O mundo fantástico da rua

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R A C M Y K C M Y K Editor: José Carlos Vieira [email protected] [email protected] 3214 1178 • 3214 1179 Diversão Arte & & CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 20 de junho de 2010 » MARINA SEVERINO D urante anos, passei por locais em Brasília onde existiam objetos para os quais olhava e imaginava seres e personagens, coisas que tinham a boca aberta”, conta Gabriel Mar- ques, 21 anos. Nesse mundo paralelo, bueiros se trans- formavam em seres humanoides prestes a engolir quem passasse à frente. Enquanto isso, placas de rua, antes destruídas, podiam saltitar como coelhos. O universo fantástico se tornou realidade no moderno espaço urbano candango. Gabriel é conhecido e cultuado entre outros artistas por intervir em elementos comuns do cotidiano, como placas, paredes e construções abandona- das com pincel, spray, caneta e tinta de parede. O trabalho começa a ser reconhecido pelos passantes em Brasília e acaba de ganhar a Europa. Convidado a uma turnê pelo continente com a companhia de teatro Circênicos, que mantém com o irmão, o artista pretende empregar o tem- po disponível entre as apresentações em intervenções ar- tísticas, e segue passos de ídolos da arte urbana como Os- Gêmeos, Alexandre Orion, Banksy e Blu. O projeto estético de Gabriel Marques, que assina como Plic, é resultado de diretrizes desenvolvidas por ele durante estudos no Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB). “O objetivo é ressuscitar espaços mortos da cidade, muros cinzas, locais abandonados, coisas, qualquer estrutu- ra em potencial, intervindo por meio de pinturas, colagens, grafites, esculturas, performance e festas. É transformar a paisagem branca e concreta de Brasília em um ambiente vi- vo e lúdico, de forma a levar alegria e beleza para o dia a dia das pessoas que transitam por esses locais”, explica. Inspirado pelo Site Specific, movimento promovido por artistas norte-americanos que se tornou famoso nos anos 1970, Plic prefere substituir o termo grafite por pin- tura urbana em virtude da visão muitas vezes margina- lizada da arte, mas não nega as origens. “Pode-se chamar de pós-grafite. Esta- mos em uma transição de escolas e eu estou vivendo esse mo- mento. De modo geral, se enquadra no conceito de arte contemporânea”, define o artista, que também se sente à vontade com o termo em inglês new school para definir a linha em que se inspira. As pinturas são planejadas com dias de antecedência, e, cada elemento, projetado para se mesclar à paisagem e dialogar com o suporte em que é desenhado. Muitas vezes, o tema é o circo, com palhaços e acrobatas — arte à qual se conecta pelo trabalho no Circênicos. As ações duram, em média, uma hora e meia. Plic prioriza a execução durante o dia, momento em que dialoga com os passantes sobre a arte voltada ao ambiente coletivo. “Assumo a postura de combater a marginalização dessas ações, que só têm a contribuir com a cidade. Sempre recebo muitos elogios durante o processo, principalmente das pessoas mais humildes, e isso é gratificante. É um reco- nhecimento que vem da forma mais pura, de pessoas que passam pelo local todo dia e que são dignas de darem uma espécie de autorização para o meu trabalho”, acredita. Envolvido com a arte desde a juventude, ele começou a pintar aos 10 anos e, mais tarde, se ligou ao movimento hip-hop e conheceu grafite, rap e dançarinos de break. Não demorou para se inspirar na arte de rua e criar letras próprias. “Aos 15 anos, fiz meu primeiro grafite em uma parede do modo mais clichê possível, com letra coloridas, feitas com spray, em um local sem autorização e de ma- drugada. Uma ação completamente marginalizada, que meus pais eram contra e eu também não gostava”, recorda. Devido à dificuldade de conseguir autorização para continuar a pintar de forma tranquila, Gabriel parou de grafitar em paredes. Com a mudança de atitude evi- denciada pelo projeto atual, acredita que conquistou a compreensão da sociedade, mas ainda há um cami- nho a ser percorrido. “Durante as intervenções, só tive contato com a polícia durante algumas pinturas em objetos abandonados e em construções em ruínas. Tive que conversar durante muito tempo para explicar o trabalho legítimo que estava fazendo. Não é pichação, não é depredação, e sim uma obra de arte em um local público, um local onde qualquer pes- soa pode ver”, conclui. Não é pichação, não é depredação, e sim uma obra de arte em um local público, um local onde qualquer pessoa pode ver Gabriel Marques, artista www.correiobraziliense.com.br Veja galeria de fotos M U N D O O AR TIST A PLÁSTIC O GABRIEL MAR QUES SE BASEIA NO GRAFITE E NA EXPERIÊNCIA EM CIR C O P ARA C OMPOR ESTÉTICA PR ÓPRIA E MODIFICAR O ESP A ÇO URBANO FANTÁSTICO DA Fotos: Ricardo Rosa/Divulgação Carolina Campos/Divulgação Arquivo Pessoal

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Reportagem sobre o projeto estético do artista urbano Plic . Publicada em 10 de junho de 2010 na capa do caderno Diversão & Arte, do jornal Correio Braziliense

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C M Y K C M YK

EEddiittoorr:: José Carlos Vieira [email protected]

[email protected] 3214 1178 • 3214 1179

DiversãoArte&&CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 20 de junho de 2010

» MARINA SEVERINO

“Durante anos, passei por locais em Brasíliaonde existiam objetos para os quais olhava eimaginava seres e personagens, coisas quetinham a boca aberta”, conta Gabriel Mar-

ques, 21 anos. Nesse mundo paralelo, bueiros se trans-formavam em seres humanoides prestes a engolir quempassasse à frente. Enquanto isso, placas de rua, antesdestruídas, podiam saltitar como coelhos.

O universo fantástico se tornou realidade no modernoespaço urbano candango. Gabriel é conhecido e cultuadoentre outros artistas por intervir em elementos comuns docotidiano, como placas, paredes e construções abandona-das com pincel, spray, caneta e tinta de parede. O trabalhocomeça a ser reconhecido pelos passantes em Brasília eacaba de ganhar a Europa. Convidado a uma turnê pelocontinente com a companhia de teatro Circênicos, quemantém com o irmão, o artista pretende empregar o tem-po disponível entre as apresentações em intervenções ar-tísticas, e segue passos de ídolos da arte urbana como Os-Gêmeos, Alexandre Orion, Banksy e Blu.

O projeto estético de Gabriel Marques, que assina comoPlic, é resultado de diretrizes desenvolvidas por ele duranteestudos no Instituto de Artes da Universidade de Brasília(UnB). “O objetivo é ressuscitar espaços mortos da cidade,muros cinzas, locais abandonados, coisas, qualquer estrutu-ra em potencial, intervindo por meio de pinturas, colagens,grafites, esculturas, performance e festas. É transformar apaisagem branca e concreta de Brasília em um ambiente vi-vo e lúdico, de forma a levar alegria e beleza para o dia a diadas pessoas que transitam por esses locais”, explica.

Inspirado pelo Site Specific, movimento promovidopor artistas norte-americanos que se tornou famoso nosanos 1970, Plic prefere substituir o termo grafite por pin-tura urbana em virtude da visão muitas vezes margina-lizada da arte, mas não nega as origens.“Pode-se chamar de pós-grafite. Esta-mos em uma transição de escolase eu estou vivendo esse mo-mento. De modo geral,

se enquadra no conceito de arte contemporânea”, define oartista, que também se sente à vontade com o termo eminglês new school para definir a linha em que se inspira.

As pinturas são planejadas com dias de antecedência, e,cada elemento, projetado para se mesclar à paisagem edialogar com o suporte em que é desenhado. Muitas vezes,o tema é o circo, com palhaços e acrobatas — arte à qual seconecta pelo trabalho no Circênicos. As ações duram, emmédia, uma hora e meia.

Plic prioriza a execução durante o dia, momento em quedialoga com os passantes sobre a arte voltada ao ambientecoletivo. “Assumo a postura de combater a marginalizaçãodessas ações, que só têm a contribuir com a cidade. Semprerecebo muitos elogios durante o processo, principalmentedas pessoas mais humildes, e isso é gratificante. É um reco-nhecimento que vem da forma mais pura, de pessoas quepassam pelo local todo dia e que são dignas de darem umaespécie de autorização para o meu trabalho”, acredita.

Envolvido com a arte desde a juventude, ele começou apintar aos 10 anos e, mais tarde, se ligou ao movimentohip-hop e conheceu grafite, rap e dançarinos de break.Não demorou para se inspirar na arte de rua e criar letraspróprias. “Aos 15 anos, fiz meu primeiro grafite em umaparede do modo mais clichê possível, com letra coloridas,feitas com spray, em um local sem autorização e de ma-drugada. Uma ação completamente marginalizada, quemeus pais eram contra e eu também não gostava”, recorda.

Devido à dificuldade de conseguir autorização paracontinuar a pintar de forma tranquila, Gabriel parou degrafitar em paredes. Com a mudança de atitude evi-denciada pelo projeto atual, acredita que conquistou acompreensão da sociedade, mas ainda há um cami-nho a ser percorrido. “Durante as intervenções, só tivecontato com a polícia durante algumas pinturas emobjetos abandonados e em construções em ruínas. Tive

que conversar durante muito tempo para explicar otrabalho legítimo que estava fazendo. Não é

pichação, não é depredação, e sim umaobra de arte em um local público,

um local onde qualquer pes-soa pode ver”, conclui.

Não é pichação, não édepredação, e sim umaobra de arte em um localpúblico, um local ondequalquer pessoa pode ver”

Gabriel Marques, artista

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E NA EXPERIÊNCIA EM CIRCO PARA COMPOR ESTÉTICAPRÓPRIA E MODIFICAR O ESPAÇO URBANO

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