O magico da corda bamba

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Conto esta história emba- lado pelos novos colibris fotografados ultimamente, pois quem já veio até a Reserva, com tempo, certa- mente lembrará dela. Tudo começou numa tarde de setembro de 2005, céu aber- to, tempo bom, 25º e os pás- saros rondando atrás de comida, beija-flores chupan- do nectar, borboletas... Até aí, uma primavera belíssima. De repente, vento sul, nu- vens cobrem o céu e a temperatura despenca para 5º, sem mais nem menos. Isso mesmo, cinco graus centígrados! Virou tudo pelo avesso e ficamos assusta- dos, afinal era uma mudança muito brusca para um dia nascido azul. Fui até a varanda dar uma última espiada no tempo, quando percebi uma presença estra- nha, colada na minha cabe- ça: era um beija-flor agarra- do no varal. Num instante achei que iria voar, claro, pois acendi a luz, abri a por- ta, parei debaixo do dito e, nada, estava mesmo ali, imóvel. Decidi entrar e pegar a câmera fotográfica bem rápido, antes que o bicho desaparecesse. Voltei equi- pado. Foi quando percebi que não estava imóvel, po- rém, movia-se muuito deva- gar, feito uma avózinha em sua cadeira de balanço, num movimento pendular per- feito. Dormia, sim, absoluta- mente distante dos meus flashs e tropeços. Os beija-flores estão entre as pouquíssimas aves que possuem a capacidade de hibernar. Caem num sono letárgico durante o frio, adaptação ecológica muito O mágico na corda bamba singular para sobreviver a quedas bruscas de tempera- tura. Não se conhece, no Brasil, hibernação em gran- de escala, como p. ex., no Chile, onde foram encon- trados beija-flores em fen- das de rocha por baixo da neve. Durante o sono tórpi- do a temperatura do corpo, normalmente entre 40 a 42º, iguala-se ao do ambiente e as batidas cardíacas, que chegam a 1.240/minuto em vôo, baixam para quase 40/ minuto. Podemos deduzir que a hibernação é a mágica metabólica pela qual o beija- flor faz sua provisão alimen- tícia durar do entardecer à manhã: umas doze horas. Quiçá pegasse com as mãos, mas não ousei tocá- lo. Na manhã seguinte poderia ter sido um sonho, não fosse a fotografia. news RESERVA RIO DAS FURNAS M AIO 2008 WWW . RIODASFURNAS . ORG . BR 10,5CM - FAMÍLIA TROCHILIDAE LEUCOCHLORIS ALBICOLLIS - PAPO-BRANCO WHITE-THROATED HUMMINGBIRD F ONTE : H. SICK, ORNITOLOGIA BRASILEIRA

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News da Reserva Rio das Furnas, estado de torpor do beija-flor-de-papo-branco (Leucochloris albicolis) White-throated Hummingbird

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Conto esta história emba-

lado pelos novos colibris

fotografados ultimamente,

pois quem já veio até a

Reserva, com tempo, certa-

mente lembrará dela. Tudo

começou numa tarde de

setembro de 2005, céu aber-

to, tempo bom, 25º e os pás-

saros rondando atrás de

comida, beija-flores chupan-

do nectar, borboletas... Até

aí, uma primavera belíssima.

De repente, vento sul, nu-

vens cobrem o céu e a

temperatura despenca para

5º, sem mais nem menos.

Isso mesmo, cinco graus

centígrados! Virou tudo pelo

avesso e ficamos assusta-

dos, afinal era uma mudança

muito brusca para um dia

nascido azul. Fui até a

varanda dar uma última

espiada no tempo, quando

percebi uma presença estra-

nha, colada na minha cabe-

ça: era um beija-flor agarra-

do no varal. Num instante

achei que iria voar, claro,

pois acendi a luz, abri a por-

ta, parei debaixo do dito e,

nada, estava mesmo ali,

imóvel. Decidi entrar e pegar

a câmera fotográfica bem

rápido, antes que o bicho

desaparecesse. Voltei equi-

pado. Foi quando percebi

que não estava imóvel, po-

rém, movia-se muuito deva-

gar, feito uma avózinha em

sua cadeira de balanço, num

movimento pendular per-

feito. Dormia, sim, absoluta-

mente distante dos meus

flashs e tropeços.

Os beija-flores estão entre

as pouquíssimas aves que

possuem a capacidade de

hibernar. Caem num sono

letárgico durante o frio,

adaptação ecológica muito

O mágico na corda bambasingular para sobreviver a

quedas bruscas de tempera-

tura. Não se conhece, no

Brasil, hibernação em gran-

de escala, como p. ex., no

Chile, onde foram encon-

trados beija-flores em fen-

das de rocha por baixo da

neve. Durante o sono tórpi-

do a temperatura do corpo,

normalmente entre 40 a 42º,

iguala-se ao do ambiente e

as batidas cardíacas, que

chegam a 1.240/minuto em

vôo, baixam para quase 40/

minuto. Podemos deduzir

que a hibernação é a mágica

metabólica pela qual o beija-

flor faz sua provisão alimen-

tícia durar do entardecer à

manhã: umas doze horas.

Quiçá pegasse com as

mãos, mas não ousei tocá-

lo. Na manhã seguinte

poderia ter sido um sonho,

não fosse a fotografia.

n e w sR E S E R V A R I O D A S F U R N A S

M A I O 2 0 0 8

WWW . R I O D A S F U R N A S . O R G . B R

10,5CM - FAMÍLIA TROCHILIDAELEUCOCHLORIS ALBICOLLIS - PAPO-BRANCO

WHITE-THROATED HUMMINGBIRDF O N T E : H. SICK, ORNITOLOGIA BRASILEIRA