O LÓGOS NA DEFINIÇÃO DE POLÍTICO ARISTOTÉLICO · pólis atingem a plenitude, porque é somente...

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1 O LÓGOS NA DEFINIÇÃO DE POLÍTICO ARISTOTÉLICO ANZOLIN, Ana Aisi 1 (UEM) O propósito da presente pesquisa é analisar os conceitos de cidade (pólis) e político (em nossa pesquisa optamos por adotar o termo “político” ao invés de cidadão, pois, falar e, político remete a uma clareza de função política, ou ainda, podemos dizer que é um termo mais objetivo do que cidadão para a estrutura deste texto. Com a noção de cidadão poderíamos pensar que, por exemplo, mulheres, crianças e escravos estariam sendo desprovidas dos seus direitos, pelo contrário, sua participação na vida da pólis é garantida, mas não a mesma que a do político. Enfim, o uso desta terminologia ajuda, sobretudo, na compreensão do texto) desenvolvidos por Aristóteles na Política (ARISTÓTELES. Política. Tradução e notas por Antônio Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. Vega, 1998), levando em consideração o papel do lógos na definição do político aristotélico. Esta se inicia com a definição de pólis, comunidade última, a que tem por finalidade o bem soberano, assim é somente nela que o homem pode alcançar a vida perfeita (ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1252a 01- 02). Para dar conta do problema da natureza da pólis, o filósofo utiliza-se do método indutivo para expor sua teoria de que ela é por natureza e a comunidade última, analisando assim, as comunidades que a conferem origem, a saber: casal, família e aldeia. No decorrer da obra, notamos as ordens das razões do filósofo, primeiro seu problema com a natureza da pólis, logo em seguida sobre quem a habita e depois sim, a definição do político. Notamos que a ordem dos argumentos parte de definições negativas, por exemplo, quem não pode ser político, quem não é apto para sê-lo. Isso porque trabalhar com a negação oferece ao filósofo a certeza dos argumentos quando são afirmados. Aristóteles diz: Deixando de parte os que se tornam políticos a título excepcional, como aparece com os políticos naturalizados, diremos que nenhum individuo é político só porque habita num determinado lugar, pois, tal como os políticos, também os metecos e os escravos possuem um local para habitar. (...) De tais casos poder-se-á afirmar que são políticos de modo imperfeito, tal como crianças demasiado jovens para se inscrever como político, e os anciãos já dispensados de exercer funções cívicas. Uns e outros podem ser 1 Aluna do curso de graduação de Filosofia da Universidade Estadual de Maringá – UEM.

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O LÓGOS NA DEFINIÇÃO DE POLÍTICO ARISTOTÉLICO

ANZOLIN, Ana Aisi1 (UEM)

O propósito da presente pesquisa é analisar os conceitos de cidade (pólis) e político

(em nossa pesquisa optamos por adotar o termo “político” ao invés de cidadão, pois, falar e,

político remete a uma clareza de função política, ou ainda, podemos dizer que é um termo

mais objetivo do que cidadão para a estrutura deste texto. Com a noção de cidadão

poderíamos pensar que, por exemplo, mulheres, crianças e escravos estariam sendo

desprovidas dos seus direitos, pelo contrário, sua participação na vida da pólis é garantida,

mas não a mesma que a do político. Enfim, o uso desta terminologia ajuda, sobretudo, na

compreensão do texto) desenvolvidos por Aristóteles na Política (ARISTÓTELES. Política.

Tradução e notas por Antônio Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. Vega, 1998),

levando em consideração o papel do lógos na definição do político aristotélico. Esta se inicia

com a definição de pólis, comunidade última, a que tem por finalidade o bem soberano, assim

é somente nela que o homem pode alcançar a vida perfeita (ARISTÓTELES. Política. I, 2,

1252a 01- 02). Para dar conta do problema da natureza da pólis, o filósofo utiliza-se do

método indutivo para expor sua teoria de que ela é por natureza e a comunidade última,

analisando assim, as comunidades que a conferem origem, a saber: casal, família e aldeia.

No decorrer da obra, notamos as ordens das razões do filósofo, primeiro seu problema

com a natureza da pólis, logo em seguida sobre quem a habita e depois sim, a definição do

político. Notamos que a ordem dos argumentos parte de definições negativas, por exemplo,

quem não pode ser político, quem não é apto para sê-lo. Isso porque trabalhar com a negação

oferece ao filósofo a certeza dos argumentos quando são afirmados. Aristóteles diz:

Deixando de parte os que se tornam políticos a título excepcional, como aparece com os políticos naturalizados, diremos que nenhum individuo é político só porque habita num determinado lugar, pois, tal como os políticos, também os metecos e os escravos possuem um local para habitar. (...) De tais casos poder-se-á afirmar que são políticos de modo imperfeito, tal como crianças demasiado jovens para se inscrever como político, e os anciãos já dispensados de exercer funções cívicas. Uns e outros podem ser

1 Aluna do curso de graduação de Filosofia da Universidade Estadual de Maringá – UEM.

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considerados cidadãos de algum modo, mas não no sentido absoluto do termo (ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1275a 05-19)

Podemos perceber que as argumentações do filósofo antes de afirmar que “ não há

melhor critério para definir o que é o político, em sentido estrito, do que entender a ação

política como capacidade de participar” (ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1275a 22- 23), não

chegam a conclusão da participação da vida da polis, as argumentações são deficientes, não

solidificam o critério, que por hora é o que ele define para político.

Partindo desse itinerário, nos deparamos com alguns problemas, que nascem com as

questões naturais abordadas. De fato, o significado de "possuir lógos" para a

compreensão do que é ser um "político" na pólis envolve os problemas, dentre eles, como

negar o uso do lógos para todos os que vivem na pólis. E para entender o propósito de nossa

pesquisa se faz necessário, sobretudo, uma boa compreensão da relação entre o político e o

prudente.

Os problemas propostos por nossa pesquisa avançam a Política por completo, porém

são nos livros I, III que eles se fazem evidentes, donde extraímos os elementos centrais para

entender estes conceitos.

Dado que as comunidades são formadas por diversos elementos nasce, pois, um

primeiro problema, a saber: qual forma de organização é mais adequada a cada uma dessas

comunidades, tendo em vista a diversidade dos ordenamentos? Por exemplo, uma grande

pólis requer uma forma de organização diversa da aldeia. O que é relevante é a qualidade de

quem comanda e não o número de subordinados, diz Aristóteles (ARISTÓTELES. I, 1, 1252a

– 9).

Pode ser que a gênese da pólis tenha ocorrido a partir de duas formas de comunidades,

a família e a aldeia, uma vez que a união entre os seres é algo natural. Portanto, pode ser que o

casal seja a primeira comunidade instituída. Aristóteles (Política. I, 1, 1252a – 26) cita como

exemplo o caso da fêmea e do macho, para os quais é natural a necessidade de progênie.

Logo, é a própria natureza que se encarrega de fazer a proteção dos homens, em outras

palavras, a natureza destina cada coisa para um único uso, por exemplo, numa família, cada

um possui sua tarefa, o pai é responsável pela segurança da casa e educação do filho, assim

como ordenar os seus escravos e a mulher cuida do bem-estar do marido. Sobre isto diz o

filósofo: “É que cada ferramenta será mais eficaz se servir apenas para uma função.”

(ARISTÓTELES. I, 1, 1252b – 4)

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Isso, quando aplicado a polis resulta em que, aquele que é provido de logos (Logos

não entendido somente como razão, mas como capacidade deliberativa e discursiva. Cf.

Política, l. Política. Livro I. cap. II, 1253a8-10) e faz uso dele, torna-se mais capaz para

governar, enquanto quem tem somente força física para trabalhar é governado, como é o caso

dos escravos.

Aristóteles faz, na seqüência, a distinção entre a família e a aldeia (ARISTÓTELES. I,

1, 1252b 09-18). O filósofo considera a aldeia uma comunidade mais completa que a família,

pois, é formada por várias famílias, ao passo que, a família é uma comunidade formada para

desempenhar necessidades diárias. Ora, parece que Aristóteles confere à definição de pólis

como a última comunidade humana, aquela que pode permitir aos homens uma “boa vida” [to

eu zen].

A cidade, enfim, é uma comunidade completa, formada a partir de várias aldeias e que por assim dizer, atingi o máximo de auto-suficiência. Formada a princípio para preservar a vida, a cidade subsiste para assegurar a vida boa. É por isso é que toda cidade existe por natureza, se as comunidades primeiras assim o foram. A cidade é o fim destas, e a natureza de uma coisa é o seu fim, já que, sempre que o processo de gênese de uma coisa se encontre completo, é a isso que chamamos a sua natureza, seja de um homem, de um cavalo, ou de uma casa. Além disso, a causa final, o fim de uma coisa, é o seu bem melhor, e a auto-suficiência é, simultaneamente, um fim e o melhor dos bens (ARISTÓTELES. I, 2. 1252b – 27-35, 1253a – 1)

Num primeiro momento se faz necessário entender o conceito de comunidade para ele,

visto que pólis é o que ele pretende definir. Segundo Wolff (2001), a comunidade é um

gênero que indica previamente o objeto que se quer definir, pois ela engloba, dentre outros

aspectos, vários objetos que necessitam de complemento para caracterizá-la. Neste caso, a

comunidade necessita de um diferencial que seja posto em evidência, visto que existem várias

formas dela, então quando se fala apenas comunidade resta um conceito incompleto, sem

diferença específica.

Ele destaca três aspectos que diferenciam a pólis de qualquer comunidade, ou melhor,

traços característicos que a diferem, a saber: primeiramente é aquilo que a constitui, ou ainda

quais as partes a pertencem, como famílias e aldeias. Esse método aristotélico, que justifica o

desenvolvimento natural, busca decompor as partes até chegar ao todo. Como diz:

É que, tal como nas outras ciências temos de analisar um composto até aos seus elementos mais simples (que são as mais pequenas partes do todo)

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assim também examinaremos as partes componentes de uma cidade, vendo melhor como as diversas formas de autoridade diferem entre si, compreendendo de modo positivo cada uma das funções mencionadas (ARISTÓTELES. I, 1, 1252a 18-23.)

O segundo aspecto que a diferencia das demais comunidades é o fato dela deter uma

constituição ou um regime, como elucida: “Em suma, um regime político resulta de certo

modo de ordenar os habitantes da cidade.” (ARISTÓTELES. III, 1, 1274b 38)

Por último e a mais importante diferença da cidade para todas as outras comunidades,

é a busca por um fim, que se identifica com a autarquia. Podemos dizer que esta é a

conclusão na qual Aristóteles fundamenta todas as suas premissas na Política, a saber: “Toda

comunidade é constituída em vista de algum bem.” (ARISTÓTELES. I, 1, 1252a 1-2)

Nesse momento é pertinente analisar o que significa dizer que a pólis é por natureza

utilizando as três premissas de Aristóteles, podendo dizer que a pólis é um conjunto de

comunidades formadas a princípio para preservar e assegurar a melhor vida. De fato,

Aristóteles define a pólis como a forma última da comunidade humana, aquela que permite

aos homens uma “vida melhor”. Disto resultam duas conseqüências quase que imediatas: a

pólis existe naturalmente e o homem vive por natureza nelas. Tais considerações ficam

evidentes quando diz: A cidade, enfim, é uma comunidade completa, formada a partir de várias aldeias e que, por assim dizer, atinge o máximo de auto-suficiência. Formada a principio para preservar a vida, a cidade subsiste para assegurar a vida boa. É por isso que toda cidade existe por natureza, se as comunidades primeiras assim o foram (...) Estas considerações evidenciam que uma cidade é uma daquelas coisas que existem por natureza e que o homem é, por natureza, um ser vivo político. (ARISTÓTELES. I, II, 1252b 27-30; 1253a 1-3)

Donde decorre que, o homem é um animal político porque é um ser carente e possui

uma tendência natural a viver na pólis. Então ao realizar essa tendência o homem visa seu

próprio bem. Como observa Wolff (2001), existe uma ordem cronológica que precede a pólis

que parte das comunidades originárias à comunidade política (pólis), como observamos. A

polis, o último “estágio”, é a mais elevada das comunidades. Ora, seguindo o método

aristotélico, esta ordem cronológica do ponto de vista da natureza e da verdade não condiz

com a ordem real, entretanto, a pólis vem antes dos indivíduos, do lar, da família e da aldeia,

assim como o todo vem antes das partes; estas têm naquela sua causa final e sua realização

mais elevada. Esse pensamento pode ser identificado ao princípio naturalista de Aristóteles no

qual, os elementos evoluem do mais simples ao mais complexo e perfeito.

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A pólis é, portanto, o fim, o acabamento e uma comunidade completa que conduz os

homens a se associarem em comunidades. A autarquia, fim de toda comunidade completa, é

alcançada somente dentro da pólis e sendo assim o fim da sua existência. A busca pela

plenitude só se realiza na pólis, porque ela existe para cumprir seu próprio fim, ou seja, num

determinado momento seu fim se confunde com sua própria natureza, um e outro são a

mesma coisa. Isso significa que a cidade basta por si mesma, tudo que ela precisa nela está,

não depende de mais nada para ser completa. As comunidades que compõem a pólis só são

completas porque se associam a outras. Para Aristóteles aqueles que se associam em uma

pólis atingem a plenitude, porque é somente nela que o homem é plenamente realizado.

Visto que a autarquia, enquanto fim próprio do homem é sua realização ou perfeição,

ela somente pode ser obtida em uma pólis ao passo que o homem (zôon politikon) a alcance

de acordo com suas ações. Porém, quais os critérios que o filósofo se utiliza para definir

aquele que será mais apto para atingir a autarquia? E que todo aquele que nasce na pólis é um

zôon politikon, como diferi-los dos que não a podem alcançar? Já que até os animais nascem

na pólis. Ao passo que todos os que habitam a pólis são reputados zôon politikon, os

animais também podem ser considerados habitantes dela, neste caso como classificá-los

perante a diferença que se estabelece junto ao homem? Visto que falar que o homem é

naturalmente político, não significa apenas dizer que vive em comunidade como nos parece

acontecer com os outros animais, mas sim, admitir que ele delibere em proveito da pólis. Para

tanto, é necessário que se investigue o que é o lógos, onde ele é definido pelo filósofo, ou

seja, toda a concepção que norteia este termo.

A palavra lógos aparecerá com assiduidade em nossa pesquisa e para que nosso estudo

sobre a condição de homem como animal político tome forma de especulação (pois até aqui

nada se pode afirmar sobre o papel do lógos pra esta condição) se faz necessário adaptar um

dos vários significados que possui, com o objetivo do nosso texto, que é sobre a condição do

político na pólis. Lógos é uma palavra polissêmica donde dela se extrai muitos significados.

Podemos dizer, então, que ele é precisamente uma aporia incontornável do tratado

aristotélico.

O que nos parece é que Aristóteles convencionou o lógos para cada assunto que

tratou, quiçá, este seja o motivo para que o lógos apareça em várias teorias lançadas por ele,

de maneiras peculiares. Conforme Cassin (1999), podemos apresentar alguns significados

para o lógos:

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1) Lógos e eidos a lógos e horos. “O lógos da alma consiste em ser lógos do corpo” pode servir de enunciado exemplar, mas o lugar próprio dessa rede lógos/forma/definição deve ser buscado do lado da física e da metafísica. 2) Lógos e phônê. “O lógos é próprio do homem” pode servir como enunciado exemplar, mas novamente o tratamento afim de tal enunciado deve ser buscado em outro lugar: por um lado, nas obras sobre os animais (História dobre os animais, Partes dos animais), por outro, e de modo bem mais extenso – como deve ter sido notado -, na Política e na Retórica, no Da interpretação. 3) Lógos e meson. Esta rede tem por tipo a frase: “A sensação é lógos de qualidades opostas”.

4) Logos e phasis, apophasis. Tipo: “Sentir é como anunciar” (CASSIN, 1999, pag.153)

Lógos é um conceito filosófico marcado, derivando de diversas funções e uso, mas

aqui nos limitaremos a tratar e buscar um significado para o lógos na Política. Para tanto,

utilizaremos a premissa “e só o homem, de entre todos os seres vivos, possui o lógos.

(ARISTÓTELES. I, 1. 1253 a 9)

Neste sentido, podemos em nossa pesquisa, tornar o lógos como linguagem articulada

– dialekton. A partir desse conceito, é conveniente inserir uma segunda premissa: “A razão

pela qual o homem, mais do que uma abelha ou animal gregário, é um ser vivo político em

sentido pleno”(ARISTÓTELES. I, 1. 1253 a 7). Estas premissas nos oferecem os subsídios

para afirmarmos que o lógos é próprio do homem.

Tanto o homem quanto o animal emitem sons, mas a diferença está na phônê, que

pode ser traduzida como “voz”. Entretanto, é uma voz peculiar do homem e não do animal,

isto porque, uma das condições da phônê é ser emitido por um ser animado; depois que seja

produzido por um movimento de ar (o que difere o homem do animal); e por último e

definitivo, precisa vir acompanhado de certa representação discursiva que visa o necessário e

ao bem, bem este que podemos dizer uma linguagem articulada, segundo Cassin (1999).

Tendo em vista este bem, a função da phônê é produzir a voz para que o bem tenha

lugar. Por hora, podemos considerar que o lógos constitui uma das chaves do tratado sobre a

condição de um cidadão na pólis.

Temos, então, de forma provisória, a definição de que o lógos é próprio do homem.

Ora esta é uma necessidade posta na Política. Para Cassin (1999), isso pode significar que a

importância do lógos na condição de cidadão aristotélico é o diferencial no entendimento da

Política na visão de outros autores, mesmo que não esteja explícito no tratado.

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Dizíamos, portanto que, o lógos que permite ao homem expressar de imediato dor e

prazer, como os outros animais, por exemplo, e aquilo que é mediato, ou seja, somente ele

pode julgar entre o bem e o mal, o justo e o injusto, sobretudo no que diz respeito àquilo que

se delibera em prol da pólis. O homem é, portanto o único animal que possui naturalmente o

lógos, e por isso será considerado um animal mais político, conseqüentemente o homem já

nasce um zôon politikon porque sua natureza tem uma tendência a viver em cidades e quando

eles se associam e vivem em cidades agem pelo seu próprio bem. Em outras palavras,

podemos dizer que zôon politikon é todo aquele formador de uma pólis. Posto que a função

da pólis é a união dos elementos em busca da vida plena através da ação político dos

políticos, zôon politikon serão todos os que são tencionados a união, o que é próprio de todo

aquele que vive na pólis, logo, político será todo aquele que “a natureza, conforme dizemos,

não faz nada ao desbarato, e só o homem, de entre todos os seres vivos, possui o lógos” (

ARISTÓTELES. I, II, 1253a 07- 09).

Outro aspecto na argumentação de Aristóteles nos leva à conclusão de que a vida

política é a melhor vida que se pode ter, visto que esse é o fim da pólis. Ora, é preciso

evidenciar que o animal-político capaz de viver na pólis e alcançar a plenitude é o homem que

possui o lógos. Como diz:

Assim, enquanto a voz indica prazer ou sofrimento, e neste sentido é atributo de outros animais (cuja natureza também atinge sensações de dor e de prazer e é capaz de as indicar) os discursos, por outro lado, servem para tornar claro o útil e o prejudicial e, por conseguinte, o justo e o injusto. (ARISTÓTELES. I, II, 1253a 15-18)

Nesta passagem, convém destacar, que Aristóteles usa o termo lógos quando fala dos discursos.

Ora, poder-se-ia perguntar se seria o lógos o grande responsável pela inclinação dos

homens em busca da plenitude oferecida pela cidade, seria ele ainda o responsável, pelo

homem compreender os valores de uma pólis? Se considerarmos essa possibilidade,

algumas de nossas indagações seriam respondidas, pois, considerando o agir na pólis o que

determina um político, então, todo aquele que acrescentar algo para ela assim será

considerado, entretanto, o que o escravo acrescenta, por exemplo, não é o suficiente para

considerarmos um político de fato, visto que, sua tarefa na pólis é de cunho apenas prático e

o que conta na política é a deliberação, esta que o escravo não possui “o escravo não tem

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faculdade deliberativa”(ARISTÓTELES. I, 13, 1260a 12). O lógos do escravo é designado

a expressões, como dor, por exemplo, e não produzir um raciocínio em vista de um fim.

Então, dizer que apenas algum tipo de ação é a responsável pela busca da plenitude, seria

equivocado, mas não se considerarmos o uso do lógos para esse fim. Ora, caso qualquer

homem fosse dotado de razão poderia adquirir a plenitude. Porém, é preciso saber se todos

podem alcançar essa plenitude. Nesse caso é preciso entender quem é capaz de deliberar

perante uma comunidade política. Ainda mais, quem Aristóteles julga capaz para

desempenhar esse papel?

No Livro III, 1, 1275a 6, ele começa a definição de pólis pela figura do político, esse

pelo que parece está apto para tomar decisões na pólis e apresenta que a condição de político

não é dada a um indivíduo por somente habitar a pólis. Este não é, pois, um critério suficiente

para o agir político, visto que os escravos e os estrangeiros são habitantes dela, embora não

sejam considerados políticos plenamente. Aristóteles, também exclui da classe dos políticos

as mulheres, as crianças e os idosos. Surge então a questão em como pensar essas parcelas ou

grupos, considerando que todos que vivem na pólis são zôon politikon? Por que Aristóteles as

considera insuficientes para o papel de político? O que caberia a cada uma delas na pólis? As

parcelas excluídas pelo filósofo não participam do agir político porque não atingiram o uso

integral necessário do lógos, por exemplo, a mulher tem sua tarefa na pólis de fazer os

serviços domésticos e cuidar do bem estar do marido; o idoso é parcialmente considerado

político, pois já não goza de um uso saudável da razão (logos), e as crianças são consideradas

políticos em potência, ou seja, todos eles não retêm plenamente a capacidade deliberativa, e

assim não podem participar das decisões da polis. Sobre isso:

A verdade é que não podemos considerar políticos todos os que são indispensáveis à existência da pólis. As crianças não são políticos no mesmo sentido que os adultos. Os adultos são absolutamente políticos; as crianças são condicionalmente políticos, mas imperfeitos. (ARISTÓTELES. III, V, 1278a 30-35)

Político será definido como aquele que participa de um dos poderes da pólis,

deliberando e tendo pleno uso do lógos. Ora, mas se o político é aquele que possui lógos e

delibera por conta disto, qual o problema da mulher e do escravo participar da vida da pólis

visto que eles também possuem lógos? Podemos dizer então que para Aristóteles é político

aquele que possui o lógos? Esse é o critério, e não a prática na vida da pólis? Segundo

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Aubenque (2003) o que Aristóteles não nega a todos os homens é a faculdade racional e não

o lógos, que serve como norma e que proporciona o poder deliberativo para que, a partir disso

possa aplicar a participação na pólis em busca da plenitude. Então como pensar em político?

Como diferir essa categoria das demais? Poderíamos pensar, seria a vida política, tendo em

vista o lógos, como uma relação necessária para ser político? Aubenque(2003) nos indica

que, aquele que é capaz de deliberar é considerado um phronimos, entretanto, como entender

o que é phronesis?

Aristóteles não define o que é prudência, ele parte do critério de conhecer um homem

prudente para chegar à definição de prudência. Essa prudência diz respeito ao contingente,

exatamente por isso que não pode ser considerada ciência, esta que por sua vez trata do

necessário. Sobretudo aquele que não possui o raciocínio não pode ser considerado um

phronimos, nem aquele que não age bem, mesmo que raciocine, pois, homem prudente é

aquele que possui o logos e a práxis. Aquele que bem delibera é o que melhor agir.

Entretanto, nos parece claro as ações e as deliberações advindas dos homens são aquelas

relativas à cidade, ou seja, quem age é o político e sua ação será relativa à cidade, dessa

conclusão, podemos constatar que a cidade pode ser definida, a partir das manifestações dos

cidadãos.

A partir daqui, notamos que a política de Aristóteles não é sobre a natureza humana,

mas sim, certo tipo de habitante que mora na pólis: o politikos. E é sobre ele e as definições

que o cercam, que este projeto se objetiva.

Constatamos algumas dificuldades sobre as noções de polis e de político.

Primeiramente a questão da comunidade, de que forma poderíamos defini-la como sendo por

natureza, e por que é nela que o homem busca a plenitude? Uma vez que a polis é para todos,

por que existe a exclusão do direito da ação política para alguns? Em seguida, quanto ao zoon

politikon, o que o torna um ser político, qual a finalidade de buscar a plenitude proporcionada

pela cidade, quais critérios são usados para diferirem dos outros homens, tornando-os assim

políticos, e quando atinge o grau de políticos qual sua colaboração para a polis. Por fim, qual

é o papel do logos na formação de uma polis e na vida de um homem.

A natureza da polis, portanto, pode ser definida pela ordem dos acontecimentos, ou

seja, pela tendência natural dos elementos que a compõem a se associam e pela carência que

cada um deles possui na busca pela autarquia. Conseqüentemente, buscam a união para

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alcançar a plenitude. Plenitude esta, que é concedida através da ação política dos políticos

dentro da polis.

Para o filósofo a ação política é o que define um político, este que por sua vez,

delibera em prol da polis. Entretanto, os escravos e as mulheres estão fadados às tarefas

distintas dos políticos porque não estão aptos a deliberar, por exemplo, o escravo obediente

ao senhor não possui a escolha de obedecer ou não, ele apenas obedece. Portanto, não tem

virtude para tomar decisões na polis, assim como a mulher, cujo logos é limitado e está apto

apenas para tomar decisões relativas ao oikos, ou seja, deliberações de caráter doméstico ou

econômico (oikonomia)..

Todos os indivíduos que compõem a polis são zôon politikons por natureza, porém, o

que tornará um político efetivamente apto para as ações políticas serão aqueles que possuem

o logos, por isso que dentre todos os animais o homem é o mais político de todos. Aristóteles

não nega a humanidade as classes excluídas da atividade política, mas limita o seu logos

apenas para as tarefas relativas a eles, que também são indispensáveis a vida da polis, como é

o caso do escravo, indispensável ao senhor na vida política, pois, as tarefas manuais ficam a

cargo dele, enquanto o senhor se dedica integralmente a ação política. Esta ação política está

ligada a deliberação, as melhores escolhas para a vida da polis, porém, notamos que a

prudência é o ponto chave destas escolhas, guiados pelo uso integral do logos.

O que podemos apontar, enfim, é que os conceitos de lógos e prudência estão

relacionados diretamente com vista à compreensão daquilo que define o logos na esfera

política.

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