O não cabimento de mandado de segurança contra ato de árbitro ou tribunal arbitral (1)

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O NÃO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE ÁRBITRO OU TRIBUNAL ARBITRAL. Francisco Cláudio de Almeida Santos Ministro aposentado do STJ Advogado e Árbitro I - O mandado de segurança no direito brasileiro. Iniciamos este estudo com uma breve exposição sobre o instituto do mandado de segurança em nosso direito, sobre as origens da ação mandamental entre nós e a respeito de alguns conceitos, que, certamente, serão úteis para a conclusão de nossas considerações sobre o tema. O mandado de segurança tem sua origem no ordenamento jurídico brasileiro, no seu mais alto plano, na Constituição, em 1934, visto que algumas iniciativas anteriores no patamar infraconstitucional foram frustradas. Assim é que, em 1914, Alberto Torres, em apêndice a sua conhecida obra “A Organização Nacional”, apresentou um anteprojeto, onde havia a previsão de um “mandado de garantia”, que, consoante registro de Buzaid, seria “destinado a fazer consagrar, respeitar ou restaurar, preventivamente, os direitos individuais ou coletivos, públicos ou privados, lesados por ato do poder público ou de particulares, para os quais não haja outro remédio especial.” (art.73 do anteprojeto, com destaque nosso) 1 . Ainda bem que, depois de tal proposição, jamais se tentou instituir mandado de segurança contra ato de particulares, no País, ficando desde já certo que tal medida judicial não existe em nosso direito. Após um festejado congresso jurídico brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em 1922, em que o tema foi discutido, apresentado na Câmara foi o projeto (PL 148) de autoria do Deputado Gudesteu Pires, no dia 11 de agosto de 1926 (data comemorativa da fundação dos cursos jurídicos no Brasil), para instituir o mandado de segurança, iniciativa que, entretanto, não prosperou. 1 Do mandado de segurança, vol. I, São Paulo, Editora Saraiva, 1989, ps. 28/29.

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Francisco Cláudio de Almeida Santos Ministro aposentado do STJ Advogado e Árbitro

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O NÃO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE ÁRBITRO OU TRIBUNAL ARBITRAL.

Francisco Cláudio de Almeida SantosMinistro aposentado do STJAdvogado e Árbitro

I - O mandado de segurança no direito brasileiro.

Iniciamos este estudo com uma breve exposição sobre o instituto do mandado de segurança em nosso direito, sobre as origens da ação mandamental entre nós e a respeito de alguns conceitos, que, certamente, serão úteis para a conclusão de nossas considerações sobre o tema.

O mandado de segurança tem sua origem no ordenamento jurídico brasileiro, no seu mais alto plano, na Constituição, em 1934, visto que algumas iniciativas anteriores no patamar infraconstitucional foram frustradas. Assim é que, em 1914, Alberto Torres, em apêndice a sua conhecida obra “A Organização Nacional”, apresentou um anteprojeto, onde havia a previsão de um “mandado de garantia”, que, consoante registro de Buzaid, seria “destinado a fazer consagrar, respeitar ou restaurar, preventivamente, os direitos individuais ou coletivos, públicos ou privados, lesados por ato do poder público ou de particulares, para os quais não haja outro remédio especial.” (art.73 do anteprojeto, com destaque nosso)1.

Ainda bem que, depois de tal proposição, jamais se tentou instituir mandado de segurança contra ato de particulares, no País, ficando desde já certo que tal medida judicial não existe em nosso direito.

Após um festejado congresso jurídico brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em 1922, em que o tema foi discutido, apresentado na Câmara foi o projeto (PL 148) de autoria do Deputado Gudesteu Pires, no dia 11 de agosto de 1926 (data comemorativa da fundação dos cursos jurídicos no Brasil), para instituir o mandado de segurança, iniciativa que, entretanto, não prosperou.

A idéia somente ganhou impulso depois da Constituição Federal de 1934, que, em seu artigo 113, § 33, dispunha: “Dar-se-á mandado de segurança para a defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.”

A norma constitucional, como se vê, claramente definia “qualquer autoridade” como pessoa passível de contra ela interpor-se o mandado de segurança, a acentuar que, necessariamente, seria ouvida a “pessoa jurídica de direito público interessada”, o que, na legislação ordinária, somente veio a ser disciplinado na recente Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009 (artigo 6o. caput).

Ainda que o preceito constitucional fosse auto-executável, surgiu uma regulamentação do instituto através da Lei n. 191, de 1936, mutilada pelo golpe de 1937, sendo mantido com limitações pelo Decreto-Lei n. 6, de 1937, o mesmo ato que extinguiu a Justiça Federal, então existente.

Finalmente, após a redemocratização do Pais, em 1946, o mandado de segurança foi regulado pela Lei n. 1.533, de 1951, que veio a receber algumas alterações no curso do longo tempo de sua vigência.

Hoje, como sabemos, vige a Lei n. 12.016, de 2009.1 Do mandado de segurança, vol. I, São Paulo, Editora Saraiva, 1989, ps. 28/29.

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Em todas as normas mencionadas, pedimos vênia para destacar que se cuida de medida de proteção de direito líquido e certo, não garantido por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder (redundância desnecessária) for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (Constituição, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, art. 5º, LXIX).

II - A autoridade impetrada. O ato coator.

A refletir no plano da legislação comum, que não pode discrepar do comando constitucional, temos que na lei vigente, em seu artigo 1º, com pequenas modificações do texto do estatuto anterior, o mandado de segurança deverá ser concedido sempre que, ilegalmente, alguém sofrer violação, ou justo receio de sofrê-la, de seu direito líquido e certo, “por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

A complementar o exame da norma, no § 1º, daquele dispositivo, tem-se que se equiparam às autoridades para os efeitos da lei, “os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público.”

Neste ponto, o legislador atendeu às construções doutrinárias e jurisprudenciais, que, a ampliar o elenco legal, entendiam agirem aquelas autoridades igualadas às autoridades públicas como tal, a merecer portanto a equiparação anunciada na lei, e a se tornarem passíveis de serem conceituadas como autoridades impetradas no mandado de segurança.

As autoridades públicas tais como aquelas equiparadas são as autoridades impetradas no mandado de segurança, mas não são elas as partes passivas na ação de mandado de segurança.

Este é o entendimento dos modernos autores, dentre os quais, lembramos Humberto Theodoro Júnior, que em poucas palavras, a comentar a nova lei, doutrina:

“O mandado de segurança é proposto, diretamente, em face da autoridade que praticou o ato abusivo, a quem se determinará, em lugar da tradicional contestação, a prestação de informações no prazo da lei. Com isso, há quem entenda que o sujeito passivo, na espécie, seria a própria autoridade, e não a pessoa jurídica de direito público em cujo nome se praticou o ato impugnado, isto é, a União, o Estado, o Município, etc. Essa visão, todavia, é equivocada e acha-se completamente superada no atual estágio da doutrina do mandado de segurança.”2

Esta já era a opinião respeitada de Celso Agrícola Barbi3, a formar na corrente de Seabra Fagundes, Castro Nunes e Themístocles Cavalcanti, contrária ao entendimento de Lopes da Costa, Alfredo Buzaid, Hely Lopes Meirelles e outros (confira-se a notícia do dissídio doutrinário em artigo recente de João Batista Lopes4 e no livro sobre o mandado de segurança do próprio Celso Agrícola Barbi).

Recordemos a divergência que pode ainda não estar totalmente afastada. Celso Agrícola Barbi, na verdade, sem esconder a controvérsia, expunha:

2 O Mandado de Segurança segundo a Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 6. 3 Do mandado de Segurança, 5a. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, ps. 183/188.4 Sujeito passivo no mandado de segurança, in “Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado de Segurança 51 anos depois”, São Paulo, RT, 2002 (obra coletiva coordenada por Cássio S. Bueno, Eduardo A. Alvim e Teresa A. A. Wambier), ps. 410/421.

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“... a parte passiva no mandado e segurança é a pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence a autoridade apontada como coatora. Como já vimos anteriormente, o ato do servidor público ou de pessoa em função delegada é ato da entidade pública a que ele se subordina. Seus efeitos se operam em relação à pessoa jurídica de direito público. E, por lei, só esta tem ‘capacidade de ser parte’ no nosso direito processual civil.”

Para não deixar que se pense em contradição de sua parte, adiante esclarece:“UM CASO ESPECIAL – Situação diversa, porém, existe quando se tratar de

pessoas de direito privado, com funções delegadas de poder público, pois, então, parte passiva serão aquelas e não o Poder Público” 5.

É esta também a situação dos dirigentes de estabelecimento particular de ensino, ao praticar ato no exercício de atribuições do poder público. Tratando-se do desempenho de uma atribuição delegada, cabe o pedido de segurança6.

Interessante relembrar a reviravolta confessa na posição de Lúcia Valle Figueiredo:

“Dizia-se, anteriormente, que a parte passiva do mandado de segurança era a autoridade coatora. Depois, começou-se a afirmar que a parte passiva, o sujeito passivo do mandado de segurança, realmente, seria quem devesse suportar os ônus decorrentes da concessão da ordem. Sempre que houver concessão de ordem, quem efetivamente suportará os ônus, os incômodos dessa concessão, é o sujeito passivo do mandado de segurança.

Resta, pois, o problema da autoridade coatora.Modifiquei minha posição para adotar a daqueles que enfatizam ser parte a

pessoa de direito público e não, apenas, litisconsorte passivo necessário. A autoridade coatora teria, então, apenas o dever de informar.”7

A autoridade impetrada ou coatora, portanto, é apenas a autoridade pública ou equiparada legalmente que praticou o ato impugnado, a quem cabe, no procedimento, simplesmente, prestar informações.

O ato coator é aquele praticado (comissivo) ou que deixa de ser praticado (omissivo), ilegalmente, por pessoa que age em nome do Poder Público ou em função delegada daquele poder, capaz de ameaçar ou violar direito líquido e certo de alguém.

O Juiz Federal Antonio César Bochenek diz ser o ato coator “o ato comissivo ou omissivo praticado por pessoa que representa a administração pública direta ou indireta, ou ainda em função delegada a serviço do poder público e fere direito liquido e certo, negando-lhe, impedindo, ou o ofendendo diretamente ou em ameaça.” E recorda que, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a pessoa é investida de uma parcela de poder público; Hely Lopes Meirelles acentua que toda manifestação ou omissão é do próprio Poder Público; Rodolfo Mancuso afirma que o ato se afigura revestido de um império; e para Sérgio Ferraz cuida-se de ato de autoridade ou agente no exercício de atribuições do Poder Público8.

Mas – aqui questionamos -, o árbitro, na condução de uma arbitragem e na resolução da controvérsia nela posta, agiria em nome do poder público ou em função

5 Ob. cit., ps. 187/188.6 Mandado de Segurança e Ações Constitucionais, Hely Lopes Meirelles, Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, com a colaboração de Rodrigo Garcia da Fonseca, 32a. ed, São Paulo, Malheiros, 2009, ps. 49/50. 7 A autoridade coatora e o sujeito passivo no mandado de segurança, in “Mandado de Segurança”, obra coletiva coordenada por Aroldo Plínio Gonçalves, Belo-Horizonte, Del Rey, 1996, ps. 128/129.8 A autoridade coatora e o ato coator no mandado de segurança individual, in obra coletiva citada na nota 3, retro, ps. 38/88.

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delegada deste ?; estaria investido de alguma parcela do poder público ?; os atos por ele praticados na administração, condução ou solução da arbitragem se revestiriam, em algum momento, de alguma manifestação de “império” ?; enfim, estaria o árbitro no exercício de uma função pública ? Pensamos que não – todas as indagações formuladas merecem uma resposta negativa -, e é o que pretendemos demonstrar neste estudo. III - A arbitragem como meio privado de solução de controvérsias e sua ordem jurídica.

Traçadas estas linhas iniciais, vejamos, também em considerações muito gerais, em que consiste a arbitragem como meio optativo, privado, de solução de controvérsia. Trata-se de instituto antigo no direito brasileiro que se revestiu de nova e atualizada roupagem nas duas últimas décadas, após seu reordenamento através da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, integralmente declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do AgRgSE 5.206-7 ES, e inserção definitiva do Brasil, na arbitragem internacional, após a promulgação (Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002) da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958 (Convenção de Nova Iorque).

A arbitragem é um meio adequado à solução de litígios pela via extrajudicial, ou, mais propriamente, pela via privada, através de árbitros livremente escolhidos pelas partes. A via arbitral, extrajudicial, não é delegada pelo poder público, detentor da via judicial de solução de controvérsias.

Trata-se de um meio adequado de solução de litígios, onde as partes, como dissemos, escolhem os árbitros e estes os julgam, idéia encontrada na literatura, sob a forma voluntária, em Jean Baptiste Racine (“Je vou fais notre arbitre, et vous nous jugerez”, Britannicus, acte IV, scène II, 1669).9

Charles Jarrosson assim define o instituto:“L’idée d’arbitrage est liée très étroitement à celle de justice privée. L’arbitre,

juge privé choisi par les parties, relève d’une acception ancienne mais toujours en viguer. C’est essentiellement cette forme d’arbitrage qui intéresse le droit. On lui reconnaît maintenant très généralement une nature mixte : conventionnelle par son origine, juridictionnelle par sa fonction. Ces caractères se retrouvent dans la définition même de l’arbitrage. Ainsi pour Motulsky, l’arbitrage ‘est une justice privée dont l’origine est normalement conventionnelle‘.”10

Jean Robert, em sua definição, reforça, como todos autores franceses, a idéia de justiça privada:

“§ 1° : Dèfinition de l’arbitrage.1. On entend par arbitrage l’institution d’une justice privé grâce à laquelle les litiges sont sustraits aux juridictions de droit commum, pour être résolus par des individus revêtus, pour la circonstance, de la mission de les juger.C’est la loi même qui, en détermine les modalités d’exercice, et par conséquent le favorise.”11

O notável trio de arbitralistas Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman, em seu Tratado, adota a definição do primeiro (jurista, assim como o último

9 O drama de Racine, obviamente, não é contemporâneo de nossa época, mas o dramaturgo é lembrado porque, antes, havia uma tendência à arbitragem comercial ser compulsória (na França e no Brasil).10 La notion d’arbitrage, Paris, LGDJ, 1987, ps. 5/6.11 L’ARBITRAGE droit interne droit international privé, 5a, ed. Paris, Dalloz, 1983, p. 3.

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citado, já falecido), a expor que “par l’arbitrage, les parties conviennent de soumettre leur différend au jugement de particuliers qu’elles choisissent”12

Os autores filiados à commom law, de modo mais pragmático, dizem: “Arbitration is a system, voluntarily adopted by parties do decide their disputes, in which an impartial arbitrator, after hearings, issues a legally enforceable award.”. É a definição do advogado americano James Acret.13. Outros autores tratam a arbitragem como um método (method) de solução de disputas através de sentença com efeito obrigatório (final and binding resolution), conforme dizem os advogados Clarence R. Deitsch e David A. Dilts.14

Na literatura francesa, encontra-se, como é comum entre nós, o tratamento de “instituição” reservado à arbitragem, enquanto na doutrina americana a arbitragem é um “sistema”, ou um “método”. Na verdade, importa entender que se trata de uma via de solução de diferenças escolhida voluntariamente pelas partes que incumbem terceiros (particulares) de resolver a questão, produzindo uma sentença final e obrigatória, por força de lei.

Em tais ordens jurídicas, domésticas ou internacional, o Estado não participa porque sua jurisdição é afastada. O juízo estatal apenas colabora para garantir a imposição de medidas acauteladoras e conferir efetividade à decisão do juízo arbitral, se não cumprida pela parte obrigada a tal.

Outra observação importante, ora reiterada: a natureza da arbitragem é convencional pela origem e jurisdicional pela sua função, visto caber aos árbitros dizer o direito como juízes que examinam o fato e aplicam o direito.

Porém, qual é mesmo a natureza jurídica da arbitragem? A pergunta é importante porque dela se reflete uma luz sobre a natureza jurídica do árbitro. A Ministra Nancy Andrighi, emérita jurista e professora de direito processual, em voto proferido no CC 113.260-SP, de cujas conclusões lamentamos discordar15, formulou judiciosas considerações sobre o tema, a partir do conceito de jurisdição16, para, em

12 Traité de l’arbitrage commercial international”, Paris, Litec, 1996, ps. 11/12.13 Construction Arbitration Handbook, Colorado Springs, Shepard’s/McGraw-Hill, Inc., 1985, p. 1. 14 “Arbitration is one of several methods commonly used in the United States to resolve industrial relations disputes.” Trecho encontrada In The Arbitration of Rights Disputes in teh Public Sector , New York, Quorum Books, 1990, p. 27. 15 Em artigo publicado na Revista Consulex, n. 344, de 15.05.2011, e em comentário ao acórdão respectivo publicado na Revista Brasileira de Arbitragem n. 29, jan/fev/mar 2011, chegamos à conclusão de que a maioria da Segunda Seção do STJ decidiu corretamente, ao entender não competir àquela Corte Superior apreciar conflito de competência entre câmaras arbitrais, ao contrário do entendimento da e. Relatora.16 “O conceito de jurisdição foi amplamente debatido pelos estudiosos que se dedicaram, notadamente na Itália na primeira metade do último século, a estabelecer as bases do processo civil moderno. De todas as opiniões defendidas nesse primeiro período de debates, ganharam mais destaque as de Chiovenda, Carnelutti e Allorio, formuladas sempre para traçar os limites entre as atividades jurisdicional e administrativa. Em síntese, segundo Chiovenda, a atividade jurisdicional se caracterizaria pela atuação da vontade concreta da lei, emanada de um órgão estatal em substituição à atuação das partes. A teoria criada por Carnelutti, após algumas adaptações motivadas pelas críticas que recebeu, estabelece que na atividade jurisdicional se realizaria na justa composição de uma lide, caracterizada por uma pretensão resistida (processo de conhecimento) ou insatisfeita (processo de execução). Por fim, Allorio vê na aptidão para a formação da coisa julgada o elemento caracterizador da jurisdição (v., por todos, SILVA, Ovídio A. Batista da Silva e GOMES, Fábio, Teoria Geral do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 60 a 74). Cada uma dessas três escolas se ramificou e a maioria dos estudiosos que se dedicam ao tema hoje desenvolve teses que representam, em maior ou menor medida, variações dessas idéias iniciais.Vale mencionar, contudo, que há ainda uma quarta linha de pensamento para definir a jurisdição e essa linha encontra, no Brasil, um defensor de escol. José Ignácio Botelho de Mesquita sustenta, em sua

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seguida, acentuar que “..., a sentença arbitral tenderia à justa composição de uma lide, à medida que o procedimento se desenvolve com base numa pretensão resistida, a ser decidida por terceiro imparcial. E, por fim, na arbitragem também haveria a atuação da vontade concreta da lei, em substituição à vontade das partes (a vontade só atua na fixação da convenção de arbitragem)”, e, finalmente, concluir que “os argumentos da doutrina favoráveis à jurisdicionalidade do procedimento arbitral revestem-se de coerência e racionalidade.”

Arremata, por derradeiro, a culta Magistrada:“Não há motivos para que se afaste o caráter jurisdicional dessa atividade”.Efetivamente, ainda na doutrina francesa colhemos esta conceituação de

Matthieu de Boisséson : “L’arbitrage est l’institution par laquelle les parties confient à des arbitres, librement designes par elles, la mission de trancher leurs litiges.”

E a comentar sua definição diz o renomado autor:“Cette définition, traditionnelle mais sommaire, révèle d’emblée la nature

composite de l’arbitrage, qui présent un aspect contractuel, en raison des conventions d’arbitrage qui lui donnent naissance, juridictionnel, en raison de la sentence qui l’achève, et procédural en raison du déroulement d’une véritable ‘instance arbitrale’”17.

A natureza compósita da arbitragem, portanto, para o citado autor, revela a presença de um aspecto contratual, em seu nascedouro, jurisdicional, em face da sentença que a finaliza, e, até, processual, em razão do desenrolar de uma verdadeira instância arbitral.

Entre nós, as correntes sobre a natureza jurídica da arbitragem são basicamente três: privatista ou contratual, publicista ou jurisdicional e mista. Micaela Barros Barcelos Fernandes, autora de monografia sobre o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras, expõe com referência às fontes consultadas os juristas brasileiros que compõem aquelas correntes; assim, para aquela autora, a primeira, dos privatistas, é composta por juristas de formação processual (Bermudes, Greco, Frederico Marques, Athos, Alexandre Câmara e o Juiz Antonio Correa, dentre outros), e lembra Chiovenda como seu expoente máximo; a segunda, tem em seus quadros os publicistas, alguns processualistas e internacionalistas (Carmona, Sálvio, Humberto Theodoro, Nelson e Rosa Nery, Demócrito Reinaldo Filho e Hermes Marcelo Huck); finalmente, a última corrente que reúne aqueles que consideram a arbitragem “a um só tempo contrato e processo” (Selma Lemes, Lilian F. Da Silva, Sérgio P. Martins e o saudoso Guido F. S. Soares)18

Mas não é só, como diz a autora por último citada, a referir a existência de uma quarta corrente, há a dos defensores da autonomia da natureza jurídica da arbitragem, consoante teoria desenvolvida por Madame Jacqueline Rubellin-Devichi, autora de um ensaio (tese) sobre a natureza jurídica da arbitragem, publicado em Lyon, nos idos de 1964.

A mencionada professora de Lyon, nas conclusões de seu trabalho, após lembrar que a arbitragem assume uma função própria, tanto em direito interno como em direito internacional, assim conclui sua tese:obra mais célebre (Da Ação Civil, São Paulo: RT, 1975), que a nota característica da atividade jurisdicional não está na solução das controvérsias, pelo juiz, mas na atuação concreta do direito. Assim, o Estado só exerceria a jurisdição quando toma medidas que, no plano dos fatos, provoquem alguma alteração, a exemplo do que ocorre no processo de execução de sentença.” – são palavras da douta Ministra no citado voto.17 Le droit français de l’arbitrage interne e international, Paris, GLN-éditions, 1990, p. 5.18 Laudos Arbitrais Estrangeiros Reconhecimento e Execução Teoria e Prática, Curitiba, Juruá Editora, 2003, ps. 29/33.

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“La nature particulière de l’institution se manifeste ici avec force: seul un régime original, libéré de la notion de contrat comme de celle de juridiction, permettrait de concilier la rapidité necessaire ainsi que les garanties que les parties sont en droit d’exiger.

Pour permettre à l’arbitrage de connaître le développement qu’il mérite, tout en le maintenant dans de justes limites, il faut admettre, croyons-nous, que sa nature n’est ni contractuelle, ni juridictionnelle, ni hybride, mais autonome.”19

A arbitragem, como instituição, efetivamente, tem uma fisionomia própria, original e específica.

Neste patamar, é válido especular sobre as idéias de Thomas Clay, em sua premiada tese intitulada L’Arbitre20. Defende o autor a existência de uma ordem jurídica arbitral (Présence d’un ordre juridique arbitral), em face dos trabalhos de Santi Romano21 a demonstrar que todo corpo social é portador de direito (porteur de droit)22, ou tem seu direito próprio, diríamos, nos limites permitidos pela ordem jurídica estatal.

A definir a ordem jurídica arbitral, afirma Thomas Clay que essa ordem se caracteriza por sua autonomia e por sua transnacionalidade (com referência à última característica, as regras que as constituem – diz o citado autor - não são resumíveis àquelas de ordem interna, nem mesmo internacional, pois a ordem arbitral se compõe de regras que podem pertencer a estas duas ordens jurídicas, mas também de regras autônomas).

A respeito da primeira característica - autonomia, que nos interessa neste estudo posto que o autor se reporta à ordem arbitral interna (de cada país, portanto), reproduzimos suas palavras no original:

“En premier lieu, l’ordre juridique arbitral se caractérise par son autonomie. Il n’est rattachable ni à un ordre juridique interne – même dans l’arbitrage interne – ni à un ordre juridique international puisqu’il prend ses racines dans la volonté des

19 L’ARBITRAGE Nature Juridique Droit Interne et Droit International Privé, Jacqueline Rubellin-Devichi, Paris, LGDJ, 1965, p. 365.20 L’Arbitre, Paris, Dalloz, 2001.21 Os trabalhos de Santi Romano estão expostos, amplamente, em sua obra intitulada no original L’Ordinamento Giuridico, publicada em 1918, e, em segunda edição, em 1946; aquelas idéia encontram-se, ainda, sumariadas em seu livro Princípios de Direito Constitucional Geral, traduzido entre nós por Maria Helena Diniz e publicado pela Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, em cujas ps. 75/76 encontramos esta passagem:“A definição do Estado como ordenação jurídica não se completaria se não se ressalvasse que ele nada mais é senão uma das várias ordenações jurídicas que podem existir e que na realidade existem. Advém de uma transposição na teoria do direito positivo da concepção naturalista do direito: a opinião, presentemente freqüentíssima mas que não se pode fazer datar além dos primórdios do século XVIII, pela qual a ordenação jurídica seria só aquela estatal; as demais apenas poderiam ser jurídicas por reflexo quando instituídas ou ao menos reconhecidas pelo Estado. O direito natural pode ser uno e absoluto, mas as demais ordenações positivas são, evidentemente, tantas quantas forem os corpos sociais em que se concretizam. O direito internacional, por exemplo, é a ordenação da comunidade internacional, o direito canônico é a ordenação da Igreja, e nem um, nem outro emanam ou dependem do Estado. Não se pode considerar de outro modo sem entender mal a natureza destes dois direitos; muito mais lógico seria, por certo, negar-lhe a existência, como freqüentemente se tem feito, com extrema coragem, mas isto equivaleria a fechar os olhos para não ver”.Esta concepção do direito, que superava o aspecto puramente normativo para chegar a uma noção institucional, conforme observação de Paolo Biscaretti Di Ruffia, prefaciador da edição brasileira, encontrou ampla acolhida com a constatação de que “a ordenação jurídico-estatal não era senão uma entre tantas ordenações jurídicas que caracterizaram o mundo contemporâneo (a assim chamada ‘teoria da pluralidade das ordenações jurídicas)”.22 Ob. cit., ps. 211/212.

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parties. L’origine légale de l’arbitrage n’est du reste pas contradictoire avec l’autonomie de l’ordre juridique arbitral. Il faut en effet se garder de confondre le droi applicable à l’investidure de l’arbitre avec le droit que celui-ci applique une fois qu’il est investi.

Malgré son autonomie, l’ordre juridique arbitral n’est pás en situation d’´irrelevance`, comme dirait Santi Romano pour temoigner des liens conflictuels entre les différents ordres juridiques. Autonomie, mais pas indépendant, l’ordre juridique arbitral est en effet tributaire de l’ordre étatique à fois pour l’utilisation des règles étatiques et pour recourir à la force publique.”23

A doutrina nacional não é refratária à existência da ordem jurídica arbitral. A já citada autora Micaela Barros Barcelos Fernandes, ao defender a autonomia da natureza jurídica da arbitragem, acentua que a arbitragem “tem fundamento e desenvolve-se com base nas suas próprias e específicas regras, as quais ainda que possam ter similaridades com determinados sistemas jurídicos estatais, não são, necessariamente, vinculadas a eles”. E acrescenta:

“Se esta teoria já vem ganhando força no campo da arbitragem interna, é especialmente corroborada na seara internacional, em que se admite com mais facilidade a completa desvinculação do procedimento arbitral ao Estado no qual ele está sendo realizado, o que se justifica pela internacionalidade da relação jurídica envolvida na arbitragem, e pelo fato de o tribunal arbitral não integrar o Poder Judiciário local.”24

A refletir sobre o tema, temos que as razões que justificam a existência de uma ordem jurídica arbitral internacional teem inteira pertinência, quando aplicáveis igualmente à constatação de uma ordem jurídica arbitral interna, ainda que consentida pelo Estado. Entre nós, basta salientar que as partes, assim como os árbitros, tanto na arbitragem interna como na internacional, são livres para, na solução das controvérsias submetidas à arbitragem, adotar o direito de qualquer Estado ou mesmo os princípios gerais de direito, os usos e costumes comerciais (lex mercatoria), as regras internacionais, tais como a Convenção de Viena de 1980 sobre compra e venda internacional de mercadorias, as regras de direito sobre contratos da Unidroit, etc25.

É, com efeito, o que dispõe claramente o § 1º do art. 2º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996):

“Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.”

E, em complemento, prescreve o § 2º da mesma norma daquela lei:“Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base

nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.”

23 O. cit., p. 215.24 Ob. cit. p. 34.25 Confessamos que já manifestamos nosso receio no sentido de admitir entendimento de tal natureza, porém estamos, hoje, convencidos de que a lei brasileira é aplicável a ambas modalidades de arbitragem, interna e externa, não faz nenhum distinção, entre elas, a respeito da lei aplicável ao mérito na arbitragem, e, em outra oportunidade, ampliaremos nossa motivação. Recordamos, por enquanto, o precedente da 7a. Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, ao julgar em 24.09.2002 o Agravo de Instrumento nº 1.111.650-0, Rel. Waldir de Souza José, assim ementado: “1) arbitragem – constitucionalidade – contrato de agencia contendo cláusula que impõe a resolução dos conflitos no juízo arbitral, segundo o direito Francês – validade – inteligência do art. 2º da lei nº 9.307/96 – incidência do princípio da autonomia da vontade – 2) inépcia da inicial – ilegitimidade passiva – inocorrência – inicial que preenche os requisitos legais – alegação de existência de contrato verbal de representação comercial – cabimento – recurso parcialmente provido.”

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Com relação ao procedimento arbitral, prepondera a mesma liberdade, sendo as partes e, na falta de escolha, os árbitros livres para escolher as regras procedimentais (“A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”, art. 21 da Lei de Arbitragem).

IV - O árbitro.

O árbitro é a figura central da arbitragem. A qualidade da arbitragem depende da qualificação do árbitro, de seu empenho, de sua perspicácia, portanto, da qualidade do árbitro. Segundo Thomas Clay, a arbitragem é governada por uma regra de ouro: “Tant vaut l’arbitre, tant vaut l’arbitrage”26

O árbitro é livre e independente (obviamente, também deve ser imparcial) e não se vincula a nenhum fração do Poder do Estado, salvo à observância da lei, ou tratado, aplicável no local da arbitragem, e ao cumprimento do seu contrato com as partes, para desincumbir-se de sua missão na arbitragem.

Destacamos, principalmente, na ressalva posta no período anterior, os princípios da lei de regência porque, evidentemente, a arbitragem é consentida pela ordem jurídica estatal, dês que assegurada a igualdade entre as partes e respeitado o contraditório, qualquer que seja a forma do procedimento (lei processual ou regulamentação privada), o que confere a esta instituição, inclusive, a capacidade de resolver a diferença entre partes de forma definitiva, com a proteção da coisa julgada.

Para tal missão, os árbitros são escolhidos e através de um contrato específico civil e não comercial, consoante observa Selma Lemes27, são solicitados para resolver o conflito entre as partes e emitir um julgamento equiparado a uma sentença e capaz de, se condenatório, produzir um titulo executivo.

Sobre esse contrato, que guarda suas raízes no “receptum arbitrii” do direito romano28, dizia-se que, por analogia, seria um mandato, ou, ainda, um contrato de agencia ou de locação de serviços; na doutrina francesa, Matthieu de Boisséson, a examinar a relação entre árbitro e partes, diz a que aceitação do encargo caracterizaria um “contrato de investidura” e Jean Robert ao contrato se refere como um “tissu d’obligations réciproques” (Selma Lemes traduz a expressão como um “emaranhado de relações recíprocas”).

Lembra a autora citada que, na doutrina, ainda se encontra a denominação de “contrato de jurisdição”, que seria uma tradução literal do alemão “schiedsrichtlichtervertrag”, na França e no Brasil, depara-se com a denominação de 26 Ob. cit., p.10 (No prefácio da obra, subscrito por Philippe FOUCHARD, o renomado e saudoso mestre da Universidade Panthéon-Assas – Paris II, destaca que aquela regra é, ao mesmo tempo, o ponto de partida e a melhor justificativa da obra que lhe foi muito agradável apresentar). 27 Árbitro Princípios da Independência e da Imparcialidade, São Paulo. Ltr, 2001, p. 49.28 José Carlos MOREIRA ALVES, in Direito Romano, Tomo II, 6a. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, relata que, entre os pactos pretorianos, havia os que geravam relações obrigacionais, tais como os receptum arbitrii. São do autor estas palavras: “quando duas pessoas em litígio concordam em decidi-lo por um árbitro por elas escolhido, isso será possível mediante a utilização de dois pactos distintos: - um, entre os litigantes, que é o compromissum (pelo qual as partes acordam na escolha do árbitro, estabelecem o objeto do litígio, e se comprometem a acatar a decisão, fixando uma poena para a hipótese contrária), que, no direito justinianeu, é um pactum legitimum (vide, adiante, letra C, a); e – outro, entre as partes litigantes e o árbitro – esse pacto é o receptum arbitrii, pelo qual o árbitro se compromete a dirimir a controvérsia dentro de certo prazo; o receptum arbitrii era sancionado pelo pretor com meios administrativos – como, por exemplo, multa – fundados em seu imperium; ...” (ob. cit., p. 200).

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“contrato de arbitragem” (Hamilton de Moraes e Barros), mas a nossa autora, no trabalho consultado, parece preferir a expressão “contrato de investidura”29

Da posição do árbitro na arbitragem, de sua liberdade e independência, bem assim da origem privada de seu contrato, seja de investidura, seja simplesmente de arbitragem, deduz-se com facilidade que ele não representa nenhum órgão público, nem age em nome de nenhum organismo do Poder Público ou projeção daquele mesmo Poder, conforme salientamos anteriormente, e, portanto, não aplica a norma ou interpreta o contrato, ou, ainda, não decide o conflito investido de qualquer poder estatal. Simplesmente, decide porque as partes o escolheram para resolver o conflito.

Incorre em grave equívoco quem imagina ou proclama que o exercício da jurisdição do árbitro é fruto de uma permissão, delegação ou concessão da jurisdição estatal. Trata-se de um exercício legítimo de jurisdição, independente, no âmago da ordem jurídica arbitral, existente, como vimos, tanto quanto outras ordens, conforme as lições de Santi Romano, por força de lei, e instituída pela vontade das partes.

Por outro lado, a equiparação legal da sentença judicial à decisão arbitral, não transforma o árbitro em juiz estatal, pois ele termina sua missão passageira de árbitro e continuará sendo apenas um cidadão comum, um jurista, um técnico, um professor ou um advogado.

Diz-se, ainda, que o árbitro, uma vez equiparado ao funcionário público para os efeitos da legislação penal (art. 17, da Lei n. 4.307/96), estaria a agir como autoridade, isto é, atuaria em nome ou como delegado do poder público. Porém, tal afirmação não é exata.

A norma contida na lei de arbitragem, como ensina Carmona, pretendeu apenas conferir maior confiabilidade ao juízo arbitral, a proporcionar às partes uma decisão isenta de “deturpações e desvios.” Nada mais do que isso.

E, de outro prisma, não teria o condão de transformar o árbitro em autoridade. Lembre-se que o “administrador judicial”, figura que, na nova legislação de recuperação de empresas e falências, veio a substituir o comissário e o síndico, também, segundo a doutrina falimentar e penal, se equipara ao funcionário público, para efeitos penais, sem ser, no entanto, considerado autoridade para qualquer finalidade.

No mesmo sentido, o médico credenciado pelo sistema único de saúde, SUS, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, manifestado no RHC 90.523/ES, é, nas suas faltas penais, equiparado ao funcionário público consoante dispõe o artigo 327 do Código Penal.

Nota-se, ainda, que mesmo na chamada “arbitragem institucional”, hipótese em que há uma entidade (câmara ou centro de arbitragem) incumbida da administração da arbitragem, nenhum vínculo há entre esta e o árbitro, de sorte que os ônus de uma eventual ação mandamental, acaso possível, não teriam sobre quem recair.

A figura do árbitro, destarte, jamais poderá ser confundida com a de uma “autoridade pública”, passível de ter seus atos sujeitos a uma cassação ou modificação, através da ação de mandado de segurança. O controle de seus atos, na verdade, fica sujeito apenas ao controle posterior do Estado, através da ação própria de nulidade da sentença arbitral, com esteio na Lei de Arbitragem, uma vez verificadas as nulidades previstas no seu artigo 32, ou ainda através da ação de embargos.

V - Uma rápida visão do direito comparado.

29 Ob. cit., pp. 48/51.

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A interposição de mandado de segurança contra ato de árbitro ou de tribunal ou colegiado de árbitros tem sido tentada. Em raras oportunidades, é certo, mas sem êxito de que tenhamos conhecimento, pelo menos, entre nós. Do mesmo modo, em outros países onde existe instituto jurídico semelhante, no caso o “amparo”, tentativas são registradas, em especial contra a execução de sentenças arbitrais.

Na Espanha, não há notícia de medidas de tal natureza; aliás, o recurso de amparo, naquele País, é interposto contra os “poderes públicos”, isto é, os poderes do Estado espanhol, carecendo os particulares de legitimação passiva para comparecer ao procedimento constitucional de amparo, ao excluí-los de tal qualidade o artigo 41,2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, de 197930.

No Uruguay, a lei que disciplina a ação de amparo (Lei 16.011/1985), claramente exclui a arbitragem de seu âmbito. Rubén Flores Dapkevicius, em artigo intitulado “El amparo en la República Oriental del Uruguay”, assegura que são situações excluídas daquele estatuto: “si el acto es de naturaleza jurisdicional pero se dicta en un processo voluntario, la acción no es procedente, tampoco procede en el supuesto del arbitraje privado.”31

Na Argentina, o tema apresenta certa dificuldade, pelo menos, para nós, pois existem os amparos da ordem nacional e os provinciais, por força das competências atribuídas tanto ao governo central como às províncias. Além do mais, são feitas diferenças entre o recurso de amparo e a ação de amparo. Rafael Bielsa, por exemplo, ensina que “El recurso presupone decisión de autoridad, a diferencia de la acción, que supone um derecho lesionado, no importa por quien.”32

Alí Joaquin Salgado, em monografia sobre o instituto, assinala que: “En la primera parte de esta obra abordaremos el tratamiento del amparo, tanto contra la autoridad pública, como contra los simples particulares, para encarar en su segunda parte la acción de inconstitucionalidad”; e logo adiante, justifica: “Tanto la autoridad pública como otros sujetos, com personalidad jurídica o sin ella, que acumulan un enorme poder material o econômico, asumen frente a los simples particulares una concentración desproporcionada de poder”.33

Na Venezuela e no México, os autores registram iniciativas de anulação ou cassação de laudos arbitrais, com o esclarecimento de que, no País vizinho, os amparos são utilizados para alegações de inconstitucionalidade da arbitragem, fundamento que, entre nós, não mais tem possibilidade de vingar em nenhuma espécie de ação ou de medida judicial.

No México, faz-se uma distinção entre o amparo direto e o amparo indireto, o último, requerido contra ato da autoridade judicial, no exercício de seu império, por exemplo, para autorizar a execução de um laudo que por alguma razão venha a

30 “Artículo cuarenta y uno: 1. Los derechos y libertades reconocidos en los artículos 14 a 29 de la Constitución serán susceptibles de amparo constitucional, en los casos y formas que esta Ley establece, sin perjuicio de su tutela general encomendada a los Tribunales de Justicia. Igual protección será aplicable a la objeción de conciencia reconocida en el artículo 30 de la Constitución. 2. El recurso de amparo constitucional protege, en los términos que esta ley establece, frente a las violaciones de los derechos y libertades a que se refiere el apartado anterior, originadas por las disposiciones, actos jurídicos, omisiones o simple vía de hecho de los poderes públicos del Estado, las comunidades autonomas y demás entes públicos de carácter territorial, corporativo o institucional, así como de sus funcionarios o agentes. 3. En el amparo constitucional no pueden hacerse valer otras pretensiones que las dirigidas a restablecer o preservar los derechos o libertades por razón de los cuales se formuló el recurso.”31 Revista IUS, no. 27, Puebla, ene/jun. 2011.32 El Recurso de Amparo, Buenos Aires, Depalma, 1965, p. 61.33 Juicio de amparo y acción de inconstitucionalidad, Buenos Aires, Astrea,1987, ps. 4/5.

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contrariar uma garantia fundamental, é, em tese, admitido; o direto, entretanto, interposto em afronta ao ato do árbitro, não é admitido, exatamente, porque o árbitro não é autoridade.

Neste sentido são as palavras de James A. Graham, deste teor:“¿El árbitro es una ‘autoridade responsable’ en el sentido de la ley de amparo?

En una primera lectura, la respuesta tiene que ser negativa, porque el árbitro de ninguna manera ‘dicta, publica, ordena, ejecuta o trata de ejecutar la ley’; él dice qual es la ley entre las partes, pero no la ejecuta. En otras palabras, él tiene el jurisdictum, pero no el imperium.”

Logo adiante, arremata o mesmo autor:“Aplicando el concepto al arbitraje, la Suprema Corte concluyó desde 1942:‘La resolución dictada por un árbitro privado no constituye un acto de

autoridad, por tanto no es susceptible de ser combatida mediante el juicio de amparo’.” 34

Vale a pena registrar, ainda, o estudo de Alfredo de Jesus O, intitulado La autonomia del arbitraje comercial internacional a la hora de la constitucionalización del arbitraje en América Latina35, de onde foram extraídas estas passagens:

“Al principio, como puede apreciar-se en el antecedente mexicano, el amparo constitucional fue concebido para proteger a las personas de las autoridades públicas, para protegerlos de los excesos de poder del Estado. Esta sigue sendo la tendencia en algunos países en los que está excluída la posibilidad de ejercer esta ación contra las personas privadas36, a diferencia de tantos otros que admiten esta posibilidad contra cualquier persona privada37 y otros que lo permiten contra algunas categorias de personas38”.

(.....)“El amparo constitucional latinoamericano abriría las vías puertas para que

una parte recalcitrante y hostil al arbitraje intente escaparse de los efectos obligatorios y obligaciones derivados del acuerdo de arbitraje por el simple hecho de alegar una violación constitucional. En este sentido, el amparo constitucional lationoamericano es un mecanismo capaz de traer a los arbibrajes comerciales internacionales con elementos latinoamericanos todo el bagaje cultural anglosajón de los anti-suit injunctions y los consecuenciales anti-arbitration injunctions. En todo caso, la posibilidad de anti-arbitration injunctions através de amparos constitucionales existe. La situación no es la misma en aquellos países que limitan el ejercicio del amparo constitucional contra las autoridades del Estado .....”

Reconhece, assim, o autor que a situação é diversa no Brasil, onde instituto semelhante ao amparo é limitado à defesa dos direitos da pessoa natural ou jurídica contra as autoridades do Estado.

Finalmente, com todo acerto, defende o autor o ponto de vista de que as relações entre juízes estatais e árbitros devem se limitar ao juízo de apoio (juge d’appuie),

34 La Figura Mexicana del Amparo en Materia de Ejecución de Laudos Arbitrales, artigo publica na Revista Brasileira de ARBITRAGEM, 4, out/nov/dez 2004, CBAr, pp. 100/109.35 Trabalho publicado na obra coletiva Estudios de Derecho Privado en Homenaje a Christian Larroumet, Coord. Fabrizio Mantilla Espinosa e Carlos Pizarro Wilson, Bogotá, Universidade del Rosario, 2008.36 Em nota de rodapé (126), diz o autor ser este o caso do Brasil, El Salvador, Guatemala, México e Panamá.37 Em nova nota de rodapé (127), diz o autor ser este o caso da Argentina, Chile, Costa Rica, Bolivia, Nicarágua, Paraguay, Perú, República Dominicana, Uruguay e Venezuela.38 Em mais uma nota (128), observa o autor ser este o caso da Colômbia, Equador e Honduras.

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como é o caso de algumas legislações modernas, dentre as quais a francesa e a portuguesa, e ao juiz de controle da arbitragem, conforme previsto nas respectivas legislações.

Na verdade, deve ser dito que, em alguns países sul-americanos, onde é bastante amplo o espectro do juicio de amparo, ou do chamado amparo constitucional, o ambiente, apesar das restrições da doutrina, é mais favorável ao amparo indireto contra laudos arbitrais, mas, nem mesmo assim, não é este o caso do Brasil, a respeito do mandado de segurança, como já acentuamos.

Por oportuno, lembramos que a impossibilidade de mandado de segurança contra ato de árbitro, na instância arbitral, não se resume à ausência da figura da “autoridade”, de conformidade com o conceito que a lei lhe dá, no Brasil. A interpretação sistemática da legislação da arbitragem e do direito processual autoriza o intérprete a proclamar que não prosperam entre nós as medidas processuais antiarbitragem.

“O direito brasileiro”, segundo conclui Rafael Francisco Alves, “apresenta obstáculos legais para a aceitação das medidas antiarbitragem. Cabe mencionar o próprio artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/96, bem como o artigo II.3 da Convenção de Nova Iorque. Muito embora esses dispositivos não tratem diretamente das medidas antiarbitragem, a sua aplicação nesse contexto deve-se a uma interpretação baseada nos objetivos que levaram o legislador brasileiro a colocar em vigor os dois diplomas legais em que estão inseridos.”

E, em seguida:“Se o propósito da promulgação da Lei 9.307 em 1996 e da ratificação da

Convenção de Nova Iorque em 2002 foi o de inserir o Brasil no circuito das práticas internacionais das arbitragens, como já dito, então é preciso ter claro que a aceitação das medidas antiarbitragem representaria um retrocesso no desenvolvimento que o instituto teve no país nos últimos anos. Essas medidas, como já dito, representam uma das mais sérias interferências do Poder Judiciário no desenrolar de uma arbitragem e, por isso, está na contramão da busca pela autonomia da arbitragem em relação às cortes estatais, talvez a mais importante faceta do movimento de universalização da arbitragem. É com o propósito de desenvolver a arbitragem no Brasil que devem ser interpretados os artigos 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/96 e o artigo II.3 da Convenção de Nova Iorque, tendo-os, assim, como obstáculos legais à prolação de medidas antiarbitragem no direito brasileiro.”39

As considerações até aqui feitas são oportunas tanto a propósito das arbitragens internacionais, como a respeito daquelas puramente nacionais, e se são inadmissíveis medidas antiarbitragem, a exemplo daquelas existentes no direito anglo-saxônico (anti-suit injunctions), mais fortes serão as objeções à interposição de mandado de segurança contra atos de árbitros ou de tribunais arbitrais, que não se subsumem ao conceito legal de “autoridade”.

VI - A questão no direito pátrio.

Em um dos recentes números da Revista de Mediação e Arbitragem, o Professor Arnoldo Wald, membro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI, de Paris e renomado advogado, comentou uma decisão liminar concessiva de pedido em mandado de segurança contra tribunal arbitral, constituído para arbitrar conflito solicitado perante a citada Corte da CCI, cuja arbitragem realiza-se em São Paulo, 39 A Inadmissibilidade das Medidas Antiarbitragem no Direito Brasileiro, São Paulo, Ed. Atlas, 2009, p. 251.

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bem assim abordou o sucessivo efeito suspensivo dado ao agravo interposto da decisão do primeiro grau pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, assim, afastou os empecilhos à continuidade da arbitragem.

Em seu comentário, deixou clara sua firme posição sobre o debate: o mandado de segurança pode ser manejado para garantir a realização da arbitragem, por exemplo, quando obstado por tribunais de contas ou autoridades do Poder Executivo, e concluiu:

“11. O que não se deve admitir, em princípio, é o uso do mandado de segurança para impedir o início da arbitragem ou interromper seu andamento, ou, ainda, para apreciar decisões interlocutórias proferidas no curso do processo arbitral.”

(....)“13. Assim, não cabe ao juiz togado proferir decisões em mandados de

segurança, ou em quaisquer outras ações judiciais, para impedir ou criar embaraços ao início, ao andamento ou à conclusão da arbitragem, pois a primeira oportunidade de julgamento da competência dos árbitros deve ser reservada a eles próprios, sob o crivo de um controle judicial a posteriori, exercido num segundo momento, após a prolação da sentença arbitral, mas nunca antes.

14. As partes na arbitragem não podem, pois, recorrer ao mandado de segurança, nem antes da sua instauração, para impedir a constituição do Tribunal Arbitral, nem durante o procedimento, nem após a conclusão da arbitragem, quando o que lhes cabe eventualmente é pedir a anulação da sentença, e, assim mesmo, tão somente nos casos expressamente previstos pelo legislador.”40

Foram, assim, ratificadas as considerações feitas pelo festejado autor, em companhia do Ministro Gilmar Mendes, na atualização da consagrada obra de Hely Lopes Meirelles, sobre o instituto do mandado de segurança, de onde são retiradas estas doutas observações:

“Já com relação às próprias partes na arbitragem, não nos parece que possam fazer uso do mandado de segurança contra decisões dos árbitros. Embora as sentenças tenham hoje a mesma força das sentenças judiciais e o árbitro seja juiz de fato e de direito da causa que lhe é submetida para apreciação, consoante determina a Lei n. 9.307/96, não é menos verdade que o árbitro carece de força coercitiva para impor suas decisões às partes. O poder de coerção continua reservado aos magistrados, membros do Poder Judiciário.”

(....)“É preciso ponderar que a submissão ao Poder Judiciário, pela via do mandado

de segurança, das questões entregues pela própria vontade das partes à via arbitral subverte a lógica da arbitragem, que deve ser solucionada de modo célere e fora do âmbito judicial. A arbitragem é guiada sobretudo pela autonomia da vontade das partes, que podem escolher a lei aplicável – ou mesmo a equidade, normas internacionais, e, até, princípios gerais do Direito, que constituem a ‘ordem arbitral internacional’ -, o procedimento e os próprios árbitros. A regra geral é no sentido de que as impugnações judiciais aos eventuais vícios do procedimento arbitral devem ser feitas a posteriori, tão-somente por ocasião do controle da validade da sentença arbitral final, pelos meios próprios.

Assim, o mandado de segurança não pode servir de veículo à “judicialização” da arbitragem. Não pode constituir uma forma de anti-suit-injunction, que não é mais admissível em nosso Direito.”41

40 Revista de Mediação e Arbitragem, ano 7, 26, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, julho – setembro de 2010, pp. 255/264.

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A consoar com a doutrina, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através de sua Câmara Reservada de Direito Empresarial, ao examinar e julgar a Apelação nº 0120145-96.2011.8.26.0100, confirmou decisão do primeiro grau, a julgar extinto, sem julgamento do mérito, mandado de segurança interposto contra árbitro da Associação Brasileira de Arbitragem, sob o fundamento de que o árbitro não é autoridade alcançada pela equiparação trazida pelo artigo 1º, § 1º, da Lei nº 12.016/2009.

Lê-se no acórdão da relatoria do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, como fundamento do decisum o seguinte:

“Outrossim, a equiparação às autoridades, trazida pelo § 1º, do art. 1º, da Lei nº 12.016/2009, ainda que interpretada de maneira extensiva, não tem o condão de alcançar árbitros, sobretudo tendo em vista que a Lei de Arbitragem prevê procedimento específico para eventuais casos de nulidade (art. 33, da Lei nº 9.307/96).”

É de esperar-se que tal precedente, ante seu acerto, venha a tornar-se um leading case da jurisprudência pátria.

VII - Conclusões.

Ante as considerações feitas nos diversos tópicos deste estudo, chegamos a claramente manifestar nosso entendimento de que, no direito brasileiro, nosso “mandado de segurança” não é cabível contra atos de particulares, pois a legislação sempre teve em mira facultar à pessoa propor a ação mandamental, garantia constitucional, ou seja, interpor o mandado de segurança, ante ameaça ou violação para a defesa de direito líquido e certo, contra “ato de autoridade”.

O mandado de segurança é medida judicial interposta contra a autoridade que praticou o ato nela impugnada, cuja cassação ou insubsistência é pleiteada, mas a parte passiva na ação mandamental não é a autoridade, mas sim a pessoa jurídica de direito público em cujo nome se praticou o ato impugnado, com interesse e legitimidade para recorrer.

Acontece que, na arbitragem, inexiste pessoa jurídica de direito público interessada ou legitimidade para ser parte no feito, porquanto o árbitro ou o tribunal arbitral é figura que não representa nenhuma pessoa com aquele matiz, nem recebe nenhuma delegação do poder público.

A arbitragem é meio privado de solução de controvérsia sujeito a uma ordem jurídica própria, a que o juízo estatal colabora para garantir a imposição de medidas acauteladoras e conferir efetividade à decisão do juízo arbitral, se não cumprida pela parte obrigada a tal.

A natureza jurídica da arbitragem marcha em direção a uma conceituação, como método ou instituição autônomo de solução de diferenças entre partes, embora sua jurisdicionalidade seja despida de império.

O árbitro eleito pelas partes exerce sua missão no sentido de proferir uma sentença, na conformidade da vontade daqueles que o escolheram, e, inclusive, de acordo com as regras de direito material a serem aplicadas, ou os princípios gerais de direito, os usos e costumes e as regras internacionais de comércio, dês que não violem aos bons costumes e à ordem pública, (art. 2º, §§ 1ºe 2º da Lei de Arbitragem), e, se assim quiserem as partes, com esteio na equidade.

41 Mandado de Segurança e Ações Constitucionais, 32ª Ed., São Paulo, Malheiros, 2009, pp. 55 e 56 (a obra contou ainda com a colaboração de Rodrigo Garcia da Fonseca).

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Na falta de escolha pelas partes do direito a reger o procedimento arbitral, ao árbitro cabe estipular seu regramento (art. 21, § 1º da Lei de Arbitragem) e, nos termos da disciplina adotada, sempre respeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento, colher as razões das partes, as provas, e, finalmente, proferir sua decisão vocacionada a transitar em julgado.

A arbitragem se inicia em face da aceitação do árbitro a sua indicação, surgindo daí o contrato de arbitragem, sem que aquele detenha qualquer resquício de autoridade.

No direito de alguns países latino-americanos nos deparamos com o emprego de garantia semelhante ao nosso mandado de segurança para obstar atos de tribunais arbitrais, consoante evidenciamos, todavia, não é o nosso caso, onde lei, doutrina e jurisprudência sobre o não cabimento do mandado de segurança contra ato de árbitro ou de colegiado de árbitros teem posição que se consolida, harmonicamente, no sentido de reconhecer a impossibilidade jurídica de nosso writ of mandamus na arbitragem.