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Naturalefevereiro/março - 2012

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Nesta edição da revista Naturale fa-rei uma reflexão sobre o Sagrado dentro do universo Maia, assunto de extrema relevância para essa civilização. Mas é claro que podemos pensar sobre es-sa questão em nossa sociedade, afinal estamos vivendo um tempo onde o sa-grado vem se transformando em profano quase todos os dias, pois infelizmente assistimos absurdos sociais constantes em nosso cotidiano.

A Civilização Maia era pautada pelo sagrado, sendo assim, todas as manifes-tações humanas eram materializadas por esse viés. Podemos citar exemplos pal-páveis na arquitetura, astronomia, arte, matemática, escrita, como também a religião que caminhava lado a lado com todos os conhecimentos desenvolvidos pelos Maias e todas essas ações, de for-ma objetiva, buscavam a perfeição.

No caso específico da arquitetu-ra, a busca pelo sagrado se traduzia em suas construções. O requinte, a beleza e a exatidão de cálculos observados nas pirâmides, templos e edifícios chegam a ser impressionantes. Podemos afirmar que os Maias, através dessas constru- ções, buscavam constantemente se as-semelhar aos deuses, lembrando que eles eram politeístas.

E como esse processo se dava? Bem, no imaginário desse povo, a busca do sagrado era a constante evolução de seu espírito, sendo assim, os seus feitos em vida eram determinantes na morte, lembrando que para os Maias o conceito de morte é muito diferente do que temos hoje, ou seja, a morte não existia, pois o tempo para eles era único, determinando

a vida como um processo cíclico e even-tos contínuos que nunca se esgotavam. Em tese a morte só existiria se em vida os feitos não fossem dignos do sagrado.

Portanto a arquitetura não se resu-mia apenas ao conjunto de construções, ou simplesmente pedra sobre pedra, é certo dizer que as edificações possuíam “vida”, por que eram idealizadas nessas obras toda uma abstração religiosa, que era fundamental para a dinâmica huma-na dessa civilização.

Penso ser de fundamental impor-tância citar a arte nesse contexto, afinal os Maias eram exímios artistas, não só na pintura como na escultura. Todas as edificações eram cuidadosamen-te trabalhadas, transformado-as em obras-primas, inclusive, muitas dessas preservadas até hoje nas florestas da América Central e na Península do Yu-catán, nos mostrando a intensidade e a sensibilidade artística desse povo. O mais impressionante é que esse pro-cesso se dava em função de uma busca do sagrado através da arquitetura e ar-te apresentada nessas edificações. Vale lembrar que a quantidade de ornamentos como máscaras, jóias, estátuas, enfim, eram infindáveis nas cidades-estado da Civilização Maia.

Outro aspecto que seria impossível deixar de lado é o grandioso conheci-mento astronômico e claro, a perfeição matemática dessa civilização, inclusive pode-se afirmar que eles desenvolveram a mais complexa e elaborada estrutura escrita e matemática das Américas. Para o momento histórico mundial é uma das mais “desenvolvidas” do seu tempo.

Os Maias atingiram o seu ápice por volta de 250 d.C. até 900 d.C, mas com isso vem a pergunta: qual a relação dessas áreas do conhecimento com a questão do sagrado? Apesar de parecer complexo é muito mais simples do que se imagina. Vamos refletir, temos diante de nós uma civilização que busca cons-tantemente o sagrado e nada mais justo que buscá-lo no cosmo.

Mais do que fazer observações as- tronômicas, os Maias buscavam o sen-tido das suas realizações no cosmo, construindo calendários, fazendo pro-fecias, justificando dogmas religiosos, mas principalmente organizando toda a sociedade partindo dessa relação com o Universo, pois, para eles, os seres hu-manos e todas as coisas desse planeta fazem parte de um único corpo que pa-ra ser saudável tinha, necessariamente, que possuir uma circularidade tal, que se fosse profanada iria comprometer a di-nâmica humana e planetária.

A mesma abstração era constan-te na matemática e escrita, pois, os registros não tinham apenas aspectos administrativos, eram também uma for-ma real de aproximação de seus deuses, materializando assim, um caminho legí-timo para a vida concreta e inteira sob a luz de suas crenças.

Os Maias também enxergavam no tempo uma importante manifestação do sagrado, em função disso a necessidade constante na marcação de seus eventos, como também pensar o tempo como uma unidade determinante na lógica re- ligiosa, mais que isso, o tempo como nor- matizador real de todos os aconte-

O mundo sagrado dos Maias

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Por Marcelo Lambert

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cimentos e ações de toda sociedade Maia.

Ainda sobre o tempo gostaria de citar um pequeno trecho do livro “Civili-zação Maia – História e Pensamento” de minha autoria que diz o seguinte:

“Para o Mundo Maia, o tempo era um elemento vivo, extremamente dinâmico e de uma profunda complexidade, tendo inclu-sive vontade própria em alguns momentos. Ao mesmo tempo ele era equilibrado e de-sequilibrado, gerando grandes eventos em nossas vidas, e, o mais importante, ele se repetia a todo instante, possibilitando sempre o retorno dos deuses. Através da observação e leitura do cosmos os Maias viam o tempo passar, determinando os acontecimentos humanos, tornando cada dia um grande desafio a ser vivido e su-perado, buscando a cada segundo o seu clímax.”

Como vimos na citação é evidente a grandiosa importância que esse povo dava para o tempo e fundamentalmente o quanto eles eram fascinados pela sua compreensão.

Acredito ser pertinente destacar neste artigo, para uma compreensão mais objetiva e clara da busca do sagrado para essa civilização, o sentido filosófico de Kukulkán (serpente emplumada) uma das principais deidades do panteão Maia e conhecida também como Quetzalcoatl no caso Asteca do historiador e filósofo Enrique Peregalli, em seu livro “A América que os europeus encontraram”.

“Qual é a mensagem de Quetzalcoatl? Sua história é a busca incansável da realização humana. Quetzalcoatl não é um deus que outorga favores. Quetzal-coatl é um fim, o fim do aperfeiçoamento interior, é um homem que se transforma em deus após conseguir libertar-se do condicionamento da matéria. Ao trans-formar-se, mostra aos demais homens

o caminho dessa transfiguração. Seu pensamento considera imprescindível es-capar da matéria. Como? Libertando as faculdades criadoras do homem e não destrutivas. A libertação se efetua sobre a natureza, considerada objeto do trabalho humano, trabalho criativo que a transfor- ma em cerâmicas, esculturas, murais etc.”

Observem que através da citação acima sobre esse deus Maia, ficam mais evidentes as razões do modo de vida desse povo se caracterizar por essa bus-ca permanente pela perfeição, afinal, a vida era regulada por essa busca inces-sante da vitória do determinismo da materialidade e a superação dessa pre-missa era conquistar o seu lado criativo e transformador, principalmente chegar próximo de seus deuses.

Tenho o costume de dizer que os Maias nos deixaram vários legados e acredito piamente que essa busca pe-lo sagrado como rotina humana é uma dessas heranças. Desta forma eu insis-to para que façamos uma reflexão sobre nossa sociedade atual, trazendo aqui al-gumas perguntas:

Como enxergamos o outro? Alguém com quem devemos disputar, concorrer ou superar? Ou como seres humanos e, como tal, sagrados?

Como estamos tratando o meio ambiente, o nosso planeta? Colocamos o capital acima do humano?

E nossas crianças, manifestação objetiva do sagrado, como nós estamos tratando e educando? Creio possuir uma infinidade de questionamentos que po-deria resumir assim:

“A busca pelo sagrado é incansavelmente lutar por um mundo justo para todos, onde as oportunidades não sejam exclusividade de uma minoria que teima em acreditar que o mundo é assim mesmo, afinal é cô-modo, isso é literalmente transformar o sagrado em profano. Vamos movimentar o tempo no sentido da emancipação huma-na e da equidade social.”

Muita LUZ para todos e até a próxi-ma edição.

Marcelo Lambert, especialista na cultura Maia, historiador, escritor e palestrante. [email protected]

Museu de antropologia e história da Cidade do México, ao fundo estelas Maia, representam informações matemáticas e astronomicas, bem como uma obra de arte.

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