O MONÓLITO ÂMBAR -...

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O MONÓLITO ÂMBAR

CRÉDITOS

Autor: Monte CookEditora: Shanna Germain

Arte da Capa: Keiran Yanner

CRÉDITOS DA VERSÃO BRASILEIRA

Editores Chefes: Anésio Vargas Junior e Alexandre “Manjuba” SebaTradução: Helder Lavigne e Evelini Andrade

Revisão: Evelini Andrade, Anésio Vargas Junior e Alexandre “Manjuba” SebaDiagramação: Felipe Headley e Natacha Castro

Este conto faz parte do Livro Básico de Regras de Numenera.

Todos os Direitos desta Edição reservados a New Order Editora.© 2016 Monte Cook Games, LLC

Numenera e suas logos são marcas registradas de Monte Cook Games, LLC nos E.U.A. e outros países. Todos os jogos da Monte Cook personagens e nomes de personagens, e as semelhanças distintivas dos mesmos, são marcas registradas de Monte Cook Games, LLC.

O MONÓLITO ÂMBAR

CRÉDITOS

Autor: Monte CookEditora: Shanna Germain

Arte da Capa: Keiran Yanner

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Editores Chefes: Anésio Vargas Junior e Alexandre “Manjuba” SebaTradução: Helder Lavigne e Evelini Andrade

Revisão: Evelini Andrade, Anésio Vargas Junior e Alexandre “Manjuba” SebaDiagramação: Felipe Headley e Natacha Castro

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O MONÓLITO ÂMBAR

CAPÍTULO IX: VENTANIA DE FERROEm que aprendemos a lição da dedicação.

Calaval subiu a colina, seu thumano de estimação ao lado. Fragmentos de tijolos antigos viravam cascalho a cada passo. No topo, ele viu o obelisco âmbar sobre o qual a velha havia falado. Estendia-se ao céu de forma impossível. A luz amarelo-avermelhada do velho e cansado sol capturada nos seus ângulos elevados acima da planície da ruína. Mesmo após todos esses éons, a máquina no coração do obelisco ainda vibrava com energia. Anéis orbitavam o dispositivo, girando com precisão antinatural.

O thumano sentou-se em suas ancas, pernas multiarticuladas dobrando-se sob ele. Ele olhou para seu mestre com olhos negros e estreitos. Poeira vermelha cobriu a peluda crista no topo de sua cabeça.

Calaval colocou sua pesada mochila no chão, próxima a ele, exausto. Ele se abaixou e limpou a sujeira e a poeira dela, e então, de suas roupas. Finalmente, limpou a poeira vermelha do thumano. “Não se preocupe, Feddik”, ele sussurrou. “Você não terá que entrar. Eu terei que fazer isso sozinho”.

O olhar � xo de Feddik, como sempre, fez parecer como se ele tivesse entendido.

Após um breve descanso, a dupla retomou sua jornada. As pessoas da última vila, Cordilheira Nublada, tinham chamado isso de Planície de Tijolos. A falta de criatividade não surpreendeu Calaval. Um povo simples e sem uma clave, eles labutavam nos campos com rebanhos de shereh em vales férteis ao sul. Mas deram a ele comida em troca de algumas bugigangas e shins que ele levava consigo, deram-lhe também um lugar para dormir, portanto foi difícil sentir qualquer coisa além de gentileza em relação a eles. Vilas isoladas de Sacerdotes dos Éons com frequência se tornam perigosamente insulares e temerosas com estranhos. Uma vez, ele chegou a uma comunidade que tinha tropeçado em uma instalação escondida de mundos anteriores enquanto escavava um poço. Eles inadvertidamente liberaram um gás nocivo, transformando a população inteira em canibais maníacos e super-humanos. Calaval mal conseguiu escapar com vida.

Sacerdotes dos Éons e seu conhecimento de numenera poderiam impedir incidentes como esse. Calaval procurou juntar-se às suas � leiras.

A história ensina que as antigas raças que habitaram a terra antes do Nono Mundo detinham grande poder. Esse poder veio do conhecimento. Pode ser que não seja possível para Calaval, Sacerdotes dos Éons ou qualquer outro na terra do presente dominar todo esse conhecimento, mas certamente existem segredos perdidos no passado sobre os quais eles poderiam construir um futuro.

Calaval tinha certeza disso. Só tinha de descobrir como. Ou melhor, redescobrir. Ele tinha um plano sobre como começar.

Uma nuvem vermelha surgiu no horizonte, além do obelisco no céu. Alguém se movendo pela planície ressequida? Certamente alguma coisa grande, se esse fosse o caso. Talvez um rebanho. Talvez um bando de saqueadores.

Feddik ululou. A nuvem assomou, maior. Nenhum rebanho. Nenhuma criatura, a� nal — uma tempestade de areia.

Calaval desembalou seu � ltro do deserto e o colocou sobre a boca. Ajustou então outro sobre o nariz e a boca de Feddik. A besta deu patadas nele algumas vezes, mas rapidamente o aceitou. Eles já haviam passado juntos por tempestades de poeira antes.

A planície árida oferecia pouco abrigo. Calaval continuou andando, pois havia poucas outras opções. O thumano � cou muito perto. A parede de vermelho crescente engolfou o obelisco e abateu-se sobre os exploradores como um monstro. Através de seu � ltro, um odor chamou a atenção do jovem. Refrescou uma memória. Provocou medo.

“Ventania de Ferro!”Calaval procurou, impotente, por algum tipo de abrigo. Mas não

havia onde se esconder. Não da ventania.Ele permaneceria � rme diante da destruição de uma tempestade

de areia, mesmo que isso rasgasse sua carne, mas Ventania de Ferro era algo completamente diferente. Ela não apenas rasgava a carne, ela a alterava. Dentro da ventania existiam partículas produzidas pela numenera, muito minúsculas para que um homem pudesse ver. Calaval não estava realmente certo de que “partículas” era a palavra

O MONÓLITO ÂMBARO Catecismo da Tradição:

Toda glória aos criadores da verdade e do entendimento.Louvor aos inovadores do aço e do sintético.

Louvor aos modeladores da carne, do osso e da mente.Glória àqueles que reesculpiram a terra que dá sustentação e o sol que dá vida.

Louvor aos emissores dos sinais, que até hoje sussurram nos ouvidos das máquinas e dão vida ao inanimado.Louvor àqueles que viajaram para as estrelas e para os reinos além das estrelas.

Toda glória aos criadores da verdade e do entendimento.

Vamos então retomar a recitação da Crônica Sagrada do Pai Altíssimo Calaval, Papa Âmbar e fundador da Cidadela do Conduíte e da Ordem da Verdade, conforme escrita por sua sobrinha-neta, Doroa da Canção Silenciosa:

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certa. Criaturas? Máquinas? Isso ia além do entendimento.Sua mochila foi ao chão com um baque. Ele vasculhou seu

conteúdo enquanto o thumano ululava. Finalmente, ele achou uma pequena sovela de ferro e um dispositivo que parecia ter sido feito para encaixar com � rmeza no punho cerrado de uma pessoa, se a pessoa tivesse seis dedos. Em dois lugares através de sua superfície sintética, pequenos � os � cavam expostos. Calaval se agachou.

Um pequeno painel de vidro em um dos lados exibiu símbolos luminosos quando ele pressionou um pequeno botão em que seu polegar se encaixou. Ele não sabia o signi� cado dos símbolos, mas sabia que quando um símbolo que lembrava um pouco um pássaro voando piscasse, ele precisaria pressionar o botão novamente. Ele olhou para cima e viu a turva nuvem vermelha se aproximar. Ignorando o suor no dorso de seu nariz, Calaval empurrou a sovela para cima, pela cavidade entre os � os expostos perto da parte inferior. O dispositivo tremeu um pouco e surgiu um som crepitante e o cheiro de ar queimado. De repente, um zumbido engolfou Calaval e os nervos por toda sua carne formigaram desagradavelmente. A sovela escorregou de sua mão.

Ele apertou o dispositivo na mão com força e puxou Feddik para perto. O thumano se contorceu enquanto o ar em torno deles bruxuleava. Os pelos nos braços de Calaval se arrepiaram e sua pele formigou. O ar bruxuleante cheirava como uma tempestade. Ele sabia que vinha de um tipo de halo ao seu redor. Uma aura. Um campo. Ele não entendia, mas tinha a esperança de que o campo repeliria as coisas invisíveis e perigosas na Ventania de Ferro.

A tempestade numenera que se aproximava não deu muito tempo para que ele se perguntasse se isso funcionaria. O ar tornara-se, repentinamente, vermelho, agitado. O gerador em sua mão vibrou em uma terrível frequência. Isso entorpeceu sua mão e, então, seu braço. Concentrou-se em se agarrar a ele, embora não pudesse mais senti-lo. Disse a si mesmo que os bilhões de guinchinhos na ventania eram apenas sua imaginação.

A Ventania de Ferro turvou ao seu redor, mas não o machucou.Com um ulular que, rapidamente, tornou-se um uivo, Feddik se

contorceu no agarrão, escapando. Calaval gritou sem emitir som. Os membros e a lateral esquerda da besta emergiram da distorção bruxuleante e entraram na ventania.

Calaval não podia ver o que aconteceu e nem podia, como antes, escutar seu companheiro. O corpo do thumano se debateu. Calaval agarrou um punhado de pelo do Feddik e segurou como pôde enquanto o dispositivo em sua outra mão entorpecia seu corpo cada vez mais, enfraquecendo cada músculo que ele tinha.

Ele fechou os olhos.A ventania passou mais rapidamente do que qualquer

tempestade de areia o faria, mas não tão rapidamente para Calaval. O dispositivo caiu de seu punho contorcido e entorpecido no solo pedregoso. Ele desabou inconsciente, mas foi cuidadoso ao puxar Feddick para cima de si em vez de cair por cima da besta.

Feddick soltou um gemido plangente, diferente de qualquer coisa que Calaval já ouvira.

Quando pôde enfrentar o acontecido, Calaval levantou a cabeça para olhar para seu animal de estimação. Centenas de minúsculos tentáculos vermiformes se debatiam onde, antes, havia dois membros esquerdos de Feddik. A carne em torno daquelas patas e por todo o lado esquerdo tinha a aparência e aspecto de placas metálicas. Orifícios que Calaval não conseguia compreender irrompiam e fechavam nas novas partes da besta. O lado esquerdo de sua face se contorcia com olhos que abriam e fechavam, como se uma multidão de criaturas menores tivesse se instalado em sua cabeça.

A ventania tinha reescrito o thumano. Cada pedaço de sua carne que a ventania tocou, mudou.

Calaval empurrou Feddik de cima de si e levantou. Sua postura não estava � rme, mas nem se deu conta. Olhava apenas para seu velho companheiro se contorcendo, lentamente, no chão. A dor era evidente em cada � bra da criatura, nova e velha.

Com um lamento, Calaval sacou, de sua bainha de couro, a longa faca que estava ao seu lado.

Prendeu a respiração. Lágrimas em torrente por seu rosto. Queria fechar os olhos, mas temia que sua pontaria pudesse falhar. E então encarou Feddick. Observava os olhos de seu amigo enquanto cortava pela parte não metálica de seu pescoço. O sangue formou uma poça em volta da criatura. Que morreu em silêncio.

Calaval não amaldiçoou os deuses que sua mãe lhe havia apresentado, nem rezou a eles por misericórdia. Não que ele não acreditasse nas vastas inteligências não humanas vivendo no céu acima — ele os tinha visto orbitando, noite após noite, com o telescópio de Yessai — só não acreditava que eles controlavam acontecimentos. Acreditava em causa e efeito. Não em deuses. Mesmo as coisas que habitam a esfera de dados foram criadas, o resultado do conhecimento e do entendimento de alguém. Ele acreditava no universo e suas leis, colocados em movimento bilhões de anos atrás.

Só porque as pessoas desse mundo chamavam isso de magia não signi� cava que ele não podia ver além. Isso foi o que os Sacerdotes dos Éons � zeram, e — por mais difícil que fosse aceitar — é o que ele também faria. A numenera, assim os sacerdotes a chamavam, despertou por causa do intelecto dos povos de mundos anteriores. Parecia milagrosa.

Parecia amaldiçoada.

CAPÍTULO X: SOZINHOEm que aprendemos a lição da perda.

Lamentavelmente, o Capítulo X está perdido para nós. O conselho acredita que continha detalhes do luto de Calaval por seu animal e, logo, descrevia sua compaixão e capacidade de amar. Provavelmente também detalhava sua inteligência fantástica (particularmente sua memória quase perfeita) e sua grande sabedoria, frequentemente estando bem preparado para contingências que a maioria das pessoas jamais teria previsto.

Em vez de seu conteúdo nos enriquecer, nos faz contemplar o signi� cado do conhecimento perdido. Não existe perda maior.

Toda glória aos criadores da verdade e do entendimento.

CAPÍTULO XI: ENTRANDO NO OBELISCOEm que aprendemos a lição da perseverança.

O Monólito Âmbar se erguia bem acima de Calaval. Quase diretamente embaixo da máquina obelisco, o zumbido que o vasto mecanismo giratório produzia abafava os sons de sua própria respiração cansada. Os anéis rotatórios se moviam e vibravam em um ritmo que o animava. Era exatamente o que ele estava procurando. A velha de Cordilheira Nublada tinha falado a verdade.

Calaval tinha apenas um último truque em sua bolsa. O resto

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de seu conteúdo era de suprimentos mundanos, ferramentas e equipamentos. Mas ele tinha guardado um pedaço menor de numenera exatamente para este momento. De sua bolsa, ele puxou um cinto de tela metálica e o prendeu em torno de sua cintura. Um dispositivo metálico na lateral do cinto tinha alguns controles simples. Às vezes, pedaços de tecnologia como esse — cifras, como a maioria das pessoas os chamam — pareciam ter sido partes de outros dispositivos maiores. Aqueles que vieram antes acharam um modo de usá-las de um jeito temporário e geralmente uma só vez, de modo precário e correndo alguns riscos. Calaval conhecia um monte de truques. Ele não entendia totalmente como eles funcionavam. Ninguém que ele conhecia entendia. Mas ele conhecia o bastante para tentar esse interruptor, ou cruzar aqueles � os, ou procurar por uma tela exibindo esse símbolo. O bastante para, às vezes, conseguir o efeito que queria. Algo que pudesse usar. Como agora.

Exceto que o cinto não era assim. O cinto, Calaval tinha certeza, fora planejado precisamente para o propósito para o qual ele estava prestes a usar. O único porém fora a forma como o vestia. O cinto foi obviamente projetado para ser usado por uma criatura não humana.

Calaval manipulou os controles. Silenciosamente, seus pés deixaram o chão. Pairando, ele � utuou para cima. Gentilmente, o cinto o removeu do domínio da gravidade. Ele planou ainda mais alto. A paisagem de tijolos vermelhos alargou-se abaixo dele. Um vento quente repuxou suas roupas de couro curtido — seu casaco, seu chapéu. Roçou contra seu rosto exausto e com a barba por fazer.

Acima dele, o Monólito Âmbar se aproximava, e ele pôde ver que, como o próprio nome indicava, a estrutura castanho-amarelada apresentava uma superfície translúcida em contraste com o mecanismo metálico prateado em seu coração. O obelisco apresentava um topo e fundo pontiagudos, mas o centro era um maciço dispositivo mecânico com anéis giratórios orbitando em seu entorno de forma distorcida, mas, de alguma forma, em ângulos precisos.

Conforme ele foi se aproximando — provavelmente a centenas de metros acima do solo — o ponto mais baixo do obelisco � utuante apresentou uma escotilha metálica para Calaval. Controlar sua posição horizontal mostrou algumas di� culdades. Mais uma vez, a posição do painel de controle do cinto sugeriu um usuário com um tipo físico muito diferente do dele. Seu braço � cou dolorido ao se esticar para baixo e para os lados para tocar os minúsculos painéis luminosos. O vento tornava as coisas ainda mais difíceis. Calaval manobrou para a escotilha, mas então a brisa o carregou novamente na direção errada. A situação insinuava o quanto podia ser difícil ser uma folha ao vento com um objetivo. Ou mesmo uma borboleta. Calaval se atrapalhou com os controles do cinto repetidamente, ávido pela escotilha a cada vez que se aproximava, e falhando em alcançá-la cada vez.

Ele começou a se preocupar com quanto de energia o cinto tinha. Quanto tempo a duração do efeito de nuli� cação da gravidade oferecia.

Com seus braços doloridos, cada um por se esticar em direções diferentes, em incômodas posições diferentes, ele tentou uma última vez e � nalmente manobrou próximo o bastante para passar o braço pela alça da escotilha como um gancho. O som incoerente que ele produziu foi um gemido de exasperação e um brado de triunfo a um só tempo.

Então a energia do cinto acabou.Seu próprio peso repentino puxou bruscamente seu braço,

torcendo-o com um estalo doloroso. A agonia alastrou-se por seu ombro e por seu lado. Agarrou o pulso com a mão livre para tornar mais difícil que ele escorregasse, mas quase desmaiou com a dor.

Pendurado na parte inferior do obelisco, ele ofegou em busca de

um fôlego que não conseguia obter. Sua mente vacilou e ele teve que lutar para manter o foco. Finalmente, pois se não o � zesse, sabia que em breve desmaiaria e cairia, ele soltou o próprio pulso e bateu na escotilha para tentar encontrar uma forma de abri-la.

Essa tarefa, pelo menos, foi surpreendentemente simples. Uma alavanca facilmente movida produziu um sibilo repentino, e então, a escotilha se abriu lentamente. Calaval lutou para se pendurar à escotilha em movimento. Quando ela parou, ele girou o corpo para olhar pela abertura que surgira. Estava escuro, mas uma escada metálica oferecia um caminho poço âmbar adentro. Com sua mão livre ele se agarrou no degrau inferior, mas quando fez isso seu outro braço se soltou.

Novamente, uma dor terrível percorreu seu corpo, do ombro ao quadril. Ele mordeu a língua, o que pode ter sido a única coisa que o manteve consciente. Seu braço pendia inútil. Ele não tinha ideia de como escalaria a escada.

Ele fez a única coisa que poderia conceber, ergueu-se o máximo que pôde e jogou uma perna para cima para enganchá-la em um degrau. Após algumas tentativas, teve sucesso. Mas quando o fez, sua mochila afrouxou e despejou seu conteúdo pelo longo caminho até o chão.

Pensamentos sobre amaldiçoar os deuses vieram outra vez à sua mente. Novamente, ele os rejeitou.

CAPÍTULO XII: CAÇADO NO ESCURO

Em que aprendemos a lição da engenhosidade

A subida foi longa e agonizante. Cada superfície ao redor de Calaval vibrava ligeiramente com um constante tamborilar em harmonia com os anéis giratórios do coração central do monólito. Até o ar parecia se agitar, ainda que ligeiramente. Exatamente o ritmo que ele tinha memorizado. Aquele que estivera procurando.

O topo do poço âmbar oferecia uma meia-luz muito tênue para se poder enxergar, e Calaval tinha perdido seus globos luminosos quando sua mochila caiu. Com a mão boa, ele puxou uma caixa de fósforos do bolso e riscou um. Ele con� rmou que suas proximidades estavam seguras, e então jogou o fósforo fora, desabando inconsciente por um longo tempo. Ele sabia que tinha que recolocar o braço de volta na posição certa. Quando era jovem na fazenda, viu seu pai em uma situação parecida. Teve que ajudá-lo a consertar seu ombro.

Hoje Calaval teria que fazer isso por conta própria. Ele lutou para � car em pé. A dor fez sua cabeça girar e ele quase caiu.

Apalpou a parede na meia-luz âmbar. Ele usou seu braço bom para posicionar seu membro deslocado. Respirou entrecortadamente três vezes. Sem parar para pensar, se jogou contra a parede.

Uivou e caiu no chão, contorcendo-se em agonia.Uivou mais alto na segunda tentativa. Após perceber que esta

tentativa tampouco tivera sucesso, apagou por um tempo, sem fazer ideia de quanto.

A terceira tentativa teve um resultado parecido.Finalmente, a quarta tentativa deu resultado. Não apagou,

mas desabou, repousando em seu próprio suor pelo que pareceu mais ou menos uma hora. Uma vez recuperado, se forçou a � car novamente em pé. Firmou um pouco melhor a postura. Respirou fundo três vezes para se recompor mental e � sicamente. Por � m,

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decidiu explorar.A� nal de contas, ele tinha um motivo para estar lá.Ele se viu em uma rede labiríntica de túneis que levava a vastas

e incompreensíveis máquinas. Ou talvez, pensou, partes de uma única máquina maior. Resolveu que o último pensamento parecia ser o mais provável.

Após desperdiçar metade de seus fósforos em suas explorações, encontrou uma pilha de sucata de sintético de vários tamanhos e cores. A maioria canos, sendo alguns ocos e, outros, cheios de cabos e � os. Alguns estavam quebrados e serrilhados. Calaval encontrou um cano oco de sintético branco de mais ou menos sessenta centímetros. Ele usou sua faca para cortar seu chapéu de couro em tiras. Criou uma tocha de improviso colocando uma tira dentro do cano. Ela não duraria muito e produzia muita fumaça, mas duraria mais do que um fósforo e ele tinha muitas tiras de couro e de tecido para usar.

Ele escalou outro poço, e após vagar um pouco, mais outro. A cada subida, sua tocha falhava e ele tinha de reacendê-la na meia-luz quando chegava ao topo. Logo após a terceira escalada, um som alto em staccato irrompeu, estupefazendo-o. Ele deixou a tocha cair e a tira de couro mal acesa se soltou.

O estranho zumbido irregular vinha acompanhado de luz piscante de um azul pálido. E outra vez.

Nessas breves ocasiões iluminadas, ele viu algo se mover. Um painel se abriu em uma parede. Mais luz de dentro. Com um sibilar profundo, uma silhueta emergiu. Retiniu. Zumbiu. Rangeu. Membros antigos se estenderam para a vida. Metal, carne e � ação oscilante na forma de um primata que se agigantava. Pelos desgrenhados tremulavam sobre aquilo, como se cada � lamento preênsil tivesse vida própria. Olhos brancos � taram de cima de um focinho largo, símbolos rolando por eles de um lado para o outro.

Calaval não esperaria para ver mais. Ele saltou poço abaixo, se jogando pelos degraus, deixando a gravidade fazer o seu trabalho. Seu ombro ainda estava frágil, mas ele o ignorou.

Um uivo vindo de cima o fez tremer até os ossos. A forma sombria encobriu a luz que vinha de cima.

Ele desceu mais rápido. Imprudente, ele se deixou cair poço adentro. A cada queda ele arriscava deslocar o braço, mas se guiava pelo terror, não pela dor.

No fundo do poço, ele refez seu caminho pelo tortuoso labirinto de conduítes de acesso à máquina. Ele ouviu a coisa pousar atrás de si com um rosnar vigoroso. Estava certo de que também podia sentir o cheiro da besta. Almíscar e óleo de máquina misturados a alguma coisa que não conseguiu identi� car.

Na escuridão quase total, ele disparou pelos corredores, uma das mãos percorrendo as paredes. A coisa guardiã que despertara estava atrás dele, rastreando-o. Talvez pelo som? Calaval tentou ser o mais silencioso que podia, mas logo desistiu e deu preferência à velocidade. A coisa podia farejá-lo. Podia até seguir o rastro de calor de seus passos. Ele sabia que tais coisas eram possíveis.

Finalmente, ele alcançou a pilha de sucatas de tubulação. Depois que os pegou, alguns canos, no entanto, pareciam muito leves para que fossem usados como armas. Em vez disso, pegou um quase de seu tamanho e voltou a correr. A coisa bestial cambaleou cada vez mais perto.

Calaval se esticou poço abaixo e jogou o tubo. Depois, o seguiu, novamente mais em uma queda mal controlada do que em uma descida.

A criatura veio atrás dele. Dessa vez mais perto, aproximando-se. Como Calaval, ela estava se jogando, usando os degraus

apenas vez ou outra. Mas suas quedas eram mais longas, seus movimentos mais habilidosos.

Calaval chegou ao fundo do poço, mas sabia que a coisa o alcançaria dessa vez.

Na verdade, contava com isso.Ele agarrou o tubo de sintético de extensão serrilhada e voltou

sua ponta para cima, uma extremidade � ncada no chão.A besta caiu em cima do tubo sem demora, seu peso

partindo-o em dois e arremessando Calaval ao chão. A cabeça de Calaval bateu na parede. Na escuridão, a visão se anuviou.

Ele se encontrou deitado sobre o trêmulo chão metálico, incapaz de enxergar. O som de sua própria respiração foi abafado por outro som — arquejos ritmados, úmidos, gorgolejantes, que não estavam muito distantes.

Calaval acendeu um fósforo. Sob a luz, ele viu a coisa-primata, com placas de metal e partes carnosas integradas em um todo remendado. Não havia nada de bonito, caprichoso ou elegante na feitura daquela coisa. Nem mesmo suas partes orgânicas pareciam seguir qualquer tipo de ordem natural. Gavinhas que pareciam pelos retorciam-se por seu corpo, suas extremidades terminadas em minúsculas bocas es� ncterianas. E cada boca minúscula ululava em agonia.

Pelo centro de seu extenso torso se projetava o tubo quebrado. O impulso da descida da criatura cravou a haste quase um metro em suas vísceras. A besta não se moveu. Cada respiração era difícil e cheia de � uido. Sangue misturado a algum líquido leitoso, empoçado ao redor de seu corpo caído de bruços.

O medo de Calaval virou remorso. Pena. Ele achou que a melhor coisa que poderia fazer era colocar um � m no sofrimento da besta. Quis dar uma morte rápida a ela.

Ele não tinha ideia de como fazer isso. Sua faquinha, agora em sua mão, parecia ridiculamente pequena e frágil para a tarefa. Ele chegou mais perto sob a luz de um novo fósforo, mas a criatura uivou e lutou para se mover, o que lhe causou ainda mais dor.

Calaval suspirou. Seus pensamentos vagaram para Feddik.Sentou-se no chão. Ficou com a criatura até seu último suspiro.

CAPÍTULO XIII: CORAÇÃO DA MÁQUINAEm que aprendemos a lição da compreensão

e do entendimento.

Nas partes mecânicas do guardião morto, Calaval encontrou alguns pedaços facilmente removíveis que, com algumas pequenas modi� cações e adaptações, poderia usar. Se não tivesse deixado cair a maioria de suas ferramentas com o resto de seu equipamento, talvez pudesse ter feito mais.

Talvez a mais importante delas fossem os módulos luminosos nos olhos da criatura que, uma vez removidos, proporcionariam bem mais luz que sua pequena tocha. Ele sabia que sua iluminação desapareceria, mas, nas condições de suas necessidades, duraria até que deixasse de ser importante.

Com essas novas cifras, subiu de volta pelos mecanismos internos do obelisco. Agora, se arrastava lentamente. Silenciosamente. Mais nenhum guardião apareceu.

Parou para descansar e lamentou não ter comida.Dormiu.Gradualmente, subiu por todo o maciço monólito, até que o

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tremor em cada superfície alcançasse uma poderosa intensidade. Ao chegar ao topo do vigésimo terceiro poço que subiu, ele determinou que tinha encontrado o coração da máquina. Nesse nível, começou a explorar a sério, observando cuidadosamente tudo o que encontrava.

O cilindro luminoso alongava-se seis metros de um lado a outro, a nove metros de altura. Feito de metal azul, emitia uma luminosidade branco-azulada. Flutuava a sessenta centímetros do chão e pairava a sessenta centímetros do pé-direito. Nada de todo o maquinário que o cercava estava conectado a ele, mas Calaval sabia que ele estava conectado por campos de força e energia invisíveis.

Ele secou o suor da testa. O interior do monólito era quente e úmido. O ar era viciado. Sufocante. Ele precisava entrar naquele cilindro.

Ele estudou sua superfície por horas, procurando por um painel de acesso ou uma escotilha oculta. Nada encontrou.

Dormiu novamente. Irregularmente.Vasculhou as paredes da extensa câmara ao redor do cilindro.

Ele as examinou em busca de mecanismos que pudessem abrir ou dar acesso ao seu interior. Finalmente, retornou ao cilindro e esquadrinhou novamente sua brilhante superfície vibratória. Após muito esperar, ele descobriu que havia um painel em sua superfície — uma porta — quase impossível de perceber. Mas não havia uma forma óbvia de abri-la.

Guiado por essa nova descoberta, ele voltou ao perímetro da sala que estava repleta de máquinas. Ele seguiu linhas de conduítes que corriam por todas as suas superfícies, do teto ao chão. Veri� cou que os controles de alguma função importante estavam por trás de um largo painel de metal, mas quando tentou levantá-lo com sua faca, a lâmina de ferro se partiu.

Sentou-se no chão, exausto e faminto.“É claro”, disse em voz alta. Sacou um dos componentes que

removera da criatura guardiã: uma arma que fora construída em um de seus braços. Ele poderia realinhar seu poder para fazer um uso diferente para si. Deslizando para abrir um pequeno painel em uma extremidade do dispositivo, moveu um pequeno interruptor apontando-o para o painel. Ele nada viu, mas sentiu a coisa do tamanho de um punho quase escapulindo

de sua mão.Ele a empurrou na direção do painel,

que se deformou com um estrondo alto e criou vincos como papel. Guiando o dispositivo que servia como um punho invisível, ele recuou e o painel foi arrancado de seus suportes.

Calaval jogou o dispositivo no chão próximo aos suportes com satisfação.

A placa de vidro recém-exposta chamejou luz e vida, exibindo símbolos e diagramas. Calaval não reconheceu quase nada, mas após algumas tentativas, tocando a tela e movendo os símbolos como se fossem objetos em vez de pedaços de luz, rapidamente achou um jeito de ativar a porta do cilindro.

Virando-se para encará-lo, ele assistiu a parte quadrada do coração da máquina simplesmente sumir de vista.

Ele revelou um interior vazio, mas bem iluminado.

Sem hesitar, Calaval entrou no cilindro.E então estava em outro lugar.Sem realizar transição ou se deslocar, Calaval tinha se movido por

vastas distâncias. Como esperava. Há muito tempo ele aprendeu sobre esse lugar.

Bem acima dele se estendia um domo transparente. Através dele, olhou para o mundo, exibido diante dele como a joia central de uma vasta paisagem de céu noturno. Ou melhor, raciocinou, olhava o mundo de cima. Pois sabia que estava em uma cidadela criada em éons passados por mãos inumanas e colocada no alto, permanentemente no céu.

Lendas falavam de uma cidadela no céu, tão alta que mal era visível da terra. Calaval a tinha visto no telescópio de Yessai. E a velha em Cordilheira Nublada tinha lhe dado o segredo de como acessá-la.

Aqui, Calaval sabia, estavam os verdadeiros segredos da numenera. Talvez — apenas talvez — pudesse, aqui, falar com uma das vastas inteligências surgidas nos mundos anteriores. Se pudesse fazer com que suas perguntas fossem compreendidas, poderia encontrar o conhecimento que buscava para se juntar ao Sacerdócio dos Éons e, talvez, até se tornar um membro proeminente em suas � leiras.

Assim termina a segunda parte da Crônica Sagrada do Papado Âmbar. Mal sabia Calaval que o conhecimento que adquiriria o tornaria não um Sacerdote dos Éons, mas o maior entre eles: o pai altíssimo, o maior dos Sacerdotes dos Éons e fundador da Ordem da Verdade.

Toda glória aos criadores da verdade e do entendimento.Louvor aos inovadores do aço e do sintético.

Louvor aos modeladores da carne, do osso e da mente.Glória àqueles que reesculpiram a terra que dá sustentação e o sol que dá vida.

Louvor aos emissores dos sinais, que até hoje sussurram nos ouvidos das máquinas e dão vida ao inanimado.Louvor àqueles que viajaram para as estrelas e para os reinos além das estrelas.

Toda glória aos criadores da verdade e do entendimento.

Page 8: O MONÓLITO ÂMBAR - newordereditora.com.brnewordereditora.com.br/wp-content/uploads/2016/04/THE-AMBER... · Calaval empurrou Feddik de cima de si e levantou. Sua postura não estava

O NONO MUNDO É CONSTRUÍDO SOBRE OS OSSOS DOS OITO ANTERIORES E, PARTICULARMENTE, DOS ÚLTIMOS QUATRO. TOQUE O PÓ, E VOCÊ DESCOBRIRÁ QUE CADA

PARTÍCULA FOI MANUSEADA, MANUFATURADA OU CULTIVADA E, ENTÃO, TRITURADA DE VOLTA A DRIT — UM SOLO FINO E ARTIFICIAL — PELO PODER INEXORÁVEL DO

TEMPO. OLHE PARA O HORIZONTE — AQUILO É UMA MONTANHA OU PARTE DE UM IMPOSSÍVEL MONUMENTO PARA O IMPERADOR ESQUECIDO DE UM POVO PERDIDO? SINTA ESSA SUTIL VIBRAÇÃO SOB SEUS PÉS E SAIBA QUE

ESSES MOTORES ANTIGOS — VASTAS MÁQUINAS DO TAMANHO DE REINOS — AINDA OPERAM NAS ENTRANHAS

DA TERRA. O NONO MUNDO É SOBRE DESCOBRIR AS MARAVILHAS DE MUNDOS QUE VIERAM ANTES, NÃO POR CAUSA DELES EM SI, MAS COMO MEIOS DE MELHORAR O

PRESENTE E CONSTRUIR UM FUTURO.