão em seu derredor e, daí,

1.° — reclama o privilégio da sucessão apostólica, considerando-se nomeado pelos apóstolos, embora nem Tito nem Timóteo arrogassem tal situação; 2.° — implanta um governo monárquico, diferente do primitivo, que era tão republicano como o da sinagoga no qual se moldara; 3.° — amplia a área do seu domínio, atingindo as congregações rurais, primeiramente, e, as das pequenas cidades vizinhas, logo depois nascendo, assim, a diocese. 144.

Muitos fatores da época cooperaram para que isso assim acontecesse. O próprio curso da história tornou-se colaborador do bispo monárquico. A guerra entre o imperialismo romano e o nacionalismo judaico chegava ao fim, no ocaso do século pri meiro, ganhando

140 Apocal. 10:3 141 Rom. 12:1; Hebr. 13:16; II Cor. 9:7; Filip. 4:18 142 Schaff, Dr. Philipp. A RELIGIOUS ENCYCLOPAEDIA OR DICTIONARY OF BIBLICAL, HISTORICAL, DOCTRINAL AND PRATICAL THEOLOGY 143 James Mofft, em THE PRESBYTERIAN CHUR-CHES 144 PAROIKIA

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a palma o imperialismo ramano. Essa vitória foi um rude golpe no presbiterato, porque fortaleceu o espiscopado gentio, principalmente o europeu 145.

Agora a estrada é larga e cómoda. O bispo gostou rle trilhá-la e a administração da igreja fugiu da mão do presbítero; tomou-a o bispo. É claro que havia opiniões divergentes, como a de Clemente de Roma (97 A.D.) o qual lançara a ideia na carta aos coríntios sem prever as consequências. Êle não admitia a sucessão apostólica, mas dizia que os presbíteros são EPISCOPOI, reprovando o ato do seu despojamento. Ainda outras vozes discordantes fo-ram as de:

— Policarpo, que Irineu diz ter sido bispo de Smirna por nomeação dos apóstolos, escrevendo à igreja filipense, recomenda obediência aos presbíteros e diáconos, como a Deus e a Cristo, sem menção do bispo 146; — Clemente de Alexandria não distingue os ofícios de presbítero e bispo e em seus escritos sempre menciona "bispo-presbítero" 147; — S. Jerónimo não reconhece a instituição de sucessores para os apóstolos. Para êle um concilio de presbíteros governava a igreja do Novo Testamento 148; — e outros.

Já Inácio de Antioquia não compreendia igrejas cristãs sem bispo. Eram necessários, dizia êle, para:

a) unificar a disciplina e a oração; b) representar Deus, Cristo e c) administrar com segurança a eucaristia e o batismo.

Não admira, pois, que se tornasse logo vitorioso o episcopado. Nem é para admirar que o caudal crescesse, tanto mais pelo motivo exposto da cooperação da marcha da história dos povos. É comum o fato de certas instituições serem bafejadas por imprevistos da história da humanidade. Com ou sem razão, os benefícios as tornam estáveis; quem pode evitá-lo?

Crescendo em autoridade, obviamente, o episcopado cresceu em prestígio. As prerrogativas da sua nova situação, com poder interno provindo da ascendência no concílio, a representação, e a influência oriunda da amplitude de sua ação sobre a vida temporal e espiritual, tornaram o bispo conhecido no meio social e respeitado no meio político desde o princípio da sua expansão.

A formulação do Credo Apostólico e o colecio-namento dos Santos Escritos foram a grande oportunidade do bispo, assegura Santo Inácio. Utilizou-a êle, com a interpretação dada como que de cima. Começou a influência teológica.

Irineu instituiu um vínculo definitivo entre a Sucessão Apostólica do episcopado e a pureza da doutrina. É então que o bispo sai definitivamente da obscuridade dos tempos primitivos e sai com uma posição, em matéria de fé, igual à que já conquistara no aspecto administrativo.

145 Didache 146 J.C. Simpson em ENCYCLOPAEDIA OF RELIGION AND ETHICS 147 Mac Lean, citado por Dr, James Orr em obra citada 148 Dr. J. Hastings, idem, idem

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O episcopado local morrera; matou-o o próprio bispo quando o transformou em episcopado regional, em diocese.

No ano de 251 da era cristã já se encontravam na Igreja duas ordens uma maior e uma menor. Na primeira incluíam-se o bispo, o presbítero e o diá cono; enfileiravam-se na segunda: o sub-diácono, o acólito, o exorcista, o leitor e o porteiro 149.

Já não enfrentamos, então, um ofício como o de Timóteo e de Tito ; deparamos ordem eclesiástica da qual se expelirá o leigo.

Do quarto século em diante só o bispo pode ministrar ordem sacra. As palavras "Sumo Sacerdote", "padre" e "levita", para designarem os presbíteros e os diáconos, em substituição ao termo bíblico e histórico, são de uso frequente.

O prestígio a que nos referimos linhas atrás seguia no mundo político as ondulações do progresso das cidades. Assim, a Igreja da cidade de Roma cresceu em número e influência. Os escravos libertos cederam «lugar a conversos de outras categorias sociais. Já não na comportam as catacumbas. O testemunho dos mártires do Coliseu havia impressionado corações melhor postos na grande metrópole mundial. A Igreja de Roma passou a ombrear em prestígio com as de Alexandria, Jerusalém e Antioquia, mas a de Roma estava politicamente melhor situada.

No correr dos três primeiros séculos a igreja cristã tornara-se um império invisível, qualifican-do-a um apologista como "latebrosa et lucifugax natio" ou nação que se esconde e que foge da luz 150. Mas a situação começa a mudar. A antiga "ecclesia" passa a tomar a forma da "civitas" da sociedade romana. O clero cristão é inspirado pelo "ordo" e os leigos assumem o aspecto da "plebs" romana 151.

Converte-se o imperador Constantino e com êle "inoculou-se na Igreja de Cristo o espírito militar de Roma". Forma-se, à imitação do império de Constantino, um grande império espiritual que, bem organizado administrativamente, cresce, expande-se, servido por uma hierarquia já bem estabelecida. Cresce tanto, com as adesões (não com as conversões que entra em moda após a conversão do Imperador; o império social se sobrepôs ao espiritual 152.

O número aumenta; nem sempre aumenta a qualidade dos novos crentes. O aspecto exterior da Igreja vai sofrendo modificações subsequentes ano após ano, século após século, até que, no século 6.°, o bispo de Roma, animado com as constantes e maiores vitórias, reservou para si o título latino de "papa" (pai) que até então era aplicado a todos os demais bispos diocesanos. Em 1076 o pontífice Gregório viria a erigi-lo em "santo papa".

Deram-se às mil maravilhas Roma e a Igreja que agora só se chamava de cristã. Esta não absorveu a sociedade romana. Adaptou-se aos seus costumes, acomodou~se aos seus gostos, deliciou-se com as suas preferências até arquitetônicas.

149 W. Walker em'"HISTÓRIA DA IGREJA CRISTA 150 CRISTIANISMO E CULTURA CLÁSSICA 151 Idem idem 152 Oliveira Lima em HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO

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Esboroa o, maior império do mundo. Era o detentor da força e da ordem nos quadrantes conhecidos da terra. Insurgem-se, umas após outras, as numerosas colónias que êle fundara e dominara com mão de ferro. Não há comando para um mundo embriagado com uma independência não conquistada pelas armas, nem imposta pela razão, mas alcançada pelo corrupção do dominador. Os povos bárbaros que estiveram sujeitos a esse poder não têm mais a quem prestar respeito. Voltam-se para a religião cristã, porque nela vêm o único porto de salvação. Convertem-se em massa ou parecem converter-se. O norte da Europa cristianiza-se sem convicções profundas. Dilata-se o poder da igreja que não abre mão das novas conquistas. Cresce a hierarquia. Delegam-se poderes, mas não se difundem as doutrinas. O bispo administra o mundo.

Com Carlos Magno, ao receber a coroa de ferro das mãos do Papa Leão III, no Natal do ano de 800, na Basílica de S. Pedro, pondo sua espada a serviço do Santo Império ou do Segundo Império do Ocidente, o bispo estendia, d?ssa forma, o seu manto sobre todo mundo civilizado. O domínio não era do Segundo Império do Ocidente ou Sacro Império; era do bispo que atingia seu maior alvo e iria entronizar e destronar reis. O bispo venceu a grande parada.

Daí passamos aos tempos medievais. O bispo governa um mundo em trevas. Inação física, indolência mental, superstição grosseira, preguiça generalizada. Dominam o espiscopado monarcas absolutos, os quais, tiranizam o povo. Qualquer reaçao do pensamento é aniquilada com crueldade.

Mas, quando uma autoridade absoluta atinge o clímax do seu poderio, ela mesma suscita reaçao contrária, em consequência dos abusos do lado de cima e do aproveitamento de descuidos do lado de baixo. Queremos dizer: nenhum governo absoluto é seguro; nenhum se aguenta por muito tempo. O delírio do poder inspira excessos e a capacidade de sofrer ao fim de certo tempo incita reações. A tranquilidade de quem pensa poder tudo enseja revoltas que se aproveitam das inadvertências.

O Mosteiro começou a reaçao contra o episcopado.

Do mosteiro sairam; o Montanismo — vencido mas não extinto, — o Novatismo, o Donatismo, o Arianismo e o Pelagianismo, entre outros. Eram sintomas de um processo que se operava contra a situação dominante.-

As massas estavam escravas aos senhores feudais. Não havia liberdade nem em fé, nem em le tras, nem em artes, nem em economia, nem em política. Isso é matéria largamente versada na História da Civilização. Excusa transportá-la para aqui. Mas o intelecto não se escraviza totalmente. Pode a força emudecê-lo, mas não abafá-lo. Gritos esparsos, reprimidos impiedosamente, ecoavam com crescente intensidade. O mosteiro continua a inquie-tar-se. Surgem aqui e ali, na Europa, certos homens corajosos, senão temerários. Wyclif, João Huss, no século 15. Assim, outros. Eliminados os rebeldes, não se cataram todas as sementes da sua rebeldia. Algumas sementes germinaram. O dogma, a hierarquia, o episcopado, sofreram rudes golpes. Veio o chamado "Grande Cisma". Agrava-se o mal. Os Concílios já não trabalham em placidez constante. Há efervescência. O Concílio de Basileia é uma vitória enganosa.

Ao pensamento segue-se a ação.

Explode em outubro de 1517 a Reforma luterana.

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É o presbiterato que tem nova oportunidade. Reergue-se e pode agora enfrentar de novo o episcopado. Enfrenta e ganha terreno. Da Alemanha estende-se pela Europa toda. As terras convertidas ao cristianismo antes do mosteiro continuaram fiéis ao Bispo de Roma. As que entraram na Igreja pelos monges-missionários, principalmente, as do tipo escocês, pronunciaram-se em favor da Reforma153.

A revolta não se caracterizou como sendo do presbítero; mas ninguém, de bom senso, negará que a sucessão dos fatos indica que a causa residia no absolutismo do bispo. Impõem-se, assim, a conclusão lógica: para enfrentar o bispo e sua hierarquia, a Igreja de Cristo só tem uma força: a do presbítero.

Lutero, Melancton e outros reformadores preo-cuparam-se com os padrões morais e espirituais da Igreja. Desejavam imprimir novo aspecto, dar novo tom, ou, aliás, restabelecer o aspecto, o tom, do sacerdócio universal e da igualdade do ministério no painel eclesiástico. Não foi um levante determinado contra o episcopado; em alguns principados alemães e na Escandinávia o bispo conservou-se como era dantes. Também não perocupou os reformadores a organização da Igreja. Pondera Dr. James Orr 154: "Melancton reconheceria até um papa, se lhe mostrassem a conveniência disso". Queriam é mudar um estado de coisas que chegava ao absurdo em poderio e corrupção; isso lhes bastava.

Na Escócia a Reforma entrou na forma luterana. Em 1525 o governo teve de reprimi-la, tanto se desenvolvera no país. Em 1565, quando os reformados se consideravam habilitados a dominar a nação, o calvinismo foi preferido ao luteranismo. O calvinismo correspondia mais aos ideais do povo escocês tanto em Teologia como em Política. A adoção do calvinismo foi do agrado geral da população escocesa. Havia, então, condições peculiares ao movimento. Davam-se conversões em massa. Não havia obreiros suficientes para a divulgação do calvinismo; careciam de 100 ministros onde dispunham de um. Na primeira Assembleia Geral da Igreja Escocesa só tiveram assento 6 ministros. Dividiu-se o país em dez dioceses, cada uma entregue à dire-ção de um superintendente. Note-se: um superintendente, não um bispo.

Caso idêntico ocorreu recentemente na Igreja do Canadá. O crescimento rápido e as longas distâncias a percorrer aconselharam a adoção de um sistema semelhante ao escocês primitivo. Era um sistema dinâmico e, assim, atendia a uma época.

Pode-se situar na Escócia um fato notável na organização da Igreja Reformada: o estabelecimento de um governo eclesiástico. O descuido fizera regredir em certas regiões o movimento reformista. O sistema escocês, presbiteriano completo, deu a primeira forma de governo à nova Igreja. Tudo que veio depois terá sido modificação de uma situação que não existira antes e que agora tomou forma.

João Calvino é o responsável supremo pela restauração do presbiterato, não é sem motivo o ódio que se lhe vota até aos nossos dias. Foi ele quem tirou, em 1541, o pó que, em camadas sucessivas, encobria o presbítero bíblico e histórico. De acordo com as suas "Ordenances", o presbítero é o coração do sistema instaurado em Genebra. Ainda mais: era leigo o presbítero e escolhido pelo Conselho. O quadro local compreendia 12 presbíteros, duis dos quais saíam do Pequeno Conselho, quatro do Conselho dos Sessenta, e seis do

153 ENCYCLOPAEDIA OF RELIGION AND ETHICS 154 Idem, idem

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Conselho dos Duzentos. Observe-se o escalonamento quantitativo: números maiores tirados dos Conselhos Maiores. Esses, com os ministros, formavam o Consistório, correspondente ao nosso atual Conselho da Igreja local. O cargo era vitalício.

A ideia de João Calvino foi adotada na França, na Escócia.e na Alemanha. Data de 1555 o primeiro Consistório Francos. Na Escócia foi organizado em 1560, com. as seguintes características: o presbítero era igual ao ministro, com o qual visitava os enfermos, examinava candidatos à profissão de fé, integrava a chamada "Sessão de Igreja" (o atual Conselho) e elegia os seus próprios sucessores. Os ministros presidiam as "Sessões".

O sistema escocês foi adotado na Inglaterra no século XVII e, na Alemanha, no século XVHE pelas Igrejas Luteranas do Baixo Reno e da Westfália.

4. ASPECTOS DA HISTÓRIA DO PKESBITERATO EM OUTRAS IGKEJAS

I. EVANGÉLICAS

Muitas das Igrejas Congregacionais tinham, no princípio, um presbítero regente. Competi am-lhe os deveres referentes aos assuntos gerais e, mais particularmente, os da disciplina do rebanho.

Não o adota mais a Igreja Congregacionalista, mas houve vozes autorizadas na denominação que discordaram, como os eminentes Drs. William Ames e John Owen, que, na primeira metade do século XVII, consideravam o presbiterato um ofício bíblico e defenderam a sua instituição na Igreja a que pertenciam.

Do ponto de vista congregacionalista — democracia espiritual e social, — o presbítero, o bispo e o ancião são uma e a mesma coisa. Mas não ado-tam o ofício em suas igrejas. A toda argumentação em contrário, eles opõem a recomendação do divino Mestre ao dizer: "não será assim entre vós", quando repreendia ao estulto pedido dos filhos de Zebedeu 155 de lugares salientes no Reino. Alegam, ainda, que a ação dos apóstolos era de líderes, deixando à igreja a missão de escolher os seus oficiais, e a gestão dos seus negócios. Por último, invocam, em defesa do seu ponto de vista, o sistema do preenchimento da vaga de Judas no Colégio Apostólico: não o foi por sucessão, nem por nomeação episcopal; foi por sufrágio universal da igreja.

Os Moravianos, descendentes da Igreja Hussita, da Boémia, eram, a princípio, episcopais. Além de ter entrado em decadência em sua terra, a igreja Moraviana teve sua situação agravada com a Guerra dos 30 Anos, que foi, para ela, um rude golpe.

Em 1732, reduzida a pequenino número de adeptos, viu-se obrigada a emigrar, pedindo asilo à Saxônia, na Alemanha. Ali despertou o interesse do Conde de Zinzendorf, com cujo amparo tomou pé e prosperou. Ao organízar-se novamente, for-mou-se uma comunidade governada por presbíteros, em 1727, entregando a direção espiritual, em 1730, a uma Mesa Administrativa, composta de quatro homens, escolhidos entre os presbíteros, aos quais cumpria, também, o governo da sociedade.

Novos avanços requereram novas providências e, ainda em 1730, instituíram uma Presidência da Igreja, com o título de Presbítero Geral. O primeiro ocupante do cargo foi Leonhard Dober, o qual, em 1732, iniciava a obra missionária moderna no mundo.

155 Mat. 20:26

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Os pastores batistas são simultaneamente, pastores e anciãos-presbíteros, se bem que os missionários e os evangelistas também sejam considerados presbíteros.

Os batistas consideram errada a separação 156 entre pastores e presbíteros em dois ofícios diferentes, como fazem os presbiterianos e outras denominações calvinistas. "Cremos numa só ordem no ministério" declara W.C. Taylor, "nenhum bispo é mais do que o pastor e nenhum presbítero é menos do que o pastor".

O regime Metodista adota a hierarquia, como o catolicismo, respeitadas as proporções. Entre os metodistas, o presbítero é um clérigo promovido e quando estiver superintendendo um conjunto de paróquias é chamado presbítero-presidente. Os ministros da região por êle governada devem-lhe orientação, instrução e prestação de contas, cumprindo-lhe visitar as paróquias três ou quatro vezes por ano 157. Cumpre-lhe também, presidir os Concílios paroquais (locais) e distritais (regionais ou diocesanos), assim como os trimestrais. Incidentalmente pode um presbítero que não seja o presidente presidir um Concílio Paroquial, quando fôr, para isso, designado pelo Superintendente Distrital.158. Pode, ainda, no caso de impedimento de um Bispo, e se eleito pelo Concílio respectivo, presidir um Concílio Geral (nacional).

O candidato ao ministério metodista é diácono ao investir-se nas funções pastorais; a investidura é posterior à eleição, num Concílio Regional; é a primeira ordem sacra na Igreja Metodista Episcopal. Decorrido tempo legal ou, ocorrida as circunstâncias canónicas, o diácono pode ser investido no presbiterato. O presbiterato é a segunda ordem sacra e os Bispos formam a terceira e última. Há, assim, na Igreja Metodista Episcopal, uma hierarquia.

Na Igreja Episcopal o Bispo é quem governa. Adepta da Sucessão Apostólica, a Igreja Episcopal só reconhece como dos Bispos o direito de ordenar diáconos, pastores e outros bispos. Igualam-se, os episcopais, neste particular, à Igreja Católica Romana e à Igreja Ortodoxa.

Na Igreja Valdense prevalece o regime presbiteriano.

II. NÃO EVANGÉLICAS

Na Igreja Católica Romana a autoridade do bispo é total. É tamanha que neutraliza a do presbítero. O presbiterato, tornado ordem, é cargo meramente decorativo.

Só ao bispo compete: — admitir membros à comunidade da Igreja, porque só êle pode ministrar a confirmação da fé dos batizados na infância, através do crisma; — corrigir os que procedem mal; — excluir os escandalosos da comunhão; — conferir as ordens sacras (do diacunato, do presbiterato e do próprio episcopado); — presidir todas as reuniões de comunidades da diocese.

156 W. C. Taylor, obra citada 157 Cânones 158 Idem

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Entretano, no Oriente, o presbítero ministrou a confirmação por muitos séculos, ass&xn como na Igreja Ortodoxa, como na chamada de Igreja Separada.

Vê-se nos Cânones de S. Hipólito, possivelmente do 4.° século, um bispo e um presbítero ordenados com a mesma oração, variando, somente, os respectivos nomes.

A observação dessas referências históricas demonstra, comparada com as atribuições do bispo de hoje que, do presb:terato, como ofício atuante na Igreja de Cristo, tanto no governo como na vida espiritual, só se guardam no catolicismo os símbolos antigos: o cálice e a patena 159.

O sacerdotalismo de tal maneira empolgou o catolicismo que o "sacerdócio santo" da Igreja no Novo Testamento 160 ficou reservado, confinado, às três ordens preláticas:

1.ª — à do bispo, que é sacerdote,

2.ª — à do presbítero clérigo, que é, a seu turno, sacerdote, e

3.ª — à do diácono, também clérigo embora inferior, que é um credenciado a ser sacerdote.

Tudo isso, para dar forma unilateral à interpretação de passagens das quais se tomarem isoladamente palavras, como ligar e desligar, perdoar e reter 161. É a velha questão do divórcio entre o texto e o contexto...

Na Igreja Mórmon há um presbítero com poderes exagerados, em comparação com os ensinamentos bíblicos. É um oficial que pode pregar, batizar, ordenar quaisquer outros oficiais, inclusive pastores, impor as mãos para a comunicação do Espírito Santo, abençoar as crianças e presidir reuniões da comunidade. Pode ser vantajosa a hipertrofia do ofício, mas não tem fundamento bíblico.

Segundo o catecismo mórmon, o sacerdócio de Melquisedeque não é universal, mas atribuído a um conjunto de presbíteros, os apóstolos, os Setenta, os evangelistas, os patriarcas e o Sumo Pastor.

Os Tremedores (Shakers), que são afins dos Quakers, têm presbíteros e presbíteras. O ofício de presbiterato nesta seita não evangélica não tem repercussão porque os Tremedores compreendem um pequeno grupo, algo parecido com os espíritas na prática cultual e que se vai extinguindo. Fundada em Manchester, Inglaterra, em 1760 por Ana Lee, foi inaugurada nos Estados Unidos da América do Norte em 1780 e é constituída por um ajuntamento de famílias governadas por um um Conselho de ouatro oficiais, dos quais dois são presbíteros n duas presbíteras.

Essa excursão em terras estranhas, feita muito rapidamente, serve para indicar o prestígio do cargo, o qual toma forma e cores as mais variadas mesmo dentro das comunidades organizadas segundo o modelo bíblico. Diremos, ainda mais, que essa variedade de conceituações do ofício, todas inspiradas na alta função que êle pode desempenhar na

159 DICTTONARY OF APOSTOUC CHURCH 160 I Pedro 2:5 161 Mat. 18:18; João 20:23

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Igreja de Cristo, demonstra o respeito que o cargo merece, fundado, sem dúvida, na inspiração divina. Obser-ve-se, ainda, que as atribuições que lhe são conferidas nas diversas comunidades religiosas servem para demonstrar o grau da democracia em que cada uma delas se orienta, isto é, onde o presbítero é atuante há respeito, valorização e prestígio da personalidade humana.

5. A LUTA ENTRE O PRESBÍTERO E O BISPO PRELATICO

No desenvolvimento dos capítulos anteriores ficou evidenciado que existe uma verdadeira luta entre o presbítero e o bispo.

Dissemos, ratificamos e insistimos, que a história da Igreja Cristã é a história do presbítero. As dissenções que têm abalado a Igreja têm sido rea-ções de elementos hostis ao presbiterato.

O presbiterato não é uma imposição. É uma circunstância de origem divina. O presbítero é um chamado. O presbiterato não é uma eminência; o cargo de presbítero não é uma protuberância no cenário eclesiástico. O presbítero é, sim, uma força a serviço do Reino, para auxiliar o ministério no pastoreio do rebanho de Cristo. O presbítero não combate por si, por sua pessoa, porque não vive do presbiterato; êle combate por um ofício dignificado pelas Santas Escrituras. O presbítero não agita; os efeitos da sua neutralização, ou do seu afastamento ou da sua completa anulação, é que têm suscitado reações de que têm resultado sérios movimentos no mundo cristão.

Portanto, o título desta divisão é racionalmente lançado; a luta é contra o presbítero e não é da iniciativa dele.

Alinhemos alguns fatos e alguns argumentos.

1. ONDE ACHAR-SE O PRESBÍTERO?

Está na Bíblia do princípio ao fim.

Ninguém sabe onde, nem quando surgiu, mas é encontrado com o início da história sagrada. Está no Antigo Testamento e está, por analogia de funções, até no paganismo da antiguidade, talvez por imitação, senão por deturpação do costume hebreu.

Está no sacerdote no juiz da Dispensação das Obras. Está na família, no Tribunal, no Templo, no campo de batalhas.

Está com Jesus Cristo, na Dispensação da Graça, embora o Mestre não o mencione categoricamente e, isso, porque Jesus se dedicou à doutrinação, especialmente dos onze que viriam a ser o alicerce do edifício cristão no mundo, sem cuidar da organização social e política da igreja.

Está no período incerto da espectativa do Segundo Advento. A promessa 162 era o arremate de um período glorioso demais para que aquelas mentes simples, ingénuas e transportadas, arrebatadas, compreendessem que haveria um compasso de espera. Mas a promessa deixou o rebanho sem outra preocupação que não a de aguardar o segundo advento; então, nem comunidade organizada, nem governo. Vendo, aos poucos, que o segundo advento tardaria,

162 Atos 1:11

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o presbítero está nos primeiros ensaios de organização da Igreja Cristã. As experiências de vida em congregação que conduziram à implantação da Igreja tiveram a orientação do presbítero, pois que o encontramos disciplinando os infiéis163.

Está no livro de Atos dos Apóstolos e em todas as epístolas, estruturando a Igreja e promovendo a sua expansão. Nessa época êle se contenta em reproduzir na comunidade nova o ancião da comunidade antiga, a hebraica, a sinagoga. Era o juiz, o exemplo, a instrução e a representação da comunidade. Era a própria congregação, da qual saía. para servi-la, por livre escolha dela,

O PRESBYTEROS está em toda parte na Igreja do Novo Testamento, quando se procura a autoridade local. O EPÍSCOPOS só cinco vêsos e em escritos endereçados a uma região à qual a palavra soaria provavelmente melhor pela afinidade com a língua ali falada 164. O presbítero é arauto da igreja néo-testamentãria, o bispo é um titular do agrado dos helenistas 165.

Formava, com outros presbíteros, a Câmara Governativa de uma Igreja 166, todos do mesmo nível, dividindo entre si as funções.

Timóteo e Tito eram presbíteros, delegados de S. Paulo aqui e acolá. Não foram bispos e muito menos, diáconos diocesanos, assegura James Mof-fat 167.

O presbítero Pedro é apóstolo e o cargo honra de tal forma o apóstolo que êle prefere apresen-tar-se mais com o título de presbítero do que com qualquer outro; o mesmo aconteceu com S. João 168.

S. Paulo está sempre com o presbítero, pois ''governo" (tarefa do presbítero) é parte da no-menclatura sua ministerial 169. É quo a preocupação do grande apóstolo era contagiar as equipes que formara, as quais deveriam emular-se em busca de aperfeiçoamento na fé e na obra, no aprimoramento da vida e dos dons 170 e não em honras e títulos, em saliência e em posições.

O presbítero é quem está, oficialmente, na Igreja do Novo Testamento, afirma Lightfoot, ao comentar Filip. 1:1; o EPÍSCOPOS e outros títulos eram meras designações descritivas de serviços atribuídos a um presbítero.

2. ONDE ACHAR-SE O BISPO?

O termo bispo está naquelas ditas cinco vezes no cânon do Novo Testamento.

É nos terrenos contíguos ao Novo Testamento, nas áreas confinantes, mas fora da área legítima, que o bispo está com uma origem incerta e que continuará a ser incerta se

163 Atos 4:32 e 5:10 164 Atos 20:28; Filip. 1:1; Tim. 3:2; Tito 1 :7 I Pedro 1:25 165 Schaff,'Dr. Philip, obra citada 166 Filip. 1:1; Atos 11:30; 20:17; Tito 1:5 167 James Moffat, obra citada 168 I Pedro 5:1; II João 1; III João 1 169 I Cor. 12:28 170 I Cor. 12:31

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comparado o bispo dos tempos modernos com a própria conceituação da época , diz James D. Hastings 171.

O bispo está, com passo rápido e numa escala ascendente, nos tempos tumultuosos dos séculos segundo e terceiro. Aí, como em todo tempo, está o bispo protegido por circunstâncias que o eminen-ciam em virtude da facilidade com que, por indefinido, êle se adapta aos tempos.

O bispo está numa escada que sobe com extrema rapidez. Causas? Muitas, sem dúvida, entre as quais o partidarismo entre os presbíteros 172. À hipertrofia da autoridade, sucede-se a marcha da suplantação. O bispo cresce e domina após o fim da era apostólica.

Na literatura cristã primitiva encontramos os presbíteros rebaixados à condição de conselheiros dos bispos. Em seguida o bispo está na direção da comunidade no culto público. Depois está na regulamentação da liturgia, da distribuição das esmolas aos irmãos pobres, da punição dos ofensores, etc.

Afastando-se cada vez mais dos rumos bíblicos, o bispo está em seguida na posição do representante das congregações perante Deus e perante o mundo por delegação própria. Morria o ministério carismático com a ascenção do bispo. Agora êle é igreja e desempenha todas as funções de profeta e mestre, assumindo, ademais, as funções do chefe das relações intereclesiásticas.

Nessa posição o encontram as divergências doutrinárias. À autoridade política, ele acrescenta a de intérprete. O halo em torno do cargo fechou seu raio.

Para evitar reflexo prejudicial ao cristianismo no mundo profano, o bispo eitfíi agora, a evocar-se a condição de árbitro em out-stõps ordinárias. É o iuiz supremo 173.

À elevação em posição corresponde o crescimento em honra. Agora o bispo está reclamando prerrogativa especial, alegando direitos históricos, tais como o da eleição pelos apóstolos. O bispo está a sentir-se igual a eles, quer ocupar o lugar que lhes pertenceria na igreja e a todos os demais deve preceder em honra. "Essas distinções são pagãs" declararia mais tarde João Calvino 174 e diria mais:

"Antes de se introduzir na Igreja semelhante distinção diabólica, e alguém dizer: EU SOU DE CEFAS e outro: EU SOU DE APOLO, não havia dissenção alguma entre os bispos e os presbíteros",

Mas os fatos aconteceram; os tempos evolui-ram; os acontecimentos acumularam-se, e, agora, há um fosso intransponível entre os dois nomes do ofício. O bispo está no meio dia ensolarado; o presbítero ficou no lado da sombra; quem o verá?

Se alguma voz se ergue contra o episcopado, é agora abafada pelo tumulto. O presbítero não está mais em posição de poder falar; está francamente subordinado ao bispo, não obstante o Livro de Atos nada dizer em referência ã submissão de oficiais, nem mesmo aos

171 DICTIONARY OF APOSTOLIC CHURCH 172 James Moffat, obra citada 173 CRISTIANISMO E CULTURA CLÁSSICA 174 INSTITUTAS

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apóstolos. "A constante no livro de Atos é a manutenção de uma sociedade cristã, tornada coerente pela mordomia da palavra através dos apóstolos desde o próprio Jesus Cristo" 175.

Por outro lado, ninguém encontra no Novo Testamento uma só passagem que mencione a ordenação de um presbítero para uma igreja ou grupo de igrejas, mas o que se vê é a ordenação de vários presbíteros 176 (no plural) para uma igreja 177 (no singular).

Portanto, o bispo-chefe, prelático, foi quem se ergueu, à custa do presbítero. Essa ascenção é marcha unilateral socorrida por circunstância do tempo e não da Palavra de Deus.

Isso não quer dizer que tenhamos ojeriza para com o bispo; basta ser o seu nome bíblico para que mereça nosso respeito; o que repelimos é a desigualdade entre os ofícios e a suplantação do presbítero pelo bispo. A um Reitor (anglicano) piedoso e operoso, que perguntou "Que objeções têm os presbiterianos contra os bispos?" respondeu o Rev. David Dickson:

"Não temos nenhuma objeção contra o bispo; ao contrário, na Igreja Livre da Escócia, temos 950 bispos; mas são bispos da mesma ordem daqueles que foram ordenados por Timóteo, e que estão fazendo o mesmo trabalho que êle fêz, laborando no mundo e na doutrina".

"Os pastores são bispos na ordenação e na função" 178.

A hipertrofia do cargo, a absorção das funções. a tomada de assalto do ofício, a imposição como monárquico, é que recusamos como de origem bíblica, como temos demonstrado.

Só encontramos o bispo com autoridades humanas, e na condição que êle se arroga. Santo Inácio, em defesa da supremacia episcopal, supremacia e monarquia episcopal, disse que "o presbítero é afinado com o bispo, como a corda com a lira". Figura ôca essa da afinação da lira, mas que serviu, e tem servido para favorecer a absorção. A Didascá-lia conclui, pondo o bispo no trono, com os presbíteros divididos em dois grupos, um de cada lado. Os da direita para responderem pela ordem no altar, os da esquerda, pela congregação dos fiéis. Nada disso tem base no Novo Testamento.

Entretanto, o que nos diz esse Novo Testamento? Isto:

— o presbitério de I Tim. 4:14 é composto de apóstolos e pregadores da palavra (profetas); — nada sugere o privilégio da realização de qualquer ritual a um cargo; — o Livro de Atos não dá uma só prova de que os apóstolos considerassem os demais obreiros e oficiais como seus inferiores; — não havia graduação nem separação no clericato durante a era apostólica; e — até o ano domini 150, a direção das multidões ignorantes, convertidas do paganismo era atribuição da congregação, dela mesma.

Até o meado do século terceiro os presbíteros é que escolhiam os bispos de entre si mesmos.

175 Dr. James Hastings, obra citada 176 Tiago 5:14 177 Tito 1:5, "de cidade em cidade" (KATA PÓLIN) 178 David Dickson em THE ELDER AND HIS WORK

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O Sínodo de Antioquia decretou no ano 341 que "o bispo da Capital era metropolitano, com precedência na hierarquia e os outros nada de extraordinário podiam fazer sem êle". O bispo metropolitano é, assim, uma criação do Concílio e não do Novo Testamento, e seu aparecimento no cenário eclesiástico estabeleceu a seguinte corrente de evolução:

1.° presbítero, 2.° presbítero-bispo, 3.° presbítero e bispo, 4.° bispo e presbítero, 5.° bispo local, das igrejas da cidade, 6.° bispo diocesano, de cidades e 7.° bispo metropolitano.

O Episcopado, abertas as asas, continuou no vôo.

O bispo de Roma beneficiou-se com a involução do governo civil. Isso, mais o génio de alguns e a ambição de outros, determinaram a posição saliente, já agora entre os próprios metropolitanos. Diante de poderes civis em decomposição e cercado de instituições que se desagregavam, cuja lista é algo longa, o bispo de Roma achou o caminho que desejava tri-lhar para o acesso à primazia no mundo civilizado. O que lhe faltava Constantino, Joviano e Teodósio completaram. Eis aí o testemunho de um sincero e grande historiador católico brasileiro: Oliveira Lima 179.

Um decreto do Imperador Valentiniano m, lavrado no ano de 445, deu ao bispo a palma da vitória sobre o presbítero.

Agora só faltava ao Bispo de Roma (com inicial maiúscula) ser o Chefe Geral dos bispos. Uma lei do poder civil, que ao bispo de Roma estava submisso por causa da própria desmoralização, o empossou no glorioso cargo. Atingia-se o alvo mirado havia tantos séculos!

O bispo de Constantinopla tentou reagir, mas inutilmente. O Concílio de Calcedônia, em 519, consolidou as conquistas do Bispo de Roma, derrotando totalmente o de Constantinopla.

Estaria terminada a luta entre o presbítero e o bispo? Não. O presbiterato estava neutralizado pela força do bispo, amortecido pelo choque dos acontecimentos, ,mas permanecia vivo como instituição divina. Só na Igreja Católica Romana é que êle morrera, sucumbira pela absorção e não pela extinção.

O Calvinismo veio sacudir-Ihe o pó. Este estudo não teria sentido se não contasse esta história, para que os sucessores desses oficiais soubessem que sua função não se extingue com a força, nem se neutraliza inteiramente com o poderio. O legítimo presbiterato está vivo hoje como sempre; palpita e atua no mundo calvinista, exercendo suas funções dentro do quadro bíblico e dignificando o cargo com os serviços que caracterizaram o ofício em todos os tempos.

O bispo-"chefe" não ganhou a partida, apenas, situou-se e entronizou-se numa área à parte.

179 HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO

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III.

A VOCAÇÃO E A INVESTIDURA DO PRESBÍTERO

1. QUALIFICAÇÃO

A qualificação de um titular é, imperativamente, da razão direta da dignidade do cargo. Quanto mais elevado, quanto mais prestante, tanto maior a exigência de títulos creditórios.

As considerações dos capítulos anteriores falam enfaticamente neste quarto capítulo. E crendo que o presbiterato é um ofício altamente digno, ou o preenchemos com homens altamente credenciados, ou desmentimos a premissa com a investidura de pessoas menos recomendáveis.

Essas ligeiras considerações cabem maravilhosamente no título da nossa tese, isto é, o presbítero funciona nas igrejas presbiterianas. É peça atuan-te em nossos concílios, é pessoa ativa em nossas organizações eclesiásticas. Não é figura de ornato na composição dos quadros administrativos da Igreja, nem é posto de honraria, apenas.

O presbiterato é uma oficina de trabalho, no qual se é iniciado pelo Espírito Santo. É uma função na qual se é investido pela vontade de Deusf na qual se deve permanecer para a glória de Deus, no apascentamento dos rebanhos do Senhor.

A vitalidade de uma igreja local depende da operosidade dos presbíteros, como auxiliares dos ministros, mais do que do próprio pastor.

"A Igreja existe para servir e não para ser servida", pondera James Moffat 180 e "para governar e não para ser governada". Serviço e governo são atribuições para as quais Deus convoca homens que queiram trabalhar, e não homens que desejam receber honrarias do rebanho.

O presbítero é da igreja e não do pastor, assim como o pastor é da igreja e não de concílio. O presbítero é da igreja e para a igreja, daí o exato da escolha, em vez da nomeação. Daí, ainda mais, uma qualificação apropriada a garantir um fiel desempenho da função.

Sem ser honraria, como dissemos, o presbite-rato é, no entanto, uma cargo dignificante. Assim o entendiam os escoceses, em cujos modelos se orienta o presbiterato moderno principalmente o das Igrejas brasileiras. Diziam eles:

"o desígnio originário do ofício de presbítero era ajudar o pastor no exercício da disciplina e do governo; portanto, e, em virtude disso, os titulares desses cargos chamavam-se presbíteros regentes. No desempenho dos numerosos e difíceis deveres do ofício ministerial, pareceu aos nossos ancestrais sábio e conveniente que o pastor recebesse a assistência do povo dentro dos limites das srias aptidões. Porisso, ficou deliberado que em cada paróquia ou congregação se escolhesse um certo número, de entre os membros mais judiciosos e respeitáveis dela, para ajudarem os ministros com os seus consensos e cooperarem com eles no gabinete

180 James Moffat, obra citada

F. MARTINS, O OFÍCIO DE PRESBÍTERO Pág. 45

local, devendo o pastor com eles se consultar e resolver os assuntos que afetarem os interesses da religião e da igreja"181

Ao pensar em qualificações para o cargo, convém dizer-se que a política presbiteriana é pela valorização, respeito, dignificação e produtividade do presbítero e pela elevação do ofício, considerado de origem divina. O campo de ação do presbítero é, pois, de grande amplitude e o homem que é investido no presbiterato precisa estar apto a desenvolver atividades fora do comum na congregação dos fiéis.

O Livro de Ordem da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos declara, entre outras disposições relativas ao ofício de presbítero, o seguinte:

"Compete ao seu ofício, individual e coletivamente, vigiar diligentemente pelo rebanho entregue aos seus cuidados, de tal forma que nem a corrupção da doutrina nem a da moral penetre na igreja".

É inadmissível que a divina autoridade do cargo fosse conferida indiscriminadamente. Um Deus sábio, como é o nosso Deus, é um Deus, também, de ordem. Ao inspirar ao homem a instituição do presbiterato — que continuaria as tradições do ancianato, — só poderia ter feito obra completa sugerindo a forma em que se modelariam os ocupantes do cargo e normas de conduta que o dignificassem. Foi na inspiração divina que se verificou que o presbítero precisa reunir qualidades tais como:

1 — espiritualidade para promover o crescimento espiritual do rebanho; "quando nos sa alma progride, nossa obra progride" (183); 2 — conhecimento da Palavra de Deus para dar a razão de sua fé. Não seria ser um teólogo para discutir eruditamente, mas ser capaz de realizar a obra de Priscila e Áquila 182, com uma igreja em sua casa, nem sempre assistida pelo ministro; o presbítero deve ser um investigador da verdade; 3 — bom senso; homens cheios de arestas e pugnacidade criam problemas para a igreja e para os'concílios. O bom senso infunde espírito prático e realizador; 4 — bom trato e prestabilidade, condições necessárias a um contato benéfico com os crentes; 5 — experiência com os altos e baixos da vida para ser humano com os irmãos, ter simpatia, e regozijar-se com os que se regozijam e chorar com os que choram; 6 — ser prudente; não alimentar "cochichos congregacionaís"; preocupar-se com as causas e não com os causadores de proble-mas; 7 — não fechar suas portas aos crentes; a casa do presbítero deve ser a de suas

ovelhas; é esta uma boa maneira de ser útil ao rebanho 183.

Escrevendo ao presbítero Timóteo, (I Tim. 3) S, Paulo, naquele estilo positivo e franco, dã as medidas exatas da estatura de uma pessoa em condições de entrar no presbiterato; essas medidas, que 184parecem obedecer a uma escala crescente, são as seguintes 185:

a) no plano comum, deve ter bom conceito individual — vers. 2

181 John G. Lorimer (Rev.) THE ELDERSHIP OF THE CHURCH OF SCOTLAND 182 I Cor, 16:19 183 David Dickson, obra citada 184 David Dickson, obra citada 185 I Tim. 3:2-7

F. MARTINS, O OFÍCIO DE PRESBÍTERO Pág. 46

b) no estado social, deve ser casado — vers. 2 c) no meio em que vive, deve ter boa reputação — vers. 2 d) no desenvolvimento mental, deve ter preparo intelectual — vers. 2 ("ensinar") e) no modo de proceder, ser moderado e cordato — vers. 3 f) no trato com o dinheiro, deve ser desprendido — vers. 3 g) na influência sobre o seu meio, deve ter capacidade de comando — vers. 4 e 5 h) na capacidade de comando alegada, deve ter experiência do lar — vers. 5 i) na religião, deve ter experiência — vers. 6

Quem tem de impor as mãos, com os ministros, na ordenação, quem precisa influir na vida da comunidade, quem tem de enfrentar oportunidades e responsabilidades que determinam a condição de uma igreja, quem tem, muitas vezes, de "ir à frente dos ministros nas iniciativas e empreendimentos 186" precisa reunir uma certa soma de adje-tivos que o próprio homem reconhece como necessários e Deus, muito mais.

Vistos os textos bíblicos, mais as observações que temos feito, podemos reunir as qualificações do candidato ao presbiterato-- em três grupos grandes, dividindo-se, cada um a seu turno, na seguinte chave:

1.° — o presbítero precisa merecer o RESPEITO da comunidade; para isso precisa ter; a) santidade, compreendendo Fé

Vida b) inteligência, constando de

Compreensão Apreensão Capacidade de Transmissão

2.° — o presbítero precisa merecer e conquistar a ESTIMA do rebanho, com: a) boa reputação, compreendendo

opinião interna, da igreja conceito público

b) bom senso, constando de- capacidade de julgar interesse pelas almas perseverança no cumprimento dos deveres contato útil com as ovelha

3.° — o presbítero precisa reunir um CABEDAL de dons e aptidões, ou sejam: a) experiência religiosa, administrativa, familiar, e social.

I — RESPEITO

O presbítero tem de impôr-se ao respeito da congregação exercendo qualidades que o não degradem perante os crentes. Isso não importa em exigir a perfeição para a investidura no cargo. Não existi.' perfeição no homem. O que se deve exigir é o mais elevado número de fatores recomendatórios, tomando as circunstâncias adversas dignas de ponderação.

A tolerância com os fatores negativos determinará o abaixamento do nível da igreja local, fa-zendo-se sentir, mais tarde, a influência desses fatores negativos no exercício do cargo.

186 James Moffat, obra citada

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A exigência, ao contrário, promove o aprimoramento do rebanho, recebendo os crentes contágios positivos do seu colégio governante.

São condenáveis os desajustamentos. Há remédios legais para as escolhas erradas. Se a Igreja Presbiteriana adota o regime representativo, conve-nha-se que seus oficiais devem reproduzir o estado da congregação, devem retratar a sua santificação, o seu estado intelectual, moral, social e religioso. O contrário é a negação do regime. O Conselho da Igreja e os Concílios são o parlamento presbiteriano, por analogia com as repúblicas seculares; os parlamentos são o reflexo do estado do povo que representam; daí o dizer-se que o povo tem o governo que merece.

Irnpor-se-á ao respeito da congregação o presbítero que tiver Santidade e Inteligência, como fizemos constar da chave anterior.

a) Santidade — Ser santo é separar-se para a glorificação de um propósito. No caso, ser santo é dedicar-se a uma vida de fé e piedade.

O presbítero é o guardião da doutrina. Escrevendo a Timóteo 187, S. Paulo recomenda: "tem cuidado de ti mesmo e da doutrina", isto é: procura viver dignamente diante da igreja e preserva, intactos, os padrões de nossa fé. A Tito, o apóstolo diz ainda com mais clareza 188: "na doutrina, mostra incorrupção, gravidade, sinceridade".

Ao presbítero que deseja desempenhar sua função dignamente, não se permite dúvida quanto aos princípios da fé presbiteriana e nós temos princípios genuinamente nossos.

A Confissão de Fé de Westminter e os Catecismos devem ser seus companheiros de leitura, estudo e investigações, se o que dele espera a igreja é ser um funcionário eficiente na administração da fé e da doutrina na comunidade que o ordenou.

Cremos, mesmo, que este assunto precisa ser objeto de consideração da parte das autoridades superiores da Igreja, porque é frequente a transferência de oficiais, no interior do país, para outras denominações até não calvinistas. Motivos: os mais ingénuos, como distâncias, dificuldades de condução, "somos a mesma coisa", etc. Que isso se dê entre comungantes comuns, aos quais a Igreja Presbiteriana nunca procurou infundir mística denomi-nacional, vá lá, Entre presbíteros, não. Sua investidura importa na aceitação de doutrinas muito nossas que não respiram bem os ares, por exemplo, preláticos. A adaptação ao novo padrão tem aspecto de um repúdio, que é feito inconscientemente, às vezes.

Por outro lado, o presbítero, assistente do pastor no ministério, tem de ser um homem de fé. As dificuldades da comunidade, os problemas dos indivíduos e os das sociedades domésticas, caem com especial intensidade sobre o Conselho local. Os planos de extensão e a expansão da obra de evangelização e de consolidação do campo, de acomodação e construção de templos e escolas, de edificação espiritual e de aprimoramento moral, requerem alta dose de fé, sem a qual nada se pode idear, nem configurar, nem iniciar, nem concluir. Fé viva, fé calorosa, fé objetiva, fé constante.

187 I Tim. 3:16 188 Tito 2:7,8

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O segundo elemento da santidade é a vida piedosa. A relação entre a fé e a vida piedosa é demasiado estreita e suficientemente clara para que não nos detenhamos no seu exame. Basta lembremos que:

— a fé sem obras é morta 189; — os frutos, coisas que se vêm, são a fé dinamizada 190; e — as obras aperfeiçoam a fé 191.

Muitas vezes a congregação elege um homem para o presbiterato por inculca. Todavia, os olhos que antes o viam como irmão do mesmo nível, passam, após a ordenação, a perscrutar-lhe a vida através dos atos que êle praticar. À autoridade que a congregação lhe conferiu corresponde de agora em diante uma vigilância insone em torno de sua vida. "Mostra-me tua fé por tuas obras", eis o desafio que os crentes estão a fazer constantemente aos presbíteros.

"O homem que deve ser o exemplo para um rebanho", lê-se em AN ESSAY ON THE OFFICE AND DUTTES OF THE ELDERSHIP (1818) 192", na religião pessoal e familiar, deve ser caracterizado por:

— piedade habitual, — devoção doméstica, — pontualidade no comparecimento às reuniões de culto, — correção, sem desvio, no comportamento externo.

Quando se introduzem no ofício (do presbiterato) homens que não se distinguem com a vida acima, ou, quando são, impensadamente, recebidos nele, tais indivíduos rebaixam a respeitabilidade do cargo, e, embaraçam ao Conselho o exercício dos poderes que, como uma máquina, deve o Conselho desempenhar para promover o aperfeiçoamento moral do povo".

Que acrescentar sobre a vida piedosa do presbítero? Só a advertência de S. Paulo ao presbítero Tito 193: "em tudo te dá por exemplo".

b) Inteligência — Por inteligência queremos dizer aqui: aptidão para compreender. Empregamos o termo no sentido de entendimento, faculdade de sensação, de associação de ideias, memorização, imaginação e raciocínio. Não é intelectualidade, cultura.

Nesse sentido, acreditamos que o candidato a presbítero deve demonstrar, antes de indicado para compor uma chapa, que sabe compreender, apreender e transmitir.

Os mais primitivos ajuntamentos humanos demonstram apreciar a inteligência, sabem descobri-la e premiá-la com a chefia do bando, muitas vezes desacompanhada da valentia e da fortaleza física. Perdida a faculdade de inteligência, seja por acidente, por senectude ou por lassidão ou abandono, se-gue-se a deposição ou o afastamento, embora aparente às vezes.

189 Tiago 2:17 190 Tiago 2:18 191 Tiago 2:22 192 Burns, Rev. Robert, AN ESSAY OF THE OFFICE AND DUTIES OF ELDERSHIP IN THE CHURCH OF ENGLAND 193 Tito 2:7

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Já mencionamos que o ofício só pode ser desempenhado por quem consiga compreender doutrinas, interpretar leis e decisões dos Concílios e instruir o rebanho como trabalho suplementar ao do pastor. A obra local exige a aplicação de dispositivos constitucionais da Igreja» alguns deles passíveis de variada interpretação. É da compreensão do espírito e da letra de tais dispositivos que depende a paz e o progresso do rebanho do Senhor. A concordância, o assentimento, a divergência ou, até, as discordâncias, são atitudes necessárias ao oficial amadurecido e que tenha personalidade. Também elas são construtivas e' necessárias à vida da denominação. O "Amen" ao pensamento do pastor ou ao consenso da maioria (às vezes mal trabalhada) ou à deliberação do Concílio nem sempre é o que mais benefício presta à Igreja de Cristo.

Os Concílios precisam de presbíteros que pensem. Quantas vezes a modesta ideia de um presbítero de igreja pequena e longínqua lança um jorro de luz sobre questões fundamentais que o elemento especializado está vendo, sinceramente, embora, de um ângulo inteiramente errado!

Ao ministério não se pode atribuir o dom da onisciência; nem êle mesmo se arroga esse dom. Foi para remediar essa situação, para ajudar o ministério, que a Igreja pôs a seu lado o presbítero. É para amparar-lhe o braço nas lides espirituais, para ajudá-lo na gerência dos negócios da sociedade civil e para defender as ovelhas dos perigos de todos os lados, que o presbítero requer grande soma de inteligência, sem o que há desnivelamento, tão preju-dicial ao trabalho local e ao progresso geral. Ou, então, a estagnação do oficial que, somente enche a vaga no Conselho.

Todo presbítero deve tomar assento em Concílio, porque é no Concílio que se encontra inspiração, vendo a obra feita e a obra a fazer. Os acontecimentos mais transcendentais da denominação se re-fletem no Concílio e os problemas mais cruciais só podem ser equacionados nos Concílios. O Concílio é o grande mar que recolhe águas cristalinas de córregos e rios e águas barrentas de torrentes tumultuadas em seu curso. Deve-se sonhar com o dia em que se instale o regime de rotatividade para a representação das igrejas nos Concílios, a fim de que todos os presbíteros entrem em relação direta com os quadros representativos da denominação em todos os setores da administração. Isso só se dará, entretanto, nos dias em que a escolha do presbítero se fizer levando em conta a capacidade de compreensão. Que benefício conceder-se a quem não quer compreendê-lo? Como dar assento em um Concílio a quem não procura conhecer a organização, as funções e os altos objetivos dos Concílios da Igreja Presbiteriana?

Também é manifestação de inteligência a capacidade de apreender.

Como bem conhecemos os quadros intelectuais das nosas igrejas de um modo geral, não será absurdo dizer-se que a escolha — já difícil por causa da necessidade de compreensão — chegará ao impossível se desejarmos formar um corpo de presbíteros dotados com certa espécie de cultura. Podemos, entretanto, procurar homens que saibam apreender.

O contato com titulares antigos, o manejo dos dispositivos constitucionais, as consultas ao ministro, o exame (estudo, mesmo) das resoluções dos Concílios, a leitura aconselhada, etc, podem trasformar mentes simples em conhecedoras eficientes da máquina da igreja, formando elementos atuantes e prestimosos.

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O exercício da autoridade, compreendida como oriunda da vontade de Deus, interpretada como delegação do Espírito Santo 194, ao invés do exercício do poder individual, é outro estímulo para o desenvolvimento do presbítero na apreensão de novos conhecimentos, sobretudo, da personalidade humana; são lições práticas de psicologia para o que souber apreender. O indivíduo se promove. Quem não souber galgar esses degraus será um péssimo presbítero.

A história de nossa Igreja é outra inspiração. Não que a reputemos como elemento de interiorização das outras denominações; o presbiteriano nunca manifesta o desejo de ser mais do que ninguém; somos o que somos independente de comparação com quem quer que seja; não somos "presunçosos. Mas temos as marcas do martírio, o sinal do sangue. Temos construído nações. Ignorar isso não recomenda bem a um presbítero, porque o expõe a erros de conceituação e orientação dos crentes. Mas é preciso de grande capacidade de apreensão para interpretar essas belezas tão nossas e, apreendidas, tornam-se elas em elemento de convicção sem secta-tarismo.

Finalmente, para que se faça respeitado deve o presbítero ter o dom de transmitir, que é outra manifestação comum da inteligência. "Apto para ensinar" recomenda S. Paulo 195. Naturalmente, o exercício do cargo vai aparelhando o homem para todos esses misteres, mas só aparelhará o que estiver em condições mentais de evoluir. Segundo pensa o Dr. Thomas Porter; o presbiterato "é um aprendizado, como se aprende a ser cidadão, a usar direitos, a viver numa democracia". As lições aprendidas não se destinam a entesouramento, ao arquivo mental do "de cujus", mas a reproduzir-se em benefício dos membros da comunidade, transmitidas fiel e cristãmente.

Todas as Constituições de Igrejas atribuem ao presbítero o dever de ensinar, juntamente e depois do pastor. Portanto, o dom de transmitir ideias é um qualificativo indispensável ao presbítero.

II. ESTIMA

O oficial da Igreja não pode ser um homem distanciado do comum das ovelhas; isto é, poder, pode, se quiser condenar seu cargo ao fracasso.

É exatamente no trato permanente com os membros da comunidade, de todas as categorias, que se revelam as aptidões que o homem tem para o ofício, que determinam se a escolha foi bem ou mal feita.

O contato permanente do deputado com os seus eleitores é essencial ao regime representativo no mundo. É que o contato sugere bem-querer de ambas as partes e possibilita o serviço que um deve prestar ao outro, além de aplainar terrenos, esclarecer dificuldades e afastar atritos, evitando conflitos. O representante deve ser companheiro do representado a fim de sentir com êle suas necessidades, seus anseios e seus problemas. "Um coração frio e uma egoísta disposição de espírito são inamistosos para com os apelos e os empenhos da caridade", sentencia o Rev. Robert Burns 196.

Não queremos dizer, obviamente, que o presbítero seja servil ou se rebaixe a excessos que desfigurem o cargo, comprometa a dignidade do ofício. A firmeza e a decisão de caráter

194 Niesel Whilhelm, em THE THEOLOGY OF JOHN CALVIN 195 1 Tim. 3:2 196 Rev. Robert Burns, obra citada

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são indispensáveis e quaisquer atos ou atitudes que por elas se orientem são atos ou atitudes de

a) BOM SENSO

A santidade, a fé e a vida pautadas pelos princípios bíblicos serão inúteis se forem conferidas a uma pessoa despida de bom senso.

Não se resolvem com subjetividade os casos que surgem frequentemente nas congregações. Nas medidas de natureza prática, nas providências concretas e objetivas, é que se encontram os remédios para os males que afetarem o organismo eclesiástico. Nenhum regulamento é totalmente abrangente; nenhuma lei pode prever todos os aspectos do caso a regular na área total da sua influência.

O presbítero precisa compreender que deve funcionar simultaneamente: a) no Conselho da Igreja como juiz, como parte na direção do rebanho, como obreiro a quem se deu uma tarefa definida e, b) na sociedade, como membro dela.

A capacidade de julgar é rma essencial manifestação de bom senso. Quem pode viver neste mundo sem ter de opinar pró ou contra, sem ter de tomar uma posição favorável ou desfavorável, sem ter de servir de juiz? Julgamos a cada momento, no lar, no emprego, na sociedade, no clube, na escola, na igreja. Uma multidão de causas nos é proposta constantemente e desafia a cada passo, nossa aptidão para julgar, após um discernimento que a' nós, os espirtuais, nos é atribuído com mais propriedade 197. Também nãn podemos fugir ao dever de censurar 198, de piucessar 199, de conceituar 200 e muito mais nesta linha de pensamento.

É evidente a necessidade de não se deixar influir o presbítero por fatores que o levem a julgar sob a influência de motivos secundários como a emoção, o interesse e a ná informação. Tem de ser um homem dotado com gosto pela investigação, para poder decidir com acerto.

Um conhecimento maior das leis, das resoluções dos Concílios, das deliberações das Comissões Especializadas, do consenso geral e da experiência local muito favorece ao que pensa em proceder com justiça nas posições que precisa assumir conforme o período antecedente.

Não só isso, mas não é bem qualificado para o presbiterato quem não se conforme em ouvir. Ouvir muito; ouvir muitas vezes; ouvir tanto quanto a marcha dos acontecimentos aconselhar; ouvir tanto quanto fôr necessário à formulação de uma ideia exa-ta da situação em causa. Não há nenhum senso na decisão tomada unilateralmente ou tomada sem a instrução conveniente e sem a coleta de todos os dados necessários a uma conclusão natural, racional.

O juiz que muito fala, que revela segredos dos processos a seu cargo, é um fator do desastres. O presbítero tem que ser discreto. As causas da Igreja de Cristo não podem ser campo arável por todas as línguas, nem ruminável por todas as mentes. Há fatos cuja

197 I Cor. 2:15 198 I Cor. 4:3 199 Atos 24:6 200 Atos 16:15

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divulgação não edifica. Há p?cados cuja investigação, cuja formação de culpa, cujo pronunciamento, cuja decisão têm de ser tratados sigilosamente, porque o anúncio se erige em elemento de corrupção do rebanho. Ainda mais: a ind!screção pode comprometer a marcha e a conclusão do processo; os inquiríveis recolhem-se e a verdade não aparece.

O presbítero é juiz de causas santas porque pertencentes à Igreja de Jesus Cristo. Está em jogo o nome da esposa de Cristo; todo bom senso é pouco em defesa de sua honra!

Em seguida, o presbítero demonstrará ter bom senso se tiver interesse pelo rebanho. Já dissemos que o presbítero é da igreja, portanto, não é uma máquina a cumprir ordens na igreja, mas uma peça atuante na agitação da comunidade. Nada mais ilógico do que um representante distanciado de quem ele representa, um delegado que menospresa o dele-gante, um ajudante do pastor que só faz o que se lhe manda, sem uma iniciativa própria, sem uma vibração individual. O presbítero deve palpitar com os membros da congregação em todas as suas experiências. É através delas que êle sente a temperatura espiritual, o progresso no conhecimento da Palavra, o grau moral e o zelo evangelístico do povo.

Tomado o pulso da congregação através de con-tato permanente, o presbítero se transforma em boa fonte de informações para o pastor, a fim de que esse possa remediar os males porventura existentes e estimular as virtudes que estão sendo postas em prática.

Quando uma igreja está quente espiritualmente, os problemas não serão tão frequentes; os que surgirem terão solução imediata para que não cheguem a contagiar outros crentes. Há, também, ardor evangelístico. O ardor evangelístico demonstra aquele espírito de propaganda das verdades eternas que nasceram antes do presbítero e da formação dos ri-tuais 201. Sua ausência numa comunidade evangélica é sintoma de doença que atacou, primeiramente, o Conselho da Igreja; logo, a falta de zelo pelas almas indica ineficiência no colégio presbiteral.

Quando os presbíteros têm interesse pela comunidade, têm iniciativa e, em acordo com o pastor, se abalam a grandes empreendimentos, aquecendo a igreja toda, aumentando a frequência aos serviços religiosos, promovendo entusiasmo pelas boas causas, havendo grande movimento de visitas — resultado de convites, — há conversões de pecadores. Os frades celtas, os monjes pregadores da Idade Média, os primeiros reformadores, os genebrinos, os milicianos jesuítas, os revivalistas (como os irmãos Wesley), os discípulos de Calvino, usaram o processo do contágio pelo serviço individual, exercendo-o a 100 graus de intensidade e fervor; os resultados das suas arrancadas todos nós bem conhecemos.

O interesse pelo rebanho é a alavanca propulsora dos grandes movimentos. Quem a manobrou com sabedoria até hoje passou à história do cristianismo como pessoas de bom senso, inteligente e santa, estupendamente qualificada para a obra que Deus lhe confiou.

Infelizmente, nenhuma das virtudes anteriores é suficiente, nem o seu conjunto é decisivo, se operarem pouco ou aos poucos. Ao contrário, os êxitos retumbantes costumam ser passageiros em seus efeitos. Obra duradoura é a que se faz perseverantemente, pacientemente, continuadamente.

201 Bispo Episcopal Leon C. Palmer em THE MINISTRY OF LAYMEN

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O presbítero inconstante é um insensato e acaba caindo no ridículo perante a igreja. Mas o que pensa maduramente, julga prudentemente, rumina os planos cujos resultados pode demonstrar antecipadamente tal a firmeza dos seus cálculos, esse im-põe-se ao respeito da comunidade pelo que efetua em benefício dela. Tais obreiros só podem fazer uma boa administração e colher, como fruto dos seus esforços, o respeito e a estima dos crentes. Ê para esses tais a recompensa que S. Paulo pede: "Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra"202.

III. REPUTAÇÃO

Ninguém vive vitoriosamente isolado do meio; é o ensino de Jesus Cristo em João 17:15. O meio pode ser um estímulo, pode ser um desestímulo e pode ser uma hostilidade dura e cruel. Também pode o meio julgar retamente e pode condenar injustamente. Pode impelir para a frente, pode estacionar e pode empurrar para trás. Em todos esses casos, porém, há um meio em um ou outro sentido, determinando êxitos ou fracassos.

Miguel Ângelo era um homem triste, com frequentes acessos de hipocondria que o levavam à vizinhança do desespero. Viveu nas estreitas relações ções de papas poderosos de quem recebia tratamento quase de igual para igual 203. Qual é o traço marcante na obra de Miguel Ângelo em pintura? e em escultura? A majestade bíblica, como no teto da Capela Sixtina. E quem o orientou nesse sentido? Seu amigo Savonarola, queimado a 23 de maio de 1498 como um dos precursores da Reforma do Século 17. Com o amigo o artista aprendeu; aprendeu e gravou em sua arte as verdades impressionantes da Palavra de Deus. Morto o amigo, Miguel Ângelo escrevia: "sua palavra viva ficará gravada para sempre em minha alma".

A obra de Leão Tolstoi é a de um investigador, de um peregrino espiritual, que varejou as massas do seu tempo, sentiu e viveu o meio em que encontrou inspiração para os seus livros de renome universal.

George Frederick Handel, "o mais glorioso biógrafo musical de Jesus" era um ídolo das massas da Inglaterra e seu aparecimento em público despertava grandes emoções. Ao calor dessas, êle escreveu as pautas que ainda hoje causam arrepios.

E, assim, grandes homens da Ciência, das Letras, da Estatística, do Comércio, etc, realizaram grandes feitos sob a influência de épocas de meios, de círculos, aos quais não se pode negar poder sem risco de errar. Os grandes criminosos, os grandes artistas e figurantes do deboche terão que contar histórias semelhantes.

A reputação de um homem, antes de penetrar no sagrado arco do presbiterato, é qualificação fundamental. O que dele se disser, pró ou contra, devemerecer confirmação ou contradita, com indagações honestas e minuciosas. A reputação é algo que merece o maior respeito. -A morte física talvez não seja mais danosa para um homem e para a sua descendência do que a morte moral. Boa ou má, a reputação de um candidato deve ser objeto de exame antes da eleição ou, mesmo depois dela, antes da ordenação.

O oficialato da Igreja de Jesus Cristo está aberto exclusivamente a homens limpos. Não diremos "puros" se bem que esse fosse o ideal; mas, purezas e perfeição, onde encontrar

202 I Tim. 5:17 203 Archer WaLlace em THE RELIGIOUS FAITH OF GREAT MEN

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entre nós outros, os homens? Dizemos limpos, porque o limpo foi lavado, foi banhado na luz do Espírito Santo de Deus e pode viver uma vida edificante para os que o cercarem.

A opinião interna, isto é, a que o homem alcançar ha comunidade, no Concílio regional onde êle trabalhar, precisa ser boa. Repetimos que difil-mente será perfeita; até porque vale a pena citar o conhecido rifão: "o homem de quem todo mundo fala bem não presta". A unanimidade no agrado pode esconder adaptações, tolerâncias, mimetismo e, quiçá, pecado.

Uma boa reputação interna denota estima, que vem do bom trato, da boa conduta, do respeito que a pessoa infunde à congregação.

Uma reputação apenas duvidosa já compromete a autoridade do presbítero e prejudica todo o Conselho.

Sabedoria, discreção, conversação sadia e prestação de serviços muito recomendam um presbítero e constroem uma reputação dignificante no cargo. A isso acrescentem-se o conselho, a advertência na hora asada, a contribuição para as causas da Igreja, a presença com pontualidade nos serviços religiosos semanais e dominicais, a visitação, a assistência ao enfermo, ao órfão, à viúva, ao forasteiro, o socorro ao necessitado, a instrução ou o encaminhamento à consulta pastoral, eis os fatores de uma boa reputação para o presbítero, e os que o recomendam ao respeito interno.

Não menos importante é a opinião externa, o conceito público.

Quem não é boa pessoa fora da igreja não o será na congregação dos santos.

S. Paulo é bem claro quando escreve: "que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em afronta" 204.

Os deveres impostos pela vida com Cristo e pela associação com os cristãos são muito mais sérios do que os necessários para a vida com a sociedade e com o mundo exterior. Quem não os cumpre, quem os despreza ou os acha indignos de consideração perante o mundo, como poderá enfrentar os deveres para com a Igreja de Cristo?

"Abençoado é o homem a quem o Senhor não imputa iniquidade e em cujo espírito não há engano" 205. Esse, sim, será força construtiva no rebanho do Senhor e sua vida será um dique que impedirá seja a Igreja inundada de pecados e "vindo o inimigo, como uma corrente de água, o Espírito do Senhor arvorará contra êle uma bandeira" 206.

"Tu que julgas", diria S. Paulo ao presbítero, "tens que ser inexcusável, condenando-te a ti mesmo naquilo em que julgas o membro da tua Igreja" 207.

Quantos males assaltam a Igreja Presbiteriana do Brasil com oficiais de mau conceito público! Se o mau conceito é merecido, o homem não serve para o ofício; se imerecido, porque não o provaria êle, perante seus detratores, antes de receber a ordenação para o cargo de guardião da fé e da disciplina?

204 I Tim. 3:7 205 Saimo 32:2 206 Isaías 59:19 207 Rom. 2:1, 3

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IV — CABEDAL

Já dissemos repetidas vezes que o presbiterato é uma oficina de trabalho; não é uma honraria. Deus convoca homens para realizar tarefas determinadas nos vários setores de seu Reino e os eleva à categoria de cooperadores no Seu Plano.

O presbiterato é órgão executivo da igreja local e do Presbitério. Aos poderes que lhe confere a ordenação correspondem deveres que se devem traduzir em ação, movimento, realizações, atividade contínua e produtiva.

Obviamente, as tarefas executam-se com instrumentos, sem dúvida, de naturezas diferentes. O instrumento do clínico ê a observação, que pode ser mental, ou visual, de tato ou de percussão. O do cirurgião é o bisturi. À categoria de instrumentos se levam, portanto, todos os meios necessários à execução de uma tarefa, da mais material à mais subjetiva.

O cabedal do presbítero (o conjunto dos seus instrumentos) consiste naqueles meios ao seu alcance para cumprir o programa de ajuda ao pastor no ministério e, para cooperar no Reino de Deus de múltipla forma, seja no governo, na disciplina, no ensino, etc.

Não adotando a Sucessão Apostólica, os presbiterianos vêm realizando sua obra no mundo com o homem comum, havendo, até, quem repila a expressão "presbítero leigo", considerando-a uma zombaria. "O ofício é só de presbítero e é um cargo eclesiástico; quem o atinge deixa de ser leigo" 208. Não tendo clericato, o presbiterianismo crê na transmissibilidade de ordens sacras a qualquer crente, contanto que esteja habilitado a recebê-las, qualificado devidamente, para exercer o presbiterato (docente ou regente). Também não vê classes sociais; é uma igreja democrática em toda parte, no que respeita ao reconhecimento do direito da congregarão para escolher seus obreiros e determinar, por meio desses obreiros, a sua política 209.

Admitindo-se a existência do leigo, outorgando-se-lhe poderes especiais de pronunciamento e voto sôbre os mais elevados assuntos de doutrina e de disciplina, uma vez que êle tem assento nos Concílios no mesmo nível com os pastores, o homem sobe do comum dos degraus. O presbiterianismo não quer o leigo só para "ajudar" na administração da sociedade civil. A Igreja Presbiteriana o requisita para desenvolver-se, aperfeiçoar-se, promover-se, em devoção como nas outras qualidades necessárias ao fiel desempenho de seu cargo, além de mero ajudador.

Portanto, a eficiência do presbiterato depende do seu cabedal. Esse cabedal influi poderosamente no edifício material, moral e espiritual da Igreja. O cabedal compreende três formas de experiência: 1) religiosa, 2) administrativa, e 3) social.

1 — Experiência religiosa — A religião, entende o presbiterianismo, tem de ser uma experiência pessoal. Não é verdadeira e, sim, falaciosa, a distinção entre religião prática e teórica. A distinção serve para quem quer fugir, por essa porta, a deveres eclesiásticos, Conclusões lógicas, acomodações mentais, conformações, não podem ser consideradas religião.

208 Rev. John G. Lorrimcr, em THE ELDERSHIP OF CHURCH OF SCOTLAND 209 James Moffat, obra citada

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O homem não acha Deus raciocinando; a saberia dos homens não leva a Deus 210. O arrependimento de pecados, por si só, que pode ser um arrependimento legal, como de Judas (Mat. 27:3) e não a "graça evangélica" 211, e a errada submissão inconsciente 212 fazem obedientes, mas não fazem convictos, porque Cristo não salva rebeldes vencidos. A regeneração, o conjunto de atos que a caracterizam, isso, é o encontro com Jesus; é o con-tato pessoal com a chama que queima a palha do pecado e depura o ouro do coração 213 e o limpa e renova.

O homem crente que receia confirmar "sei em quem tenho crido" 214, não serve para o ofício de presbítero.

É a experiência religiosa que inspira objetivos. O obreiro que quer ser fiel à sua vocação tem que ter desígnios firmes. Os grandes inventores não recolhem material a esmo, nem fazem reações sem planos e cálculos.

Um neófito não pode ser presbítero. Um homem que, conhecendo o Evangelho de menino, tenha passado a maior parte de sua vida sem professar a fé, seria um péssimo presbítero, a menos que houvesse um milagre com êle. O primeiro é um iniciante e a jornada da vida com Cristo é longa e de aspecto variado, que não se apreende ao primeiro contato. O segundo foi indeciso portanto tempo que sua religião parece não ter calor vital. Pode ser consequência, e, só, de uma convicção mental.

2 — Experiência administrativa — A Igreja de Cristo é uma sociedade 215, tem todos os problemas das sociedades comuns, como os de manutenção, de ordem, de disciplina, de expansão, da pobreza, de enfermos, de peregrinos e outros muitos.

A Ciência da Administração, hoje codificada e muito evoluída, tem um belo e vasto conjunto de regras para a organização, a consolidação, a operação, a análise, e o crescimento, as quais regras se aplicam totalmente à Igreja como sociedade.

As questões de ordem material têm de ser equacionadas por homens que conhecem a ordem material; as de ordem doutrinária são cometidas aos ministros, porque esses se preparam com prolongados estudos para enfrentar os problemas espirituais. Quando o Conselho enfrenta problemas de manutenção, de expansão, de construção, de ampliação, de equipamento, o presbítero precisa poder ajuntar àquela advertência de Lucas 14:28 o conhecimento de leis, regras e normas que possam contribuir para que as resoluções não sejam vasias de objetividade. Iniciativas? Sim, mas lastreadas com um vasto cabedal de lições práticas e de observações. Muitos empreendimentos ficam em meio, ou custam um exagero, por causa da incapacidade dos presbíteros. Outros ficam em planos por falta de compreensão, por ignorância ou por displicência.

Quando os problemas a resolver são de disciplina, de ordem, de harmonia, que preocupam o Conselho, carece o presbítero de tato, inteligência e rapidez de pensamento, para evitar que uma gota se transforme num caudal. Muitas igrejas vivem num prolongado desassossego e o comunicam aos Concílios anos a fio, em virtude de questiúnculas que

210 Jó 11:5/7; Is. 47:10; Exeq. 28, 17 211 Atos 11:18 212 I Cor. 12:1 213 II Cor. 5:15-17 214 II Tim. 1:12 215 Art. 4º da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil

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tomaram pé no rebanho porque houve incompetência dos que as examinaram no principiozinho. Quem as pode eliminar sem maus resultados ao fim de certo tempo? Nascidas, às vezes, no zelo e no amor pelo Reino de Cristo; tomam cores diferentes, enve-nenadas pelas paixões e se transformam em pedra de tropeço quase irremovíveis.

O Diótrefes 216 é o alimentador dos conflitos. É um oficial com cabedal negativo.

Se o problema é assistencial, basta ao presbítero sentir a necessidade com os que as têm e en-tregar-se à busca do remédio, seja pela Junta Diaconal, seja por trabalho próprio.

Se a questão é o desejo de sobressair, manifestado por alguém na congregação, o presbítero deve colocar-se em posição de harmonia entre as partes, não vá êle mesmo aproveitar-se da situação para re-velar-se um "manda-chhuva". A Igreja precisa de Demétrios (217).

Ao presbítero que tem consciência de sua vocação divina, ao que goza do respeito da congregação, da estima dos fiéis e que tem prazer no exercício do presbiterato, bastam as recomendações de S. Pedro, quando diz:

"Aos presbíteros que estão entre vós, admoesto eu, que também SOU PRESBÍTERO, com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: Apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; não por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho 217.

3 — Experiência social — Ao presbítero cumpre fortalecer os braços do ministro na condução da comunidade em crescimento espiritual, em unidade, paz e amor fraternal. Mas, para servir de auxílio e suporte, êle carece de estar fortalecido com experiência e qualidades que o conservem unido à congregação e vivendo com ela e para ela.

A sustentação é uma força, constituída de fibras que, como raízes, nascem no contato pessoal com cada ovelha do rebanho a cujos sentimentos o presbítero deve ser familiar.

Em lugar de destaque, a força de sustentação reside na idade. Um homem pode ter na mocidade dons especiais para ajudar no governo do rebanho, com muitas das aptidões mencionadas anteriormente. Não será frequente encontrá-lo. Mas dispor da experiência mencionada nos títulos anteriores, não é natural num jovem, nem frequente.

A ideia de presbiterato sempre esteve ligada à idade provecta. É que o acumular dos anos vai formando um património moral que infunde respeito e serve de influência sobre os outros. Os próprios pagãos constituíam seus conselhos com homens mais idosos. O mesmo é o que se fazia em Israel 218. Por muitos séculos a idade mínima para a ordenação ao presbiterato foi de 30 anos. Na Igreja Ma-ronita ainda é assim até hoje. A Igreja Unida Livre da Escócia (Presbiteriana) adota o mínimo de 21 anos 219. A Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos também estabelece o mínimo de 21 anos. Dr. T. G. Campbell 220,

216 III João 9 217 III João 12 218 Ex. 3:16; 12; 21; Num. 11:16; Josué 7:6; I Sam. 8:4; Jer. 29:1 219 MANUAL OF PRACTICE AND PROCEDURE, 1927 220 Dr. Campbell, T. Graíham, em THE WORK OF THE ELDERSHIP

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considera os 21 anos como suficientes. Já o Rev. John G. Lorrlmer 221, diz "que não é necessariamente indispensável que o presbítero seja uma pessoa idosa ou de meia idade". Diz ainda:

"A palavra ancião, naturalmente, sugere a ideia de mais idade, e, certamente, onde se puderem alcançar as outras qualificações, a maturidade, e a sabedoria cristã geralmente conquistadas com a idade, são mais desejáveis". A Igreja Presbiteriana da Inglaterra, em decisão tomada em 1921 (atas da Assembleia), recomenda às Congregações que tenham em mente ã escolha de pesssoas mais velhas para tomarem assento no Conselho 222. A inclinação da preferência para a juventude pode levar ao caso de se proceder como os Nestorianos, que ordenam presbíteros até com 18 anos!

Os Anglicanos permitem a ordenação aos 30 anos.

A Igreja Metodista do Brasil permite a ordenação de presbítero ao diácono que conte 35 anos, feitos, naturalmente, os estágios canónicos.

Nesse emaranhado de opiniões, não afirmaríamos que só velhos, velhos, mesmo, possam ser investidos no presbiterato. Ao contrário, o homem marcado pela decrepitude só pode entrar no presbiterato como honraria. Faltam-lhe, sem sombra de dúvida, as vibrações e as energias mentais para viver com o rebanho os seus problemas, oferecendo soluções adequadas e a Igreja de Cristo não se compõe exclusivamente de velhos. Em que braços descansariam os pastores, com que pés contariam eles para carregarem os cordeirinhos e levarem as ovelhas às ricas pastagens, se os músculos não têm mais flexibilidade e a palavra constante é queixa de reumatismo?

O que afirmamos, com convicção própria e observação mais ou menos prolongada, que, via de regra, os jovens não estão à altura de compreender a dignidade do cargo biblicamente reservado a pessoas mais idosas e socialmente recomendadas através de experiências que só a longa vida pode dar.

Outro requisito que considero normal e bíblico é o estado civil de casado. É o que S. Paulo declara textualmente em Tim. 3:2, quando declara: "convém que seja marido de uma mulher". Somam-se aí duas qualificações. A primeira, porém, é a de ser marido e a segunda, ser monógamo, o que êle considerava importante num tempo e numa região da terra que admitia, como ainda admite, a poligamia. Os "anciãos" do Velho Testamento eram "patriarcas", chefes de família, casados e com filhos.

Finalmente, o presbítero carece de dons especiais para o convívio com o rebanho. Eis alguns deles, entre muitos:

a) ser trabalhador — Deus não convoca ociosos para nenhuma função no Seu Reino. Pode contratar obreiros até na hora undécima 223 mas só assalaria homens que queiram trabalhar. Hoje, como em todos os tempos, Deus vai muitas vezes procurar capitães de indústria, líderes de comércio e sábios professores ou hábeis políticos para tremendas comissões em suas igrejas; mas não vai despertar ã tarde ninguém que prefere a cama ao arado.

221 Lorrimer, Dr. John G., obra citada 222 THE BOOK OF ORDER OF THE PRESBYTE-RIAN CHURCH OF ENGLAND, 1922 223 Mat. 20:9

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O homem que vai ser o exemplo dos fiéis tem que ser um indivíduo laborioso fora da igreja, não tendo o hábito de apelar para a decantada "falta de tempo" a fim de escapar à realização de suas partes em programas.

Jesus Cristo retirou as mãos de Pedro e André da rede de pescar que estavam atirando ao mar. Tiago e João descansavam "carregando pedras", pois que reparavam as redes para voltarem ao mar. Mateus, achou-o o Senhor no difícil encargo de arrecadar impostos para o governo. Só de Judas nada se sabe quanto à ocupação quando chamado por Jesus; também não interessa saber se era laborioso o homem que a avareza conduziu ã traição e suicídio.

A atividade evidencia a posse de talento ou talentos.

b) Assessibilidade — Os homens "fechados", importantes, não servem para o presbiterato. Nem, tão pouco, os retraídos.

É preciso entrar nas recamaras das almas para conhecê-las, consolá-las, e alimentá-las. É preciso conversar, para ouvir, comprender e corrigir. É preciso confraternizar, para amar e servir.

O cargo é para quem quer servir. Fechado numa concha, descansando num pedestal ou dormindo num leito, nenhum presbítero faz sua obra.

Quanto mais acessível, mais relacionado e mais comunicável, tanto melhor o homem para este ofício.

c) Habilidade de trato — A mesma verdade pode ser dita de muitas formas. A Igreja existe para salvar; quantas vezes, nós, os presbíteros, afastamos candidatos à profissão de fé, crentes fracos e pessoas interessadas em uma ou outra obra da igreja local, com exagero de atitudes e infelicidade em expressões.

d) Precisão — O presbítero tem de ser preciso no falar, no fazer, no defender, no acusar, no prometer, no cumprir.

Ao presbítero não se permite exceder os limites, nem ficar aquém deles, no exame das questões que lhe forem afetas. Também não se lhe permitem paixões por quaisquer causas, mas deve ter equilíbrio, ficando com o certo.

No Conselho, nos concílios, nas comissões que lhe forem atribuídas, deve o presbítero proceder com aquela característica, dada pelo Mestre, do nem mais, nem menos, quando dizia:: "Seja o vosso falar, sim, sim; não, não" 224.

e) Fidelidade — Calmo, como o fiel da balança, mas firme pró ou contra no julgamento dos fatos, o presbítero não pode oscilar no depoimento 225, nas contas 226, na contribuição 227, no lar 228, nas mínimas coisas 229. Quem não é fiel, frauda e defrauda; como ser bom, assim, no ministério do Senhor? Que confiança pode merecer da parte dos membros de uma comunidade quem vive torcendo os caminhos? 224 Mat. 5:37 225 Prov. 14.15 226 Mat. 25:31 227 Salmo 66:13 228 I Cor. 7:1-5 229 Lucas 16:10

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f) Ativo — Ativo nos cultos; o presbítero precisa comparecer regularmente aos serviços religiosos da igreja e deve ser o primeiro a chegar. Isso é fundamental para o seu próprio desenvolvimento espiritual, assim como para encorajar o pastor, os crentes, e, principalmente, a juventude.

Ativo nos deveres do cargo; sua inteligência a serviço da igreja, comunicando ao pastor todas as ocorrências que requeiram intervenção pastoral, tais como: novas famílias, moços desconhecidos, gente que se muda dentro ou fora da cidade, enfermos, vitoriosos em esforços pessoais, derrotados na vida. Não se censure o pastor pela falta de visita a um enfermo, se êle não o soube. É o presbítero que, no trato permanente com o rebanho, deve conhecer o fato e o comunicar ao pastor. Assim, nos outros casos 230.

g) Prudência — A sabedoria habita com a prudência 231. O prudente não delibera sem conhecimento prévio, sem o domínio do assunto em litígio 232. O prudente é um homem que esmaga seus impulsos 233. O prudente só fala na hora própria 234.

O convívio com pessoas de caracteres variados, com padrões espirituais que diferem de indivíduo para indivíduo, com educações, com culturas, com posições, com condições sociais, e financeiras de todos os matizes (que assim se constituem as sociedades das nossas igrejas em toda parte), exige do presbítero muita cautela, muita prudência nos atos e nas atitudes.

Aquele que governa o rebanho, mais do que os governados no rebanho, e, mais do que os que governam os Reinos do mundo, precisa pensar só no que é verdadeiro, no que é honesto, no que é justo, no que é puro, no que é amável, no que é de boa fama. Isso é prudência 235.

Aquele que trata com os membros da igreja a todas as horas e em todos os lugares, precisa reter sua língua e falar só aquelas coisas julgadas convenientes 236. O presbítero deve proscrever a cho-carrice 237.

Finalmente, o presbítero deve, para bem desempenhar o seu cargo, "ser apresentado a Cristo". "Ter segurado sua mão na do Salvador e Amigo". Ser renascido não da carne, mas do Espírito Santo; estar convencido de que Cristo está à sua direita e satanás à esquerda. Saber que seus pecados diários são diariamente removidos pela fé no sangue remidor do Cordeiro de Deus, deixando que o Seu sangue o lave para o Seu serviço, de tal forma que o vaso, seja de ouro ou de barro, possa ficar limpo e apropriado para o uso do Mestre 238.

É talhado, bem talhado, completamente talhado para o presbiterato aquele homem que amar o FILHO DE DEUS, o LIVRO DE DEUS, a CASA DE DEUS, o DIA DE DEUS e o ESCABELO DE DEUS! Eis tudo quanto é qualificação.

230 Barbour, Dr. G..,em THE ELDER AND HIS WORK 231 Prov. 8:12 232 Prov. 13:16 233 Prov. 16:21 234 Amos 5:13 235 Filip. 4:8 236 Efes. 5:4 237 Efes. 5:4 238 Campbell, Dr. T. G., obra citada

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2 — ELEIÇÃO

Na era apostólica a escolha dos oficiais se fa zia por eleição, uma vez que cessaram condições específicas para as investiduras do Velho Testamento, tais como o levitismo, a integração fatalística entre os membros de uma família, no sacerdócio.

A primeira experiência do novo sistema deu-se com a escolha do sucessor de Judas no Colégio Apostólico. O sistema então adotado é o mesmo em uso na Igrejas Presbiterianas de hoje: sufrágio universal, com mais de um candidato (José Barsabás e Matias). É a primeira lição da democracia implantada por Jesus Cristo e posta em execução pelos que com Êle haviam andado. Ao invés de nomeação, pura e simples, uma eleição, com a livre manifestação da vontade de cada um, e com o direito de escolha entre número maior do que o de vagas.

Outra lição magnífica é a da unanimidade ao vencedor do pleito. Primeiramente lançaram as sortes; essas inclinaram-se para Matias 239. A declaração de Lucas "caiu a sorte" dá a entender que houve discrepância nos votos; uns preferiram o outro candidato. Mas, verificada a vontade da maioria pró Matias, era necessário saber se a comunidade o aceitava e, então, aconteceu o mais belo do passo, isto é, "por voto comum foi contado com os onze apóstolos". 'A minoria modifica seu voto, oferecendo apoio integral ao recém-eleito antes da posse no cargo. Prática altamente edificante e expressiva, que desapareceu do nosso meio. Alcancei assembleias presbiterianas em que, feita a eleição, o moderador consultava à casa perguntando: "Deus elegeu, pela vontade da maioria o irmão X para o cargo Y. Vós outros, conhecendo assim a vontade de Deus, desejais dar-lhe a unanimidade necessária ao prestígio do cargo que êle vai ocupar nesta igreja? Os que assim desejam, demonstrem-no pondo-se em pé". Toda a congregação então se levantava. O modelo é o apostólico.

Em seguida, nova eleição acontece no capítulo 6 de Atos. O modelo desta é notável, porque encontramos o voto popular estabelecido no mundo cristão. É a primeira assembleia geral da Igreja 240 e o escritor diz: "os doze convocando a multidão dos discípulos". Sufrágio universal puro, senso baixo legítimo, valorização da opinião individual na escolha de oficiais. Observe-se, também, que a eleição foi precedida de um manifesto popular, explicativo das razões que sugeriam a criação do cargo e a necessidade urgente do seu preenchimento 241. O eleitorado não votaria inconsciente.

Desta feita não houve indicação de nomes, nem isso é indispensável em todos os casos. Aqueles que reclamavam a necessidade de homens que fizessem justiça às suas viúvas 242, que escolhessem quem melhor lhes parecesse a fim de extinguir o motivo e o foco das reclamações. Cumpria, porém, "escolher varões de boa reputação,cheios do Espírito Santo e de sabedoria" 243.

Com essa eleição deram-se alguns passos à frente. Entre outros o da relatividade da escolha. Não tendo havido prévia indicação de nomes era natural que os escolhidos sofressem um exame da parte dos responsáveis pelos destinos da Igreja. A eleição não importava na investidura; abria-lhe o caminho, somente. A igreja funcionava como tribunal

239 Atos 1:26 240 Atos 6:2 241 Atos 6:2 242 Atos 6:1 243 Atos 6:3

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de primeira instância, julgando entre os seus membros os que, melhor qualificados, pudessem governá-la. Dado que a escolha se precedera de exame, a ver se tais ou quais candidatos eram homens cheios "de fé e do Espírito Santo" 244, a eleição dos seus nomes representava uma declaração pública de que a congregação os aceitava como guias e de que se submeteria aos seus cuidados em governo e orientação espiritual.

A ordenação passou à categoria de ato de confirmação no cargo, ato que ficou cometido ao Concílio local. No exame, antes da eleição, pode ter havido erro; é frequente o erro dos ajuntamentos humanos na escolha de líderes e condutores. Também na eleição pode ter havido engano; o nome mais votado pode não ser o da pessoa melhor qualificada e, um menos votado, que não alcance o suficiente, merecer muito mais. O re-exame, para a or-denação, parece muito acertado, contanto que o colégio eleitoral seja ouvido novamente, se os mais votados tiverem de ser recusados. É o direito de veto do Poder Executivo, tão em uso hoje em dia, para corrigir desacertos, até excesso, e caprichos dos legisladores. Não adotamos esse sistema, mas que êle é razoável, é.

Outro fato importante a notar-se nesta eleição é a reverência com que os apóstolos se aproximaram da ordenação;, aproximaram-se orando 245. É que a confirmação no ofício precisava da unção divina em maior grau. A eleição poderia anular-se; a confirmação, não; e, convinha se inscrevesse no quadro de oficiais só homens a quem o próprio Deus con-firmasse. Ainda assim, caba perguntar: teria sido certa a escolha? Quem poderia responder pela afirmativa ou pela negativa? Mas, tantos passos de exame e oração indicam, pelo menos, que houve um sincero propósito de acertar. Um bom meio de verificar é o que sugere João Calvino:

"Para sabermos se Deus escolheu um oficial, temos que ver se foi eleito direito, e se exerce bem as suas funções" 246.

Uma eleição em que tudo correu normalmente, legal, correta, nos mínimos detalhes é caminho para se verificar a vontade de Deus. Falta de instrução aos eleitores, convocações fora das exigências constitucionais, insuficiência dos quorums, lista de presença com imperfeições e ilegalidades, desordem nos atos da eleição, tumultos, paixões, falta de con-tato permanente com Deus antes, durante e depois, predileções do Concílio pró ou contra candidatos, atas ilegais, eis algumas evidências de que o predomínio foi a vontade do homem. A vontade de Deus nem sempre é a do homem 247. Aos próprios candidatos, se sentiram o chamado divino, cumpre cooperar para que a vontade do Senhor triunfe, a fim de serem aprovados por Deus 248.

O desempenho que o eleito der às suas funções dirá o resto.

O "modus exequendi" dos atos eleitorais varia muito. Não cabe aqui a repetição do que consta da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil. Também não vamos cotejar as Constituições das Igrejas tais como as americanas, inglesa, etc. Isso não tem relação direta com a função administrativa do presbítero, assunto que estamos estudando. São atos afins, mas alheios.

244 Atos 6:5 245 Atos 6:6 246 Níesel Whilhelm obra citada 247 Is. 55:8 248 II Tim. 2:15

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Cabe agora pensar é na maneira da investidura do presbítero, já que há quem faça questão fechada do fato de ter S. Paulo feito "nomeação" de presbíteros e, ademais, de ter delegado poderes especiais a Tito para proceder de igual modo, em Creta, nas congregações que fosse reorganizando 249. Também a Timóteo delegou poderes especiais para impor mãos, ordenar, com recomendação quanto ao escrúpulo na seleção dos valores 250.

Não parece procedente a convicção de que S. Paulo criou uma norma, com os poderes que concedeu a Tito. No caso de Timóteo cremos não haver dúvida, de vez que a recomendação é exclusivamente quanto à ordenação, última fase da eleição, pois que disse:

"A ninguém imponhas precipitadamente as mãos".

Ver nisso delegação de poderes para ordenar presbíteros com nomeação, parece forçar um pouco a verdade.

O caso de Creta, apesar de especial, não foi além da norma; e tem-se a prova no fato de não ter S. Paulo insistido em nomeação de presbíteros e de não o ter feito em outros lugares. Pode alguém indicar outro? Ao contrário, o que se vê é S. Paulo presidindo eleições em Listra, Icônio e Antioquia, pois que o registro escriturístico diz "e ha-vendo-lhes, por comum acordo, eleito anciãos em cada igreja". Houve eleição, precedida de entendimentos entre o apóstolo e a assembleia local" 251.

O sistema presbiteriano era o prevalecente em todas as decisões que de opinião geral. Até as Comissões Missionárias eram constituídas por eleição como a que o Concílio de Jerusalém enviou, com S. Paulo, a Antioquia 252.

Caso como o de Creta merece maior meditação» já que os tempos e ram tumultosos. o Evangelho empolgava as massas. Os judeus confundiam o ambiente cristão. Os gregos sempre irrequietos. Os obreiros eram poucos e as necessidades dos campos obrigavam os pregadores a pervagar Ásia e Europa em jornadas sem descanso. As nomeações podem ter sido medidas de emergência, e, quem nos garante que o "estabelecer" de Tito 1:5, tenha sido investidura por nomeação?

O erudito Rev. Sabattini Lalli comenta: a palavra grega que aparece aí para expressar a ação de "estabelecer" é KATHÁSTESES. É o primeiro aoris-to singular da segunda pessoa do subjuntivo ativo do verbo:

Kathístemi Kathístaou Kathístanou.

Essas são as três formas de um mosmo verbo. Note-se que a raiz e o radical são o mesmo: KATHIS, variando, apenas, as terminações: TEMI, TAOU, TA-NOU. Este verbo aparece em Mateus 24:45, Atos 7:10,27,35, Hebreus 5:1 e 8:3, com o sentido de "constituir", "constituído". Em Mateus 25:21,23, aparece com o sentido de "colocar", isto é, "pôr era lugar de privilégio". Em Lucas 12:14,42, aparece com o sentido de "pôr sobre", isto é,

249 Tito 1:5 250 I Tim. 5:22 251 Atos 14:23 252 Atos 15:22

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colocar alguém em posição de autoridade. Em Romanos 5:19, aparece com o sentido de "fazer justo", "declarar justo".

O Dicionário de Bailly dá uma grande lista de significados deste verbo, segundo o uso na linguagem dos clássicos. O que interessa ao assunto desta tese é a seguinte lista: 1º. instituir um magistrado ou juiz; 2º. constituir um povo em monarquia; 3º. elevar alguém ao poder. Mas, note-se, aí não temos método ou processo, e, sim, o fato; simplesmente isto. O como não aparece no verbo.

Cabe, pois, computar o respeito que devemos ao sentido incerto da palavra, situação em que, o curial é comparar com outros casos da mesma natureza, além de tomar na devida conta as circunstâncias históricas e a fase insegura da vida da Igreja de Cristo. Em todos os demais casos S. Paulo ouvia e mandava ouvir a assembleia dos fiéis. Porque tomar pé num incidente, já que o que ocorreu em Creta foi um incidente, promovido pela desordem nas igrejas daquela ilha?

A eleição presbiteriana é a mais certa e a mais bíblica, além de ser a mais racional, à vista desses fatos.

3 — POSSE

A natureza da posse tem relação estreita com a dignidade do cargo, isto é, quanto mais elevado, tanto mais formal e solene. A primeira posse ou instalação ocorre depois da ordenação 253.

A ordenação é, pois, a cerimónia que reveste o presbiterato de alta dignidade, ainda que vista, somente, pelo aspecto exterior.

Entretanto, não é hábito nosso realizar ato algum com objetivo meramente exterior. Bastam a simplicidade dos nossos ambientes, despidos de coisas "para ver", e a preocupação histórica de reunir todos os presbiterianos em torno do único culto imaterial, o culto do ouvir, para demonstrarem à saciedade que não ordenamos oficiais só para ostentação. Tem sido um sinal marcante do nosso ritual dirigir, com decência e ordem apelos à mente, à fé e à experiência, através de atos de culto que se assemelham aos que Jesus realizava nas sinagogas. Algumas novidades inocentes têm tentado abrir caminho nas hostes presbiterianas através dos tempos. Algumas conseguiram vingar, porque não conspiravam contra a forma tradicional do culto presbiteriano, principalmente, o culto calvinista.

Porisso, a ordenação de oficiais é mais para ser vista por dentro do que por fora. E, que mensagem traz ela? A da consagração divina.

Não é um sacramento para nós; logo não fala ao ordenando e aos assistentes de uma graça invisível.

Não é ato de promoção; logo não fala de uma hierarquia.

As igrejas de governo prelático vêm na ordem uma porção de coisas, tais como: entrada n. corrente da Sucessão Apostólica, observância da hierarquia ministerial, transmissão de dons recebidos dos apóstolos, inclusão do ordenando no sacerdócio, vicariedade do

253 Constituição da "Igreja Presbiteriana do Brasil, Arts. 83 d e 109

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ministério cristão, imitação da consagração dos filhos de Arão 254, dádiva do Espírito Santo. Ao ordenar um padre o bispo nele sopra e diz: "Recebei o Espírito Santo", ato que João Calvino verbera, com a franqueza do seu estilo, em termos candentes.

A ordenação não é sacramento, porque faria recuar sua instituição à Dispenração das Obras; seria uma volta ao Velho Testamento 255, para estabelecer conflito com o verdadeiro sacerdócio. Qualquer relação com o velho sacerdócio importa em anular o sacrifício de Jesus Cristo, o último sacerdote. Que ordem sacra cristã, pode ser essa, então? "Não é ordem sacra" afirma categoricamente o dr. James Orr 256. É, ao contrário, o sinal de outros atos como bênção, nomeação 257, consagração 258, separação 259.

A ser considerada como um sacramento, a ordenação estaria vinculada à salvação, como um dos fatores para ela convergentes. Mas, só Cristo salva e condicionar a salvação a rituais e ordenanças é usurpar a função primordial do Filho de Deus feito homem.

"A eficácia dos atos ritualísticos está na graça que veiculam e, não, na prática que sua execução exige" 260.

Só Cristo garante a salvação com o aval do seu sangue e com o penhor da sua ressurreição.

A imposição das mãos vale tanto quanto a água do batismo, o pão com o vinho da comunhão. É elemento material, simbólico e não fator de graça. O fundamental, o vitalizante, é o Espírito Santo, que, só Êle, comunica a graça. João Calvino 261 chama a imposição das mãos de "oração pactuada", isto é: ordenando e ordenadores, como um só ser, pelo entrelaçamento das. mãos dos ordenadores sobre a cabeça do primeiro, invocando de Deus a unção do dom que há no ordenando, conferem-Ihe o Espírito Santo, e, através disso recebe êle uma graça íntima que o capacita a exercer o cargo com a aprovação do Alto 262. Não há transmissão de dons, mas consagração do dom ou dos dons do ordenando com a interferência do Espírito Santo 263. Quem confiou aos preláticos o poder de dar o Espírito Santo? Onde um texto bíblico para assegurar essa autoridade?

A simples admissão de pessoas ao ministério da Igreja de Cristo não pode sugerir criações humanas que fujam ao padrão e ao modelo bíblicos. É necessário muito cuidado com o culto inventado pelos homens! Há constante perigo de erro e precisamos estar alertas, como depositários de uma herança incorruptível e gloriosa. O erro insinua-se com faci-lidade. Teodoro supunha que a imposição de mãos, em Timóteo 264, significava a consagração feita por alguns dos doze; isso não é verdade; só S. Paulo e o presbitério o fizeram 265. O que daí passar é mera suposição e essas suposições conduzem a caminhos que se afastam da estrada real. O presbitério aí referido é o conjunto de anciãos (268)

254 João Calvino, em INSTITUTAS 255 Gén. 48:14 256 INTERNATIONAL STANDARD BIBLE ENCY-CLOPAEDIA 257 Mat. 19:8; Marcos 10:16 258 Num. 8:10 259 Atos 6:6 260 Atos 6:6 261 Dr. J. M. Kyle, em COMPÊNDIO DE DOUTRINA E A IGREJA 262 INSTITUTAS 263 Atos 9:17 264 I Tim. 4:14 265 I Tim. 4:14

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utilizado por S. Paulo por analogia com os do Sinédrio 266, uma vez que se tratava de fato novo na história da Igreja e ainda não havia um modelo, senão o da sinagoga.

A questão do sacerdócio já foi bosquejada, mas ainda cabe repetir que por esse caminho iremos até ao mundo pagão. De que o sacerdócio evolui não padece dúvida. Iniciando como função do pai 267, foi variando até chegar à de uma família, — a dos levitas; — daí chegou a ser dignidade sagrada, com poderes de intermediário entre Deus e o homem, como o encontramos hoje na Igreja Católica Romana, com o vicariato. Só êle expiava e propiciava 268. A hipertrofia chegou ao ponto de expulsar o homem do altar; como hoje, a passividade do crente, com uma subjetiva intenção, bastava para assegurar a graça e o auxílio de Deus.

Onde está a reconciliação com Deus? Qual o limite dessa reconciliação? De quantos metros a sua profundidade? E que sentido passa a ter Hebreus 2:17? Fomos, ou não, classificados como sacerdotes? Como entender-se I Pedro 2:5,9, Apocalipse 1:6; 5:10,; 20:6? Como? senão com o sacerdócio universal, aberto a todos os fiéis, em Jesus Cristo?

Só temos um vigário, — o Espírito Santo, — como temos um só Mediador, um pacificador, e um intercessor, — Jesus Cristo. — O Moisés do holocausto passou; o Moisés da promessa é Jesus Cristo. Só Êle é suficiente 269. O seu pacto é o da Graça, que é o melhor pacto 270, pelo qual entramos no rol dos herdeiros da promessa 271. Chegados ao sangue que Êle aspergiu sobre nós no Calvário, não precisamos mais do sangue das vítimas, nem mesmo da figuração da Velha Aliança, pois vivemos num novo mundo272, com poucos elos com o passado e esses, só os que encaminhavam a Cristo como Sumo Sacerdote, como diz o escritor de Hebreus:

"Dizendo Novo Concerto, envelheceu o velho. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar" 273.

O Reino Santo somos nós 274, no qual Jesus Cristo nos incluiu 275. A concepção de um Israel de raça transferiu-se à humanidade toda, aos eleitos de Jesus Cristo; somos o sacerdócio santo, real e universal. Logo, ver na ordenação o que se deu com os filhos de Arão, ou, o ordenar reproduzir — como sacramento — o que se fazia no Pacto das Obras, é vã tentativa de ressuscitar um passado morto, bem morto. É oferecer combate a Jesus Cris-to, do qual o velho sacerdócio, o extinto, o morto sacerdócio, foi mera prefiguração 276.

A Igreja Presbiteriana está com a razão, porque nem ficou com a ordem do grupo prelático, nem se alistou com o individualismo exacerbado do Congregacionalismo. Para nós, nem o bispo diocesano, nem a judicatura independente exercida pelo rebanho, e, sim, o colégio presbiteral, distinguido o laica-to de clericato, que ambos se completam no presbítero.

266 A.H. Strong em SYSTEMATIC THEOLOGY 267 Wyllistone Goodsell — obra citada 268 Deut. 2:15 269 I Tim. 2:5 270 Hebr. 8:6 271 Hebr. 9:15 272 Hebr. 22:24 273 Hebr. 8:13 274 Êx. 19:6 275 Efes. 2:18 276 João Calvino, em INSTITUTAS

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Conosco: a paridade do clero, o governo da multidão representada pelos que ela mesma elegeu e que ela consagrou através dos seus representantes, anteriormente eleitos e ordenados. Conosco: a ordenação como simples maneira de admissão ao ministério da Igreja de Cristo, apenas distinguindo a do presbítero, pelo Conselho da igreja local, e a dos pastores, por um Presbitério (Conselho Regional,277.

Há quem acuse os presbiterianos de combinar os males dos dois sistemas, sem aproveitar os seus benefícios. Ora, as acusações. . . "Por seus frutos os conhecereis" 278; no capítulo próprio, que breve chegará, diremos do que tem feito o presbiteria-nismo para o mundo, dos frutos que tem dado fartamente. Um fato podemos oferecer desde já à livre contestação: nosso programa de culto (louvor, leitura sagrada, exposição da Palavra e oração), feito num púlpito como centro da adoração, nossa disciplina, nosso oficialato, nosso regime de seleção de valores, são a sinagoga, são uma tradição que não podem fixar no tempo, nem no cérebro de um homem, nem no ideal de um movimento. A sinagoga era presbiteriana em organização e governo. Só divergimos dela na propiciação 279.

RITUAL DA POSSE

Não vamos, naturalmente, repetir aqui o que está estabelecido pela Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil sobre a ordenação. É lei e como lei pode ser ab-rogada, derrogada e revogada. Assinalemos, entretanto, alguns aspectos interessantes da nossa Lei, que são:

1.° a habilitação, 2.° a definição do ato, 3.° a instalação, e 4.° a destinação.

Ninguém é admitido ao cargo sem eleição regular e legal; o ato é uma imposição de mãos, com oração "segundo o exemplo apostólico" 280; o exercício do cargo depende da instalação,, que é posterior à ordenação e, finalmente,, os atos só são válidos quando "se tratar de entrega ao novo oficial de "um cargo definido" 281. O primeiro é da alçada da assembleia geral da congregação; os restantes do Conselho local.

Note-se, ainda, que sem distinção de cargos, os ordenandos deverão assumir os mesmos compromissos, declarar a mesma fé e jurar fidelidade à Igreja Presbiteriana do Brasil 282.

Na Igreja Presbiteriana da Inglaterra há formulários impressos contendo as questões que devem ser, então, respondidas, expressamente.

277 ENCYCLOPAEDIA OF RELIGION AND ETHICS 278 Mat. 7:16 279 Rom. 3:24/25; I João 2:2; 4:10 280 Art. 109 § 1.° da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil 281 Idem § 3.° idem 282 Princípios de Liturgia

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IV

MOTIVAÇÃO DO PBESBITERATO

1 — Razões Materiais

O presbiterato hoje praticado em nossas igrejas, que é o presbiterato cristão, surgiu no Ato dos Apóstolos.

Diverge o pensamento dos estudiosos quanto à função dos sete eleitos para enfrentarem o problema das viúvas dos gregos 283. James Moffat diz: "os chamados diáconos" 284, procurando dar a entender que não os iguala ao cargo hoje denominado como de diáconos. Se os considerarmos mais do que diáconos, temos aí, uma eleição que se tornou necessária para remediar conflito na igreja nascente.

Pouco após, reúne-se o Concílio de Jerusalém, dando assento aos presbíteros 285. Agora era o conflito no terreno doutrinário que convocava o presbítero a opinar junto com os ministros.

Sempre que se agregavam os conversos, coloca-va-se à frente deles o presbítero e os entendimentos com os grupos faziam-se por seu intermédio.

O presbítero governava e pastoreava as congregações 286. Também fazia obra de consolação 287.

Aí temos sete motivos de suma importância para a existência do ofício de presbítero, os quais podemos resumir em: 1.° assistência, 2.° divergência doutrinária, 3.° necessidade de um cabeça, 4.° relações entre os ajuntamentos dos fiéis, 5.° apas-centamento, 6.° governo e 7.° visitação e auxílio a enfermos. Nesses sete motivos encontramos a ordem espiritual — 2.°, juntamente com a ordem social — 3.°, 4.° e 5.°, bem como a ordem assistencial — 1.°, 6.° e 7o. Todos os problemas da vida emrebanho aí estão compreendidos e esse conjunto justifica plenamente a necessidade de alguém que, dentro do rebanho, mas pairando um pouco acima, se revista de autoridade para conduzir a massa. Bastaria, pois, esse epítome para dar a conhecer que o antigo ofício se restaurava com motivação e não por mero capricho histórico, ou por honraria.

Esses mesmos motivos compreendem um plano de trabalho muito vasto, evidenciando nossa afirmativa de que a Igreja de Cristo não tem lugar para ociosos. Precisam trabalhar incansavelmente os obreiros do Reino. Os apóstolos, às vezes, nem tinham tempo para comer. Na Igreja do Novo Testamento todos se moviam, cada um dentro da sua capacidade, utilizando-se as aptidões conhecidas incessantemente, até na mútua edificação e na admoestação 288.

Nenhuma peça na grande máquina do reino cristão pode ficar parada; nirso, a evidência do espírito da religião de Jesus Cristo, que não é contemplativa, mas é uma prática vibrante, um estado dinâmico íntimo em constante ação de crescimento, contágio, e refinamento, de 283 Atos 6:1 284 THE PRESBYTERIAN CHURCHES, James Moffat 285 Atos 15:6 286 Atos 15:6 287 Tiago 5:14 288 Marcos 6:31 | Rom. 15:14

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par com a cata de novos participantes das bênçãos que a religião de Cristo comunica. É uma batalha, com todas as suas caractérísticâs. Assim, o que é comum entre os seus membros é cada um ter as marcas de uma célula viva. Que diriamos, então, do oficialato neste meio trepidante? Que êle, muito mais, deve agitar-se.

As divergências dos três primeiros séculos não foram preocupações de natureza doutrinária nem desentendimentos por motivo de interesse. A ati-vidade é que dividiu os crentes.

Além dos problemas externos antes os quais a comunidade tem de se apresentar com unidade, requerendo, assim um representante idóneo, a Igreja tem causas internas que reclamam inspiração, instrução, direção, orientação e disciplina. Muitas dessas causas interessam, simultaneamente, a dois ou mais irmãos, quando não os divide era partidos, correntes e setores dentro do campo eclesiástico. O presbítero é necessário aqui como um juiz. No Conselho local tem de julgar e sentenciar, a que preço não cabe aqui mencionar, mas tem que assim proceder. Nos Concílios, nas comissões conciliares, e nos tribunais, propriamente ditos, o presbítero é um elemento necessário, não só por imposição legal, nem pela situação de igualdade com os ministros, mas como o povo leigo de Deus com assento onde sua ausência poderia ser desastrosa e prejudicial 1.2 nome da Igreja. O presbítero ali é a multidão dos fiéis falando, participando das decisões, e só o pres-biterianismo, com seu regime representativo puro,' sem similar nas entidades políticas do mundo profano, pode realizar isso. No mundo profano o juiz é uma casta, com promoções até aos mais altos postos, sem elo com a representação popular. No pres-biterianismo, é o deputado que pode julgar até ministros.

O episcopado prelático dispensa o presbítero, o leigo, não o considerando cabível nem mesmo necessário; mas tem transigido em alguns casos como na Igreja Episcopal da Irlanda, e na dos Estados Unidos da América do Norte 289; essa trans:gência atesta a necessidade do cargo, som dúvida nenhuma.

O presbítero é o centro, de onde irradiam ordem, poder, direitos 290. Como d'rigiria sozinho, o pastor, sem um apoio em autoridade cuja mrlhor credencial é o manar do próprio rebanho? A autoridade do pastor, como pastor, é só ministerial; como presbítero é que êle pode arrogar-se poderes de execução na esfera administrativa, de agência, de dele-gação, declara Kyle 291. E assim é, porque os que administram a igreja, inclusive legislando, são executores da ordenação de Cristo para o bem do rebanho que, para isso, os ordenou.

Finalmente, o presbítero é uma necessidade, porque o regime que tem construído nações, •— o presbiterianismo, — tem nele o fator principal da formulação e da exemplificação do sistema representativo, que inspirou o republicanismo moderno entre as nações.

Em boa fé, quem poderá negar que o presbítero do nosso regime é:

— bíblico, no sentido geral, — apóstolo, no sentido histórico, — democrático, sem ser popular, no sentido social e — útil na criação de consciências nobres, no sentido psicológico.

289 Dr. J. M. Kyle, obra citada 290 Egbert Watson Smith em THE CREED OK THE PRESBYTERIANS 291 Dr. J. M. Kyle, obra cilada

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Quem não negar isso, embora reconheça as criticas que se nos fazem, admitirá, com a aceitação desses fatos, que temos motivo de sobra para ter nossos presbíteros.

2 — RAZÕES ESPIRITUAIS

Preliminarmente e, principalmente, o presbite-rato é uma instituição divina. Instituição, com que Deus estende sua destra ao homem, pedindo cooperação e manifestando o desejo de utilizar o homem como instrumento da sua própria redenção em Cristo.

O crente precisa de companhia na vida diária, como a ovelha carece da convivência dos pastores. O ministro tem a palavra e os sacramentos, sendo natura] que não se lhe exija muito mais do que isso, que é o centro da vida religiosa evangélica. Assim, o ensino, a edificação, o estímulo na vida espiritual, têm de ser repartidos entre o ministro e quem deve receber o lugar de seu assistente, seu acólito. Qual seria o cargo em condições de encampar as responsabilidades desses misteres tão importantes na vida espiritual da igreja, senão os presbíteros? Ao ministro, a supervisão; ao presbítero, a execução dirigida.

Pensava João Calvino 292 que a vida da Igreja é ordenada de cima. Jesus Cristo atua por in-termédio do Espírito Santo, distribuindo os dons. Note-se bem: :"distribuindo", não os concentrando em castas ou ordens, mas os dá, "uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, outros para pastores, outros para doutores" 293. O que Deus almeja na distribuição dos dons pelo Espírito Santo, é a diluição da tarefa, é a delegação de poderes, para que um número maior viva com a Igreja e para a Igreja. Ê uma equipe maior que se aperfeiçoa no ministério cristão, e que promove o aperreio amento dos santos: edificando, erigindo, construindo, fazendo subir, o corpo místico de Cristo 294. A universidade da salvação é aplicada, executada, transmitida, consolidada e aperfeiçoada através da universalidade do ministério.

A Igreja é de Cristo e não dos homens. "Nem um simples indivíduo, nem a sociedade como um todo, tem qualquer poder controlador da organização da igreja"295. Cristo é o Senhor de tudo. A pregação é de Cristo; as verdades cuja exposição se faz são de Cristo: as doutrinas formuladas são de Cristo; o governo é exercido por homens como delegados de Cristo. O homem é o instrumento que lança, a jorro, a semente cobrindo prados e montes. Cada crente um semeador, cada oficial um orientador da lavoura de Cristo.

Isso não quer dizer que se imponha o tumulto no serviço. Isso não justifica certas práticas, diríamos, desordenadas, com barulho, com manifestações coletivas, algo assim como uma alucinação co-letiva, generalizada, tal como acontece em alguns lugares. Isso não justifica certas formas de culto, como a dos Tremedores. "Faça-se tudo decentemen-ee e com ordem"296, é um preceito a que o pres-biterianismo histórico tem dado ênfase especial. A ordem, no caso, é escala de autoridade, é escolha do campo de ação, é a adequação de métodos. A ordem presbiteriana é o púlpito como centro espiritual e de instrução, com o pastor como oficial mais graduado, na conceituação de João Calvino 297 pela faculdade de ministrar, os sacramentos. Com êle mas abaixo na escala (não na hierarquia, nem na ordem

292 THE THEOLOGY OF CALVIN 293 Efé. 4:11 294 Efé. 4:12 295 THE THEOLOGY OF JOHN CALVIN 296 I Cor. 14:40 297 Obra acima citada

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eclesiástica), o presbítero, como um complemento à solução do problema que representa uma necessidade real para a edificação do rebanho.

"O puritanismo torna a vida como uma vocação divina" escreveu o grande pensador católico romano Justin Nixon, no "Atlantic Monthly", em 1927. O presbítero, como base e edifício do puritanismo, é no Conselho, nos Concílios, no lar e na sociedade a manifestação da vontade de Deus quando, com vida exemplar, comunica firmeza à comunidade, entusiasmo à juventude, fervor à maturidade, paciência ã velhice. É a vocação divina corporificada.

Quando S. Paulo, censurando as demandas entre irmãos 298 de Corinto, condenou acremente o transbordamento das querelas para fora da igreja 299, assim falava porque supunha que os crentes não deviam precisar de tribunais civis. Não temos nós os Conselhos e os Concílios para resolverem as questões entre irmãos, a contento dos liti-gantes? E, nesses debates, tendo os oficiais da igreja de um lado e os querelantes do outro, não se está diante de uma situação em que o Espírito Santo pode atuar? Muitas vezes homens simples, incultos, até, acham soluções sábias para pendência que os Códigos dos homens não situam. Não foi o Fspírito Santo quem encaminhou a solução com um instru-mento modesto?

Por último, que motivo maior, do ponto de vista espiritual, para o instituto do presbiterato de que sua participação no presbitério exaltado, glorificado, junto ao trono do Altíssimo, como relata o autor do Apocalipse 300 ? O grande vidente contempla o presbítero adorando o Cordeiro e adorando o Pai. Um tal lugar, conspícuo, na Igreja Ideal é a coroa de uma obra que é sua tarefa na Igreja Temporal.

E Jesus Cristo, o Senhor nosso e de todos, presente 301 como o Sumo Presbítero, ratificará a obra do presbiterato, fazendo-a crescer espiritualmente 302, aperfeiçoando, confirmando, fortificando, consolidando, e fazendo triunfar a Igreja cujo governo Deus dividiu com o ancião 303.

3 — BENEFÍCIOS DO REGIME PRESBITERAL

As escolas, os movimentos, as iniciativas, afir-mam-se pelos seus resultados. Deve haver frutificação 304 e frutificação no tempo próprio 305, para que se saiba se a árvore é boa. A produção deve aumentar 306. O fruto tem que ser bom 307, sem o que não se poderá avaliar a qualidade da procedência 308.

Ê pensando nesses fatores essenciais ao julgamento sereno e racional, isto é, na produtividade, na expansão, e na qualidade dos frutos do presbiterato, que podemos, nós — os que o adotamos como sinal distintivo da nossa fé — dizer ao mundo que esta instituição traz a marca da origem divina.

298 I Cor. 6 299 I Cor. 6:6 300 Apocal. 4:4;5 :8,14;11:16;19;4 301 Mat. 28:20 302 Coloss. 2:2,7,19 303 I Pedro 5:10 304 Lucas 13:9 305 Mat. 21 :41 306 II Cor 9:10 307 Mat. 3:10 308 Mat. 7:18

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Ninguém tem maiores e melhores frutos para apresentar a Deus, como resultado de sua existência no mundo, do que o regime presbiteral. Não tanto, digamos, na quantidade, mas, e, sobretudo, na qualidade. Nunca primámos pela quantidade e nossa expansão tem se dado automaticamente; não temos sido adeptos da retumbância do avanço desordenado; o que tem assinalado a marcha do presbiterianismo é a obra de fermentação, silenciosa, permean-do as massas e, por elas, temos grandes coisas sem propaganda, sem alarde, sem estatística numérica e sem ralar competidores. Muitas vezes e em muitos lugares ficamos com a semeadura, deixando a outros a sega; mas fazemo-lo como instrumentos de Deus.

O presbiterianismo é uma fé e uma forma, e nenhuma dessas frutificaria sem a sanção Escriturística 309. Não é sem propósito que a palavra PRESBYTEROS ocorre 71 vezes no Novo Testamento, entre as quais dez ou doze vezes exprimindo posição na sociedade ou idade madura. Homens em realce, homens amadurecidos e experiência em aproveitamento. Em todas as restantes ocorre com o sentido de emprego, cargo cheio de encargos, posição ativa. Quem assim desdobra a sua vida tem de produzir e, quem é tantas vezes, mencionado como em atividades úteis, deve estar produzindo bons frutos para tanto ser lembrado.

São, principalmente, de quatro aspectos os benefícios do regime presbiteral, a saber:

a) a representação pura, b) o governo racional, c) a organização conciliar e d) a dinamização das energias.

a) A REPRESENTAÇÃO PURA

O sistema chamado representativo tem tido muitas contrafações. Que isso se dê no século, vá lá; na Igreja de Cristo, entretanto, é para desejar que tal não aconteça.

Somos de Cristo, já o dissemos e reafirmamos 310. Com majestade suprema, Êle reina em nossas vidas. Mas o Senhor Jesus não violenta nossas consciências, nem exerce seu governo com absolutismo. Êle nos quer, nos procura, bate à nossa porta 311, mas não força a entrada. Se o bispo das nossas almas 312 não desce da sua suprema grandeza para constranger a mais pequena das suas ovelhas, a autoridade absoluta em qualquer matéria, o constrangimento, as confinaçÕes incondicionais, não têm exemplo no ensinamento e na vida de Jesus Cristo.

Quando o presbiterianismo discorda do sacerdócio hierárquico, não o faz por mero capricho ou picardia; discorda por causa da relação entre tal sacerdócio e o inerente direito de relacionar o homem com Deus. Discorda porque o sacerdócio, colocado entre a vítima e Deus, exige fé submissa, obediência incondicional, sujeição a rituais decretados, abstenção de opinião sobre o que deva ser certo ou errado e, mais ainda 313. Ou o crente se submete e o sacerdote faz o sacrifício em sua intenção ou se insurge e a comunicação com Deus é interrompida, porque êle não oferece o sacrifício.

309 Schaff Dr. Philip, obra citada 310 I Cor. 3:21-23 311 Apoc. 3:20 312 I Pedro 2:25 313 Dr. J.M. Kyle obra citada

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O sacerdote que foi presbítero, quando, através de Cristo, passou a ser só o presbítero, perde o con-tato com Deus, nega a sua vocação divina, quando se arroga direitos que a congregação não conferiu; perde sua característica de pedra viva e passa à condição de falso sacerdote 314.

Que tais deformações de função se operem no mundo profano, como dissemos, vá lá; não o podemos evitar, nem com isso nos devemos impressionar; "a César o que é de César"; governem-se os grupos civis como desejarem os cidadãos da terra. "A Deus o que é de Deus"; submeta-se a Igreja aos padrões bíblicos, valorizando o cidadão do Reino muilo mais do que o valoriza o poder civil. O mal do poder civil, é justamente, a faculdade (comu-menle utilizada) de coagir, de constranger, conduzindo as massas a seu talante, segundo os interesses pessoais ou grupais, às vezes inconfessáveis.

O regime presbiteriano não coage; mal permite a persuasão, quando indica mais de um candidato a qualquer cargo eletivo.

Além disso, o governo presbiteral não se exerce por um indivíduo, um régulo; é exercido por um colégio de anciãos. Assim foi na Velha Dispensa-çãn: com diversos anciãos nas cidades, e setenta no Sinédrio, cujo presidente era também chamado da Condutor. Assim foi na Igreja do Novo Testamento. Ao aproximar-se de Mileto, S. Paulo não reclamou contato com um Superintendente, ou um Pres-bílero, ou um Sacerdote, mas pediu a presença dos presbíteros 315. E ao dirigir-lhes a palavra, o Apóstolo fez recomendações que merecem transcrição;

"— olhai por vós, e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos" (no plural) 316

Escrevendo aos filipenses S. Paulo saúda a "todos os santos em Cristo Jesus — com os bispos e diáconos"317. E assim, em muitas outras passagens, claro ou implicitamente o governo colegiado representativo se encontra na Bíblia.

Conservamos esse sistema de governo tal como era. O que a Bíblia registra não deve sofrer evolução, se ela mesma não o sancionar; o que a razão recomenda é inalterável pois que o raciocínio só conduz a um resultado; o que a experiência aprova não deve se expor a modificações.

No espiscopalismo o governo fica com um bispo ou um colégio de bispos regionais. Entre os con-gregacionalistas, na mão de um pastor.

Situando-se entre esses dois extremos, o presbiterianismo forma o ambiente apropriado para a manifestação da vontade popular expressa na delegação de poderes a deputados seus; é a pura representação popular.

João Calvino é o pai da representação popular moderna. Há opiniões contrárias dos que combatem o homem e sua escola; a intolerância vai ao ponto de o considerarem um ditador na cidade suiça. Oliveira Lima, historiador brasileiro, católico apostólico romano, defende-o afirmando que se Genebra viveu sob uma ditadura, acusom-se a época o a oposição dos

314 I Pedro 2:5,9 315 Atos 20:17 316 Atos 20:28 317 Filip. 1:1

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elementos que sempre querem tirar proveito da confusão (que sempre houve em toda parte) e não a quem fundou uma "república teocrática governada por um Consistório de Ministros do Culto" 318. "A autoridade suprema "depõe Edward MacNall Burns" era exercida pela congregação do eiero, que preparava toda a legislação e a submetia à aprovação do Consistório, para ser ratificada". Veja-se: ali havia colégios que consultavam colégios, num regime democrático único! Exp]ique-se que o Consistório compunha-se dos ministros, mais doze anciãos, presbíteros) represoutantes do povo.

As doutrinas calvinistas respondem pela movimentação da classe média. Sabemos o que foi o mundo, quando só existiam duas classes: uma poderosa, outra, abandonada; uma rica, outra miserável! A Igreja descansava mandando nas duas. . . A classe média veio modificar os costumes políticos, e, inspirada nos princípios calvinistas, foi ela que se animou-a levantar-se contra o despotismo e a tirania dos governos.

As nações em que o presbiterianismo exerceu influência têm vivido em harmonia interna e externa, têm solucionado seus problemas dentro da ordem, têm sido asilo de perseguidos, têm tido governos que exprimem a vontade dos eleitores, e renovam seus governos periódicos nas ocasiões próprias, sem convulsões, respeitando os governantes o povo como do povo são respeitados. Se quereis ver o contrário, podereis procurar já e não tereis dificuldade em encontrá-lo...

A representação pura é a construtora de nações grandiosas, de povos felizes, de multidões satisfeitas. É um presente do presbiterianismo ao mundo.

b) O GOVERNO RACIONAL

Muito acertadamente escreveu o saudoso Dr. Thomas Porter: "quem conhece o presbiterianismo não sai dele". Porque? Porque conhecê-lo não é apenas filiar-se a uma igreja da denominação presbiteriana; é penetrar fundo na sua gloriosa história, na sua essência, na sua mística; e, quem consegue fazer isso fica, queira ou não, empolgado. Note-se que não temos dado a isso nenhuma ênfase perante os conversos, porque não fazemos propaganda sectária na Igreja Presbiteriana; quem jamais viu um folheto distribuído em nossas igrejas oferecendo resposta à pergunta: "porque sou presbiteriano? "Ninguém. É a experiência do convívio, do uso dos direitos constitucionais, da participação na obra local, regional e geral, e da atividade nos concílios, além da organização peculiar das suas forças vivas, que dá a força dominadora. Não a propaganda, que não fazemos organizadamente e nem a sancionariam os nossos Concílios em todo mundo.

O presbiterianismo é um sistema de política eclesiástica formulado por João Calvino, mas a primeira palavra do calvinismo é: DEUS. Deus é quem iguala, em governo, a todos os crentes, sem embargo da diversidade .dos dons para o servirem no Seu Reino. O formulador buscou seus princípios na PALAVRA DE DEUS. Veja-se em I Tim. 5:17 uma das fontes da sua inspiração, quando S. Paulo esccreve: "principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina", o que lhe pareceu indicar que o governo local é de um grupo escolhido de entre o rebanho e não de um homem, enviacíc de fora.

318 M. de Oliveira Lima, obra citada

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Nossa identidade com as igrejas do Novo Testamento é mais estreita do que a de algumas outras denominações evangélicas. Podem ser, porisso, chamadas de antiquadas as instituições presbiterianas, mas, acusá-las de anti-bíblicas quem o faria?

Aí, uma demonstração; clara e evidente do governo racional que adotamos. A Bíblia não sustentaria instituições que pecassem contra a razão. Alguma que, por acaso, subsistir pecando contra a razão (se houver), deve apoiar-se em homem, em trabalho de homem, em poderio oe homem; na Bíblia, não.

Reivindicamos o direito de conservar, inalterado, o colégio presbiteral primitivo. Acreditamos que ele tenha sido no tempo o episcopado bíblico, plural, local, sem prelazia. Pregamos que o episcopado regional (diocesano) usurpou prerrogativas, criou figurações de um governo originariamente simples e sem ostentação. Repelimos a hierarquia prelática, porque cremos que ela hipertrofiou a autoridade que os próprios apóstolos nunca invocaram, nunca exerceram e porqv ? a hipertrofia gerou a arrogância. A hierarquia substituiu, dessa forma, um governo racional, da multidão dos fiéis, por uma monarquia-absoluta, que a si subordinou até os príncipes e reis. Invadiu um terreno reservado a Deus, a quem e só a quem competem "o Reino, o Poder e a Glória para sempre" 319.

A Igreja Presbiteriana é uma república ideal na instituição. Tanto é assim que a deturpação dos seus princípios e dos seus métodos não têm resistido ao tempo. Porisso, essa república ideal continua a ser o que era há milénios.

c) A ORGANIZAÇÃO CONCILIAR

No nosso sistema a igreja é a célula inicial. É célula com as características de um corpo, com poderes claros e expressos, com existência de fato e de direito. Escolhendo oficiais e delegando-lhe poderes peculiares a cada cargo, a igreja projeta-se através deles, reservado o direito de controlar sua ação até ao ponto de os despojar quando houver infidelidade no desempenho c.o mandato que a eleição confere. Assim dizemos:

"O presbiterianismo é o nome que pode ser aplicado, em sentido geral, àquela teoria de igreja que visa a realizar sua unidade visível, através do governo de presbíteros, clérigos e leigos, tais presbíteros, sendo postos â parte por seus pares com o consentimento popular, todos de igual nível, e organizados para propósitos de administração eclesiástica, dentro das cortes da igreja, as quais se erguem umas acima das outras em escala ascendente, da congregacional à nacional" 320.

Nessa definição o grande teólogo e mestre Dr. Orr engloba todos os aspectos da organização presbiteriana. Em primeiro lugar está o presbítero; em segundo o Concílio local, que se pode chamar de Consistório, ou Sessão, ou Classe, ou Conselho. Seu mecanismo constitucional e funcional é igual ao da assembleia que o elegeu; subordina-se ao mesmo regime de distribuição de cargos, às mesmas regras de funcionamento, sujeito a um regimento que carece de aprovação, com o sufrágio universal, com a delegação de poderes, a prestação de contas, etc.

O Conselho não é um quisto dentro da igreja. Como bem disse o dr. Orr, é um grupo de crentes separados para operarem no mesmo nível, com organização idêntica, sem

319 Mat. 6:13 320 Dr. James Orr em THE ENCYCLOPAEDIA OF RE-LIGION AND ETHICS

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estabilidade administrafva a não ser a prescrita em lei geral e demissível, despojável, a qualquer tempo.

Os conselhos formam os presbitérios, ou, melhor, as igrejas presbiterianas, por intermédio dos seus Conselhos, associam-se em presbitérios, nos quais se assentam presbíteros eleitos por seus pares para funcionarem em cada reunião periódica ou extraordinária. Portanto, um presbitério é uma assembleia geral de igrejas de uma determinada região nacional.

As investiduras concedidas pe'os presbitérios são temporárias, isto é, funcionam nos interregnos das suas reuniões ordinárias. Os uue receberem as inves-duras passam à categoria de funcionário? do presbitério, com direito a assento na reunião seguinte, mas sem direito a voto.

O presbitério jã existia na igreja do Novo Testamento e funcionava no primeiro século da Igreja Cristã, administrando e ordenando321.

Os presbitérios reunem-se em sínodos, que funcionam como Cortes de Apelação sem interferên

cia na doutrina. O sínodo é a agremiação de certas regiões com ambiente e aspectos semelhantes, para facilitar o andamento dos negócios da Igreja nacional.

O supremo Concílio é a assembleia geral dos fiéis de todo um país. É a multidão dos que crêm 322 reunida periodicamente com a representação eleita pelos sínodos. A ela i-ão atribuídos todos os poderes constitucionais.

O Supremo Concílio é a maior associação dos presbíteros, mas sem poderes proporcionais à sua magnitude. Queremos dizer que ela é o mais alto Poder da Igreja Presbiteriana em um país, mas não é um poder absoluto, com autoridade ditatorial. Todas as suas decisões, em doutrina ou em disciplina, admitem recursos que pedem ser oriundos da mais modesta igreja, contanto que tramite, legalmente, em tempo hábil, por todos os concílios menores .

Essa organização conciliar é do presbítero e para o presbítero, o qual nela funciona automaticamente como elemento administrativo em toda a área da Igreja, desde o núcleo até os limites extremos da periferia. O presbítero não é um espectador da vida da Igreja, nem é uma mola que se estenda ou se encolha à mêree de pressão superior, nem é peça de uso esporádico ou circunstancial. Ao lado do ministro, com o ministro e para o ministro êle opera material, moral e espiritualmente do centro à periferia, no centro e em todo o campo.

'A organização conciliar presbiteriana, ideal na sua graduação, é a fiel interpretação das Sagradas Escrituras, no que ela prescreve para a função administrativa do presbítero. Através, dos Livros de Ordem, das Constituições, dos Regulamentos, dos Regimentos e das Resoluções, os Concílios colocam os presbíteros nos lugares biblicamente apropriados, em que pesem pequenos senões que a prática vem corrigindo crescentemente.

d) A DINAMIZAÇÃO DAS FORÇAS

O regime sacerdotal desprestigia o presbítero, absorve-o e vai até neutralizá-lo, segundo as variadas nuanças das escolas. Já que o presbítero bíblico é o povo, o desprestígio e a

321 I Tini. 4:14 322 Atos 4:23

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neutralização atingem o povo que o deveria ter elegido. O sacerdote, ao concentrar no seu ofício toda a sabedoria, toda a doutrina, toda a autoridade, todos os poderes, toda a disciplina, forma uma legião de autómatos, sem iniciativa e sem estímulo.

A centralização exagerada é característica do sacerdote, que se considera um régulo, além de ar-rogar-se a condição de ser o único vínculo com Deus. A centralização absoluta decreta a passividade do rebanho. Da passividade à ínação a distância é fácil de percorrer.

Esse quadro, talvez pintado com cores demasiado veementes, mas que tem a marca da realidade, explica o destino de muitas instituições até no seio da própria Igreja de Cristo.

Se o presbítero representa o povo e é o povo, na nossa conceituação, as suas atividades são as ati-vidades do próprio povo de Deus. Por isso dizemos que o regime presbiteral dinamiza as energias, porque põe em movimento as forças da comunidade e da instituição. Pode-se ver isso a cada passo. Um Conselho que assiste a todos os serviços religiosos, que comparece regular e pontualmente a todas as reuniões das entidades domésticas, que fala e toca em cada crente, que tem sugestões a oferecer e contribuições a dar, que entra com as ovelhas nas atividades programadas, tal conselho, repitamos, vitaliza sua igreja e a leva a maravilhosas conquistas, assim no terreno espiritual, como nos setores temporais.

Por outro lado, quando um pastor pode distribuir incumbências entre os membros do Conselho, desde o púlpito da igreja até a cerimónias de sepulta-mentos, quando pode contar com es presbíteros para redigir, ensinar, visitar, exortar, e outros misteres, seu pastorado é fecundo, e, seus braços escorados são uma prece ininterrupta a Deus pelas batalhas da comunidade as quais terminam sempre em brilhantes vitórias.

E isso realizado na igreja reflete-se, necessariamente, no meio em que a comunidade se situa. A igreja passa a ser urn bem geral no lugar.

A descoberta de João Calvino nesse sentido foi um grande benefício não só para a Igreja, mas para o mundo todo. Nações e povos muito devem ao presbítero. Há nomes de presbíteros mundo a fora inscritos em grandes feitos pelo bem comum. O único ministro que assinou a Declaração da Independência do povo norte-americano foi um presbiteriano, logo, um presbítero docente. Seu nome era John Witherspoon e vale a pena ser divulgado com o fato que o celebrizou 323.

Não somos a única denominação eclesiástica que adota o calvinismo no mundo, mas, reconheça-se que "amigos e inimigos", simultaneamente, adjudicam à Igreja Presbiteriana — como coroa de espinhos ou diadema de glória, — a característica de ser a mais importante representante do credo calvinista" 324.

Essa característica é efeito do sistema; é o produto da total conjugação de forças operada em nossas igrejas, aproveitando o elemento leigo e prestigiando todas as iniciativas que surgem no rebanho, sem o despreso por provir de fonte não consagrada pela autoridade hierárquica.

O sistema calvinista não encoraja o descanso, não tolera os braços cruzados, não poupa o "lais-sez faire", o "deixa como está para ver em que fica".

323 E. C. Routh, em QUEM SAO ELES?, traduzido por A. Ben Olliver 324 Rev. Egbert Watson Smith, obra citada

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Nenhuma outra mística religiosa cultivou mais fervoroso zelo na conqu:sta da natureza, na obra missionária, e na luta contra a tirania política. É essa mística que fêz João Knox, o homem cuja só presença fazia tremer de medo a rainha Maria Stuart, da Escócia. Essa mística fêz de João Knox um gigante, de quem Morton falava ao lado do túmulo, em 1572: "Aqui jaz quem nunca teve medo de rosto humano". Essa mística promoveu a emigração pela fé e construiu nações de que o mundo ainda se orgulha nos dias de hoje, como os Estados Unidos da América do Norte. Deve-se a essa mística o batismo de sangue do continente americano para Cristo, pelos mártires genebrinos, que acompanharam Nicolas Durand de Villegaignon, cuja traição vergonhosa levou historiadores católicos a dar-lhe o apelido de "Caim da América". Essa mística iluminou Cuvier, abalou cérebros como o de Kant, vibrou cordas de alma como de Handel. Essa mística atravessou mares levando o estandarte de Cristo a raças pagãs. Essa mística ainda alimenta os ideais mundialmente celebrados do dr. Alberto Schweitzer, da África.

E "este velho carvalho não tem a graça flexível nem a maciez sedosa de uma planta de estufa, mas tem uma majestade superior à graça e uma sublimidade que excede à beleza. Suas raízes podem ser extremamente contorcidas, mas algumas delas são ricas em sangue de gloriosas batalhas; algumas se enrolam em pelourinhos de mártires, como Mar-garet Wilson, na Escócia; algumas escondem-se em células abandonadas e em bibliotecas solitárias, mas a sua raiz mestra está abraçada à cruz de Cristo" 325.

O caminho trilhado pelo presbiterianismo, após o segundo século da era cristã, e através dos séculos seguintes, tem sido de ama corrente que brota como uma linda promessa que é logo engolfada, mas que, após uma estafante passagem subterrânea de muitos quilómetros, sobe novamente à superfície da terra para enriquecer e fertilizar o solo. Êle voltou e disseminou-se e à sua disseminação no mundo pode-se anJiear a palavra Diáspora, eis que em todas as partes do mundo ecoou a voz do presbítero 326.

E quando nossos descendentes vierem a contemplar os frutos da administração do presbítero em nossa pátria, quando contemplarem sinais do presbiterianismo nas Cartas Magnas do nosso povo e nas dos povos livres e adoradores da Liberdade, perguntarem "quem fêz isso?", só haverá uma resposta:

"o presbítero humilde e modesto que alça o cordeirinho em um dos seus braços e com o outro ampara o pastor na administração do rebanho, conduzindo o ministro de Deus pelos caminhos em que êle poderá cumprir as promessas da sua ordenação".

MAS ...

não nos embalemos com o sonho da perfeição. Temos graves defeitos que importa mencionar. São defeitos do sistema, que o dr. Thomas Porter, muito apropriadamente, chama de "doenças presbiterianas". Evidentemente não vamos tomar muito tempo com eles, mas, também, não vamos deixar de os mencionar, a título de advertência. Ei-los:

1.° — ambiente para o mandonismo, 2.° — implicância das minorias, 3.° — livres manifestações do estreitismo, e 4.° — política eclesiástica, da parte de cima.

325 Idem idem 326 Rev. J.M. Ogilvíe em THE PRESBYTERIAN CHURCHES

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São males próprios do ambiente democrático, são abusos de liberdade e frutos bichados que irrompem no meio da tolerância. São resultados maus do respeito com que tratamos as opiniões individuais. Contra isso, toquemos as buzinas e clamemos em alta voz327.

V.

DISCRIMINAÇÃO FUNCIONAL

O problema da distribuição de atribuições não é da Igreja, é de toda e qualquer organização. Os técnicos modernos têm dado especial atenção ao caso. Não é de admirar, pois, que o enfrentemos na Igreja de Cristo.

Um servidor não deve fazer tudo, nem muito se pode esperar dos generalistas, os homens chamados "dos sete instrumentos", qua aí estão para a execução de qualquer tarefa. Não tanto porque o generalista seja um mal totalmente condenável. Há casos em que êle é útil nos serviços de coordenação no plano, execução e aperfeiçoamento no vertical e na apuração dos resultados. Em tais casos, todavia, o generalista é uma minoria, isto é, um para coordenar muitos.

A definição das obrigações, a especialização dos funcionários naquilo que êle pode fazer com apuro, é o melhor sistema de organização, porque, simultaneamente, confere autoridade no setor e carrega responsabilidade pela execução.

Além disso, a definição das obrigações marca as fronteiras, prevenindo contra invasões que são causa de perda de energias, quando não geram conflitos.

Há divergência quanto ao limite e à natureza das funções do presbítero. Quando as autoridades ainda não chegaram a um acordo, nós outros mal podemos apresentar o assunto em exposição. É o que fazemos neste trabalho sem tomada de posição em favor de um outro modo de pensar.

Admitimos duas categorias de presbíteros, niveladas na administração e nos direitos, mas diversificadas nas funções eclesiásticas. Baseia-se essa divisão em muitas passagens bíblicas, entre as quais citaremos: Atos 15:25,26,28; Romanos 12:6; I Cor. 12:28; I Tim. 5:17; Hebr. 12:7,17

Cada função é determinada pelos respectivos dons. Nem todos têm o dom de doutrinar 328, como nem todos têm o de governar 329. A falta do dom conspira contra a eficiência do cargo e só se deve respeito a quem demonstra eficiência. Em resumo: cada um no lugar que lhe compete e, nesse lugar, cada um fazendo-se credor do respeito pelo integral desempenho de sua tarefa.

Ê a João Calvino, a quem tanto devemos, que vamos creditar a distinção entre presbítero docente e presbítero regente. Não havia tal distinção na Igreja primitiva; o ministro, o

327 Joel 2:1 328 Hebr. 13:7 329 I Tim. 3:4,5

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presbítero e o bispo local funcionavam indistintamente na administração e no pastorado do rebanho 330.

Pensa Schaff 331 que a inteligência de I Tim. 5:lf é a divisão do trabalho segundo a aptidão e a prática e, ainda mais, que, embora no ofício se compreendesse o ensino, nem todvs os anciãos eram chamados a ensinar, senão os que para isso estivessem dotados e preparados.

O ministério é distinguido nos Atos dos Apóstolos como sendo o "ministério das mesas", isto é, DIAKONEIN TRAPEZAIS, o "ministério da palavra", DIAKONIA TOÚ LÕGOU. Ainda que passagens posteriores e a clareza da organização imprimida por S. Paulo não estabeleçam o fato, essas referências dos Atos parecem indicar alguma diferenciação a que não podemos ser inteiramente estranhos.

João Calvino pondera, segundo as INSTITUTAS, que o governo da Igreja é para ser exercido por três ofícios, que eram:

1.° — dos que exercem o ministério da palavra, chamados presbíteros, bispos, pastores; 2.° — o dos anciãos ou presbíteros leigos, que participariam, com os pastores, do governo local e 3.° — o dos diáconos, que deveriam cuidar dos pobres da comunidade.

Na Igreja de João Knox (escocesa) implantou-se o presbítero regente logo no início. Reservaram-se aos pastores a pregação pública do Evangelho e a admmistração dos sacramentos. No que restava do governo da igreja ambos trabalhavam na base de cooperação integral.

O mesmo ocorreu na Igreja norte-americana.

Pode-se concluir, portanto, que a divisão de funções é prática salutar com fundamento bíblico, podendo, entretanto, variar o modo de a executar, con-servando-se intacta a estrutura do sistema presbiteriano, pois que é só funcional.

Atendo-nos ao sistema adotado pelo Igreja Presbiteriana do Brasil, vamos passar uma vista ligeira sobre o mecanismo da função dos cargos.

a) FUNÇÕES DO PRESBÍTERO DOCENTE

O presbítero decente é, ao mesmo tempo, o profeta, o pastor, e o mestre da Igreja do primeiro século.

Como profeta, é o mensageiro de Deus. Cabe-lhe o papel de Arão 332, de interpretar para o povo aquilo que Deus falou. Assim como o Senhor comunicava a Moisés a sua vontade, Moisés falava a Arão e Arão transmitia ao Faraó a mensagem interpretada, o presbítero

330 James Hastings, obra citada 331 Philipp Schaff, obra citada 332 Êx. 7:12

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docente toma a Bíblia (Moisés e os Profetas, 333e fala ao povo o que Deus quer a seu respeito.

Como o profeta da Velha Dispensação, sua mensagem é a vontade de Deus, seja qual fôr o conteúdo respectivo: instrução, ou edificação, ou exortação, ou consolação 334, ou repreensão (339), ou de outro qualquer sentido.

Ê pastor, quando exerce o cuidado do rebanho, coletiva ou individualmente, alimentando-o na pastagem da Verdade anunciada na pregação335, defendendo-o contra os perigos do dia e da noite 336, tratando-o com carinho paternal e amigo, preservando-lhe a vida moral e espiritual.

Como pastor, o presbítero docente deve imitar Jesus Cristo, dando tudo que fôr necessário e possível pela ovelha a seu cargo, como Êle chegou a dar a sua própria vida 337.

Como mestre cabe-lhe a obrigação de instruir o rebanho, transmitindo às ovelhas ciência e inteligência 338, para que elas possam conhecer e defender a razão da sua fé. Pode não ser um bom pregador, mas deve ser bom mestre

S. Paulo ufanava-se de dois títulos: o de apóstolo 339 e o de mestre 340.

Além da administração do sacramento, não lhe fazem falta outras funções, além da de mestre341, sabendo-se, principalmente, que nenhuma outra religião determina necessidade de saber aquilo em que se crê do que a evangélica A doutrina 342 e as normas de conduta cristã 343 têm que ser ensinadas ãs ovelhas, principalmente, às que vierem de outros apriscos e às fracas na fé 344, se o que desejamos como sinal distintivo da vida é o testemunho.

A pregação formal, a instrução de grau mais elevado, são privilégio e obrigação do ministro; a pregação informal, voluntária e o ensino de grau inferior podem ser atribuição do presbítero regente.

Ao ministro é que compete dirigir-se ao povo de Deus com autoridade, quando proclama os ensinamentos da Palavra de Deus. Sem imunidade pessoal, a sua defesa ao proferir verdades eternas, — nem sempre do agrado do auditório, — é falar com ciência e viver o que fala, irrepreensivelmente.

Mas, como cremos que todos os crentes têm acesso ao Pai, sem intermediário, a não ser Jesus Cristo; como cremos que todos têm comunhão di-reta e inevitável com o Cabeça da Igreja, "o ministério não executa a religião", escreve Lightfoot 345, "em lugar do povo". 333 Lucas 16:29 334 I Cor. 1:3 335 Salmo 23:2 336 Lucas 2:8 337 João 10:11 338 Jer. 3:17; Efa. 4:11 339 I Cor. 9:1 340 I Tim. 2:7 341 Hab 2:9 342 I Tim. 4:6-11 343 II Tim. 2:2; Tito 2:4 344 I Cor. 3:1; Hebr. 5:13; I Pedro 2:2 345 ENCYCLOPAEDIA OF RELIGION AND ETHICS

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Mas o ministro é o instrumento da comunhão e do acesso. Não vá, pois, o presbítero docente querer ser barreira, como senhor da salvação e dono da igreja, porque, se assim fizer peca.

Ao superintender a igreja, o pastor procede como bispo; quando preside, como presbítero, no sentido genérico.

Rogando aos crentes que o reconheçam, estimem e amem os seus pastores, S. Paulo parece inspirado pela responsabilidade que êle antevê, de embaixadores de Deus perantp os féis 346, de ministros plenipotenciários do Reino 347, de mordomos da Casa de Deus 348 e de gerente dos negócios da sociedade eclesiástica local 349.

A conduta do presbítero docente é o termómetro da vida moral da comunidade. Sua retidão na doutrina é imprescindível à fiel instrução dos membros da igreja e ao preparo de obreiros para suas causas. Sua linguagem é o sal que preservará sua altivez perante o rebanho e a tranquilidade perante si mesmo 350. Sua habilidade no trato, sua sensatez na administração e no governo, asseguram paz e prosperidade à congregação 351.

b) FUNÇÕES DO PRESBÍTERO REGENTE

Quem tiver acompanhado este estudo com atenção terá visto que o presbítero regente está nele desde o princípio. Não fosse quem o fêz um presbítero regente! Todas as vezes em que houve necessidade, para clareza, separámos as categorias presbiterais, dando a cada uma delas aquilo, a nosso ver, que lhe pertencesse em honra e encargos. À vista disso, poderíamos determinar, por exclusão, quais as atribuições do presbítero docente e quais as que devem ser do presbítero regente. Tornar-se-ia, assim, excusável, esta Secção.

Todavia, sentimos necessidade de fazer condensação, em uma ligeira excursão pelo terreno, para melhor definir a tarefa do presbítero regente.

Como o presbítero regente é um ajudador do presbítero docente — o pastor, — excluídas as atribuições da pregação formal da Palavra e da minis-tração dos sacramentos, todas as demais funções podem ser exenrdas pelo primeiro.

Já que só reconhecemos como prerrogativas do ministério, à luz dos ensinamentos das Sagradas Escrituras, as duas atribuições acima, fica fácil concluir pelo nivelamento do ofício em que ambos se ordenam, reservado ao pre.ibítero docente o que ao segundo não pode ser discricionàriamente conferido, a menos que um Concílio o queira ordenar para o santo mhrstério. A comissão divina 352é a mesma, idêntico o processo de seleção 353, igual o sistema de ordenação, não variando o ritual a não ser ao mencionar os respectivos cargos.

Como a ministração dos sacramentos, direito e dever min:sterial, é função exercida na congregação, na igreja local, morrem na fronteira em que termina a igreja e começa o presbítero, as diferenças que realmente existem entre o presbítero docente e o repente.

346 II Cor. 8:23 347 I Tim. 4:6 348 Tito 1:7 349 I Tim. 5:17 350 I Tim. 4:12 351 II Tim. 2:22, Tito 3:2 352 I Tim. 4:13,15,16 353 Atos 6:3 | 358 Tito 1:5

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Essas diferenças exprimem-se como a competência do presbítero docente; daí em diante vai o presbítero regente, que deve:

a) servir de acólito na Santa Ceia do Senhor, distribuindo os elementos; b) oficiar casamentos e funerais, quando ausente da sede o pastor; c) participar, com a imposição das mãos, nas ordenações a que estiver presente, até na de presbíteros regentes; d) exercer igual autoridade com o ministro no governo, na disciplina, na instrução, na assistência aos membros da comunidade, no exame dos candidatos à profissão de fé e em casos de natureza semelhante; e) participar das Comissões locais, das presbi-teriais, das sinodais, e das do Supremo Concílio, quando para elas eleitos ou nomeados; e f) ser elegível para qualquer cargo na igreja local, salvo o de pastor, antes de ser ordenado para o ministério. Naturalmente, pode alguém perguntar:

3 — HA VANTAGENS NA DIFERENCIAÇÃO?

A resposta só pode ser afirmativa, após tantos séculos de experiência.

Efetivamente, há muitas vantagens na diferenciação entre os presbíteros docente e regente. Além do fundamento escriturístico, há diversas outras. Todavia, como não aceitamos a doutrina da hierarquia, fazemos questão de grifar: o que existe são meras diferenciações, conforme o título acima, as quais cremos ser de inspiração divina e recomendadas pela longa experiência no tempo e no espaço.

Acreditamos que os seguintes motivos são eficientes na diferenciação.

1.° — ORDEM — Nos ambientes desataviados que costumamos adotar para o nosso culto e com rituais despidos de ostentação, de pompa litúrgica, que sobraria nas nossas igrejas se não procurassemos fazer tudo "decentemente e com ordem"?

É necessário ordem no culto, como é indispensável ordem nas coisas 354, ordem no governo 355, ordem na conceituação dos fatos 356, em tudo, enfim 357, para que tudo que fizermos seja aceitável a Deus.

A existência dos dois cargos é um fator decisivo de ordem na igreja. Um é a contra-partida do * outro, o amortecedor de choques do outro, uma constante advertência ao outro, contra os excessos de quaisquer naturezas.

2.° — APTIDÃO — Embora seja o mesmo o Espírito Santo que inspira, nem todos têm o dom de profetizar, nem de ensinar 358. "A manifestação do Espírito é dada a cada um para o que fôr útil" 359. Convém haver campos de ação separados.

O que se observa no mundo é isso: a seriação dos cargos é útil para o aproveitamento das aptidões. Nem todos podem ser chefes, mas o jovem que hoje começa como escrevente,

354 I Cor. 14:40 (

(360)I Cor. 4:5;

(361) II Cor. 10:31;

(362) ICor. 12:4;

(363) I Cor. 12:7)

355 Tito 1:5 356 I Cor. 6:5 357 Tito 2:7 358 Rom. 12:6-7; I Cor. 12:4-10 359 I Cor. 12:7 370) Rom. 32:5-8

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em havendo seriação no seu emprego, poderá ocupar a chefia mais tarde, se demonstrar aptidão e se conservar o dom de utilidade ao subir.

Não há humilhação na diversidade dos graus para quem reconhece que o essencial é ser atuante no cargo que ocupa, tanto mais que somos, todos (pastores, presbíteros, diáconos, evangelistas, professores e outros), membros de um só corpo, que é Cristo (370), e cooperadores de Deus. O indispensável é cumprir a missão com amor, constância e fidelidade. E, quem se sentir humilhado, não serve.

Logo, a diferenciação é vantajosa, porque é lógica e porque é prática.

3.° — CONSAGRAÇÃO — Não poderiam todos os membros de uma comunidade dividir as ati-vidades necessárias â sua vida e à sua prosperidade, quando todos fizessem tudo. Além de ilógico isso seria a consumação do tumulto.

O ministro da Palavra precisa dedicar-se ao cabedal necessário para edificar o rebanho, alimentá-lo intelectualmente e fazê-lo progredir pela instrução. Quereriam todos dedicar-se a isso? Precisa, também, separar-se de atividades lucrativas, de preo-pações que diminuam sua comunhão com Deus, a fim de adquirir a mente de Deus. Certos problemas materiais do próprio rebanho podem impsdir a tranquilidade de espírito de que êle carece até para ra-ciocinar e interpretar.

A consagração de homens para um e outro mister, atendendo ao chamado de Deus, é o meio de de que o Senhor se serve para promover a estabilidade, o progresso, a expansão e a santificação de sua Igreja.

Na consagração, pois, uma vantagem notável da diferenciação entre us cargos de presbítero docente e presbítero regente.

4.° — ADMINISTRAÇÃO — Preceitua-se modernamente a unidade de comando como regra primária numa boa administração. É uma norma razoável, quando o comando único não é desempenhado abusivamente. É pequena a distância entre essas posições.

O sistema colegiado afasta o perigo. O colégio é equipe e o trabalho em equipe é mais uniforme, mais constante, melhor distribuído, mais produtivo e impede que os métodos se transformem numa rotina fria e monótona.

A Unidade de comando é caminho para a prepotência no mundo intelectual. Vá que assim não seja no material. O colégio não forma ambiente para a prepotência. O ambiente que forma é para o trabalho organizado, distribuído, com um chefe que é só coordenador, um moderador, sem autoridade que o induza a ser déspota e sem poderes que o empurrem para além da fronteira da liderança.

Eis aí o que se dá no sistema presbiteriano, com os presbíteros: docente, como o moderador e regente, como colaborador. O docente é mais graduado no cargo e só nisso, porque sendo igual no ofício e na função, trabalha no mesmo nível com o presbítero regente, com o que muito se beneficia a sociedade que dirigem.

5.° — MODERAÇÃO — Dão saudade aqueles tempos em que os presidentes em nossa Igreja não se enfeitavam com o nome de quem regula a ação, dirige, norteia, pilota, de quem é superintendente de pensamento e serviço em nosssas reuniões. O "moderador", que muitas igrejas tradicionalistas ainda conservam, era mais presbiteriano, ou, até aonde

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chegam nossos conhecimentos, era só presbiteriano. É que o título de moderador dá melhor ideia de coordenação, de refreamento e, conduzindo a assembleia dentro dos limites convenientes, contribuía, parece, para um maior refinamento no trato entre a Mesa e a Casa.

Os Conselhos das igrejas defrontam problemas de admissão, de eliminação, de disciplina, de edificação, dos membros, os quais requerem prudência. Também a seleção de obreiros para os cargos domésticos e o afastamento de elementos impropriamente lotados em serviços para os quais não estão dotados convenientemente, exigem sabedoria e amor cristão. A obra, a seu turno, reclama expansão, construção, reformas, modificações, ampliações, e isso não se faz sem cálculo e cautela. O Conselho é a panela em que esses casos se cozinham. A diferenciação de funções permite restrições, que não se encontram onde todos são iguais; alguma resistência, de uma ou de outra parte, aponta, às vezes, o melhor caminho a seguir e o ponto em que se situa o melhor para a causa de Cristo.

A Bíblia da tradução chamada "do Rei Tiago" registra Filipenses 4:5 como dizendo: "seja a vossa moderação notória a todos os homens", ao passo que Almeida diz: "seja a vossa equidade, etc". O conselho de S. Paulo é melhor expresso no primeiro texto. A diferenciação entre os cargos dá oportunidade a homens moderados para impedir excessos, veemências, etc. nos nossos cenáculos.

6.° — ACELERAÇÃO — Schaff acredita que a diferença de categoria presbiteral é um dos fatores de aceleração , de dinamização, dos trabalhos da igreja.

A igualdade é a monotonia ou o desentendimento. É preciso um chefe. E uns e outros, movidos pelo mesmo amor ao Reino de Deus, mas inspirados por sentimentos diferentes, estimulam-se e chegam aos melhores resultados na ação.

VI. O PRESBÍTERO NO BRASIL

1 — Situação Determinada pela Constituição da Igreja

Do ponto de vista geral, o presbítero é, em nosso país, o que é em todo o mundo presbiteriano, O presbiterianismo tem forma instável. É o prosseguimento de uma tradição cujos padrões dizemos bíblicos e assentados na bruma da história.

Entretanto, se o ofício é o mesmo, hoje como ontem, aqui, como em toda parte, é natural que um regime de pura democracia (sem ser popular) sofra adaptações para ir de encontro a circunstâncias do tempo e do local, contanto que não passem da superfície.

A Secção IH do Capítulo IV da Constituição de nossa Igreja é a que trata do ofício e a que estabelece a competência do cargo de presbítero regente, remetendo à Secção II tudo o que diz respeito ao presbítero docente.

Na Secção I do capítulo IV definem-se os ofícios eclesiásticos como sendo o meio pelo qual "a Igreja exerce as suas funções na esfera da doutrina, governo e beneficência".

A competência do presbítero compreende direito e deveres, obviamente.

Direitos

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São das duas naturezas clássicas os direitos que nossa Constituição outorga ao presbítero regente: substantivos e adjetivos; os direitos adjetivos ainda se podem classificar ém condicionais e especiais.

Os direitos substantivos que lhe confere são, principalmente::

1 — o de nivelamento com o pastor no ofício; no cargo opera-se o desnivelamento; Art. 25; 2 — de associar-se, como oficial, na ministração da Santa Ceia do Senhor, tomando lugar à parte, distribuindo os elementos previamente e consagrados pelo pastor (autoridade de ordem); Art. 3.° § 23; 3 — o de instruir ao neófito, obviamente, dentro de um plano organizado pelo pastor; art. 51, alínea c; 4 — o de admoestar os membros da igreja local; art. 51, alínea a; 5 — o de comunicar ao Conselho os fatos que possam, a seu juízo, influir na vida espiritual e moral do rebanho; art. 51, alínea a; 6 — o de tomar parte na ordenação de outros oficiais e de ministros, impondo as mãos sobre o ordenando; art, 51, alínea g; 7 — o de exercer seu cargo pelo prazo determinado em lei, conservando, entretanto, a perpetuidade do ofício por toda a vida (com exercício condicional, na igreja que o elegeu ou em outra qualquer) se não afastado dele por motivo legal ou renúncia de jurisdição.

A esses, que são os principais, acrescentam-se todos os demais que sejam inerentes ao cargo, os quais se possam exercer independentemente de autorização exterior, reconhecidos pelo Supremo Concílio tácito ou expressamente.

Os direitos adjetivos são os seguintes:

a) condicionais:

1 — o de representação nos Concílios, se eleito pelo órgão imediatamente inferior; art. 51 alínea h; 2 — o de exercer a autoridade proveniente da representação dentro dos quadros constitucionais; art. 52; 3 — o de presidir reuniões do Conselho local quando eleito para a respectiva vice-presi dência e verificado o impedimento do pre sidente nato, que é o pastor; art. 78 § 2.c 4 — o de presidir Concílios de quaisquer categorias, quando eleito; art. 67 § 4.°; 5 — o de funcionar em órfãos incumbidos de legislar, julgar, admitir, excluir ou transferir membros da igreja local e o de administrar comunidades (autoridade d jurisdição), quando fôr legalmente eleito ou investido; art. 3.° § 2.°; 6 — o de participar no governo da igreja local, quando eleito (art. 8.°), ordenado, empossado e instalado no exercício do cargo e estando em dia com as obrigações do ofício e do cargo (arts. 5.° 51.° e 55.° exercendo, todavia, esse direito no Conselho ou em missões do Conselho e não isoladamente; 7 — o de presidir a assembleia geral da igrja local, no impedimento do presidente nato, que é o pastor (art. 10.°, parágrafo único), se estiver no exercício do cargo de Vice-Presidente do Conselho; 8 — o de ter assento nos concílios como membro efetivo, se eleito legalmente para representação; art. 66, alínea a;

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9 — o de ter assento, como membro ex-ofícial nos Concílios, quando em exercício de funções para as quais tiver sido designado pelo seu Concílio; neste caso o presbítenão tem direito a voto, mas pode tomar parte em todos os trabalhos e discutir todos os assuntos; art. 66, alínea b; 10 — o de ter autoridade para requerer, seja: juntamente com outro presbítero e três pastores a realização de reunião extraordinária do seu presbitério com outros dois presbíteros e cinco pastores, uma reunião extraordinária do Sínodo ao qual estiver jurisdicionado o seu presbitério, e, seja com outros quatro presbíteros e dez mi-nistros "representando pelo menos dois terços dos Sínodos" existentes, reunião ex-traordinária do Supremo Concílio.

São direitos adjetivos que chamamos de especiais os seguintes:

1 — o de tomar parte em Comissões Especiais e Permanentes (art. 27 § 1.° e art. 99 alíneas 2 e 3), contanto que a escolha se dê no Concílio a que estiver jurisdicionado (art. 27 § 1.°); 2 — o de ser escolhido para missões, mesmo não estando presente; art. 101; 3 — o de acumular o título de "Emérito" com o de presbítero em atividade, se fôr reeleito após a homenagem; art. 57.

Deveres

São de menor importância, a nosso ver, os deveres codificados, porque são lições do senso comum transformadas em lei, que opera em toda parte, nem sofrendo influência nem mesmo das latitudes.

De muito maior significação, em questão de deveres do presbítero, são as inferências, é aquilo que a razão opõe, não raro, aos próprios códigos e que, via de regra, acabam sendo incluídas no próprio código.

Ao tratar dos deveres do presbítero, preferimos deixar a Constituição da Igreja, há pouco tão citada, para citar somente algumas daquelas obriga-tada, para citar somente algumas daquelas obriga-o que, pior do que a sua frustração, muito sofrerá o rebanho do Senhor. Passemos em revista algumas delas:

1.º — O presbítero tem o dever de ser estudante habitual da Palavra de Deus. A Bíblia é o estatuto da entidade que ocupa presbíteros. Portanto, êle precisa estar em condições de falar a qualquer hora sobre seus deveres religiosos tal como o empregado sobre a companhia a que presta serviços. "Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para o meu caminho". A Bíblia deve ser a companheira do Presbítero de dia e de noite 360. O exemplo de Jesus Cristo não é outro; ao enfrentar dificuldades sérias como a da tentação, como iniciava êle as suas respostas? "Está escrito"; Êle conhecia as Escrituras de ponta a ponta.

2.º — O presbítero deve ser assíduo e pontual nos serviços religiosos. Em primeiro lugar, porque êle tem o dever de ser exemplo para o rebanho. Ilustra bem esse fato uma história que o dr. T. G. Campbell 361 conta ter escutado no City Temple, em Londres:

"Dois meninos discutiam e um perguntou ao outro:

360 Salmo 119:105 361 Dr. T. G. Campbell, obra citada

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— qual ê sua religião? — ora! É a de papai, foi a resposta. — e, qual é a religião de seu pai? — é a religião de Deus; êle é presbiteriano".

E, sem querer infundir vaidade, termina o Dr. Campbell: "o presbítero que não é modelo para alguém não pode ser contado na igreja militante".

A assistência aos serviços religiosos só traz benefícios e só honra a quem quer que seja. Quando perguntaram a W. E. Glad^tone, — o grande estadista e ministro da Rainha Vitória, da Inglaterra, — que era um verdadeiro crente, se era verdade que ia à Igreja duas vezes por domingo, respondeu: "Sim; vou duas vezes, e vou até três, quando tenho oportu-nidade para isso". Há sempre lições novas a aprender na Igreja de Cristo, como dizia o salmista: "Eu tinha inveja dos soberbos, ao ver a prosperidade dos ímpios — até que entrei no santuário de Deus; então entendi o fim deles"! 362

3.º — o presbítero deve ter um reverência especial, diferente, para com Deus. Não pode ser o crente comum, mas deve sobressair acima do normal em qualidades. O que se requer, o que Deus requer, na expressão de S. Paulo é que êle seja "um exemplo dos fiéis" 363 em tudo de material, de social, de moral e de espiritual. Um exemplo é o que pode ser imitado, que está fora do objeto em exame e que pode, porisso, ser posto diante dos outros.

O presbítero que não guarda o Dia do Senhor convenientemente, como poderá admoestar o crente que vai ao cinema, que faz pique-niques, que não se recolhe espiritualmente? Se êle mesmo vai ao futebol, se assiste a peças teatrais, a representações e a recepções sociais no Domingo, como exigir dos crentes que o não façam? Quando o Imperador Guilherme I da Alemanha convidou o grande cantor inglês Harry Lauder para cantar para êle num do-mingo, a resposta foi negativa. O "direito divino dos reis" sentiu-se ofendido e retrucou que, quando o rei pede, êle está mandando. O cantor escocês man-teve-se firme e, sem nenhum medo, respondeu: "O Kaiser é grande, mas Deus é maior". O imperador capitulou.

Seja qual fôr o meio de vida do presbítero, há mensagens especiais para êle na casa de Deus. Um dos maiores jornalistas ingleses do seu tempo foi W. T. Stead, que pereceu no naufrágio do "Titanic", em 1910. Dizem que era um génio em entrevistas, que fazia, tanto com príncipes e governadores, como com as mais rebaixadas madalenas. Era espirituoso, agudo, sabia separar o trigo do joio, sabia escolher as palavras (como os profetas do passado), que atingiam corações como setas. Isso aprendera êle na Igreja de Deus, pois era um devoto apaixonado das reuniões de oração semanais! 364

4.º — Os presbíteros devem cooperar inteligentemente com o pastor. Prestigiar o pastor naquilo em que êle merecer aprovação da Bíblia, da Lei e dos Costumes, é prestigiar o sistema presbiteriano. Não deve o presbítero permitir crítica maldosa aos atos e às atitudes dos pastores entre os membros da igreja, nem os presbíteros, entre si, devem trocar impressões menosprezíveis aos atos e às atitudes de seus pastores. Aos membros da igreja, reco-mende-se a queixa, formulada de acordo com a Constituição em vigor; aos colegas de presbiterato, deve-se aconselhar: fale com êle (com o pastor) no Conselho da igreja ou em particular, conforme fôr o caso.

362 Salmo 73, todo ou versículos 3 e 17 363 Dr. T. G. Campbell, obra citada 364 Dr. T.G. Campbell, obra cilada

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5.º — Os presbíteros têm o dever de participar das reuniões dos Concílios. Só podemos conhecer a bela organização denominacional, só podemos saber a quantas anda o trabalho desenvolvido nos vários setores e nas diversas regiões eclesiásticas, só podemos ajuizar das forças da nossa Igreja, quando participamos daquelas reuniões em que vemos a má-quina denominacional funcionando, os relatórios e as realizações do presbiterianismo. Há muito que aprender nos Concílios e há muito que dar nos Concílios.

Finalmente, 6.º — é dever inelutável dos presbíteros, conhecer todos os membros da sua comunidade. Como cuidar de ovelhas desconhecidas? Também precisa saber compor situações, eliminando diferenças entre os membros da comunidade para fomentar a amizade e a camaradagem geral. Precisa saber servir a todos dentro do possível, até em auxílio material. Precisa, ainda, entrar em contato com visitantes, para oferecer-lhes um ambiente amigo na sua igreja, dando a impressão de que a pessoa tem ali uma família que deseja recebê-lo em seu seio.

Todo aquele que compreende que o cargo existe para apoiar o pastor e servir à Igreja, trilha todos esses caminhos com gosto e com facilidade.

Se se puser nas mãos de Deus, será um vitorioso, sem embargo das dificuldades.

2. COMPARAÇÃO COM OUTROS CARGOS

A estrutura da Igreja Presbiteriana é tão simples que nossos filhos podem dominá-la ainda na infância.

Não adotamos a hierarquia episcopal prelática, e, dando ênfase especial ao sistema de governo representativo (ambos por motivo de fé), construímos o edifício presbiteriano tal qual uma cornija (representando a multidão dos fiéis) repousando sobre duas colunas que são o presbítero docente e o regente. O alicerce é a Palavra de Deus e o espaço largo entre as colunas é o horizonte a conquistar, buscando almas em obediência à Grande Comissão.

O símbolo de João Calvino, da sarça que arde e não se consome, inspirada na visão de Moisés diz da vitalidade ilimitável da Igreja Presbiteriana. Erguida para os Céus tanto na chama da sarça, como na verticalidade das colunas, está a lição do fim principal do homem.

A comunidade presbiteriana é esse todo, grandioso na expressão, nobre na origem, frutífero na obra.

O cuidado paternal daqueles que se acolhem à sua sombra é missão do diaconato. Porisso, a Igreja dignifica-o, porisso a Igreja convoca-o para outros misteres como o da manutenção financeira, o da ordem no culto e o da influência sobre os crentes para que se conduzam bem dentro da casa de Deus (art. 53).

Assim, a administração espiritual, moral e material de uma congregação presbiteriana é exercida exclusivamente por um ofício e um cargo; mais simples estrutura é impossível e, contudo, parece impossível encontrar-se outra, também, mais operante. Todos os demais cargos da igreja (e esses multipli-cam-se na razão direta da prosperidade da sociedade local) são delegações específicas e temporárias, submissas ao ofício presbiteral, que as empossa e pode despojar.

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Dado que o presbitério é uma associação de igrejas, o sínodo uma associação de presbitérios e o Supremo Concílio uma assembleia geral das Igrejas e Concílios (embora com representação eleita pelos Presbitérios), pode afirmar-se que o edifício da Igreja Presbiteriana é o acima descrito, em todas as etapas da sua organização. E o que se dá no Brasil, repete-se em todas as nações.

Graças a Deus por essa simplicidade na estruturação de um ramo da Igreja de Jesus Cristo que sem complicações têm contribuído para a felicidade do homem e, em particular, para a felicidade de cada pessoa que crê em Jesus. Poder funcionar um organismo desses é uma glória terrena que cada membro masculino de nosas igrejas deve desejar. A função administrativa de um presbítero, sua parte nesse mecanismo, é uma ação útil, honrosa e santificante.

VII.

CONCLUSÕES

1

— o presbiterato é um ofício cuja origem divina se perde no tempo; não 6 só um cargo e nem uma função, simplesmente, é uma dignidade uma vocação;

2

— o vocábulo "presbítero" designa função de governo religioso e social; com esse sentido aparece na história mesmo fora dos registros bíblicos;

3

— o ancião bíblico é o presbítero e o presbítero de hoje é o ancião bíblico das duas Dispensações;

4

— Jesus Cristo não cogitou de um sistema de governo específico para sua Igreja; fundou-a para servir e ser servida, e, não, para governar e ser governada;

5

— a instituição do presbiterato foi um prolongamento da anciania da Velha Dispensação, assim como a Igreja Evangélica ficou sendo o prolongamento da sinagoga, guardadas todas as devidas proporções;

6

— extinto o sacerdócio individual com Jesus Cristo, — o Sumo Sacerdote — e o último sacerdote, o presbiterato apareceu ccmo integrado no divino objetivo da sua missão popular.

7

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— o presbítero de hoje é aquele mesmo que havia na Igreja do Novo Testamento sem solução de continuidade;

8

— o nome do ofício teve de sofrer modificação em virtude do de sacerdote estar vinculado ao Pacto das Obras, que caducou com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo;

9

— o termo bispo nasceu num tempo determinado e o vocábulo então adotado para designar o novo cargo foi aplicado pela primeira vez em correspondência para regiões gregas e a fim de agradar os helenistas;

10

— o bispo era um presbítero como os outros até o fim do primeiro século da era cristã; aí aparece como superintendente local; no terceiro século já era regional, com direitos e prerrogativas que se foram hipertrofiando no correr dos tempos, até elevá-lo à categoria de "Pontifex Maximus";

11

— o presbítero presbiteriano, que cremos ser o presbítero histórico e bíblico, ê um mandatário da multidão dos fiéis; não é cargo hierárquico; não o aceitamos como uma ordem, nem cremos nas doutrinas que a inspirem, tais como a da Sucessão Apostólica;

12

— o presbiterato é uma função abrangente na família de Cristo; por delegação divina e por escolha livre da congregação, o presbítero atua na palavra, no governo, na disciplina, e na gestão dos bens da comunidade que o elegeu;

13

— com inspiração bíblica, e devido à conveniência da organização da Igreja, foi estabelecida a especialização das funções presbiterais; a um presbítero: a docência, com a administração dos sacramentos; a outro, a regência, com as demais funções; presbítero docente as enfeixa a todas na sua alçada, reservado o direito de ministrar os sacramentos a êle, sem diminuir as atribuições; o cargo é único, mas ao regente cabe principalmente a cooperação, a colaboração;

14

— a validade do ofício do presbiterato e as influências que cie possa exercer depsndem da vocação divina, e essa é demonstrável numa indicação certa, numa eleição certa, numa prestação certa de serviços e numa vida certa;

15

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— a qualificação para a investidura do presbítero docente não difere da do presbítero regente, exceto no preparo intelectual, com razões óbvias; a ordenação é a mesma, variando só os nomes dos cargos;

16

— a fronteira entre as funções dos dois presbíteros só se encontra na igreja local, se bem que o exercício do ministério, pelo presbítero docente, seja universal, ao passo que as funções do presbítero regente se limitem ao âmbito da comunidade que o tiver elegido, ou em delegações dela;

17

— a atuação dos presbíteros regentes nos Concílios não sofre limitação; é igual à dos presbíteros docentes; o mesmo acontece nos rituais de ordenação, em que ambos podem fazer a imposição das mãos;

18

— o presbiterato não é uma honraria; é uma oficina de trabalho com Cristo e por Cristo; a improdutividade é um péssimo exemplo para a congregação;

19

— a incapacidade de dignificar o ofício, e a inaptidão para o desempenho das funções do cargo, assim como a falta de competência para ir com a igreja até onde ela o requerer (nos Concílios), são acusações que se fazem à igreja, pois que demonstram que ela não procedeu com escrúpulo na escolha dos oficiais;

20

— o presbiterato não é uma auréola para homenagear a senectude, nem é investidura cabível em mocidade inexperiente e solteira; é função para homem casado e com tirocínio de aspectos tais da vida que o possam habilitar a ser "o exemplo para os fiéis;

21

— o presbiterato leigo é um impulsionador da obra; vêm daí as profusas bênçãos do regime presbiteriano, como testemunha H. G. Wood: "Provavelmente nenhum outro movimento religioso deixou sinal mais profundo na história da Inglaterra";

22

— Em virtude do que se vê na Bíblia, do que se lê na História e do que se encontra na Estatística, a Igreja Presbiteriana pode considerar-se uma instituição que foi restaurada por João Calvino e, não, uma reforma da Igreja Católica Apostólica Romana; os traços idênticos entre as duas igrejas não são vestígios de um passado comum, mas são verdades da mesma origem, que cada uma preserva a seu modo. Um modo mais profundo pode assinalar o rasto presbiteriano através dos séculos; ora, mais luminoso, ora, mais desbotado, esse rasto nos leva às igrejas de governo presbiteriano, que o dr. Clau-dius Buchanan encontrou em 1807 na índia. 'Ali encontrou presbíteros portadores de nomes tais como Abrão, Tomás e Alexandros, pertencentes a um grupo religioso cuja história remonta

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aos séculos 3.° e 4.° 365. Também podemos vir até os valdenses, organizados como os presbiterianos, de cujo sistema se tem notícia lá pelo ano 312 da era cristã 366; e

23

— o presbiterato, como o praticamos, ê um sistema que preservou as características que se opõem:

a) aos sinais distintivos da hierarquia, compreendendo: ordem, privilégios, vestes, brazões, etc; b) aos traços de união com o extinto sacerdo-talismo, que o catolicismo romano sublimou; c) ao governo de grupos formados no seio da comunidade; d) aos acréscimos (às vezes com aparência inocente) feitos, primeiramente, nos rituais, que são encontradiços aqui e ali; e) à formação de uma aris+ocracia eclesiástica, que pode chegar a uma corte; e) à formação de uma aristocracia eclesiástica, desviando seu pensamento para coisas que possam encher a vista, sem contato com o pensamento; e g) à preterição da multidão dos fiéis no governo da igreja, o que se torna possível com o presbítero regente.

Entretanto, praza aos Céus ninguém se envaideça com a investidura; pode haver exagero na veemência e fluidez nas conclusões.

O que importa é ser verdadeiro como o presbítero Demétrio, fiel como o presbítero Gaio, um contraste com o presbítero Diótrefes, humilde como o presbítero Pedro, prestante como o presbítero Áquila e santo como o presbítero João.

VIII.

OBSERVAÇÕES

Com a devida vénia, com todo o desejo de construir, mas com amor à Igreja Presbiteriana do Brasil e ao sistema presbiteriano, e, em harmonia com as opiniões coletadas, e expendidas neste estudo, acreditamos como dignos de exame pelos Poderes competentes, o seguinte:

1.° — É necessário estabelecer princípios gerais para a instrução da Igreja a respeito do nosso sistema. "Princípios gerais", repetimos, adaptáveis a todos os tipos das nossas congregações;

2.° — É preciso instruir os candidatos ao pres-biterato e, não só instruir a igreja para as eleições. Depois de feita a eleição (nem se mencione o depois da ordenação) c falta de caridade "encostar-se" um oficial por incapaz para o cargo.

365 Rev. John B. Lofrimer obra citada 366 idem idem

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3.° — A história, os deveres e os direitos do presbiterato indicam ser inadatável à gente muito moça o ofício de presbítero;

4.° — Se presbítero é o ofício, compreendendo pastores e leigos que tenham. cumprido o programa constitucional para a investidura no cargo, porque qualquer quebra cie paridade em órgãos constitucionais de nossa Igreja?

5.° — É preciso estabelecer a obrigação de os presbíteros comparecerem habitualmente ao culto semanal. Quando o oficial não dá o exemplo, que esperar dos crentes? O culto semanal é o termómetro da vida espiritual da igreja.

6." — Embora discordemos da promoção como principio e como ordem eclesiástica, parece que seria salutar a prática da experimentação do homem no diaconato, como preliminar à investidura no presbi-terato. Além de racional, o processo tem fundamento bíblico em I Tira. 3:13, onde S. Paulo diz: "os que servirem bem como diáconos adquirirão para si uma boa posição".

7.° _ Um bom meio de interessar a todos os presbíteros na obra geral da Igreja seria adotar-se (como recomendação, já se vê) o regime de rotatividade nas representações isso acabaria com os "deputados permanentes". . .

8° — Outra recomendação (ou, talvez, deliberação) a tomar-se é de não se expedir carta de transferência de oficiais, aliás de presbíteros, de uma igreja presbiteriana para uma de outra denominação, se no local houver igreja presbiteriana, sem instrução quanto às diferenças. Quando o oficial insistir, é preferível que èle peça ali o arrolamento; esta sugestão tem por fim prestigiar a ordenação, na qual tão solenes promessas se fazem.

E aqui, chegamos ao fim, oferecendo tudo que foi dito a Deus, para a glorificação do santo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Quem seja toda a honra, louvor e glória pela instituição da Igreja Presbiteriana.

Que sobre ela caiam abundantemente as bênção do Senhor, é a oração que fazemos dizendo com a Salmista:

“Orai pela paz de Jerusalém. Prosperarão aqueles que te amam. Haja paz dentro de teus muros e

prosperidade dentro de teus palácios. Por causa dos meus irmãos e amigos,

direi: HAJA PAZ EM TI. Por causa da casa do Senhor, nosso

Deus, buscarei o teu bem”. Salmo 1.22:6-9

F. MARTINS, O OFÍCIO DE PRESBÍTERO Pág. 95

LIVROS CONSULTADOS L. Barbour, Dr. G. F.: THE ELDER AND HIS WORK 2. Binney, Dr. Guilherme: A IGREJA, citação 3. BOOK OF CHURCH ORDER, THE (1914) of The Presbyterian Church of the United States 4. BOOK OF ORDER, THE 1922) of The Presbyterian Church of England 5. Burns, Edward MacNall: HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO ORIENTAL, tradução (>. Burns, Rev. Robert: AN ESSAY OF THE OFFICE AND DUTIES OF THE ELDERSHIP IN THE CHURCH OF ENGLAND 7. Calvino, João: INSTTTUCION DE LA RELIGION CHRISTIANA, versão de Jacinto Terar 8. Campbell, Dr. T. Graham: THE WORK OF THE ELDERSHIP 9. Cânones da Igreja Metodista do Brasil, 1955 10. Cochrane, Charles Norris: CHRISTIANISMO Y CULTURA CLÁSSICA, versão de José Carner 11. Cruden, Alexander: A COMPLETE CONCORDANCE TO THE SCRIPTURES OF THE NEW AND OLD TESTAMENT 12. Davis, Dr. John D.: A DICTIONARY OF THE BIBLE 13. Dickson, David: THE ELDER AND HIS WORK 14. Goodsell, Dr. Wvllystone: A HISTORY OF MARRIAGE O OFÍCIO .DF. PRESiíÍTKkO IS! lo. Hastings, Dr. James: em DICTIONARY OF THE APOSTOLIC CHURCH Ri. Hastings. Dr. James: em ENCYCLOPAEDIA OF RELIGION AND ETHICS 17. Houghton, Louise Seymour: FRENCH AND BELGIAN PROTESTANTISM 18. Kyle, Dr. J. M.: COMPÊNDIO DE DOUTRINA E A IGREJA 19. Larousse du XXe Siècle 20. Lingle, Dr. Walter L.: THF PP.FSBYTERIANS, THEIR HISTORY AND BELIEFS 21. Lorrimer, Rev. John G.: THE ELDERSHIP OF THE CHURCH OF SCOTLAND 22. MANUAL OF PRACTICE AND PROCEDURE IN THE UNITED AND FREE CHURCH OF SCOTLAND (1927) 23. MEYER'S COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT 24. Moffat, James: THE PRESBYTERIAN CHURCHES 25. Niesel, Whi!helm:THE THEOLOGY OF JOHN CALVIN (DIE THEOLOGIE CALVINS) versão de H. Knight 2íi. Ogilvie, Rev. J. N.:THE PRESBYTERIAN CHURCH 27. Oliveira Lima: M. de: HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO 28. Orr, Dr. James: em THE INTERNATIONAL STANDARD BIBLE ENCYCLOPAEDIA 29. Palmer, Bispo Leon C. (da Igreja Protestante Episcopal dos Estados Unidos da América do Norte): THE MINISTRY OF LAYMEN 30. Portei', Dr. Thomas Jackson: AOS PRESBÍTEROS, DISPENSEIROS DE DEUS 31. Roberts, W. H.: O SISTEMA PRESBITERIAKO, tradução do Rev. Gutenberg de Campos 32. Routh, E. C: QUEM SÃO ELES?, tradução de A. Ben Oliver 33. Schaff, Dr. Philipp: A RELIGIOUS ENCYCLOPAEDIA OR DICTIONARY OF BIBLICAL, HISTORICAL, DOCTRINAL AND PRAC-TICAL THEOLOGY 34. Seely, J. R.: NATURAL REUGION 35. Simpson, J. C: ENCYCLOPAEDIA OF RELIGION AND ETHICS 36. Smith, Rev. Egbert Watson: THE CREED OF THE PRESBYTERIANS 37. Stewart, THE ORIGINS OF THE SCOTH PRESBYTERIANS 38. Strong, Dr. Augustus Hopkins: SYSTEMATIC THEOLOGY 39. Taylor, Wm. Carey: DOUTRINAS 40. THE CENTURY DICTIONARY AND ENCYCLOPAEDIA (diversos colaboradores) 41. van Baalen, Jan Karel: OUR CHRISTIAN HERITAGE 42. Walker, WUUstone: HISTÓRIA DA IGREJA CRISTà 43. Wallace, THE RELIGIOUS FAITH OF GREAT MEN 44. Fosdick, Harry Emerson: THE MEANING OF SERVICE 45. LA SAINTE BIBLE, tradução de Davi Martin (ministro em Utrecht), 1829, para comparação de textos; 46. THE HOLY BIBLE, King James Veraion, idem idem.