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    Kathleen McGowan

    O Legado de Maria Madalena 02

    O Livro do Amor

    Tradução deAlyda Sauer

    2009Rocco

    Escaneado, Formatado e Revisado Por:

    Este é para Easa

    O mundo nunca valeu tanto como no dia em que o Cânticodos Cânticos foi dado ao povo; pois todas as escrituras são

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    imagem, Ele os criou macho e fêmea."Como poderia Deus criar uma fêmea à sua imagem se elenão tivesse uma imagem feminina? Acontece que ele tem, eela foi chamada inicialmente de Athiret, que significava

    Aquela que Caminha sobre o Mar. Uma referência que não ésó aos mares da nossa terra, mas também ao mar deestrelas, a faixa de luz que chamamos de Via Láctea.Ela pisa nas estrelas porque é seu território, já que é aRainha do Céu.E ficou conhecida por muitos nomes, um deles é Stella Maris,a Estrela do Mar. Ela é a Mer Maid, pois mer significa amor emar, e é por isso que a água muitas vezes é vista comosímbolo de sua sabedoria e compaixão.Outro símbolo usado para representá-la é um círculo deestrelas que dançam em volta de um sol, a essência femininaenvolvendo o masculino com seu amor. Quando vir essesímbolo, saberá que o espírito de tudo que é divino está

    presente na feminilidade.Athiret do Mar e das Estrelas tornou-se conhecida, para oshebreus, como Aserá, nossa Mãe Divina, e o Senhor foichamado de El, nosso Pai Celestial.E foi assim que El e Aserá quiseram expressar seu imenso esagrado amor em uma forma física mais significativa e

    compartilhar essa bênção com os filhos que iam gerar. Foiassim que cada alma criada tinha um par, uma alma gêmeacom a mesma essência. No livro chamado Gênesis, isso écontado através da alegoria que descreve a alma gêmea deAdão como tendo nascido da sua costela, da essência dele, jáque ela é carne da sua carne e sangue do seu sangue,espírito do seu espírito.Então Deus disse, e isso é contado por Moisés: "E setornaram uma só carne.” 

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    Assim foi criado o hieros-gamos, o casamento sagrado deconfiança e consciência que une os amados em um só. Essa éa dádiva mais sagrada que recebemos dos nossos pais docéu. Pois quando nos unimos na câmara nupcial,

    descobrimos a união divina que El e Aserá desejaram quetodos os seus filhos da Terra experimentassem, iluminadospelo puro êxtase e pela essência do verdadeiro amor.Para aqueles que podem ouvir. Que ouçam.

    EL E ASERA ,  E A ORIGEM SAGRADA DO HIEROS-GAMOS ,D'O LIVRO DO AMOR, TAL COMO PRESE RV ADO NO LIBRO ROSSO 

    PRÓLOGO

    La Beauce, França390 d.C.

    A cera de abelha de pesadas velas que iluminavam o exíguoespaço da reunião pingava no chão da caverna. A pequenacomunidade rezava suavemente, com devoção, seguindo aorientação da mulher etérea que estava à frente, no altar depedra. Ela terminou a oração e ergueu o tesouro do seupovo, um manuscrito antigo, com capa de couro.- O livro do amor. As únicas palavras verdadeiras do Senhor.A luz das velas cintilou no cabelo cor de cobre de madameModesta quando ela beijou o livro. A fiel assembléiarespondeu em uníssono.- Para aqueles que podem ouvir.Fez-se um silêncio reverente, como se as palavras do Livro

    não pudessem ser seguidas por conversas triviais. Foi umdos jovens, um seguidor devotado e dedicado chamadoSeverin, que rompeu a quietude naquele ambiente sagrado.

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    - Como vai nosso irmão PotentianiModesta respondeu, com a mesma voz calma e melodiosa dequando rezava:- Eu pude vê-lo hoje na prisão e lhe levei pão. Ele está bem. E

    com a fé inabalável, como deve se manter a sua.Severin não conseguiu controlar a agitação crescente,apesar de se esforçar bastante para superar o medo que odominava.- Você diz que ele está bem, mas por quanto tempo? Romaestá matando cada dia mais gente do nosso povo, sob aacusação de heresia. Eles virão atrás de todos nós.A pequena comunidade murmurou concordando, depois dehesitar um pouco. Modesta, porém, sábia e paciente, jamaisperdia uma oportunidade de ensinar as verdades quedefendia.- É de fato um tempo de tristeza quando os perseguidos setransformam em perseguidores. Os cristãos sofreram

    muitos anos de tortura, no entanto usam agora toda a suaviolência entre si. Precisamos perdoá-los, pois não sabem oque fazem.A frase de Modesta foi arrematada com um assobio agudovindo da entrada da caverna. Tarde demais, ela e acongregação se deram conta de que tinham sido

    descobertos exatamente pelos homens dos quais estavam seescondendo.Em poucos minutos a tranquilidade da reunião religiosa foisubstituída pelo caos quando uma comitiva de homensarmados invadiu a única entrada da caverna, deixando bemclaro que não havia possibilidade de fuga. Esses soldadosestavam todos vestidos de maneira idêntica, manto e capuzpretos, que cobriam completamente a cabeça, com fendassinistras à altura dos olhos. O líder deles se adiantou e tirou

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    o capuz, revelando uma tonsura de monge e uma pesadacruz de madeira pendurada no pescoço. Concentrado emModesta ele cuspiu seu desprezo por uma líder mulherenquanto citava as epístolas de São Paulo.

    - Não permitam que as mulheres ensinem, façam-nas calar.Madame Modesta de La Beauce, está presa por heresia.Modesta olhou para ele calmamente e o reconheceu.- Irmão Timóteo. Você veio por minha causa, e irei com você.Mas deixe essas pessoas inocentes em paz.O nervoso jovem Severin entrou em pânico diante dapossibilidade de perderem sua líder, então deu um pulopara a frente, para impedir o avanço do irmão Timóteo.- Você não a levará!Homens encapuzados se adiantaram. Modesta aproveitou aoportunidade para esconder o livro atrás dela, fora da vistade seu acusador. Ela ainda não tinha se dado conta do perigoque seus seguidores corriam. Uma mulher dedicada à

    essência do amor e da compaixão não é capaz de entender amente de homens violentos com tanta rapidez.Os milicianos de capuz sacaram suas armas e começaram ausá-las sem hesitação. Uma espada de dois gumes varou,primeiro, o coração de Severin; a vida dele jorrou doferimento e batizou a congregação com seu sangue.

    O caos transformou o pequeno espaço quando os fiéistentaram se espalhar, compreendendo finalmente que operigo era real. A saída deles foi barrada pela violência cruelde uma força de ataque que não teve piedade do que restavada congregação.- Madeleine!Modesta procurou a filha na confusão, mas a menina jáestava perto do altar, havia corrido na direção da mãe.Miúda demais para seus oito anos, Madeleine parecia ainda

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    mais jovem, e Modesta sempre torceu para que isso fosseuma vantagem para ela.Tinha de salvar a filha. Precisava salvar o Livro.Modesta abraçou a menina, escondeu o livro nas dobras do

    vestido de Madeleine e puxou a capa por cima da roupa paraprotegê-lo melhor. No meio daquele caos ela berrou parairmão Timóteo.- Pare! Pare! Eu irei com vocês. Por favor, chega decarnificina.Não havia mais como parar. Os soldados encapuzadostinham executado todos os outros, deixaram o chão dacaverna encharcado com o sangue dos fiéis inocentes. IrmãoTimóteo fungou com nojo, enquanto passava por cima deum corpo ensanguentado, e assumiu um ar de tédio paracapturar sua presa.- Poupe a vida dessa criança - implorou Modesta. - Você éum homem de Deus. Não pode atribuir os pecados dos pais

    aos filhos.Ela é sua?Não. É filha de camponeses.Irmão Timóteo se aproximou e passou a mão em um cachodo cabelo castanho-escuro da menina.- Ela não tem o cabelo profano, que é a marca da sua espécie.

    Se tivesse, eu a mataria pessoalmente. Uma meninacamponesa, no entanto, não vale o esforço. Deixem-na ir.Ele despachou a criança com um gesto e deu as costas àsmulheres para avaliar a carnificina.Modesta abraçou Madeleine, e a pequena menina cruzou osbraços sobre o seu corpo minúsculo, agarrada ao livroescondido como se fosse sua vida. Compreendendo queaquele era seu último momento com a filha, Modesta sus-surrou no ouvido dela:

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    - Não tenha medo, Madeleine. Vou amá-la de novo. O temporetorna.Ela beijou a filha rapidamente e mandou a menina saircorrendo da caverna. Ficou vendo Madeleine se afastar com

    um misto de orgulho materno e sofrimento indescritível.

    - Minha amada. Eu daria qualquer coisa para você não estarnessa cela.Potentian agarrou as barras que o separavam da mulher. Otempo que passara na prisão tinha cobrado seu preço, e eleera pele e osso. O rosto e o cabelo estava imundos, mas paraModesta era o homem mais lindo do mundo. Ela só queriapoder tocá-lo, mas os dois estavam amarrados, e a distânciaentre eles na prisão escura e úmida era grande demais.- No entanto estamos juntos, o que é uma bênção dequalquer forma. Não tenha medo da morte, meu amor. Nãopodemos, pois sabemos que não é o fim.

    P o t e n t i a n estava desesperado- Não desista. Você é da família do bispo Martinho de Tours.Podemos pedir a intervenção dele. Ele pode impedir isso!Modesta suspirou, resignada.Meu bendito primo não teve sucesso quando tentou salvaros hereges, por mais que tentasse. A Igreja já decidiu que

    quer se livrar de nós, e rápido. O irmão Timóteo nos quermortos antes do pôr do sol amanhã.E o que será da nossa Madeleine?Ela foi poupada no massacre. Precisei negar que era minha,tive de dizer que não era nossa filha. Graças a Deus ela tem acor dos seus cabelos, senão nosso lamento seriainsuportável. Ela irá procurar meu irmão. Você sabe que ele

    a protegerá.E o Livro? Está a salvo?

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    - Madeleine o escondeu embaixo da capa. Ela foi muitocorajosa.A expressão de Potentian, à luz fraca da vela, era deadmiração.

    - Ela puxou à mãe. Salvando o Livro, salvará todos nós. Osensinamentos d'O Caminho continuarão.Modesta concordou e depois disse em voz alta o que estavapensando:- A verdade é, mais uma vez, salva por uma menina. Semprefoi assim e sempre será.

    Um grupo soturno se reuniu no topo da colina, onde haviaum cepo de madeira sobre o cadafalso, para assistir àexecução. Os dois machados encostados no bloco demadeira estavam cruzados, formando um xis.Lado a lado, com as mãos amarradas para trás, Modesta ePotentian subiram a colina cercados pelos homens

    fortemente armados e encapuzados que diziam para os doisandarem mais depressa. Tinham cortado o lindo cabelo deModesta todo desigual, para expor seu delicado pescoço àlâmina que ia separar sua cabeça do corpo.Potentian olhou para ela, com o coração cheio de amor e detristeza.

    - Vamos morrer como ensinamos e como vivemos. Juntos.Modesta olhou para ele com o mesmo amor e a mesmatristeza.- E voltaremos para ensinar juntos novamente. Quando Deusquiser e o tempo chegar.Potentian diminuiu o passo para prolongar aquelemomento. Sua mulher o acompanhou para ficarem o maisperto que podiam. Ele sussurrou seu último pedido:- Quer cantar para mim? Pela última vez?

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    Modesta sorriu, o último presente terreno que podia darpara o seu amado, e começou a cantar com voz suave:

    Eu te amei por muito tempo,

    Jamais te esquecerei...Eu te amei para sempre,Deus nos fez um para o outro.

    Quando Modesta acabou de cantar, um homem musculosocom um brilho avermelhado no cabelo surgiu do meio damultidão e se aproximou deles, com Madeleine segura nos

    braços. Ao ver a filha, Modesta ficou paralisada. Potentianolhou na mesma direção de Modesta e parou ao seu lado.Não ousaram reconhecer a menina, mas naquele momentohouve uma poderosa troca de amor e de perda entre os três.Madeleine olhou intensamente para a mãe, com umasabedoria muito maior do que seus oito anos, e meneou a

    cabeça. Um leve esboço de sorriso pairou em seus lábios. Amãe, orgulhosa e aliviada naquele momento terrível,conseguiu retribuir o sorriso, e nessa hora um guarda decapuz a empurrou com violência para o cadafalso. Modestainclinou-se para o marido e murmurou:- Nossos dois tesouros estão salvos.Um guarda que estava do outro lado do cepo se aproximoupara posicionar os prisioneiros. Modesta fez uma perguntabem alto para que todos pudessem ouvir.- Senhores, podem nos permitir alguns minutos pararezarmos juntos?Os guardas olharam para onde estava o maligno irmãoTimóteo, ansioso, prevendo o espetáculo que estava prestes

    a acontecer. Ele fora pego numa armadillia Como homem daIgreja não podia negar o pedido de oração.- A Igreja é misericordiosa e permitirá uma breve oração se

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    hereges lamentarem. Joguem os dois no fundo do poço. É omais próximo que posso chegar de mandá-los para o infernoeu mesmo.Irmão Timóteo olhou longamente e com satisfação para o

    corpo mutilado de Modesta quando os carrascos começarama cumprir sua tarefa mórbida. Obsessão tomou conta dorosto dele quando tirou escondido alguma coisa do bolso.Era um cacho do cabelo vermelho e brilhante de Modesta.Com a pastora morta, seria fácil controlar os carneiros.Ele guardou o fetiche de volta no bolso e passou por cima dapoça de sangue de Modesta sem olhar para trás.

    CAPÍTULO UM

    Cidade de Nova York,Hoje

    Maureen Paschal, refestelada no luxo de lençóis etravesseiros de puro algodão, no quarto do hotel emManhattan, reservado por sua editora, se debatia na camaenorme. Tão agitada no sono, como era acordada, Maureennão dormia a noite inteira havia quase dois anos. Desde osacontecimentos sobrenaturais que levaram-na a descobrir o

    Evangelho de Maria Madalena, Maureen era uma mulherperturbada, em seu sono e nas horas de vigília.Quando tinha a sorte de cochilar algumas horasconsecutivas, era perseguida por sonhos fortementesimbólicos ou aparentemente vívidos e literais. Dessessonhos recorrentes o mais perturbador era aquele em queela encontrava Jesus Cristo e Ele falava misteriosamente dapromessa dela de procurar um livro secreto que Eleescrevera com a própria divina mão, O livro do amor.

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    Quando estava desperta, Maureen era atormentada poressas experiências oníricas; mas O livro do amor até omomento continuava o mais completo mistério. Não haviacomo rastrear referências históricas de tal documento além

    de um punhado de lendas muito vagas que surgiram naFrança na Idade Média, antes de desaparecer por  completo.Ela não tinha idéia de onde começar a procura para cumprirsua promessa e encontrar esse espectro. Não tinha nemmuita certeza do que era. E até aquele dia, o Senhor não lhedera pista alguma para ajudá-la nessa busca.Maureen rezava fervorosamente todas as noites para nãofalhar na missão que lhe fora confiada e para obter algumaorientação e encontrar o ponto de partida para essa viagemestranha. Os acontecimentos sobrenaturais da sua vida, nosúltimos anos, eram a prova que bastava para saber queaquela magia divinamente inspirada existia por toda parte.Só teria de ser paciente em sua fé, e esperar.

    E nessa noite, suas orações seriam atendidas quando aprimeira pista aparecesse no mundo de seus sonhos.

    A névoa da noite caiu cinzenta e pesada sobre as antigasruínas. Maureen caminhava lentamente por ela, atordoadacom o sonho e o nevoeiro. Estava num mosteiro muito anti-

    go, ou o que restara dele depois de séculos de abandono.Uma parede desmoronada à direita tinha sido um dia umamajestosa obra de arte arquitetônica; agora sustentava amoldura do que tinha sido uma janela de vitrais, o estilogótico cortado na pedra como uma rosa de seis pétalas. Aúltima luz passou pelos galhos de uma árvore antes deiluminar a janela arruinada e o espaço onde Maureen estava.Ela prosseguiu até onde ficavam os arcos góticos altíssimos,soltos no ar, já que as paredes que os sustentavam tinham

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    sido reduzidas a escombros havia muito tempo. Eramremanescentes isolados de uma glória de outro tempo.Antes referência de uma nave majestosa, os arcos agorasobravam, solitários, como portões assombrados para o

    passado.Os últimos vestígios de luz a seguiram por aquele portalquando ela emergiu nos destroços de um antigo pátio. Osraios iridescentes iluminaram uma escultura da madonacom o filho em pedra porosa, num nicho de um muro depedra.Maureen chegou até a estátua e passou os dedos suaves,curiosa, no rosto frio de pedra da linda madona, que pareciauma criança. A tradição dizia que a Virgem era uma jovemadolescente quando concebeu, então talvez aquela imageminfantil não fosse tão incomum. Aquela madona no entanto,com seu pequeno sorriso enigmático, parecia mais umamenina de oito ou nove anos, segurando um bebê. E a

    criança também tinha sido esculpida de forma inusitada.Parecia estar se revirando para escapar dos braços damenina e sorrindo com a traquinagem. Era mais a imagemde uma irmã mais velha querendo conter o irmãozinho doque de uma mãe com o filho. Maureen estava analisandoaquela estranha imagem quando a estátua falou com a voz

    doce de uma menina.- Não sou quem você pensa que sou.No mundo alucinógeno e imaginário do sonho não é absurdouma estátua falar, até dar risada, como aquela fez. Maureenrespondeu:- Então quem é você?A menina riu de novo... ou será que foi o bebê? Eraimpossível discernir, já que os sons se misturavam agoracom o badalar abafado de um sino de igreja que ecoava na

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    abadia.- Você me conhecerá em breve - disse a menina. - Tenhomuito que ensinar a você. Maureen olhou bem para aestátua e depois para o muro de pedra onde ficava o nicho, e

    em seguida para os arcos, procurando gravar os detalhes daabadia.- Onde nós estamos?A menina não respondeu. Maureen continuou a andar,pisando com cuidado no mato crescido e contornando osgrandes pedaços de pedra das ruínas. A lua estava nascendo,cheia e brilhante no céu escuro. Ela viu o luar cintilando noque pensou ser uma piscina com água. Atraída, passou peloburaco numa parede em escombros e atravessou a moldurade pedra de uma porta até chegar aonde estava a água. Eraum poço, ou cisterna, suficientemente grande para algunshomens nele se banharem ao mesmo tempo. Inclinou-separa ver seu reflexo tremular na água e ficou surpresa com a

    sensação de profundeza infinita. Sentiu que aquele poço erasagrado e que penetrava muito fundo na terra.A menina falou outra vez:- No seu reflexo encontrará o que procura.O reflexo de Maureen mudou e por um breve momento elaviu outra imagem, que não era a sua. Estendeu a mão para

    tocar na água, e ao fazer isso o anel de cobre na sua mãodireita soltou do dedo e caiu no poço.Maureen deu um grito.Aquele anel era seu bem mais precioso. Uma relíquia antigade Jerusalém que lhe deram quando fazia suas pesquisassobre Maria Madalena. Tinha o mesmo tamanho e forma deuma moeda de um centavo de dólar, gravada com um antigopadrão de nove estrelas num círculo ao redor de um sol.Esse desenho era usado pelos primeiros cristãos para

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    naquela visão. Logo o vale ficou cheio de rios de ouro e asárvores  se cobriram desse brilho. Tudo faiscava em voltadela, com a luz quente do metal líquido.Ao longe Maureen ouviu a voz de menina, a mesma que

    tinha emanado da pequena madona travessa.- Você procura O livro do amor? Então seja bem-vinda aoVale de Ouro. Aqui encontrará o que procura.Ela ouviu a doce risada mais uma vez e a visão se desfez.Maureen estava de volta, definitivamente, às ruínas escurasde uma misteriosa abadia, ao luar. Foi a última coisa queouviu antes de o alarme disparar no século XXI, fazendo-aretornar a um amanhecer na cidade de Nova York.

    Televisão de manhã cedo faz mal para quem tem coraçãofraco.A batida na porta do quarto de hotel de Maureenexatamente às quatro horas da madrugada era da

    cabeleireira e maquiadora que tinha sido contratada paraprepará-la para uma entrevista em um programa matinalpopular. Por sorte, a mulher adivinhou que Maureen estariacom muito sono e teve a presença de espírito de pedir cafépara o serviço de quarto antes de se apresentar.Maureen Paschal estava em Nova York na esteira do sucesso

    de seu livro, A verdade contra o mundo: o Evangelho secretode Maria Madalena. Com base nas suas própriasexperiências de vida, o livro fundia a viagem pessoal dedescoberta de Maureen com as revelações da vida de MariaMadalena como a discípula mais amada por Jesus. Emborafosse uma jornalista respeitada e autora de um livro de nãoficção de sucesso, Maureen tinha preferido escrever esteúltimo como ficção, o que por si só era alvo de controvérsias.A imprensa agia com ceticismo implacável e até zombeteiro.

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    Por que, se essa história era baseada em fatos, ela resolveraescrevê-la como ficção?A resposta de Maureen para essa eterna pergunta, apesar dehonesta, não satisfazia à insaciável imprensa internacional.

    Ela respondia às mesmas perguntas em programas deentrevistas pelo mundo todo, explicava pacientemente, atéonde seus nervos cada vez mais estressados permitiam, quetinha de proteger suas fontes, para não pôr em risco asegurança dessas fontes e de si mesma. Quando contava quea sua vida fora ameaçada durante a busca desse tesouro daantiguidade, todos consideravam isso ridículo e a acusavamde estar exagerando, até de mentir, para conquistar maispublicidade para o livro.No turbilhão da mídia que sucedeu ao lançamento de Averdade contra o mundo, o que havia de paz e deprivacidade na sua vida evaporou. Maureen ficou exposta atodo tipo de escrutínio público, o bom e o que havia de mais

    terrível. Ela recebeu elogios por sua coragem e ameaçasde morte por suas blasfêmias, e outras reações que eramcombinações entre essas duas vertentes.Mesmo assim, A verdade contra o mundo tinha cativado aimaginação popular. Enquanto os críticos e a imprensaachavam que atacar Maureen rendia uma excelente matéria,

    cada vez mais leitores do mundo inteiro reagiam à renovadahistória humana da vida de Jesus contada do ponto de vistade Maria Madalena. Maureen não se desculpava quandoinsistia em que Jesus e Maria Madalena tinham sidolegalmente marido e mulher, tiveram filhos e pregavamjuntos - e que nenhuma dessas coisas diminuía de modoalgum a divindade de Jesus. Os valores de amor, fé, perdão ecomunhão eram os pilares dos ensinamentos de Jesus, noentanto os ataques contra o livro dela em nome da religião

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    busco é mais orgânico, humano e real. Vem dos povos e dasculturas que vivem essas histórias, que as incorporaram aoseu dia a dia. Afirmar que essas tradições não existem, ouque não têm importância, é perigoso, e talvez seja até

    xenofóbico e racista.A entrevistadora rodou em sua cadeira giratória.- Não acha que essas palavras são muito severas?- Não. Acho que são necessárias. Culturas inteiras no Sul daFrança e em certas regiões da Itália foram erradicadasporque acreditavam exatamente no que está escrito no meulivro. Acreditavam que descendiam de Jesus e de MariaMadalena e praticavam uma forma linda e pura decristianismo que afirmavam vir direto de Jesus, levado atéeles por Maria Madalena depois da crucificação.- Você está falando dos cátaros.- Sim. Katharós vem do grego e significa pureza, pois oscátaros foram os cristãos mais puros que viveram no mundo

    ocidental. E na única cruzada lançada contra outros cristãos,a Igreja católica do século XIII massacrou o povo cátaro emmassa. Esse povo tinha de ser eliminado, porque além deconhecer a verdade eles eram a verdade. E não há dúvidaalguma de que foi uma limpeza étnica. Genocídio. -Palavras severas? É claro que são. Mas trucidar um povo

    inteiro é duro, e não podemos mais nos esconder atrás depalavras que tentem justificar isso. A palavra "cruzada"carrega uma conotação que foi aceita, de assassinar pessoasem nome de Deus. Então vamos parar de designar essa açãoassim e pôr os pingos nos is. Assassinato em massa.Holocausto.Então quando você ouve os acadêmicos modernos dizeremque esse povo nunca existiu ou que as tradições da culturadeles não têm importância...

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    Fico de coração partido quando penso que um mal dessestem a última palavra. É claro que há pouquíssimas provasconcretas da presença de Maria Madalena. Mais deoitocentas mil pessoas foram massacradas para garantir que

    não sobraria nenhuma prova para ser encontrada. Nuncamais. E os piores massacres aconteceram no dia 22 de julhode 1209 e, um ano depois, em 1210. Esse é o dia de MariaMadalena e não é coincidência. Os documentos daquelaépoca indicam que foi "uma justa retribuição para aquelaspessoas que acreditavam que a prostituta era casada comJesus".O que me faz lembrar de uma pergunta que todos gostariamde fazer. Você afirma que a história que conta sobre Jesuster se casado com Maria Madalena vem de um evangelhoperdido que encontrou recentemente no Sul da França. Noentanto, você se recusa a divulgar suas fontes, e também nãoexplica mais nada sobre esse documento misterioso. O que

    devemos concluir? Seus críticos mais tenazes dizem quevocê inventou a história toda. Por que devemos acreditar emvocê, se não apresenta prova alguma de que esse evangelhoexiste?Essa pergunta era difícil, mas importante, e Maureen tinhade responder com muito cuidado. O que não podia revelar

    ainda para o mundo era o resto da história: que o evangelhotinha sido levado para Roma por seu primo, o padre PeterHealy. Padre Peter e um comitê do Vaticano estavamnaquele momento trabalhando para comprovar aautenticidade do evangelho. Até a Igreja se declarar arespeito do valiosíssimo manuscrito, coisa que levaria anos,dado seu conteúdo explosivo e os desdobramentos para ocristianismo, Maureen tinha concordado em não divulgarnenhum fato concernente à sua descoberta. Em troca,

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    permitiram que ela contasse a sua versão da história deMaria Madalena sem medo de represálias - se, e apenas se,ela recorresse, por enquanto, ao gênero ficcional. Foi umcompromisso que Maureen teve de assumir e que lhe custou

    muito caro. Sentia uma grande identificação com Cassandra,a profetisa da lenda grega: condenada a conhecer e a dizer averdade, mas igualmente condenada a nunca merecercrédito.Maureen respirou fundo e respondeu da melhor forma quepodia.- Eu tenho de proteger as pessoas que me ajudaram nessadescoberta. E há muito mais informação a ser revelada, porisso não posso pôr em risco essas fontes de jeito nenhum,para poder continuar a ter acesso a elas. Justamenteporque não posso revelar as fontes que estão por trás dasminhas informações, tive de escrever esse livro como ficção.Espero que ele fale por si. Minha função como contadora de

    histórias é despertar o público para as possibilidadesalternativas em uma das maiores histórias da humanidade.E por isso que a chamo de a maior história que nunca foicontada. E certamente acredito que é verdade, de todo ocoração. Mas vamos deixar que as pessoas leiam e julguempor si. Vamos deixar o leitor decidir por si mesmo se acha

    que é verdade.- Bem, ficamos por aqui com essa frase: Vamos deixar oleitor decidir. - A bela e loura entrevistadora segurava umexemplar do livro na frente da câmera. - De fato, é A verdadecontra o mundo. Obrigada, Maureen Paschal, por participardo nosso programa. Sem dúvida é um assunto fascinante,mas infelizmente o nosso tempo acabou.A grande dicotomia da televisão é essa: levam-se muitashoras na produção de um segmento que dura três ou quatro

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    minutos. Mesmo assim, Maureen ficou satisfeita por ter ditoo que queria de forma sucinta e convincente, e agradeceuaos produtores e à entrevistadora o tratamento justo einteligente que deram ao assunto.

    Agora eram sete e quinze da manhã e Maureen estava todaarrumada, maquiada e penteada, e o que mais desejava eravoltar para a cama.

    Marie de Nègre escolheráQuando chegar o momento de A Escolhida.Ela que nasceu do Cordeiro Pascal,quando o dia e a noite são iguais,ela que é filha da Ressurreição.Ela que carrega o Sangre-el receberá a chave,Ao contemplar o Dia Tenebroso do Crânio.

    Ela se tornará a nova Pastora e nos mostrará O Caminho.

    A PRIMEIRA  PROFECIA  DA ESCOLHIDA,DOS  ESCRITOS  DE  SARA-TAMAR,

    TAL  COMO  PRESERVADOS  NO  LIBRO ROSSO

    Château des Pommes Bleues Arques, França,Nos dias atuais

    Berenger Sinclair estava diante do artefato encaixotado que

    dominava sua espaçosa biblioteca. A caixa estava sobre umaimensa lareira de pedra, apagada no momento, devido aocalor do fim da primavera que aquecia o contraforte rochoso

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    do Languedoc. Lorde Sinclair era um colecionador dos maisinfluentes. Tinha poder político e recursos financeiros paraobter quase tudo que desejava. O objeto, nesse caso, tinhavalor incalculável para ele, não só como colecionador de

    peças históricas, mas porque se tratava de um símbolo desuas profundas crenças espirituais.A um olhar distraído podia não passar de mero estandartemedieval, desgastado e desbotado, a ponto de não serfacilmente identificado. As manchas de sangue quemarcavam as beiradas tinham adquirido um tom de lamamarrom depois de mais de cinco séculos e meio desde que osoldado que carregou esse estandarte foi morto. Desde queela morreu.Um exame mais minucioso do tecido revelava o que fora umdia um lema ricamente bordado no fundo de uma flor de lisdourada. Era uma conjunção simples e poderosa de nomesque dizia: "Jhesus-Maria." A jovem corajosa e visionária que

    carregava o estandarte foi executada por heresia, queimadana fogueira até a morte na praça central de Rouen, em 1431.Os registros oficiais do seu julgamento indicavam umnúmero conveniente de acusações criadas pelos líderes daIgreja na França daquela época, mas o estandarterepresentava seu verdadeiro crime: acreditar que Jesus fora

    casado com Maria Madalena, que seus descendentes deviamocupar o trono da França a qualquer custo, e a subseqüenteconvicção de que a prática original e pura do cristianismopodia ser recuperada sob o governo do rei apropriado. Eraesse o motivo de os nomes estarem ligados: eram os nomesde marido e mulher, unidos no amor e pela lei.O que Deus une nenhum homem pode separar. Jhesus-Maria.Essa foi a bandeira que Santa Joana carregou no cerco de

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    Orleans, o estandarte da Virgem de Lorena, o emblema dosoldado visionário conhecido no mundo inteiro como Joanad'Arc. Na parte de baixo da caixa, em letras de ouro, estavauma das citações mais famosas da santa. Para uma garota de

    dezenove anos, ela era surpreendentemente eloquente. Ecorajosa como poucos.

    Não tenho medo... eu nasci para fazer isso. Prefiro morrer afazer o que sei que é contra a vontade de Deus.

    Berenger Sinclair passou a mão em seu cabelo preto e

    espesso, olhando pensativo para a caixa. Em dias assim,quando se sentia cansado e tenso, ele ia para a bibliotecaprestar homenagem àquela corajosa adolescente, instiladacom uma fé tão grande, que nada a intimidava. Uma fé que atornou capaz de sacrificar tudo. Ela era sua inspiração e lhedava forças.

    Sinclair se sentia muito próximo dela, por motivosintrincados de família e tradição. A história registrava queJoana nasceu no dia 6 de janeiro, embora os maisentendidos na sua cultura herética soubessem que isso nãoera verdade. A data de nascimento verdadeira de Joana, noequinócio da primavera, teve de ser ocultada para protegê-la dos olhares perigosos e vigilantes da Igreja medieval. Elaprecisava ser defendida, especificamente, daqueles quemonitoravam o nascimento de meninas das seletas famíliasfrancesas em datas próximas do equinócio da primavera.Dia 6 de janeiro foi escolhido como data "segura" para onascimento de Joana; era comemorado no calendáriolitúrgico como o dia de festa da Epifania, o dia em que a luz

    veio ao mundo. Berenger conhecia isso muito bem, pois eraa data do seu aniversário.Infelizmente o ocultamento da data de nascimento não

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    bastou para salvar a pequena Virgem de Lorena do seudestino. Para alguns é impossível escapar do destino. Joanaabraçou seu legado de filha de uma poderosa profecia comvisibilidade demais.

    A profecia d'A Escolhida tratava de uma série de mulheresna história que se apresentariam para preservar a verdade,a verdade sobre Jesus e Maria Madalena, e sobre osevangelhos escritos por cada um deles. De acordo com aprofecia, essas Escolhidas nasceriam num certo períodopróximo do equinócio da primavera, herdeiras de umalinhagem específica e abençoadas por visões divinas quelevariam cada uma delas à verdade e ao seu destino.Como A Escolhida da sua época, Santa Joana pagou um preçoalto, como muitas antes e depois dela.E era por isso que ele estava ali na biblioteca hoje,meditando diante da preciosa relíquia de Joana. Porquesabia, no fundo do coração, que era hora de cumprir o seu

    próprio legado. Pois era nisso que ele tinha mais um pontoem comum com a brava Joana: o enfrentamento da suaprópria profecia. E ele sabia que Deus lhe tinha dadorecursos extraordinários para fazer exatamente isso, sabiaque todas as bênçãos que recebera, e que acumulara na vidaexistiam para que pudesse realizar a sua promessa, nesse

    lugar e nesse momento da história. Sinclair tinha feito issoajudando Maureen em sua busca, desempenhando um papelprimordial na descoberta da história magnífica e nãocontada de Maria Madalena. Mas aquele evangelho valiosoagora estava fora do seu alcance e nas mãos da Igreja. Alémdisso, parecia que Maureen também estava inacessível.Embora ele soubesse que tinha condições de assisti-la nessamais recente busca pelo ilusório Livro do amor, ela nãocompartilhava sua convicção.

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    Fora culpa dele mesmo o fato de Maureen não querer incluí-lo nisso. Berenger havia se comportado com insensibilidadeem relação a ela, depois que a Igreja se apoderara doevangelho, e se arrependia muito por isso.

    Sem saber como determinar exatamente qual era seu papelagora, ele se sentia desorientado e sozinho. Essa coisachamada destino era complexa e muitas vezes umcomandante inescrutável.- Berenger, podemos conversar?Berenger se virou para a porta e sorriu para a figuravolumosa e masculina de Roland Gelis, seu melhor amigo emaior confidente. Roland morava no château desde que eramenino, quando o pai dele era mordomo na época deAlistair Sinclair, avô de Berenger e temido patriarca dafamília, que fizera uma fortuna de um bilhão de dólares naNorth Sea Oil. Juntos, os meninos foram criados dentro dastradições de Pommes Bleues, termo francês que quer dizer

    "maçãs azuis". Era uma referência às uvas grandes eredondas encontradas naquela região da França, uvas quedurante séculos representaram a linhagem consanguínea deJesus e Maria Madalena. Essa referência derivava doversículo 15 do Evangelho de João: "Eu sou a vinha, vós soisos ramos." Todos os descendentes de Jesus e de Maria

    Madalena, genética ou espiritualmente, eram ramos davinha. O Languedoc era uma região altamente herética.Muitas gerações da família Gelis trabalharam para osSinclair, mas eles não eram subservientes. Eram nobrestambém, com a mesma discrição de tantas famílias na regiãodo Languedoc e do Midi-Pyrénées, que guardavam astradições secretas do seu povo com extraordinária classe edignidade, mesmo quando eram submetidos às maioresperseguições. Os Gelis eram descendentes dos cátaros e

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    isso. Todos a deixaram em paz e torceram para que elavoltasse para o château quando acabasse. Mas, desde olançamento do livro, Maureen andava mais ocupada do quenunca. Só tinha tempo para a missão que Maria lhe havia

    dado.E  também havia Peter.O padre Peter Healy era primo de Maureen e seu confidentemais íntimo. Fora também o motivo da fissura no alicerce dorelacionamento de Berenger com Maureen. Peter roubou oEvangelho de Madalena e o levou para o Vaticano. Essatraição chocou a todos, mas Maureen perdoou o primo nomesmo instante. Ela o defendeu para os outros, dizendo queele só tinha feito o que seu coração indicava ser melhor paraa mensagem de Maria Madalena. Mesmo assim Berengerachava que a lealdade do padre apontava muito mais para oVaticano do que para Maureen e para a verdade que elahavia descoberto.

    O que aconteceu depois deixou Berenger Sinclair furioso. AIgreja impôs restrições mais rígidas quanto ao que Maureenpodia ou não revelar sobre sua descoberta, o Evangelho deArques. Berenger acusou Peter de ter tomado a iniciativa deentregar o valiosíssimo documento para o Vaticano e decolocar Maureen numa posição em que era obrigada a se

    comprometer. Além do mais, ele estava cada vez maisfrustrado com a distância que o separava de Maureen eirritado com o que, muitas vezes, parecia uma confiançacega de Maureen em relação a Peter. Na discussão maisviolenta do relacionamento deles, Berenger, frustrado,acusou Maureen de fraqueza espiritual por ter permitidoque Peter e a Igreja dele passassem por cima dela eocultassem a verdade. Maureen ficou arrasada com essaacusação. E a fissura no relacionamento dos dois se

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    Roland sorriu para ele.- Tamara acabou de receber um pacote estranho endereçadoa você. Fique aqui. Nós vamos trazê-lo para cá. Masenquanto isso - Roland apontou para a parede do fundo da

    biblioteca onde a ilustre árvore genealógica da família delefora pintada do chão até o teto, cobrindo mil anos dehistória - dê uma boa olhada no mural da linhagem da suafamília.

    E aconteceu que a rainha do Sul ficou conhecida como arainha de Sabá, que queria dizer a sábia rainha do povo deSabá. Seu nome de batismo era Makeda, que no idioma delasignificava "a ardente". Ela era uma rainha-sacerdotisa,devotada a uma deusa do sol famosa por iluminar o povoalegre de Sabá com seus raios de beleza e abundância. Adeusa era conhecida como "aquela que lança seus fortesraios de benevolência". Seu consorte era o deus-lua e asestrelas, suas filhas.O povo de Sabá era mais sábio do que todos os outros povosdo mundo, conhecia a influência dos astros e a santidade dosnúmeros que provinham de suas divindades celestes. Era

    chamado de o Povo da Arquitetura, e suas construçõesrivalizavam com as maiores obras dos egípcios, de tãoespantoso que era seu conhecimento da construção compedras. A rainha fundava ótimas escolas para ensinar essaforma de arte e arquitetura, e os escultores que a serviameram capazes de criar imagens de deuses e de homens na de

    beleza excepcional. O povo era alfabetizado e dedicado àpalavra escrita e à glória da composição literária. Poesias ecanções floresciam em seu generoso reino.

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    O povo de Sabá era virtuoso. A rainha-sol ardente reinavacom humanidade, luz e amor, e eles eram possuidores detodo tipo de abundância: amor, felicidade, fertilidade,sabedoria e também todo o ouro e pedras preciosas que

    alguém podia precisar. Eles nunca duvidaram da existênciada abundância e por isso nunca lhes faltou nada. Era o reinomais próspero que havia.E aconteceu que o grande rei Salomão soube dessainigualável rainha Makeda através de um profeta que oavisou: "Uma mulher que é vossa igual e contrapartida reinanuma terra distante ao sul. Aprenderia muito com ela, e ela,com Vossa Majestade. Conhecê-la é o vosso destino." Noinício ele não acreditou que pudesse existir uma mulherassim, mas a curiosidade o estimulou a enviar um convite aela, um pedido para ela visitar o seu reino no sagrado monteSião. Os mensageiros que foram até Sabá participar a granderainha Makeda do convite de Salomão descobriram que a

    sabedoria dele já era lendária na terra dela, assim como oesplendor da corte do rei, e que a rainha já o conhecia. Seuspróprios profetas tinham previsto que ela um dia viajariapara longe a fim de conhecer o rei com quem cumpriria ohieros-gamos, o casamento sagrado que combinava o corpocom a mente e o espírito no ato da divina união. Ele seria o

    irmão gêmeo da sua alma, e ela se tornaria sua noiva-irmã,metades de um mesmo todo.Mas a rainha de Sabá não era fácil de conquistar e só seentregaria nessa união tão sagrada ao homem quereconhecesse como parte de sua alma. Quando fez a longaviagem até o monte Sião em sua caravana de camelos,Makeda inventou uma série de provas e perguntas queapresentaria para o rei. As respostas dele iam ajudá-la adeterminar se ele era realmente igual a ela, sua alma gêmea,

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    concebidos como um só no início da eternidade. Paraaqueles que podem ouvir. Que ouçam.

    A LENDA  DE  SALOMÃO  E  A  RAINHA  DE  SABÁ,  PARTE  

    UM,  TAL  COMO  PRESERVADA  NO  LIBRO ROSSO.

    Château des Pommes Bleues Arques, França,Dias atuais

    Berenger, Roland e Tammy estavam sentados à grande mesade mogno a um canto da biblioteca. O objeto que estudavamparecia ser um documento antigo, um longo rolo de um tipode pergaminho muito deteriorado pelo tempo. Opergaminho estava imprensado entre duas lâminas de vidro

    para que fosse preservado e mantivesse unidos ossegmentos que já se desfaziam, como o quebra-cabeçamedieval que parecia ser.A caixa que continha aquele frágil documento tinha sidoentregue cedo aquela manhã no château, endereçada aBerenger Sinclair da Sociedade das Maçãs Azuis, deixada alipor um mensageiro anônimo que não esperou para seridentificado. A empregada que recebeu a encomenda disseque achava que o mensageiro podia ser italiano por causa desua roupa, o seu carro e sotaque, mas não tinha certeza. Elecertamente não era do lugar.- É uma árvore genealógica - comentou Tammy, enquantopassava a mão sobre o nome na parte de cima do vidro. - Há

    algo em latim aqui em cima e começa com esse homem.Guidone alguma coisa. Nasceu em 1077, em Mântua, naItália.

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    Berenger, dotado da educação clássica de um aristocrata,semicerrou os olhos para ler o latim apagado no alto do rolo.Parece que aqui diz: "Eu, Matilda..." Estou achando que éMatilda. Sim, é Matilda. "Eu, Matilda, pela graça do Deus que

    É." Uma frase estranha, mas é isso que está escrito. A fraseseguinte diz: "Eu estou unida e sou inseparável do condeGuidone e do filho dele, Guido Guerra, e ofereço-lhes aproteção da Toscana para todo o sempre." E ainda diz queesse filho Guido Guerra nasceu em Florença, num mosteirochamado Santa Trinità. Por que o filho de um conde nasceriaem um mosteiro? É... esquisito.Não é só isso que é esquisito - comentou Roland, apontandopara um nome na árvore genealógica. - Olhe só para essesnomes, Berenger.Berenger se surpreendeu quando seguiu o dedo de Rolandsobre o vidro. Numa linha do século XIII havia nomes queele reconhecia. Um cavaleiro francês chamado Luc Saint

    Clair casado com uma nobre da Toscana. Os mesmos nomesconstavam da genealogia da sua família, eram seusancestrais. Mas esse fato não era conhecido fora do seucírculo mais próximo e protegido. Quem enviou aquelaencomenda sabia, no mínimo, que isso tinha relevância paraBerenger Sinclair e que, de algum modo, as árvores

    genealógicas se cruzavam.A atenção de Tammy foi atraída por um cartão que estavajunto com o documento e amarrado a um espelho de mãodourado, bem pequeno. O papel do cartão era elegante, umpergaminho espesso, com um estranho monograma gravadono centro, na parte de baixo. Uma letra A maiúscula unida aum E maiúsculo por um laço com franjas, com um nó entreas duas letras. Isso por si só não era tão incomum. Omonograma era estranho porque o E estava virado ao

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    contrário e era quase a imagem espelhada do A. No cartãohavia uma espécie de poesia manuscrita:

    A arte salvará o mundo,Para aqueles que quiserem ver.No seu reflexo encontrará o que procura...Salve Ictus!

    - A arte salvará o mundo - repetiu Tammy. - Nós vimos esseconceito na prática algumas vezes.

    Quando procuravam o evangelho perdido de MariaMadalena os quatro haviam decifrado uma série de mapas epistas encontradas em pinturas europeias da Idade Média,da Renascença e do período barroco. Foi um mapa pintadoem um afresco de Sandro Botticelli que levou Maureen aencontrar os valiosos documentos escritos pela própria

    Maria Madalena. No mundo complexo do esoterismo cristão,a busca dos símbolos na arte era o ponto de partida paramuitas grandes empreitadas. Quando a verdade não podiaser dita por escrito, devido ao medo da perseguição e morte,muitas vezes fora codificada em pinturas.Berenger pegou o espelho e o examinou rapidamente antesde repetir o terceiro verso do poema.- No seu reflexo encontrará o que procura.Ele não teve tempo para pensar mais nisso, pois Roland ointerrompeu, inusitadamente animado com o que tinhadescoberto.- Olhem para isso! - Roland apontava para a parte de baixodo documento. - O último nome da linhagem. Será que estou

    lendo direito?Tammy pôs o braço no ombro dele quando se inclinou paraver o que tinha deixado o gentil gigante tão alvoroçado. Mas

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    foi Berenger que verificou para eles, ao examinar com todo ocuidado o último nome no fim da árvore genealógica, semdúvida o maior nome do mundo na história da arte.- Michelangelo Buonarroti.

    CAPÍTULO DOIS

    Cidade de Nova York,Dias atuais

    - Maureen! Srta. Paschal...

    Maureen passou pela porta giratória da rua 47 e entrou nosaguão do seu hotel, e Nate, o porteiro, a reconheceu. Suaeditora costumava deixar pacotes e encomendas para ela alino hotel e vice-versa, de modo que Nate e ela logo setornaram amigos e passaram a se chamar pelo primeironome. Maureen dava boas gorjetas, e Nate sempre

    manifestava sua admiração por ruivas. Era uma boacombinação para um relacionamento de trabalho em NovaYork.- Chegou uma encomenda para você esta noite. Acabei deentrar e vi.Nate vinha da sala dos fundos, equilibrando uma elegantecaixa de presente nas duas mãos. Devia ter no mínimo unssessenta centímetros de comprimento, era chata e de umvermelho intenso. Preso à caixa com uma larga fita de cetimvermelha havia um enorme buquê de flores brancas, líriosperfumados, misturados com rosas brancas de cabo longo.Maureen espiou por cima da caixa com cuidado antes depegá-la.

    - Tinha algum cartão?Nate balançou a cabeça.- Não, nada. Sinto muito.

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    assumir nenhum compromisso sério de qualquer espécie.Ele explicava a solteirice dizendo que não queria secomprometer com qualquer mulher que não tivesse sidofeita especificamente para ele. Quando conheceu Maureen

    lhe disse que estava certo. Que era ela o motivo de nenhumaoutra mulher ter jamais chamado sua atenção.Era uma explicação bonita. Talvez bonita demais. Tinhahavido muitos sinais de alerta, antes até da discussão quetiveram. Ele pediu perdão, mas Maureen continuouressabiada.No entanto, seu estômago dava cambalhotas só de pensarque ele tinha enviado aquelas flores.Maureen desamarrou a fita com cuidado, tirou as flores eabriu a caixa. Havia um cartão dentro de um envelopefechado que dizia: "Srta. Paschal." Estranho, Berenger nãoendereçaria desse jeito. Podia ser apenas formalidade doflorista. Maureen olhou para a caixa de novo e tirou o papel

    de seda que cobria o que tinha dentro. Não sabia bem o queesperava encontrar, mas certamente não era aquilo. Aliestava o que parecia ser um documento antigo. Se eraverdadeiro ou uma réplica, era impossível dizer à primeiravista. Mas estava cuidadosamente preservado entre lâminasde vidro e tinham se esmerado em protegê-lo. Gentilmente

    Maureen tirou o objeto da caixa. Tinha quase sessentacentímetros, estava muito amarelado devido ao tempo ouentão era uma cópia muito boa, e com as bordas desiguaisesfareladas.O texto do documento cobria três quartos do pergaminho,escrito com uma caligrafia florida, mas precisa, em latim.Maureen passou os olhos rapidamente e achou que nãoseria capaz de decifrar aquela forma antiga e a elaboradagrafia. Seu latim dava para o gasto, mas aquilo era um

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    desafio para algum acadêmico com capacidade muito maisampla do que seu vocabulário rudimentar.Foi a assinatura no fim que chamou mais a atenção. Forte edesenhada, era óbvio que tinha sido feita com tinta, mas

    parecia um tipo de selo, com a cruz latina desenhada entreas letras:

    Maureen pegou seu caderno de anotações e reproduziu as

    letras da assinatura medieval linearmente. Dizia:MATILDA DEI GRA SI QUO EST

    Devia significar: Matilda, pela graça do Deus que É.Embaixo das letras havia mais dois símbolos. Um pareciauma versão sintetizada da letra H, apesar de as linhas

    verticais estarem onduladas; o outro pareceuimediatamente familiar a Maureen. Ela pôs a mão no colarque estava usando, presente de Berenger no seu aniversáriopassado. Era um símbolo delicado de diamante incrustado,uma espiral de chifre de carneiro, o motivo astrológico dosigno de Áries. Maureen nasceu no dia 22 de março, o

    primeiro grau do primeiro signo do zodíaco, no limiar doequinócio da primavera, quando o sol passava por Peixes eentrava em Áries. O símbolo do chifre de carneiro era

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    emblemático do equinócio da primavera desde aantiguidade. Mas o que podia significar naquele documento?- E, pergunta mais urgente, quem mandara aquilo para ela epor quê?

    Maureen abriu o envelope com cuidado. O papel elegantetinha um estranho monograma embaixo. Um A maiúsculoamarrado a um E maiúsculo, com a letra E ao contrário,como a imagem de um espelho. O cartão estava escrito àmão:

    Ao viajar pelo Mundo das Flores,Você encontrará o Vale de Ouro.Você procura O livro do amor?Então aqui encontrará o que procura...Salve Ictus!

    Maureen deu um suspiro, sentindo ao mesmo tempo alívio e

    excitação. Fora assim que sua busca do evangelho de MariaMadalena começara. Com um presente estranho e ummistério para ser resolvido. Tinha desejado pistas e elasestavam aparecendo. Claro que quem enviou aquilo sabiaalguma coisa da sua história pessoal, o que era um poucodesconcertante. O fato de as frases no cartão serem

    idênticas às palavras ditas pela pequena Madona no sonhoera definitivamente perturbador. Ela estremeceu diante dainusitada intimidade daquela nota. Apesar de ter fé, de serguiada por Deus no seu caminho, como sempre foi, haviaalgo indiscutivelmente ameaçador num correspondentedesconhecido capaz de saber dos seus sonhos. Seria possívelque alguém estivesse realmente influenciando seus sonhos?Maureen não tinha certeza de qual hipótese era maisassustadora, mas ambas a preocupavam.

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    E ela fez a única coisa que lhe veio à cabeça. Ajoelhou erezou, pedindo proteção e orientação na jornada que estavaprestes a iniciar.

    Maureen fez um rápido inventário mental. Havia apenas trêspessoas no mundo com quem podia se consultar sobreaquele mistério imediato, todas elas na Europa. A primeiraera seu primo Peter Healy, o acadêmico jesuíta queatualmente morava no Vaticano. Peter poderia traduzir odocumento e talvez até identificá-lo. Maureen podia apostarque quem enviara o pacote misterioso conhecia muito bemesse seu recurso. Senão não a deixaria limitada às suashabilidades para traduzir algo tão elaborado. Ela podia ligarpara Peter, é claro, mas sabia que sua primeira reação seriade preocupação. Era melhor investigar mais um pouco antesde jogar isso em cima dele sem mais nem menos.Restavam, então, Berenger Sinclair e Tâmara Wisdom, e os

    dois estavam no quartel-general de Pommes Bleues, naregião do Languedoc, na França. Berenger, como Peter, iaficar imediatamente preocupado e exigir que ela fosse paraa França enquanto ele investigava. Essa não era a reação queela queria ou de que precisava naquele momento.Sobrara Tammy.

    Tamara era a melhor amiga de Maureen, confidente ecompanheira na heresia. Cineasta independente de LosAngeles, dedicada e séria, Tammy se apaixonou quandofazia um documentário sobre as lendas de Madalena naFrança, tanto pela paisagem magnífica como pelo gentilgigante do Languedoc chamado Roland Celis, de quem agoraestava noiva. Tâmara, Roland e Berenger moravam no des-lumbrante Château des Pommes Bleues, a propriedadefrancesa da família escocesa Sinclair, que servia de quartel-

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    general para a sociedade com o mesmo nome. Telefonarpara um era telefonar para todos, mas talvez conseguissefalar só com Tamara, se ligasse para o seu celular primeiro.Era meia-noite em Nova York. Seis horas da manhã na

    França. Muito cedo, mas o assunto era importante. Discou onúmero do celular de Tammy e ouviu o toque duplointernacional do outro lado. Depois um clique quandoTammy atendeu, sem parecer nada sonolenta e dizendologo:- Salve Ictus!- Você recebeu também?- Endereçado para Berenger. Chegou ontem à noite.- Um documento antigo sobre alguém chamado Matilda?- Deve ser a condessa Matilda da Toscana.- Você conhece essa Matilda?- Conheço, e você também. Ela aparece nas lendas esotéricaspor toda a Europa. Uma espécie de rainha guerreira que

    governou a metade da Itália. E o que é mais importante paraos nossos propósitos, ela foi a fundadora da Abadia de Oval.Maureen se espantou. Havia duas revelações importantes naúltima frase de Tammy. Trataria primeiro da que tinhaligação com a pista no cartão que recebeu.- Orval. Or-Val. Significa Vale de Ouro, certo? Como em:

    "Você encontrará o Vale de Ouro"?- Sim. Você sabe que isso significa que nós temos a metadedo quebra-cabeça e você tem a outra. Evidentementealguém quer que trabalhemos juntos nisso. Ou talvez eudeva dizer que alguém quer que você e Berenger trabalhemjuntos, já que os pacotes foram endereçados a ambos. Muitosignificativo, não é?Maureen ignorou temporariamente a insinuação de Tammye concentrou sua atenção num assunto mais urgente.

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    ela encarou o homem à sua frente. O homem mais lindo quejá tinha visto.Easa.Era esse o nome com que Maria Madalena se referia a ele em

    seu evangelho, portanto era com esse nome que Maureen sesentia mais à vontade. Foi o fato de encontrar Easa atravésdos olhos de Maria Madalena que fez com que eladescobrisse a própria fé. Para o resto do mundo modernoele era Jesus.Ele sorriu para ela, então, uma expressão tão divina ecarinhosa que Maureen ficou embevecida, como se o própriosol brilhasse naquela simples expressão. Ela continuouimóvel, incapaz de fazer qualquer coisa além de olhar fixopara a beleza e a graça dele.- Você é minha filha, que me enche de satisfação.A voz era uma melodia, uma canção de união e amor queressoava no ar ao seu redor. Maureen flutuou com aquela

    música por um momento eterno, antes de despencar ao somdas próximas palavras que ele disse.- Mas o seu trabalho ainda não terminou.Com outro sorriso, Easa, o Nazareno, o Filho do Homem,voltou para a mesa onde estavam seus escritos. A luz dasfolhas ficou mais forte, as letras tremulavam com luz azul,

    desenhos azuis e violeta no papel grosso que parecia linho.Maureen tentou falar com ele, mas as palavras não saíam.Foi capaz apenas de observar o ser divino diante dela queapontava para as folhas e falava com suave precisão.- Veja, O livro do amor. Siga o caminho que lhe foi indicado eencontrará o que procura. Quando encontrar, devecompartilhá-lo com o mundo e cumprir a promessa que fez.A nossa verdade está na escuridão há tempo demais.Procure lembrar que destino e destinação têm a mesma

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    raiz.A fala dele era bem definida, mas as palavras eram ummistério.Easa olhou nos olhos de Maureen por um segundo que

    durou uma eternidade, depois se levantou e deslizou semesforço algum para cobrir a distância que os separava. Eleparou bem na frente dela e a paralisou com seus olhosescuros e intensos.- O tempo retorna. Se não se lembrar de mais nada quandodespertar, lembre-se dessas três palavras.Maureen fazia um esforço enorme no sonho, desesperadapara gravar tudo que ele dizia. Tentou repetir as trêspalavras. Dessa vez não foi traída pela fala. Conseguiusussurrar em resposta.- O tempo retorna.Easa recompensou Maureen aproximando-se dela e dando-lhe um único beijo paternal na cabeça.

    - Acorde agora, minha filha. Precisa acordar enquanto estánesse corpo, pois tudo existe dentro dele. E não tenha medo,estou sempre com você. Agora vá sem medo e faça tudo comamor. Portanto, seja perfeita.

    Maureen acordou assustada, ofegante, estendeu a mão para

    acender a luz de cabeceira o mais depressa possível. Seucoração pulava dentro do peito quando pegou o caderno nocriado-mudo. Escreveu as palavras que Ele disse bemdepressa, primeiro sobre O livro do amor, rezando para nãoesquecer nada. Sublinhou a frase "destino e destinação têma mesma raiz". O que isso queria dizer? Balançou a cabeçadiante do que parecia um absurdo: Jesus dando uma aula deetimologia.E havia ali, novamente, a menção a uma promessa. Cumprir

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    uma promessa que ela fez? Quando? Nesta vida? Em outra?Maureen estava bem segura de não acreditar emreencarnação e mais segura ainda de que tal conceito eracontrário aos ensinamentos cristãos. O que mais aquilo

    podia significar? Uma promessa que fez antes de nascer?Maureen pensou um pouco na luz azul. Ela emanava dasfolhas, como se as pala vias de Easa tivessem vida própria eessa vida estivesse contida naquela cor maravilhosa etremulante, mistura de azul e violeta. Alguma coisaprovocava a consciência de Maureen, aquela luz, aquela corera importante por algum motivo. Era algo que ela precisavaentender, mas o significado, aqui e agora, ainda era ummistério.Maureen escreveu: "Portanto, seja perfeita." Parecia coisadas escrituras. Perguntaria para Peter. Ele saberia se eraou não. Mas a frase anterior a essa certamente não pareciaextraída de nenhuma escritura: "Precisa acordar enquanto

    está nesse corpo, pois tudo existe dentro dele."Ela virou outra página e escreveu com letras maiúsculas:

    O TEMPO RETORNA.

    Então, examinou suas anotações novamente e descobriu que

    tinha esquecido uma frase. As outras coisas que Easa disseeram um mistério, mas essa frase, que ele já havia ditoanteriormente em outro sonho, era completamentedesconcertante. Assustadora. Inescapável."Mas o seu trabalho ainda não terminou."O trabalho dela, ao que parece, estava apenas começando.

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    Makeda, a rainha de Sabá, chegou ao Sião com uma enormecomitiva, uma caravana de camelos como ninguém jamaistinha visto igual, levando especiarias e muito ouro, pedraspreciosas, tudo de presente para o grande rei Salomão. Ela o

    procurou sem malícia, pois era uma mulher pura e sincera,incapaz de fingir ou enganar. Mentiras e falsidades lhe eramdesconhecidas. E assim foi que Makeda contou paraSalomão tudo que se passava em sua mente e em seucoração, e perguntou se ele podia responder às perguntasque ela havia preparado. Não eram, como alguns poderiampensar, charadas para testar a sabedoria dele. Ao contrário,eram perguntas que vinham do coração e da alma. Asrespostas do rei ajudariam Makeda a determinar se os doisrealmente tinham sido gerados do mesmo espírito eseo seudestino era celebrar o hieros-gamos juntos. Só que ela nemprecisou das perguntas. Diante dele, olhando nos seus olhos,a rainha soube que Salomão era parte dela, desde o início

    até o fim da eternidade.Salomão ficou deslumbrado com a beleza e a presença deMakeda, e totalmente desarmado diante da sua honestidade.A sabedoria que viu nos olhos da rainha de Sabá refletia adele, e soube imediatamente que os profetas estavam certos.Ali estava a mulher que era igual a ele. Como poderia ser

    diferente, se ela era a outra metade da sua alma?E assim foi que quando Makeda, a rainha de Sabá, viu toda agrandeza de Salomão, tudo que ele havia criado em seureino e, acima de tudo, toda a felicidade dos seus súditos, eladisse para o rei:- Os relatos que ouvi na minha terra, sobre seus feitos e asua sabedoria eram verdadeiros, mas não acreditei neles atévir aqui e ver com meus próprios olhos. Sua sabedoria eprosperidade superam tudo que ouvi. Felizes são seus

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    homens! Felizes são seus súditos, que o procuram paraescutar sua sabedoria! Abençoado seja o Senhor vosso Deus,que o pôs no trono de Israel! Ele o fez rei para poder exercera justiça e a retidão.

    "E abençoado seja o senhor seu Deus que o fez para mim e amim para você."Foi então que a rainha de Sabá e o rei Salomão se uniram nohieros-gamos, o casamento que une a noiva e o noivo nomatrimônio espiritual que existe apenas na lei divina.A Deusa de Makeda se uniu ao Deus de Salomão nessa uniãomais sagrada, do masculino com o feminino em um sercompleto. Foi através de Salomão e Makeda que El e Aseráse uniram mais uma vez em carne e osso.Ficaram na câmara nupcial todo o ciclo da lua, num lugar deconfiança e de consciência, sem permitir que nada seinterpusesse à sua união, e dizem que nesse tempo ossegredos do universo foram revelados através deles. Juntos,

    eles descobriram os mistérios que Deus ia partilhar com omundo, para aqueles que pudessem ouvir.No entanto, Salomão e a rainha de Sabá não se tornaramconsortes, pois eram iguais, cada um soberano do próprioterritório e do próprio destino. Ambos sabiam que chegariaum momento em que teriam de se separar e voltar para as

    obrigações de seus respectivos reinos e ficar sozinhos maisuma vez, com seus recém-renovados sabedoria e poder. Otriunfo e a celebração dos dois residiam no que tinhamtrazido um para o outro, em usar bem e com ciência essasdádivas em seus destinos individuais.Salomão escreveu mais de mil cânticos inspirado emMakeda, mas nenhum tão valioso como o Cântico dosCânticos, que encerra os segredos do hieros-gamos e decomo Deus é encontrado nessa união. Dizem que Salomão

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    teve muitas esposas, mas houve apenas uma que era partede sua alma. Makeda nunca foi sua esposa pelas leis doshomens, mas foi sua única mulher pelas leis de Deus e danatureza, que é o mesmo que dizer pelas leis do Amor.

    Quando Makeda partiu do sagrado monte Sião, foi com ocoração pesado por deixar seu único amado. E esse tem sidoo destino de muitas almas gêmeas na história, que se unemde vez em quando e descobrem os segredos mais profundosdo amor, e que acabam separadas justamente por seusdestinos. Talvez essa seja a maior prova e mistério do amor,compreender que não há separação dos verdadeirosamantes, independentemente das condições físicas, detempo ou distâncias, de vida ou de morte.Quando o hieros-gamos é consumado entre almaspredestinadas, os amantes nunca mais se separamespiritualmente.Para aqueles que podem ouvir. Que ouçam.

    A LENDA DE SALOMÃO E A RAINHA DE SABÁ ,  PARTE DOIS ,  TALCOMO PRESERVADA NO LIBRO ROSSO

    Cidade do Vaticano,Dias atuais

    - Obrigado, Maggie.Margaret Cusack pôs cuidadosamente uma bandeja de chána mesa do padre Peter Healy. Ficou rodando em volta delee da bandeja como a matrona irlandesa que era, servindo ochá, medindo o açúcar, acrescentando a quantidade certade leite. Maggie era o que a mãe de Peter teria chamado de

    solteirona, uma mulher de certa idade, sem filho paracuidar. Por isso seguiu a carreira de governanta de padre,

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    que começou quando ainda era adolescente em CountyMayo. Quando o padre para quem trabalhava foi transferidopara Roma, ela veio com ele e nunca mais partiu. Já estavaali havia cinquenta anos.

    Quando padre Bernard morreu no ano anterior, Maggie foitão leal e indispensável que acabou ficando até encontraremuma nova função para ela. Sua devoção absoluta à Igreja nãotinha limites.Ela escreveu para a família para contar que foi uma bênçãode Deus aquele homem adorável, o padre Peter, ter ido paraRoma na hora certa. O fato de ele ser jovem e charmoso... eirlandês... era bênção ainda maior para ela. Maggie sentiauma saudade imensa da Irlanda e muitas vezes cantarolavaas baladas folclóricas da sua terra natal enquanto seocupava da limpeza da casa depois de um dia atarefado dopadre Peter.Hoje ela cantava alguma melodia que fez Peter se assustar

    ao reconhecer. Não ouvia aquilo havia anos. Era um hinoescrito em gaélico, que ele aprendera quando menino naescola Christian Brothers. E ele então surpreendeu Maggiecantando junto com ela.- Céad mile fáilte romhat, a Iosa, a Iosa...Cem mil vezes bem-vindo, Jesus. Era uma canção sobre

    receber Jesus em nossos corações e em nossas vidas. Eratradicional, mas Peter lembrou que vinha de um antigo hinoda época do nascimento do cristianismo e de São Patrício. Apronúncia irlandesa do nome de Jesus, Iosa, soava comoEasa.- É uma linda canção, não é, padre?- É sim, Maggie. E acabei de me dar conta de que Jesus, emgaélico, pronuncia-se Easa. Você sabia que ele é chamado deEasa, ou Issa, em algumas línguas?

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    - Não, eu não sabia disso, padre, só a parte do gaélico. Ejustamente por causa dessa canção. Estou esquecendo meuirlandês, mas as músicas e as poesias a gente não esquece.- É mesmo.

    Ele deixou o assunto morrer. Maggie não aceitava qualqueralternativa ao seu catolicismo. Fincava o pé em suaortodoxia, como muitas camponesas irlandesas da suaidade, como praticamente todos os que conviviam comPeter, ali em Roma. Era provável que ela não quisesse saberpor que Maria Madalena, no evangelho que escreveu,chamava Jesus de Easa, a forma íntima do nome grego,porque ela era casada com ele. Na verdade, Maggie talvezaté se impusesse uma penitência de dez mil Ave-Marias sópor ter ouvido tal blasfêmia saída dos lábios dele. Seu antigoempregador, padre Bernard, era da escola tradicionalista,assim como Maggie.A maior felicidade para ela era quando cuidava de Peter,

    servia sua comida, seu chá e limpava os seus aposentos, quefaziam às vezes, também, de escritório. Desde que elelimitasse as conversas à vida diária e às lembranças da terranatal, ela ficava feliz como um passarinho.Além das obrigações como governanta do Vaticano, Maggieera também membro dedicado da Confraria das Sagradas

    Aparições, um grupo empenhado em compreender epromover as aparições da Virgem Maria em todo o mundo.Levava sempre consigo alguns folhetos e brochuras nosquais estudava, em momentos de folga, os relatos dessasaparições. Naquele instante em que servia o chá de Peter,tinha um livro com as pontas das páginas amassadasaparecendo no grande bolso do seu avental.- O que está lendo? - Peter era sempre curioso.- A vida da iluminada irmã Lúcia - respondeu Maggie,

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    tirando o livro do bolso para mostrar a Peter. Lúcia Santos:vida e visões.- Ah, Fátima. Está se preparando para o aniversário esteano?

    - Estamos sim, padre. Noventa anos desde que a VirgemAbençoada apareceu para as crianças de Fátima. Vamospreparar uma comemoração especial.O telefone tocou no corredor ao lado, e Maggie correu paraatender. Peter bebia seu chá. Ele precisava de paz parapensar sobre o telefonema que recebera de Maureen. Alémde seu parente vivo mais próximo, ele era e sempre fora seuconselheiro espiritual. Passaram juntos por tempos difíceis,e ambos enfrentaram provas extraordinárias de fé durante abusca do evangelho de Maria Madalena. Não passava umahora do dia sem que Peter se perguntasse se tinha sidoaprovado ou reprovado naqueles testes.Depois que Maureen arriscou a vida para obter os

    documentos antigos que estavam escondidos numa cavernana França, Peter se incumbiu de tirar o evangelho do país ede entregá-lo à Igreja. Para fazer isso, foi obrigado a enganarMaureen e todos os amigos do Château des Pommes Bleuesque a ajudaram e a protegeram no decorrer da aventura. Elefurtou os documentos como um ladrão, na calada da noite.

    Apesar de agora se atolar em auto-recriminação por tertomado aquela iniciativa, seus motivos para fazê-lo, naépoca, eram muitos. Num primeiro momento ele seconvencera de que estava protegendo Maureen. Infe-lizmente, ela e os companheiros não entenderam da mesmamaneira. Ele precisou dos últimos dois anos quase inteirospara dirimir completamente o desgaste provocado norelacionamento deles, e o bom resultado deveu-se muito aMaria Madalena. Como o evangelho dela enfatizava o poder

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    participado de acalorados debates sobre o significadodessas frases quando vivia em Jerusalém, no início dos seusestudos como jesuíta. Parte da controvérsia sobre o textognóstico partia exatamente da ideia de que a vida na Terra,

    aqui e agora, com atenção especial para este corpo, era tãoimportante quanto a outra vida. Talvez até mais importante.Esse conceito não costumava ser defendido pelo catolicismoortodoxo, por motivos óbvios. Alguns afirmavam que eraheresia. No entanto, era a chave dos textos gnósticos. Peterera fascinado havia muito tempo pelo ponto de vistagnóstico e argumentava com seus irmãos maisconservadores que o fato de esses evangelhos não teremsido alterados, dissecados, editados e traduzidos inúmerasvezes nos últimos dois mil anos garantia sua pureza e ostornava dignos de serem levados a sério. Os opositores dosdocumentos gnósticos assumiam a posição de que tinhamsido escritos muito tempo depois da vida de Jesus para

    serem considerados válidos, pois alguns deles eram datadosde meados do século III.Peter achou trágico a Igreja ter assumido posição tão radicalquanto à importância do códex gnóstico. Por que tudo tinhade ser sempre branco ou preto? - Por que os EvangelhosGnósticos tinham de estar opostos ao Cânon? Será que não

    podiam ser lidos todos juntos, leituras complementares,numa tentativa de nos levarem a um entendimento eaprendizado maior sobre quem era Jesus e o que queria nosensinar?Maureen estava sonhando com Jesus de novo, e o Senhormesmo citava os dois evangelhos, o canónico e o gnóstico.Aquilo era fascinante. E, como a história de vida dela, deviater uma importância e um significado que ele ainda nempodia imaginar.

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    bastante documentação, como Teresa de Avila. Ele estudavasuas vidas em busca da resposta para a pergunta que oconsumia.Por quê? Por que especificamente essas mulheres recebiam

    esses dons do Senhor?E o quê? O que elas sabiam que estava fora do alcance atédos homens mais santos?Ele olhou para o velho manuscrito que cobria sua mesa, eque o preocupava, havia dias e noites. Tinha um diapertencido à coleção pessoal do papa Urbano VIII e continhauma série de profecias. Escritos em forma de poesia, osversos às vezes eram em francês, às vezes em italiano, ehaviam sido escritos em papel ao longo de muitas gerações.Como as estrofes tinham quatro quadras em versos, cadauma, alguns estudiosos antes dele creditaram a autoriadesses versos ao famoso profeta francês, Nostradamus. Defato, aquele manuscrito havia sido catalogado na Biblioteca

    Apostólica como obra de Nostradamus, e assim fora por cemanos, até padre Girolamo resgatá-lo. Ele sabia que aqueledocumento tinha um valor inestimável e que certamentenão era obra de um só autor. Pelo contrário, parecia umtrabalho de muitos séculos. Apesar de os versos terem sidotraduzidos inúmeras vezes, ele continuava sem a chave para

    seu verdadeiro significado. As quadras eram escritas comum tipo de código, uma linguagem profética que não podiaser interpretada por quem não tivesse nascido paracompreendê-la.Mesmo assim, ele tentava. Separava cada frase, uma a uma, ea estudava horas a fio. Havia uma profecia específica que setornara uma obsessão para ele, aquela em francês quecomeçava com "Le temps revient". O tempo retorna.Padre Girolamo analisou a folha, concentrado para entender

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    o significado da frase e da profecia. Segurava numa dasmãos uma delicada caixa de cristal, em forma de medalhão,que continha a relíquia de uma visionária. Rezou para que orelicário o ajudasse naquela tradução, mas até aquele

    momento as palavras não tinham revelado seus segredospara ele.O velho padre suspirou e recostou-se na cadeira. Apesar demorar em Roma, e morara ali a maior parte de sua longavida, a confraria à qual o padre Girolamo pertencia teve suaorigem na Toscana medieval. Hoje ele sentia como se apresidisse desde aqueles tempos remotos. Mas havia maistrabalho a fazer e mais um documento sobre o qual sedebruçar. Guardou com cuidado o livro de profecias nagaveta trancada, seu lugar secreto.Peter Healy estava a caminho para vê-lo, e padre Girolamoprecisava se preparar para conversar com ele sobre ofascinante desenrolar daquele assunto.

    Peter olhava para a enorme tapeçaria que cobria a parededo escritório particular da confraria. Tinha sidoconfeccionada na Holanda no final do século XV, mesmoperíodo das famosas tapeçarias de unicórnios que agoraadornavam os museus das cidades de Nova York e Paris.

    Essa era chamada de A morte do unicórnio e ilustrava umaelaborada sequência de caçada. O animal mítico estavacercado por caçadores que portavam lanças, e algunselementos do grupo enfiavam suas lanças no corpo dacriatura encurralada. O unicórnio sangrava muito, tanto porcausa desses ferimentos como por causa dos dentes doscães que furiosamente rasgavam sua carne. Um trombeteiroanunciava a morte do animal com pompa e júbilo noprimeiro plano da tapeçaria. Era uma obra-prima da arte

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    flamenga, mas o tema podia parecer perturbador para quemnão era iniciado.- Profundamente belo, não é? - A voz de padre Girolamo dePazzi, rouca após quase sete décadas de sermões, saudou

    Peter quando entrou na sala, por trás dele.Peter meneou a cabeça concordando e sorriu aocumprimentá-lo.- Eu sempre gostei das tapeçarias de unicórnio. Essa éviolenta, mas bela.- A morte do nosso Senhor foi violenta, e é isso que essaobra de arte nos faz lembrar. Ele morreu pelos nossospecados, de modo terrível. - O velho padre encerrou osermão com um gesto. Mas isso não é nada que você nãosaiba, pois é  sábio e culto, muito além da sua idade Venhaaté a minha sala, Peter. Quero lhe mostrar uma coisa.

    Peter seguiu o velho padre em silêncio. Desde que chegara a

    Roma, padre Girolamo tornara-se seu amigo. Eles seconheceram por intermédio de Maggie Cusack, o membromais empenhado da confraria dirigida pelo velho. Peterpassava bastante tempo na companhia de Girolamo, masnunca estivera ali, dentro do santuário da confraria. Aqueleera um lugar muito privado, e quando o velho padre fechou

    a porta, Peter soube que um segredo estava prestes a serrevelado. Não que isso fosse surpresa para ele. Havia muitotempo tinha compreendido que a Cidade do Vaticano eraconstruída sobre segredos, com segredos, por segredos epara segredos.Bem no centro da mesa antiga de padre Girolamo estava odocumento que Maureen recebera em Nova York. Peter não

    sabia ao certo o que estava acontecendo ali. Ele não tinhadado o documento para aquele padre. Entregara-o nas mãos

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    do cardeal Tomas DeCaro, seu mentor.- Sente-se. - Era uma ordem amigável, e Peter plantou-sediante da mesa do velho padre.- Você entregou esse documento para Tomas, e ele o trouxe

    para mim. Tomas estaria aqui pessoalmente, mas teve de irpara Siena para tratar de assuntos da Igreja. Ele confia emmim e você também pode confiar. Vou explicar por que eleme deu o documento. Sou da Toscana. E minha paixãonesses oitenta anos de vida tem sido o estudo da história daToscana e da sua relação com a Igreja. Por isso, quandoapareceu esse raro e importante documento, nosso amigosoube que eu entenderia sua relevância. E eu entendo. Issotem relação com a grande condessa, Matilda Toscana. Vocêsabe quem ela é?Peter balançou a cabeça.- Bem, vai saber. Agora diga-me, quantas vezes estevedentro da Basílica de São Pedro?

    Peter sacudiu os ombros.- Não sei. Centenas de vezes.- Então você passou pela condessa Matilda centenas devezes. Ela está enterrada num lugar de honra, sob umagrande lápide de mármore projetada pelo mestre barrocoBernini e a cinquenta metros exatamente do primeiro

    apóstolo.- Ela está enterrada dentro da basílica? - perguntou Peterincrédulo. Ele não tinha idéia de que qualquer mulhertivesse sido enterrada na Basílica de São Pedro, muitomenos num local de tanta honra. - Por quê?Padre Girolamo deu uma risada breve e inaudível.- Depende da pessoa para quem você fizer essa pergunta.Como está perguntando para mim, eu digo que é porque elaera uma mulher piedosa, doadora generosa para a Igreja,

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    que deixou todos os seus bens para o papa. - Por que acha que alguém enviou um documento sobre essacondessa Matilda para Maureen?- Eu me preocupo muito com as intenções das pessoas, ou

    pessoa, que enviaram tal documento anonimamente, e, atéque possamos determinar a identidade ou a intenção delas,é essencial que fiquemos atentos.- Acha que é perigoso?O velho acenou com a cabeça, indicando que sim.- Acho. Peter, você é um dos melhores linguistas que osjesuítas produziram. Você não trouxe esse documento paraser traduzido. Então sabe o que ele contém. Correto?Peter concordou com a cabeça.- Esperava que ele fosse autenticado, só para ter certeza.- É realmente autêntico. E é justamente por isso que mepreocupa. Tenha muito cuidado com isso, meu filho. Eu seique um presente desses pode parecer benigno, mas não

    acredito que seja. Acho que alguém pode estar usando a suaprima. Tomas também acredita nisso, daí ter vindo a mim.- Usando Maureen de que forma?- Pense, Peter. Nosso amigo Tomas veio me procurarporque, além de ser toscano, também sou especialista emexperiências visionárias. E se há uma coisa que aprendi

    nesses anos todos de estudo, é o seguinte: os verdadeirosvisionários nascem assim, não são feitos. Não se podeaspirar a ser, nem estudar para ser. Você é ou não é, e nãoexiste nada entre as duas coisas. Portanto, um profetaautêntico é muito raro e por isso valioso. E sua prima é algocomo uma celebridade aqui, você sabe.Peter sorriu. Maureen era muito famosa dentro das paredesda Cidade do Vaticano, era uma curiosidade, herege erenegada, pior ainda, mulher, mas também uma força que

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    não podia ser inteiramente subestimada. Afinal de contas,Maureen tinha feito a mais extraordinária descoberta cristãda época, e justamente seguindo seus sonhos e suas visões.- Assim, o fato de os anciãos mais conservadores da Igreja

    aprovarem ou não a sua prima não faz qualquer diferença. Ofato incontestável é que as visões dela a levaram arealizações sem precedentes. Creio que alguém a estejausando para encontrar o livro que é citado naqueledocumento. E quando este livro for encontrado, acho quenão vão querer que sua prima esteja por aqui para contar ahistória da sua existência. Ela deve tomar muito cuidado, evocê também.O velho padre ficou pensativo, de olhos fechados por tantotempo que Peter achou que estava dormindo. Quandofinalmente abriu os olhos, estavam claros e brilhantes,cheio s de determinação.- Peter, preciso que me mantenha informado sobre os

    movimentos da sua prima em relação a esse documento eque me informe se ela tiver qualquer outro contato comessa... fonte. Juro que é para a proteção dela. E sua.Peter assegurou-lhe que faria isso. Mas as palavras de alertado velho padre foram perturbadoras, e ele estava aflito parasair dali e ligar para Maureen, que estava prestes a chegar à

    França.- Vá com Deus, meu rapaz. E que a Mãe Santíssima estejacom você em sua jornada.

    CAPÍTULO TRÊS

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     Languedoc, França,Nos dias atuaisMaureen começava a sentir a tensão crescer dentro dela à

    medida que elas se aproximavam do seu destino. O trajetode carro desde que saíram de Toulouse demorou bem maisde uma hora e lhe deu tempo para se atualizar com Tammysobre todos os acontecimentos, bem como abordar apesquisa que empreendiam. Falaram de pistas e de teorias edas possíveis fontes dos documentos.- Berenger está muito ressabiado com tudo isso - explicouTammy. - Por mais fascinante que seja, ele não gosta de ter asensação de não estar no controle da situação, e ficapreocupado porque nenhum de nós conseguiu aindaapresentar uma teoria concreta sobre quem está liderandoessa caçada herética.- Quem está fazendo isso sabe muita coisa sobre Berenger e

    sobre mim. Isso é sem dúvida desconcertante. Mas aconteceque também sabem o que está acontecendo nos meussonhos, e isso está além de qualquer explicação. Portanto,ou é algo criado por inspiração divina...- Ou algo realmente sinistro.- E, obrigada por me tranquilizar. Porque eu ainda não

    estava suficientemente nervosa.Mesmo sem a recente e inesperada reviravolta nosacontecimentos, voltar para Arques havia deixado Maureenmuito tensa. Ali ela descobriu o evangelho de Madalena, foraali que tinha ao mesmo tempo sofrido e desfrutado umaaventura que estava além da imaginação da maioria daspessoas. Mas ali era, também, lar de Berenger Sinclair, e isso

    provocava uma série de outras complicações.Tammy pegou a estrada que passava por Montségur porque

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    sabia que Maureen gostava daquela parte da França. Era umdos lugares espirituais da Terra, local do último bastião dopovo cátaro contra os exércitos de um papa quetinha resolvido exterminar toda uma cultura. Maureen

    conhecia bem essa história e  havia passado horasmemoráveis aprendendo sobre o legado de Montségur emsua última ida a França.No fim do ano de 1243 os cátaros já contabilizavamcinquenta anos de torturas infligidas pela Igreja católica. Oshabitantes de cidades inteiras tinham sido executados atérios vermelhos de sangue inocente correrem literalmentepelas ruas. Uma das últimas fortalezas dos cátaros querestavam na França ficava em Montségur. Era um castelo acerca de sessenta quilômetros de onde hoje estava oChâteau des Pommes Bleues, em Arques. Por quase seismeses os cátaros franceses ficaram cercados dentro dessafortaleza.

    A lenda do Languedoc dizia que quatro membros do grupocátaro conseguiram escapar de Montségur dois dias antesde o resto da população ser capturado e queimado vivo.Diziam que um deles, uma jovem chamada La Paschalina,"pequeno cordeiro pascal", carregava um objeto preciosoamarrado ao corpo - era O livro do amor. Essa menina

    protegeu o tesouro mais sagrado do seu povo. Ela eratambém ancestral de Maureen e a origem do sobrenomePaschal.Quando passaram pelas ruínas da fortaleza na montanha,Maureen murmurou uma prece agradecendo à sua corajosaancestral, e Tammy juntou-se a ela em outra pelas duzentasalmas que pereceram nas chamas em 16 de março de 1244.Indo para Couiza para pegar a estrada para Arques, o celularde Maureen interrompeu a conversa das duas. Ela atendeu

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    ansiosa ao ver que a ligação era do escritório de Peter emRoma.- Tenho informação importante. Está sozinha?- Tammy está comigo. Estamos a caminho do château.

    Peter resmungou alguma coisa meio irritado, pigarreou econtinuou.- Certo. O documento. É de 1071 e assinado por Matilda, acondessa da Toscana.- O que diz o documento?- É uma espécie de exigência da condessa Matilda, furiosa eimperiosa, pedindo a devolução imediata do seu "maisprecioso livro vermelho", ameaçando ela mesma liderar umexército de invasão e até uma "guerra santa" contra opróprio marido, que ela evidentemente desprezava.- Um precioso livro vermelho? Meu Deus. Era O livro doamor, não era?- Tenho motivos para acreditar que sim, ou no mínimo uma

    cópia dele. A carta insiste para que o livro seja entregueimediatamente à custódia de alguém chamado Patricio, queé o abade do mosteiro... em Orval. Maureen, isso éimportante, pois é possível que seja a única provaautenticada de que tal livro já existiu.- Então o último lugar de onde se tem notícia que o livro

    esteve é Orval. E Orval é para onde nós vamos amanhã.Peter interrompeu-a.- Maureen, você precisa ter muito cuidado. Eu acho que issoé perigoso. E tenho mais a dizer, mas quero que ligue paramim mais tarde, quando estiver sozinha.- Está bem.Maureen se esforçava para não ficar irritada, mas o fato dePeter não querer dar as informações completas porqueTammy estava no carro apenas servia para aumentar seu

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    desconforto. Teria de encontrar um modo de contornar esseestranhamento e juntá-los na mesma equipe de novo. Elaprecisava de todos, e eles iam ter de aprender a confiar unsnos outros novamente.

    Afinal, estavam à procura de uma coisa que se chamava Olivro do amor. Já não era hora de aprenderem a perdoar?Será que ela conseguiria?

    Tammy ativou o controle remoto para abrir os portões, eelas subiram pelo caminho cheio de curvas até o magníficochâteau. Maureen engoliu em seco diante daquela visão.Tinha esquecido como era belíssimo, e grandioso. Apesar desó ter passado duas semanas ali, teve a sensação de queestava voltando para casa. De fato adorava aquele lugar e aspessoas ligadas a ele.A porta da frente se abriu quando o carro parou, e Rolandapareceu. O sorriso enorme que rasgava seu rosto anguloso

    ganhou um incomum ar moleque quando ele tirou Tammydo chão com um grande abraço. Ela deu aquela risadaprofunda e rouca que Roland adorava, e ele a beijouruidosamente, mas com bre