Emily Brontë - O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights)
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O MORRO DOS
VENTOS
UIVANTES Texto de Emily Brontë
PERSONAGENS
HEATHCLIFF
HINLEY EARNSHAW
EDGAR LINTON
SR. LOCKWOOD
JOSIE
ISABELLA LINTON
ELLEN DEAN
SR. EARNSHAW
CATHERINE EARNSHAW (CATHY)
ÉPOCA – 1801
AÇÃO – Cidade da Inglaterra
PRIMEIRO ATO
Casa pobre. Móveis antigos.
LOCKWOOD – Boa noite.
TODOS – Boa noite...
LOCKWOOD – Está vendo? Voltei de acordo com o prometido.
Mas receio ainda que a neve me retenha aqui, por mais ou
menos meia hora... se o senhor me der abrigo durante este
tempo...
HEATHCLIFF – Meia hora... Pergunto a mim mesmo por que o
senhor procurou esta ocasião de furiosa tempestade de neve,
para vir até aqui, sabendo que corre o risco de perder-se nos
pantanais. As pessoas habituadas nestes tremendais perdem-
se, muitas delas, em noites como essa, e posso garantir-lhe que
não há possibilidade de mudança de tempo.
LOCKWOOD – Talvez possa arranjar entre os empregados da
granja, um guia, que ficará comigo até amanhã. Poderia o
senhor ceder-me um?
HEATHCLIFF – Não, não poderei...
LOCKWOOD – Quer dizer que terei que confiar na minha
própria sagacidade?
ISABELLA – Posso servir o chá?
HEATHCLIFF – Sim.
ISABELLA – Devo servir também para ele?
HEATHCLIFF – Sirva, já disse. Puxe sua cadeira para cá.
(Isabella serve.).
LOCKWOOD – É difícil conceber a existência da felicidade
numa vida tão reclusa como a sua, Senhor Heathcliff. E, no
entanto, ouso dizer que cercado de sua família e de sua amada
esposa.
HEATHCLIFF – Onde está ela?... Minha amada esposa?... (Ri.).
LOCKWOOD – Ora, Senhor Heathcliff, sua mulher, quero
dizer...
HEATHCLIFF – O senhor quer dar a entender que o espírito
dela assumiu o papel de anjo da guarda e vela pela sorte do
Morro dos Ventos Uivantes, apesar do seu corpo não estar mais
aqui...
LOCKWOOD (A tempestade aumenta) – Senhor Heathcliff:
creio não ser possível, agora, alcançar a minha casa sem um
guia. Os caminhos devem ter desaparecido sob a neve, e
mesmo que estivessem descobertos, mal poderia distinguir onde
pôr os pés. Que devo fazer?
HEATHCLIFF – Não sei. Siga o caminho por aonde veio.
LOCKWOOD – Então, se vier a saber que fui encontrado morto
num buraco de neve, sua consciência não o acusará de ter sido,
em parte, culpado?
HEATHCLIFF – Quem quer o senhor levar?
LOCKWOOD – Não há empregados na ganja?
HEATHCLIFF – Não há ninguém. A não ser as pessoas que
aqui estão.
LOCKWOOD – Quer dizer que sou obrigado a ir sozinho ou
ficar?
HEATHCLIFF (Raivoso) – Isso é lá com o senhor. Não tenho
nada com isso. Que lhe sirva de lição, para não se meter mais,
levianamente, a fazer excursões nestas montanhas... Quanto a
ficar aqui, devo dizer-lhe que não tenho quartos de hóspedes.
LOCKWOOD – Posso dormir aqui, numa cadeira, nesta sala.
HEATHCLIFF – Não me convém deixar ninguém ficar aqui
sozinho, não estando eu para vigiar... (Pausa.) Em todo o caso,
pode dormir.
LOCKWOOD – Muito obrigado, Senhor Heathcliff...
HEATHCLIFF (Para Isabella) – Isabella: pode dormir...
ISABELLA – Boa noite. (Sai.).
JOSIE – Que Deus tenha compaixão de sua alma. (Sai com
Hinley.).
HEATHCLIFF (Para Lockwood) – Não tenha medo: Josie é um
pobre louco. (Sai.).
LOCKWOOD – Gente miserável... Vocês mereciam, por conta
desta grosseira hospitalidade, ficar segregados para sempre do
convívio humano. (Senta e adormece. Pausa.).
CATHY (Fora de cena) – Heathcliff!... Heathcliff!... Deixe-me
entrar, Heathcliff!...
LOCKWOOD (Acordando) – Quem será? (Vai à janela.) Quem
está aí?
CATHY (Fora) – Sou eu: Catherine Linton... Sou eu, Heathcliff...
LOCKWOOD (Abre a janela. Cathy lhe segura as mãos) –
Largue-me, largue-me se queres que te deixe entrar... Vai-te,
não te deixarei entrar, ainda que tenhas que suplicar durante
vinte anos...
CATHY – Há vinte anos que vivo errante...
LOCKWOOD – Larga-me... Larga-me... Socorro, socorro...
(Entram todos.).
HEATHCLIFF – O que foi? O que houve?
LOCKWOOD – Eu... eu...
HEATHCLIFF – Vamos, fale.
LOCKWOOD – Eu estava aqui quando ouvi uma voz chamar
pelo senhor...
HEATHCLIFF – Por mim? Vamos, fale...
LOCKWOOD – Eu pensando que fosse alguém perdido na
neve, espiei pela janela, não vi ninguém, mas senti sua mão
apertar a minha...
HEATHCLIFF – Miserável. Você ousou tocar naquela mão?
LOCKWOOD – Não. Foi Catherine Linton quem segurou a
minha mão.
HEATHCLIFF (Agarrando-o ansioso) – Canalha: vais morrer!
CATHY (Fora) – Heathcliff!... Heathcliff!...
HEATHCLIFF (Vai à janela) – Cathy… Eu já vou, Cathy… (Para
Ellen.) Ela voltou, Ellen, ela voltou... (Sai.).
LOCKWOOD (A Isabella) – Eu não entendo, minha senhora.
ISABELLA – Eu já estou acostumada com isso... (Sai.).
LOCKWOOD – Mas minha senhora... eu...
ELLEN – A voz que o senhor ouviu era de Cathy...
LOCKWOOD – Cathy?... Mas então ela...
ELLEN – Ela está morta há anos...
LOCKWOOD – Morta? Mas então a mulher que chamou o
Senhor Heathcliff está morta?
ELLEN – Sim, está morta. (Pausa.) O senhor acredita em
espírito?
LOCKWOOD – Mas que história a senhora vai contar-me?
ELLEN (Prevenção, cortina) – A história dos habitantes da
casa do Morro dos Ventos Uivantes. Há muitos anos, o pai de
Catherine Linton, melhor Cathy, chegou em casa acompanhado
de um menino. Eram precisamente dez horas da noite...
(Badaladas durante a mutação. Cortina. Em cena, Cathy,
Hinley e Josie. Batem, fora.).
JOSIE – Já não era sem tempo. Três dias de ausência.
(Earnshaw entra.).
CATHY e HINLEY – Papai! (Abraçam-no.).
EARNSHAW – Vim carregando até rebentar. Nunca estive tão
cansado em minha vida.
ELLEN (Entrando) – Bons olhos o vejam, Senhor Earnshaw.
EARNSHAW – Como vai Ellen?
ELLEN – Bem, patrão.
EARNSHAW – Olhem o que eu trago para vocês: (tira
Heathcliff debaixo do pacote.). Mas é preciso que vocês
aceitem esta carga, como um presente de Deus. Embora esteja
tão preto, como se houvesse saído da casa do diabo.
JOSIE – Que idéia foi esta, patrão, de trazer para casa este
cigano, quando o senhor tem os seus próprios filhos para
alimentar, educar...
EARNSHAW – Eu encontrei este menino morto de fome,
perdido pelas ruas de Liverpool. Indaguei a quem pertencia,
ninguém sabia, e, como o tempo e o dinheiro que se dispunha
eram limitados, pensei que seria melhor trazê-lo de uma vez,
para casa, em lugar de ficar em Liverpool em vãs e
dispendiosas indagações.
CATHY (Para Heathcliff) – Como se chama?
HEATHCLIFF – Heathcliff. E você?
CATHY – Cathy…
HEATHCLIFF – Cathy: bonito nome.
JOSIE (Para Hinley) – É filho do diabo.
EARNSHAW – Cathy, Hinley: fiquem brincando com Heathcliff,
enquanto eu vou mudar o meu casaco.
CATHY – Sim, papai.
EARNSHAW (Levantando-se) – Ajudem-me aqui, Ellen. (Ellen
obedece.) Estou me sentindo mal, Ellen. (Saem os dois.).
HINLEY (Para Heathcliff) – Dá o fora, cachorrinho. Por tua
causa o papai não me trouxe a rabeca que eu lhe pedi.
CATHY – Que é isto? Você não ouviu o que papai disse?
HINLEY – Ouvi sim, mas... ele é filho do Diabo e por isso não
pode estar aqui. Não é verdade, Josie?
JOSIE – Sim: é verdade, patrãozinho. Ele é filho do Diabo e da
feiticeira.
CATHY – Olhe que eu conto para o papai...
HINLEY – Vai contar: sua antipática!
CATHY – Vamos brincar Heathcliff?
HEATHCLIFF – Sim, vamos...
HINLEY – Eu não quero que você brinque com ele. (Para
Heathcliff.) Dá o fora, cachorro: eu te quebro a cabeça com
este pedaço de pau.
HEATHCLIFF – Atira, se você é homem...
CATHY – Não faça isso, Hinley...
ELLEN (Entrando) – O que foi isso?
JOSIE – Não foi nada: são os meninos que estão brincando.
HINLEY – Você vai me pagar, canalha...
CATHY – Ellen: o Hinley quer bater no Heathcliff. (Earnshaw
entrando.).
EARNSHAW – Por que queres bater no menino, Hinley?
HINLEY – É mentira da Cathy, papai...
EARNSHAW – És pior que Josie! Vai rezar e pedir perdão a
Deus. Receio que tenha que lamentar por te haver educado.
(Hinley senta-se junto a Josie.) Venha sentar perto de mim,
Heathcliff. (Heathcliff obedece.).
HEATHCLIFF – O senhor está cansado?
EARNSHAW – Sim, meu filho, muito cansado. (Para Cathy.)
Cathy: venha para perto de mim. (Cathy obedece.).
CATHY – O senhor quer que eu conte uma história, papai?
EARNSHAW – Quero sim, minha filha.
CATHY – No Morro dos Ventos Uivantes, o vento passa
uivando... No Morro dos Ventos Uivantes há um casarão
sombrio e cheio de salas vazias...
ELLEN – Psiu!... Ele está dormindo... (Indicando o Sr.
Earnshaw.).
JOSIE – Eu vou acordá-lo para que reze e vá deitar-se, Senhor
Earnshaw. (Toca nele, que não se move. Faz um sinal a
Ellen.).
ELLEN – Cathy, Hinley, Heathcliff: vamos deitar...
CATHY – Quero dar boa noite a papai: boa noite, papai…
(Vendo que ele está morto.) Ellen, ele morreu... Ele morreu
Ellen... (Prevenção. Cortina.).
HINLEY – Papai... papai... (Abraça-o.).
CATHY (Chorando) – Papai... papai...
HEATHCLIFF – O que tem o moço bom?
ELLEN (Chorando) – Nada, meu filho, nada... Ele não tem
nada... (Cortina. A mesma cena, vinte anos depois. Vento
forte.).
HINLEY – O vento não cessa um só instante. É por isso que
todos chamam esta casa de a casa do Morro dos Ventos
Uivantes.
JOSIE – É milagre que não espatife Deus com esta casa...
ELLEN – E posso saber por quê?
JOSIE – Aqui tudo anda errado, a começar pela criada que se
senta na cadeira do patrão.
ELLEN – Se trabalhasses a metade do que eu trabalho, seu
impertinente, encontrarias menos faltas nos outros. (Pausa.)
Mas onde está o Heathcliff? Naturalmente fazendo o seu
serviço: ele é trabalhador.
JOSIE – Por mim o cigano pode estar até no inferno, que pouco
me importa...
HINLEY – O Heathcliff é a alma mais pestilenta desta casa, um
miserável de coração negro.
ELLEN – Saiba que se Heathcliff cresceu assim, deve
unicamente a você. Lembro-me bem das vezes que fiquei
passando salmoura nas costas do coitado, depois das pancadas
sem piedade que você lhe dava. Por que é que você agora não
tenta chicoteá-lo?
HINLEY – Porque agora cabe a Deus castigá-lo pela maldição
que ele trouxe para esta casa.
ELLEN – Que maldição? Que maldição? Diga!
HINLEY – Maldição sim, eu nasci e fui criado aqui nesta
charneca e sei muito bem o que era esta casa antes de
aparecer aqui este cigano trazido pelo meu pai, esse cigano
ordinário. Lembro-me perfeitamente de como foi que vi pela
primeira vez esse cão. (Sai.).
JOSIE – Desde então, toda a tempestade que atinge esta casa
vem furiosa, medonha, como se o vento quisesse rachar-nos ao
meio. Tornou-se então, a casa da morte... O filho do diabo nos
persegue desde o dia em que entrou aqui o filho da feiticeira.
ELLEN – Feiticeira?
JOSIE – Feiticeira sim...
ELLEN – Não seja idiota. Todos, menos você, ao que parece,
sabem que o patrão encontrou Heathcliff em Liverpool. Um
enjeitado infeliz que nem sequer sabia falar nossa língua.
JOSIE – Justamente porque só conhecia a língua do diabo.
ELLEN – Peste do inferno: pare com isso! Jogaram-no,
naturalmente, de um dos navios que passava pelo porto.
JOSIE – Foi o que disse o patrão falecido, que Deus o tenha em
bom lugar e a sua alma, mas eu tenho certeza que ele
encontrou Heathcliff na charneca.
ELLEN – Pare com isso, Josie, pare com isso. Não tenho tempo
nem disposição para ouvir as suas asneiras, e tome cuidado
com o que fala, sim? Saiba que o Senhor Linton vem ver Cathy
hoje. Isto aqui precisa estar bem limpo e não como está.
JOSIE – Ah, ele vem, é? Pois saiba que Cathy é uma pequena
malvada, quase selvagem. O pai nem tinha esfriado no túmulo e
ela já cantava pela casa, mais contente que um passarinho. Ela
devia ter mais cuidado com a alma...
ELLEN – Há muito tempo para isso. Saiba que Cathy tem o
rosto mais bonito da região.
JOSIE – Os lábios da mulher tinham sabor de mel, sua boca era
macia como o azeite, mas os seus pés mergulhavam no inferno
cada vez mais.
HEATHCLIFF (Entrando) – Ellen: onde está Cathy?
ELLEN – Lá em cima.
JOSIE – Está se enfeitando para o Senhor Linton.
HEATHCLIFF – Ellen, o Senhor Linton vem hoje aqui?
ELLEN – Vem sim...
JOSIE – Mas o que foi isso, ela não contou a você que o
namorado vinha vê-la? Nós todos sabíamos desde ontem. É
interessante esse esquecimento; antigamente ela contava-lhe
tudo, não é mesmo?
HEATHCLIFF – Me contar para quê? Eu não perguntei nada...
JOSIE – Pois é assim mesmo, é o mais lógico: cresceu, criou
juízo, ficou moça, botou o cigano de lado, escolheu um
aristocrata e o diabo do homem está pelo anzol.
HEATHCLIFF (O segura) – Cale esta boca.
ELLEN – Heathcliff...
HEATHCLIFF – Veja lá o que fala de Cathy, ou ainda...
ELLEN (Enérgica) – Heathcliff!...
HEATHCLIFF – Está bem, Ellen, não o tocarei. Mas é que
quando me fala de Cathy nesse tom, eu perco a calma.
ELLEN – Saia daqui, Josie: quero ficar a sós com Heathcliff.
JOSIE – Em nome de Deus, eu...
ELLEN – Largue o nome de Deus em paz, que o usa muitas
vezes para encobrir a sua miséria.
HEATHCLIFF – Largue o diabo, Ellen. Ele não vale mais que
três palavras, quanto mais um sermão. (Josie sai.).
ELLEN – Heathcliff, eu...
HINLEY (Fora) – Heathcliff... Oh, Heathcliff, onde está este
patife?
HEATHCLIFF – É o patrão.
HINLEY – Então, o que é que está fazendo aqui? Quando chego
à minha casa quero encontrá-lo na estrebaria, esperando pelo
meu cavalo, entendeu vagabundo?
HEATHCLIFF – Entendi...
HINLEY – Vá cuidar do meu cavalo, entendeu vagabundo?...
HEATHCLIFF – Entendi...
HINLEY – Vá cuidar do meu animal. Quero que ele fique bem
lustroso de tão limpo, ouviu?
JOSIE (Entra) – O senhor perde tempo e palavra falando com
gente desta espécie, patrão. Ele gosta de trabalhos leves e
assim mesmo quando Deus manda.
HINLEY – Pois comigo ele trabalha, quer queira quer não, por
bem ou por mal e a chicote. Cathy poderá tirá-lo de mim quando
chegar o dia.
ELLEN – O senhor não fará nada disso, com todo o álcool que o
senhor consome e com as hipocrisias de Josie. Isto aqui seriam
ruínas se não fosse Heathcliff...
JOSIE – Liga-se a ele não. Liga-se com o diabo, saiba disso:
vocês dois são uns diabos...
HINLEY – Vamos: essa gente não interessa. O que interessa é
o conhaque. Onde está a garrafa?
JOSIE – Você não ouviu as ordens do patrão? (Heathcliff sai.).
ELLEN – O conhaque é que o está liquidando.
HINLEY – Ellen: desde que o destino decretou que tenho que
passar o resto de meus dias nestas alturas que Deus esqueceu,
permita que eu encurte a distância que me separa da morte,
com os meus copos de conhaque.
ELLEN – Mas é que... (Entra Heathcliff com a garrafa.) Aqui
está o conhaque.
HINLEY – Venha Josie, vamos beber à saúde da minha perfeita
danação. (Sai.).
JOSIE – Vamos sim, patrãozinho. E você, diabo ruim, lembre-se
das ordens do patrão.
HEATHCLIFF – Que ordens?
JOSIE – Sobre o animal...
HEATHCLIFF – Eu cuido do animal: pode dizer. Mas você...
tome cuidado comigo.
JOSIE – Cuidado por quê?
HEATHCLIFF – Porque eu o amaldiçôo...
JOSIE – Não...
HEATHCLIFF – Não sou filho de uma feiticeira?
JOSIE – Pelo amor de Deus não faça isso... (Sai.).
ELLEN – Que coisa feia: assustar assim o Josie com um
negócio de maldição.
HEATHCLIFF – Já estou cansado de aturar este canalha. Além
disso, agora, eu sou forte e ele é o pigmeu. Acabaram-se as
vantagens do lado dele...
ELLEN – Ele pensa que é assim que se faz um bom
empregado, e o que estraga o diabo do homem é a mania de
ser o Representante da Justiça de Deus na Terra, e, como você
e Deus andam tão longe um do outro, o mesmo acontecendo
com Cathy...
HEATHCLIFF – Eu não quero esquecer, não. Quero devolver-
lhe uma a uma todas as maldades que eles fizeram comigo, e
não me importa quanto tempo espere, mas ficarei contente com
o dia da vingança. Quando eles me batiam eu apanhava e ficava
calculando antecipadamente como vingar-me. Só de pensar na
vingança, esquecia tudo, a dor...
ELLEN – Vou aprontar a janta do patrão. Dentro de dois minutos
você poderá levá-la lá em cima. (Sai.).
JOSIE (Entra carregando lenha) – Aqui está mais lenha para a
lareira.
HEATHCLIFF – Que é isso idiota? Lenha para a lareira com um
calor desses. Com uma noite quente como hoje...
JOSIE – E por acaso preciso perguntar a você o que devo
fazer?
HEATHCLIFF – Muito engraçado ver você fazer alguma coisa...
JOSIE – Não diga isso, porque eu, graças a Deus, faço serviço
por dez homens...
HEATHCLIFF – Dez homens? Você? Ora, não me faça rir...
(Ri.).
JOSIE (Dá com um pedaço de lenha em Heathcliff) – Seu
cachorro...
HEATHCLIFF – Ai...
CATHY (Entrando) – O que aconteceu?
JOSIE – Não aconteceu nada: eu escorreguei e um pedaço de
lenha foi bater em Heathcliff. Não tenho culpa...
CATHY – Você escorregou, é?... Seu hipócrita. Você foi bater à
traição em Heathcliff. Josie, aleijado do inferno: você deixe o
Heathcliff de lado. Quem manda aqui é eu e você obedeça...
Olhe que eu o mando embora...
JOSIE – Duvido. Seu pai disse que eu nunca serei despedido
daqui...
CATHY – Mas ele morreu, não morreu? E quem me obriga a
obedecer a vontade de um morto?
JOSIE – Seu irmão Hinley, o patrãozinho...
CATHY – Eu não tenho medo de Hinley. E você não torne a
erguer a mão contra Heathcliff, ou deixo que ele arranque a sua
cabeça do pescoço. E você sabe que ele tem forças para isso.
Ele é mais forte que você, e não pode lhe dar a surra que
merece, mas eu sou mulher e posso... (Dá um pontapé em
Josie.).
JOSIE (Saindo) – Ela está com o diabo no corpo. (Fora.) Ela
está enfeitiçada...
CATHY (Falando para fora) – Canalha... Cachorro...
ELLEN (Segura Cathy) – Mas o que é isso, Cathy?
CATHY – Largue-me... eu quero sossego... (Reparando o
vestido.) Meu vestido: o Edgar não demora! Isto é casa que se
apresente a alguém? Parece uma jaula de feras em lugar de
parecer uma casa, Heathcliff... Levante-se daí, seu idiota, e tire
essa lenha do chão. Que coisa ridícula: você nem está
machucado.
ELLEN – Cathy: não seja tão volúvel, criatura. Calma...
CATHY – Pro diabo com a calma... Pro diabo... (Chora.).
HEATHCLIFF (Levanta-se) – Desculpe Cathy, o que
aconteceu...
CATHY (Com raiva) – Você está imundo. Custa tomar um
banho? Se ao menos penteasse esses cabelos, ficaria com uma
cara um pouco mais agradável. Você não sabe fazer mais nada
a não ser deitar pelo chão e andar às turras com o Josie, como
cão e gato. E o meu vestido, Ellen, como está? Como vou me
encontrar com o Edgar? Quando meu noivo aparecer, Ellen,
diga que eu estou doente, ouviu? Não quero vê-lo. Vou deitar-
me e vou odiar você, Ellen... Vou odiar você, Heathcliff... Vou
odiar a vocês todos... (Sai chorando.).
ELLEN (A Heathcliff) – Aconteceu alguma coisa, Heathcliff?
HEATHCLIFF – Foi coisa sem importância: doeu quando ele
bateu, mas já passou. (Pausa.) Fico contente em saber que ela
não se encontrará mais com Edgar...
CATHY (Que escutou Heathcliff entra, e fala ironicamente) –
Ellen, quando o meu noivo chegar, diga-lhe que eu o espero...
Decidi recebê-lo...
HEATHCLIFF – Cathy: ouça...
CATHY – Ouviu o que eu disse Ellen?
ELLEN – Ouvi. (Cathy sai.).
HEATHCLIFF (Quase chorando) – Ellen...
ELLEN – O que foi?
HEATHCLIFF – Quero que você me arrume: quero mudar de
jeito, de vida.
ELLEN – Não é sem tempo, mas é positivamente fora de hora...
Estou ocupadíssima e não posso cuidar disso agora...
HEATHCLIFF – Diga-me o que é preciso fazer para que Cathy
goste de mim...
ELLEN – Cathy gosta de você. Ela o ama.
HEATHCLIFF – Você acha?
ELLEN – Tenho certeza.
HEATHCLIFF – Mas eu gostaria que ela não gostasse do
Linton...
ELLEN – Ah, mas o Senhor Linton é um cavalheiro...
HEATHCLIFF – Ellen... Faça de mim um cavalheiro...
ELLEN – Está certo, bicho do mato... Vamos começar com água
e sabão. (Enche uma bacia com água e sabão e lava-lhe o
rosto.).
HEATHCLIFF (Com medo) – Mas Ellen... eu acho que eu não
quero mais ser cavalheiro...
ELLEN – Vamos: o que é isso?... Tem medo de lavar o rosto?...
Os cavalheiros lavam também as orelhas. (Prevenção cortina.).
HEATHCLIFF - Eu sei, mas...
ELLEN – Vamos de uma vez. (Mete a cabeça dele na bacia.
Cortina. Próximo quadro, mesma cena.) Agora está um
perfeito cavalheiro...
HEATHCLIFF (Após pentear-se) – Eu estou mais bonito que o
Linton. (Olhando-se no espelho.).
CATHY (Entrando) – Mas por que é que o Edgar está
demorando tanto?
ELLEN – Cathy: você poderia perfeitamente notar que o
Heathcliff está limpo.
CATHY (Com desdém) – É? Não me diga?
HEATHCLIFF – Foi Ellen quem sugeriu...
CATHY – Pensei que você estivesse na idade de lavar-se
sozinho...
HEATHCLIFF – Mas de hoje em diante eu vou tomar um banho
por dia.
CATHY – Não é sem tempo...
HEATHCLIFF – O que é que você está falando? Você para
tomar um banho leva uma vida...
CATHY – Isso é mentira: eu tomo banho todos os dias... não é
Ellen?
ELLEN – Aos domingos eu sei que é verdade, e olha que em
menina, você era bem mais sujinha que o Heathcliff... (Sai.).
HEATHCLIFF – Cathy: está ocupada esta tarde? Vai a algum
lugar?
CATHY – Não...
HEATHCLIFF – Então, por que vestiu este vestido bonito? Creio
que ninguém virá aqui hoje.
CATHY – Ninguém que eu saiba, mas você, Heathcliff, deveria
estar agora tratando de seu serviço...
HEATHCLIFF – Não trabalharei mais hoje. Ficarei com você...
CATHY – Mas Josie será capaz de ir contar ao Hinley. É melhor
você ir...
HEATHCLIFF – Josie está ocupado e não ficará sabendo...
CATHY – Isabella e Edgar Linton falaram de vir aqui, hoje.
Como está chovendo creio que não virão, mas pode ser que
venham e se isso acontecer, você corre o risco de ser
surpreendido sem nenhuma necessidade.
HEATHCLIFF – Mande dizer-lhes, por Ellen, que está ocupada,
Cathy. Não me mande embora por causa desses seus
detestáveis e tolos... tenho ímpetos, às vezes, de lamentar que
eles... mas não quero...
CATHY – Que eles... e que você tem ímpetos de lamentar o
que, Heathcliff?
HEATHCLIFF – Nada... Olhe só para a folhinha que está na
parede: as cruzes marcam as noites que você dedicou aos
Linton; os pontos, as que você dedicou a mim. Está vendo?
Marquei todos os dias.
CATHY – Sim, mas é absurdo, como se eu prestasse atenção.
E o que significa isto?
HEATHCLIFF – Significa que eu presto atenção...
CATHY – Eu sou obrigada a estar sempre com você? Que
ganho com isso? Sobre o que conversa você? Poderia muito
bem passar por mudo, ou por um bebê. Pelo que faz ou pelo
que diz para me divertir.
HEATHCLIFF – Você não disse antes, que eu falava muito
pouco e que não gostava da minha companhia...
CATHY – Não se pode chamar de companhia, afinal, uma
criatura que nada diz e nada sabe.
HEATHCLIFF – Está bem, Cathy... Está bem... (Magoado, sai.).
CATHY (Vai à porta e chama por Heathcliff, mas entra
Edgar) – Heathcliff, eu...
EDGAR – Não vim cedo demais, não é Cathy? (Ellen entra.).
CATHY – Não, Edgar. (À Ellen.) O que é que você está fazendo
aqui, Ellen?
ELLEN – O meu serviço. O Senhor Hinley me deu ordens de
estar sempre presente nessas visitas particulares do Senhor
Linton.
CATHY (Aperta Ellen) – Trate de sair com seus espanadores.
Quando há visitas, as criadas não devem se pôr a esfregar e a
limpar a sala em que elas se acham...
ELLEN – É uma boa ocasião, porque o patrão não está.
EDGAR – Por quê?
ELLEN – Ele não gosta que eu me movimente no meio destes
objetos quando ele está presente. Estou certa de que o Senhor
Edgar me desculpará...
CATHY – Eu também não gosto que você se movimente na
minha frente.
ELLEN – Lamento muito, Cathy. (Cathy dá um beliscão em
Ellen.) Oh, menina, isso não é brincadeira que se faça. Você
não tem o direito de me beliscar assim. Eu não estou para
suportar uma coisa dessas.
CATHY – Mentira sua: eu não toquei em você...
ELLEN (Mostra o braço vermelho) – Que é isso, então?
CATHY – Saia da sala, Ellen... Saia, Ellen...
EDGAR – Que é isso, Cathy?
CATHY (Dá uma bofetada em Edgar) – Ora, Edgar... (Edgar
vai saindo.) Aonde você vai, Edgar? Você não deve ir...
EDGAR – Devo ir e irei...
CATHY – Não, Edgar: sente-se, não me deixe, sofrerei a noite
inteira se você for, e não quero sofrer por você...
EDGAR – Posso ficar, depois que você me bateu no rosto?
Você me causou medo e vergonha. Não voltarei mais aqui...
CATHY – Não fiz nada de propósito... (Pausa.) Pois bem, pode
ir se quiser... Vá embora, e agora eu irei chorar: chorar até ficar
doente...
ELLEN – A menina é terrivelmente caprichosa, meu Senhor.
Mais geniosa que qualquer criança mimada. Acho melhor o
Senhor ficar, senão ela ficará, ou melhor, se fará ficar doente só
para nos aborrecer...
HINLEY (Fora) – Heathcliff... Oh, Heathcliff...
ELLEN – Aí vem o patrão, Senhor Linton…
CATHY – Vamos por aqui, Edgar... (Saem.).
HINLEY (Entrando) – Tanto me faz matar um como dois.
Desejo matar um de vocês. Não terei descanso enquanto não
fizer isso. Compreendo agora porque nunca os encontro, mas
com o auxílio de Satanás, far-te-ei engolir a faca de trinchar...
ELLEN – Mas eu não gosto de faca de trinchar, Senhor Hinley.
Preferia ser fuzilada, se quisesse fazer esse favor.
HINLEY – Qualquer dia te farei a vontade.
ELLEN – Que belo estado o Senhor chegou.
HINLEY – Chegarei ainda a um mais belo. Heathcliff... Oh,
Heathcliff...
HEATHCLIFF (Entrando) – O que há?...
HINLEY – Meta-se bem longe dos meus olhos, que eu não te
ouça... Dá-me um pouco de conhaque. (Heathcliff sai e volta
com a garrafa.).
ELLEN – Não beba mais, Senhor Hinley. Tome cuidado, tenha
pena de sua irmã já que não tem de si mesmo...
HINLEY – Qualquer pessoa será melhor para ela do que eu...
ELLEN – Tenha compaixão de sua própria alma.
HINLEY – Eu, pelo contrário, terei grande prazer em que ela se
perca. (Saindo.) Um viva cordial pela minha perfeita danação!
(Sai.).
HEATHCLIFF – Pena que ele não rebente de tanto beber... Ele
faz o mais que pode, mas seu gênio é mais forte... (Sai.).
CATHY (Entrando) – Está sozinha, Ellen?
ELLEN – Sim, Senhorita Cathy.
CATHY – Onde está Heathcliff?
ELLEN – Cuidando do seu serviço, na estrebaria.
CATHY – Eu sou muito infeliz, Ellen...
ELLEN – Você é incontentável: com tantos amigos, tão poucas
preocupações e não consegue se dar por satisfeita?
CATHY – Ellen: queres guardar um segredo meu?
ELLEN – Se é coisa que preste, que valha a pena...
CATHY – Sim, pois me atormenta. Eu preciso aliviar-me.
(Heathcliff aparece e ouve a conversa.) Tenho necessidade
de saber o que fazer. Edgar Linton pediu-me em casamento e
eu lhe dei uma resposta; agora, antes que eu te diga se eu
respondi sim ou não, responda-me qual deveria ser a resposta...
ELLEN – Na verdade, Senhorita Cathy, como posso eu saber?...
Certamente, depois do espetáculo que lhe preparou, seria
conveniente recusá-lo.
CATHY – Se falas assim, não te direi mais nada. Aceitei Ellen.
Depressa: diga-me se fiz em ou fiz mal?
ELLEN – Se você respondeu sim, para que discutir mais o
assunto? Você deu a sua palavra e não pode mais retratar-se.
CATHY – Mas diz-me: fiz bem ou fiz mal?
ELLEN – É preciso considerar muito, antes de poder responder.
Antes de tudo: gostas do Senhor Linton?
CATHY – Quem não o amaria? Sem dúvida eu o amo...
ELLEN – Por que gosta dele, Cathy?
CATHY – Que pergunta: gosto dele - e isso basta.
ELLEN – Deves dizer por que.
CATHY – Está bem: porque é belo, e agrada-me estar em sua
companhia.
ELLEN – Mau.
CATHY – Porque é jovem, alegre...
ELLEN – Pior ainda...
CATHY – Porque gosta de mim...
ELLEN – Não adianta depois do que lhe disse...
CATHY – É rico, e eu gostaria de ser a mulher mais rica e mais
importante desta região, orgulhosa de tê-lo como marido...
ELLEN – Pior que tudo. E agora me diga: como gosta dele?
CATHY – Que tolice, Ellen. Amo o chão que ele pisa, o ar que
ele respira, tudo o quanto toca e tudo o quanto diz; amo todos
os seus olhares e todos os seus gestos.
ELLEN – Por quê?
CATHY – Ora, estás brincando, e isso é muito sério e mau, de
sua parte. Para mim não é um brinquedo.
ELLEN – Estou muito longe de querer brincar, Cathy. Você
gosta do Senhor Linton porque é jovem, belo, alegre, rico e
também te ama, e, provavelmente, sem isso você não o amaria.
CATHY – Não, é certo. Teria apenas piedade dele... Detestá-lo-
ia, talvez, se fosse feio e rústico.
ELLEN – Mas há muitos rapazes bonitos, ricos no mundo. Que
coisa a impediria de gostar dele?
CATHY – Se há outros, estão longe do meu alcance, nunca os
encontrarei, e nem outro igual a ele.
ELLEN – Pode acontecer que venha a encontrar, e além do
mais, ele não será sempre jovem e belo, e pode ser também
que não seja sempre muito rico.
CATHY – Mas o é agora, e eu tenho que ver apenas o presente.
Gostaria que falasse com um pouco de bom senso.
ELLEN – Está bem: isso decide o assunto. Se você só tem que
se preocupar com o presente, então se case com o Senhor
Linton.
CATHY – Não preciso do seu consentimento para isso, hei de
casar-me com ele. Mas afinal, não me disseste se fiz bem ou
mal.
ELLEN – Você deixará uma casa sem conforto, por outra,
opulenta e respeitável. Gosta de Edgar e ele gosta de você, tudo
parece simples e fácil. Onde está o obstáculo?
CATHY (Põe a mão no coração e na cabeça) – Aqui e aqui.
Por toda a parte onde a alma vive - na minha alma, e no meu
coração, estou convencida de que fiz mal...
ELLEN – Isso é muito estranho, não posso compreender.
CATHY – É o meu segredo, mas se não zombares de mim,
explicarei. Não posso fazê-lo claramente, mas te darei uma idéia
do que sinto. Ellen: nunca sonhaste sonhos estranhos?
ELLEN – Uma vez ou outra...
CATHY – Eu também tenho, na minha vida, sonhado coisas que
não me abandonam e que modificaram minhas idéias, alteraram
a cor dos meus pensamentos. Eis um dos meus sonhos: vou
contar-te, mas cuidado para não sorrir de nenhum pormenor.
ELLEN – Não diga nada Cathy. Nossa vida já é bastante triste,
para que enchermos de fantasmas e visões?
CATHY – Se eu estivesse no céu, seria muito infeliz Ellen...
ELLEN – Porque você não é digna de ir para lá. Todos os
pecadores seriam infelizes no céu...
CATHY – Não é por isso. Sonhei uma vez que estava lá...
ELLEN – Já disse que não quero ouvir os seus sonhos...
CATHY – Ia dizer que o céu não me parece a minha verdadeira
residência. Dilacerava-me o coração de tanto chorar, no desejo
de voltar para a Terra; e os anjos ficaram tão aborrecidos com
isso, que se precipitaram no meio da charneca, no alto do Morro
dos Ventos Uivantes, onde despertei chorando de alegria. Eis o
que te explica o meu segredo. Não me interessa estar no céu,
como não me interessa casar com Edgar Linton, e se Hinley não
houvesse degradado tanto Heathcliff, eu não pensaria em casar-
me com Linton. (Heathcliff entra sem ser visto.) Agora me
degradaria a mim mesma se casasse com Heathcliff. (Heathcliff
sai.) Ele não saberá nunca como eu o amo, e isso não porque
seja belo, mas porque ele é mais eu do que eu mesma: seja de
que foram feitas nossas almas, a minha e a dele são as
mesmas; e a de Edgar é tão diferente, como um raio de lua da
escuridão, ou como a geada do fogo. Mas diga-me Ellen: será
que Heathcliff sabe o que é estar apaixonado?
ELLEN – Não vejo razão para que não saiba, uma vez que você
sabe. Já pensou como ele suportará ficar completamente
abandonado no mundo?
CATHY – Não Ellen. Enquanto eu for viva nem um mortal
conseguirá isso. Poderão todos os Linton desaparecer, mas não
consentirei em separar-me dele. Nunca te passou pela cabeça
que se eu e Heathcliff nos casássemos seríamos mendigos,
enquanto que se eu casar com o Edgar, eu posso ajudar
Heathcliff a se erguer, colocando-o fora do jugo do meu irmão?
Ellen: Heathcliff é minha grande razão de viver.
ELLEN – Não me perturbe mais com seus segredos: não
prometo guardá-los...
CATHY – Não guardará este?
ELLEN – Não prometo coisa alguma.
CATHY – Mas onde estará Heathcliff, por que é que ele não
aparece? Eu fui má para com ele, hoje. Quero vê-lo... quero vê-
lo...
ELLEN – Você não vai sair com um tempo desses, vai?
CATHY – Vou...
ELLEN – Não faça isso, Cathy... (Josie entra.).
JOSIE – Ellen... Ellen... O Heathcliff pegou um cavalo e foi-se
embora...
CATHY (Saindo) – Não... Heathcliff... Heathcliff... Volte…
Volte…
ELLEN – Cathy: volte menina! Que imprudência...
HINLEY (Entrando) – Mas o que foi que aconteceu?
ELLEN – Cathy saiu na chuva à procura de Heathcliff...
(Prevenção cortina.).
HINLEY – Pro inferno com ambos... Pro inferno... (Cortina.
Casa de Edgar Linton, cinco anos depois. Casa rica.).
ISABELLA – A Casa do Morro dos Ventos Uivantes...
ELLEN – O que ela tem senhorita?
ISABELLA – Aqui de casa vê-se nitidamente a casa do Morro
dos Ventos Uivantes, lá em cima, lá longe fazendo contraste
com o horizonte azul, e parece ainda mais negra. Hoje, com o
dia claro que está fazendo.
ELLEN – É...
ISABELLA – Por aqui não há nada que se possa comparar com
a casa do Morro dos Ventos Uivantes.
ELLEN – A menina não acha que deve falar menos nessa casa?
ISABELLA – Mas eu gosto de falar nela. É tão misteriosa, tão
extravagante, tão bonita. Por que será que o Edgar não quer
que fale, ao menos mencione o nome da casa do Morro dos
Ventos Uivantes?
ELLEN – Então por que menciona?
ISABELLA – Você quer dizer com isso que não obedeço ao
meu irmão.
ELLEN – Não...
ISABELLA – Não vou mencioná-la para Cathy e nem diante
dela, é lógico. Gosto de minha cunhada e não quero por nada
deste mundo, agitá-la. Mas quando estamos sozinhas, como
agora, por que não devemos falar nela?
ELLEN – E por que havemos de falar?
ISABELLA – Por favor, Ellen: fale da casa que você morou
tantos anos...
ELLEN – Mas falar o quê? Se é uma casa como as outras,
dentro da qual muitos nasceram e muitos morreram...
ISABELLA – Contam-se tantas coisas a respeito dela; dizem
até que... (Cathy entra e Ellen sai.).
CATHY – Boa tarde, Isabella.
ISABELLA – Eu estava lendo um livro muito interessante.
CATHY – O que vale é que eu não gosto de ler.
ISABELLA – Pois leia esse que você vai gostar. Eu sou louca
por um romance.
CATHY – Não.
ISABELLA – Você vai gostar, porque a casa é parecida com a
Casa do Morro dos Ventos Uivantes...
CATHY – A Casa do Morro?...
ISABELLA – Sim, trata-se de uma casa mal-assombrada...
CATHY – Mas a casa do Morro não é mal-assombrada.
ISABELLA – Dizem que é.
CATHY – Não falemos mais nisso...
ISABELLA – Por quê?
CATHY – Porque há três anos que eu procuro esquecer aquela
casa e tudo que se relacione a ela.
ISABELLA – Mas então você detesta aquela casa?
CATHY – Não a detesto... eu...
ISABELLA – Escute, minha querida Cathy, vamos lá visitar a
casa misteriosa que eu adoro à distância, sim?
CATHY – Para quê?
ISABELLA – Aquela casa, Cathy, me inspira tanto, que sou
capaz de escrever um livro sobre ela, e Josie, por exemplo,
podia ser o fantasma da casa.
CATHY – Fantasma?
ISABELLA – Sim, aquela casa é tão misteriosa, todos têm
medo dela, chegam até a dizer que o espírito de Heathcliff não
sai de lá...
CATHY – Mas Heathcliff não morreu...
ISABELLA – Como sabe se nunca mais ouviu falar nele?
CATHY – Porque sei...
ISABELLA – Mas Josie jura que em noites de tempestade o
Heathcliff bate nas venezianas e pede para entrar...
CATHY – São mentiras, ouviu?... São mentiras... Heathcliff não
morreu...
ELLEN (Entra assustada) – O que foi que aconteceu?
CATHY – Não foi nada. Onde está o Edgar?
ELLEN – Mas o que foi que aconteceu?
CATHY – Não foi nada, já disse. E não falem comigo... (Sai.).
ELLEN – O que foi que a menina Isabella disse?
ISABELLA – Falava sobre a casa do Morro dos Ventos
Uivantes.
ELLEN – Pois devia envergonhar-se. Não devia ter falado.
ISABELLA – Eu sei, mas a culpa é mais sua do que minha.
ELLEN – Pois devia envergonhar-se. Não viu como Cathy saiu
daqui?
ISABELLA – Mas não me envergonho, não. Porque eu, muitas
vezes, tenho certeza que Cathy quer voltar para lá. Ela, sempre
que saímos a passeio, fica olhando para a casa do Morro dos
Ventos Uivantes, e parece ter saudade do passado.
ELLEN – Pois eu tenho certeza que Cathy é feliz com o marido
e não pensa mais no passado.
ISABELLA – Pois eu tenho certeza que Cathy não esqueceu o
passado.
ELLEN – Não esqueceu?
ISABELLA – Não esqueceu Heathcliff. Eles se amavam muito,
não é Ellen?
ELLEN – Porque cresceram juntos.
ISABELLA – Será que ele morreu?
ELLEN – Não sei. (Edgar entra.) Boa tarde...
ISABELLA – Que tem você? Aconteceu algo?
EDGAR – Uma coisa inesperada: onde está Cathy?
ISABELLA – Lá em cima. Quer que eu vá chamá-la?
EDGAR – Não, não é preciso...
ISABELLA – Mas o que foi que aconteceu?
EDGAR – O Josie foi encontrado nas charnecas,
completamente louco.
ELLEN – E onde está o Josie, Senhor Linton?
EDGAR – Não sei...
ELLEN – Pobre Josie...
CATHY (Entrando) – Boa tarde, Edgar.
EDGAR – Boa tarde, querida. (Batem fora. Ellen sai.).
ISABELLA – Quem será?
ELLEN (Entra) – Senhor Edgar: está aí uma pessoa que quer
vê-lo...
EDGAR – Que pessoa Ellen?
ELLEN – Um homem.
CATHY – E o que ele quer?
ELLEN – Não o interroguei sobre o assunto.
EDGAR – Diga-lhe que espere.
ELLEN – Mas é que...
CATHY – Mas eu o conheço...
ELLEN – Conhece, mas é alguém que você não espera... e...
CATHY – Não pode ser ele...
ELLEN – Mas é...
ISABELLA – Quem?
EDGAR – Heathcliff?
ELLEN – Sim.
EDGAR – Diga-lhe que entre. (Ellen sai.).
HEATHCLIFF (Entra) – Boa tarde.
EDGAR – Entre, queira sentar-se...
HEATHCLIFF – Pois não, obrigado.
EDGAR – Fique à vontade: a casa é sua.
HEATHCLIFF – Obrigado.
EDGAR – Lembra-se de Isabella?
HEATHCLIFF – Lembro...
ISABELLA – Eu também me lembro do Senhor. Costumava vê-
lo na casa do Morro...
EDGAR – Onde foi que você esteve?
HEATHCLIFF – Longe daqui, Senhor Edgar, longe daqui...
EDGAR – Veio a passeio ou para ficar?
HEATHCLIFF – Pretendo ficar.
EDGAR – Muito bem.
HEATHCLIFF – Não sei se o senhor sabe, mas eu comprei a
casa do Morro.
CATHY (Espantada) – Como? Hinley lhe vendeu a casa do
Morro?
HEATHCLIFF – Não, minha senhora, não foi Hinley quem me
vendeu, e sim um credor.
ISABELLA – E o senhor vai morar na casa do Morro dos Ventos
Uivantes?...
HEATHCLIFF – Sim, senhorita.
ISABELLA – E Josie?
HEATHCLIFF – Vai morar comigo. Não fomos sempre bons
amigos?
ISABELLA – O senhor tem um bom coração.
HEATHCLIFF – Quem faz o bem recebe o bem, senhorita
Isabella.
ELLEN (Entrando) – O chá está servido.
EDGAR – Vamos Senhor Heathcliff...
HEATHCLIFF – Com todo o prazer, Senhor Edgar. (Saem os
dois.).
ELLEN – Como ele está mudado. Está um perfeito cavalheiro.
CATHY – Ellen: que pensa você a respeito da ida de Heathcliff
para a casa do Morro?
ELLEN – Causa-me tanta admiração quanto a ti. (Sai, com
Isabella.).
CATHY – E dar-se-ia o acaso de ter se modificado, realmente?
HEATHCLIFF (Entrando) – Não acredita minha senhora?
CATHY – Não...
HEATHCLIFF – É pena. (Cathy vai sair. Heathcliff a segura e
a beija.).
CATHY – Senhor: seja mais delicado...
HEATHCLIFF – E desde quando eu lhe devo delicadezas?
Exija-as de seu marido...
CATHY – Heathcliff... eu...
HEATHCLIFF – Naturalmente esperou que eu me curvasse
humildemente diante de sua figura, como se deve curvar o
convidado indesejável que eu sou nesta casa. Não Cathy: isso
nunca!
CATHY – Desculpe Heathcliff: é difícil reprimir o meu gênio,
dominar o meu temperamento, mas que importa; se estamos
juntos novamente?...
HEATHCLIFF – Perto, disseste bem, mas acrescento
separados, para sempre...
CATHY – Sei que tratei você mal, mas lembre-se Heathcliff que
quando você foi embora naquela noite, condenei-me para o
resto da vida.
HEATHCLIFF – E o que foi que você fez por mim?
CATHY – Perdoe-me, Heathcliff...
HEATHCLIFF – Não perdôo, não. Uns sabem perdoar e devem
perdoar. Eu não posso perdoar. O que eu posso fazer é
devolver um a um todos os insultos recebidos.
CATHY – Eu não deixei de cumprir a minha pena, Heathcliff.
Também sofri: pode acreditar...
HEATHCLIFF – Alegro-me em saber disso. (Cathy sai
chorando.).
ISABELLA (Entrando) – Cathy, Cathy... (Vendo Heathcliff.)
Oh, o senhor...
HEATHCLIFF – Cathy saiu daqui agora mesmo. (Isabella vai
sair.) Tem medo de mim?
ISABELLA – Não. Eu acho você tão bom; tão meigo.
HEATHCLIFF – Acha isso e por quê?
ISABELLA – A sua enorme devoção pela Cathy é uma prova.
Sua bondade com Hinley e Josie é outra. Tudo isso prova a
nobreza de seu coração, do seu caráter.
HEATHCLIFF – Isabella: não seja boba. (Cathy espreita ao
fundo.).
ISABELLA – Por que ficou zangado comigo?
HEATHCLIFF – Não, zangado, não. Por quê?
ISABELLA – Por causa do meu modo de falar, da minha
ousadia em dizer estas coisas.
HEATHCLIFF – Cathy não lhe falou a meu respeito?
ISABELLA – Sim, falou...
HEATHCLIFF – E se for verdade tudo quanto ela disse?
ISABELLA – Não, não é verdade...
HEATHCLIFF – Nesse caso, você não teria medo de casar-se
comigo?
ISABELLA – Medo? Casar com você? Você me ama?
HEATHCLIFF – Estou pedindo a sua mão em casamento.
(Pausa.) Teria que morar comigo na casa do Morro.
ISABELLA – Acho a casa do Morro a casa mais emocionante
do mundo.
HEATHCLIFF – Também deve ficar sabendo que Cathy tem
toda a razão no que disse a meu respeito.
ISABELLA – Eu não serei infeliz ao seu lado.
HEATHCLIFF – Virá agora para minha companhia?
ISABELLA – Agora? Mas...
HEATHCLIFF – Se quer realmente casar-se comigo,
precisamos sair daqui agora.
ISABELLA – Seria emocionante fugir. Sem contar nada para
ninguém. Acha que devemos fugir?
HEATHCLIFF – Sim.
ISABELLA – Está bem, Heathcliff, pegarei o que é meu e sairei
pelos fundos. (Sai.).
CATHY (Entrando) – O senhor tenciona aproveitar-se do
coração de Isabella?
HEATHCLIFF – Você não acha que finge demais em interessar-
se por ela?
CATHY – Você não tenciona casar-se com ela?
HEATHCLIFF – Sim...
CATHY – Só para me magoar, não é assim?
HEATHCLIFF – Sim, também é para vingar-me de teu marido.
CATHY – Saia, Senhor, saia desta casa. (Heathcliff sai.)
Heathcliff... Heathcliff... (Chora.).
EDGAR (Entrando) – O que foi Cathy?
CATHY – Nada, Edgar...
ELLEN (Entrando) – Senhor Linton, Senhor Linton...
EDGAR – O que foi, Ellen?
ELLEN – Sua irmã saiu de casa e deixou este bilhete. (Edgar lê
o bilhete.).
CATHY – O que foi Edgar? (Edgar dá o bilhete a Cathy.) O
que tenciona fazer? (Prevenção cortina.).
ELLEN – Eles não podem estar longe daqui...
CATHY – Corra Ellen: mande os criados à procura de ambos.
EDGAR – Não, Ellen.
ELLEN – Mas, Senhor Linton?
CATHY – Mas, Edgar?
EDGAR – Foi melhor assim, Cathy... foi melhor... (Cortina. A
mesma cena do primeiro ato. Em cena Heathcliff e Isabella.
Isabella à porta.).
HEATHCLIFF – Você está vigiando esta porta a manhã inteira.
Espera alguém?
ISABELLA – Não...
HEATHCLIFF – Por que é então que não sai daí?
ISABELLA – Acho que ainda me é concedido o privilégio de
olhar por uma porta... Daqui eu posso avistar nitidamente a
minha casa, lá, ao longe. Como é bonita...
HEATHCLIFF – Diverte-se chorando de saudades de sua casa?
(Ri.).
ISABELLA – E o que mais posso fazer nesse inferno?
HEATHCLIFF – Não achava a casa do Morro uma maravilha?
Uma casa romântica?
ISABELLA – Porque antes eu não tinha vivido aqui. Esta casa é
medonha, como eu a detesto.
HEATHCLIFF – Garanto que a casa ficaria bem melhor, se você
cuidasse de sua limpeza.
ISABELLA – Eu estou acostumada a ser servida e não a servir.
HEATHCLIFF – Está se vendo: veja os seus cabelos... parece
que nunca viram um pente na vida. (Pausa.) Quer ler alguma
coisa que eu tenha escrito?
ISABELLA – Não...
HEATHCLIFF – É pena. (Pausa.) Saia da porta que está
fazendo sombra...
ISABELLA (Gritando) – Não admito que você grite comigo.
(Noutro tom.) Vamos falar seriamente.
HEATHCLIFF – Falar o quê?
ISABELLA – Quero que você saiba o quanto tem me tratado
mal.
HEATHCLIFF – Só isso?
ISABELLA – Eu não deixei tudo por sua causa?
HEATHCLIFF – Por quê?
ISABELLA – Eu não tolero mais a sua insolência. Pare de
escrever e preste atenção ao que eu estou dizendo. (Com
raiva.) Pare de escrever. (Joga os papéis no chão.).
HEATHCLIFF – Amaldiçoada do inferno! (Dá uma bofetada em
Isabella.).
ISABELLA – Goste de mim, Heathcliff. Eu quero o seu amor, eu
morro de amor por você.
HEATHCLIFF – Saia de perto de mim. (Heathcliff empurra
Isabella, que cai.) Idiota!
ISABELLA – Como sou infeliz... (Chora.).
HEATHCLIFF – Foi isso que mandou dizer na carta que
escreveu para sua casa?
ISABELLA – E o que tem isso? Escrevi a Ellen.
HEATHCLIFF – Pediu que viesse até aqui, não foi?
ISABELLA – Foi...
HEATHCLIFF – Tomara que ela morra. (Com raiva. Josie ri,
do lado de fora.) Josie... Josie... (Josie entra.).
ISABELLA – Por que não o mata de uma vez? Ele é um idiota
horrendo! (Com medo.).
HEATHCLIFF – Lembro-me que uma vez você achou-me nobre
por eu conservá-lo em minha companhia.
ISABELLA – Como eu era tola naquele tempo. Só agora eu sei
que você o deixa viver pela mesma razão que eu: você quer
magoar a todos.
HEATHCLIFF – Cale a boca.
HINLEY (Entrando) – O que é isso?
HEATHCLIFF – Saia daqui, seu idiota... Josie: leve Hinley lá
para cima e dê-lhe conhaque.
ISABELLA – Heathcliff: não seja mau.
HEATHCLIFF – Cale a boca, já disse... (Batem à porta.).
ISABELLA – Eu vou... é Ellen...
HEATHCLIFF – Fique onde está: eu abro a porta... (Heathcliff
abre a porta. Ellen entra.) Estava à sua espera.
ISABELLA (Abraçando Ellen) – Eu nem acredito. É tão bom
ver você. Por favor, venha até aqui para bem perto de mim. Tem
alguma carta?
ELLEN – Não tenho carta alguma...
ISABELLA (Decepcionada) – Ellen...
ELLEN – Seu irmão manda avisar que Cathy está muito doente.
Ele quer que a senhora vá vê-la antes de morrer.
HEATHCLIFF (Quase chorando) – Não fale assim, Ellen...
ELLEN – Estou falando seriamente, e você é o culpado de tudo.
Quando você fugiu com Isabella, voltou-lhe a febre e atingiu-lhe
o cérebro.
HATHCLIFF – Não Ellen, não é verdade. Não fale assim...
(Chora. Batem à porta.).
ELLEN – Quem será?
HEATHCLIFF – Não sei. (Heathcliff abre a porta. Cathy
entra.).
TODOS – Cathy?
CATHY – É natural que se assustem, mas meu aspecto não é
tão horrendo assim...
ELLEN – Cathy, mas que imprudência.
HEATHCLIFF (Meigo) – Sente-se aqui, Cathy...
CATHY – Não, Heathcliff. Quero ficar em pé. Isabella: trouxe-te
flores. São as primeiras da primavera. (Dá-lhe as flores.
Isabella, com ódio, atira as flores no chão.).
ISABELLA – Eu não as quero...
HEATHCLIFF – Isabella...
CATHY – Você está tão mudada, Isabella...
ISABELLA – Não caçoe Cathy. Não caçoe do meu vestido
pobre e rasgado...
CATHY – Eu não falei com esta intenção.
ISABELLA (Com raiva) – Falou sim, falou...
HEATHCLIFF – Isabella: retire-se... (Empurra-a para fora.).
ISABELLA – Não me retiro...
HEATHCLIFF – Saia, já disse...
ISABELLA – Vocês hão de me pagar... (Sai com Ellen.).
HEATHCLIFF – Agradeço a sua visita, Cathy. Sente-se aqui.
Ficará mais confortável.
CATHY – Está bem, eu sento. (Senta-se calmamente.).
HEATHCLIFF – Ficou branca como a neve.
CATHY – É a emoção, com certeza.
HEATHCLIFF – Foi por mim que você veio, não é assim?
CATHY (Com emoção) – Foi...
HEATCLIFF (Abraça Cathy) – Minha Cathy...
CATHY – Abraça-me muito assim. Gostaria de tê-lo abraçado
assim por muito tempo e depois termos morrido juntos. (Chora.).
HEATHCLIFF – Cathy...
CATHY – Eu tenho tanto medo da morte, Heathcliff... eu quero
viver, você me dará vida...
HEATHCLIFF – Sim, Cathy, havemos de recuperar o tempo
perdido até agora.
CATHY – Jogarei fora todos os meus vestidos bonitos e
voltaremos a ser o que éramos. (Chorando.) Quando eu passei,
reconheci as nossas urzes... estão onde costumávamos
encontrá-los... Heathcliff: quero tua mão...
HEATHCLIFF – Cathy, minha querida Cathy... (Edgar entra
com Isabella.).
EDGAR – Você não devia ter saído: doente como está, Cathy.
CATHY (Olhos parados, delirando) – Eu quis, pela última vez,
ver a casa do Morro dos Ventos Uivantes. As urzes, que toda a
primavera eu e Heathcliff íamos colher juntos, desde os tempos
de meninice... Pela última vez quis sentir o jato forte do vento a
beijar a casa, e com o seu ruído característico perder-se na
charneca. (Edgar vai até Cathy.).
EDGAR – Eu e Isabella vamos levá-la, Cathy, para casa.
HEATHCLIFF – Não se aproxime. Ninguém a levará daqui. Eu
adoro-a. Ela é minha...
ISABELLA (Com ódio) – Heathcliff: você...
HEATHCLIFF – Cala-te! Roubei-te aos teus, fiz que você
fugisse de casa, expulsei-te para que teu irmão reagisse; tenho
feito de Hinley um joguete, para que ele reaja. Quando criança
bateram-me, repudiaram-me, fui sempre submisso... Agora
quero vingar-me de todos, inclusive de você, Edgar, que me
roubou o que eu mais queria neste mundo: Cathy. Fiz todos
sofrerem por minha causa.
CATHY (Chorando) – Eles podem me enterrar sete palmos
debaixo da terra; podem plantar em cima de mim um túmulo;
podem erguer um monumento de granito, mas eu só
descansarei quando você estiver ao meu lado...
HEATHCLIFF – Cathy: não fale assim...
CATHY – Heathcliff... Heathcliff... Ah... Ah... (Morre.).
HEATHCLIFF (Desesperado) – Cathy… Cathy… Mas ela está
morta?
EDGAR (Vai abraçá-la. Heathcliff o impede) – Cathy...
HEATHCLIFF – Não a toque… Será sua morte se tocar em seu
vestido.
EDGAR – Mas ela... (Prevenção cortina.).
HEATHCLIFF – Ela é minha. (Edgar sai com Isabella.
Heathcliff pega Cathy nos braços.) Cathy: não me abandone,
meu amor. Aqui, diante do teu corpo que já esfria, eu peço:
dizem que os mortos vem assombrar os seus assassinos à
noite, eu quero que você assombre as minhas noites, ouviu?
Sempre... sempre... a todo instante, rouba-me a razão, quero
enlouquecer com tua imagem. Não me deixe só, nunca...
nunca... (Sai com Cathy nos braços. Cortina. A mesma cena
inicial. Lockwood e Ellen em cena.).
LOCKWOOD – Então foi por isso que ele quis me matar...
quando disse que então ela havia segurado a minha mão.
ELLEN – Sim...
HINLEY – Ellen... Ellen...
ELLEN – Onde está o Heathcliff?
HINLEY – Heathcliff... morreu...
ELLEN – A sua alma foi juntar-se à de Cathy. Duas vidas
separadas no mundo terráqueo, mas unidos para sempre no
mundo espiritual, para sempre, Cathy e Heathcliff. (Cortina
rápida.)
FIM