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SONIA REGINA VELASQUE DE OLIVEIRA O MENOR INFRATOR E A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA PENAL CANOAS, 2008

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SONIA REGINA VELASQUE DE OLIVEIRA

O MENOR INFRATOR E A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA PENAL

CANOAS, 2008

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SONIA REGINA VELASQUE DE OLIVEIRA

O MENOR INFRATOR E A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA PENAL

Trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora do Curso de Direito do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Profa. Ms Fernanda Corrêa Osório.

CANOAS, 2008

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SONIA REGINA VELASQUE DE OLIVEIRA

OMENOR INFRATOR E A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA PENAL

Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel do Curso de Direito do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, pela

seguinte banca examinadora:

________________________________________________________ Profa. Ms. Fernanda Corrêa Osório

Unilasalle

________________________________________________________ Prof. Ms. Clóvis Dvoranovski

Unilasalle

________________________________________________________ Prof. Ms. Paulo Garcelaz

Unilasalle

Canoas, dezembro de 2008.

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AGRADECIMENTOS

Por mais esta etapa da minha vida que se conclui, abrindo caminho para

novas experiências e novas conquistas, não poderia deixar de registrar aqui os

meus agradecimentos.

Em primeiro lugar agradeço a Deus por mais este objetivo alcançado, entre

tantos que já tive a graça de conquistar.

Agradeço aos meus pais Pedro Correa de Oliveira (In Memorian) e Dalva

Velasque de Oliveira, pois são as pessoas que me ensinaram a viver e ter forças

para enfrentar os desafios. São exemplos e a base para a construção da minha

vida em sociedade. Também meu agradecimento aos meus irmãos, meus

cunhados, meus sobrinhos, meus amigos e todos aqueles que de uma forma ou de

outra contribuíram para que eu chegasse até aqui.

Agradeço a todos os professores que contribuíram para o meu crescimento,

em especial, a minha orientadora Profa. Ms. Fernanda Corrêa Osório que através

de seus conhecimentos e experiência foi fundamental para meu aprimoramento e

finalização de mais esta etapa em minha vida e aos professores Paulo Garcelaz e

Clóvis Dvoranovski que tão prontamente aceitaram fazer parte da banca.

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RESUMO

Este trabalho analisa a possibilidade de implantação de um novo paradigma de

justiça penal: a Justiça Restaurativa que tem como objetivo a resolução de conflitos

por meio do envolvimento direto das partes, ou seja, vítima, réu e comunidade,

visando com isso à reparação do dano, minimizando as conseqüências e também

buscando a recuperação do infrator. Será direcionado especificamente à

problemática que envolve o menor infrator. Tenta-se mostrar como a Justiça

Restaurativa poderá ser um novo paradigma penal que venha a ser “uma luz” para

talvez solucionar a problemática do menor em conflito com a lei. Primeiro, faz-se

uma analise da Justiça Criminal atual, Direitos Humanos e a falência da pena de

prisão, a seguir abordaremos a Doutrina da Proteção Irregular e a Doutrina da

Proteção Integral como resposta ao ato infracional, logo após busca-se

desmistificar o mito da impunidade que envolve o menor em conflito com a lei, por

fim, apresenta-se a Justiça Restaurativa, seus parâmetros conceituais e históricos,

uma análise de seus modelos: complementar, suplementar, híbrido e também os

valores da Justiça Restaurativa: Encontro, Reparação, Reintegração e Inclusão. Por

último, a Justiça Restaurativa e o Ato Infracional, e sua aplicação de acordo com a

Doutrina de Proteção Integral preconizada pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, procurando apontar conseqüências práticas e vantagens de sua

instauração.

Palavras-chave: Justiça Criminal. Falência do Sistema Penal Atual. Justiça

Restaurativa. Menor Infrator. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medida

Alternativa. Novo Paradigma de Justiça Penal.

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ABSTRACT

This work analyses the viability of a new paradigm in criminal courts: the restorative

justice which focuses on solving the conflicts directly involving the victim, the

offender and the community. This approach aims to repair the harm diminishing the

consequences and also intend to recover the offender. This work will be specifically

directed to the problematic involving the underage offender. We will show how the

restorative justice could be a new criminal court paradigm which will become a “new

light” in solving the problematic of the underag offender in conflict with the law. First

the actual criminal justice, human rights and the collapse of the punishment by

confinement are analysed. After that, we look into the irregular protection doctrine

and in the integral protection doctrine as an answer to the wrongdoing. In what

follows we will try to demystify the impunity myth which involves the underage

offender in conflict with the law. We then introduce the restorative justice, its

conceptual and historic parameters and an analysis of its models: complementary,

supplementary, hybrid and also the values of the restorative justice: mediation,

victim assistance, ex-offender assistance, restitution and inclusion. At the end we

analyse the restorative justice and the wrondoing and its application according to the

integral protection doctrine dictated by the child and teenager statute, aiming to

show the practical consequences and advantages of its institution.

Keywords: Criminal justice. Bankruptcy of the Current Criminal System.

Restorative justice. Lesser Infractor. Statute of the Child and the Adolescent.

Alternative measure. New Paradigm of Criminal Justice.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................7

2 OS DIREITOS HUMANOS E O SISTEMA PENAL ATUAL: FALÊ NCIA DA PENA

DE PRISÃO ...............................................................................................................9

2.1 Os Direitos Humanos ............................ ............................................................9

2.2 O sistema penal atual e a falência da pena de p risão ..................................12

3 DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR E DOUTRINA DA PROTEÇ ÃO

INTEGRAL: O MITO DA IMPUNIDADE E MEDIDAS SOCIOEDUCA TIVAS .........18

3.1 Considerações gerais........................... ...........................................................18

3.2 Doutrina da situação irregular ................. .......................................................21

3.3 Doutrina da proteção integral .................. .......................................................24

3.4 Desconstruindo o mito da impunidade............ ..............................................29

3.5 Medidas socioeducativas........................ ........................................................32

4 AJUSTIÇA REPARATIVA E O MENOR INFRATOR............. ..............................41

4.1 Conceito de justiça restaurativa e visão histór ica........................................41

4.2 Modelos, princípios e valores da justiça restau rativa ..................................48

4.3 Justiça restaurativa e o ato infracional....... ...................................................54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ...................................................61

REFERÊNCIAS ......................................................................................................63

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é verificar a possibilidade e viabilidade da adoção da

Justiça Restaurativa como novo paradigma de Justiça Penal, uma alternativa a ser

utilizada nos conflitos que envolvem o menor infrator.

Inicialmente o estudo apresenta uma visão sobre os direitos humanos que, ao

longo da história foram consagrados através de vasta legislação, tanto a nível

nacional como no âmbito internacional e que foi também ratificada pelo Brasil.

Verifica-se que na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os

direitos e garantias fundamentais foram priorizados, como nunca antes, visto que já

constam incluídos em seu preâmbulo, os direitos civis, políticos e os sociais.

Também é feita uma abordagem a respeito do sistema penal atual vigente no país,

cujo principal instrumento é a pena de prisão, mostrando-se a sua ineficácia, ao

longo dos anos, desrespeitando, inclusive, a observância das garantias e direitos

fundamentais do homem.

Ainda são abordados assuntos pertinentes à criança e ao adolescente, tais

como a Doutrina da Situação Irregular e Doutrina da Proteção Integral, chegando-

se a discussão do “mito da impunidade”, que ronda os adolescentes autores de

atos infracionais. Tenta-se desconstruir o mito existente, esclarecendo que o que há

são normas especiais, preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que

os protegem, devido a sua peculiar situação de pessoa em desenvolvimento. Dá-se

ênfase às medidas socioeducativas que são aplicadas quando da

responsabilização e penalização do adolescente infrator.

E por fim, é apresentada a Justiça Restaurativa – conceito, análise histórica,

valores e princípios, o que seria um novo paradigma de justiça penal e, é analisada

a viabilidade de sua aplicação para resolver as questões que envolvem os atos

infracionais praticados pelo adolescente, tendo como norte, a doutrina de proteção

integral consagrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e também os

direitos defendidos pela Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, realizada

em 1989. Seria a Justiça Restaurativa, este novo paradigma penal, a alternativa ou

solução para se fazer justiça, atendendo àqueles objetivos preconizados pelos

referidos dispositivos legais?

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A princípio, a Justiça Restaurativa apresenta-se como uma medida alternativa

e importante aliada para estabelecer a reconciliação do menor infrator com a

sociedade, através da sua conscientização e responsabilidade a respeito do mal

causado pelo ato infracional, de forma a comprometê-lo a reparar os danos

causados à vítima e à comunidade.

Para a realização deste estudo foi utilizada a legislação existente, buscando-

se suporte, especialmente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na

Constituição Federal e em opiniões doutrinárias diversas.

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9 2 OS DIREITOS HUMANOS E O SISTEMA PENAL ATUAL: FALÊ NCIA DA

PENA DE PRISÃO

Impossível falarmos sobre o assunto menor infrator e a busca de um novo

modelo de justiça criminal, sem abordar a respeito do sistema penal vigente,

alicerçado na pena de prisão, esta, hoje, sabidamente falida e, também dos direitos

humanos.

2.1 Os Direitos Humanos

Ouve-se freqüentemente falar em direitos humanos, mas, afinal de contas, o

que realmente isso significa? É possível caracterizar os direitos humanos como

sendo a concretização de todos o direitos e garantias fundamentais esculpidas na

Carta Magna, em leis e tratados internacionais, ou que venham a decorrer da

aplicação destes, sendo que têm eficácia e aplicabilidade imediata, e estão

baseados no princípio da dignidade humana.

Segundo Fábio Konder Comparato, “a dignidade de cada homem consiste em

ser, essencialmente, uma pessoa, isto é, um ser cujo valor ético é superior a todos

os demais no mundo”1.

Comparato completa:

Os direitos humanos são direitos próprios de todos os homens, enquanto homens, à diferença dos demais direitos, que só existem e são reconhecidos, em função de particularidades individuais ou sociais do sujeito. Trata-se, em suma, pela sua própria natureza, de direitos universais e não localizados, ou diferenciais.

Na concepção de Ingo Wolfgang Sarlet2, a dignidade humana constitui-se em:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições

1 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamento dos Direitos Humanos. Texto editado no IEA, 1997, p. 29. 2 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62.

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existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Já de acordo com Luís Roberto Barroso3, a dignidade humana representa

“superar a intolerância, a discriminação, a exclusão social, a violência, a

incapacidade de aceitar o diferente. Tem relação com a liberdade e valores do

espírito e com as condições materiais de subsistência da pessoa”.

Constatamos que, de forma inovadora, na Constituição de 1988, os direitos e

garantias fundamentais foram consagrados, pois encontramos logo no seu

preâmbulo, incluídos além dos direitos civis e políticos também os sociais

Dispõe a Lei Maior que todas as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais possuem aplicação imediata (parágrafo 1º, art. 5º CF); que a lei -

ordinária - punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e garantias

fundamentais (inc. XLI art. 5º CF); reza que todos são iguais perante a lei sem

distinção de qualquer natureza (art. 5º "caput" CF), entre cidadãos presos ou em

liberdade provisória, de acordo com o direito positivo; salientamos que entre os

direitos e garantias fundamentais, são proibidas as penas cruéis (art. 5º, XLVII, e,

CF/88).

A Constituição da República Federativa do Brasil ainda dispõe em seu artigo

5º, parágrafo 2º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, o seguinte: “os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes

do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que

a República Federativa do Brasil seja parte”.

Também, Cândido Furtado Maia Neto, acerca dos direitos humanos4 “Estado

de Direitos Humanos”, por ser muito mais abrangente do que “Estado de Direito”,

seja ele democrático ou social, considerando que a falta de observância das

necessidades básicas e reais quanto às garantias fundamentais da cidadania,

individuais ou coletivas, acarreta séria violação aos direitos indisponíveis, em outras

palavras, configura flagrante atentado aos Direitos Humanos. Um Estado somente é

3 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: Barroso, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 38. 4 NETO, Cândido Furtado Maia. Justiça penal democrática e os direitos humanos. Disponível em: <http://www.apmppr.org.br/site/images/arquivos/justica%20penal%20democratica%20e%20os%20direitos%20humanos.doc>. Acesso em: 10 nov. 2008.

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11 democrático quando as autoridades públicas constituídas (legisladores, polícia,

promotores de justiça e juízes) que protagonizam o sistema de administração de

justiça devem aplicar o direito penal para resguardar amplamente os princípios

gerais de Direitos Humanos dos processados e dos condenados.

Cabe lembrar, que os Direitos Humanos possuem proteção a nível

internacional e regional, através de extensa normativa existente, sendo que a

proteção inicia com a criação do Pacto da Sociedade das Nações no ano de 1920,

posteriormente, em 26 de junho de 1945, assina-se a Carta da Organização das

Nações Unidas (ONU), que tem por propósito a realização da cooperação

internacional para o desenvolvimento e estímulo de respeito aos Direitos Humanos

e às liberdades fundamentais de todos, sem nenhuma distinção; em seguida surge

a Declaração Universal dos Direitos Humanos (em 10.12.1948), aceita e

proclamada pelos Estados-Membros. Regionalmente, no continente americano a

tutela dos Direitos Humanos começa formalmente com a Declaração Americana

dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela Nona (9ª) Conferência

Internacional Americana em Bogotá, Colômbia, no ano de 1948, na qual se criou a

Organização dos Estados Americanos (OEA), com o fim de propugnar pela ordem,

pela paz e pela justiça, onde na sua Carta constam os "Direitos Fundamentais da

Pessoa Humana”, como um dos princípios que fundamentam a Organização.

Para ilustrar, entre os dispositivos acima referidos: a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, que é um dos documentos básicos das Nações Unidas que foi

assinada em 1948, em seu preâmbulo dita que:

O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” e, também, que “devemos todos, indivíduos e comunidades, nos empenhar para que os direitos nela inscritos se tornem uma realidade, mediante a adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional.

Também, a Convenção Americana (OEA) sobre Direitos Humanos, ou o

chamado Pacto de San José da Costa Rica (1969), aderido pelo governo brasileiro,

em 1992, determina que: “Nenhum dispositivo da presente Convenção poderá ser

interpretado no sentido de permitir a supressão, excluir ou limitar exercício de

direitos e da liberdade”.

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Toda a legislação elencada muito contribuiu para a concretização dos direitos

fundamentais. Não pode-se deixar de destacar outros dois instrumentos valiosos

utilizados para a efetivação e ampliação dos direitos humanos no Brasil e no mundo

que são a Convenção sobre os Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil em 24 de

setembro de 1990) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 9.069 de

13.07.1990), estes voltados especificamente à defesa de direitos e garantias

fundamentais da criança e do adolescente, através da prioridade absoluta, ao qual

foram alçados. Os referidos dispositivos são de extrema relevância para este

estudo, que visa sobremaneira abordar a questão do menor infrator, como veremos

logo adiante.

Nos dias atuais, é visível a busca pelo reconhecimento e aplicação dos

direitos já citados, porém a crise vivenciada pelo Estado, infelizmente, não o

permite cumprir com os objetivos esculpidos na Constituição cidadã de 1988 e nos

demais dispositivos legais existentes.

Tem-se com isso, conseqüências em todas as áreas sociais e, principalmente,

no Direito Penal, através do sistema penal adotado pelo Estado, que tem como

premissa a pena de prisão, como forma de controle e manutenção da ordem e, que

vem de encontro aos direitos e garantias fundamentais do ser humano,

preconizados nos dispositivos legais enumerados.

2.2 O sistema penal atual e a falência da pena de p risão

O sistema penal atual é decadente. Já não é mais possível vislumbrar futuro

para o modelo de justiça penal (punitivo-retributivo) vigente hoje. Como bem

definem Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

Chamamos sistema penal ao controle social punitivo institucionalizado, que na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação. Esta é a idéia geral de “sistema penal” em um sentido limitado, englobando a atividade do legislador, do público, da polícia, dos juízes, promotores e funcionários e da execução penal”. Seguindo “em um sentido mais amplo, entendido o sistema penal – tal como temos afirmado – como “controle social punitivo

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institucionalizado”, nele se incluem ações controladoras e repressoras que aparentemente nada têm a ver com o sistema penal.5

Segundo Leonardo Sica6: “dentre os meios de controle social, a justiça penal

assume papel extremo: é a esfera pública onde as normas têm sua validade

expressa (comunicada) com mais força e onde se estruturam os seus mais duros

instrumentos de imposição (estigmatização, pena, prisão), ou seja, em último

estágio, é o local para onde são remetidas as situações-limite, aquelas

consideradas mais problemáticas para o convívio social”.

Porém, no exercício do poder punitivo é onde se constata as maiores afrontas

aos direitos civis e garantias individuais (liberdade, dignidade, etc.). É, justamente

então, que a justiça penal deve dispor da mínima força e, de preferência, nunca

recorrer à violência legal, tendo consciência que o conflito e o desvio às regras de

convivência não podem ser eliminados, devendo sim, ser administradas dentro de

um projeto humanista7.

Infelizmente, a realidade indica que a desintegração social e a destruição dos

laços comunitários tornaram-se marcas fortes de um sistema que erigiu a privação

de liberdade como resposta principal à criminalidade. A punição irracional, o castigo

e a violência punitiva, enquanto características principais da reação penal, apenas

infundem nos cidadãos o ideal de sofrimento como dado essencial da justiça e

avolumam a própria violência que os oprime8.

Acerca do tema, explicam Zaffaroni e Pierangeli9 que o fim e função do

sistema penal é a prevenção e ressocialização, porém, o que se constata é que nos

últimos anos, os sistemas penais ao invés de “prevenir” futuras condutas delitivas,

têm se convertido em condicionamentos de referidas condutas, ou melhor, de

verdadeiras “carreiras criminais”.

No tocante à ressocialização, concluiu-se pela sua ineficácia, devido à

inevitável deterioração psíquica que a privação da liberdade acarreta, conclusão

esta que está reforçada pelos próprios prisioneiros, denunciando sua situação e

5 (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2007, p. 66). 6 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Medicação Penal: O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 3. 7 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Medicação Penal: O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 4. 8 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Medicação Penal: O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris 2007, p. 4.

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14 suas técnicas de sobrevivência. Decorrência disso é o que se constata atualmente:

o “fracasso da pena de prisão”10.

Vários são os juristas, doutrinadores e demais profissionais do meio jurídico

que têm se manifestado sobre a crise sistema penal vigente e a urgente

necessidade de mudanças.

Zaffaroni11 afirma que: ”é preciso reduzir o exercício de poder do sistema

penal e substituí-lo por formas efetivas de solução de conflitos”.Já, conforme

entendimento de Edna Del Pomo de Araújo:

Muito se tem escrito sobre a crise do sistema penitenciário e a falência da pena de prisão; parece que já há um consenso a respeito. É extremamente sério o atual quadro do sistema prisional, caracteristicamente criminalizante e que atua no contexto de um conjunto arcaico onde subsiste uma escola para a reprodução do crime. Na prática, apenas segrega, temporariamente o condenado, pela ótica exclusiva da repressão. As conflitantes metas punir, prevenir e regenerar não alcançam os fins a que se propõem12.

Não é possível, ao mesmo tempo, segregar pessoas e obter sua reeducação,

isto é contraditório, uma lógica absurda, essa de confinar para reintegrar. É

necessário sim, uma maior aproximação e participação da sociedade na busca da

solução de seus conflitos, e, a partir daí, talvez seja viável alcançar a reintegração

social daquele que foi condenado13.

Nesse sentido, Flávio Cruz Prates14, pontua que “o sistema penitenciário

brasileiro encontra-se falido, A situação carcerária é calamitosa”.

Isto porque, ao contrário do apregoado por muitos, de que os presidiários

possuem benefícios exagerados, como alimentação farta, período diário e banho de

sol e descanso, em suma, uma vida “fácil” às custas do contribuinte, o que é no

mínimo uma grosseira distorção da realidade, a verdade é que nossos presídios

são verdadeiros depósitos humanos sem a mínima condição de sobrevivência15.

9 ZAFFARONI; PIERANGELI. 2007, p. 70. 10 ZAFFARONI, PERANGELI, 2007, p. 70. 11 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Trad. Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991 12 ARAÚJO, Edna Del Pomo de. Vitimização carcerária: propostas e alternativas. Disponível em: http://www.achegas.net/numero/vinte/edna_araujo_20.htm. Acessado em: 08 nov. 2008. 13 ARAÚJO, Edna Del Pomo de. Vitimização carcerária: propostas e alternativas. Disponível em: http://www.achegas.net/numero/vinte/edna_araujo_20.htm. Acessado em: 08 nov. 2008. 14 PRATES, Flávio Cruz. Adolescente Infrator. 1ª ed. (ano 2001), 7ª tir. Rio de Janeiro: Juruá, 2008, p. 46. 15 PRATES, Flávio Cruz. Adolescente Infrator. 1ª ed. (ano 2001), 7ª tir. Rio de Janeiro: Juruá, 2008, p. 47.

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Na mesma linha, Luiz Flávio Gomes revela que:

A idolatria do sistema penal brasileiro em relação à pena de prisão vem sendo questionada diariamente, em razão da falência da pena privativa de liberdade”. A prisão continua sendo concebida como a principal resposta do Direito penal para aqueles que infringem as normas penais. Impõe-se a inteira remodelação desse provecto sistema punitivo, para privilegiar as penas e medidas alternativas, que deveriam já aparecer diretamente no tipo penal, deixando-se a prisão como medida extremada (medida de ultima ratio)”. Segue afirmando que “Os princípios da dignidade humana, da humanização da pena e da proporcionalidade fundamentam a mudança pretendida, que um dia, com certeza, será mais radical (ou seja: um dia ainda vamos levantar com todo vigor a bandeira da descriminalização de centenas de infrações penais, retirando-as inteiramente do sistema penal). Só assim, aliás, é que se poderá conferir racionalidade a esse sistema”. Conclui o referido autor que “o Brasil, hoje, figura como um dos países mais violentos e corruptos do mundo. As prisões brasileiras não desmentem essa assertiva, ao contrário, a confirmam de modo retumbante. Daí o acerto de todas as propostas que procuram evitar ou suavizar ou restringir a pena de prisão16.

Cezar Roberto Bitencourt17, adverte que a prisão ao invés de "frear a

delinqüência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza

toda espécie de desumanidade", até porque não traz "nenhum benefício ao

apenado; ao contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações”.

Quanto às penas alternativas à prisão, nas últimas décadas, muito se falou

sobre as mesmas, tivemos inúmero projetos, experiências e supostas inovações

nessa área, todavia o que ocorreu foi o aumento nos índices de prisões,

contrastando com o discurso das alternativas, indicando que algo está equivocado

no enfoque ou na efetivação das idéias que visam à diminuição da utilização da

pena de prisão18.

Maria Lúcia Karam, consegue de forma muito clara expor sobre a crise do

sistema penal brasileiro, quando diz que:

Do ponto de vista das almejadas segurança, tranqüilidade e proteção, a pena é tão somente uma ilusão cruel que permite a subsistência de um sofrimento, tão inútil quanto profundo, que atinge dimensões extremas, quando encontra, como ainda hoje, na privação da liberdade, sua forma primordial de concretização. Como ressalta Ferrajoli, a história das penas é seguramente mais infamante para a humanidade do

16 GOMES, Luiz Flávio. Penas alternativas como regra. Prisão é exceção. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1782, 18 maio 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11277>. Acesso em: 08 nov. 2008. 17 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 157. 18 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e medicação penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do crime. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 8.

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que a história dos crimes; a violência infligida pelas penas é mais impiedosa e talvez quantitativamente maior do que a violência provocada pelos crimes, produzindo para o gênero humano um custo em sangue, vidas e mortificações incomparavelmente superior ao custo produzido pela soma de todos os crimes. A insistência na cruel ilusão da pena subsiste apesar do evidente fracasso dos objetivos declarados do sistema penal. Não há como deixar de classificar como fracassado um sistema que promete a proteção dos indivíduos, a evitação de condutas negativas e ameaçadoras, o fornecimento de segurança e que, hoje, depois de séculos de funcionamento, busca a legitimação de um maior rigor e um maior alcance em sua aplicação exatamente no anúncio de um aumento incontrolado do número de crimes, de uma diversificação e de maiores perigos advindos dessa criminalidade apresentada como crescentemente poderosa19.

Refere ainda a autora que:

Do ponto de vista da transformação social, é também uma publicidade tão ou mais enganosa que esconde a evidente inviabilidade do objetivo declarado de punir os opressores para assim supostamente emancipar os oprimidos”. Em primeiro lugar, a transformação social ou a emancipação dos oprimidos jamais serão alcançadas se for trilhado um caminho reprodutor de mecanismos violentos, excludentes, dolorosos, intolerantes, opressivos, injustos, como são os mecanismos com que opera o sistema penal. A construção de um mundo melhor jamais se fará se forem utilizados os mesmos métodos perversos utilizados no mundo que se quer transformar. Não se devem esquecer os danos produzidos pela antiga e repetida prática de “fins que justificam meios”. No caminho contaminado pelos meios, os fins sempre vão se perdendo20.

De acordo com Noam Chomsky21, no mundo globalizado, as prisões têm a

função essencial de: “limpeza social”, “controlar a população do excluídos”, pois

o método favorito tem sido o de confinar as “pessoas supérfluas” em guetos urbanos (...). Se isso não dá certo, apela-se para as cadeias, que são a contrapartida, numa sociedade mais rica, dos esquadrões da morte.

A pena e as prisões como aqui demonstradas, não têm sido instrumentos

eficazes na resolução de conflitos. Além do que, resultam em sofrimentos, que

servem apenas para sustentar um sistema perverso e desigual, levando-se a

deduzir que são necessárias atitudes novas para mudar a situação presente.

Assim, após o que foi dito sobre o sistema penal e a falência da pena de

prisão, conclui-se com Leonardo Sica22 que “não adianta apenas reduzir a área de

19 KARAM, Maria Lúcia. Expansão do poder punitivo e violação de direitos fundamentais. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 10 nov. 2008. 20 KARAM, Maria Lúcia. Expansão do poder punitivo e violação de direitos fundamentais. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 10 nov. 2008. 21 CHOMSKI, Noam. Democracia e mercados na nova ordem mundial. Globalização excludente. Pablo Gentil (org.). Petrópolis, Vozes, 2000, p. 38.

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17 intervenção penal e mexer no “tamanho” do aparato punitivo, é necessário mexer

em sua forma”.

Na mesma linha, Antônio Beristain23, quando diz: “desejamos algo mais que

modificar, suprimir ou incluir muitos artigos nos Códigos, que reformem e melhorem

as normas substantivas e processuais do ius puniendi. Buscamos outras metas

diversas, avançamos em outro nível”.

22 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e medicação Penal: O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 10. 23 BERISTAIN, Antônio. Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia. Trad. Cândido Furtado Maia Neto, Brasília, UnB, 2000, p. 172.

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18 3 DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR E DOUTRINA DA PROT EÇÃO

INTEGRAL: O MITO DA IMPUNIDADE E MEDIDAS SOCIOEDUCA TIVAS

3.1 Considerações gerais

Diante de toda esta conjuntura, onde verificamos uma constante violação aos

direitos humanos, previstos em diversos dispositivos legais, e um sistema penal

falido, onde seu principal instrumento é a pena de prisão, que também já é

consenso, praticamente geral, não é medida suficiente para resolver o problema da

violência e criminalidade; que temos a presença da criança e do adolescente,

menor infrator, objeto principal deste estudo. É sabido, que existem normas

específicas para tratar das questões que envolvem o menor infrator com a lei,

devido a sua situação peculiar, porém é preocupante pensar no futuro que os

aguarda, pois se não surgirem alternativas viáveis que realmente os recupere,

ressocialize e integre novamente na sociedade, com certeza, serão estes os

criminosos adultos de amanhã, sujeitos as mesmas violações e ao sistema penal

precário há pouco referido.

Tendo como fundamento todo o exposto até então, será discutida, a

problemática que envolve o menor com a lei. Para ilustrar tal situação, cite-se Flávio

Cruz Prates:

O crescimento da criminalidade e principalmente a expectativa de violência tornam cada vez mais preocupante a situação de intolerância social para com os adolescentes infratores. Como a sociedade cobra da Administração Pública uma política adequada de segurança preventiva, e esta se vê impossibilitada de atender aos anseios da população, toma como postura o discurso falacioso do agravamento da punibilidade como solução, o que, conjuntamente com a expectativa de violência, cria a idéia quase generalizada no meio social de que, por intermédio da repressão mais severa e muitas vezes desmedida, se poderá contornar as dificuldades referentes á criminalidade, apresentada diariamente, com destaque, nos meios de comunicação24.

É importante observar, que a recuperação dos diferentes sistemas de

responsabilização de menores revela que as primeiras legislações eram fundadas

24 PRATES, Flávio Cruz. Adolescente Infrator. 1ª ed. (ano 2001), 7ª tir. Rio de Janeiro: Juruá, 2008, p. 43.

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19 na lógica da mera imputação criminal, ou na lógica de tutela, sempre com vistas a

coibir a criminalidade infanto-juvenil25.

No que tange a normativa relacionada ao menor, sabe-se que em 1899, por

meio de Juvenile Court Art de Illinois, foi criado o primeiro Tribunal de Menores nos

Estados Unidos. A idéia espalhou-se pela Europa com marcante movimento entre

1905 e 1921, quando praticamente todos os países europeus criaram seus tribunais

de menores. Também é possível mencionar a criação de Tribunais de Menores na

Inglaterra (1905), Alemanha (1908), Portugal e Hungria (1911), França (1912),

Japão (1922) e Espanha (1924). Já na América Latina, o movimento de reformas

durou 20 anos, sendo a Argentina, em 1921, a precursora na promulgação da

primeira legislação específica, a Lei 10.903, mais conhecida como Lei Agote. Foi

depois seguida pelo Brasil (1923), Chile (1928) e Venezuela (1939).26

Já, no Brasil, foi durante a fase imperial que teve início a preocupação com os

infratores, menores ou maiores, e a política repressiva era fundada no temor ante a

crueldade das penas. Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era

alcançada aos sete anos de idade. Dos sete aos dezessete anos, o tratamento era

similar ao do adulto com certa atenuação na aplicação da pena. Dos dezessete aos

vinte e um anos de idade, eram considerados jovens adultos e, portanto, já

poderiam sofrer a pena de morte natural (por enforcamento). A exceção era o crime

de falsificação de moeda, par o qual se autorizava a pena de morte natural para

maiores de quatorze anos27.

Com o decurso dos tempos, lentamente, foi aumentado a preocupação do

Estado com os menores.

O pensamento social oscilava entre assegurar direitos ou “se defender” dos

menores. Casas de recolhimento são inauguradas em 1906 dividindo-se em

escolas de prevenção, destinadas a educar menores em abandono, escolas de

reforma e colônias correcionais, cujo objetivo era regenerar menores em conflito

com a lei28.

25 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 26. 26 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 33. 27 TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001, p. 51. 28 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 5-6.

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Segundo, Karyna Batista Sposato29, para o caso brasileiro, é a década de

1920 o marco temporal da instituição da etapa tutelar do sistema penal juvenil,

como resposta mais adequada de controle de potenciais infratores da ordem.

É bem verdade que, em um inevitável desenrolar dos fatos, em 12 de outubro

de 1927 publicava-se o Decreto 17.943-A, primeiro Código de Menores do Brasil.

De acordo com a nova lei, caberia ao Juiz de Menores decidir-lhes o destino. A

família, independente de situação econômica, tinha o dever de suprir

adequadamente as necessidades básicas das crianças e jovens, de acordo com o

modelo estatal. Medidas assistenciais e preventivas foram previstas. No campo

infracional crianças e adolescentes até os quatorze anos eram objeto de medidas

punitivas com objetivos educacionais. Já os jovens entre quatorze e dezoito, eram

passíveis de punição, mas com responsabilidade atenuada. Foi uma lei que uniu

justiça e assistência, união necessária para que o juiz de menores exercesse toda

sua autoridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre,

potencialmente perigosa30.

De acordo com posicionamento de Zaffaroni e Pierangeli:

Na realidade latino-americana constata-se, desgraçadamente, que a legislação de menores serve tão somente para submetê-los a uma situação mais gravosa e repressiva do que a do maior; exatamente em razão de sua pouca idade, sofre os efeitos negativos de uma segregação, de forma mais grave do que o adulto, posto que esta atinge de maneira mais profunda a sua personalidade31.

No final dos anos 60 e início da década de 70 iniciam-se debates para reforma

ou criação de uma legislação menorista. Em 10 de outubro de 1979 foi publicada a

Lei nº 6.695, novo Código de Menores, que, sem pretender surpreender ou

verdadeiramente inovar, consolidou a doutrina da Situação Irregular32.

Doutrina esta que será abordada a seguir.

29 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 33. 30 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 6-7. 31 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 130. 32 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 8.

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21 3.2 Doutrina da situação irregular

Como já dito anteriormente, a doutrina da situação irregular já estava de fato

implícita no Código Mello Matos, de 1927 (primeiro Código de Menores do Brasil),

porém foi oficializada pelo Código de Menores de 1979.

A referida doutrina que ocupou o cenário jurídico infanto-juvenil por quase um

século, era restrita. Limitava-se a tratar daqueles que se enquadravam no modelo

pré-definido de situação irregular, estabelecido no artigo 2º do Código de Menores.

Compreendia o menor privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e

instrução obrigatória, em razão da falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

as vítimas de maus-tratos; os que estavam em perigo moral pó se encontrarem em

ambientes ou atividades contrárias aos bons costumes; o autor de infração penal e

ainda todos os menores que apresentassem “desvio de conduta, em virtude de

grave inadaptação familiar ou comunitária”33.

Ainda, aqui se apresentava o campo de atuação do Juiz de Menores, restrito

ao binômio carência/delinqüência. Todas as demais questões que envolvessem

crianças e adolescentes deveriam ser discutidas na Vara de Família e regidas pelo

Código Civil. O Juiz de Menores centralizava as funções jurisdicional e

administrativa, muitas vezes dando forma e estruturando a rede de atendimento.

Enquanto era certa a competência da Vara de Menores, pairavam indefinições

sobre os limites da atuação do Juiz34.

João Batista Costa Saraiva discorre sobre a doutrina da proteção irregular da

seguinte forma:

Adotada pelo revogado Código de Menores de 1979, pode ser sucintamente definida como sendo aquela em que os menores passam a ser objeto da norma quando se encontram em estado de patologia social, assim definida legalmente (no revogado Código de Menores em seu artigo 2º). Esta doutrina, superada em nossos dias, mas que constituiu um avanço em face da Escola anterior (do Direito Penal do Menor) na medida em que faz da criança e do adolescente o interesse da norma não apenas pela questão penal, parte do pressuposto que haveria uma situação regular, padrão, e que a criança e o adolescente tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma “patologia social”, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajusta ao padrão estabelecido. A

33 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 15. 34 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 15.

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declaração da situação irregular tanto pode derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio de conduta”), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono). Por esta patologia haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam. Daí a idéia dos grandes institutos para “menores”, até hoje presentes em alguns setores da cultura nacional, onde muitas vezes misturavam-se infratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus-tratos com autores de conduta infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesma condição, estariam em situação irregular35.

Vale destacar que, conforme José Ricardo Cunha36, os menores considerados

em situação irregular passam a ser identificados por um rosto muito concreto: são

os filhos das famílias empobrecidas, geralmente negros ou pardos, vindos do

interior e das periferias.

Necessário salientar, que a doutrina da situação irregular tratava os menores,

primordialmente, como objeto de tutela, vale dizer, como pessoas que mereciam

assistência e proteção, mas somente quando se encontrassem em situação

irregular. Relativamente às crianças e adolescentes que não se achavam em

situação irregular, nada acrescentava a legislação em termos de direitos37.

Para delimitar, segundo Karyna Batista Sposato38, o que significou essa

construção jurídica, vale a pena recuperar algumas das disposições do Código de

Menores de 1979, editado pela Lei Federal nº 6.697. O artigo 1º da lei estabelecia

que “este Código dispõe sobre a assistência, proteção e vigilância a menores: I –

até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular; II – entre

dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei”.

O artigo seguinte procurava conceituar o menor em situação irregular como39:

I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação

35 SARAIVA, João Batista Costa. Direto penal juvenil: adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. 2.ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 14. 36 CUNHA, José Ricardo. Oestatuto de criança e do adolescente no marco da doutrina jurídica da proteção integral. In: Revista da Faculdade de Direito Cândido Mendes. Rio de Janeiro: vol. 1, 1996, p. 98. 37 COSTA, Daniel Carnio. Estatuto da criança e do adolescente: teoria da situação irregular e teoria da proteção integral: avanços e realidade social. Disponível em: http://utjurisnet.tripod.com/artigos/021.html. Acessado em: 16 nov 2008. 38 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 47. 39 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 47.

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ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável de provê-las; II – vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal.

Quanto às medidas aplicáveis aos menores em situação irregular, coloca a

autora, que estas eram descritas pelo artigo 13 do Código de Menores e

distribuíam-se em:

I – advertência; II – entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea mediante termo de responsabilidade; III – colocação em lar substituto; IV – imposição de regime de liberdade assistida; V – colocação em casa de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado40.

Conclui-se que o modelo tutelar da intervenção sócio-penal destinado aos

adolescentes permitia não só a institucionalização de jovens sem a observância de

regras e princípios processuais e constitucionais na imposição das medidas, como

também a continuidade da institucionalização desses jovens no sistema destinado

aos adultos. Assim, a lógica da correção do delinqüente era levada às últimas

conseqüências pela doutrina da situação irregular, marca decisiva da etapa tutelar

do direito penal juvenil.

Em resumo, a situação irregular era uma doutrina não universal, restrita, de

forma quase absoluta, a um limitado público infanto-juvenil. Não era uma doutrina

garantista, até porque não enunciava direitos, mas apenas pré-definia situações e

determinava uma atuação de resultados. Agia-se apenas na conseqüência e não na

causa do problema, “apagando-se incêndios”. Era um direito do menor, ou seja, que

agia sobre ele, como objeto de proteção e não como objeto de direitos. Daí a

grande dificuldade de, por exemplo, exigir do poder público construção de escolas,

atendimento pré-natal, transporte escolar, direitos fundamentais que, por não

encontrarem previsão no código menorista, não eram passíveis de execução41.

40 SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 48. 41 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. rio de janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 16.

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24 3.3 Doutrina da proteção integral

O embrião da doutrina da proteção integral começou a germinar no início do

século, com a Declaração de Genebra. Naquela época, no Brasil, ainda adotava-se

a teoria do direito penal do menor. A Declaração de Genebra de 1924 já

determinava a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial.

Também, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em

Paris, no ano de 1948, reclamava o direito a cuidados e assistências especiais aos

menores. A seguir, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969,

conhecida como "Pacto de San José da Costa Rica", dispunha que toda criança

tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer, por parte da

família, da sociedade e do Estado. Já as Nações Unidas, em 29.11.1985, publicou

as Regras Mínimas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude,

conhecidas como Regras de Beijing (Res. 40/33 da Assembléia Geral). Mais

recentemente, a Assembléia Geral da ONU, em 1990, publicou as Diretrizes para a

Prevenção da Delinqüência Juvenil, conhecida com Diretrizes de Riad, bem como

as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de

Liberdade. Entretanto, noticia-se que a raiz mais próxima da doutrina da proteção

integral é a Convenção sobre o Direito da Criança, aprovada pela Assembléia-Geral

da ONU em 20.11.1989. Tal convenção foi admitida como direito interno brasileiro

através do Dec. Legislativo 28, em 14.09.1990, promulgado pelo Presidente da

República em 21.11.1990 (D. 99.710). Essas convenções e documentos

internacionais formaram o ambiente jurídico, social e político necessários para a

construção de um novo direito relativo às crianças e adolescentes42.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi um marco no que se refere aos

direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, visto que a partir de

então ocorreu uma mudança de paradigma. A doutrina da proteção integral

estabelecida no artigo 227 da Carta Magna substituiu a doutrina da situação

irregular.

42 COSTA, Daniel Carnio. Estatuto da criança e do adolescente: teoria da situação irregular e teoria da proteção integral: avanços e realidade social. Disponível em: http://utjurisnet.tripod.com/artigos/021.html. Acessado em: 16 nov 2008.

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A doutrina da proteção integral, rompe o padrão pré-estabelecido e absorve os

valores esculpidos na Convenção dos Direitos da Criança. Pela primeira vez,

crianças e adolescentes titularizam direitos fundamentais, como qualquer ser

humano. A partir de então, surge, materializa-se um direito da Criança e do

Adolescente, em substituição ao Direito do Menor, amplo, abrangente, universal e,

principalmente, exigível43.

Para Armando Afonso Konzen44, a doutrina da proteção integral é:

Um paradigma edificado sobre a base do respeito a uma das especificidades do humano, a proteção integral da criança e do adolescente, pessoas diferentes porque com necessidades especiais, específicas e adicionais em relação aos adultos. Um paradigma doutrinário em que se procura reconhecer, na criança e no adolescente, a condição de sujeitos com direitos especiais em face da diferença. Um paradigma doutrinário assentado em normas pactuadas entre as Nações e formalmente integradas na ordem jurídica brasileira pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Na apropriação jurídica desse paradigma, a declaração de determinadas necessidades e interesses dessas pessoas como necessidades e interesses especiais e, por isso, necessidades e interesses consubstanciados pela obrigatoriedade da provisão45.

Nesse sentido pontua João Batista Saraiva:

Esta escola, que dirige e orienta o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, parte do pressuposto de que todo os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos. A doutrina da proteção integral, que tem por norte a Convenção das Nações Unidas para o Direito das Crianças, estabelece que estes direitos se constituem em direitos especiais e específicos, pela condição que ostentam de pessoas em desenvolvimento. Desta forma, as leis internas e o sistema jurídico dos países que a adotam devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas até dezoito anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, ao lazer, à profissionalização, à liberdade, entre outros. A doutrina da proteção integral foi adotada pela Constituição Federal, que a consagra em seu artigo 227. Na aplicação da doutrina da proteção integral no Brasil, o que se consta é que o País, o Estado e a Sociedade é que se encontram em situação irregular46.

43 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 16. 44 KONZEN, Afonso Armando. Justiça restaurativa e ato infracional: desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007, p. 15. 45 KONZEN, Afonso Armando. Justiça restaurativa e ato infracional: desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007, p. 15. 46 SARAIVA, João Batista Costa. Direto penal juvenil: adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas

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A etapa seguinte, segundo Karyna Sposato, denominou-se garantista pela

introdução do princípio da proteção integral que reconheceu a criança e o

adolescente como sujeitos de direitos, titulares de garantias positivas Dois artigos

da Constituição Federal de 1988 revelam a superação da doutrina da situação

irregular. O artigo 204, que define que as políticas públicas voltadas à infância

necessariamente devem observar duas diretrizes básicas: a descentralização

político-administrativa e a participação popular por meio de organizações

representativas, e o artigo 227, que por sua vez, estabelece a prioridade absoluta

da criança e do adolescente no ordenamento jurídico brasileiro47.

Pondera ainda, a autora, que:

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13.07.1990), instrumentalizou o mandamento constitucional da prioridade absoluta por meio da doutrina jurídica da proteção integral, sintetizando o pensamento do legislador constituinte e partir de garantias substanciais e processuais destinadas a assegurar os direitos consagrados48.

Apesar do artigo 227 da Constituição da República ser definidor, em seu

caput, de direitos fundamentais e, portanto, ser de aplicação imediata, coube ao

Estatuto da Criança e do Adolescente garantir efetividade à doutrina da proteção

integral e, para isso, a nova lei previu um conjunto de medidas governamentais,

através de políticas sociais básicas, políticas e programas de assistência social,

serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de

negligência, maus-tratos, abuso e proteção jurídico-social por entidades da

sociedade civil49.

O Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu como conseqüência da

Constituição Federal de 1988, que, pela primeira vez na história brasileira, tratou da

questão da criança e do adolescente como prioridade absoluta, ao proclamar a

doutrina da proteção integral50.

47 SPOSATO, Karyna Batista. o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 49-56. 48 SPOSATO, Karyna Batista. o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 58. 49 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 17. 50 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 130-131.

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Inegável a importância do referido Estatuto, na afirmação e efetivação da

doutrina da proteção integra, conforme se deduz da manifestação de Flávia

Piovesan:

Apenas em 13 de julho de 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8069/90), é que o Direito Brasileiro passou a acolher um novo paradigma inspirado pela concepção da criança e do adolescente como verdadeiros sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento. Em absoluta consonância com a Constituição Brasileira de 1988 e com a Convenção sobre os Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990), o ECA consagra a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, contemplando uma lógica e uma principiologia próprias voltadas a assegurar a prevalência e a primazia do interesse superior da criança e do adolescente, estimulando o protagonismo infanto-juvenil”51.

Certo é que a Carta Magna inovou com relação à proteção à criança e ao

adolescente ao adotar a doutrina da proteção integral, extinguindo de vez a doutrina

da situação irregular vigente até então com o Código de Menores. Isso foi uma

conseqüência da Declaração Universal dos Direitos das Crianças da ONU de 1959

que inaugura uma nova forma de pensar a criança e o adolescente, ao dar-lhes

tratamento prioritário e diferenciado, visto serem seres humanos em

desenvolvimento, surgindo então a doutrina da proteção integral, através da qual o

menor transforma-se em sujeito de direitos, tendo acesso irrestrito e privilegiado à

Justiça. Também, a proteção deixa de ser obrigação exclusiva da família, e o

Estado e a sociedade passam a ser igualmente responsáveis pela tutela dos

direitos da criança e do adolescente52.

A Declaração Universal dos Direitos das Crianças da ONU é de 1959, porém o

Brasil só a efetivou com a promulgação da Constituição de 1988 e, posteriormente

com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. O Estatuto da Criança e do

Adolescente veio ao encontro da Constituição Federal e logo em seu primeiro artigo

enfatiza a proteção integral da criança e do adolescente. O artigo 3°, por

considerar os menores pessoas em desenvolvimento, assegura-lhes todas as

51 PIOVESAN, Flávia. Quinze anos do estatuto da criança e do adolescente. Disponível em: http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=43&Itemid=1. Acessado em: 17 nov. 2008. 52 ROCHA, Eduardo Gonçalves; PEREIRA, Julyana Faria. Descentralização participativa e a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003. Disponível em: http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/infancia/P_descentraliza.html. Acessado em: 17 nov. 2008.

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28 oportunidades e facilidades "a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental,

moral espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade"53.

No entendimento de Daniel Carnio Costa:

A nova doutrina foi denominada de "Proteção Integral", por propor que a família, a sociedade e o Estado são obrigados a propiciar aos menores o respeito a todos os seus direitos fundamentais de cidadãos e de pessoas em desenvolvimento. A Proteção Integral, ao estabelecer a responsabilidade solidária da família, da sociedade e do Estado na proteção aos direitos e garantias da criança e do adolescente procurou garantir aos menores o respeito e a efetivação dos direitos a eles conferidos, inclusive em nível constitucional, porquanto se a família faltar ou falhar, acorre-se à sociedade, através de suas entidades e, na falta dessas, socorre-se do Estado. A prioridade absoluta significa que os menores têm preferência em relação a qualquer outra pessoa no que se refere, por exemplo, ao atendimento por serviço ou órgão público de qualquer dos poderes, às políticas sociais públicas e à destinação de recursos públicos para a proteção da infância e da juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente preocupou-se com os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e desceu a detalhes na sua regulamentação. O Estatuto, à luz da proteção integral, criou um verdadeiro sistema de garantia de direitos, distribuindo com muita propriedade competências e atribuições entre os agentes do Estado de acordo com suas funções”54.

A prioridade absoluta, princípio constitucional esculpido no artigo 227 da lei

Maior, com previsão no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente,

estabelece primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de

interesses. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar,

sempre deve preponderar o interesse infanto-juvenil. Não comporta indagações ou

ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, visto que a escolha foi

realizada pela nação através do legislador constituinte. Ressalte-se que a

prioridade tem um objetivo bem claro: realizar a proteção integral, assegurando

primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais enumerados nos

artigos dos dispositivos elencados acima. Levando em conta a condição de pessoa

em desenvolvimento, pois a criança e o adolescente possuem uma fragilidade

53 ROCHA, Eduardo Gonçalves.; PEREIRA, Julyana Faria. Descentralização participativa e a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003. Disponível em: http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/infancia/P_descentraliza.html. Acessado em: 17 nov. 2008. 54 COSTA, Daniel Carnio. Estatuto da Criança e do Adolescente: teoria da situação irregular e teoria da proteção integral: avanços e realidade social. Disponível em:http://utjurisnet.tripod.com/artigos/021.html. Acessado em: 16 nov 2008.

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29 peculiar de pessoa em formação, correndo, portanto, mais riscos que um adulto55.

Como se pode perceber, existe um novo direito da criança e do adolescente, com

normas e institutos exclusivos. A doutrina da proteção integral está consagrada na

ordem jurídica, reconhecendo a criança e o adolescente como seres humanos

merecedores de atenção especial devido a sua condição de pessoa em

desenvolvimento.

A doutrina, na esfera formal, a princípio, está perfeita, O grande desafio ainda

existente é concretizá-la, torná-la efetiva, visto que, não raro continuamos

acompanhando a violação de garantias e direitos fundamentais da criança e do

adolescente.

Fica visível o desrespeito aos direitos consagrados e, o próprio

desconhecimento da doutrina da proteção integral, inclusive, quando se ouve

chavões do tipo “com menor não dá nada”. É o mito da impunidade que ronda os

adolescentes infratores atualmente e que precisa ser desmistificado.

3.4 Desconstruindo o mito da impunidade

Em relação à responsabilização do adolescente pelos atos infracionais

cometidos, tem-se acompanhado o discurso crescente por parte da sociedade de

que o que prevalece é a impunidade. Defende-se que é preciso maior rigor nas

penalidades, em delitos envolvendo o adolescente infrator.

Idéia esta equivocada, visto que em função da doutrina da proteção integral

preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, existem medidas

específicas a serem adotadas quando tratar-se de atos infracionais praticados pelo

menor. Isto não significa impunidade.

Por meio do artigo 228 da Constituição Federal56 e do artigo 27 do Código

Penal57 a pessoa com menos de dezoito anos de idade foi expressamente excluída

do sistema penal destinado à pessoa adulta.

55 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 22. 56 Artigo 228 da Constituição Federal: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação penal”. 57 Artigo 27 do Código Penal: “os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

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O que, segundo Armando Afonso Konzen, se autorizaria a afirmar que o

sistema normativo atribuiu ao inimputável penal em função da idade a condição de

sujeito da resposta, ou, de sujeito de responsabilidade, conforme tratado no

Estatuto da Criança e do Adolescente, e que se passou a denominar de Direito

Socioeducativo58. Este é um Direito Especial, destinado para uma categoria de

pessoas em situação especial, com necessidade de tratamento jurídico diferenciado

daquele dispensado ao adulto, devido a uma presunção legal da efetiva existência

de uma situação de fato diferenciada59.

Tratando sobre o assunto, João Batista Costa Saraiva, alerta que a

responsabilidade penal dos adolescentes tem gerado debate no Brasil e no mundo,

ocupando espaços de mídia. E, infelizmente, expressões do tipo “com menor não

dá nada” estão presentes no inconsciente coletivo, criando a idéia de impunidade,

que resulta de um entendimento distorcido da Lei, decorrente da ignorância e

desconhecimento de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é

instrumento de responsabilidade do Estado, da Sociedade e da Família e que o

adolescente passou de condição de mero objeto para a condição de sujeito60.

Completa dizendo que:

A questão da responsabilização do adolescente infrator e a eventual sensação da impunidade que é passada para a opinião pública decorre não do texto legal nem da necessidade de sua alteração - mesmo se admitindo não ser o Estatuto da Criança e do Adolescente uma obra pronta e acabada. A questão toda se funda na incompetência do Estado na execução das medidas socioeducativas previstas na Lei, a inexistência ou insuficiência de programas de execução de medidas em meio aberto e a carência do sistema de internamento (privação de liberdade), denunciado diariamente pela imprensa, com raras e honrosas exceções61.

O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura direitos prioritários à criança

e ao adolescente devido a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e

por isso, merecedoras de atenção especial.

58 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 22. 59 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007, p. 22. 60 SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o Mito da Impunidade: um ensaio de direito (penal) juvenil. Brasília: Universidade de Brasília, 2002, p. 11. 61 SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o Mito da Impunidade: um ensaio de direito (penal) juvenil. Brasília: Universidade de Brasília, 2002, p. 22.

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31

Porém, mesmo com a política específica, disposta no referido Estatuto,

destinada ao menor infrator, através da proteção integral, no que se refere aos atos

infracionais, ainda hoje é fragrante o desrespeito verificado quando se trata dos

direitos a eles garantidos.

Como bem se manifesta Karyna Sposato quando diz que:

Assistimos à violação sistemática dos direitos e garantias processuais dos adolescentes e, de outro lado, ao crescimento de discursos e argumentações que clamam por mais punição, por propostas mais severas, amparados na falácia de que adolescentes autores de infração penal não respondem por seus atos. O que é um equívoco, pois garantias e direitos não podem ser entendidos em nenhum momento como impunidade ou desresponsabilização pelos atos cometidos”62.

A bem da verdade, o Estatuto da Criança e do Adolescente revela-se ser

adequado no aspecto punitivo em se tratando do ato infracional, isto se forem bem

aplicadas as medidas socioeducativas previstas em seu artigo 112.

O adolescente infrator, de acordo com o que está disposto no referido

Estatuto, em nenhum momento, deixa de ser responsabilizado e, é sim, punido

pelas infrações cometidas, por meio das medidas socioeducativas, em

conformidade com a gravidade do ato cometido. Constata-se que a doutrina da

proteção integral lá preconizada, agrega educação e responsabilidade.

O fato de o adolescente não responder perante a Corte Penal por seus atos

delituosos, não o faz irresponsável, visto que o sistema legal implantado pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente contempla sim um modelo de

responsabilidade juvenil, na medida, em que faz dos jovens entre 12 e 18 anos,

sujeitos de direitos, mas também de responsabildiades, sendo que no caso de

cometerem atos infracionais serão punidos, através das medidas socioeducativas,

até mesmo com privação de liberdade, com natureza sancionatória e conteúdo

pedagógico63.

Ao abordar a questão, Flávio Prates, também identifica o caráter de

responsabilização, uma vez que, ao adolescente praticante de ato infracional,

elenca o artigo 112, I ao VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas

socioeducativas, que têm por fim, a reintegração familiar e comunitária do

62 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 18. 63 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 48.

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32 adolescente e também a análise da capacidade e cumprimento destas medidas

individualizadas, considerando-se a gravidade do ato cometido e o devido processo

legal64.

Por fim, a certeza de que os adolescentes em conflito com a lei não deixam de

ser responsabilizados e punidos por suas ações delitivas. O que existe, na verdade,

é um desconhecimento por parte da sociedade de que a Lei garante aqueles

agentes um tratamento especial, devido a sua especial condição de seres humanos

em desenvolvimento, como já foi dito anteriormente.

Por tudo isso, pontua João Saraiva que:

O fundamental é que exista clareza que o ECA impõe sanções aos adolescentes autores de ato infracional e que a aplicação destas sanções, aptas a interferir, limitar e até suprimir temporariamente a liberdade dos jovens, há que se dar dentro do devido processo legal, sob princípios que são extraídos do direito penal, do garantismo jurídico e, especialmente, da ordem constitucional que assegura os direitos de cidadania65.

3.5 Medidas socioeducativas

As medidas socioeducativas são aplicáveis apenas a adolescentes autores de

ato infracional, após apurada sua responsabilidade e transcorrido o devido

processo legal. Elas estão elencadas no artigo 112, incisos I a VI, do Estatuto da

Criança e do Adolescente. Quais sejam:

- I – advertência;

- II – obrigação de reparar o dano;

- III – prestação de serviços à comunidade;

- IV – liberdade assistida;

- V – inserção em regime de semiliberdade;

- VI – internação em estabelecimento educacional;

Necessário se faz aqui, num primeiro momento, conceituar o que seja o ato

infracional, objeto da aplicação das medidas socioeducativas. Segundo o Estatuto

64 PRATES, Flávio Cruz. Adolescente Infrator: a prestação de serviços à comunidade. 1ª ed. (ano 2001), 7ª tir. Rio de Janeiro: Juruá, 2008, p. 57. 65 SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o Mito da Impunidade: um ensaio de direito (penal) juvenil. Brasília: Universidade de Brasília, 2002, p. 24.

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33 da Criança e do Adolescente, art. 103: “Considera-se ato infracional a conduta

descrita como crime ou contravenção penal.”

Já, conforme conceito de Karyna Sposato66: “o ato infracional corresponde a

um fato típico e antijurídico previamente descrito como crime ou contravenção

penal. Impõe a prática de uma ação ou omissão e a presença da ilicitude para sua

caracterização”.

Nesta linha prossegue, João Batista Costa Saraiva:

O garantismo penal impregna a normativa relativa ao adolescente infrator como forma de proteção deste face à ação do Estado. A ação do Estado, autorizando-se a sancionar o adolescente e infligir-lhe uma medida socioeducativa, fica condicionada à apuração, dentro do devido processo legal, que este agir típico se faz antijurídico e reprovável – daí culpável67.

Para a caracterização do ato infracional, necessário que seja o mesmo típico,

antijurídico e culpável, garantindo desta forma ao adolescente, um sistema

compatível com seu grau de responsabilização e a coerência com os requisitos

normativos oriundos do âmbito criminal. É uma ação violadora das normas que

definem os crimes ou as contravenções, ou ainda, o comportamento típico, que

está descrito na lei penal, quando praticado por crianças e adolescentes68.

Retornando às medidas socioeducativas, ressalte-se, que a sua natureza é

penal, implica fundamentalmente uma limitação ou restrição de direito ou de

liberdade e significa o exercício do poder coercitivo do Estado. Possui também, o

mesmo papel social que a pena, com as mesmas finalidades e igual conteúdo69.

A aplicação das medidas socioeducativas somente é viável quando da prática

do ato infracional, sem o qual se torna impossível a sua existência.

Com o intuito de atender às finalidades preventivas geral e especial da penas,

a medida socioeducativa leva em consideração o delito cometido, fundamentando-

se na responsabilidade ética do delinqüente, sendo que o objetivo é alcançar uma

adequação da resposta no que se refere ao sujeito e ao fato cometido70.

66 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 114. 67 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 76. 68 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 773. 69 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 114. 70 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 116.

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Importante frizar, o caráter pedagógico da medida socioeducativa, que

pretende a reintegração social do jovem em conflito com a lei, ela tem o cunho

sancionatório, isso como uma resposta à sociedade pela lesão decorrente de tal

conduta típica71.

Estão assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, parâmetros

legais para apuração e julgamento da conduta do autor do ato infracional, ou seja,

são asseguradas garantias processuais específicas para tal72.

Diz o artigo 114 da Lei 8.069/190 (ECA) que para:

A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do artigo 127.”

Ainda quanto aos critérios a serem observados, quando da aplicação das

medidas socioeducativas, estão estes definidos nos § 1º do artigo 112 e no artigo

113 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e são eles: a capacidade para

cumpri-la, as circunstâncias e conseqüências do fato, a gravidade da infração,

assim como as necessidades pedagógicas, dando-se preferência aquelas que

visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários73.

Importante esclarecer, que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê dois

grupos distintos de medidas socioeducativas. Um que é o grupo das medidas

socioeducativas em meio aberto, não privativas de liberdade (Advertência,

Reparação do Dano, Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida) e

o segundo que é o das medidas socioeducativas privativas de liberdade (Semi-

liberdade e Internação)74.

A plena realização dos programas de medidas socioeducativas não privativas

de liberdade está diretamente vinculada ao grau de comprometimento de Juizado

da Infância e Juventude local para a sua efetivação, já em relação às medidas

socioeducativas privativas de liberdade, resta pacificado o entendimento de que é

de competência do Executivo das Unidades Federais, a efetivação dos seus

71 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 805. 72 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 806. 73 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 805. 74 SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o Mito da Impunidade: um ensaio de direito (penal) juvenil. Brasília: Universidade de Brasília, 2002, p. 29.

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35 programas de atendimento, não impedindo parcerias com entidades não-

governamentais (em especial na semiliberdade)75.

As medidas socioeducativas não privativas de liberdade, num breve

comentário, são as seguintes:

Advertência

De acordo com o art. 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente a medida

de advertência é a mais amena das medidas socieducativas, na medida em que

implica apenas uma admoestação verbal com finalidade informativa, formativa e

imediata a respeito da infração e suas conseqüências76.

Ela é executada, em audiência, pelo juiz da infância e juventude, e deve ser

reduzida a termo e assinada pelo adolescente infrator, pais ou responsável, tendo

por objetivo alertá-los quanto ao risco do envolvimento do adolescente em condutas

anti-socias e, especialmente, evitar que venha a se comprometer com ocorrências

de igual ou pior gravidade. Sua aplicação tem ficado restrita aos atos infracionais de

natureza leve, onde não esteja presente a violência ou grave ameaça à pessoa e,

também, nas hipóteses de primeira passagem do adolescente pelo Juizado da

Infância e da Juventude, por ocasião do ato infracional77..

Reparação do Dano

Esta medida socioeducativa, conforme o art. 116 do Estatuto da Criança e do

Adolescente visa a que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do

dano ou compense o prejuízo da vítima78

É uma medida onde existe a obrigação de reparação de um dano com reflexos

patrimonias, provocado por ato infracional. Deixa claro a lei que somente será

aplicada se a conduta do adolescente resultar em um prejuízo material para a

vítima, devendo, ainda, a medida ser substituída por outra adequada, conforme

75 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 156. 76 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 120. 77 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 811. 78 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 157.

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36 reza o parágrafo único do artigo acima mencionado, se o adolescente carecer de

recursos79.

Nesse sentido, pontua João Batista Saraiva:

Nesse caso, o importante é que a capacidade de reparação do dano seja do próprio adolescente, não se confundindo essa medida com o ressarcimento do prejuízo feito pelos pais do adolescente (de natureza de responsabilidade civil, inerente à espécie, corolário do exercício do Poder Familiar). A reparação do dano há que resultar do agir do adolescente, de seus próprios meios, compondo com a própria vítima, muitas vezes, em um agir restaurativo. Daí sua natureza educativa80”.

Prestação de Serviços à Comunidade

A medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade está definida

no art. 117 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.”

Em se tratando da medida de prestação de serviços à comunidade a sua

imposição ocorre em adequação ao ato infracional praticado e às condições

pessoais do adolescente e, conforme já visto, não pode exceder o período máximo

de seis meses. Necessário referir que essa medida possui um forte apelo

comunitário e educativo, pois oportuniza ao adolescente infrator a possibilidade de

uma experiência de vida comunitária, a descoberta de valores sociais, outras

formas de convivência e reconhecimento que não a prática de infrações e, à

comunidade, a oportunidade de também responsabilizar-se e contribuir para a

melhora desse adolescente81.

Liberdade Assistida

O Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina em seus artigos 118 e 119

esta medida socioeducativa que deve ser aplicada toda vez que for identificada a

79 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 812. 80 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 158. 81 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 121.

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37 necessidade de o adolescente receber acompanhamento por parte de pessoa

designada pela autoridade judicial e apta ao atendimento82.

A liberdade assistida tem como escopo a manutenção dos vínculos sociais e

comunitários e, consequentemente, a manutenção da liberdade do adolescente,

sem deixar, no entanto, de exercer uma limitação no exercício de seus direitos,

visto que os objetivos introduzidos, quais sejam, o acompanhamento, auxílio e

orientação do adolescente durante sua execução, não excluem o caráter coercitivo

da referida medida83.

Esta medida deverá ser aplicada pelo prazo mínimo de seis meses, período

este a ser fixado pelo juiz e, durante o qual, haverá o acompanhamento da vida

social do adolescente (escola, trabalho, família), cuja finalidade é impedir a

reincidência e obter a certeza da reeducação84.

Interessante ressaltar a importância do orientador, quando da aplicação desta

media socioeducativa, conforme nos ensina Giuliano D’Andrea:

O infrator será mantido em liberdade e a ele será designada pessoa capacitada para acompanha-lo, ocorrendo, normalmente, encontros periódicos com o menor e sua família a fim de orientação e sugestões que visem não só localizar o motivo pelo qual o adolescente praticou a infração, mas o que poderá ser feito para melhorar sua conduta e seu desenvolvimento85.

As medidas socioeducativas privativas de liberdade aplicadas são a

Semiliberdade e a Internação, sucintamente aqui expostas.

Cumpre destacar, que estas mediadas deverão ser orientadas pelos princípios

da brevidade e excepcionalidade, respeitada a peculiar condição de pessoa em

desenvolvimento, preconizada no art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Elas são somente aplicáveis em situações efetivamente graves, aplicando-se

especialmente para os casos de ato infracional praticado com violência contra à

82 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 814. 83 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 122. 84 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 123. 85 D”ANDREA, Giuliano. Noções de Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2005, p. 95.

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38 pessoa ou grave ameaça ou, ainda, na prática reiterada de atos infracionais

graves86.

Semiliberdade

A medida socioeducativa de semiliberdade, segundo determina o art. 120, e §

do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser aplicada como primeira medida

ou como forma de transição para o meio aberto, sendo que permite a realização de

atividades externas, independentemente de autorização judicial. Ela não comporta

prazo determinado e valem as disposições pertinentes à medida de internação (art.

120, § do ECA) e, quanto a sua manutenção deverá ser reavaliada pela Autoridade

Judicial, após ouvido o Ministério Público e a Defesa, isto no máximo a cada seis

meses87.

A referida medida provoca o afastamento do adolescente do convívio familiar

e da comunidade, na medida em que restringe sua liberdade, porém isso não

significa a privação total do seu direito de ir e vir, pois determina atividades

externas, tais como, escolarização, profisisonalização e, mais as atividades

pedagógicas, cuja realização deve ser promovida nos semi-internatos88.

Internação

Esta medida socioeducativa é a mais grave das medidas, visto que interfere

na liberdade individual dos jovens. Está disciplinada nos artigos 121 a 125 do

Estatuto da Criança e do Adolescente.

A medida de internação prevê a real e efetiva privação da liberdade, que

deverá ser cumprida em estabelecimento especialmente destinado a adolescentes

e, semelhante aos estabelecimentos prisionais. A internação não poderá exceder a

três anos, porém sua imposição é indeterminada, passando por reavaliação

periódica pelo setor técnico das unidades de privação de liberdade89.

A aplicação desta medida, em virtude da natureza segregadora e,

conseqüentemente, caráter aflitivo, é permeada pelos princípios da brevidade, da

86 SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o Mito da Impunidade: um ensaio de direito (penal) juvenil. Brasília: Universidade de Brasília, 2002, p. 30. 87 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 815. 88 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 127.

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39 excepcionalidade e do respeito à condição peculiar do adolescente como pessoa

em desenvolvimento. Tanto que, o § 2º, do artigo 122 estabelece que em nenhuma

hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. Assim, a

internação somente é admitida se estiverem presentes todos os elementos

necessários e não somente a verificação sobre se o ato é grave90.

Necessário se faz esclarecer que as medidas socioeducativas não são

aplicadas às crianças, ou seja, às pessoas até doze anos de idade incompletos. De

acordo com o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art.

105, a estas, quando do cometimento de ato infracional corresponderão às medidas

de proteção dispostas no art. 101, podendo ser aplicadas isolada ou

cumulativamente (art. 99, ECA). Neste caso, cabe ao Conselho Tutelar o

atendimento e a aplicação das medidas de proteção, na forma do art. 136, I, do

ECA91.

Verifica-se, que as medidas socioeducativas consagradas pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente cumprirão com o papel a elas destinado de

responsabilização adequada aos jovens em conflito com a lei e poderão contribuir

para a solução dos atos infracionais praticados, desde que colocadas em prática de

forma adequada.

Porém, nas palavras de João Batista Costa Saraiva92, o que se constata “é

que na maioria das vezes sequer estas medidas são implementadas nas diversas

instâncias organizacionais do Estado brasileiro”.

Diante da realidade vivenciada: onde se tem um sistema penal falido, Direitos

humanos consagrados, mas constantemente ignorados, um Estatuto que dispõe

que as crianças e os adolescentes se constituem em prioridade absoluta, porém

carente de cumprimento efetivo e, agregado a tudo isso o aumento da violência é,

que se permite concluir que, apesar de todo o aparato legal existente algo está

errado e precisa mudar.

89 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 129. 90 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 131. 91 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Coordenadora. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p. 776. 92 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3. ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 187.

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Neste momento surgem novas idéias, alternativas possíveis, dentre as quais a

Justiça Restaurativa, que se afigura como um novo paradigma de justiça penal.

Logo a seguir, a Justiça Restaurativa será objeto de maior detalhadamente, já

que como alternativa penal, vem ao encontro dos preceitos preconizados pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente, tornando-se viável a sua aplicação quando

da prática do ato infracional.

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41 4 A JUSTIÇA REPARATIVA E O MENOR INFRATOR

4.1 Conceito de justiça restaurativa e visão histór ica

A justiça restaurativa surge, neste momento de grande inquietação que é

provocada pela violência que aumenta assustadoramente, para muitos como a

possibilidade de um novo paradigma de justiça penal, enquanto que para outros

seria uma alternativa que complementaria e traria melhoras ao sistema penal hoje

vigente.

Mas, afinal o que é a justiça restaurativa? Pode-se dizer, que a justiça

restaurativa mais do que uma teoria ainda em formação, é uma prática ou, mais

precisamente, um conjunto de práticas em busca de uma teoria. A justiça

restaurativa traça a proposta de promover entre os verdadeiros protagonistas do

conflito traduzido em um preceito penal (crime), iniciativas de solidariedade, diálogo

e programas de reconciliação, ou seja, qualquer ação que objetive fazer justiça por

meio da reparação do dano causado pelo crime pode ser considerada como uma

“prática restaurativa”93

Deduz-se do conceito acima, que a justiça restaurativa é a proposta de um

sistema penal que visa à participação de todos os envolvidos no delito, de forma a

que cada uma das partes envolvidas contribua para a reparação do dano causado.

Na verdade, propõe um sistema que busca a inclusão ao invés da exclusão.

Paul McCould e Ted Wachtel, contribuem para definir o que é justiça

restaurativa, com seguinte definição:

A abordagem restaurativa, com alto controle e alto apoio, confronta e desaprova as transgressões enquanto afirmando o valor intrínseco do transgressor. A essência da justiça restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa. Práticas restaurativas proporcionam, àqueles que foram prejudicados por um incidente, a oportunidade de reunião para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de novo. A abordagem restaurativa é reintegradora e permite que o transgressor repare danos e não seja mais visto como tal”94.

93 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Medicação Penal: O Novo Mode lo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime . Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 10. 94 McCOLD, e WACHTEL; Paul, e Ted. Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça Restaurativa. Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia, 15 de agosto de

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É a justiça restaurativa um modelo integrador, na medida em que volta sua

atenção não só para a sociedade ou para o infrator, mas também pretende conciliar

os interesses e expectativas de todas as partes envolvidas no problema criminal,

através da pacificação da relação social conflituosa da qual se originou e, desta

forma, pugna pela restauração de todas as relações abaladas, o que inclui, porém

não se limita à reparação dos danos causados a vitima e à comunidade, a partir de

uma postura positiva do infrator95.

Pedro Scuro Neto é um dos precursores da Justiça Restaurativa no Brasil e,

sobre ela ensina:

Fazer justiça, do ponto de vista restaurativo, significa dar resposta sistemática às infrações e a suas conseqüências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de todos os envolvidos (vítima, infrator, comunidade) na resolução dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando suas atitudes e perspectivas em relação convencional com sistema de Justiça, de acordo com os seguintes princípios:

1. Fazer justiça significa acima de tudo trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir;

2. Todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo;

3. O papel do poder público é preservar a ordem social, assim como à comunidade cabe a construção e manutenção de uma ordem social justa96.

Ainda nas palavras de Chris Marshall, Jim Boyack e Helen Bowen:

Justiça Restaurativa se relaciona com um processo em que os afetados por uma ação anti-social se reúnem, num ambiente seguro e controlado, para compartilhar seus sentimentos e opiniões de modo sincero e resolverem juntos como melhor lidar com suas conseqüências. O processo é chamado “restaurativo” porque busca, primariamente, restaurar, na medida do possível, a dignidade e o bem-estar dos prejudicados pela incidente97.

2003, Rio de Janeiro. Disponível em http://iirp.org/library/paradigm_port.html. Acessado em: 23 nov. 2008. 95 VITTO, Renato Campos. De Justiça Criminal, Justiça Restaurativa e Direitos Humanos. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.br?interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 27 nov. 2008. 96 NETO, Pedro Scuro. Fazer Justiça Restaurativa: padrões e prática. Disponível em: http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/just_restaur/artigo+-+jr+-+padrR%d5es.htm. Acessado em: 27 nov. 2008. 97 MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim; BOWEN, Helen. Como a Justiça Restaurativa Assegura a Boa Prática: Uma Abordagem Baseada em Valores. n: Bastos, Márcio Thomáz; Lopes, Carlos e Renault,

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Cabe esclarecer que neste processo todas as partes interessadas, diretas e

indiretas, havendo concordância, são chamadas a buscar, em conjunto, uma

solução efetiva para o conflito, de modo a preencher suas necessidades

emocionais. É necessária a participação ativa de todos e o engajamento no

processo de conciliação98.

Também contribuem para o entendimento do que seja a justiça restaurativa

Howard Zehr e Barb Toews:

A Justiça Restaurativa baseia-se em valores como o respeito à participação ativa no processo do ofensor, do ofendido e das suas respectivas comunidades de sentido. No lugar de atribuir as funções principais a especialistas e representantes externos, o sentido constituído pela ouvida da voz dos direta ou indiretamente afetados. Em um processo caracterizado pela fala e pela escuta, o objetivo é externar a experiência pessoal de cada indivíduo no evento99.

Como visto, a Justiça Restaurativa é colaborativa e inclusiva. Ela envolve

vítimas, agressores e a comunidade afetada pelo crime na tentativa de reparar o

mal e promover a harmonia. Seu objetivo é construir compreensão, encorajar

confiança e oferecer uma oportunidade de sarar e cuidar. O processo da Justiça

Restaurativa é aquele em que as partes envolvidas numa ofensa particular, as

vítimas, o agressor e os membros da comunidade são apoiados e voluntariamente

participam com a assistência de um facilitador, que deverá ser imparcial e justo, na

discussão das circunstâncias que envolvem aquela agressão. Tem a justiça

restaurativa o propósito de entender as causas subjacentes e os efeitos naqueles

que foram atingidos, cuidando das necessidades das partes quanto à reparação e

cuidado100.

Por sua vez, Afonso Armando Konzen refere que:

As práticas restaurativas, como modalidade de solução pacífica e dialogada do conflito pelo envolvimento dos direta e indiretamente

Sérgio Rabello Tamm (orgs.). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. Disponível em: www.justiça21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 18 nov. 2008. 98 JESUS, Damásio de. Justiça Restaurativa no Brasil. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acessado em: 27 nov. 2008. 99 ZEHR, Howard; TOEWS, Barb. Maneiras de Conhecer Para uma Visão Restaurativa do Mundo. In: SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Org). Novas Direções na Governança da Justiça Restaurativa, Brasília, DF: Ministério da Justiça, 2006. Disponível em: www.justica21.org.br?interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 06 nov. 2008. 100 Justiça Restaurativa: valores e princípios da justiça restaurativa em matéria criminal. Disponível em: http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/just_restaur/justi%c7a+restaurativa.htm. Acessado em: 24 nov. 2008.

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interessados, são, antes de uma nova dimensão, a recuperação de uma dimensão perdida. Não se trata de voltar às práticas do passado, mas de aproveitar a experiência de outras tradições como fonte de inspiração tanto para a revisão crítica das formas de proceder havidas como conquistas da modernidade, assim como para a concepção de procederes em outras dimensões101.

Fundamenta-se a justiça restaurativa na compreensão de que o próprio

proceder passa a constituir-se em valor de referência e, não mais na rigidez da

concepção garantista, na qual a forma é valor porque em defesa do acusado contra

o arbítrio dos agentes do Estado, mas em uma flexibilidade passível de se ajustar à

realidade e às exigências dos diversos interessados. É um proceder baseado em

valores102

E, para completar, registra-se o conceito enunciado na Resolução do

Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de 13 de agosto de 2002 a

respeito da justiça restaurativa:

É um processo onde todas as partes envolvidas em um ato que causou ofensa, reúnem-se para decidir coletivamente como lidar com as circunstâncias decorrentes desse ato e suas implicações para o futuro.

Importante salientar, que a justiça restaurativa, mesmo sendo um paradigma

novo, já existe um crescente consenso internacional a respeito de seus princípios,

inclusive oficial, em documentos da ONU e da União Européia103.

A adoção dos processos de Justiça Restaurativa por todos os países foi

recomendada, em 2002, pela Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social

ONU. Tais processos englobam o próprio conceito de justiça restaurativa,

pressupondo a participação dos envolvidos no conflito, os procedimentos contam

com a participação de um coordenador e pode ocorrer por meio da mediação,

câmaras restaurativas e círculos de sentença104.

Após os conceitos enumerados pode-se dizer que a justiça restaurativa é a

proposta de um sistema fundamentado em valores e em uma transformação na

forma de proceder em relação ao delito cometido.

101 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editra, 2007, p. 75. 102 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editra, 2007, p. 82. 103 PINTO, Renato Sócrates Gomes Pinto. Justiça Restaurativa: é possível no Brasil? Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10238&p=1. Acessado em: 28 nov. 2008.

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Quanto a sua origem histórica, a justiça restaurativa remonta aos modelos de

organização social das sociedades comunais pré-estatais européias e nas

coletividades nativas, nas quais havia o privilégio das práticas de regulamentação

social voltadas à manutenção da coesão do grupo, onde os interesses coletivos

tinham prevalência sobre os individuais e, no caso da transgressão de uma norma,

as reações eram orientadas no sentido do restabelecimento do equilíbrio rompido e

para a busca de uma solução rápida para o problema.

Continuavam a existir nessas sociedades as formas punitivas, tais como

vingança ou a morte, mas havia a tendência de aplicar alguns mecanismos capazes

de conter a desestabilização do grupo social105.

Concepções estas, associadas às práticas e experiências reintegradoras

oriundas de códigos anteriores a era cristã, tais como: os códigos de Hammurabi

(1700 a.C.), de Lipit-Ishar (1875 a.C.), Sumeriano (2050 a.C.) e de Eshunna (1700

a.C.), nos quais estavam previstas medidas de restituição para os crimes cometidos

contra os bens ou nos casos de crimes de violência.

Também se verificam as referidas práticas entre os povos colonizadores da

África, das Américas do Norte e do Sul e em países como a Nova Zelândia e a

Áustria, ainda entre as sociedades pré-estatais da Europa106.

Pelo visto, a expectativa de um sistema de justiça mais centrado na

comunidade e na vítima, não é fenômeno novo e, sim é o ressurgimento de uma

abordagem antiga sobre crime e conflito, conforme pesquisa recente realizada no

Canadá,que sustenta ter sido este o modelo de justiça criminal predominante ao

longo da maior parte da história da humanidade107.

Com o que contribui Renato Sócrates Gomes Pinto:

Como o paradigma restaurativo reconduz às práticas comunitárias de justiça, numa recuperação de uma porção do monopólio que detém o Estado moderno de aplicar o Direito Penal, é sustentável a tese de que a

104 Neemias Moretti Prudente. Justiça Restaurativa, um novo olhar. Disponível em:http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/291804/. Acessado em: 27 nov 2008. 105 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editra, 2007, p. 73. 106 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editra, 2007, p. 73. 107 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Medicação Penal: O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 21.

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Justiça Restaurativa representa, de certo modo, um retorno a uma justiça tribal108.

Porém, mais precisamente nos anos 70, com a crise do ideal ressocializador e

da idéia de tratamento através da pena privativa de liberdade, que se

desenvolveram as idéias de restituição penal e reconciliação do infrator com a

vítima e com a sociedade. Iniciaram-se, então, debates sobre as alternativas para a

justiça, resultando daí o modelo restaurativo, como uma outra forma de resolução

de conflitos109.

Os primeiros registros foram verificados nos Estados Unidos em 1970, sob a

forma de mediação entre réu e vítima110.

Em 1974, no Canadá, ocorreu uma das primeiras experiências

contemporâneas, quando dois acusados de vandalismo se encontraram com suas

vítimas e estabeleceram pactos de restituição111.

Mais recentemente, naquele país, onde o modelo também é inspirado nas

culturas indígenas, vem sendo introduzido na legislação, sobretudo na área infanto-

juvenil, com a reforma para adequar a legislação canadense à Convenção dos

Direitos da Criança da ONU, com alternativas restaurativas de remissão,

restringindo o uso do sistema formal de Justiça, reduzindo medidas privativas da

liberdade e promovendo a reintegração do jovem infrator na comunidade112.

Entretanto, o país pioneiro na introdução do modelo restaurativo foi a Nova

Zelândia, que o introduziu na legislação infanto-juvenil. Lá a justiça restaurativa

desenvolveu-se após décadas de insatisfação com o tratamento oferecido aos

menores autores de delitos, o que resultou na edição do Children, Young Persons

108 PINTO, Renato Sócrates Gomes Pinto. Justiça Restaurativa: o paradigma do encontro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10238&p=1. Acessado em: 27 out. 2008. 109 Neemias Moretti Prudente. Justiça Restaurativa, um novo olhar. Disponível em:http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/291804/. Acessado em: 27 nov 2008. 110 Diferentes Países e Culturas, a Mesa Inquietude Social. Disponível em: http://www.justica21.org.br/j21/interno.php?ativo=histórico. Acessado em: 29 nov. 2008. 111 Neemias Moretti Prudente. Justiça Restaurativa, um novo olhar. Disponível em:http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/291804/. Acessado em: 27 nov 2008. 112 PINTO, Renato Sócrates Gomes Pinto. Justiça Restaurativa: o paradigma do encontro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10238&p=1. Acessado em: 27 out. 2008.

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47 and Their Families Act, em 1989, e que ocasionou uma mudança radical nos

princípios e também no processo da justiça de menores no país113.

Em 1974, no Canadá, ocorreu uma das primeiras experiências

contemporâneas, quando dois acusados de vandalismo se encontraram com suas

vítimas e estabeleceram pactos de restituição114.

Mais recentemente, naquele país, onde o modelo também é inspirado nas

culturas indígenas, vem sendo introduzido na legislação, sobretudo na área infanto-

juvenil, com a reforma para adequar a legislação canadense à Convenção dos

Direitos da Criança da ONU, com alternativas restaurativas de remissão,

restringindo o uso do sistema formal de Justiça, reduzindo medidas privativas da

liberdade e promovendo a reintegração do jovem infrator na comunidade115.

Na Argentina, o programa foi experimentado em 1998, tendo sido inspirado

nos artigos 38 e 45 da Lei do Ministério Público, combinado com o artigo 86 e sgts.

do Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires, operando através de

dois centros – o Centro de Assistência às Vítimas de Delitos e o Centro de

Mediação e Conciliação Penal116.

Desde então se espalharam experiências com práticas restaurativas e, hoje,

muitos são os modelos, marcos jurídicos e práticas similares de Justiça

Restaurativa utilizados em vários países, tais como, na África do Sul, Alemanha,

Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Escócia, Estados Unidos, Finlândia, França e

Noruega. Aqui no Brasil, os primeiros estudos sobre Justiça Restaurativa remontam

a 1999, quando, registravam-se experiências isoladas, como a da 3ª Vara do

Juizado da Infância de Porto Alegre, iniciada em 2002. Mais tarde, em 2005,

adotou-se um processo mais estruturado de testagem e difusão do modelo de

Justiça Restaurativa, contando com o apoio do Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento - PNUD e do Ministério da Justiça, com três focos incipientes:

113 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editra, 2007, p. 23. 114 Neemias Moretti Prudente. Justiça Restaurativa, um novo olhar . Disponível em:http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/291804/. Acessado em: 27 nov 2008. 115 PINTO, Renato Sócrates Gomes Pinto. Justiça Restaurativa: o paradigma do encontro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10238&p=1. Acessado em: 27 out. 2008. 116 PINTO, Renato Sócrates Gomes Pinto. Justiça Restaurativa: o paradigma do encontro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10238&p=1. Acessado em: 27 out. 2008.

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48 Brasília, São Caetano do Sul (SP) e Porto Alegre117. Os resultados têm sido

bastante positivos onde está sendo aplicada, até mesmo porque os pioneiros dos

projetos em andamento estão compartilhando suas experiências com os demais

interessados e o tema ganha cada vez mais repercussão na opinião pública e

comunidade acadêmica118.

4.2 Modelos, princípios e valores da justiça restau rativa

A Justiça Restaurativa, como já visto, se relaciona com um processo no qual

os afetados por uma ação anti-social se reúnem em ambiente tranqüilo, seguro e

controlado, com a finalidade de compartilhar sentimentos e opiniões de forma a

resolver a melhor maneira de lidar com as conseqüências. O processo é chamado

restaurativo porque busca restaurar a dignidade e o bem-estar dos lesados pelo

ocorrido. Podem ser usados diversos formatos para se chegar às metas as quais se

propõe, a saber: diálogos entre a vítima e o infrator, “conferências” de grupo de

comunidades e familiares, círculos de sentenças, painéis comunitários, e outros que

se mostrarem adequados119.

Conforme Mylène Jaccourd,120 “podem ser identificados três modelos dentro

do modelo da Justiça Restaurativa”.

De acordo com a autora, estes três modelos permitem propor a seguinte

definição de Justiça Restaurativa:

A Justiça Restaurativa é uma aproximação que privilegia toda a forma de ação, individual ou coletiva, visando corrigir as conseqüências

117 Diferentes Países e Culturas, a Mesa Inquietude Social. Disponível em: http://www.justica21.org.br/j21/interno.php?ativo=histórico. Acessado em: 29 nov. 2008. 118 Neemias Moretti Prudente. Justiça Restaurativa, um novo olhar . Disponível em: http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/291804/. Acessado em: 27 nov 2008. 119 MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim & BOWEN, Helen. Como a Justiça Restaurativa Assegura a Boa Prática: Uma Abordagem Baseada em Valores. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea d eArtigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.be/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 25 nov. 2008. 120 JACOOURD, Mylène. Princípios, Tendências e Procedimentos que Cercam a Justiça Restaurativa. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.be/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 29 nov. 2008.

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vivenciadas por ocasião de uma infração, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes ligadas a um conflito121.

As três orientações da Justiça Restaurativa são122:

Modelo centrado nas finalidades

Aqui a Justiça Restaurativa está direcionada para a correção das

conseqüências e as finalidades restaurativas são centrais e prioritárias, sendo que

isto independe dos processos utilizados para atingir este ponto. Por serem os

processos secundários se aceita a arbitragem como um dos meios de que dispõe a

Justiça Restaurativa para atingir suas finalidades e, também, se pode questionar as

sanções restaurativas quando impostas por um juiz na situação em que há recusa

de uma das partes em participar da negociação, quando uma das partes é

desconhecida, está ausente ou morta.

Modelo centrado nos processos

As finalidades são secundárias e os processos é que definem o modelo de

Justiça Restaurativa. Todo o processo que seja fundamentado sobre a participação

(das partes ligadas pela infração ou pela comunidade circunvizinha) se insere no

modelo de Justiça Restaurativa. Mesmo que as finalidades ligadas aos processos

negociados tenham cunho retributivo, o simples fato de que ocorram as

negociações, as condutas ou os envolvimentos, já basta para que alguns

considerem que tais práticas façam parte de um modelo de Justiça Restaurativa.

Modelo centrado nos processo e nas finalidades

Neste modelo, os mais puristas avaliam que a Justiça Restaurativa é definida,

no mais das vezes, por meio de processos negociados e através de finalidades

121 JACOOURD, Mylène. Princípios, Tendências e Procedimentos que Cercam a Justiça Restaurativa. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.be/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 29 nov. 2008. 122 122 JACOOURD, Mylène. Princípios, Tendências e Procedimentos que Cercam a Justiça Restaurativa. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs).

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50 restaurativas. Adota-se aqui uma visão mais restritiva da Justiça Restaurativa,

impondo à mesma condições (meios negociáveis e finalidades restaurativas) que

concentram todas as probabilidades de serem aplicadas a situações que requeiram

boa vontade de ambas as partes no que se refere à infração. Entretanto, introduzir

a boa vontade como critério absoluto para encaminhar os casos aos programas

restaurativos é confinar a Justiça Restaurativa à administração de infrações

sumárias, reduzindo seu potencial de ação.

Ainda, segundo Mylène Jaccourd:

O segundo modelo (modelo centrado nos processos) é o que mais corrompe os princípios fundadores da Justiça Restaurativa. Uma justiça participativa ou comunitária é uma Justiça Restaurativa se, e somente se, as ações expandidas objetivam a reparação das conseqüências vinculadas após um crime. Um círculo de sentenças se insere em um modelo de Justiça Restaurativa contanto que os membros do círculo recomendem ao juiz a adoção de medidas restaurativas. Um círculo de sentença que recomenda encarcerar o autor do delito (sem a reunião de medidas restaurativas) não é um modelo de Justiça Restaurativa123.

Para que os processos de justiça possam ser considerados restaurativos

devem estar de acordo com os princípios e valores balizadores do modelo de

Justiça Restaurativa proposto.

De acordo com Pedro Scuro Neto, os princípios embasadores da Justiça

Restaurativa são os seguintes124:

Fazer justiça significa acima de tudo trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir; Todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo; O papel do poder público é preservar a ordem social, assim como à comunidade cabe a construção e manutenção de uma ordem social justa.

Quanto aos valores da Justiça Restaurativa, referem-se aqueles essenciais

para que os relacionamentos sejam saudáveis, eqüitativos e justos.

Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.be/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 29 nov. 2008. 123 MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim & BOWEN, Helen. Como a Justiça Restaurativa Assegura a Boa Prática: Uma Abordagem Baseada em Valores. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea d eArtigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.be/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 25 nov. 2008. 124 NETO, Pedro Scuro. Fazer Justiça Restaurativa: padrões e práticas. Disponível em: http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/just_restaur/artigo+-+jr+-+padrR%d5es.htm. Acessado em: 27 nov. 2008.

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Nas palavras de Pedro Scuro Neto:

Os valores da Justiça Restaurativa acarretam, em primeiro lugar, inclusão das partes envolvidas – por meio de convite, reconhecimento de interesses, aceitação de pontos de vista, alternativos – em um processo sistemático e controlado que promove o encontro (reunião, narrativa, expressão de emoção, compreensão, acordo) e propicia aos próprios atores a chance de determinar o grau apropriado de reparação (desculpas, mudanças de comportamento, restituição, generosidade). Envolvem, igualmente, um processo de reintegração (respeito, apoio e direcionamento material, moral e espiritual)125.

Ainda, sob a ótica do referido autor, importante se faz, breve comentário sobre

cada um desses valores, que devem impulsionar o processo de mudança da

justiça:126

Inclusão

É um convite às partes e demais envolvidos no conflito, com o intuito de que a

participação ao levar em conta as diferentes perspectivas, acatando sugestões e

tentando novas abordagens, seja capaz de contemplar todos os interesses e

chegar a solução plena do conflito. O processo restaurativo, desse modo, pode-se

dizer que é eminentemente inclusivo.

Encontro

O modo restaurativo de fazer justiça da grande importância ao encontro

pessoal entre a vítima e o infrator, encontro este que será na presença de um

supervisor ou agente facilitador – na impossibilidade, pode-se promover um

“encontro” por meio de carta, fita gravada, mensagens entregues por um portador.

Porém, em si os encontros não são essenciais nem a única dimensão dos

procedimentos restaurativos – ocorre a convergência de cinco elementos que são:

reunião, relato, emoção, entendimento, acordo, e cada qual contribuem para

fortalecer e dar sentido ao encontro.

125 NETO, Pedro Scuro. Por uma Justiça Restaurativa ‘Real e Possível’. Disponível em: http://www.nest.org.br/colab.pedro.scuro.neto/por.uma.justica.restaurativa.real.e.possivel.pdf. Acessado em: 29 nov. 2008. 126 NETO, Pedro Scuro. Por uma Justiça Restaurativa ‘Real e Possível’. Disponível em: http://www.nest.org.br/colab.pedro.scuro.neto/por.uma.justica.restaurativa.real.e.possivel.pdf. Acessado em: 29 nov. 2008.

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Reparação

Esse valor dita que o mal praticado deve ser reparado pelos próprios

responsáveis, é necessário que assumam sua parcela de responsabilidade, e

demonstrem isso através do pedido de desculpas, mudança de comportamento,

restituição e generosidade, que são os quatro elementos da reparação, e trazem

grande benefício tanto para a vítima como para o infrator. A reparação deve ser

decidida pelo próprio infrator e pela própria vítima, e não por terceiros, juiz, júri ou

sociedade.

Reintegração

As infrações não têm como conseqüência apenas os prejuízos materiais;

crimes, em particular, depõem contra o infrator e também contra a vítima. As

Infrações estigmatizam também a vítima e, por isso, a reintegração, deve ser

viabilizada pela via do respeito, da consideração, da assistência material, da moral

e de orientação espiritual.

Destacam-se também como valores fundamentais das práticas restaurativas:

o respeito, a honestidade, a humildade, a interconexão, o empoderamento e a

esperança. Veja-se: 127.

Respeito

Diz respeito, a que todos os seres humanos, independente de suas ações

boas ou más, sua raça, cultura, gênero, orientação sexual, idade, credo e status

social têm valor igual e inerente, sendo todos dignos de respeito nos ambientes da

justiça restaurativa, pois o respeito mútuo gera a boa fé e confiança entre os

participantes.

127 MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim & BOWEN, Helen. Como a Justiça Restaurativa Assegura a Boa Prática: Uma Abordagem Baseada em Valores. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea d eArtigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.be/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 25 nov. 2008.

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Honestidade

Na Justiça Restaurativa é necessário que a fala seja honesta para se fazer

justiça, pois a verdade produz mais que a elucidação dos fatos e o estabelecimento

da culpa dentro dos parâmetros estritamente legais. As pessoas precisam falar

aberta e honestamente sobre a transgressão, sentimentos e responsabilidades

morais.

Humildade

Todos os seres humanos são passíveis de falibilidades e vulnerabilidade e a

Justiça Restaurativa às aceita. A humildade capacita vitimas e infratores a descobrir

que eles têm mais em comum como seres humanos frágeis e defeituosos do que o

que os divide em vítima e infrator.

Interconexão

A Justiça Restaurativa, ao mesmo tempo em que ressalta a liberdade

individual e a responsabilidade, também reconhece os laços que unem a vítima e o

infrator. São eles elementos importantes da sociedade, na medida em que fazem

parte de uma rede de relacionamentos. Entende-se que há uma responsabilidade

compartilhada da sociedade, a fim de ajudar a restaurar as vítimas e a reintegrar os

infratores. Também sob certos aspectos, a vítima e o infrator detêm a chave para a

sua recuperação, devido ao fato de estarem unidos pela sua participação

compartilhada no evento criminal.

Empoderamento

Refere-se ao grau de autodeterminação e autonomia que todo o ser humano

requer em suas vidas. Poder este, que o crime rouba das vítimas, a partir do

momento que outra pessoa, sem seu consentimento, exerceu controle sobre ela.

Este poder é devolvido às vítimas pela Justiça Restaurativa, que lhes dá um papel

ativo para determinar sobre suas necessidades e a maneira como estas devem ser

satisfeitas. Os infratores, na medida em que têm que se responsabilizar pelas suas

ofensas, remediar a lesão causada e iniciar um processo de reabilitação e

integração, também recebem este poder.

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Esperança

A comunidade sempre é capaz de responder, de maneira positiva e ajudar

quem está sofrendo, mesmo que o delito tenha sido de grandes proporções. Com

isso gera-se a cura e a mudança, pois com a Justiça Restaurativa há esperança de

cura para as vítimas, de mudança para is infratores e a esperança de maior

civilidade para a sociedade.

Fica clara, a importância da aplicação dos princípios e valores norteadores da

Justiça Restaurativa, 128pois enquanto eles forem honrados, há espaço para vários

processos e uma flexibilidade de práticas, tendo sempre como meta a efetiva

solução do conflito, beneficiando tanto a vítima como o infrator.

4.3 Justiça restaurativa e o ato infracional

A situação atual causa inquietação, pois se verifica o crescimento assustador

da violência e da criminalidade infanto-juvenil. Pode-se, sem dúvida dizer que este

fato é o resultado de uma sociedade que tem cada vez mais dificuldade de incluir

alguns setores sociais, e a juventude acaba por ser a mais afetada nesse contexto.

Importante salientar, que a realidade cotidiana dos menores infratores vai

além de uma política de punição. Encontram-se aí a desestrutura familiar, o uso de

drogas e a evasão escolar como características comuns na vida destes

adolescentes129.

É diante dessa realidade preocupante, que surge a obrigação de se pensar na

busca de alternativas viáveis para a solução do problema, pois os métodos

utilizados até hoje, percebe-se não resolveram a problemática da delinqüência

juvenil, sendo urgente, então, a adoção de novas alternativas para tratar a questão.

128 MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim & BOWEN, Helen. Como a Justiça Restaurativa Assegura a Boa Prática: Uma Abordagem Baseada em Valores. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea d eArtigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.be/interno.php?ativo=BIBLIOTECA. Acessado em: 25 nov. 2008. 129 CARDOSO, Ismael; PIANEGONDA, Natália. Adolescência Perdida. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/ensinodareportagem/cidades/menores.html. Acessado em: 05 nov. 2008.

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Sabe-se, que as práticas tradicionais da justiça sempre enfatizaram a

apuração de culpados e a imposição de punições ou, eventualmente, a aplicação

de medidas terapêuticas como sanção à violência e às transgressões cometidas.

São uma expressão legitima da vingança pública, praticada pelo Estado em nome

da sociedade. Porém essas soluções têm sido criticadas pela incapacidade de

produzir os resultados esperados, ou seja, a redução da violência e dos índices de

reincidência, além do que produzem efeitos indesejados, tais como a

estigmatização e exclusão e exclusão social do infrator, a violação dos seus direitos

humanos e, conseqüentemente, a amplificação da violência adotada como

metodologia pelo sistema130.

Em 1990, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº.

8.069/90), as medidas sócio-educativas passaram a ser aplicadas ao adolescente,

quando da prática do ato infracional. A partir de então, as duas questões que

passaram a centralizar o debate sobre criminalidade juvenil foi a responsabilidade e

a educação.

Porém, até o momento, as duas estratégias básicas utilizadas pela tradição

penal, visando uma resposta às infrações praticadas pelo menor infrator, que são a

punição e o tratamento, restaram falhas. Isso porque, meros castigos não são

capazes de mudar comportamentos, da mesma forma que, simples tratamentos

(sejam assistenciais, terapêuticos ou pedagógicos) não resultam, necessariamente,

em responsabilidade131.

Surgem, então várias interrogações sobre como a justiça pode ser mais

efetiva ao promover responsabilização, sem utilizar táticas violentas e, nem

permissivas? Ou então, como evitar abordagens meramente punitivas ou

terapêuticas, e desenvolver estratégicas que respeitem a autonomia do sujeito e da

sua comunidade, ao mesmo tempo em que promovam o protagonismo responsável

de todos na resolução sustentável dos próprios problemas?132

De acordo com Leoberto Brancher:

130 BRANCHER, Leoberto Narciso; AGUINSKIY, Beatriz. Juventude, Crime e Justiça: uma promessa impagável. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 28 nov. 2008. 131 BRANCHER, Leoberto Narciso. Criminalidade Juvenil, Responsabilidade e educação: uma contribuição para o debate na Campanha Estadual de Prevenção da Violência e da Criminalidade Juvenil – Artigo 2. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 22 nov. 2008. 132 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008.

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Para superar os impasses decorrentes desse modelo dicotômico, o que sugerimos é um novo modelo de justiça que se proponha a ministrar estes dois componentes de forma simultânea e ponderada, associando a necessidade de se estabelecer limites e controle social, em benefício da segurança pública, sem prejuízo da contemplação rigorosa das prerrogativas individuais e das necessidades de oferecer cuidados específicos para o ofensor133.

O que se propõe aqui é a utilização da Justiça Restaurativa na área infanto-

juvenil, como medida alternativa para a solução de problemas do menor com a lei,

promovendo, através dela a sua reintegração na sociedade de forma a evitar

também a reincidência.

É de extrema relevância a reflexão sobre a aplicação da justiça restaurativa

como um outro modo de proceder para a apuração do ato infracional atribuído ao

adolescente, diferente daquele oferecido pelo sistema acusatório da tradição

retributiva134. É possível vislumbrar na sua implantação uma prática inovadora que

visa ser utilizada como estratégia de resposta às infrações e solução do problema

da delinqüência juvenil. Orientados pela origem e fundamentos do movimento

restaurativo é possível promover a responsabilidade de maneira mais eficaz que as

punições tradicionais. É uma maneira de dar início a uma nova abordagem

pedagógica que promete ser uma perspectiva efetiva no enfrentamento da violência

e da criminalidade juvenil135.

A sua aplicação como forma de resolver conflitos do adolescente em conflito

com a lei é, perfeitamente, viável, vez que, existe base legal para isso.

Possibilidade esta, verificada a seguir.

O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei inspirada nas mais modernas

concepções das Nações Unidas para a área de Justiça e de Direitos Humanos,

contém dispositivos que tornam perfeitamente compatível o ordenamento jurídico

brasileiro, na área da Justiça Penal Juvenil, com a recepção do modelo da Justiça

Restaurativa136.

133 BRANCHER, Leoberto Narciso. Idade Penal: melhor ampliar do que reduzir. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008. 134 KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 72. 135 BRANCHER, Leoberto Narciso. Criminalidade Juvenil, Responsabilidade e educação: uma contribuição para o debate na Campanha Estadual de Prevenção da Violência e da Criminalidade Juvenil – Artigo 2. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 22 nov. 2008. 136 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008.

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Verifica-se essa viabilidade através do instituto da remissão, pois seguindo a

tendência de desjudicializar o atendimento de infrações penais leves e médias,

preconizada pelo Direito Penal Mínimo, a lei brasileira permite que o processo

judicial seja excluído, suspenso ou extinto caso ocorra a composição do conflito de

forma amigável, mesmo que importando em que o jovem infrator assuma o

compromisso de cumprir medida sócio-educativa (ECA, art. 112) desde que não

privativa da liberdade137.

Essa solução aplica-se em regra a jovens primários apresentados à justiça

pela prática de contravenções e/ou crimes considerados leves como furtos, posse

de drogas, lesões corporais e danos, ou médios como porte de arma e roubo sem

violência contra a pessoa. Por meio da remissão a tramitação do processo pode ser

judicialmente dispensada ocorrendo acordo em que as partes (adolescente, vítima

e familiares) resolverem pela dispensa do procedimento de culpabilização formal,

mesmo que a solução implique em o adolescente receber uma advertência formal,

arcar com a reparação do dano, prestar serviços à comunidade ou, mesmo,

submeter-se a um regime de liberdade assistida138.

Qualquer dessas medidas sócio-educativas, inclusive, ainda pode, em caso do

acordo da remissão, ser cumulada com medidas protetivas (art. 101 do ECA)

acessórias como, por exemplo: tratamento da drogadição, freqüência e

aproveitamento escolar, atendimentos terapêuticos, etc. Completa-se o modelo com

a possibilidade de também os pais e/ou responsáveis pelo adolescente assumirem

compromissos de se submeterem a medidas formais (art. 129 ECA), tais como

participação em cursos de orientação, obrigação de zelar pela freqüência e

aproveitamento escolar do filho, terapias individuais ou familiares139.

O acordo pode ocorrer antes do processo (forma de exclusão) ou durante

(forma de suspensão ou extinção) e será firmado tendo como partes as partes do

processo, a saber: o adolescente, seus responsáveis, assistidos por advogado, de

137 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008. 138 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008. 139BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008.

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58 um lado, e o Ministério Público, de outro. Após o acordo será levado à

homologação judicial, sendo que poderá o juiz recusar a homologação ou submetê-

la a retificações, a partir de então o acordo passará a valer com força de sentença,

formando o título executório para aparelhar a execução das medidas. Ocorrendo o

descumprimento do acordo poderá o jovem até mesmo perder a liberdade por

tempo definido (máximo 90 dias) e pode o juiz do processo da execução rever e

substituir a medida acordada por outra que achar mais adequada. Os pais, por sua

vez, estão sujeitos a multas previstas no próprio estatuto caso descumpram o

acordo140.

Quanto a prática o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a criação de

centros de atendimento inicial integrado ao adolescente infrator (art. 88, inc. V do

ECA) – neles haverá a integração operacional dos órgãos de segurança (polícia

militar, civil e guarda municipal), justiça (ministério público, defensoria pública,

judiciário) e assistência social. Esses centros já existem em algumas capitais (Porto

Alegre, Fortaleza, Recife, ect) estes centros são importantes, na medida em que

prestam atendimento inicial integrado, pois são um mecanismo institucional voltado

ao acolhimento do adolescente, vítima e seus familiares – já que a princípio todos

são levados a comparecer perante a polícia por ocasião do registro ou da

investigação da ocorrência, ocorrendo isso geralmente no mesmo local físico onde

também atuam, em regra em regime de plantão, os promotores, defensores e juízes

ficarão a par do caso141.

A introdução de práticas restaurativas é perfeitamente compatível com esse

contexto legal. Sua aplicação se mostra intuitiva e sua adoção é mais uma questão

de atitude142.

E, como pontua Leoberto Brancher:

A aplicação das práticas restaurativas no sistema de atendimento inicial previsto pelo artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim, não apenas encontra respaldo no modelo jurídico, que confere força

140 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008. 141 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008. 142 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008.

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executória às deliberações do encontro restaurativo, mas também no modelo organizacional – com os centros de atendimento inicial integrado como suporte para apresentação dos casos em tempo real. Mais do que isso, qualifica o conteúdo democrático e autônomo na construção da solução, proporcionando maior adesão e responsabilização, e também contribuindo para que a medida resulte melhor adequada ao perfil do infrator, sua capacidade de cumprir e às circunstâncias reais da prática da infração – que são os requisitos de aplicabilidade das medidas sócio-educativas estabelecidos pelo artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente143.

As proposições da Justiça Restaurativa geram grande expectativa, visto que

corresponde a possibilidade de concretizar-se uma promessa implícita no Estatuto

da Criança e do Adolescente, porém historicamente negligenciada, no que diz

respeito ao conteúdo de uma proposta pedagógica capaz de dar conta da

ressocialização de adolescentes autores de infrações penais144.

No Brasil, o debate a respeito da Justiça Restaurativa vem evoluindo

significativamente, sendo que em 2005, em uma iniciativa da Secretaria da Reforma

do Judiciário com o apoio do PNUD – Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento foram implantados três pilotos do projeto promovendo Práticas

Restaurativas no sistema de Justiça Brasileiro. Brasília (DF), São Caetano do Sul

(SP) e Representantes do Judiciário de Brasília (DF), Porto Alegre (RS) e São

Caetano do Sul (SP) e Porto Alegre (RS) foram escolhidas para sediar os projetos.

Em São Caetano do Sul e Porto Alegre estava direcionado para a aplicação de

práticas restaurativas na área da Infância e Juventude, enquanto que em Brasília o

projeto era voltado aos delitos cometidos por adultos.

O projeto piloto implantado em Porto Alegre, na 3º Vara do Juizado Regional

da Infância e da Juventude, especializada na execução das medidas sócio-

educativas, denominado “Justiça para o Século 21”, objetiva a adaptação, testagem

avaliação, sistematização e incorporação institucional dos procedimentos, valores e

idéias sobre a Justiça Restaurativa com vistas à realidade local. O referido projeto

se propõe, genericamente, a implementar as práticas da Justiça Restaurativa na

143 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008. 144 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social: reflexões sobre a implementação da Justiça Restaurativa na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008.

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60 pacificação de situações de violência envolvendo crianças e adolescentes em Porto

Alegre145.

É possível dizer que ao longo destes três primeiros anos, cerca de seis mil

pessoas entraram em contato com as idéias sobre Justiça Restaurativa, através de

abordagens formativas variadas, como grupos de estudos, cursos de iniciação

teórica, workshops e cursos de coordenação de Círculos Restaurativos, jornadas de

sensibilização, palestras e seminários promovidos diretamente pelo projeto. Não se

incluem aí outras atividades internas realizadas pelos parceiros institucionais146.

Como se vê, a experiência registrada na 3ª Vara Regional do Juizado da

Infância e da Juventude de Porto Alegre, quando da aplicação de práticas

restaurativas buscando a solução dos atos infracionais que tem como autor o

adolescente revela-se bem sucedida.

A Justiça Restaurativa, ao que tudo indica, é medida alternativa a ser adotada

na área infanto-juvenil, a fim de solucionar problemas do menor com a lei,

promovendo sua recuperação e reintegração na sociedade.

145 BRANCHER, Leoberto Narciso; AGUINSKIY, Beatriz. Projeto Justiça Para o Século 21. Disponível em: http://www.ibjr.justicarestaurativa.nom.br/pdfs/projeto_portoalegre.pdf. Acessado em: 28 nov. 2008. 146 BRANCHER, Leoberto Narciso. Apresentação: coordenação do projeto justiça para o século 21. Disponível em: www.justica21.org.br. Acessado em: 30 nov. 2008.

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61

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos e garantias fundamentais do ser humano demonstram a relevância

a eles delegada, a partir do momento em que estão previstos já no preâmbulo da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Não somente no

preâmbulo, mas também vários outros artigos da Carta Magna tratam sobre os

referidos direitos e garantias que têm intrínseca relação com a dignidade da pessoa

humana. Não se pode esquecer a extensa legislação internacional que também

dispõe sobre o assunto e que foi ratificada pelo Brasil.

Apesar das disposições relativas aos direitos humanos verifica-se no sistema

penal atual uma constante violação dos direitos e garantias fundamentais do ser

humano. Tem-se um sistema penal completamente falido, a pena de prisão é

decadente e, a bem da verdade, nunca conseguiu cumprir com o propósito para o

qual foi criada, ou seja, a ressocialização, recuperação e reintegração do criminoso.

O sistema carcerário, hoje, sofre com a superlotação e, não raro, torna-se uma

“escola do crime”.

Temos neste cenário, a presença da criança e do adolescente, a quem

sempre a lei procurou destinar proteção específica. Num primeiro momento, através

da Doutrina da Proteção Irregular, prevista pelo extinto Código de Menores de

1979. Porém esta doutrina era restrita, pois se limitava a tratar daqueles que se

enquadravam no modelo pré-definido de situação irregular, estabelecido no artigo

2º do referido código. Com a Declaração de Genebra de 1924, começou a se

delinear a Doutrina da Proteção Integral que determinava a necessidade de

proporcionar à criança uma proteção especial. Seguiram-se, logo após, vários

dispositivos internacionais que dispunham sobre a necessidade de proteção

especial ao menor. Entretanto, a raiz mais próxima da doutrina da proteção integral

é a Convenção sobre o Direito da Criança, aprovada pela Assembléia-Geral da

ONU em 20.11.1989. Já no Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi um marco em

relação ao assunto, visto que estabelece a doutrina da proteção integral no artigo

227, em substituição a doutrina da situação irregular. Logo depois, em 1990, o

Estatuto da Criança e do Adolescente efetivou a doutrina da proteção integral ao

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62 dar a criança e ao adolescente tratamento prioritário e diferenciado, visto serem

seres humanos em desenvolvimento.

Mesmo com legislação específica a protegê-lo, por meio da doutrina da

proteção integral, o adolescente infrator sofre com o mito da impunidade. Há um

consenso por parte da sociedade de que os mesmos ficam impunes pelos delitos

que cometem e, cobram maior rigor no tratamento dispensado àqueles quando da

prática do ato infracional. Essa idéia equivocada deve-se ao desconhecimento da

lei, visto que, os adolescentes infratores são sim responsabilizados e punidos pelos

delitos praticados. Quando comete o ato infracional o adolescente é punido, através

das medidas sócio-educativas, até mesmo com privação de liberdade, com

natureza sancionatória e conteúdo pedagógico. As medidas sócio-educativas estão

previstas no Estatuto da criança e do Adolescente (art. 122, I a VII) e possuem o

mesmo papel social que a pena, com as mesmas finalidades e igual conteúdo.

Nesse contexto, onde se têm direitos e garantias fundamentais violados, um

sistema de justiça e a pena de prisão falidos, adolescentes infratores acusados de

impunidade, mesmo sendo-lhes aplicadas medidas sócio-educativas de caráter

sancionatório, mas, de certa forma, de eficácia duvidosa é que surge a Justiça

Restaurativa como uma promessa talvez, uma nova forma de pensar e fazer justiça.

Aqui, especificamente, como alternativa viável a ser utilizada na busca de

solução para os conflitos do adolescente com a lei. Pois, na medida em que,

através do proceder restaurativo, onde impera o respeito à garantia dos direitos

fundamentais, e se busca a conscientização, responsabilização e reparação do mal

cometido, através do envolvimento direto das partes afetadas pelo delito, por certo,

será mais fácil “curar feridas”, assim como, ressocializar, recuperar e reintegrar, isto

no real sentido da palavra.

Tudo leva a crer que a Justiça Restaurativa é sim, um modelo de justiça penal

que tem futuro.

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