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Revista Design em Foco ISSN: 1807-3778 [email protected] Universidade do Estado da Bahia Brasil Walker, Stuart Desmascarando o objeto: reestruturando o design para sustentabilidade Revista Design em Foco, vol. II, núm. 2, julho-dezembro, 2005, pp. 47-62 Universidade do Estado da Bahia Bahia, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=66120205 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista Design em Foco

ISSN: 1807-3778

[email protected]

Universidade do Estado da Bahia

Brasil

Walker, Stuart

Desmascarando o objeto: reestruturando o design para sustentabilidade

Revista Design em Foco, vol. II, núm. 2, julho-dezembro, 2005, pp. 47-62

Universidade do Estado da Bahia

Bahia, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=66120205

Como citar este artigo

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5 Desmascarando o objeto: reestruturando o design parasustentabilidade*Unmasking the object: reframing design for sustainability

ResumoNos últimos dez anos ou mais, tem sido crescente o interesse emquestões ligadas ao design de produtos sustentáveis e, embora oassunto tenha sido tratado por muitas perspectivas, de certo modosurpreendentemente, têm-se dado relativamente pouca atenção àscompetências criativas essenciais e às potenciais contribuições dodesigner. Mais frequentemente ainda, o foco gravita entre questõesperiféricas como análise do ciclo de vida ou uso de materiais reciclados.Se, por um lado, estas questões são importantes, elas não sãoessencialmente questões orientadas para o design e, assim, sãoraramente consideradas primordiais pelos designers. Este trabalhode pesquisa ocupa-se desta lacuna, oferecendo uma crítica aos objetos– seu design atual, tipologia estética e significados, além de reestruturaro design de objetos funcionais, para refletir e expressar suasimplicações tanto no que diz respeito à sustentabilidade quanto operíodo pós-industrial nas sociedades ocidentais. Exemplos deprodutos existentes são discutidos, assim como exemplos de propostasde objetos, desenhados pelo autor, são apresentados com o objetivode se buscar novas prioridades. Segundo aponta Norman (2002), “nósvivemos em uma era que coloca o bem-estar e a segurança materialcomo os objetos que, supostamente, descrevem o propósito real devida na Terra”. Aqui, o design propriamente dito é usado como umacrítica a esta afirmação infundada. O resultado é um “desmascara-mento de objetos” – básicos, transitórios, desprovidos de adorno,sem ambigüidade e sem importância.

AbstractOver the last ten years or so there has been increasing interest in issuesof sustainable product design and although the subject has been tackledfrom many perspectives, somewhat surprisingly, there has beenrelatively little attention paid to the essential creative competenciesand potential contributions of the designer. More often than not thefocus gravitates to peripheral issues such as life cycle analysis or theuse of recycled materials. While these are important they are notessentially design oriented and therefore are seldom of critical interestto the designer. The paper addresses this gap by offering a critique ofobjects - their current design, aesthetic typology and meanings, and areframing of the design of functioning objects to reflect and expressthe implications of both sustainability and a post-industrial time inwestern society. Examples of existing products are discussed, andexamples of propositional products, designed by the author, arepresented which attempt to encapsulate new priorities. As Norman(2002) has pointed out, we live in “an age which sets welfare andmaterial security as the objects which, it is supposed, describe the realpurpose of life on earth.” Here, design itself is used as a critique ofthese barren assumptions. The result is “unmasked objects” – basic,transient, unadorned, unambiguous and unimportant.

Stuart WalkerO Professor Stuart Walker é

Decano Associado (Pesquisa eInternacional) na Faculdade

de Design Ambiental,Universidade de Calgary,

Canadá. Ele também éProfessor Adjunto na

Faculdade de Engenharia naUniversidade de Calgary e

Professor Visitante de DesignSustentável na UniversidadeKingston, Reino Unido. Sua

pesquisa tem como foco aestética do design de produtos

sustentáveis. Seus trabalhostêm sido publicados

internacionalmente e seudesign experimental tem sido

exibido em apresentaçõesexclusivas no Canadá e no

Museu do Design, emLondres. Ele é membro dos

Conselhos Editoriais do TheDesign Journal e do The

Journal of SustainableProduct Design.

Sobre o autor:

* Uma versão deste artigo foiapresentada, em inglês, na 6a

Conferência da AcademiaEuropéia de Design (EuropeanAcademy of Design - EAD), emBremen, Alemanha, em março

de 2005. Foi gentilmentecedido pelo autor paratradução e publicação

exclusiva nesta edição daRevista Design em Foco.

Tradução: Ângelo Miranda.Revisão Técnica: Paulo

Fernando de Almeida Souza.

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Palavras-chaveDesign, objetos funcionais, tipologia estética, sustentabilidade,pós-industrial.

KeywordsDesign, functioning objects, aesthetic typology, sustainability,post-industrial.

O que quer que alguém ache do modelo de crescimento contínuo daseconomias capitalistas de hoje, não resta dúvida que o desenvol-vimento tecnológico e a manufatura de produtos têm tanto efeitospositivos quanto negativos. Juntamente com a sua capacidade de gerarriqueza e prover uma variedade de benefícios, há custos enormes.Uma medida básica é o fato de que, apesar das indústrias modernasempregarem tecnologias muito sofisticadas, a abordagem fundamentaldo design, produção e distribuição de produtos tem permanecidoessencialmente a mesma por pouco mais de um século. Recursos sãoextraídos da terra, refinados, transformados em partes e montadoscomo produtos usando processos de produção em massa; estesprodutos são, então, distribuídos amplamente, vendidos, usados,descartados e substituídos. Este sistema, o qual tem se tornadocrescentemente automatizado ao longo dos anos, é principalmenteunidirecional em termos do seu fluxo de recursos e energia. Para amaioria dos bens de consumo, o processamento pós-uso, como oconserto, recondicionamento e redistribuição, e ainda o reapro-veitamento de materiais e componentes, é economicamente marginale relativamente raro. Só há infra-estruturas de manutenção efetivase amplamente distribuídas para os produtos mais caros, tais comoautomóveis e eletrodomésticos.

Aqui, eu gostaria de considerar a relação entre estas práticas insus-tentáveis e as qualidades estéticas do produto manufaturado. Até umgrau considerável, as qualidades estéticas de um produto são umafunção do sistema que o produz. Conseqüentemente, a estética damaioria dos bens de consumo é, de fato, a estética de um desperdíciodesmedido e de práticas social e ambientalmente danosas.

Se, enquanto sociedade, há uma expectativa de reestruturarmosnossas noções de cultura material, então precisamos primeiroreconhecer o problema de forma pertinente ao nosso papel econtribuição. Um aspecto muito importante do papel do designer éa estética do produto e, assim, a relação entre práticas de produçãoinsustentáveis e a estética do produto parece ser um lugar apropriadopara o designer começar.

Uma maneira para que possamos explorar esta relação de formamais plena é a criação de uma “tipologia estética” para produtoscontemporâneos insustentáveis. Tal tipologia permitiria ao designerreorganizar as conexões existentes entre as qualidades estéticas deprodutos e as práticas insustentáveis nas quais eles são produzidos.Isto pode, então, nos fornecer uma base para a mudança.

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5 Uma tipologia deste tipo requer o desenvolvimento de identificadoresestéticos que, coletivamente, sejam capazes de caracterizar certostipos de bens de consumo 1, tais como pequenos aparelhos, produtoselétricos e ferramentas potentes, que são produzidos, distribuídos edescartados de tal forma que são insustentáveis e crescentementefora de sintonia com o Zeitgeist da nossa sociedade pós-industrial.Uma tipologia estética não está baseada na função do produto, mas,sim, em pontos tácteis e visíveis de forma e acabamento – pontosque possam ser conectados retroativamente a modos de produçãoque são problemáticos. Tal tipologia iria, assim,

a) fornecer um meio de diferenciar produtos insustentáveis;b) ajudar a revelar a relação entre aspectos estéticos de um objeto

produzido em massa, técnicas de produção insustentáveis eespecificações materiais de sua manufatura;

c) desafiar as concepções dominantes de produtos e do designde produtos que ajudam a perpetuar práticas insustentáveis.

Desta forma, uma tipologia estética seria um meio de estabelecer oproblema em termos de design. Efetivamente, uma tipologia estéticapara os bens de consumo contemporâneos nos revelaria o que nãodeveríamos fazer. E ela, então, se torna o nosso desafio para desenvolverformas alternativas, mais benignas, de avanço para o design.

Para construir uma tipologia estética, certos identificadores estéticospodem ser propostos, de modo a serem comuns a muitos bens deconsumo e de forma a poderem ser, “coletivamente”, úteis nadistinção de práticas insustentáveis. Podemos iniciar simplesmentepor considerar certos bens de consumo e discernir alguns aspectos epontos gerais. Estes podem, então, ser relacionados à compreensãode desenvolvimento sustentável. Produtos apropriados para esteexercício iriam incluir muitos bens de consumo pequenos, de relativobaixo-custo, que se encontram em amplo uso atualmente, mas quesão difíceis ou anti-econômicos para serem reparados (emcomparação à compra de um produto novo para sua substituição).Tais produtos incluiriam:

• equipamentos de som portáteis, tais como reprodutores deCD, fitas-cassete, mini-discs e mp3 do tipo walkman;

• televisões e rádios;• telefones e celulares;• equipamentos de som tipo “radio-gravadores” (i.e.

boomboxes) e equipamentos de som domésticos mais baratos(os de mais alta tecnologia geralmente conseguem ter manuten-ção e conserto de forma economicamente viável);

• pequenos eletrodomésticos caseiros, tais como misturadoreselétricos, batedeiras, processadores de alimentos,liquidificadores e cafeteiras elétricas de filtro;

• ferramentas potentes para o lar tais como furadeiras e serraselétricas;

• produtos eletrônicos tais como relógios digitais e calculadoras; e• produtos de vídeo e jogos eletrônicos tais como jogos portáteis,

joysticks, cartuchos de jogos e consoles.

1 Britannica (2001)Typology, CD Edition,

Encyclopædia Britannica,Inc., Publish:

Britannica.co.uk, London.

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Estes tipos de produtos são produzidos em massa para distribuiçãomundial. Os mesmos produtos, com os mesmos designs estão dispo-níveis em Londres, Nova York, Sydney, Hong Kong, Joanesburgo eBuenos Aires. Embora possa haver exceções, a grande maioria destetipo de produtos não é desenhada para um local ou cultura específicos– pelo contrário, seu design é estetica e culturalmente neutro.

A maioria dos produtos contemporâneos, como os listados acima, édefinida em termos de seus invólucros externos, que encobrem aspartes funcionais. Comumente, os invólucros são feitos de plásticosinjetados moldados, tais como o co-polímero acrilonitrilo butadienoestireno (ABS). Eles freqüentemente possuem acabamentosaltamente polidos, suaves, com bordas arredondadas; taisacabamentos são obtidos rapidamente por moldes injetados – defato, formas suaves e arredondadas são normalmente mais fáceisde produzir, porque o fluxo do plástico é mais eficaz e a retirada dapeça do seu molde é menos problemática com tais formas. O invólucroexterno efetivamente esconde e protege as partes funcionais, masnão leva o usuário a entender o produto em si, sua manutenção oureparo. Este invólucro externo altamente bem-acabado geralmentepossui uma superfície relativamente frágil, que se torna arranhadaou danificada com o uso e desgaste diário, mas que não é de fácilmanutenção ou reparo. Materiais como o ABS não são geralmentetão familiares ou fáceis de se manipular como, por exemplo, amadeira. Por exemplo, móveis de madeira podem, freqüentementee de forma rápida, ser consertados por não-especialistas usandoitens que podem ser conseguidos facilmente, tais como colas e para-fusos; sua manutenção também pode ser feita facilmente compreenchimentos, produtos removedores de arranhões e ceras.

Além disto, como é evidente pelos invólucros e etiquetas dos produ-tos, a vasta maioria dos bens de consumo é manufaturada via pro-cessos de produção em massa altamente automatizados, freqüente-mente em países com economias de baixos salários. Isto permitemanter-se o custo unitário do produto, e conseqüentemente, seupreço final ao consumidor, relativamente baixo. Por sua vez, peloseu baixo custo, os produtos podem ser prontamente substituídoscom as mudanças de moda. De fato, as mudanças de estilos pelosfabricantes são freqüentemente motivadoras da substituição doproduto.

Estas observações fornecem uma base para se construir uma tipologiaestética preliminar para os bens de consumo comuns. Com este fim,o seguinte conjunto inicial de identificadores estéticos é sugerido:

• culturalmente neutro ou moderado;• livre de impurezas, polido e frágil;• oculto e disfarçado;• frio ou distante;• curvo, arredondado e suave;• da moda ou atraente; e• completo e inviolável.

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5 Cada um destes itens pode ser conectado a práticas insustentáveis,e estes serão descritos mais plenamente na Tabela 1. Coletivamente,eles constituem uma tipologia estética que nos permite diferenciarprodutos produzidos por um sistema inerente e manifestadamenteinsustentável. Os produtos comuns listados anteriormente podemser distinguidos usando-se esta tipologia: eles são todos produzidosem massa, usando técnicas de moldes injetados altamenteautomatizadas (de pouco trabalho), possuem demanda de energiaintensa na sua manufatura e distribuição internacional, e não sãogeralmente consertados ou passíveis de reparo. Em contraste, umobjeto feito localmente e para uso local, tal como uma caixa demadeira artesanal, pode exibir alguns, mas não todos, estes identifi-cadores tipológicos; ela pode ser “Curva, Arredondada e Suave”, e“Livre de Impurezas, Polida e Frágil”, mas não será “Fria ouDistante” nem será “Completa e Inviolável”. Seus materiais e partesconstituintes são familiares e compreensíveis, ela pode ser facilmentecuidada e consertada, e seu uso particular pode ser determinadopelo dono.

Considerados conjuntamente, os identificadores acima diferenciamo objeto insustentável, produzido em massa, de um objeto maissustentável, produzido por outros meios. Desta forma, pelo menospara estes exemplos, a tipologia proposta parece ser eficaz. O pontoprincipal aqui, contudo, não é que estes identificadores específicossejam necessariamente os melhores e mais abrangentes, mas, sim, ofato de que através do uso de identificadores tais como estes, podemoscomeçar a reconhecer a relação entre a estética do produto, o sistemade produção e práticas insustentáveis. No exemplo acima, a naturezainsustentável do sistema de produção/distribuição/descarte érevelada através das qualidades estéticas dos produtos criados poreste. Assim, a tipologia ajuda o designer a reconhecer o problemanos termos e na linguagem do próprio design – e é este reconheci-mento que criará a base para o desenvolvimento de práticas de designmais responsáveis.

A tipologia estética proposta é baseada em observações gerais sobrebens de consumo comuns, e na conexão destas observações compráticas típicas de manufatura e distribuição de produtos, que são,em muitos aspectos, insustentáveis. Ao traçar estas conexões entreestética e desenvolvimento sustentável, contudo, faz-se necessárioter a ciência de dois fatores criticamente importantes.

Inicialmente, o design, e talvez especialmente o tipo de designpraticado por designers industriais, é, em grande medida subjetivo,intuitivo e normativo. Assim, observações gerais relacionadas coma estética do produto são simplesmente isto – gerais e baseadas naobservação de certos tipos de produtos atuais. Exceções e exemplosem contrário podem ser considerados, mas a maioria dos aparelhospequenos e outros bens de consumo tendem a demonstrar ascaracterísticas estéticas descritas acima. Podem haver maiscaracterísticas que também seriam úteis, mas, para o propósito dedemonstrar o princípio em questão, esta lista é suficiente.

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Tabela 1 - Uma Tipologia Estética para produtos contemporâneos, insustentáveis.

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5 Em segundo lugar, desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade,que são freqüentemente usados como sinônimos, não podem serdefinidos exceto em termos gerais. Não sabemos com exatidão comouma sociedade moderna sustentável realmente se pareceria.

Por estas razões, podemos entender uma tipologia estética ligada apráticas insustentáveis como uma ferramenta razoável e útil em nosajudar a discernir aspectos indesejáveis de produtos e práticas con-temporâneas, e isto em termos do próprio design. Como tal, estasproposições não são, nem deveriam ser, fundamentadascientificamente ou sujeitas à justificação científica quantitativa oureducionista – isto seria inteiramente inapropriado.

As habilidades criativas e de visualização dos designers lhes concedemum papel único e potencialmente influente no processo de rees-truturação dos objetos de modo que, nos seus materiais, manufaturae aparência, eles estejam de acordo com, e sejam uma expressão deprincípios sustentáveis e de valores humanos significativos. Podemosinferir disto que objetos “sustentáveis” serão marcadamentediferentes dos produtos existentes, e serão identificados através deuma tipologia estética bastante diferente.

Ao tentar reestruturar o design para incluir as prioridades da atua-lidade, podemos identificar os problemas com nossos modos deoperação atuais e propor novas direções que poderão satisfazer bemuma ampla variedade de princípios sustentáveis. Todavia, isto é bemdiferente de saber o que uma nova abordagem de design sustentávelde fato seja, e que critérios de design tal abordagem deverá atender.Se tentarmos institucionalizar tão cedo tal abordagem e critérios, entãocorreremos o risco de confinar e atrofiar, na realidade, uma questãopara reflexão que é dinâmica, em constante evolução e complexa. Aoinvés disto, uma variedade de abordagens de design deve ser exploradade forma a unir e sintetizar prioridades que freqüentemente competementre si. A tipologia estética introduzida acima é uma forma eficaz deresumir, em termos do design, e de revelar, em termos de qualidadesvisuais, o sistema insustentável por detrás de um produto contem-porâneo. Uma vez que esta conexão entre a estética do produto epráticas insustentáveis seja estabelecida, os designers podem começara explorar abordagens que:

a) claramente sejam diferentes dos modelos atuais; eb) pareçam estar de acordo com um princípio de sustentabilidade.

Estas explorações contribuirão com nossas idéias de um designsustentável e nos permitirão ver as questões envolvidas de uma pers-pectiva mais ampla. Tendo isto em mente, ofereço a seguir tópicospara considerações, por eles serem notáveis por sua falta deimportância na produção e design de produtos tradicional.

“O Encontro com” versus “A Experiência dos” ObjetosMcGrath, ao referir-se ao trabalho do filósofo judeu Martin Buber,explica que a nossa visão da natureza, vinda desde o Iluminismo,tem sido baseada em uma relação do tipo “eu-isto” – uma relação

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sujeito-objeto de acordo com a qual nós “experimentamos” as coisas,inclusive os artefatos criados pelo homem. Ver as coisas desta forma,como tantos “istos”, nos faz adotar “uma ética de alienação, explo-ração e desengajamento” e é exemplificada por “atos mundanos taiscomo o consumo em massa, a produção industrial e a organizaçãosocial”.2 A alternativa, proposta por Buber, é uma relação funda-mentada no “eu-você” – que pode ocorrer entre as pessoas. A relação“eu-você” é mútua e recíproca, e é caracterizada como um “encontrocom”, mais do que simplesmente uma “experiência de”. Buberpropõe que, se nós aprendermos a nos relacionar com o mundo e anatureza em termos de uma relação baseada no “eu-você”, isso noslevará a um conhecimento mais profundo, sem intermediações, domundo. Um “isto” se faz conhecer em termos de especificações taiscomo dimensões, peso e cor, enquanto um “você” é conhecidodiretamente.3

Esta noção traz implicações importantes para a maneira comopensamos o design de objetos sustentáveis, e também sobre a relaçãoentre nós e os objetos que criamos a partir dos recursos oferecidospela natureza. Vista como um encontro mútuo, nossa exploração edesperdício desmedido de recursos naturais torna-se uma violaçãointolerável – uma realização que pode informar o nosso trabalho dedesign e nos fazer adotar uma abordagem mais contida e respeitosa.

Ações DiretasAo se tornar uma disciplina profissionalizante, diferente do designindustrial, o design passou a ser controlado pelas suas próprias con-venções. Todavia, um importante elemento deste estreitamento devisão é a forma “mediada” pela qual os produtos atuais são definidos.A criação de objetos funcionais tem se tornado uma atividade dentroda qual o objeto a ser criado é visualizado por meio de esboços,renderizações, modelos digitais e modelos físicos. A transição quese faz das artes populares para o mundo do design profissional éuma transição de processo. Ela é geralmente acompanhada de um“distanciamento” das intimidades e nuances de lugar, espaço,materiais e muitos dos ingredientes de uma experiência autêntica,visceral, do mundo. Esta “remoção da consciência pelo processo”pode ser vista como um fator contribuinte no desenvolvimento demuitas práticas insustentáveis associadas à manufatura de produtosmodernos, tais como a exploração do trabalho e a produção depoluição; práticas estas que são insensíveis às realidades e necessi-dades das pessoas e do meio ambiente.

O arquiteto Christopher Alexander, um crítico de muito do que sefaz na arquitetura contemporânea, falou de forma similar sobre osproblemas do design por meio de desenhos abstratos e blueprints,sem engajar-se diretamente com as questões e qualidades tangíveisdos materiais e espaços.4 Christopher Day, também um arquiteto,expressou preocupações semelhantes. Ele desenvolveu um processode design de prédios enraizado no local e na cultura. Por meio douso de materiais locais, dos espaços e seu engajamento com as pessoasna construção, seus projetos são um testemunho desta abordagem

2 McGrath, A. (2002) TheReenchantment of Nature,

Doubleday/Galilee, NewYork, 124-125.

3 Ibid.

4 Alexander, C. (2004)Renegade Architect, Ideas

Program, CanadianBroadcasting Corporation(CBC), broadcast October

22nd 2004, 9:00pm (refer towww.cbc.ca/ideas for further

details).

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5 mais sustentável: o processo é revelado por meio da experiênciaestética dos edifícios.5

Em contraste com abordagens convencionais do design de produtos,objetos criados por meio de ações diretas podem ser menos precisos,menos ligados à moda, menos eficientes e menos lucrativos, mas eles,freqüentemente, possuem qualidades que falam de espontaneidade,intuição, conhecimentos locais, moderação, uma consciência maisplena de lugar, materiais e tridimensionalidade, e ainda umaapreciação mais profunda e imediata dos seus efeitos.

Basta compararmos a Mesquita Djenne de Mali com uma torre deescritórios envidraçada. Ambos são designs do Século XX, mas oprimeiro é particularmente integrado ao lugar. Como os prédios deChristopher Day, ele respeita os estilos arquitetônicos locais e éconstruído e mantido com materiais da região. Em contraste, a torrede escritórios envidraçada é independente de sua localização e utilizamateriais produzidos em massa que poderiam vir de “qualquerlugar”. De modo análogo, poderíamos comparar uma cesta decompras de sisal feita à mão com uma sacola plástica de super-mercado, para apreciar a natureza destas diferenças qualitativasimportantes. Em uma outra esfera, o pianista de jazz Bill Evanstambém falou sobre a relação entre a ação direta, improvisação ereflexão profunda, e sua relevância para a criatividade – e isto éevidente nas suas improvisações inovadoras.6 Os resultados de açãodireta são também vistos nas improvisações ad hoc dos pobres eoutros que espontaneamente criam soluções funcionais parasatisfazer necessidades imediatas.7

Temos uma lição importante aqui. A atividade de design pode tantorevelar quanto obscurecer, dependendo da abordagem e técnicasescolhidas, e uma abordagem direta parece oferecer reflexões eresultados que são de maior importância para a sustentabilidade,em comparação com as abordagens mediadas atualmente,prevalecentes no design industrial.

Necessidade – A Mãe da InvençãoO acadêmico britânico C. S. Lewis escreveu uma vez que é “a escassezque permite que uma sociedade exista”.8 Com a abundância, nãoprecisamos nos preocupar muito com a noção de sociedade – com asmaneiras e outros aspectos de se viver juntamente com outraspessoas. Em um nível mais amplo, podemos nos comportarrazoavelmente como indivíduos autônomos. Quando todo mundopossui uma TV, nós não precisamos formar uma fila ordeira na frentedo cinema, ou concordar em nos mantermos quietos durante o filme.De modo semelhante, não precisamos cooperar com outros para criaro nosso próprio momento de entretenimento, por meio de jogos oumúsica. Com a escassez, nós precisamos ser inventivos, para criaralgo útil a partir de muito poucos recursos. Um exemplo disto emum tempo de escassez era o slogan “Faça Você Mesmo e Conserte”criado pelo Conselho Britânico de Comércio durante a 2a GuerraMundial 9, que incentivava as pessoas a criar novas roupas a partir

5 Day, C. (1990) Places of theSoul, The Aquarian Press,

Thorsons Publishing Group,Wellingborough, UK.

6 Evans, W. (1959)Improvisation in Jazz, in liner

notes from “Kind of Blue” byMiles Davis, CD CK

4935,Columbia Records, NewYork, 1997.

7 Ver: De Gusmao Pereira, G.(2002) Rua dos Inventos:

Ensaio Sobre DesenhoVernacular, Francsco Alves,

Rio de Janeiro and De Bozzi,P. and Oroza, E. (2002) Objets

Réinventés: La CréationPopulaire á Cuba, Editions

Alternatives, Paris.

8 Lewis, C. S. (1946) TheGreat Divorce, HarperCollins,

New York, 13.

9 East Midland LearningResource at http://

www.emsource.org.uk/archive/item027/index.asp, acessado

em: 10/12/2004.

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das velhas, de forma tal que fosse evitada uma demanda por novostecidos, que estavam em falta.

Não há apenas benefícios ambientais ao se consertar as coisas ediminuir nossa dependência em compras de novos produtos. Tambémhá, potencialmente, benefícios para a comunidade e para a sociedade,e o indivíduo também é beneficiado, ao aprender a compreender maisefetivamente o nosso mundo material. As criações que resultam de talabordagem são diversas, e, freqüentemente, descobertas acidentaisaltamente interessantes e esteticamente surpreendentes; algunsexemplos típicos são mostrados nas Figuras 1 e 2.

Fazer uso do que já existe pode ser uma base parauma abordagem de design eficaz e geralmente maisbenigna. O abajur de Toio de Castiglioni 10, bemcomo o trabalho mais recente dos designers daempresa Droog 11, exemplificam esta abordagem.

Desafiando a Noção de StylingA estilização, i.e. styling, pode reduzir adurabilidade de um objeto, uma vez que, inevita-velmente, o tornará fora de moda. Na área de bensde consumo e roupas, os designers lutam para queo seu trabalho esteja à la mode, ou para estaremalinhados com os modelos dos concorrentes.Muitas empresas empregam pesquisadores para

fornecer-lhes informações sobre as últimastendências entre os jovens. Estasinformações são, então, usadas para

produzir bens que estejam em sintoniacom tais tendências.12 Este esforço em

se estar atualizado com a última modaé um modo eficaz de incentivar o consu-

mismo e aumentar as vendas, mas éaltamente problemático em termos de sus-

tentabilidade. Contudo, existem exemplosde arte e design que conseguem sobrepujar

esta corrida pela moda. Estes exemplospodem ser pontos de referência úteis quando pensamos emreestruturar nossas noções de design para sustentabilidade:

• O artista autodidata Alfred Wallis, da cidade de Cornwall,pintava para seu próprio deleite e não tinha a consciência deque ele estava saindo das convenções. Suas pinturas,freqüentemente feitas de forma rudimentar em pedaçosirregulares de papelão, são inocentes, mas, em termos decomposição, são fortes e extremamente originais.13

• Em um dos seus últimos trabalhos, “The Stations of the Crossfor the Chapelle du Rosaire”, em Vence, o pintor francês HenriMatisse conseguiu superar o seu reconhecido estilo. Devido auma enfermidade, ele pintou o mural deitado em uma cama,com o pincel amarrado a uma longa vara de bambu. Conse-

Figura 1 - DesignsLocais: bolsas feitascom anéis de latas debebidas, Loja doMercado, LaRochelle, França.

Figura 2 - DesignsLocais: pequena malade metal feita da junçãode latas de alimentos semimpressão, mercado detrabalhadores de metal,Nairobi, Kenya.

10 Castiglioni (1962). A ToioLamp pode ser vista em: http://www.evanizer.com/castiglioni/

castigobjectpages/toio.html.Acesso em: 19/10/2004.

11 Droog (2004) website: http://www.droogdesign.nl/. Acesso

em: 19/10/2004.

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5 qüentemente, a pintura foi feita de forma rude e a mão deMatisse não fica evidente.14

• De um modo um tanto quanto diferente, os “readymades” deMarcel Duchamp são também exemplos em que o estiloartístico foi evitado. Duchamp simplesmente selecionava itens,tais como um engradado ou uma pá-de-neve em uma loja deferramentas, e, às vezes, com modificações mínimas, ele osapresentava como obras de arte. 15

• Nos anos 70, o designer italiano Riccardo Dalisi trabalhoucom crianças de rua, que ele acreditava não terem sido afeta-das por influências culturais.16 De modo análogo, os espontâ-neos designs de necessidades de rua são exemplos de artefatosque não respondem às afetações comumente associadas aostyling.17

Estes são exemplos onde as preferências e expectativas contempo-râneas são de pouca ou nenhuma importância no trabalhoproduzido. Eles não fazem o jogo do styling e, conseqüentemente,eles são indiferentes às inclinações efêmeras que predominam naprática de design atual.

O Designer enquanto ArtistaMuito tem sido escrito recentemente sobre abordagens de designcolaborativo, a necessidade de uma maior consulta aos usuários, ouso de grupos-foco, e o papel do designer como um facilitador.18 Naprática profissional, estas são indubitavelmente técnicas úteis e quepodem auxiliar o designer na compreensão das necessidades dousuário, e dos requisitos de outros dentro do mundo do marketing eda produção de produtos. A discussão e a consulta são tambémessenciais para ampliar nossa compreensão de sustentabilidade e dedesign pós-industrial. Entretanto, estas abordagens nem sempre sãoúteis ao tentarmos reestruturar nossas noções de objetos funcionais.

Ao abraçarmos as técnicas de cooperação e consulta, não podemosnos esquecer de uma outra faceta, de importância crítica, nos estudoscriativos. Esta é a abordagem mais solitária, contemplativa, que éremovida das pressões do dia-a-dia, das particularidades danecessidade do usuário, e das mais mundanas “praticalidades” do“mundo real”. Há uma necessidade de pensarmos profundamentesobre a natureza dos objetos e suas relações potenciais com as pessoase o meio ambiente. Quando nos engajamos, enquanto indivíduos, nestetipo de contemplação pessoal durante a prática criativa do design,então, novas compreensões acerca dos objetos funcionais podem estarmais próximas. Isto requer tempo, silêncio e solitude. Do mesmo modoque o ato de criação artística, esta é uma forma de design que requere compromete completamente a essência do designer. É através de talcomprometimento que, de acordo com Buber, nós podemos ter aesperança de realizar uma “relação com” as coisas ao invés de mera-mente termos uma “experiência das coisas”.19

Parece que este tipo de design pode ser melhor explorado dentro da

12 Eu uma vez participei deum documentário para a

BBC 2 no Reino Unido queexplorou o processo de design

do jeans Levi’s, que incluiudiscursos sobre estes

pesquisadores/olheiroscontratados localmente.

Documentário: Coolhunters,Middlemarch Films, UK,

transmitido no Reino Unidoem Outubro, 2001.

13 Gale, M. (1998) AlfredWallis, Tate Gallery

Publishing, London.

14 Matisse, H. (1996) ChapelleDu Rosaire of the DominicanNuns of Vence, published by

the Chappele du Rosaire.

15 Ades, D., N. Cox and D.Hopkins (1999) Marcel

Duchamp, World of ArtSeries, Thames and Hudson,

London, 146-164.

16 Dormer, P. (1993) DesignSince 1945, Thames and

Hudson, London, 85.

17 De Bozzi e Orzo; DeGusmao Pereira (Op. cit.).

18 Langford, J and D.McDonagh (eds) (2003) FocusGroups: Supporting Effective

Product Development,Taylor and Francis, London.

19 Buber, M. (1970) I andThou, translated by W.

Kaufman, Touchstone Books,Simon and Schuster, New

York, 1996, 60.

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academia – separada que é das pressões e ritmo da prática do setorprivado. Haverá tempo posteriormente para lidar-se com as impli-cações e aspectos práticos de implementação, e, então, será este ummomento em que uma abordagem mais relacionada à consultanovamente se fará útil.

O Design enquanto CríticaObjetos funcionais nem sempre precisam ser tão funcionais. Elesnão têm que ser eficientes, efetivos, econômicos, nem mesmoaceitáveis. Produtos produzidos em massa precisam ser tudo isto,por haver tanto capital investido em sua produção; eles precisamser lucrativos. Assim, a tendência é jogar com segurança, ficar como que já foi testado e comprovado. Compreende-se que a mudançatende a ser conduzida aos poucos e cautelosamente. Existem, porém,outros modos de se considerar a criação de objetos funcionais, e umdeles, que se faz especialmente útil, é o “Design enquanto Crítica”.O próprio design pode ser usado como veículo de crítica e comomeio de comunicação para se chamar a atenção para as inadequaçõesdas concepções atuais. Esta abordagem tem sido usada com efeitonos “produtos irreais” criados por um número de designerscontemporâneos com o fim de desafiar as normas e expectativas.20

A crítica também está implícita nos alegres designs “Chindogu”, deKawakami, ou nas “invenções inúteis” onde o benefício aparenteoferecido pelo objeto é superado pela inconveniência de realmentevirmos a usá-lo.21

Tendo Consciência da DiversidadeA sustentabilidade não apenas implica em demandas de diversidade,uma vez que as abordagens sustentáveis estão fortemente associadasàs especificidades de lugar, região, clima e cultura. O desenvolvimentosustentável é um tipo de desenvolvimento que está enraizado em ecresce destas particularidades infinitamente variadas. 22

Tendo isto em vista, este desenvolvimento parece estar em oposiçãoà impressionante “globalização” das corporações, comunicações emanufatura que tem ocorrido nos tempos atuais, e também àhomogeneização da cultura e dos produtos que tem acompanhadotal processo. Seria talvez compreensível que aqueles que tentampromover uma “localização” para o desenvolvimento sustentávelsejam desanimados, devido ao fato destes tempos de globalizaçãoparecem inacabáveis. Porém, há sinais de que a retórica ideológicaindiscriminada associada com o termo globalização é tanto enganosa,quanto exagerada. 23

Definido apropriadamente, o termo refere-se a uma intensificaçãodas interdependências sociais globais acompanhadas de umacrescente conscientização das relações entre o local e o interna-cional.24 Assim, a globalização não somente pode como deveria estarciente do valor do local, do diverso e do particular. Infelizmente,como apontado pelo historiador Eric Hobsbawn, as manifestaçõescontemporâneas da globalização têm três aspectos significativamenteinsustentáveis. Em primeiro lugar, a globalização combinada com ocapitalismo de mercado limita a capacidade de ação do Estado. No

20 Spayde J. (2002) TheUnreal Thing, IDMagazine, F & W

Publications, Cincinnati,April edition, Volume 49,

Number 2, 62 -67.

21 Kawakami, K. (1997) 99More Unuseless Japanese

Inventions: The Art ofChindogu, trans. D.

Papia, Harper Collins,London.

22 Van der Ryn, S. andCowan, S. (1996)

Ecological Design, IslandPress, Washington, 57-81.

23 Steger, M. B. (2003)Globalization: A Very

Short Introduction,Oxford University Press,

Oxford, 7-13.

24 Ibid, 13.

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5 que diz respeito às prioridades da sustentabilidade, isto limita acapacidade do governo em servir como uma influência moderadoranos objetivos corporativos, no interesse do bem comum. Em segundolugar, ela transforma o cidadão, que possui direitos e responsabi-lidades, em um consumidor, que possui apenas direitos. Em terceirolugar, ela permite uma imensa concentração de riqueza nas mãos depoucos, o que resulta em um aumento das desigualdades sociais.25

Todavia, lado a lado com as aspirações corporativas de promoveruma troca ilimitada em um mercado livre mundial, e com ocrescimento do poder de corporações trans-nacionais quepermanecem fora do processo democrático, temos também observadouma ênfase renovada na soberania nacional. Por exemplo, com aqueda do Muro de Berlim, muitos dos antigos estados soviéticosrapidamente declararam sua independência; e recentemente, osEstados Unidos escolheram permanecer fora de uma quantidade deacordos e jurisdições internacionais, tais como o Protocolo de Kyoto,sobre mudança climática, e a Corte Criminal Internacional. 26 Destemodo, mesmo com as tendências claras no sentido da “globalização”,que são contraproducentes em relação às prioridades de sustenta-bilidade, seria simplista demais presumir que o progresso representauma estrada reta na direção da homogeneidade cultural e dadissolução da diversidade local e regional. A situação é infinitamentemais complexa e dinâmica. Há facetas da globalização que, de fato,nutrem um senso de localização, 27 muitas indicações de uma crescenteênfase no estado nacional, e muitos exemplos de resistência àsambições globais de corporações privadas. 28 Contudo, o efeito geralda crescente globalização parece de fato ser contraproducente emtermos de um desenvolvimento sustentável.

Para o designer, as premissas de uma produção em massa paramercados globais – como o princípio norteador para os produtoscontemporâneos – não somente podem como devem ser desafiadas.Potencialmente, designs podem ser desenvolvidos de modo adaptadoao local, criando-se bons trabalhos em nível local, usando recursoslocais bem como componentes produzidos em massa, e sendoexpressivos no que diz respeito às normas e preferências da culturalocal. É o desafio para o designer conseguir vislumbrar objetosfuncionais de modo a serem:

a) tecnologicamente sofisticados e apropriados para as economiasmodernas, desenvolvidas; e

b) responsáveis ambientalmente, enriquecedores socialmente eviáveis na sua criação, uso e descarte.

Um Reconhecimento em Design do Lugar Apropriado dos ObjetosTalvez um dos fatores mais importantes retardando o avanço dodesenvolvimento sustentável seja simplesmente o fato de que nóspodemos estar dando importância demais a bens materiais. Isto nãose aplica apenas à aquisição de bens, mas também ao seu design.Sob certas perspectivas, a ênfase dada ao design detalhado e àperfeição das formas de objetos mundanos pode ser vista como não-garantida, não-apropriada e mal-orientada.

25 Hobsbawn, E. (2004)History is no longer

Necessary, interview with Eric Hobsbawn

by Prem Shankar Jha,reported in Outlook India,

Disponível em: http://www.outlookindia.com/

full.asp?fodname=20041227&fname=Hobsbawm+

%28F%29&sid=1. Acessadoem: 22/12/2004.

26 Gray, J. (2004) Heresies:Against Progress and Other

Illusions, Granta Books,London, 159-166.

27 Por exemplo, aspossibilidades de comunicação

oferecidas pela internetpermitiram que indígenas de

diversos países se conectassempara discutir questões de

interesse comum, associadas àsmudanças em suas vidas

causadas pela colonização.

28 Conforme eu indiqueianteriormente, a degradação

ambiental e a crescenteconsciência das diferenças

entre os países ricos e pobrestêm, ao longo dos últimosanos, criado protestos ao

redor do mundo. Por exemplo,protestos, por vezes violentos,

foram vistos nas palestras daOrganização Munidal do

Comércio (WTO) em Seattle,1999, na Reunião do G8 emGênova, Itália, em 2001, na

Reunião do G8 emKananaskis, Canadá, em 2002,

e na reunião da WTO emCancun, México, em 2003;

ver: http://www.guardian.co.uk/wto/

article/0,2763,1039709,00.html.

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Inicialmente, com o avanço das tecnologias de comunicação digitalao longo das últimas décadas, nós mudamos de uma economiabaseada na produção e venda de bens para outra, baseada naprodução e venda de informações, serviços e entretenimento. A pri-meira era uma economia industrial, a última, uma economia pós-industrial ou, como sugerido por Gray, uma economia de entreteni-mento,29 na qual a mercadoria principal é a informação, serviço ouentretenimento que está sendo entregue ao cliente, mais do que oproduto real que a materializa. Além disto, a tecnologia que compõeo produto físico só é relevante pelo curto período no qual ele é útil –e o ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico rapidamente otorna obsoleto. Conseqüentemente, o design e a estética do produtofísico tornam-se bastante inconseqüentes e excessivos. De fato, oproduto de modo geral, incluindo sua engenharia, torna-se secun-dário – um mero condutor para a entrega de serviços. Este éespecialmente o caso de produtos eletrônicos, tais como televisores,equipamentos de som, computadores e Assistentes Pessoais Digitais(PDAs).

Em segundo lugar, em seu livro “Secularização”, Edward Normandiscute que nós “vivemos em uma era que coloca o bem-estar e asegurança material como os objetos que, supostamente, descrevemo propósito real de vida na Terra”.30 Se este for o caso, e há muitossinais que apóiam esta afirmativa, então, não é surpreendente queo design de bens materiais tenha assumido uma importânciadesproporcional. Todavia, se tal ênfase for realmente um impedi-mento para o crescimento individual, então, uma abordagemdiferente para o design de objetos funcionais deve ser buscada.

Em ambos os casos – seja por conta do design de produtos estar setornando menos importante em uma era de informação eentretenimento, ou por razões mais profundas – uma pergunta selevanta sobre a ênfase que deve ser dada atualmente ao design deum objeto funcional.

Por ambas as razões acima, bem como para os propósitos dodesenvolvimento sustentável, seria apropriado estarmos cientes darelativa ausência de importância e da natureza efêmera dos produtos,para desenvolver uma abordagem responsável para o design, queesteja de acordo com esta compreensão. Talvez nós devêssemos verobjetos funcionais em termos muito mais humildes – simplesmentecomo coisas mundanas, úteis, que são básicas, efêmeras, sem adornos,não ambíguas e sem importância.

Explorações do DesignEu tentei aplicar estas idéias no design de alguns objetos eletrônicose elétricos a título de ilustração. Estes exemplos são criados a partirde peças produzidas em massa, reutilizadas e combinadas comcomponentes rudimentares, feitos localmente com materiais facil-mente disponíveis. Uma ênfase foi dada ao ato de “desnudar” osobjetos de noções convencionais de estilização e de “bom” design,bem como na revelação dos componentes que os fazem funcionar,mais do que em mascará-los com invólucros estilizados, os elementos

29 Gray (Op. cit.).

30 Norman, E. (2002)Secularization: Sacred Values

in a Godless World,Continuum, London, 171.

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Figura 3 - Design Desnudado 1:Maçarico ad hoc.

Figura 4 - Design Desnudado 2:Campainha de porta operadaremotamente ad hoc.

Figura 5 - Design Minimizado:Campainha de porta operadaremotamente, usa apenas aspartes funcionais.

de fixação, processos e acabamentos sendo todos básicos, familiarese facilmente substituíveis. A abordagem aqui é rudimentar, compouca preocupação com o “styling”, e mais ênfase no “fazeracontecer” com coisas que estão disponíveis.

O “Design Desnudado 1” (Figura 3) é um maçarico ad hoc; o designfoi desnudado do que é considerado ou aplicado como “styling” erapidamente torneado a partir de peças montadas em compensadonão acabado. De modo semelhante, o “Design Desnudado 2” (Figura4) é uma campainha para portas, operada remotamente, que foirapidamente feita de sucata e partes elétricas. O “Design Minimiza-do” (Figura 5) é outra campainha para portas operada remotamente,

mas totalmente feita de componentes funcionais, semnenhuma outra parte ou materiais terem sido

adicionados.

Após ter desnudado completamente estes designs deconsiderações estéticas, no “Design de Grupo” (Figura 6) eu

comecei a re-introduzir algumas questões estéticas. Este designé um radio-CD player que utiliza um circuito recuperado de um

rádio-gravador Sony descartado e de um CD Player portátil – ambosos produtos estavam ainda em bom estado de funcionamento, masnão estavam mais na moda do ponto de vista de sua aparênciaexterna. Os componentes foram montados em vários objetosrecuperados: um caixote de frutas de madeira, um conjunto depernas de televisor, um pedaço de madeira sucateada e um tubo debambu.

O “Design de Grupo” coloca lado a lado estes objetos díspares,descartados, dando-lhes a todos uma nova vida útil, renovada ao re-contextualizá-los para criar um novo objeto funcional. Aqui se prestouum pouco mais de atenção à coerência visual por meio da aplicaçãode um acabamento, de modo que este design é, de uma certa forma,mais refinado que os exemplos anteriores, embora conceitualmentesemelhante em termos do processo de design e do uso de materiais.Todos estes designs propostos incorporam as idéias discutidasanteriormente.

• eles fazem uso de peças em bom estado de funcionamentoque são normalmente descartadas pelo fato do invólucroexterno do produto ter se tornado fora de moda;

• o interesse estético é derivado do circuito em funcionamentomais do que do design do invólucro externo;

• os processos usados na sua criação podem todos serconseguidos em nível local,

• eles foram planejados por uma “ação direta” mais doque mediados através de desenhos e modelos;• eles são criados de materiais disponíveis local-mente ao invés da criação de peças novas;

• eles não são estilizados dentro de um sensoconvencional e implicitamente eles desafiam as noções deaplicação de uma estilização externa;

• eles são criados como objetos temporários – para seremusados por um curto período de tempo após o qual os compo-

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nentes e elementos fixadores podem serprontamente desconectados e reutiliza-dos;• eles combinam componentes embom estado de funcionamento, recupe-rados, com partes re-contextualizadas,e quando são reunidos, todos ganhamuma nova vida útil.

Estes exemplos ilustram as implicaçõespotenciais para o design de produtos epara diversos aspectos críticos do desen-volvimento sustentável. Eles incluem odesenvolvimento de escalas integradas deprodução para estarem de acordo comquestões sócio-econômicas e ambientais

em nível local, e uma rejeição de fatores de design tais como perfeiçãoestética e estilização de moda, que tendem a estimular o consumismo,a obsolescência estética e o desperdício. Nestes designs as peças emfuncionamento são reveladas, a construção é explícita, e os materiaissão familiares – eles poderiam receber o termo de “objetos desmas-carados”.

Nesta discussão eu propus uma tipologia estética como uma formade caracterizar as qualidades estéticas de muitos bens de consumocontemporâneos, e de tratos do design associados a práticas insus-tentáveis. Também sugeri uma reestruturação do design, conside-rando alguns tópicos relevantes. Contudo, as conclusões reais destadiscussão são propostas de designs. Que não são designs definitivos,mas meramente passos no sentido de um design sustentável. Elessão objetos eletrônicos funcionais que foram desnudados das noçõesconvencionais de “bom” design e das expectativas costumeiras dodesign industrial. Eu creio que esta fuga das convenções é um passonecessário no processo de re-construir nossa cultura material paraum desenvolvimento sustentável. Estes objetos representam o pontoculminante e a transformação dos argumentos propostos em objetostangíveis, funcionais, “desmascarados”. Ao passo em que eles são,pela própria natureza do esforço do design criativo, interpretaçõespessoais dos argumentos, eles de fato servem para ilustrar asimplicações potenciais da discussão pelo alinhamento do design deprodutos com princípios sustentáveis. Objetos funcionais tendem ase tornar menos importantes, e definidos de maneiras muito básicas.Eles não são mais objetos de conseqüência – eles não são da moda,do styling ou que chamam a atenção. Ao invés disto eles se tornamexplicitamente temporários e sem adornos; eles não são mais ossedutores “objetos do desejo”. Como tal, eles talvez sejaminstrutivos em demonstrar apenas o quão longe precisaremos mudaras nossas idéias dos nossos modos atuais de produzir culturamaterial, se nós quisermos, seriamente, encarar o desenvolvimentosustentável nas esferas do design de produtos e da produção.

Figura 6 - Design deGrupo: Radio-CDPlayer ad hoc.