O MUNDO DO TRABALHO NA ARTE MURAL DE POTY … · Conceituar o que é a imagem e a palavra, não é...
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¹ Professor de História da rede pública de ensino do Estado Paraná, integrante da turma PDE 2008/2009 e mestrando em Educação na UEM, na linha de pesquisa Políticas e Gestão em Educação. ² Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Tecnologia - PPGTE/UTFPR .
O MUNDO DO TRABALHO NA ARTE MURAL DE POTY LAZZAROTTO: Um
estudo inicial sobre as possibilidades de trabalho com a imagem artística no ensino de
História.
Sergio Aguilar Silva¹ Luciana Martha Silveira²
Resumo O presente artigo objetiva problematizar a questão da imagem na contemporaneidade na dimensão sócio-histórico, ideológica e artística, por meio do estudo dos murais do artista curitibano Poty Lazzarotto - presente em diversos locais públicos da cidade de Curitiba - buscando entender como o Poty concebe e retrata o mundo do trabalho nas suas obras murais após a década de 1950. Analisamos também os processos e resultados da aplicação de Material Didático de História produzido em 2008, na escola pública de ensino médio da região metropolitana de Curitiba, o qual versa sobre a relação entre a imagem artística e o ensino de História. Tanto o artigo, quanto o material didático foram produzidos no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), Programa este de formação continuada de professores da rede pública estadual de educação básica do Paraná em parceria com as Universidades e Faculdades públicas do estado. Por fim nos propomos a discutir os limites e possibilidades do uso da imagem no ensino de história.
Palavras-chave: Imagem; Ensino; Mundo do Trabalho.
Introdução
Este artigo é parte integrante das atividades de conclusão do Programa de
Desenvolvimento Educacional - PDE 2008/2009 - voltado à formação continuada dos
professores da educação básica da rede pública estadual de ensino do Paraná, em parceria
com as Universidades Públicas do Estado, neste caso a UTFPR, representado pela referida
orientadora, a Profª Drª Luciana Martha Silveira. O conteúdo deste artigo está distribuído da
seguinte forma: em primeiro lugar discutiremos em linhas gerais a questão histórico-
filosófica da imagem e o conceito de imagem artística; num segundo momento
abordaremos a relação entre a Arte Mural de Poty, o mundo do trabalho e o ensino de
História; em seguida trataremos do processo e dos resultados da aplicação do material
didático (OAC) na escola e suas considerações finais sobre os limites e possibilidades do
trabalho com a imagem artística no ensino de História.
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A questão histórico-filosófica da imagem e a imagem artística
Existe uma assertiva que diz “uma imagem vale mais do que mil palavras”.
Poderíamos começar nosso ensaio por este ponto de partida, desdobrado em mais alguns
questionamentos, a saber: quais os conceitos de imagem e palavra? Quais as semelhanças e
diferenças entre elas? Por que a assertiva contrapõe a primeira em detrimento da segunda?
Em que contexto histórico a afirmação foi produzida? Quais os significados e implicações
culturais e ideológicas desta afirmativa categórica? E qual seria seu grau de verdade?
Portanto, uma simples afirmação como esta carrega em si uma rede de complexidades que
vale a pena aprofundar, como forma de desvelarmos a essência por trás de singelas
aparências, por vezes enganosas, mas que de certa maneira representam uma determinada
faceta do real ou de sua representação.
Conceituar o que é a imagem e a palavra, não é tarefa das mais simples, pois
depende do referencial teórico e da visão de mundo de cada pesquisador. Sem contar a
complexidade de cada época. A imagem para os homens primitivos retratada nas suas
pinturas rupestres e esculturas rudimentares tinha um significado determinado pela forma de
produção de sua existência, e que segundo aos estudos da antropologia cultural poderiam ter
significados relacionados à magia, ao animismo: ao se desenhar a caça, ou o inimigo
apreendia-se sua força, sua alma, ou por outro lado, poderiam ter sido as primeiras
formas inconscientes de registro de suas ações necessariamente gregárias. Pode-se dizer
que as pinturas rupestres em geral foram as primeiras imagens produzidas pelo ser humano,
as primeiras representações, numa fase em que a arte não se separava da vida, e, portanto,
não existia a noção de arte, mas talvez uma necessidade básica de comunicação, de
expressão - o que não deixa de ser a essência da Arte, afinal toda ela é uma forma de
expressão humana individual ou coletiva – e neste caso, a representação da imagem
rupestre era a palavra escrita existente naquele momento das comunidade ágrafas. Ou seja, a
imagem registrada era a palavra escrita que não tinha sido ainda desenvolvida. Mas seria
então a imagem a principal forma de comunicação e expressão? Se mesmo não existindo a
palavra escrita havia a fala, a comunicação oral, como até hoje ocorre em sociedades
indígenas ágrafas, as pinturas e imagens representativas de alguma coisa ou de determinadas
ações humanas, eram uma das formas de comunicação e expressão.
Nesse sentido, podemos deduzir que as imagens representadas na forma rupestre,
estavam estreitamente relacionadas ao desenvolvimento da linguagem falada, sendo também
parte da linguagem. Desse modo, t anto a linguagem falada, quanto a produção de
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imagens a partir de técnicas de pinturas, pressupõe um estágio cultural mais desenvolvido do
ponto de vista da hominização do ser humano, resultado de seus enfrentamentos na
produção de sua existência. Neste caso então, a imagem era o texto naquele contexto
histórico de desenvolvimento humano, e a partir do momento que a imagem se torna parte de
uma representação anímica de religiosidade, estamos falando em cultura, que na nossa
concepção entendemos como resultante da relação do homem com outros homens, e com a
natureza, através do trabalho, - elemento diferenciador com os animais - pois o homem não
só adapta-se, mas transforma a natureza em seu benefício, e, por conseguinte transforma-se
a si mesmo nesta relação, segundo Engels (1997).
Por outro lado, sociedades altamente desenvolvidas do ponto de vista político,
econômico, religioso, militar, cultural e artístico como os Astecas e Incas não
desenvolveram a escrita, mas comunicavam-se de todas as formas possíveis e tiveram uma
riqueza ímpar na produção de imagens pintadas, gravadas ou esculpidas. E também neste
caso as imagens eram o texto, a palavra.
Contudo o que é a palavra e o texto? A palavra escrita culminou na cultura do texto.
O desenvolvimento da escrita na antiguidade oriental seja mesopotâmica, indiana ou chinesa
foi resultado de processos históricos paralelos de desenvolvimento. A escrita não surge do
nada. Ela tem origem na materialidade social, pari passu ao desenvolvimento político,
socioeconômico e cultural de uma sociedade, de uma civilização em processo de construção
de si mesma. Ela se desenvolveu por que passou a ser necessária, devido à complexidade
social de determinado processo histórico. No entanto, durante grande parte da antiguidade
e do medievo, a escrita não se disseminou a população como um todo. Ela passou muitas
vezes a ser mais um instrumento de poder das camadas sociais dominantes, sejam
econômicas ou religiosas. Ler e escrever não eram para todos, mas para poucos. Nesse
sentido, a imagem permanecia como uma forma preponderante de comunicação e registro
visual, “a imagem dizia mais que mil palavras”, pois ela continuava sendo a palavra, um
texto visual não-escrito.
Se palavras soltas pouco comunicam, elas só podem ter sentido ao formarem um
texto que quer dizer alguma coisa, portanto, um texto escrito pressupõe ser composto
obrigatoriamente de palavras. Segundo as escrituras judaico-cristãs no princípio era o
verbo, portanto a palavra falada que se fez vida, mas o desenrolar da vida de um povo, de
uma cultura está registrada de forma escrita, nas sagradas escrituras, que só se tornaram
sagradas por que foram escritas, e assim registradas historicamente como forma de serem
repassadas com mais convencimento às gerações subsequentes.
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Podemos notar neste processo histórico de desenvolvimento da escrita, do texto
escrito, de forma diferenciada entre as sociedades, que o texto procurou sobrepor-se ao
mundo mágico das imagens, da idolatria, do culto religioso às imagens. Temos aí mais um
elemento novo: o monoteísmo judaico, cristão e posteriormente islâmico, sendo que estes
últimos foram altamente difundidos, popularizados e mundialmente disseminados em
diferentes momentos e de diferentes formas. Também Platão, herdeiro de uma sociedade
marcada pelas reflexões filosóficas com base no texto escrito - contraditoriamente ao seu
mestre Sócrates que não deixara nada escrito, por que se negava a fazê-lo, acabou
registrando por escrito em suas obras as reflexões de Sócrates - posicionou-se de forma
contrária às imagens como representação, para ele tida como enganosa, da ordem do
sobrenatural e não confiável. Pois se as imagens eram apenas representações do real, e,
portanto não eram o real e sim s i m u l a ç õ e s deste, então não poderiam ter utilidade
ao conhecimento racional, ao mundo das ideias de Platão. De certa forma ele também
estava se posicionando contra a idolatria religiosa das imagens gregas, no contexto histórico
em que o pensamento racional buscava sobrepor- se ao mítico.
Retornando à cultura judaico-cristã e islãmica podemos perceber historicamente que
elas têm forte sustentação na palavra, no texto escrito, nas suas escrituras, e que,
consequentemente, difundiram no mundo ocidental e oriental a palavra escrita, a cultura
do texto em detrimento da imagem, pois nasceram combatendo a idolatria das imagens,
segundo FLUSSER (1998).
Por outro lado, a história do catolicismo cristão tomou outro rumo, quando incorporou
novamente as imagens ao seu culto, certamente como forma de ampliar sua penetração
popular nas massas iletradas da população ocidental. No entanto, este direcionamento
católico foi ao menos duas vezes fortemente questionado: primeiro no Cisma do ano mil,
o qual levou ao surgimento da Igreja Cristã Ortodoxa, que já apontava para a iconoclastia, e
depois principalmente com a Reforma Protestante europeia do século XVI que reafirmou as
escrituras e abominou todo e qualquer tipo de culto às imagens. Desta forma, tanto o
Protestantismo e suas derivações, quanto o Islamismo desenvolveram e difundiram-se
combatendo o culto às imagens e sobrepondo o poder das suas escrituras, do texto escrito de
vertente monoteísta. Ou seja, o texto novamente sobrepunha-se à imagem.
A invenção da imprensa e a introdução da escola obrigatória generalizaram a consciência histórica; todos sabiam ler e escrever passando a viver historicamente, inclusive camadas até então sujeitas à vida mágica: o campesinato proletarizou-se. Tal conscientização se deu graças a textos baratos: livros, jornais, panfletos. Simultaneamente todos os textos se baratearam (inclusive o que está sendo escrito). O pensamento
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conceitual barato venceu o pensamento mágico com dois efeitos inesperados. De um lado, as imagens se protegiam dos textos baratos, refugiando-se em guetos chamados - museus - “e exposições“, deixando de influir na vida cotidiana. De outro lado, surgiam textos herméticos (sobretudo os científicos), inacessíveis ao pensamento conceitual barato, a fim de se salvarem da inflação textual galopante. Deste modo, a cultura ocidental se dividiu em três ramos: a imaginação marginalizada pela sociedade, o pensamento conceitual hermético e o pensamento conceitual barato. Uma cultura assim dividida não pode sobreviver, a não ser que seja reunificada. (FLUSSER,1998, p.19-20)
Além do mais, Flusser ainda nos relembra que o termo imagem, vem de imago,que
etimologicamente se refere à magia, a algo mágico, por conseguinte sobrenatural. Segundo
JOLY (2007) “um dos sentidos de imago em latim, (...), designa a máscara mortuária usada
nos funerais na antiguidade romana.” Nesse sentido, a imagem pressupõe o lugar da
representação, do místico, do não-racional.
No entanto, o combate histórico à idolatria das imagens pelo texto, levou à
textolatria, ou seja, o culto à palavra escrita como verdade absoluta, presente nas sagradas
escrituras, ou até mesmo nos textos filosófico-políticos dos séculos XIX e XX tomados de
forma dogmática segundo Flusser. Sendo assim, a reação histórica à textolatria segundo o
referido autor foi o retorno ao mundo da imagem, capitaneado pelo desenvolvimento das
diferentes formas de reprodução gráfica, como a fotográfica, cinematográfica e mais tarde
televisiva e de computação virtual.
Neste momento, cabe precisarmos melhor o conceito de imagem. Segundo JOLY (
2007) a ideia sobre imagem sempre foi muito plural e ampla, mas na contemporaneidade ela
se diversificou ainda mais e pode ser concebida como imagens visuais, mentais e virtuais,
contudo, “material ou imaterial, visual ou não, natural ou fabricada, uma “imagem” é antes
de mais nada algo que se assemelha a outra coisa.” (p.38) Portanto uma representação de
algo, de alguma coisa, não sendo a coisa-em-si.
Naquele combate histórico entre imagem e texto que atravessou milênios, a
imagem artística foi se aprimorando e adaptando-se à cultura histórica de cada contexto.
Certamente, foi ao longo do Renascimento entre os séculos XIV e XVI, que floresceram os
grandes nomes da pintura, desde Giotto à Da Vinci. Ao mesmo tempo em que o artista
profissionalizava-se, a sociedade europeia aburguesava-se. Notadamente podemos perceber
clara diferença de abordagem dos temas: sagrados nos países de domínio católico (Rafael,
Michelângelo por exemplo), e geralmente terrenos (Bruegel, Van Eik e Rembrant) nos países
protestantes. Além de gradativamente surgirem em ambos os temas referências às
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personalidades ou mecenas, como burgueses, nobres, reis ou papas. Parece-nos que a
liberdade artística estava mais relacionada à técnica e à forma do que ao conteúdo do que era
pintado, pois os limites estavam dados pelo contexto mencionado da época.
Cabe ressaltar que no renascimento a imagem artística convivia com o texto, por
meio da crescente produção literária, filosófica e científica de reforço da palavra e do
pensamento racional investigativo. A própria produção de imagens artísticas buscava
iluminar-se pelo texto, pelo pensamento científico do racionalismo moderno, como no caso
conhecido de Michelangelo e Da Vinci.
Como nos referimos acima, a partir do final do século XIX, mas principalmente ao
longo do XX a textolatria, o predomínio palavra segundo Flusser, passou a ser questionada
pela produção técnica das imagens, desde a fotografia com base na imagem fixa, até a
televisão, o cinema, e a virtualidade das imagens em movimento, como pela publicidade que
incorpora as duas formas. O retorno do predomínio das imagens neste momento histórico
sobre a palavra é típico de uma época em que o estágio avançado do capitalismo cultural
ou tardio segundo JAMESON (1996), produz a indústria cultural voltada para o consumo
das massas, e esta produção cultural precisa ser assimilada e acessível a todos, e nada
melhor que as imagens fixas ou em movimento como forma mais apropriada de fácil
comunicabilidade. As imagens passam a encantar, a dizer mais que as palavras, por meio
de símbolos fabricados se produzem culturas de massa. Reproduções gráficas em série, e
imagens em movimento do cinema à computação visual atingem melhor os objetivos da
comunicação de massas da indústria cultural em ascensão. Os regimes políticos totalitários
do século XX souberam manipular muito bem as imagens a seu favor, muitas vezes
reforçando ideologias racistas e regimes de força.
Por outro lado, MARCUSE (1967) já apontava que mesmo nos regimes democráticos
institui-se uma sociedade administrada, altamente controlada e limitante das liberdades,
pois a manipulação política, econômica, cultural, e portanto ideológica do capitalismo
cultural se exerce também pelo domínio das imagens sobre a palavra, presente na
publicidade de imagens fixas ou em movimento. Uma sociedade democrático-capitalista
também no fundo autoritária, pois transforma a multiplicidade da experiência humana numa
unidimensionalidade, moldando o homem à padrões de vida e consumo únicos, singulares.
Do ponto de vista da contemporaneidade, muitos autores como JAMESON
(1996), ANDERSON (1999), BAUMANN (2008), EAGLETON (1998) discutem que
estamos vivendo sob o signo da pós-modernidade, e isto significa a descrença completa nas
meta-narrativas (ou seja na força do texto para compreensão do real), o enfoque no micro,
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no fragmento, na diferença como identidade, na verdade como discurso, na
multiculturalidade, e na incognocibilidade do real, na subjetividade, em detrimento da visão
racional e científica de totalidade calcada nos “universais”, no homem como ser social, e na
necessidade de determinadas referências e autoridades sociais como forma de manter a
coesão social. O pensamento e a vida pós-moderna permeada de crescente fluidez, num
mundo de relações líquidas, segundo BAUMANN (2008), mas o qual tem sua materialidade
no capitalismo flexível pós-70, em que a verticalização fordista foi substituída pela
horizontalização toyotista, a produção em larga escala pela produção em pequena escala
para determinados nichos do mercado, e a mão de obra teve que tronar-se multifuncional e
polivalente como forma de atender às oscilações constantes do mercado.Em suma um
modelo de produção flexível passou a exigir também uma superestrutura fluída, liquida,
maleável pronta a adaptabilidade do mercado de consumo. Neste ponto a fragmentação do
pensamento pós-moderno serve e reflete adequadamente o atual contexto histórico-cultural,
como também o predomínio indiscriminado e a saturação das imagens são causas e
consequências dessa fase de disseminação da transformação da produção cultural em
mercadoria, do capitalismo cultural em estágio avançado. Segundo ANDERSON (1999,
p.132) “O movimento de reforma religiosa começou com a destruição das imagens: o
advento do pós-moderno instaurou como nunca o domínio das imagens.” E nesse sentido, a
imagem também se transforma num produto cultural para ser consumida, como tanto
outros produtos da indústria cultural massificados. Anderson em Origens da Pós-
Modernidade discutindo o ensaio “Transformações da imagem”, de JAMESON (2006)
discute o objeto específico de sua crítica é o renascimento de uma pronunciada estética da beleza no cinema. (...) Sua conclusão é draconiana: onde antes a beleza poderia ser um protesto subversivo contra o mercado e suas funções utilitárias, hoje a mercantilização universal da imagem absorveu-a como uma traiçoeira pátina da ordem estabelecida: “a imagem é a mercadoria atual e é por isso que é inútil esperar dela uma negação da lógica da produção de mercadorias; é por isso, finalmente, que toda beleza hoje é meretriz.” (ANDERSON, p.127)
Em suma, a imagem em sua diversidade de formas visuais e virtuais dentro do
contexto pós-moderno do capitalismo flexível vem sendo subsumida pela lógica da
mercadoria, do capital, e este processo é constatável na realidade diária. Sendo assim,
somos bombardeados diariamente por uma hiper saturação de imagens, que tendem a
banalizá-las e massificá-las para o consumo fácil e acrítico, colocando em segundo plano o
texto, a palavra racional para compreensão da complexidade do real, ficando desta forma na
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superficialidade representativa da saturação das imagens, que não foram feitas para explicar
as contradições da realidade do mundo e das coisas, ou seja, tem as suas naturais limitações,
contrariando assim, a afirmação histórica e culturalmente produzida que “uma imagem vale
mais do que mil palavras”.
A Arte mural de Poty Lazzarotto, o mundo do trabalho e o ensino de história
O Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola esteve fundamentado na fronteira
disciplinar entre Arte e História, e buscou discutir os limites e possibilidades dessa possível
relação quando destinada ao ensino de História. A base teórica deste projeto está na noção
ampliada de fontes e documentos históricos preconizada pela nova historiografia a partir da
Escola de Annales, e nesse sentido, em considerar a obra de Arte também como um
documento/monumento (LE GOFF, 1986), uma fonte e construção histórica, que pode ser
problematizada, questionada, interpretada e contextualizada.
Portanto, questionamos o uso da Arte e das imagens apenas como ilustrações do
passado, como provas irrefutáveis daquilo que realmente aconteceu, tal como concebe a
visão positivista de História. Do ponto de vista da nova historiografia e estudos de arte, a
imagem não fala por si só, e não é o retrato fiel da realidade. Ela foi produzida por alguém
que não está isento de ideologia, por isso não é neutra, está carregada de significados,
pretende expressar algo, está inserida num contexto sócio-histórico e cultural, segundo
MACHADO (1984).
Ao mesmo tempo temos que considerar o caráter subjetivo da produção artística, ou
seja, ela não tem uma função explícita de estudo ou análise da realidade, como as Ciências
Humanas, tal como a História, Sociologia e Antropologia. Antes de tudo a obra de arte é
uma representação, seja através das artes plásticas, seja via imagens técnicas como a
fotografia, o cinema, vídeo ou virtuais.
Consideramos nosso projeto como um estudo iconográfico do ponto de vista do
ensino de História. Buscando situar a representação artística no seu contexto histórico de
produção. Nesse sentido, nosso estudo iconográfico, particularmente sobre a obra de arte,
enfatiza a imagem como construção e fonte histórica na dimensão do Mundo do Trabalho
(BURKE, 2004; CIAVATTA, 2004; CARVALHO, 1990; ALVES, 2000/2006;).
Centralizamos nosso estudo na percepção do artista e na representação de sua obra
de arte sobre o mundo do trabalho, dentro do contexto histórico de sua produção. Mas não
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deixamos de abordar de alguma maneira as possibilidades de estudo a partir das imagens
técnicas como a fotografia, cinema, vídeo e digitalizadas. Portanto, discutimos tanto as
dimensões conceituais e de análise das imagens como monumento histórico, quanto como
documento histórico representativo de uma época. Para tanto a imagem em estudo precisa
ser lida e interpretada nestas dimensões.
Partimos da Arte Mural de Poty Lazzarotto, distribuída publicamente pela cidade de
Curitiba. Apontamos suas técnicas de produção artística, mas o aprofundamento desta
dimensão estética ficará a cargo do Professor de Arte. A dimensão artística que
verdadeiramente nos interessa é como o artista através da sua obra expressa o mundo do
trabalho e suas mudanças históricas. Como o artista percebe, registra e representa estas
mudanças, e como concebe o trabalho humano e suas contradições sociais. Ou seja, por
que o artista ao retratar um painel histórico do estado do Paraná, da tecnologia, das
profissões, ou da cidade de Curitiba, mesmo sob encomenda oficial, deixa transparecer a
presença do trabalho humano em todos os momentos? Através do trabalho indígena,
escravo, do colono na lavoura, do ferreiro, do criador de gado, ou do operário da construção
civil ao fundo ou em primeiro plano.
Detalhe do Mural “História da Tecnologia” em Lajota cerâmica, no Centro Politécnico da UFPR (1966). Foto do autor.
Identificamos e discutimos até que ponto a origem social trabalhadora do artista está
presente na sua imensa obra, neste caso a mural, mesmo em suas obras sob encomenda
oficial. Parece-nos que o trabalho se apresenta para o artista como uma categoria
ontológica de sua vida e arte. A partir do momento que sua própria arte pressupunha um
projeto individual que só poderia concretizar-se através de um trabalho coletivo, construído
por muitas mãos contratadas para o serviço. Como um projeto de construção civil
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arquitetado por uns e edificado por tantos outros.
Portanto, a história do Estado, da cidade e seu cotidiano, ou mesmo da evolução
tecnológica e industrial retratada pelo artista em seus murais, passa pela produção
essencialmente humana, feita pelos homens em suas relações. E isto nos parece uma
dimensão social da produção e do trabalho. A máquina, a indústria, o artefato, o objeto, a
cidade, a agricultura e a pecuária, os meios de transporte e a tecnologia, todos registrados
pelo artista, são produtos culturais eminentemente humanos e não existem sem eles. Sendo
assim, identificamos e estudamos se o artista percebia tanto as positividades, quanto à
alienação no mundo trabalho, conforme indica a sociologia do trabalho de formação
marxista (ALVES, 2000; ANTUNES, 1999).
Detalhe do Mural "Emancipação Política do Estado", monumento ao centenário do Estado localizado na Praça 19 de dezembro. Painel em azulejos (1953). Foto do autor.
Abordamos também a materialidade da obra artística mural de Poty, a partir da sua
contextualização histórica e da origem social do artista e sua percepção sobre o mundo do
trabalho. Dentro dos limites e possibilidades desta análise. Caminhando entre a
subjetividade da produção do artista e a objetividade social e coletiva das mudanças
históricas no mundo do trabalho. Nesse sentido, investigamos como sua obra em foco
expressa esta relação entre o subjetivo e o social em processo de mutação, pois os últimos
cinquenta anos de intensa produção mural do artista coincidem com a acelerada modernização
urbano-industrial brasileira, com o gradativo predomínio do trabalho urbano sobre o rural,
do fabril sobre o artesanal.
Desta forma, décadas de profundas transformações sociais, produtivas e culturais
testemunhadas pelo artista e de alguma forma representadas na sua arte mural.
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Detalhe do Mural "Ciclos Econômicos do Paraná" (1998).Foto do autor.
Estudamos também como o artista retratou em sua obra as mudanças no mundo
trabalho em curso. Sua obra resiste e/ou aceita a estas mudanças? É nostálgica, crítica ou
assimiladora sua forma de representação? O que nos dizem suas imagens muralistas sobre
sua visão de mundo? Quais seriam seus significados subjetivos e explícitos? Como sua
visão de mundo e do trabalho transparece mesmo em obras murais sob encomenda oficial?
Por que colonos, ferreiros, escravos, pequenos vendedores, garimpeiros, lenhadores e
carroceiros insistem em marcar presença em sua obra? O que eles significam para o artista?
Mural “Curitiba e sua gente” (1993). Foto do autor.
Por outro lado, este estudo de uma determinada produção mural de um artista
como Poty, pode servir de sugestão de análise para outras obras artísticas na sua relação com
o ensino de História. Pois temos uma infinidade de artistas nacionais e estrangeiros que
poderiam ser mais trabalhados nesta perspectiva pedagógica, desde os renascentistas,
barrocos, impressionistas e modernos, como por exemplo, Picasso até um Portinari, ou de
Van Gogh até uma Tarsila do Amaral. O que interessa saber e formular é qual a pergunta que
fazemos a obra de determinado artista? O que queremos saber dela? Em nosso caso
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queremos desvendar como Poty representou o mundo do trabalho e suas mudanças em sua
obra mural, tão somente. Outras perguntas poderiam ser feitas à mesma obra.
Aplicação do material didático na escola – relato e considerações
O material didático produzido o âmbito do PDE foi um Objeto de Aprendizagem
Colaborativo (OAC), pois era a melhor tipologia de material que se adaptava a proposta de
trabalho com imagens artísticas no ensino de História. O material se intitulou A IMAGEM
ARTÍSTICA NO ENSINO DE HISTÓRIA - Um estudo inicial sobre as possibilidades de
trabalho com a imagem artística no ensino de História, a partir do registro do Mundo do
Trabalho, na Arte Mural de Poty Lazzarotto.
O referido material didático visava “discutir a questão das imagens - mais
especificamente as imagens artísticas – e sua melhor utilização no ensino de história do
ponto de vista do estudo iconográfico, dialogando com o ensino da Arte e com outras áreas
disciplinares como Sociologia e Filosofia. E insere-se nas Diretrizes Curriculares de História
(DCE) para o Ensino Médio, no Conteúdo Estruturante: Relações de Trabalho, e no
Conteúdo Básico: Urbanização e Industrialização - Urbanização e industrialização no
Paraná no contexto da expansão do capitalismo.” (OAC)
O material didático produzido foi implementado durante o processo de intervenção
pedagógica do Projeto numa escola de ensino fundamental e médio e profissionalizante do
município de São José dos Pinhais. Em primeiro lugar apresentei o Projeto à direção e
equipe pedagógica do referido estabelecimento para seu conhecimento. Num segundo
momento, apresentei e repassei o OAC produzido aos professores de História, Sociologia e
Arte do Ensino Médio para que estes tomassem conhecimento do material, entendessem
seu propósito e pudessem a qualquer momento utilizá-lo em suas aulas. No decorrer da
apresentação do material aos professores, surgiu também a possibilidade de trabalhar com a
professora da disciplina de Metodologia do ensino de História ministrada para turma de
Formação de Docentes, antigo Magistério. Num terceiro momento foi implementado o
Projeto e o material didático para duas turmas selecionadas: uma turma do 2º ano do ensino
médio e uma turma do curso de formação de docentes do último ano.
A apresentação do material aos professores das disciplinas mencionadas foi de certa
maneira burocrática, e não senti grande receptividade, pois tive que utilizar um tempo da
hora-atividade de cada professor de forma individual e separada, por que a escola não
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proporcionava a hora-atividade conjunta por disciplina, inclusive devido ao estabelecimento
de ensino estar passando por um processo de intervenção na direção. Nesse sentido,
mergulhados na burocracia diária de manutenção dos diários de classe e da correção de
provas e trabalhos, os professores não mostravam disposição para uma atividade
experimental no ensino de história, mesmo que se mostrasse completamente inserida nas
Diretrizes Curriculares de História para o Ensino Médio.
O propósito inicial era aplicar o Projeto e o material didático primeiramente com os
professores de História e Arte, mas frente às condições reais escolares que se apresentavam,
resolvi implementar o Projeto e o material diretamente com os alunos, em duas turmas
citadas anteriormente. A experiência foi muito gratificante do ponto de vista educacional,
proporcionado pontos altos e baixos do processo. Utilizei oito aulas distribuídas ao longo de
dois meses letivos, sendo 1 aula por semana para cada turma. Combinei com a equipe
pedagógica da Escola e os professores de História e Metodologia das referidas turmas
selecionadas a cessão das aulas semanais. Em primeiro lugar a implementação foi mais
produtiva e qualificada na turma do regular do que na turma de Formação de Docentes. A
turma do regular foi mais receptiva ao trabalho e à discussão da abordagem em relação à
História e a imagem artística, portanto seu retorno foi mais produtivo, enquanto a outra
turma o trabalho foi prejudicado pela apatia, falta de seriedade e compromisso com o
conhecimento e com a educação em geral por parte de grande
parte da turma, que contraditoriamente, estava no último ano do curso de Formação de
docentes, e também por estarem voltados para outros objetivos, como conclusão do curso,
não se mostrando receptivos. Acabei então centrando o trabalho na turma de 2º ano do ensino
médio que se mostrou mais receptiva e pronta para discussão, além de demonstrar serem
argutos e inteligentes quando eram por mim instigados.
A aplicação do Projeto e sua implementação girou em torno do trabalho com a
Imagem artística e a imagem em geral no ensino de História do Paraná, tendo como foco a
obra mural de Poty Lazzarotto. Em primeiro lugar apresentei em linhas gerais o Projeto e
seu propósito e fomos direto para a discussão da relação entre imagem e ensino de
história. Discutindo se as imagens eram a imitação real de uma época histórica, ou eram
apenas representações de uma realidade histórica na visão e concepção do seu autor. Para
tanto iniciamos com o uso o es tudo das pinturas de Domingos Jorge Velho de Benedito
Calixto, datada de 1903, de Tiradentes esquartejado de Pedro Américo de 1893 e O
martírio de Tiradentes de Aurélio Figueiredo de 1905 contida no material didático
produzido.
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Domingos Jorge Velho, Benedito Calixto, Museu Paulista. Fonte - http://commons.wikimedia.org/wiki/Benedito_Calixto
O martírio de Tiradentes, Aurélio Figueiredo, Museu Histórico Nacional. Fonte:http://www.museuhistoriconacional.com.br/
As imagens artísticas apresentadas foram um pretexto proposital para se iniciar a
discussão entre a relação Arte e História. Fomos interpretando as imagens por meio de
perguntas aos alunos, sobre o que eles estavam vendo, o que estava representado, a que
época se referia. Se era uma representação sobre determinadas personagens históricas ou o
próprio retrato fiel de uma época ou personagem. Esclareci sobre as datas em que foram
pintadas as obras, portanto em outra época histórica dos referidos personagens, e nesse
sentido, não passavam de representações artísticas e histórico-culturais de uma época
sobre a anterior, e que as imagens apresentadas diziam mais sobre o contexto da produção
artística do que sobre os personagens retratados. Os personagens eram representados
segundo a concepção da época sobre eles, como heróis e símbolos da nação brasileira em
construção.
A intenção foi abrir a discussão sobre como a imagem, no caso, a imagem artística é
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apenas uma representação do real e jamais o real, além dela representar a ideia, a
concepção de uma época. Nesse sentido, os alunos passaram a entender também a imagem
artística sobre um fato histórico como possível de manipular o fato reduzindo-o ou
glorificando-o. Os alunos imediatamente relacionaram como a imagem pode manipular sua
representação por meio da imagem televisiva, virtual e publicitária.
Orientei então uma leitura e discussão do “Mito da Caverna” de Platão, de forma que
os habitantes da caverna viviam numa ilusão, pois acreditavam que havia gigantes, quando
de fato eram as sombras de transeuntes atravessados pela luz que se projetavam na parede
da caverna. Os gigantes eram imagens, sombras projetadas e não a realidade. Discutimos
então a imagem enquanto representação e mesmo como ilusória e que, portanto, as
imagens precisam ser lidas e interpretadas criticamente para que não se imponham como o
retrato do real, nem serem assimiladas passivamente. Debatemos então os problemas do
atual predomínio do mundo das imagens sobre a palavra, sobre o texto, e as suas possíveis
consequências socioculturais. Como dissemos os alunos logo relacionaram a atual fabricação
de imagens com algo não confiável, e neste caso a desconfiança é uma forma crítica e
positiva de se relacionar com o mundo da imagem. Evidentemente que não é nada fácil para
a juventude que está diariamente bombardeada e mergulhada no mundo da imagem para
consumo, mas de uma forma ou de outra eles parecem reagir à indústria cultural de
massificação mercadológica, mesmo que seja pela apatia, indiferença e atos irresponsáveis,
pois perguntei em sala se além das pinturas apresentadas quais outros meios em que se
manipulavam e fabricavam-se imagens e responderam prontamente que a televisão, o
computador e a propaganda, que no fundo são suportes, meios de transmissão das imagens.
Num segundo momento, discutimos um texto do material didático (OAC) sobre
urbanização e industrialização do Paraná. A partir das questões sobre o texto discutimos o
processo de urbanização e industrialização no Paraná, desde a economia madeireira, da erva-
mate, do café e da industrialização, bem como quem eram os trabalhadores e suas condições
vida, onde geograficamente situavam-se e como estas economias estavam inseridas no
contexto de urbanização, industrialização e desenvolvimento do capitalismo brasileiro após
a segunda metade do século XIX. A intenção desta atividade foi uma de situar historicamente
os alunos nas temáticas nos murais de Poty sobre a história do Paraná e sobre a história das
técnicas e das tecnologias.
No terceiro momento da implementação, após situarmos os alunos no contexto
socioeconômico e histórico do Paraná, trabalhamos basicamente quatro grandes murais de
Poty instalados em Curitiba, a saber: Emancipação Política do Estado (1953), Ciclos
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Econômicos do Paraná (1998), Curitiba e sua gente (1993) e História da Tecnologia
(1966). Apresentamos aos alunos alguns detalhes ampliados dos murais e propusemos que
o professor de Arte trabalhasse como era a técnica de pintura em azulejo cerâmico, pois
entendemos que não caberia ao professor de História aprofundar esta questão técnico-
artística. Os detalhes dos murais mencionados acima, foram apresentados por meio de
aparelho audiovisual em sala de aula, perguntando aos alunos como as imagens
relacionavam-se à de t e rminada economia paranaense dos séculos XIX e XX, como os
trabalhadores eram retratados, quais os meios de transporte utilizados, as formas de trabalho
e como o artista representava estes diferentes momentos históricos. À medida que fomos
apresentando os detalhes dos murais e discutindo com os alunos as suas impressões,
fomos esclarecendo que as pinturas do artista sobre a história do Paraná estavam baseadas
na sua visão sobre o processo histórico paranaense de urbanização e industrialização,
marcadamente pela presença humana neste processo, pois as imagens não apareciam
descoladas do trabalho humano. Deste modo, fomos esclarecendo também, que o autor
poderia ter uma concepção de história, a partir do momento em que o trabalho e a
presença humana permeiam sua obra mural de Poty, e não apenas datas e fatos
cronologicamente estabelecidos.
Assim, com base em sua obra mural de Poty selecionada para este estudo até
podemos deduzir que a História para o referido artista era feita pelos homens concretos em
suas relações com a natureza e com outros homens ao longo do tempo, pois o trabalhador: o
colono, o imigrante, o carroceiro, o ferreiro, o garimpeiro, o caçador, o indígena, os negros, o
caboclos, os operários, os ervateiros, tanto mulheres, como homens e crianças, e seus
respectivos patrões estão fortemente presentes nos murais. Sendo assim, fomos aos
poucos discutindo que os murais eram representações do artista sobre uma época,
conforme a sua visão de mundo somada a visão corrente de sua época sobre as outras. De
forma a deixar claro que os murais não eram um retrato fiel de diferentes momentos da
história do Paraná, mas representações do artista inserido na sua época sobre a história, ou
seja, como o artista via, concebia e representava uma determinada época. E neste caso
podemos perceber a importância da ação humana a todo o momento representado em sua obra
mural.
Trabalhamos também que inexistem estereótipos em sua obra mural estudada, nem
exaltação de personalidades, pois são coletividades, relações humanas que estão presentes
no processo histórico. Além do mais discutimos que foram obras encomendadas
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oficialmente para o artista, mas que mesmo assim ele não enalteceu personalidades, mas o
trabalho humano como construção de uma história. Este foi o ponto fundamental dos murais
apresentados, proporcionar ao aluno um estudo histórico por meio da imagem artística.
E neste caso tendo o trabalho humano como foco central, mas situando também os
diferentes momentos da produção mural do artista, respectivamente nas efervescentes e
nacionalistas décadas de 50/60 e a década de 90 numa fase de redemocratização política de
viés econômico neoliberal no Brasil.Discutimos ainda com os alunos que a própria obra
mural de Poty, artista renomado nacionalmente, tinha sua própria trajetória histórica ao
longo das décadas de 40 à 90 e suas obras não deixam de conter este movimento de
influências, concepções e contradições socioeconômicas do povo brasileiro. Podemos
relacionar a obra de Poty a de outros grandes artistas nacionais e também muralistas como
Di Cavalcanti e Portinary o quais tinham forte tendência modernista de preocupação social e
de respeito a maioria da população brasileira ao longo de nossa história de exploração
colonial indígena, escravocrata e imigrante, mas que certamente foram estes trabalhadores
que construíram e constituíram a história social do Brasil.
Breves conclusões
Ao final da implementação do Projeto e do material didático na Escola diretamente
com os alunos, com base na discussão do conceito de imagem e suas possíveis
manipulações, nos conteúdos de história do Paraná inserida no contexto nacional de
urbanização e industrialização, e nas obras murais de Poty, concluímos o trabalho proposto
com os alunos solicitando à eles um texto avaliativo no qual discorressem sobre o que
apreenderam da relação entre a história e a imagem artística. Os textos produzidos foram
bastante interessantes, argutos e elucidativos, pois os alunos registraram que aprenderam “a
olhar as imagens [e as imagens artísticas] com outros olhos”, que passaram a entender a
diferença entre “retratar e representar” alguma coisa do passado ou do presente, a
compreender que as “coisas” são mais complexas do se pensa. Em suma, nós podemos
concluir que a obra de arte reflete muito mais a época que vive o artista, do que o
passado que ele procura representar, e que o artista tem sua própria visão de mundo a qual
está inserida na cultura de sua época, e assim todo o artista, todo o homem é fruto do seu
tempo, mesmo que ele ultrapasse os conceitos e pré-conceitos de sua época ele constitui-se
numa cultura histórica.
Por outro lado, podemos concluir também que a imagem do ponto de vista crítico
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é pouco trabalhada no ensino de história na educação básica, elas são tomadas mais como
ilustrações de uma época do que como texto e documento ou fonte histórica que precisa ser
lido e interpretado também, e não assimilada como se fosse o real, pois ela nunca será o
real, mas apenas uma representação pessoal/cultural de determinado tema de uma época.
Portanto as imagens artísticas de cunho histórico acabam muito mais nos dizendo sobre a
época em que foi produzida, do que aquela que está se propondo a representar, pois o artista
e sua obra estão permeados pela cultura da sua época. E isto precisa ser levado em conta
para se estudar e buscar compreender as imagens artísticas, mas também as imagens
produzidas de forma técnica e virtual, pois todas se tratam de representações bidimensionais
ou tridimensionais do real, nunca o real, e quando o forem deixarão de ser imagens e sim
o próprio real.
Por fim, o estudo da imagem artística no ensino de história possibilita certamente
uma compreensão mais ampla e crítica do seu uso, desde que ela não seja tomada como
prova cabal, mas como fonte histórica que precisa ser criticamente interpretada por
professores e alunos envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Abre também um amplo
espaço para o trabalho com outras possibilidades de imagens visuais desde as
cinematográficas, televisivas e virtuais no ensino, que também precisam ser dimensionadas
como produtos de uma época. Também os filmes que tratam temáticas históricas podem
nos informar mais sobre a visão de mundo da época em que foi produzido, do que sobre a
época que busca retratar. Assim não podem ser tomados como provas de uma época, mas
apenas como representações de uma época sobre outra, pois também o que produzimos
são conhecimentos históricos sobre determinado tempo e estes conhecimentos produzidos
dependem da visão de mundo do observador. Podemos afirmar que, estudar as imagens
artísticas é também entendê-las como um conhecimento produzido histórico, social e
culturalmente, por meio das imagens, e sua mensagem pode estar mais contida no subtexto
do que de forma explícita. Acima de tudo, precisamos desconfiar das imagens que estamos
estudando para que possamos apreendê-las enquanto fontes históricas culturalmente
produzidas, a carregadas de contradições e ideologias. Em resumo, trabalhar com imagens
artísticas no ensino de história tem imensas possibilidades positivas como demonstramos
neste artigo e no projeto aplicado, mas também tem limitações se tomadas apenas como
ilustração ou prova irrefutável de determinado objeto do passado. E se considerarmos que
vivemos atualmente sob o predomínio do mundo das imagens sobre o texto, sobre a palavra,
urge trabalharmos a imagem de forma crítica para que a juventude não assimile
passivamente e possa ler e reagir à manipulação e ao hiperconsumo imagético que nos
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cerca, pois a “imagem não diz tudo!”.
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