O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice...

133
i UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL DE MESTRADO/PPGE ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY PARA A EDUCAÇÃO ELEMENTAR VERENICE MIORANZA DE MEDEIROS CASCAVEL, PR 2013

Transcript of O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice...

Page 1: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

i

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL DE MESTRADO/PPGE

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO

O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY PARA A EDUCAÇÃO ELEMENTAR

VERENICE MIORANZA DE MEDEIROS

CASCAVEL, PR 2013

Page 2: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

ii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL DE MESTRADO/PPGE

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO

O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY PARA A

EDUCAÇÃO ELEMENTAR

VERENICE MIORANZA DE MEDEIROS

Texto apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação – PPGE, área de concentração Sociedade, Estado e Educação, linha de pesquisa: Educação, Políticas Sociais e Estado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, como requisito para obtenção do grau de mestre em educação.

Orientadora: Profª. Dra Isaura Monica Souza Zanardini

CASCAVEL, PR 2013

Page 3: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

i

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Biblioteca Central do Campus de Cascavel – Unioeste

Ficha catalográfica elaborada por Jeanine da Silva Barros CRB-9/1362

M44L

Medeiros, Verenice Mioranza de

O liberalismo e as proposições de John Dewey para a educação elementar / Verenice Mioranza de Medeiros.— Cascavel, PR: UNIOESTE, 2013.

131 f. ; 30 cm

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Isaura Monica Souza Zanardini Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Oeste do

Paraná. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, Centro de

Educação, Comunicação e Artes. Bibliografia.

1. Liberalismo. 2. Educação elementar. 3. Dewey, John, 1859-1952.

I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. II. Título.

CDD 21.ed. 371.9

Page 4: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

i

Page 5: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora Drª Isaura Mônica Souza Zanardini, pelas

inúmeras contribuições, pela paciência, pela cumplicidade na realização deste

trabalho e, principalmente, pela oportunidade de poder aprender com seu esmero e

profissionalismo.

Agradeço aos professores do curso de mestrado pelas contribuições nas

aulas: Gilmar Henrique da Conceição, Isaura Mônica Souza Zanardini, Maria Lidia

Sica Szymanski, Adrian Alvarez Estrada, Alexandre Felipe Fiuza, Fernanda

Aparecida Meglhioratti, Francis M. Nogueira e Ireni M. Z. Figueiredo. Foram

fundamentais no desenvolvimento desta pesquisa. Aprendi muito.

Aos professores do GEPPES (Grupo de estudos e Pesquisas em Política

Educacional e Social), João Batista Zanardini, Isaura Monica Souza Zanardini e Ireni

M. Z. Figueiredo que foram muito valiosos os momentos de estudo e debates para a

elaboração e amadurecimento deste trabalho.

Aos membros da banca Professora Drª Angela Mara Barros Lara e

Professora Drª Ireni Marilene Zago Figueiredo pela dedicação e preciosas

contribuições nas considerações feitas sobre a pesquisa.

Agradeço a meu esposo José, companheiro e motivador desta caminhada,

aos meus filhos Gabriel e Aline, luz e alegria em minha vida.

Aos meus pais e aos meus sogros, por serem os melhores avós que meus

filhos poderiam ter nestes dois anos de constantes ausências da mãe. Obrigada!

Aos colegas de mestrado, em especial Janice, Juliana e Cátia, verdadeiras

amigas e companheiras de viagens e de partilhas dos momentos bons e dos difíceis

também.

Agradeço aos companheiros(as) de trabalho e equipe diretiva dos Colégio

Estadual Padre Eduardo Michelis, Colégio Estadual Costa e Silva e Escola de

Educação Especial Maria Goretti, onde trabalhei no decorrer destes dois anos de

mestrado e pude contar com o apoio e a compreensão de todos. Obrigada!

Page 6: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

iv

Agradeço à Secretaria Estadual de Educação SEED – Paraná, que

possibilitou o afastamento parcial das atividades laborais para a conclusão do

mestrado, o que foi imprescindível para a realização desta pesquisa.

Aos demais familiares, amigos e colegas de trabalho pelas conversas,

partilhas, incentivos dados. Obrigada!

Page 7: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

v

Para José, Aline e Gabriel, Com muito amor.

Page 8: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

vi

RESUMO Nosso propósito com a realização desta pesquisa é a análise do liberalismo em seu processo histórico de rearticulação. Fazemos esta análise a partir do estudo das proposições do teórico John Dewey para a educação elementar, aqui entendida como aquela destinada a ensinar os rudimentos mínimos para os trabalhadores, como diria Adam Smith no século XVIII. Esse estudo justifica-se pela necessidade que sentimos de aprofundar os subsídios teóricos para que nos permitam analisar as políticas sociais e educacionais implementadas por estados liberais. Entendemos que o estudo de Dewey nos possibilita compreender as implicações do liberalismo para o campo educacional. Na introdução apresentamos nosso objeto, a organização do estudo e considerações a respeito da concepção de Estado e de políticas sociais que orientam nossa análise. Na seção intitulada “O pensamento liberal em suas diferentes fases”, discorremos sobre as fases do liberalismo e seus processos de crise e rearticulação com o sistema capitalista. No terceiro capítulo, situamos Dewey e o movimento da escola progressista no contexto social, político e econômico dos Estados Unidos. Na seção “John Dewey e as proposições para a educação elementar: relações com o liberalismo”, situamos o pensamento de Dewey como um clássico em diálogo com as questões sociais, políticas e econômicas de seu tempo e apresentamos reflexões sobre suas proposições para a educação elementar. Nas considerações finais, recuperamos algumas questões apresentadas ao longo do texto e destacamos nossa compreensão a respeito de que John Dewey, como os demais liberais de seu tempo, temiam perder o comando para os grupos socialistas ou fascistas em ascendência no período. Nessa direção, a saída proposta por Keynes, na segunda fase do liberalismo, juntou-se ao modelo educacional proposto por Dewey, resultando em uma reforma ideológica ampla que obteve total apoio dos capitalistas, a qual chega até nossos dias.

Palavras-chave: Liberalismo, Educação Elementar e John Dewey

Page 9: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

vii

ABSTRACT

Our purpose with this research is the analysis of liberalism in its historical process of re-articulation. We do this analysis from the study of the theoretical propositions John Dewey for elementary education that here understood like that designed to teach the rudiments minimum for workers, as would say Adam Smith in the eighteenth century. This study is justified by the need who we feel to deepen the theoretical basis to enable us to analyze the social and educational policies implemented by liberal states. We believe that the study of Dewey enables us to understand the implications of liberalism for the educational field. In the introduction we present our object, the organization of the study and considerations regarding the design of the State and social policies that guide our analysis. In the section entitled “The liberal thinking in its different phases," we describe some of the phases of the liberalism and its processes of crisis and re-articulation with the capitalist system. In the third chapter, we situate Dewey and the progressive school movement in the social, political and economic development of the United States. In the section "John Dewey and the propositions for elementary education: relations with the liberalism", we situate Dewey's thought as a classic in dialogue with the social, political and economic questions of their time and we present reflections on his proposals for the elementary education. In closing remarks, we recovered some questions that were presented throughout the text and we highlight our understanding that John Dewey, like the other liberals of his time, feared to lose the command to the socialist or fascist groups in ascendancy in the period. In this direction, the output proposed by Keynes, in the second phase of liberalism, joined it to the educational model proposed by Dewey, resulting in a broad ideological reform that got full support of the capitalists, which reaches until today.

Keywords: Liberalism, Elementary Education and John Dewey

Page 10: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

viii

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9

1.1 Estado e Políticas Sociais ................................................................... 13

2 O PENSAMENTO LIBERAL EM SUAS DIFERENTES FASES ................... 23

2.1 O Liberalismo Clássico ........................................................................... 26

2.2 O Liberalismo de Transição ................................................................... 36

2.3 O Liberalismo Multifacetado ................................................................... 59

3 JOHN DEWEY E AS PROPOSIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO ELEMENTAR: RELAÇÕES COM O LIBERALISMO ............................................................... 73

3.1 John Dewey: um clássico em diálogo com as questões políticas e econômicas de seu tempo............................................................................. 73

3.2 Dewey e o liberalismo: proposições para a educação elementar ....... 83

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 120

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 128

Page 11: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa, que tem vista a análise das proposições do liberal John

Dewey (1859-1952) para a educação elementar1, resulta da necessidade de

subsidiar nossa análise no campo das políticas sociais e educacionais

implementadas por Estados liberais.

Entendemos que o liberalismo, enquanto doutrina política produzida no

século XVIII, subsidia e orienta as ações do Estado e suas respectivas políticas

tendo em vista a reprodução do modo de produção capitalista.

A abordagem do tema está vinculada a dois aspectos. O primeiro diz

respeito à carência teórica que nós, educadores, sentimos em relação à teoria

liberal e suas abordagens políticas, econômicas e sociais, que influenciaram

diversas conjunturas desde a Revolução Francesa (1789) até o século XXI. O

segundo corresponde à preocupação de compreender quais são as

implicações de uma teoria política e econômica como o liberalismo, para o

campo educacional, de modo particular, para a educação elementar. Conforme

já anunciamos, vemos no estudo de Dewey uma provável resposta a essas

inquietações.

Partimos do pressuposto de que compreender a perspectiva liberal

expressa pelo pensamento de John Dewey é fundamental para a compreensão

das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir dos anos 1990.

Diante desse pressuposto é que nos debruçamos sobre o pensamento de

Dewey, tendo em vista a construção de um arcabouço teórico que nos permita

compreender o liberalismo e suas implicações para o campo educacional.

O educador John Dewey nasceu no ano de 1859 em Burlington

(Vermont), região nordeste dos Estados Unidos. Graduou-se em filosofia pela

1 Por educação elementar entendemos aquela que seja obrigatoriamente oferecida à

população e que esta tem a obrigatoriedade de frequentar. Não queremos aqui e nem podemos confundir educação elementar com a educação básica prevista na LDB 9394/96 em seu artigo 21, par. I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. A educação elementar a que nos referimos é aquela voltada a ensinar os rudimentos essenciais à formação da mão-de-obra conforme sustentou Adam Smith (1985, p. 215/6), no século XVIII, caberia ao Estado impor a quase totalidade da população a obrigatoriedade de adquirir os elementos mais essenciais da educação [...], sendo eles “ler, escrever e calcular – em idade tão jovem, que a maior parte, mesmo daqueles que precisam ser formados para as ocupações mais humildes, têm tempo para aprendê-las antes de empregar-se em tais ocupações. Com gastos muito pequenos, o Estado pode facilitar, encorajar e até mesmo impor a quase toda a população a necessidade de aprender os pontos mais essenciais da educação”.

Page 12: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

10

Universidade de Vermont. Atuou como professor na universidade de Vermont e

da Pensilvânia. Continuou seus estudos no Departamento de Filosofia da

Universidade de John Hopkins – primeira instituição nos Estados Unidos a

organizar os estudos universitários com base no modelo alemão. Nessa

instituição, foi influenciado pelas ideias de George S. Morris, um idealista neo-

hegeliano. Posteriormente, em 1884, doutorou-se com uma tese sobre a

psicologia de Kant e acompanhou Morris à Universidade de Michigan, onde o

sucedeu na direção do Departamento de Filosofia, em 1889 (WESTBROOK,

2010, p.13).

Em Michigan, Dewey conheceu Alice Chinpman, uma de suas alunas e

sua futura esposa. Alice, antes de chegar à universidade, foi professora por

vários anos nas escolas de Michigan “e influenciou, mais do que ninguém, a

direção que os interesses do marido tomariam no final da década de 1880. [...]

Dewey reconheceu que ela havia dado ‘sentido e conteúdo’ a seu trabalho e

que teve importante influência na formação de suas ideias pedagógicas”

(DEWEY, JANE, 1951, apud WESTBROOK, 2010, p.13).

Após o casamento, Dewey passou a interessar-se ativamente pelo

ensino público, chegando a ser membro fundador do Clube de Doutores, órgão

que “fomentou a cooperação entre docentes de ensino médio e de ensino

superior do estado” (WESTBROOK, 2010, p.14). Dewey ganhou destaque na

realização desse trabalho e por isso foi convidado a trabalhar na recém

fundada Universidade de Chicago. Dewey insistiu para que sua nomeação

incluísse a direção de um novo departamento de pedagogia, conseguindo que

se criasse uma ‘escola experimental’ para pôr suas ideias à prova

(WESTBROOK, 2010, p. 14). Por isso, “em 1896, abriu uma escola

experimental do departamento, chamada de Escola Elementar Universitária,

também conhecida como escola-laboratório, em nível de ensino primário para

crianças entre 4 e 13 anos” (GALIANI, 2009, p. 29).

Nessa instituição, que logo ficou conhecida como a “escola de Dewey”,

“as hipóteses que se experimentavam [...] eram estritamente as de Psicologia

funcional e da ética de Dewey” (WESTBROOK, 2010, p. 23). A exemplo de um

laboratório, na “escola de Dewey”, o núcleo do programa de estudos era o que

ele mesmo denominava “ocupação”, ou seja, “um modo de atividade por parte

da criança que reproduz um tipo de trabalho realizado na vida social ou é

Page 13: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

11

paralelo a ela” (DEWEY apud WESTBROOK, 2010, p. 23). Nesse modelo de

escola, buscava-se demonstrar, através da atividade experimental, a

incorporação dos costumes sociais, morais e éticos.

John Dewey exerceu grande influência na pedagogia contemporânea

(CUNHA, 1988, p. 45). Suas ideias a respeito da escola tiveram ampla

influência sobre as políticas educacionais, não somente nos Estados Unidos da

América:

[...] a ‘educação progressiva’ não foi simplesmente uma ‘boa idéia’, como asseguram [...] autores americanos. Ela exerceu, de fato, uma profunda influência sobre o sistema educacional americano [...] abrangendo também outros países do mundo, particularmente da Europa e mesmo o Brasil (DORE SOARES, 2000, p. 273-274).

A análise das proposições de John Dewey justifica-se pelo fato de que

ele é um autor muito presente entre os educadores brasileiros em duas

expressões muito distintas, como afirmou Freitas (2009, p. 191):

[...] ou é referência para fundamentar algumas políticas educacionais ou é criticado por educadores que se consideram de ‘esquerda’. Nas duas condições, o conteúdo de sua obra é muito incipiente e ainda merece maiores investigações para críticas mais consistentes.

A tendência pedagógica divulgada por John Dewey, também conhecida

por Escola Nova, foi mais atuante nos Estados Unidos e no Brasil (PEIXOTO,

1998, p.124), sendo que no Brasil contou com o apoio do educador brasileiro

Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) (WARDE, 1984, p.9).

Para expor nossa pesquisa, organizamos nosso estudo em quatro

seções. Na introdução, tratamos da concepção de Estado e as políticas sociais,

considerando que a exposição da forma como entendemos o Estado e as

políticas sociais revela a análise que procuramos desenvolver a respeito do

liberalismo e do próprio Dewey. Estudar o liberalismo nos remete ao estudo do

próprio capitalismo, suas ramificações e modos de conceber seus interesses.

Por essa razão, na segunda seção, tratamos das fases do Liberalismo,

buscando evidenciar a segunda fase do liberalismo, onde situamos nosso

Page 14: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

12

objeto de estudo. Na terceira seção, buscamos situar o educador John Dewey

e sua filosofia no contexto histórico e político em que estava colocado2.

Compreendemos, porém, que suas proposições não se esgotam neste recorte

temporal, mas ainda exercem forte influência nas políticas educacionais dos

Estados liberais - sobretudo em países periféricos e dependentes – como no

caso do Brasil e na constituição de suas leis educacionais na década de 1990.

Apresentamos ainda, na terceira seção, as proposições de Dewey para

a educação elementar. Fazemos isso a partir de alguns estudiosos do

pensamento de Dewey, tais como Galiani (2009), Dore Soares (2009), Freitas

(2009) e Peixoto (1998), bem como a partir das obras do próprio Dewey:

Democracia e Educação (1916), Experiência e Educação (1938) e Liberalismo,

Liberdade e Cultura - essa obra na tradução para o português incorporou duas

obras de John Dewey, Liberalismo & Ação Social (1935) e Liberdade e Cultura

(1939) 3.

Entendemos que devemos subsidiar a análise das proposições de

Dewey para a educação elementar a partir da compreensão do contexto de

emergência do liberalismo e de seus princípios básicos. Porém, para articular

esse estudo com as inquietações que se apresentam para a proposição da

pesquisa, se torna necessário considerar também as sucessivas crises e

processos de rearticulação do liberalismo para manutenção do capitalismo.

Para tanto, tendo em vista expressar o percurso que vivemos na

construção desta pesquisa, na sequência desta introdução, apresentamos

algumas considerações a respeito do modo de produção capitalista, da

concepção de Estado e de políticas sociais.

Essas considerações justificam-se em razão da necessidade de

identificar os pressupostos que nos acompanham ao estudar o liberalismo e as

2 Dewey, segundo Warde, pensou a partir do panorama político e econômico dos Estados

Unidos no início do século XX, “[...] em processo aceleradíssimo de capitalização e desenvolvimento das forças produtivas, caminhando para assumpção da condição de grande potência imperialista e, o que é fundamental, com uma burguesia industrial que instalou com a extrema eficácia sua hegemonia sobre o conjunto da sociedade norte-americana” (WARDE, 1984, p.113). 3 Estas datas correspondem ao ano da primeira publicação das obras de Dewey. Para fins da

pesquisa usamos as obras traduzidas e datadas da seguinte forma: Democracia e Educação (1979 - Tradução Godofredo Rangel e Anísio Teixeira), Experiência e Educação (1971 - tradução Anísio Teixeira) e Liberalismo, Liberdade e Cultura (1970 – tradução Anísio Teixeira).

Page 15: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

13

proposições de Dewey, já que este estudo tem em vista a orientação no campo

das políticas sociais e educacionais.

1.1 Estado e Políticas Sociais

Entendemos que a política educacional configura-se como política social

do Estado vinculada a certo modelo ideológico. Tal modelo constitui-se de

ideais, normas e padrões de relação social, o que impreterivelmente está ligado

ao modo de produção em vigor e à classe dominante.

O Modo de Produção em vigor é o Capitalismo, que corresponde ao

“Modo de Produção em que o capital, sob suas diferentes formas, é o principal

meio de produção” (BOTTOMORE, 2001, p. 51), além do que, centra a divisão

social entre os capitalistas, aqueles que possuem a propriedade privada do

capital, e os trabalhadores que vendem sua força de trabalho para o capitalista

em troca de salário.

O capitalismo passou, no decorrer da história, desde o mercantilismo,

sua fase inicial4, até o século em que estamos sob diversas fases5 de

reestruturação. Dentre elas, nos importa destacar o processo de transição do

capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista, que data mais ou menos

da passagem do século XIX para o século XX, “quando os processos

industriais de grande escala se tornaram possíveis com o advento da Segunda

Revolução Industrial” (BOTTOMORE, 2001, p. 53). Entendemos que a

contextualização histórica, política e econômica desse período, é

imprescindível para nossa pesquisa. Por isso nos deteremos um pouco mais

nisso.

4De acordo com as leituras que realizamos durante essa pesquisa, entendemos que a produção e acúmulo de capital tiveram sua primeira forma nos moldes do capitalismo durante o mercantilismo. Embora reconheçamos que, conforme nos explica Bottomore (2001, p. 52), “as origens do capitalismo são reconstituídas de diferentes formas: alguns explicam-nas pelo crescimento do capital mercantil e do comércio exterior, outros veem sua causa na difusão das transações monetárias no interior do feudalismo pela comutação da renda e das obrigações feudais”. 5 As fases do capitalismo podem ser divididas entre “[...] o período que vai do século XV até o século XVIII é geralmente aceito como fase do capital mercantil [...]. A fase industrial teve início com o aparecimento de máquinas movidas por energia não-humana e é conhecida como Revolução Industrial. [...] e assim, fases subsequentes foram denominadas de CAPITALISMO MONOPOLISTA, CAPITALISMO FINANCEIRO, capitalismo tardio, etc. (BOTTOMORE, 2001, p. 52/3 grifos do autor).

Page 16: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

14

Lênin6 na obra Imperialismo, fase superior do capitalismo (19167), trata

desse período para explicar o processo de afirmação do capitalismo de

monopólios, que abarca não só o monopólio financeiro de uma indústria ou

grupo industrial sobre os outros, como também de países líderes sobre países

dependentes ou colônias.

Se tivéssemos de definir o imperialismo da forma mais breve possível, diríamos que ele é a fase monopolista do capitalismo. Esta definição englobaria o essencial, porque, por um lado o capital financeiro é o resultado da fusão do capital de alguns grandes bancos monopolistas com o capital de grupos monopolistas de industriais; e, por outro lado, porque a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por qualquer potência capitalista, para a política colonial da posse monopolizada de territórios de um globo inteiramente partilhado (LÊNIN, 1987, p.87/88).

A partilha do globo, na análise de Lênin teve seu momento. A Primeira

Guerra Mundial (1914-1918) foi responsável pela definição da potência

imperialista, dos Estados Unidos, que governaria o mundo a partir de então,

não apenas economicamente como pressupõem os economistas, mas também

o domínio político e ideológico cairia sobre os países e colônias conquistadas.

[...] a guerra de 1914-18 foi, de ambos os lados, uma guerra imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem, de pirataria), uma guerra pela partilha do mundo, pela distribuição e redistribuição das colônias, das ‘zonas de influência’ do capital financeiro, etc. (LÊNIN, 1987, p. 9/10).

A análise que Lênin faz em relação à 1ª Guerra Mundial é que

primeiramente a divisão do globo aconteceu entre os grupos capitalistas. Para

exemplificar essa interpretação, Lênin (1987, p. 68) cita os trustes americano e 6 Vladimir Ilitch Ulianov, 1870-1924, mais tarde conhecido pelo seu “[...] nome de guerra Lênin, foi sem dúvida o mais influente líder e teórico político do século XX. Lênin revitalizou a teoria da revolução do marxismo ao acentuar a importância da luta de classes ser dirigida por um partido coesamente organizado. Desenvolveu uma teoria do imperialismo, como estágio final do capitalismo em que estariam dadas as condições para uma revolução proletária internacional que se estabeleceria e se manteria, pela força, numa ditadura do proletariado transitória. Dirigiu o Partido Bolchevique na Revolução de Outubro de 1917, que levou ao poder na Rússia o primeiro Estado socialista do mundo. Por intermédio da Internacional Comunista, por ele inspirada, suas concepções se espalharam por todo o mundo, definindo o comunismo moderno, em oposição à social-democracia (BOTTOMORE, 2001, p. 211)”. 7 A obra foi escrita e publicada em 1916, contudo aqui utilizamos a edição de 1987 traduzida para o português por Olinto Beckerman.

Page 17: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

15

alemão de energia elétrica. O truste americano, a General Eletric C°, englobou

os Estados Unidos e o Canadá e o truste alemão, a Sociedade Geral de

Eletricidade, obteve a Alemanha, Áustria, Rússia, Holanda, Dinamarca, Suíça,

Turquia e os Bálcãs. No campo do petróleo e dos financiamentos bancários,

ocorreu processo semelhante.

A importância dessas considerações para este estudo consiste no fato

de que Lênin (1987) segue sua análise, mostrando claramente que os

monopólios industriais e os monopólios do Estado se articulam na luta

imperialista entre outros monopólios privados e de Estado na conquista por

novos territórios de consumo e obtenção de matéria-prima. Logo, a Primeira

Guerra Mundial foi uma guerra de nações e conglomerados industriais aliados

para dominar o mundo.

Após a Guerra, foi possível ter uma visão bastante ilustrativa do domínio

alemão, americano e russo do mundo. Naquele período, em que escreve Lênin

(1917), a divisão ainda não estaria totalmente determinada eclodindo na

Segunda Guerra. Mais tarde, porém, Lênin consegue definir a essência do que

seria o capitalismo a partir disso. Nessa nova ordem econômica mundial

O capitalismo se transformou num sistema universal de opressão colonial e de asfixia financeira da imensa maioria da população do globo por um punhado de países ‘avançados’. E a partilha deste ‘saque’ faz-se entre duas ou três aves de rapina, com importância mundial, armadas até os dentes (América, Inglaterra, Japão) que arrastam consigo toda a Terra na sua guerra pela partilha do seu saque [...]. As dezenas de milhões de cadáveres e de mutilados, legados por uma guerra feita com o fim de determinar que grupo de salteadores financeiros – inglês ou alemão – obteria a maior parte do saque [...] abriram, sem precedentes, os olhos a milhões e dezenas de milhões de homens oprimidos, esmagados, enganados, iludidos pela burguesia (LÊNIN, 1987, p.11).

Lênin acreditava que a ruína universal causada pela Guerra havia

deixado o capitalismo em situação desconfortável levando o globo a uma “crise

revolucionária mundial que, [...] não poderá terminar de outra forma que não

seja a revolução proletária e a sua vitória” (LÊNIN, 1987, p.11). Contudo, o

aparato da burguesia, inconformado com a crise do capital que sucedeu a sua

Guerra e temeroso da expansão ameaçadora do comunismo, leva o mundo a

Page 18: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

16

Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e às consequências bélicas, políticas e

ideológicas que conhecemos.

Os países imperialistas,“vencedores” da Guerra, passaram a dominar o

mundo no campo da economia, da ideologia do liberalismo ocidental e, além da

expansão territorial, esses países “conquistaram” expansão no campo da

produção, pois incorporaram a maquinaria ao processo produtivo e uniram-se

para comprar matéria-prima, otimizando lucros e ampliando deliberadamente a

produção. Dessa forma,

[...] a constituição da organização monopólica obedeceu à urgência de viabilizar um objetivo primário: o acréscimo dos lucros capitalistas através do controle dos mercados. Essa organização – na qual o sistema bancário e creditício tem o seu papel econômico-financeiro substantivamente redimensionado comporta níveis e formas diferentes que vão desde o “acordo de cavalheiros” à fusão de empresas, passando pelo pool, o cartel e o truste8 (PAULO NETTO, 1996, p.16 – grifos do autor).

A novidade do capitalismo, a solução monopolista passa, portanto, pelo

controle da produção e consumo; da concepção e execução; do pensamento e

ação. Para Paulo Netto (1996), o controle determinou as novas formas de fazer

economia, política e cultura na sociedade capitalista mundial, e se fará isso

sujeitando os países periféricos a sempre dependerem financeiramente dos

grandes “impérios” mundiais.

O problema da solução monopolista está justamente em seus próprios

mecanismos de atuação, a “maximização dos lucros pelo controle dos

mercados” (PAULO NETTO, 1996, p. 20) revela-se problemática a certo nível

de desenvolvimento, onde a acumulação de um determinado grupo industrial

torna-se tão grande que sufoca todos os demais, causando crises sucessivas

no mercado e quebras na bolsa de valores, além do desemprego em massa. 8 Sandroni (1994, p. 44, 357), traz a seguinte definição para estes termos: Pool é a reunião temporária de duas ou mais empresas, com fins especulativos, possuindo caráter de manipulação de preços. Forma um estoque de ações de mercadorias comercializadas em bolsas (cereais, café, açúcar, etc.) procura forçar a elevação de seus preços e então pode vender com lucros. O Cartel é um grupo de empresas independentes que formalizam um acordo para sua atuação coordenada, com vistas a interesses comuns. O tipo mais frequente de cartel é o de empresas que produzem artigos semelhantes, de forma a constituir um monopólio de mercado. [...] Os objetivos mais comuns dos cartéis são: a) controle dos níveis de produção e das condições de venda; b) fixação e controle de preços; c) controle das fontes de matéria-prima (cartel de compradores); d) fixação de margens de lucro e divisão de territórios de operação. Truste é o tipo de estrutura em que várias empresas, já detendo a maior parte de um mercado, combinam-se ou fundem-se para assegurar esse controle, estabelecendo preços elevados que lhes garanta altas margens de lucro.

Page 19: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

17

A forte crise gerada em diferentes ciclos e níveis do monopolismo causa

rupturas no sistema capitalista de produção, sendo necessários, para seu êxito,

“mecanismos de intervenção extra econômicos. Daí a refuncionalização e o

redimensionamento da instância por excelência do poder extra econômico, o

Estado” (PAULO NETTO, 1996, p. 20).

Na direção de enfrentamento a essas crises, assegurando as relações

capitalistas de produção, o Estado, além de financiador de dívidas, atua com

políticas sociais de benefício à população apaziguando uma possível rebeldia

das massas. Desse modo, visa a camuflar as falhas do sistema e realimentar o

Capital. Ainda na concepção deste autor, o

[...] Estado – como instância da política econômica do monopólio – é obrigado não só a assegurar continuamente a reprodução e a manutenção da força de trabalho, ocupada e excedente, mas é compelido (e o faz mediante os sistemas de previdência e segurança social, principalmente) a regular a sua pertinência a níveis determinados de consumo e a sua disponibilidade para ocupação sazonal, bem como a instrumentalizar mecanismos gerais que garantam a sua mobilização e alocação em função das necessidades e projetos do monopólio (PAULO NETTO, 1996, p. 23).

As políticas sociais se configuram em um dado momento histórico,

condicionado e condicionante das facetas econômicas, políticas e

democráticas do Estado. Não configuram, em hipótese alguma, a “solução da

desigualdade que é intrínseca a esse mundo, baseada na exploração do capital

sobre o trabalho, no fetichismo da mercadoria, na escassez e na miséria em

meio à abundância” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 46).

Décio Saes justifica que essa lógica só se mantém dominante, porque o

Estado é historicamente burguês, é resultado da Revolução Burguesa dos

séculos XVIII e XIX, e carrega em sua essência as aspirações ideológicas

dessa classe. O Estado é, segundo este autor, “[...] uma organização a serviço

da classe dominante” (SAES, 1998, p. 165). A democracia legítima dessa

instituição representa os anseios dos países dominantes, dos grandes grupos

monopolistas (financiadores de representantes políticos) e da mídia, outra

instituição a serviço da classe dominante.

Nessa interpretação, a classe explorada só é atendida pelo Estado,

minimamente, para que haja a garantia de “paz” entre as classes, uma vez que

Page 20: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

18

a falta de alimentos e moradia pode levar a população prejudicada a cometer

barbáries. Nesses casos, o Estado intervém com políticas compensatórias.

Esses processos históricos são compostos por contradições e luta de

classes. Conforme já mencionamos anteriormente, Lênin cita que o fim da

Primeira Guerra foi acordado entre as potências por “Acordos de Paz” e que

estes “abriram os olhos” de milhões de homens explorados. Esse processo de

“abrir os olhos” acontece concomitantemente às crises do capital e aos

excessos que esta comete contra os trabalhadores. A classe dominada -

socialmente legitimada como submissa - não se mantém estável a tudo isso e

luta por melhores condições de vida.

Quando o proletariado reivindica melhores condições de trabalho e

melhores salários, está exigindo uma reapropriação daquilo que produziu

coletivamente, contudo, o que consegue é apenas um “invariante ideológico9”

das classes dominadas, ou seja, uma democracia, que dá o direito de lutar,

sem nunca conseguir, no entanto, universalizar a apropriação das riquezas. O

que lhe resta? O que a democracia lhe reserva?

Não podendo esperar por uma reapropriação individual de parte da fábrica e da maquinaria, o operário pode, no entanto, aspirar a uma igualdade de consumidor, isto é, a que todos tenham igual acesso, enquanto consumidores, à riqueza socialmente produzida (SAES, 1994, p.156).

Como medida paliativa à falta de acesso à distribuição da riqueza para a

classe trabalhadora, o Estado libera políticas de concessões para amenizar as

desigualdades sociais. Tais políticas incluem desde auxílios financeiros

(“bolsas” e “vales”) até vagas reservadas para ingressos em universidades e

concursos, além do direito de lutar e de associar-se sindicalmente. E os

sindicatos também podem, quando querem, lutar. Essa perspectiva está

associada à democracia representativa, possível no modelo capitalista:

9 Saes (2007) trata o termo invariante ideológico da seguinte forma: Assim como, para Badiou, o igualitarismo é o invariante ideológico das classes dominadas, ao longo da história das sociedades humanas, a ideologia do dom é, a nosso ver, um invariante ideológico das classes dominantes; isto é, um argumento permanentemente a favor da ideia de que a desigualdade social é um fenômeno natural e, portanto, inevitável. Ora, esse argumento pode irromper em múltiplos planos da vida social e em diferentes tipos históricos de sociedade, produzindo invariavelmente o efeito de legitimação da desigualdade social.

Page 21: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

19

[...] a burguesia quer convencer as classes populares de que ‘o povo representado no Estado’ é o meio adequado para a transformação de uma sociedade de classes, fundada na exploração do trabalho alheio, numa democracia sócio-econômica; e de que os direitos políticos constituem a condição de satisfação das suas aspirações igualitárias (SAES, 1994, p. 161).

Dessa maneira, para mediar as questões sociais10, o Estado burguês

funcionaliza os programas e políticas sociais. Contudo, essa funcionalização

acontece de forma parcializada tratando um problema único – o problema

social - de modo fragmentado, como se a fome, a falta de moradia, a falta de

escolas, o desemprego, não constituíssem em si um nexo causal. Ao tratar a

problemática social de forma parcializada, o Estado transforma aquilo que seria

consequência de um modo de produção elitizado, em mazelas sociais.

E não pode ser de outro modo: tomar a ‘questão social’ como problemática configuradora de uma totalidade processual específica é remetê-la concretamente à relação capital/trabalho – o que significa, liminarmente, colocar em xeque a ordem burguesa. Enquanto intervenção do Estado burguês no capitalismo monopolista, a política social deve constituir-se necessariamente em políticas sociais: as sequelas da ‘questão social’ são recortadas como problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de escolas, a incapacidade física etc.) e assim enfrentadas. [...] tudo se passa como se estas fossem inevitáveis ou como se originassem de um ‘desvio’ da lógica social (PAULO NETTO, 1996, p. 28).

Seguindo essa lógica, Zanardini (2006, p.7) aponta para o fato de que a

implementação dessas políticas se dá por meio do convencimento, do

consenso de que são eficientes e necessárias para atender às demandas

sociais de “um determinado contexto, e de que trarão benefícios para os

indivíduos que colaborarem com a sua implementação.”

Nesse arranjo ideológico,

10 A esse respeito, Cerqueira Filho alerta para o fato de que os problemas sociais são decorrentes de uma única ‘questão social’ e, “por ‘questão social’, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a ‘questão social’ está fundamentalmente vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho” (CERQUEIRA FILHO apud PAULO NETTO, 1947, p. 13).

Page 22: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

20

[...] as políticas sociais ora são vistas como mecanismos de manutenção da força de trabalho, ora como conquistas dos trabalhadores, ora como arranjos do bloco no poder ou bloco governante, ora como doação das elites dominantes, ora como instrumento de garantia do aumento da riqueza ou dos direitos do cidadão (FALEIROS, 1986, p.8).

Além disso, há “uma dimensão cultural, que está relacionada à política,

considerando que os sujeitos políticos são portadores de valores e do ethos de

seu tempo” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 45). Em fins do século XX, início

do século XXI, essa dimensão cultural encontra-se presente na “retomada de

valores liberais, de responsabilização individual pela condição de pobreza, o

que justifica ideoculturalmente a focalização das políticas sociais.” (BEHRING;

BOSCHETTI 2007, p. 45). Nessa lógica, o sujeito é responsabilizado pelos

problemas sociais que sofre, não se levando em consideração a lógica do

modo de produção capitalista e, ainda, a população mais prejudicada por esse

modelo excludente é considerada um fardo/prejuízo para o Estado. Ou seja,

Além de fazer o povo aceitar e, portanto, legitimar essas intervenções do Estado e de seus agentes, esses discursos fazem a população acreditar na bondade do sistema e no fracasso individual. A falta de assistência educacional, a falta de nutrição e saúde, a falta de moradia, a falta de emprego, de lazer, a falta de roupas e alimentos, ou seja, a doença, o desemprego e a fome são atribuídos às falhas individuais ou à ausência de sorte na vida, pois, com as políticas sociais, o sistema surge como atuante e preocupado com todos (FALEIROS, 1986, p. 17).

Este papel pacificador e mantenedor das relações sociais justifica-se

porque, desde a sua origem, “o Estado foi capturado pela lógica do capital

monopolista – ele é o seu Estado” (PAULO NETTO, 1996, p. 22). O Estado

burguês, assim, é historicamente fruto do modo de produção atual, toda sua

forma política e jurídica advém dessa economia e não se sustentaria da forma

como é em outro sistema de produção.

Paulo Netto (1996. p. 24) esclarece que a “lógica dominante do

monopólio não exclui o tensionamento e a colisão nas instituições a seu

serviço, a não ser quando põem em risco a sua reprodução”. Nesse momento:

Page 23: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

21

O capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação política através do jogo democrático, é permeável a demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatas (PAULO NETTO, 1996, p. 25).

Ao gerenciar o capitalismo direta e indiretamente através de políticas

sociais, o Estado, como uma “instituição especial”, contribui para manutenção e

reprodução da ordem social. Para este autor, no capital monopolista, o Estado

incorpora a função orgânica de intervenção na economia e na política, agindo

de maneira indireta ao financiar as crises do capital através de programas para

saúde, educação, pensão, seguridade, etc.. E atua de maneira direta,

financiando as dívidas do setor privado, como “[...] a reprivatização, a entrega

aos monopólios de complexos construídos com fundos públicos, os subsídios

imediatos aos monopólios e a garantia explícita de lucro pelo Estado” (PAULO

NETTO, 1996, p. 21).

A contribuição explícita do Estado para o capital monopolista está posta

por Lênin11 (2010) da seguinte maneira

O imperialismo – época do capital bancário, época dos gigantescos monopólios se transforma, por via de crescimento, em capitalismo de monopólios de Estado – mostra, em particular, a extraordinária consolidação da ‘máquina governamental’, o inaudito crescimento de seu aparelho administrativo e militar, ao mesmo tempo em que se multiplicam as repressões contra o proletariado, tanto nos países monárquicos quanto nos mais livres países republicanos (LÊNIN, 2010, p.53).

Para Lênin, o ‘poder centralizado no Estado’, é constitutivo do modelo de

sociedade burguesa, faz parte da queda do absolutismo, portanto, nasceu com

ela. Essa ‘máquina governamental’ é composta por duas instituições típicas: a

burocracia e o exército permanente (LÊNIN, 2010, p.49). Portanto, tal

instituição não poderia deixar tal sociedade burguesa ruir, uma vez que seria a

sua própria queda. O Estado, assim, deve, obrigatoriamente, manter a luta de

classes a seu favor, sob o jugo dos grandes monopólios é dominado por eles e

está aí para servi-los.

11 A obra a que fazemos referência O Estado e a Revolução foi escrita por Lênin em 1917, aqui usaremos a edição de 2010 – Ed. Expressão Popular.

Page 24: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

22

Sob diversas políticas e de diferentes maneiras, o Estado se reconfigura

à luz de mudanças no modelo capitalista para cumprir o papel de controle e

gerenciamento dos conflitos de classes, assegurando

[...] a coesão da sociedade de classes vigente, mantendo sob controle o conflito entre as classes sociais antagônicas e impedindo, desta forma, que tal conflito deságüe na destruição desse modelo de sociedade. [...] O Estado é, portanto, uma instituição específica, que desempenha uma função social precisa (SAES, 2001, p. 96).

Entendemos que o modelo de Estado que assegura a reprodução dos

interesses políticos, ideológicos e econômicos da burguesia, foi produzido no

conjunto da revolução burguesa, é parte desta e, portanto, serve a ela. No

Modo de Produção Capitalista, sua função é manter a ordem social de modo a

satisfazer os interesses da classe dominante.

O Estado mantém os conflitos sociais sob controle de duas maneiras:

uma são as políticas sociais e a outra o uso da repressão mediado pelo

aparato militar, usado quando as políticas sociais não deram conta do

problema.

Toda a forma de rearticulação do Estado burguês é sustentada por um

aparato ideológico elaborado pelo capitalismo pautado na doutrina política e

econômica do liberalismo. O liberalismo também se rearticulou em diferentes

formas no decorrer da história do capitalismo, sempre fundamentando e

sustentando as reformas do Capital e do Estado. A fim de entendermos a

constituição da doutrina liberal e sua rearticulação no Modo de Produção

Capitalista, passaremos, no capítulo que segue a discorrer sobre a mesma e

suas principais fases12 de atuação.

12 O termo “fases” diz respeito às etapas de rearticulação do liberalismo que aqui definiremos por três: liberalismo clássico, de transição e multifacetado. Esta divisão posta na tese de Mirian Warde (1984) nos pareceu mais esclarecedora e abrangente. Luiz Carlos Santana (1996) aborda este mesmo aspecto do liberalismo sob a ótica da diversificação, o que, em nosso ver, não difere da perspectiva aqui adotada, uma vez que, para este autor em muitos “estudos sobre o liberalismo, a diversificação tem sido apresentada, por vezes, como uma dificuldade para compreendê-lo e até mesmo responsável por interpretações que consideram o liberalismo como algo acabado, circunscrito ao passado e sem derivações no presente. [...] contudo, apesar da diversificação presente em sua história, o liberalismo tem tido uma capacidade de regeneração admirável. Isto, até que suas possibilidades não se esgotem juntamente com as possibilidades do próprio capitalismo para se manter, pois, [...] ambos mantêm uma relação constante de reciprocidade (SANTANA, 1996, p.8).

Page 25: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

2 O PENSAMENTO LIBERAL EM SUAS DIFERENTES FASES

Nesta seção trataremos da doutrina liberal e suas diferentes fases de

rearticulação. Para tanto, partindo da análise realizada por Warde (1984),

vamos sistematizar a fase emergente também conhecida como liberalismo

clássico (século XVIII e parte do século XIX); a fase do liberalismo de transição

(final do século XIX início do século XX) e a fase do liberalismo multifacetado

(após a Segunda Guerra Mundial).

Consideramos que o “liberalismo é a [...] expressão necessária do

capitalismo e assim, tanto quanto este, também o primeiro se diversifica em

razão das contradições próprias do capitalismo [...]” (SANTANA, 1996, p. 2).

Nessa direção, entendemos que as fases nominadas por Warde revelam, na

verdade, o processo de constituição e rearticulação do liberalismo, atendendo

as necessidades do modo capitalista que fundamenta13.

Como esse sistema advém de um processo histórico, gerido na luta de

classes contra o absolutismo feudal, é fundamental levar em consideração que

o liberalismo constitui-se a visão de mundo da classe burguesa, que insurgiu

historicamente em torno do século X da nossa era. Tal visão de mundo foi

produzida pelos habitantes dos burgos, portanto burgueses, em processo de

revolta contra o regime dos senhores feudais. “A burguesia foi liberal muito

antes de o liberalismo ser sistematizado. As primeiras lutas dos comerciantes

dos burgos medievais já postulavam a liberdade de comércio” (ALVES, 2007,

p.77).

Nessa época, e, anterior a ela, os domínios do feudalismo estavam

associados à doutrina do cristianismo. O absolutismo estava fundado na

concepção religiosa em que tudo era ‘vontade de Deus’. Essa ideologia

mantinha sob controle as classes exploradas. Nobreza e clero mantinham-se

aliados no domínio político e econômico dos feudos. Aos camponeses, após o

pagamento de impostos e encargos cobrados pelos seus senhores, raramente

lhes sobravam condições mínimas de sobrevivência, essa classe sustentava a

nobreza e seu luxo.

13 De acordo com Cunha, “o liberalismo é um sistema de crenças e convicções, isto é, uma ideologia. Todo sistema de convicções tem como base um conjunto de princípios ou verdades, aceitas sem discussão, que formam o corpo de sua doutrina ou corpo de ideias nas quais ele se fundamenta” (CUNHA, 1988, p.28).

Page 26: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

24

Por conta do movimento da história ou daquilo que Marx (2008)

chamava de ‘necessidade vital de subsistência’, os camponeses passaram a

produzir para além de suas próprias roupas e sapatos, a fim de comerciar

esses produtos. No interior desse movimento, nascem os primeiros burgos com

um novo modo de produzir, pensar e agir:

[...] dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas (MARX, 2008, p.27).

No contexto econômico, “as barreiras feudais que tolhiam o comércio

foram vistas como a negação do direito de o indivíduo realizar livremente as

trocas” (ALVES, 2007, p. 09) e, desta forma, desencadeou sumariamente uma

série de reivindicações que iam desde o direito ao livre comércio até ao direito

e garantia de proteção da liberdade individual.

Os burgos nos seus primórdios foram domínios dos senhores feudais. Centros de câmbios dos limitados volumes de produtos que excediam às necessidades de subsistência, a partir do século X transformaram-se em fluorescentes cidades e passaram a reivindicar maior autonomia junto aos senhores feudais. [...] O desenvolvimento da agricultura, do artesanato e o uso do dinheiro, foram primordiais nesse processo de transformação. A nobreza viu-se forçada pelas lutas a expedir cartas de franquia aos burgos (ALVES, 2007, p.78).

Inicialmente, o comércio era apenas feito por mercadores apenas entre

os habitantes do feudo ou burgo, com o surgimento de pequenas cidades, os

mercadores viram a necessidade de trocar, comprar ou vender entre os

diferentes burgos, as relações comerciais passam a ficar mais complexas. Não

tardou para o comércio se expandir entre as nações, num processo econômico

conhecido como mercantilismo. Um sistema de comerciar mais avançado, com

princípios econômicos e políticos, já contava com o apoio de algumas nações e

o uso do dinheiro tornou-se fundamental.

Contudo, o sistema feudal via-se ameaçado por esse novo modo de

produzir riqueza, e procurava dificultá-lo com fiscalização, cobrança de

Page 27: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

25

impostos e tarifas alfandegárias sobre os mercadores. À medida que o

feudalismo buscava meios de se proteger do modelo insurgente, os burgueses

e mercantilistas buscavam meios de atacar e conquistar.

As diversas revoltas provocadas pelo movimento mercantil, na tentativa

de diminuir impostos cobrados sobre os burgos e as caravanas que por ali

passavam, desencadearam o movimento histórico de luta de classes que viria

a desaguar na Revolução Francesa (1789). Esse movimento da classe

burguesa foi, no decorrer do processo, sendo apoiado por intelectuais, filósofos

e economistas: os iluministas14. As teses e teorias que esses iluministas

desenvolveram ofereciam suporte político e ideológico ao movimento

revolucionário. Assim se sistematizou o liberalismo, a essência filosófica do

movimento social instaurado.

Nessa direção, a produção do liberalismo é consequente ao modo de

produzir e viver de um povo, “o liberalismo, enquanto visão de mundo burguesa

ou abordado como doutrina, não pode ser dissociado da classe que o produz”

(ALVES, 2007, p.77). O contexto econômico desse movimento reflete não só a

constituição do capitalismo, como contribui para sua constituição (WARDE,

1984, p. 54). A burguesia passa a ter em seu poder a originalidade de um

modo diverso e revolucionário de produzir subsistência (embora, talvez, ainda

não tivesse a dimensão do que viria a ser o capitalismo desenvolvido).

Enquanto doutrina, o liberalismo deve ser visto como a expressão mais desenvolvida da visão de mundo burguesa. Mas ela não surge do nada. Sua gênese deu-se no interior das lutas que a burguesia vinha travando contra a igreja católica e a nobreza no sentido de superar os “entraves feudais” postos ao desenvolvimento de seus negócios. No âmbito do discurso, essa classe alicerçava suas reivindicações nas liberdades individuais: liberdade de comerciar, liberdade de produzir, liberdade de crença, liberdade de trabalho, etc. Logo, o liberalismo tendo sua doutrina formulada no século XVIII, tinha suas raízes fincadas na existência da burguesia desde as suas origens (ALVES, 2007, p.79/80).

14 Destacamos como principais filósofos iluministas para o âmbito de nossa pesquisa John Locke (1632-1704), François-Marie Arouet - Voltaire (1694-1778), Jean-Jacques Rosseau (1712-1778) e Adam Smith (1723-1790). Estes foram os que mais detalhadamente, buscaram sistematizar e justificar os princípios liberais enquanto ideologia pertinente para o desenvolvimento social, econômico e político das nações.

Page 28: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

26

A partir disso é possível apreender que, “a constituição do liberalismo,

na transição da sociedade feudal, construiu também ideologicamente o

indivíduo e legitimou em seu nome as reivindicações burguesas, alardeando as

conquistas viabilizadas na luta como conquistas dessa entidade ideológica”

(ALVES, 2007, p. 79).

A consideração das fases do liberalismo que passamos a expor parte

do pressuposto de que no limiar do desenvolvimento da história, o movimento

produzido pelos homens visa a satisfazer suas necessidades básicas. Esse

movimento é garantido pela luta de classes, abordada por Marx (2008, p.22):

“[...] a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a

história das lutas de classes”. Consideramos esse pressuposto fundamental

para entendermos a transição histórica do absolutismo para o republicanismo,

do sistema feudal para o capitalismo e do conjunto de crenças religiosas para o

conjunto de crenças liberais. Há uma estreita relação entre o modo de

produção de cada época social e o plano ideológico típico para funcionalização

deste ou daquele modo produtivo. A ideologia naturaliza o modelo produtivo, a

divisão de classes e neutraliza as ações de organização da classe trabalhadora

possíveis de ruptura com a ordem social estabelecida.

2.1 O Liberalismo Clássico

O liberalismo clássico representa a fase emergente do liberalismo, bem

como o contexto histórico, político e econômico que o engendrou, nos países

da Europa. Entendemos que a análise dessa fase do pensamento liberal é

fundamental para o entendimento das reformulações que o mesmo sofreu no

decorrer da sua história, como visão social de mundo que legitima e dá

condições para reprodução da sociedade de classes.

Na fase inicial, o liberalismo é tratado por Mirian Warde como liberalismo

clássico, cuja, “ordem econômica em constituição e liberal é a ideologia da

classe em luta contra as antigas forças” (WARDE, 1984, p. 54).

Segundo Petras (1997), o liberalismo fundamenta uma nova doutrina

política nos séculos XVII e XVIII, designada para mudar o curso da economia e

da política em países feudais. Desse modo, “poder-se-ia dizer, que ao solapar

as restrições feudais sobre a circulação de mercadorias, trabalho e capital, o

Page 29: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

27

liberalismo desempenhou um ‘papel revolucionário’, embora brutal e

explorador, especialmente nas colônias e semicolônias.” (PETRAS, 1997, p.

15).

Cunha descreve o contexto histórico dessa doutrina como

[...] um momento histórico em que princípios como igualdade de direitos e de oportunidades, destruição de privilégios hereditários, respeito às capacidades e iniciativas individuais e educação universal para todos constituíram-se nas diretrizes fundamentais de uma doutrina: o liberalismo (CUNHA, 1988, p. 27).

Nos países de absolutismo despótico, essa Filosofia desafiava o modelo

político e econômico da nação15. “Buscava minar as bases dos regimes

‘patrimonialistas’ e permitia a livre-troca do trabalho por salários; a conversão

da riqueza em capital; a transformação da simples produção em acumulação

do capital” (PETRAS, 1997, p. 15). É importante e não podemos deixar de

considerar que esse período histórico de emergência do liberalismo, exigia um

novo patamar de entendimento e desempenho político-econômico dos

dirigentes da nação. Não comportava mais o regime absolutista e impunha um

novo modo de produzir, comerciar e de viver socialmente.

Para Warde (1984), “as teses fundamentais do liberalismo, nessa etapa

que culmina no século XVIII, são o direito à liberdade, à igualdade, na natureza

e igualdade legal, o direito de propriedade, a segurança como proteção do

Estado” (WARDE, 1984, p.55 – grifo nosso). Como ideologia fundante de um

novo modo de produzir, o liberalismo está pautado nesses princípios que fazem

dele um sistema de ‘crenças e convicções’ (CUNHA, 1988, p.28).

Muito embora, no decorrer da história, o liberalismo tenha se rearticulado

diversas vezes para manter o capitalismo dominante, evidenciamos, por meio

das leituras realizadas, que esses princípios pouco ou nada mudaram.

15 Segundo Cunha (1988, p. 27), “O liberalismo é um sistema de ideias elaborado por pensadores ingleses e franceses no contexto das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia. E foi mais precisamente no século XVIII, na França que essa doutrina se corporificou na bandeira revolucionária de uma classe, a burguesia e na esperança de um povo que a ela se uniu”.

Page 30: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

28

Uma das principais influências no pensamento liberal clássico e seus

princípios fundamentais tem origem em John Locke (1632-1704)16. Esse

filósofo inglês colocou-se contrário ao absolutismo e defensor dos direitos

naturais do indivíduo. Locke defendia que todos os homens viviam

originalmente - num estado hipotético - em um estado natural em que

prevalecia a liberdade e a igualdade absolutas e não existia governo de

espécie alguma. Contudo, os homens, dotados de racionalidade, não tardaram

em perceber que o estado natural, onde cada um exercia a justiça a seu

próprio julgamento, trazia alguns problemas, próprios da natureza humana

(CUNHA, 1988, p.28). Entendendo que se tornava necessário um governo que

conduzisse as tomadas de decisões, de modo a torná-las imparciais, o filósofo

passa a justificar suas ideias.

É bem provável que surjam objeções a esta estranha teoria, isto é, que no estado de natureza todo mundo tem o poder executivo da lei da natureza – que não é razoável que os homens sejam juízes de suas próprias desavenças, que o amor-próprio tornará os homens parciais a seu próprio favor e de seus amigos; e também, que a inclinação para o mal, a paixão e a vingança os induzirão a excesso na punição a outrem, advindo disso tão somente confusão e desordem; e que, por isso, certamente foi Deus quem estabeleceu o governo com o fito de restringir a parcialidade e a violência dos homens (LOCKE, 2002, p. 28).

Locke visualiza que, no estado de natureza, a desordem se faria

justamente pela parcialidade no julgamento das ações punitivas. Nos escritos

de Locke, está presente, ainda, a atribuição divina ao estabelecimento do

governo civil com o poder supremo, além de justificativas bíblicas no

estabelecimento de leis. Essa remissão a um poder “divino” torna, no século

XVII, suas ideias menos discutíveis. Muito embora Locke deixe claro ser um

defensor exímio dos direitos naturais, ele sobrepõe a isso o poder supremo do

estado civil no processo de tomada de decisões sobre a organização social,

principalmente no que tange ao crime e castigo.

16 As ideias de Locke tiveram forte influência na Revolução Francesa de 1789, uma vez que se pautavam nos princípios da liberdade, igualdade e propriedade privada.

Page 31: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

29

Para Cunha (1988), o liberalismo clássico considera o indivíduo

enquanto sujeito que deve ser respeitado por possuir aptidões e talentos

próprios, atualizados ou em potencial.

Os direitos naturais são aqueles constituintes do estado natural, logo,

nascem com o indivíduo. Ao lado dessa compreensão da lei da natureza,

encontramos aqui a dimensão dada à sociedade política de acordo com a

perspectiva liberal: “Se a autoridade não limita, nem tolhe os indivíduos, mas,

ao contrário, permite a todos o desenvolvimento de suas potencialidades, o

único responsável pelo sucesso ou fracasso é o próprio indivíduo e não a

organização social” (CUNHA, 1988, p.29).

Na análise de Cunha, John Locke, ao tratar da liberdade individual, está

mais interessado no resultado econômico que a liberdade pode oferecer do que

na autonomia social, tendo em vista os “benefícios que o progresso individual

traria para a sociedade em geral” (CUNHA, 1988, p.29).

Assim, o

Princípio da liberdade: está profundamente ligado ao individualismo. Pleiteia-se antes de tudo a liberdade individual dela decorrendo todas as outras: liberdade econômica, intelectual, religiosa e política. Para essa doutrina, a liberdade é condição necessária para a defesa da ação e das potencialidades individuais, enquanto a não-liberdade é um desrespeito à personalidade de cada um. O princípio da liberdade presume que um indivíduo seja tão livre quanto outro para atingir uma posição social vantajosa, em virtude de seus talentos e aptidões (CUNHA, 1988, p.29).

Ao tratar da liberdade individual, tendo em vista a proteção à

propriedade, está presente no pensamento de John Locke a critica à

intervenção do Estado,

Influenciado pela Reforma que incentivou o livre pensamento na esfera religiosa (livre interpretação da bíblia), o liberalismo defende a tolerância religiosa contra as perseguições do Estado. Por isso, quanto menos poder o Estado possuir, menor sua esfera de ação e maior será a liberdade que o indivíduo poderá desfrutar. [...] Outro elemento fundamental da doutrina liberal é a propriedade, entendida como direito natural do indivíduo, os liberais negam autoridade a qualquer agente político para usurpar seus direitos naturais (CUNHA, 1988, p.30).

Page 32: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

30

Para Locke, o Estado não pode ameaçar nem a liberdade, nem a

propriedade dos indivíduos, pelo contrário, tem a função de assegurá-la.

Todo homem [...] é naturalmente livre e como nada pode sujeitá-lo a qualquer poder terreno senão sua própria vontade, é preciso esclarecer o que deve ser entendido por declaração suficiente do consentimento de alguém em tornar-se súdito das leis de qualquer governo. [...] qualquer um que tenha posses ou goze de qualquer parcela de território de um governo, por isso mesmo dá seu consentimento tácito e está obrigado a obedecer às leis desse governo, enquanto durar o desfrute, como qualquer seu dependente (LOCKE, 2008, p.89).

Contudo,

[...] submeter-se às leis de um país, nele viver tranquilamente e gozar dos privilégios e amparo que ele proporciona não torna um homem membro de uma sociedade; isto é apenas proteção e cortesia devida a todos os que vêm em paz para dentro dos territórios que pertencem a qualquer governo nos quais se estende as forças das suas leis (LOCKE, 2008, p.90 – grifo nosso).

Ele discute aqui com o Estado absoluto e sua intervenção assegurando

privilégios e riquezas à nobreza, que gozava das riquezas da coroa de modo

parasita. Locke, também, oferece suporte à instauração de leis internacionais

de proteção para os mercadores, uma vez que o mercantilismo encontrava-se

em processo de ascensão e necessitava de uma política de Estado universal

que permitisse a livre circulação entre os vários países. De acordo com a

análise realizada por Cunha, Locke e seus adeptos liberais contrapõem-se à

sociedade fechada que caracterizava a sociedade feudal,

[...] a doutrina liberal repudia qualquer privilégio decorrente do nascimento e sustenta que o trabalho e o talento são os instrumentos legítimos de ascensão social e de aquisição de riquezas, qualquer indivíduo pobre, mas que trabalha e tenha talento, pode adquirir propriedade e riquezas (CUNHA, 1988, p.31).

A igualdade, outro princípio fundamental, não significa igualdade de

condições materiais, mas como se refere Fiori (1997), na visão dos liberais do

século XVIII, diz respeito à igualação de oportunidades ou condições iniciais

iguais para todos. Essa perspectiva de igualdade corresponderia ao princípio

Page 33: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

31

da individualidade, da liberdade individual e da compreensão do direito à

propriedade assegurada pelo liberalismo. Apenas a igualdade nas condições

iniciais pode permitir a manifestação das diferenças individuais e legitimar a

propriedade obtida através do trabalho, como indica o pensamento liberal

iluminista representado por François Marie Arouet, mais conhecido como

Voltaire (1694 — 1778).

Não temos todos talento igual, e a propriedade é, em geral, uma retribuição ao talento. A propriedade igual para todos é uma simples quimera; só poderia ser obtida por espoliação injusta. É impossível em nosso feliz mundo, que os homens que vivem em sociedade não se dividam em duas classes: ricos e pobres (VOLTAIRE apud CUNHA, 1988, p.31).

Esses pensadores liberais consideram que a igualdade social entre

todos os indivíduos, é nociva, pois, é causadora de uma padronização, uma

uniformização entre os indivíduos, o que no sistema liberal é considerado um

desrespeito à individualidade de cada um. Nesse caso, a “verdadeira posição

liberal” defende a “igualdade perante a lei”, uma igualdade civil resguardada

pelo Estado. “Tal posição defende que todos têm por lei, iguais direitos à vida,

à liberdade, à propriedade, à proteção das leis” (CUNHA, 1988, p.31).

Ao assegurar ao indivíduo esses direitos, mesmo que legalmente, o

Estado pode estabelecer padrões de conduta social sem com isso romper a

individualidade ou a liberdade social, uma vez que delega a cada um as

“mesmas possibilidades” de convivência social.

Essa igualdade perante a lei configura-se no quinto princípio do

liberalismo: a democracia. A democracia é a garantia de velação dos outros

direitos individuais garantidos pela constituição dos Estados liberais.

Os princípios da liberdade, individualismo, propriedade e igualdade exigem a democracia [...]. Consiste no igual direito de todos participarem do governo através de representantes de sua própria escolha. Cada indivíduo, agindo livremente, é capaz de buscar seus interesses próprios e, em consequência, os de toda sociedade (CUNHA, 1988, p.33).

A partir da análise de Cunha, observamos que há estreita ligação entre

os cinco princípios da doutrina liberal: individualismo, propriedade, liberdade,

Page 34: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

32

igualdade e democracia, de forma que “a não realização de um só deles

implica na impossibilidade de todos” (CUNHA, 1988, p. 34).

O movimento histórico desempenhado pelo liberalismo é também

explicado por Jacomelli e Xavier (2003, p. 196), onde os princípios do

liberalismo que são propostos, tendo em vista a ruptura com os entraves

institucionais herdados da sociedade feudal, podem ser assim explicados:

O princípio da individualidade, que enfatizava a noção do único, do particular, como forma de ser histórica do sujeito, também trazia consigo a concepção da diferença natural entre os homens, que legitimaria posteriormente as desigualdades sociais geradas pela dominação capitalista. O princípio da liberdade, tão caro aos que lutavam por se emancipar do jugo medieval, capitaneado pela Igreja, traduzia-se no direito de viver em plenitude a diferença, no sistema que se instalava. O princípio da propriedade fechava e explicitava o sentido dos anteriores, apresentando-se como recompensa da capacidade e dos esforços individuais. Para atenuar a legitimação da desigualdade, o quarto princípio reportava à noção de justiça, através da igualdade de direitos. Daí decorre que a desigualdade é natural, mas deve ser justa. Oportunidades idênticas legitimam as diferenças como conquistas e derrotas individuais. E, como não poderia deixar de ser, só um regime político e democrático poderia garantir esses direitos individuais, através da representação popular na elaboração e execução das leis (JACOMELLI E XAVIER 2003, p. 196).

A principal bandeira da ordem política liberal, constituída a partir destes

cinco princípios, é a busca pela derrubada das barreiras impostas ao livre

comércio – fomento da Revolução Francesa (1789) - e faz isso, basicamente,

sobre dois grandes eixos: primeiro, que a busca pelo “interesse próprio conduz

ao ajustamento entre os indivíduos e a uma determinada harmonização dos

diferentes esforços e vontades” (MORAES, 1997, p. 12). É importante salientar

que, em virtude de se tratar de leis econômicas, esse primeiro pressuposto se

aplica também ao mercado.

O segundo eixo se refere à configuração do Estado, considerando que

o sistema político decadente pautava-se no Estado de poder absoluto, a nova

doutrina impunha que “[...] o poder político deve ser cuidadosamente limitado

pela lei” (MORAES, 1997, p. 12).

Essa limitação do poder político do Estado, bem como a sistematização

da doutrina política e econômica do liberalismo, é cuidadosamente

Page 35: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

33

desenvolvida na obra de Adam Smith (1723-1790), A Riqueza das Nações,

editada em 1776.

A publicação dessa obra constitui-se num

[...] momento decisivo porque, a partir de então, uma série de ideias deixam de ser apenas intuições, reveladas aqui e ali, e começam a constituir um verdadeiro sistema de pensamento. Um sistema que afirma, convictamente, que o mundo seria melhor – mais justo, racional, eficiente e produtivo - se houvesse livre iniciativa, se as atitudes econômicas dos indivíduos (e suas relações) não fossem limitadas por regulamentos e monopólios estatais. Uma doutrina que prega a necessidade de desregulamentar e privatizar as atividades econômicas, reduzindo o Estado a funções bastante definidas (MORAES, 1997, p. 3).

Nas palavras de Adam Smith, de modo bem claro, os deveres do

Estado na direção de assegurar os cinco princípios acima indicados e não

ameaçar a condição de liberdade dos indivíduos são, basicamente, três. O

primeiro dever do soberano “[...] proteger a sociedade contra a violência e a

invasão de outros países independentes, só pode ser cumprida recorrendo à

força militar” (SMITH, 1985, p.151).

Adam Smith salienta que, além de constituir o dever maior, a defesa do

país, deve ainda ser a maior causa de gastos do soberano ou do Estado. Um

“exército efetivo bem disciplinado e bem treinado” irá se constituir em uma

força militar que deverá ser mantida tanto em tempo de guerra quanto em

tempo de paz, além dos gastos com as armas de fogo, favorável “tanto à

estabilidade como à expansão da civilização” de uma nação (SMITH, 1985, p.

163).

Constitui-se o segundo dever do soberano,

[...] o de proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade da injustiça ou opressão de todos os outros membros da mesma, ou dever de estabelecer uma administração judicial rigorosa, comporta igualmente gastos cujo montante varia muito, conforme os diferentes períodos da sociedade (SMITH, 1985, p. 163/64).

Para Smith, esse segundo dever é supremo na defesa da propriedade

privada, o que assegura a legitimação da sociedade de classes. Segundo

Page 36: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

34

Smith, em uma sociedade livre, é comum que alguns homens, por meio de seu

trabalho ou poupança, consigam obter a posse de propriedades valiosas, e, por

consequência, venham a sofrer ataques de outros homens, que, por não

conseguirem adquirir posses ou riquezas, sintam “inveja ou ressentimento” e

ataquem as propriedades alheias. Nesse caso, “somente sob a proteção do

magistrado civil, o proprietário dessa propriedade valiosa – adquirida com o

trabalho de muitos anos, talvez de muitas gerações sucessivas – pode dormir,

à noite, com segurança” (SMITH, 1985, p.164). Do mesmo modo, “onde não há

propriedade, ou, ao menos, propriedade cujo valor ultrapasse o de dois ou três

dias de trabalho, o governo civil não é tão necessário” (SMITH, 1985, p.164).

Como terceiro e último dever do soberano, constitui-se o

[...] de criar e manter essas instituições e obras públicas que, embora possam proporcionar a máxima vantagem para uma grande sociedade, são de tal natureza, que o lucro jamais conseguiria compensar algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduos, não se podendo, pois, esperar que algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduos as crie e mantenha (SMITH, 1985, p.173).

Cabe destacar que, para Adam Smith, a preocupação específica do

Estado em manter as entidades sociais é financeira. No intuito de estabelecer e

manter a nova ordem social, essas instituições serão responsáveis pelo

atendimento e formação de uma parcela da população que eram antigos

camponeses e por isso estavam inaptos para o novo modelo político e

econômico imposto pelo liberalismo.

O que se observa no pensamento de Adam Smith é que seria o

mercado e não o Estado, o organizador da sociedade e que, através da livre

concorrência e da proteção legal, as pessoas poderiam buscar, em iguais

condições, a satisfação de suas necessidades desde que para isso não

interfiram na ordem e harmonia social.

David Ricardo (1772-1823) faz uma generalização das teorias de

Smith, confirmando suas teses da seguinte forma:

Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe seja mais benéfica. Esta busca de atividade individual está admiravelmente associada ao bem universal do conjunto dos

Page 37: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

35

países. Estimulando a dedicação ao trabalho, recompensando a engenhosidade e propiciando o uso mais eficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de modo mais eficiente e mais econômico, enquanto pelo aumento geral de volume de produtos difunde-se o benefício de modo geral e une-se a sociedade universal de todas as nações do mundo civilizado por laços comuns de interesse e de intercâmbio. Este é o princípio que determina que o vinho seja produzido na França e em Portugal, que o trigo seja cultivado na América e na Polônia, e que as ferramentas e outros bens sejam manufaturados na Inglaterra (RICARDO, 1996, p. 97).

Para Moraes, esse é o discurso usado para provar que o livre mercado é

o melhor caminho para se conseguir eficiência, eficácia, justiça e riqueza.

Eficiência porque estimula as potencialidades proporcionadas pela natureza da

maneira mais eficaz possível. Justiça porque estimula a dedicação ao trabalho

e recompensa a engenhosidade e riqueza devido ao aumento significativo da

produtividade (MORAES, 1997, p. 5).

O liberalismo, a partir desses pressupostos, prioriza a ação do poder

privado em detrimento do poder político. Em sua vertente clássica, visa eliminar

de uma vez por todas qualquer regulamentação econômica que viesse a

prejudicar as transações econômicas entre as nações. Esse movimento de

tomada de poder foi marcado por uma sucessão de acontecimentos:

[...] (a Reforma) substituiu a Igreja pelo príncipe, como fonte das leis que regulavam o comportamento social. Locke e sua escola substituíram o príncipe pelo Parlamento, como mais adequado para dar às leis um propósito social. Adam Smith foi mais além e acrescentou que, com algumas exceções secundárias, não havia necessidade alguma do parlamento interferir (LASKI, 1973, apud MORAES, 1997, p. 6).

Assim, a “mão invisível” do mercado, defendida por Adam Smith, seria a

grande promotora das decisões políticas e econômicas a serem tomadas pelo

Estado. Seu limite de atuação é definido pelo mercado que cerceia a

interferência do Estado na economia quando as crises do capital o permitirem

ou ordenarem.

O pensamento liberal clássico conclama liberdade total para os

indivíduos a fim de que cada um possa buscar sua felicidade da maneira que

Page 38: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

36

considerar melhor. Segundo Moraes (1997, p. 12), recusa a pretensão do

Estado-máquina que interfere e regulamenta o modo de vida das pessoas.

Dessa forma, podemos reiterar que:

Historicamente, os pensadores liberais defenderam, contra o Estado, duas liberdades naturais. Na época do capitalismo nascente, lutaram a favor da liberdade econômica: o Estado não deveria se intrometer no livre jogo do mercado que, sob determinados aspectos, era visto como um Estado natural, ou melhor, como uma sociedade civil, fundamentada em contratos entre particulares. Aceitava-se o Estado somente na figura de guardião, deixando total liberdade (laissez faire, laissez passer) na composição dos conflitos entre empregados e empregadores, ao poder contratual das partes; nos conflitos entre as diferentes empresas (no âmbito nacional, assim como no supranacional), ao poder de superação da concorrência que sempre recompensa o melhor (BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G., 2004, p. 693).

Na medida em que os liberais defendem os pressupostos da classe

revolucionária burguesa para a implantação e consolidação do capitalismo, o

liberalismo passa também a ter importante função na consolidação dessa

classe hegemônica.

Contudo, considerando o movimento dialético da história, havemos de

reconhecer que em uma força emergente estão presentes resquícios da antiga

força dominante e está presente, também, a gênese de uma nova força,

constituindo as contradições inerentes à sociedade e suas relações sociais de

produção. No caso do liberalismo, assim que se efetivou seu domínio, as forças

contraditórias presentes em seu interior o levaram a uma crise e a uma

necessária rearticulação dos seus princípios, como veremos a seguir na sua

segunda fase.

2.2 O Liberalismo de Transição

O período de que vamos tratar agora seja talvez o mais complexo em

termos de relações sociais e foi, com certeza, o mais difícil para os liberais.

Isso porque, após a implementação do liberalismo enquanto força ideológica

motora do capitalismo, principiam-se problemas que essa mesma força aliada

Page 39: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

37

ao modo de produção gerou. A exploração desmedida da classe trabalhadora

produziu o movimento do proletariado previsto por Karl Marx no século anterior.

Os rumores desse movimento começaram a assombrar os liberais por

volta de meados do século XIX, pelas organizações internacionais do Partido

Comunista. Esse movimento unificado por vários partidos comunistas de várias

nações chamou atenção, de fato, em 1917, quando o Partido Bolchevique de

Vladimir Lênin conquistou o poder na Rússia. Contudo, o globo já se

encontrava em uma Guerra trilhada pelos capitalistas na corrida pela tomada

das colônias. O capitalismo monopolista e imperialista estava em ascensão.

Queremos esclarecer ao leitor que trata-se de um período ímpar na

estruturação e rearticulação do capitalismo. A transição do capitalismo

concorrencial para o monopolista desaguou na Primeira Guerra Mundial, para

lembrar a expressão de Lênin, uma guerra de partilha do globo (LENIN, 1987,

p.11), contudo, seria necessário muito mais que domínio de mercado para

reduzir a força do movimento comunista, fato, agora sim que levou à Segunda

Guerra.

Entendemos que esses processos fazem parte da história da

humanidade, e que o mesmo movimento que no século XVIII era

revolucionário, foi, no século XX, contrarrevolucionário, porque, a partir das

contradições geradas nesse processo, emergem outros movimentos, num

processo cíclico e semelhante. A história não é linear e tampouco harmoniosa.

Com a consolidação do modo de produção capitalista, a burguesia

necessitava assegurar as suas conquistas.

Enquanto a burguesia dos séculos XVII e XVIII era revolucionária, a burguesia do século XIX estava politicamente satisfeita e saciada com o status quo. Ela não mais desejava transformá-lo, daí a concepção de uma ordem natural e estática e imanente lhe fornecia uma segurança e uma certeza calculável que era o que eles desejavam acima de tudo (WARDE, 1984, p.42).

A fase que sucede é marcada por contradições inerentes ao Modo de

Produção Capitalista. Essa fase “reflete o momento original de

confrontação/antagonismo da burguesia com a novíssima força política

representada pelo proletariado, bem como de confrontação/compatibilização

Page 40: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

38

com as velhas forças” (WARDE, 1984, p. 58). As forças incongruentes que

surgiram nesse período, final do século XIX e início do século XX, levaram o

liberalismo a rever sua teoria e organização do Estado (WARDE, 1984, p. 58),

sob a ameaça de ser varrido do globo pela emergência do movimento do

proletariado.

As revisões no plano teórico e no plano da organização do Estado pelas

quais passa o liberalismo no início do século XX, são produzidas pelo “duelo”

de forças sociais contraditórias da relação capital x trabalho. E para manter a

conquista do poder e do domínio do capital econômico, a burguesia

busca/produz meios de se adequar às exigências colocadas pela luta de

classes no decorrer da história. Sob esse aspecto, Faleiros afirma que:

Historicamente, o mercado agravou de tal forma as desigualdades inerentes ao capitalismo, concentrando a produção, a renda e o consumo nas mãos de poucos, que o próprio sistema capitalista foi constantemente sacudido por graves crises econômicas e sociais que puseram em risco não só as pessoas e a força de trabalho, como também o próprio capitalismo (FALEIROS, 1986, p. 26).

A luta de classes não ocorre apenas entre classes divergentes. No

interior da mesma classe social, podem também surgir contradições que

levarão seus constituintes a produzirem modos diversos de agir política e

economicamente, e, consequentemente, criar outras categorias de domínio

dentro de uma mesma classe dominante.

É de certa forma, o que entendemos que ocorreu nesse período:

Certas regulações do Estado para controle da economia e do mercado de trabalho foram, então, elaboradas pelos liberais progressistas ou não-ortodoxos, para manter o processo global de acumulação da riqueza capitalista e fazer frente às crises econômicas e ameaças sociais. Busca-se assegurar as taxas de lucro dos capitalistas, que historicamente tendem a baixar pela forte disputa entre eles e pelo confronto do capital com o trabalho (FALEIROS, 1986, p. 26).

As “soluções” são produzidas dialeticamente no interior das

contradições impostas pelo movimento da história. É um processo tenso, que

acontece no limite da pressão da luta de classes, não ocorre

harmoniosamente, produz novas contradições e a busca por novos caminhos.

Page 41: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

39

A burguesia, que anteriormente tinha caráter revolucionário, pois lutou

contra um modo de produção que restringia a liberdade ao comércio e os

direitos dos indivíduos, queria, agora, concretizar sua posição de classe e

ideário dominante.

Na medida em que a burguesia passou de classe revolucionária para classe no poder, ‘os conceitos liberais integrais foram gradualmente formalizados’ e ‘justamente na medida em que os conceitos da ordem natural tornam-se formalizados e abstratos, os conceitos dos direitos individuais e da lei se formalizaram e se tornaram abstratos’. Esse processo de formalização dos preceitos básicos do liberalismo integral acompanha o processo através do qual a burguesia passa da atitude agressiva à atitude defensiva (WARDE, 1984, p. 42/3).

Diante desse quadro, “a burguesia aprendeu muito rapidamente que

precisava reaparelhar-se política e ideologicamente, sob pena de não

permanecer muito tempo no poder” (WARDE, 1984, p.46). Para isso, incita um

movimento político contrarrevolucionário e conservador, no qual o positivismo17

de August Comte (1798-1857) exerceu papel fundamental.

Atacando a desordem atual em sua verdadeira fonte, necessariamente mental, o espírito positivo constitui, tão profundamente quanto possível, a harmonia lógica, regenerando primeiro os métodos antes das doutrinas, por uma tríplice conversão simultânea da natureza das questões dominantes, da maneira de tratá-las e das condições preliminares de sua elaboração. De um lado, com efeito, ele demonstra que as principais dificuldades sociais não são hoje essencialmente políticas, mas, sobretudo morais, de modo que sua solução possível depende realmente muito mais das opiniões e dos costumes do que das instituições, o que tende a extinguir uma atividade perturbadora, transformando a agitação política em movimento filosófico (COMTE, 2008, p. 59/60).

Segundo Warde (1984, p. 75), o positivismo, “sem dúvida, cumpriu a

função de neutralizador do pensamento crítico (negativo, destrutivo) que 17August Comte (1798-1857) é geralmente reconhecido como o fundador do positivismo ou ‘filosofia positiva’. O projeto intelectual-político de Comte era a extensão dos métodos científicos das ciências naturais ao estudo da sociedade: a criação de uma ‘sociologia’ científica. Sua concepção de método científico era evolucionista e empirista: todos os ramos do conhecimento passam por três estágios históricos necessários: teológico, metafísico e, finalmente, ‘positivo’ ou ‘científico’ (BOTTOMORE, 2001, p. 290).

Page 42: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

40

ganhou expressão mais radical no materialismo histórico, contemporâneo na

sua gênese (e até nas raízes) ao positivismo”, suprimindo/desarticulando a

rebeldia das massas com sua máxima “ordem e progresso”.

Inicialmente, Comte preocupou-se em mostrar como é possível

estabelecer socialmente a ordem e o progresso, de modo a beneficiar

empresários e trabalhadores. Sua intenção era provar “contra os

‘revolucionários’ que o processo não precisa resultar em anarquia e contra os

‘retrógrados’ que a ordem não implica (e nem é possível) retroceder à etapa

teológico-feudal” (WARDE, 1984, p. 76). Para isso tratou o movimento

revolucionário como “impotente” e sua filosofia como “antipática às

necessidades e às tendências que caracterizam nosso século [XIX], sobretudo

na França, onde a anarquia não é menos repelida que a retrogradação18”

(COMTE, 2008, p.106).

A compreensão da filosofia positivista é relevante na análise das

proposições de Dewey para a educação. Isso porque o positivismo parte do

pressuposto de que:

Com base no desenvolvimento da ciência e da indústria a nova harmonia (ordem) poderia ser conquistada. Como elementos articuladores da nova ordem harmônica, ciência e indústria ofereceriam à sociedade as leis do desenvolvimento gradual, as etapas do progresso evolutivo que são necessárias e inevitáveis. Está aí a base da nova organicidade. A manutenção de elementos da etapa teológica e metafísica19 (identificada com a iluminista) é que geravam essa desarmonia presente no plano intelectual e moral. Atacando os iluministas

18 A retrogradação remete-se à tendência dos conservadores do sistema teológico-feudal em resgatar o regime do feudalismo em meados do século XIX. 19 Ferrater Mora (1978, p. 182) define metafísica como “[...] um saber que pretende penetrar no que está situado para além ou detrás do ser físico enquanto tal”. Aristóteles é considerado o marco inicial da metafísica. Para ele metafísica é a “ciência que estuda o ser enquanto ser. [...] investiga os primeiros princípios e as principais causas” (MORA, 1978, p. 182). Segundo esse filósofo, o estudo da metafísica leva a um ser superior ou supremo, que podem ser os estudos formais sobre o ser, nesse caso, a ontologia/conhecimento ontológico, ou pode ser “o estudo da substância separada e imóvel - o primeiro motor, Deus – e nesse caso será, [...] ‘filosofia teológica’, isto é, teologia” (MORA, 1978, 183). Para Comte, a metafísica é um “modo de conhecer próprio de época da humanidade, destinada a ser superada pela época positivista” (MORA, 1978, p. 183), isto porque, Comte acreditava que as duas correntes da metafísica – a teológica e a ontológica – eram causadoras de confusões entre conservadores feudais (defensores da teologia) e iluministas (defensores do conhecimento ontológico). O que Comte realiza é a negação da metafísica (MORA, 1978, p. 183), sua tese vai ao encontro do saber empírico, comprovado, portanto invariável, parte do princípio da invariabilidade das leis naturais, as quais representam a “força inabalável” que as ciências mais avançadas podem apresentar (COMTE, 2008, p. 28). Comte propõe um conhecimento positivo, puro que levará a humanidade a um estágio superior de desenvolvimento através da “ordem e progresso”.

Page 43: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

41

principalmente por estarem alimentando ainda a liberdade e a reivindicação da igualdade [...] (WARDE, 1984, p. 76/7).

Os percalços sofridos pelo capitalismo na Europa produziram um forte

movimento dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho.

Comte avalia isso como desordem, anarquia e o atribui a falta de uma filosofia

positiva organizada, no sentido de organismo social, perfeito, sem rebeldias ou

revoluções.

Essa luta inevitável [entre revolucionários e conservadores] permitirá naturalmente à Sociedade Positivista já esperar a consagração de sua própria divisa (Ordem e Progresso) que corresponde certamente ao verdadeiro caráter do futuro social, [...] as íntimas dificuldades industriais, que a tendência metafísica agravará cada vez mais para prescrever legalmente, sobretudo o que deve ser regulado pelos costumes, fornecerão à sociedade muitas ocasiões decisivas para fazer sentir nitidamente, aos trabalhadores e aos empresários, como essa disciplina tão desejável depende de uma verdadeira reorganização espiritual, única capaz de estabelecer tanto os princípios que devem presidir a isso, como a autoridade, tão imparcial quanto esclarecida, que pode aplicá-los sabiamente em cada conflito (COMTE, 2008, p. 106).

Comte propõe uma nova reorganização social, aplicável em qualquer

sociedade e beneficiária para o estabelecimento do progresso e da paz. Essa

reorganização social se daria primeiro no plano das ideias e da moral e,

posteriormente, quase como consequência das ideias, a mudança aconteceria

na sociedade e nas relações sociais.

Sua convicção era de que:

Em qualquer assunto o espírito positivo conduz sempre a estabelecer uma exata harmonia elementar entre as ideias da existência e as ideias do movimento, de onde resulta mais especialmente, para com os corpos vivos, a correlação permanente das ideias de vida e, em seguida, por uma última especialização peculiar ao organismo social, a solidariedade contínua das ideias de ordem com as ideias de progresso. Para a nova filosofia, a ordem constitui sempre a condição fundamental do progresso; e, reciprocamente, o progresso se torna o objetivo necessário da ordem [...] (COMTE, 2008, p. 59).

A perspectiva positivista de Comte defende que o governo deve ser

garantidor dessa ordem social, com vistas ao progresso político e econômico

da nação. Para que isso se concretize, Comte,

Page 44: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

42

[...] sustenta a necessidade de governo forte, da autoridade que com mão firme e superior, converta o interesse egoísta em interesse comum e satisfaça competentemente às necessidades dos incompetentes. Governo forte e paternalista, porque sábio (daí sua suposição de que o operariado se beneficiaria com o positivismo) (WARDE, 1984, p. 79).

É possível perceber que decorre dessa modalidade do pensamento

positivista a implementação dos “Estados totalitários”20, que se fortalecerão

sobretudo após a Grande Depressão21 de 1929, desaguando na Segunda

Guerra Mundial e nas distintas alianças entre países de regimes totalitários

(Alemanha e Itália) e liberais (EUA, França e Inglaterra). Após a Segunda

Guerra e a vitória dos aliados liberais, o liberalismo passa por readequações

tanto no plano político quanto econômico para preservação e manutenção do

capitalismo.

Essa segunda fase do liberalismo caracterizada pelo processo de

consolidação do capitalismo monopolista e pela implementação dos Estados

totalitários “representa a descontinuidade do liberalismo para a continuidade do

capitalismo” (WARDE, 1984, p. 30). Esse fato deve-se à “degenerescência”

que o positivismo causou na readequação dos Estados para a sustentação da

economia. O lema “ordem e progresso” transformou o Estado liberal em Estado

20 A respeito dos regimes totalitários, cabe observar que: “Uma das definições mais conhecidas (Friedrich, 1969) relaciona seis características que distinguem os regimes totalitários de outras autocracias, e das democracias: uma ideologia totalizadora; um partido único, comprometido com essa ideologia; uma polícia secreta numerosa, bem organizada e de grande penetração; e três tipos de controle monopolista – das comunicações em massa, das armas operacionais e de todas as organizações, inclusive as econômicas (BOTTOMORE, 2001, p. 382)”. É importante destacar que, embora o socialismo e o fascismo sejam estados totalitários, possuem “coloração política oposta” (BOBBIO, 2004, p.703). “Os regimes fascistas, na verdade, ensejavam garantir a continuidade do modo de produção capitalista e acreditavam que o liberalismo não estava realizando essa tarefa, tendo em vista o crescimento da organização do movimento operário [...] (FREITAS, 2009, p. 29)”, já o socialismo persegue justamente o oposto, ou seja, o fim do capitalismo e distribuição equitativa da riqueza entre as pessoas. 21 De acordo com Hobsbawm (1995, p. 91) “[...] a Primeira Guerra Mundial foi seguida por um tipo de colapso verdadeiramente mundial, sentido pelo menos em todos os lugares em que homens e mulheres faziam transações impessoais de mercado. Na verdade, mesmo os orgulhosos EUA, longe de serem um porto seguro das convulsões de continentes menos afortunados, se tornaram o epicentro deste que foi o maior terremoto global medido na escala Richter dos historiadores econômicos – a Grande Depressão do entreguerras”. O traumático impacto do desemprego em massa nos países industrializados, seguido pela miséria, foi o real significado da Grande Depressão para a maior parte da população. “A imagem predominante na época era a das filas de sopa, de ‘marchas da fome’ saindo de comunidades industriais sem fumaça nas chaminés onde nenhum aço ou navio era feito e convergindo para as capitais das cidades, para denunciar aqueles que julgavam responsáveis” (HOBSBAWM, 1995, p. 98).

Page 45: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

43

interventor e por vezes totalitário22, desconfigurando totalmente, sua gênese

democrática (WARDE, 1984, p.30).

Para o liberalismo clássico, conforme havíamos citado anteriormente

com base em Cunha (1988), a negação de um só dos princípios do liberalismo

levaria todos os outros ao prejuízo. Nesse momento, o pensamento liberal é

levado a rever sua tese, sob o risco da perda da hegemonia.

Diante disso, agora num patamar qualitativamente diferente, ocorreram modificações na concepção ideológica e prática do liberalismo, com o objetivo de impedir que a luta de classes pendesse para o lado do opositor e colocasse em risco a hegemonia burguesa (PEIXOTO, 1998, p.21).

Seguindo essa mesma análise:

Os mecanismos de ampliação dos direitos políticos é uma das faces de construção do Estado burguês. Construção que implica na definição e instalação dos organismos dentro dos quais e só através dos quais os não-proprietários, fundamentalmente a classe trabalhadora, poderia se expressar. A extensão dos direitos políticos tem duplo significado: é resultante da pressão política dos não-proprietários; mas aparece e tem que aparecer como concessão da burguesia que, através de determinados mecanismos, educa politicamente as forças insurgentes (com certeza, no que diz respeito ao operariado, vivificação das ondas bárbaras) (WARDE, 1984, p. 59).

Para que esse novo modelo de Estado fosse possível e para que a

burguesia se mantivesse hegemônica foi necessário, por parte do liberalismo,

um determinado reconhecimento do movimento operário e da luta de classes

(PEIXOTO, 1998, p. 20).

Esse reconhecimento da luta de classes levara a burguesia a promover

um novo modelo de “democracia desenvolvimentista23”, que “se assentou na

22 Eric Hobsbawm esclarece que mesmo “[...] antes de 1914, já existiam movimentos extremistas de ultradireita - histericamente nacionalistas e xenofóbicos, promotores de ideias da guerra e da violência, intolerantes e dados a atos violentamente coercitivos, totalmente antiliberais, antidemocráticos, antiproletários, antissocialistas; defensores do solo e do sangue dos valores antigos que a modernidade estava destruindo. Eles tinham alguma influência dentro da direita política e em alguns círculos intelectuais [...]. O que deu ao fascismo sua oportunidade de fortalecimento, após a Primeira Guerra Mundial, foi o colapso dos velhos regimes, e, com eles, das velhas classes dominantes e seu maquinário de poder, influência e hegemonia. Onde estas permaneceram em boa ordem de funcionamento, não houve a necessidade de fascismo” (HOBSBAWM, 1995, p. 129).

Page 46: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

44

ideia de que a pauperização da classe trabalhadora a fazia perigosa. Como

consequência, era preciso pensar em um mecanismo de participação e de

melhoria das condições de vida que suavizasse sua “periculosidade” (WARDE,

1984, p.61).

O Estado insurgente nesse período será pautado em políticas

compensatórias presentes no projeto elaborado pelo economista inglês John

Maynard Keynes (1883-1946) de Estado interventor na economia como

garantia da hegemonia do capital.

Esse modelo é também conhecido como Estado do Bem-Estar Social ou

Welfare State, cuja teoria, devido ao seu autor, chama-se keynesianismo. De

acordo com Faleiros, desta vez e neste contexto econômico a necessidade de

[...] intervenção ou “regulação capitalista” foi economicamente justificada por John Maynard Keynes [...]. Segundo ele, é preciso uma estratégia estatal de sustentação do pleno emprego dos fatores de produção e da mão-de-obra para que a demanda ou a procura de bens e serviços seja mantida. Manter a demanda significa, pois, a capacidade de comprar bens e serviços no mercado, com salários advindos do emprego (FALEIROS, 1986, p. 26).

Paralelo ao keynesianismo acontecia o acelerado processo de

industrialização dos Estados Unidos, onde os trabalhadores encontravam-se

em condições desumanas de trabalho. De acordo com Galiani, esse processo

de industrialização:

[... intensificou-se após a Independência e, nos Estados do norte, algumas manufaturas já se equiparavam com as da Inglaterra. As características nesse processo foram semelhantes às da Inglaterra do século XVIII e, ao mesmo tempo em que a industrialização trazia benefícios e assegurava o emprego, exigia do proletário uma longa jornada de trabalho (GALIANI, 2009, p. 52).

23 No que tange à questão da democracia desenvolvimentista, Macpherson (1970 apud WARDE, 1984, p. 61/62) aponta J. S. Mills e Dewey como articuladores desse modelo, os trata por “liberais mais sensíveis”. A novidade da democracia desenvolvimentista é que ela criava uma ponte do político ao social, através da participação popular em eleições e instituições sociais e agremiações.

Page 47: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

45

Os problemas decorrentes das péssimas condições de trabalho vão

desaguar no necessário processo de reestruturação da ideologia liberal

clássica para uma reformulação ideológica frente às reestruturações do capital.

Compreender o contexto de transição do liberalismo em sua segunda

fase implica em partir da consideração de que os Estados Unidos, no final do

século XIX início do século XX, passavam por um processo de intensa

industrialização. A partir de Harvey, podemos compreender que, embora boa

parte ou todo processo de capitalização estivesse sendo importado da Europa,

a potência norte-americana já dava indícios de sua breve liderança entre os

países imperialistas do mundo inteiro, sobretudo promovido pela sua forma

acelerada de mercado monopolista.

A reviravolta que levou os Estados Unidos ao topo dos países

imperialistas está no novo modelo de produção: o fordismo. Esse modelo,

desenvolvido pelo estadunidense Henry Ford (1863 - 1947), foi muito além das

mudanças no campo da indústria. Sua abrangência é tamanha que pode ser

representada pela “linguagem de uma escola de pensamento conhecida como

escola da regulamentação24” (HARVEY, 2004, p.118).

A virtude do pensamento da “escola da regulamentação” está no fato de insistir que levemos em conta o conjunto total de relações e arranjos que contribuem para a estabilização do crescimento do produto e da distribuição agregada de renda e de consumo num período histórico e num lugar particulares (HARVEY, 2004, p.118).

Esse momento trata-se do período histórico da transição do capital

concorrencial para o capital monopolista, promovido pela industrialização

associada ao modo racional de produção do taylorismo/fordismo. Tal modelo

de produção exigiu do trabalhador uma adaptação alheia ao seu modo de vida

até então e, por isso, o modelo de produção fordista está associado ao

pensamento da escola da regulamentação porque, além do controle de

produção na indústria, baseado na uniformidade e padronização do processo

24 Esse conceito foi pioneiramente usado por Aglietta (1979), mais tarde por Lipietz (1986), Boyer (1986) e outros. O conceito refere-se à “materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação” (LIPIETZ, 1986 apud HARVEY, 2004, p. 118).

Page 48: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

46

produtivo, Ford se preocupava também com o consumo dos produtos e com a

socialização pautada nas políticas do chamado Estado do Bem-Estar Social. O

Estado ideal no modelo fordista25 deveria primar pela regulamentação com

rigidez e centralização nas tomadas de decisões (HARVEY, 2004, p.168/169).

Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com aplicação adequada ao poder corporativo. O propósito do dia de oito horas e cinco dólares só em parte era obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores. Mas isso presumia que os trabalhadores soubessem como gastar seu dinheiro adequadamente. Por isso, em 1916, Ford enviou um exército de assistentes sociais aos lares dos seus trabalhadores “privilegiados” (em larga medida imigrantes) para ter certeza de que o “novo homem” da produção de massa tinha o tipo certo de probidade moral, de vida familiar e de capacidade de consumo prudente (isto é, não alcoólico) e “racional” para corresponder às necessidades e expectativas da corporação. A experiência não durou muito tempo, mas a sua própria existência foi um sinal presciente dos profundos problemas sociais, psicológicos e políticos que o fordismo iria trazer (HARVEY, 2004, p. 122).

Na época da implementação do fordismo, além da previsão das

consequências sociais que esse modelo produtivo traria, conforme dito acima

por Harvey (2004), as consequências dos domínios econômicos que esse

modelo iria produzir no globo ainda estavam por vir. Antonio Gramsci (1891-

1937)26, faz a análise contemporânea aos acontecimentos do referido período e

25

Fordismo, nome dado à teoria da produção em massa, desenvolvida e aplicada em fábricas por Henry Ford (1863-1947). Na produção em massa, o produto é dividido em partes e a linha de montagem é móvel, na qual o produto em processo desloca-se ao longo de um percurso enquanto os operadores ficam parados [...]. Essa inovação na linha de montagem (esteira móvel) reduziu o tempo do ciclo médio de 514 minutos em 1908 para 1,19 minutos em 1912, isso devido à imobilidade do trabalhador, que não precisava mais sair do seu posto de trabalho para buscar as peças no estoque e/ou levar a peça montada até o próximo trabalhador. A nova tecnologia, além da redução de tempo, também reduziu a necessidade de investimentos de capital. A velocidade maior de produção reduziu os custos dos estoques de peças à espera da montagem. A partir da linha móvel de montagem, a produção ganhou o ritmo da esteira e não mais dos trabalhadores que tinham ritmos diferentes, causando atrasos na produção. Quanto mais carros eram fabricados, mais baratos eles ficavam. Tudo isso incendiou a imaginação dos concorrentes (MAXIMIANO, 2007, p.64/66). 26

Gramsci, marxista italiano, foi um dos responsáveis pela fundação do Partido Comunista Italiano- PCI (1921). Por esse motivo e por representar uma grave ameaça ao regime fascista de Mussolini, em 1926, foi preso por este regime e condenado a mais de 20 anos de prisão. Em 1934, com saúde já bem debilitada, é solto e morre em 1937. Durante os anos de prisão,

Page 49: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

47

mais especificamente em um de seus cadernos editado sob o título de

Americanismo e fordismo, fez a seguinte avaliação:

Na América, a racionalização tornou necessária a elaboração de um novo tipo humano conforme o novo tipo de trabalho e processo produtivo. Essa elaboração está, no momento, apenas na fase inicial, e, portanto aparentemente idílica. Está ainda na fase de adaptação psicofísica à nova estrutura industrial, que se procura com os altos salários. Não se verificou até agora, senão esporadicamente, alguns florescimentos superestruturais. Ainda não foi posta a questão fundamental da hegemonia. A luta é feita com o velho arsenal europeu, e como estão corrompidas, são ainda anacrônicas para o confronto com o desenvolvimento das coisas (GRAMSCI, 2008, p.40).

Gramsci observou que o modo como se concebeu o modelo fordista de

produção não se limitou à indústria, indo além dela, na organização social, na

forma de se comportar e agir socialmente, como as pessoas fazem uso do

lazer e das horas vagas, que tipo de consumo priorizam. Além disso, a questão

sexual também foi abordada na formação do novo tipo humano. Há, nesse

modelo, uma forma correta de ministrar a sexualidade.

É revelador como os industriais (especialmente Ford) se interessam pelas relações sexuais de seus empregados e em geral pela ampla sistematização das suas famílias. A aparência puritana que assumiu, como no caso do proibicionismo, não deve induzir ao erro; a verdade é que não se pode desenvolver o novo tipo de homem demandado pela racionalização da produção e do trabalho até que o instinto sexual esteja totalmente regulado, até que ele tenha sido também racionalizado (GRAMSCI, 2008, p. 45).

Esse aspecto tem a ver com a ética e a moralidade, fatores bastante

explícitos na nova ordem americana (americanismo) uma vez que os

“encalços” produzidos pelo fordismo poderiam ser dignos de no mínimo causar

revoltas na população civil que poderia se sentir controlada e/ou ser controlada

sob força. Mas não era isso que almejava Ford, o que ele queria tinha a ver

com a formação humana em sua essência.

escreveu 34 cadernos de anotações expostas em Quaderni Del Carcere, nos quais constam sua análise estrutural e conjuntural do globo naquele período (BOTTOMORE, 2001, p.165/166). Dentre as dimensões essenciais das obras de Gramsci está a “relação de suas ideias com as de Lênin, bem como sobre seu relacionamento, quando na prisão, com o PCI e com os acontecimentos na União Soviética” (BOTTOMORE, 2001, p.167).

Page 50: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

48

O desenvolvimento industrial norte-americano não proporcionou uma igualdade social. Economicamente, as diferenças eram bastante acentuadas. Porém, é importante registrar que essas diferenças internas cederam lugar a um sentimento de soberania nacional. Diferente de outras nações européias, nos Estados Unidos, assegurava-se a unidade nacional pelo culto aos princípios básicos da Declaração da Independência, de 1776, em que a liberdade, a democracia, o sentimento de solidariedade constituíam-se ideais a serem alcançados, embora, na prática, esses sentimentos não se estendessem a toda sociedade, pois escravos, operários e mulheres não usufruíam dos mesmos direitos, estavam excluídos de todo processo político (GALIANI, 2004, p.120).

Logo, ao abordar a adaptabilidade ao novo processo produtivo pelo

“convencimento”, Ford alcançaria um resultado amplo e duradouro, porque não

enfrentaria rebeliões tão acentuadas. Como isso aconteceu? Primeiramente,

[...] é preciso perguntar se o tipo de indústria e de organização do trabalho e da produção característico de Ford é racional, podendo e devendo generalizar-se, ou se, em vez disso, trata-se de um fenômeno nocivo a ser combatido pela força sindical e pela legislação. Ou seja, se é possível, com a pressão material e moral da sociedade e do Estado, conduzir os operários como massa para passar por todo o processo de transformação psicofísica a fim de conseguir que o tipo médio de operário de Ford se torne o tipo médio de operário moderno, ou se isso é impossível, porque levaria à degeneração física e ao deterioramento da raça, destruindo toda a força de trabalho. Parece ser possível responder que o método Ford é racional, isto é, deve generalizar-se, mas que para isso é necessário um processo longo, no qual ocorra uma mutação das condições sociais e uma mutação dos costumes e dos hábitos individuais, o que não pode ocorrer somente com a coerção, mas apenas com a moderação da coação (autodisciplina) e da persuasão, também sob a forma de altos salários, isto é, com a possibilidade de um melhor nível de vida, ou talvez, mais exatamente, com a conquista de um nível de vida adequado aos novos modos de produção e de trabalho, que demandam um particular dispêndio de energias musculares e nervosas (GRAMSCI, 2008, p.77/78).

Esse processo de regulamentação, acreditava Ford, substituiria

totalmente a função do Estado, pois o trabalhador com seu salário e uma boa

dose de racionalidade, poderia controlar seus gastos ou consumir de modo

adequado, assim não faltaria nada ao trabalhador e o consumo seria capaz de

manter o mercado ativo, mesmo em períodos de crise. Insistia que “a auto-

Page 51: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

49

ajuda é a única maneira de combater a depressão econômica” (FORD apud

HARVEY, 2004, p. 122), em uma perspectiva individualista, acreditava que

cada trabalhador era responsável pela autorregulação de seus propósitos e

desejos.

Contudo, a Grande Depressão não tardou a acontecer. Quando a crise

começou, Ford chegou a aumentar o salário dos seus empregados visando a

aumentar o consumo em massa e assim o mercado recuperar o fôlego, porém:

Na prática, os resultados foram outros. O grande número de trabalhadores demitidos provocou a queda nas vendas. Com a falta de compradores, vários setores se empenharam em investir na publicidade para forçar a venda de seus produtos, apelando, inclusive, para aqueles que ganhavam mais, comprarem mais. Era a ideologia do consumo ou também chamada por Rifkin (1995, p. 15) como “[...] o evangelho do consumo das massas.” A preocupação com o desemprego emergente atingiu o setor empresarial. A produção industrial vinculada ao taylorismo e ao fordismo, os quais, até então, eram considerados como modelo padrão de produtividade e lucro, entra num ciclo de indefinições. Por um lado, o desemprego contribuía para a redução do mercado interno, por outro lado, as exportações para os países europeus diminuíram com a retomada do crescimento industrial europeu. A insistência norte-americana em manter o mesmo ritmo de produção mascarava uma crise que já estava sendo gerada pelo próprio sistema capitalista. Esse quadro adquiriu proporções maiores após a falência de algumas empresas. As ações de algumas delas tiveram uma diminuição de valor e, com medo de um prejuízo ainda maior, os investidores colocaram à venda suas ações na Bolsa de Valores. Dessa forma, a desvalorização das ações foi ainda maior, culminando na Quebra da Bolsa de Valores em 1929 (GALIANI, 2004, p.123).

Com a quebra da bolsa de valores, o desemprego em massa foi

inevitável e uma grave crise assolou a economia não só norte-americana como

de todo globo. Uma saída emergencial pela via do Estado foi necessária. O

governo dos Estados Unidos, comandado pelo então presidente Roosevelt,27

27

Franklin Delano Roosevelt (1882 –1945), presidente dos Estados Unidos por quatro vezes, ganhador nas urnas e no Colégio Eleitoral (1933-1945). Quando Roosevelt tornou-se presidente, o país vivia a Grande Depressão econômica, em seu discurso sustentou e defendeu uma nova política: “o país tem necessidade e exige que seja efetuada uma experiência audaciosa e contínua” (trecho de um discurso de Roosevelt, 1932 apud AQUINO, 1990, p.252), logo após sua posse, tomou medidas revolucionárias e “audaciosas” como o Novo acordo (New Deal) e a preparação bélica para a guerra (AQUINO, 1990, p. 252/261).

Page 52: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

50

achou simpatia nas ideias do economista Keynes, que “considerava o

desemprego um dos maiores males do capitalismo” (SANTANA, 1996, p. 135).

Os estudos e orientações de Keynes iam ao encontro da crítica ao

capitalismo governado pela “mão invisível” do mercado. Teoria defendida pelos

economistas do liberalismo clássico. Isso porque,

Keynes considerava que o capitalismo industrial a partir do século XIX havia se transformado num mecanismo complexo e mesmo instável de acumulação de capital que acabava por inviabilizar a sua auto-regulação pelas leis do mercado (SANTANA, 1996, p. 135).

É devido a essa nova tendência liberal de pensar a economia que

Keynes é considerado responsável por uma “revolução” na economia liberal.

Um dos pontos mais fortes de sua teoria é a regulação do mercado pelo Estado

em tempos de crise através de políticas que garantissem “um emprego

relativamente pleno” (HARVEY, 2004, p.129). Nesse caso, o Estado socorre a

economia nacional ofertando emprego em setores públicos para grande massa

de desempregados, além de “fornecer um forte complemento ao salário social

com gastos de seguridade social, assistência médica, educação, habitação

etc.” (HARVEY, 2004, p.129). Estes passarão a consumir, sem onerar a

indústria, uma vez que seus vencimentos são pagos pelo governo. Dessa

forma, o consumo aumenta e o custo da indústria diminui.

Essa perspectiva, além de causar um alívio nas finanças do mercado,

ainda passa a sensação de “segurança” econômica em tempos de crise à

população em geral. Dessa forma, ameniza a rivalidade entre as classes e gera

um “conforto” social. Por isso, o keynesianismo é também conhecido como

Estado de Bem-Estar Social.

Na sua teoria sobre o emprego

Um incremento (ou decrescimento) do emprego pode, contudo, fazer subir (ou baixar) a curva da preferência pela liquidez, existindo três maneiras de aumentar a demanda da moeda, a saber: pelo fato de que o valor da produção sobe quando o emprego aumenta, mesmo que a unidade de salários e os preços (em unidades de salários) não mudem; pelo fato de que a própria unidade de salários tende a subir à medida que o emprego melhora, e pelo fato de que o aumento da produção é acompanhado por uma alta de preços (em termos da unidade

Page 53: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

51

de salários), devida ao aumento dos custos em prazo curto (KEYNES, 1996, p. 239/240).

Ao concentrar-se na questão do emprego como salvaguarda da

economia, Keynes, não deixou de considerar outros fatores fundamentais para

superação da crise. O economista “acreditava que resolvidos os problemas de

conjuntura como o da crise, do desemprego, da taxa de juros, dos

investimentos, os elementos da teoria clássica poderiam contribuir para a

manutenção do sistema econômico como um todo” (SANTANA, 1996, p. 139).

Embora considerasse falha a autorregulação do mercado, Keynes não deixou

de seguir a tradição dos clássicos liberais da economia política,

[...] ele não pôs também em dúvida a eficácia fundamental da propriedade privada. Keynes foi o primeiro economista britânico, dentro da tradição clássica, a repudiar explicitamente o laissez-faire. Contudo, o espírito de individualismo repassou suas obras com igual intensidade que as obras dos clássicos liberais do século XIX (SANTANA, 1996, p.139/140).

Keynes visava a atingir sobretudo uma estabilidade econômica - digna,

como o próprio nome anuncia - de bem-estar social. Para isso estabelece

pontos fundamentais a serem abordados pelo governo, além dos citados acima

(taxa de juros, poupança e valor de moeda, pleno emprego) havia o caminho

certo a seguir dentro dessa economia política. Havia fatores sociais e

psicológicos que deveriam ser considerados.

Nossa primeira condição de estabilidade (a de que o multiplicador, embora superior à unidade, não é muito elevado) é perfeitamente plausível se considerada uma característica psicológica da natureza humana. À medida que a renda aumenta, as necessidades não satisfeitas tornam-se menos prementes e a margem sobre o nível de vida estabelecido aumenta; quando a renda real diminui, verifica-se o contrário. É, portanto, natural – ao menos para o termo médio da comunidade – que, em caso de aumento de emprego, o consumo corrente se amplie, porém em menor proporção que o incremento absoluto da renda real, e que, em caso de diminuição do emprego, ele decline, embora não tanto quanto a baixa absoluta do rendimento real. Além disso, o que é certo para a maioria dos indivíduos, provavelmente, também o será para os governos, especialmente numa época em que o aumento progressivo do desemprego obriga, geralmente, o Estado a fornecer ajuda com recursos emprestados (KEYNES, 1996, p.241/242).

Page 54: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

52

O período histórico e político em que viveu Keynes é muito singular. A

segunda fase do liberalismo, onde situamos Keynes, é marcada por intercalços

no campo da economia, da política, campo social e ideológico. É, como já

indicamos, o período de transição para o capitalismo monopolista/financeiro,

crises financeiras mundiais, guerras e diferentes modelos de Estado passam a

ter forte influência no mundo. A tarefa de Keynes não foi simples. Sua teoria

seria responsável pela manutenção do Estado burguês, assegurar a economia

capitalista como uma economia imperial. A novidade seria, portanto, unir as

instâncias do capital e suas mais diversificadas armas na luta para manter-se

no poder. O Estado, sem abandonar os princípios elementares do liberalismo,

terá uma função primordial nessa nova reconfiguração econômica.

Keynes considerou todos os fatores em jogo. Descaracterizou o estado

totalitário a modelo do fascismo ou do comunismo, uma vez que deu a ele uma

função de intervenção segura na economia. Em suas proposições alertou que a

economia do capital não se mantém por si só, livremente, como acreditava

Adam Smith.

Não há, portanto, motivo para crer que uma política flexível de salários possa manter um estado permanente de pleno emprego, nem como pensar que uma política monetária de mercado aberto possa atingir, sozinha, este resultado. Tais meios não são suficientes para conferir ao sistema econômico a propriedade de se ajustar por si mesmo (KEYNES, 1996, p. 254).

O pensamento de Keynes influenciou demais países, economistas e os

mais diversos setores sociais. Sua abrangência foi tamanha que muitos dos

intelectuais que se dizem marxistas, defendem e aprovam a social democracia,

como uma saída pacífica para os problemas do capitalismo. É o caso dos

intelectuais eurocomunistas, que, estudiosos do marxismo, optam por uma

terceira via de implementação do socialismo, através da conquista de postos

políticos pelas eleições democráticas28.

Retomando a questão do keynesianismo, quando em 1933, Roosevelt

tornou-se presidente dos Estados Unidos, o país passava pela pior crise de sua 28

Entendemos que, nesse modelo econômico da social democracia são camufladas as diferenças de classes, pois aumenta a expropriação do trabalhador que se torna ainda mais vulnerável aos desmandos do capital e muito mais dependente da figura política do Estado, permanecendo o desenvolvimento e manutenção da economia capitalista hegemônica.

Page 55: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

53

história. A Grande Depressão era o retrato de uma economia devastada onde,

praticamente, todos os bancos haviam fechado; havia, pelo menos, 13 milhões

de desempregados; muitas indústrias tinham cessado de produzir e a

economia agrícola estava totalmente deteriorada (GALIANI, 2009, p. 68).

Diante disso, “a proposta de recuperação nacional feita por Roosevelt

enfatiza o resgate do trabalho como valor moral e valor social” (GALIANI, 2009,

p. 69). A partir disso, o país procede a uma ampla reforma e reestruturação da

economia nos moldes do Estado interventor, proposto por Keynes.

Dentre as reformas implantadas pelos Estados Unidos, Galiani (2009),

destaca algumas, iniciando pela NIRA (Lei de Recuperação da Indústria

Nacional) criada em 1933, na qual os empresários tinham a obrigação de

empregar milhões de trabalhadores. O Governo, por sua vez, assumiu o

compromisso de expandir as obras públicas, empregando também

trabalhadores. As reformas foram amplas e os resultados apareceram

rapidamente.

O Programa de Obras Civis empregou mais 4 milhões de trabalhadores. Após esse programa, seguiram-se outros subprogramas e projetos extensivos a outros segmentos da sociedade e com a mesma finalidade de dar empregos, renda e maior poder de compra. O programa de recuperação previa a criação do auxílio-desemprego para os trabalhadores desempregados temporariamente e o estabelecimento de um salário mínimo padronizado. O controle da economia foi assegurado por meio de uma política de impostos. Nos 100 primeiros dias do seu mandato, o Congresso aprovou a Lei de Assistência Civil à Conservação e Reflorestamento, que criou um órgão destinado a proporcionar aos jovens desempregados trabalhos em projetos federais de construção e conservação. O Congresso também aprovou a Lei Federal de Socorro de Emergência a fim de fornecer ajuda financeira a Estados e municipalidades para que pudessem tomar medidas assistenciais, e a Lei de Ajustamento Agrícola, [...] autorizou o pagamento de subsídios a lavradores que restringiram a área de suas colheitas excedentes ou o número de suas reses excedentes. Os fundos para esses subsídios foram obtidos tributando-se os processadores de produtos agrícolas (GALIANI, 2009, p. 69).

Todo esse aparato do Estado para restaurar a economia vinha

acompanhado de uma forte tendência ideológica de cunho moral, que

incisivamente propunha um sentimento de patriotismo, valores morais a cerca

do trabalho como elemento dignificante do ser humano, além de um sentimento

Page 56: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

54

forte e moralista de superação dos problemas sociais pela autodeterminação

pessoal e em pequenos grupos.

Na nova ordem econômica do capital, há um novo modelo de Estado

para auferir recursos à economia. Esse modelo proposto pelo New Deal (Novo

Acordo), além de suplantar a economia, veio ao encontro do movimento

progressista norte-americano, que se posicionava contra os monopólios,

combatia o emprego de crianças em fábricas, além de lutar por condições mais

dignas de vida e participação de mulheres e trabalhadores. “As várias

organizações sindicais daquele país conheceram, então, seu período áureo, o

que foi um dos resultados mais significativos do New Deal” (GALIANI, 2009, p.

71).

O Novo Acordo implantado nos Estados Unidos teve na pessoa de

Keynes seu principal articulador, o qual faz o seguinte comentário:

Quando o presidente Roosevelt encetou substanciais despesas cobertas por empréstimos, os estoques de todas as espécies – e notadamente os de produtos agrícolas – alcançavam ainda um nível muito alto. O New Deal consistiu parcialmente num esforço enérgico para reduzir esses estoques por meio de restrições à produção e por todos os outros meios. A redução dos estoques a um nível normal era um processo necessário ou uma fase que tinha que ser suportada, mas enquanto durou, a saber, por um ou dois anos, significou substancial anulação dos gastos financiados com empréstimos que ocorreram em outros tempos. Só quando essa fase se completou, ficou aberto o caminho para sua superação substancial (KEYNES, 1996, p. 306).

É importante destacar que há nessa nova forma de ajustar a economia,

um acordo entre o Estado e os banqueiros, uma vez que o financiamento da

crise é feito pelo banco, mas sustentado pelo Estado.

A teoria de Keynes foi responsável pela manutenção do sistema

capitalista no início do século XX e vai se expandir pelo globo no decorrer dos

ciclos do capital. Isso porque a economia política proposta por ele advém de

técnicas implantadas não só nos Estados Unidos, mas em outros países como

a Grã-Bretanha, por exemplo, (SANTANA, 1996, p. 124). Dessa forma, temos

um modelo de economia única, mas adaptável ao Estado burguês nas nações

que este administra. Corroborando a única maneira certa de realizar as tarefas,

Page 57: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

55

presentes no taylorismo, pode-se afirmar que na perspectiva keynesiana,

também existe um tipo certo de ação do Estado na economia.

Sobre esse modelo de Estado “ideal”, Keynes sugere:

O Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão a consumir, em parte através de seu sistema de tributação, em parte por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas. Por outro lado, parece improvável que a influência da política bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma para determinar um volume de investimento ótimo. Eu entendo, por meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. Mas fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um socialismo de Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete. Ademais, as medidas necessárias de socialização podem ser introduzidas gradualmente sem afetar as tradições generalizadas da sociedade (KEYNES, 1996, p. 345).

Na proposta de Keynes, pode o Estado burguês ir do mais puro estado

de liberalismo clássico ao estado interventor, social e democrata, sem com isso

interferir na ordem social e/ou na divisão do trabalho.

O modelo de Estado de Bem-Estar Social configurou-se de modo mais

sólido em países altamente capitalizados. Em países periféricos como o Brasil

foram implementadas políticas que tinham em vista o atendimento a alguns

direitos sociais, como resultado das pressões populares, mas também

atendendo a uma demanda do processo de produção (VIEIRA, 2001).

A preocupação com os problemas sociais não foge à lógica do

mercado, é decorrente da necessidade de manter a relação capital trabalho

“estável”. Assim, para entendermos essa perspectiva de ação do Estado como

uma fase do liberalismo, precisamos considerar que “[...] a existência da

relação social de produção é, portanto, a condição do processo de

acumulação. E, consequentemente, torna-se fundamental manter o trabalhador

vivo e produtivo para que essa relação se perpetue” (FALEIROS, 1986, p.

33/34).

Page 58: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

56

No contexto do qual estamos falando, as indústrias estavam

superlotadas e o mercado exigia que a produção se mantivesse em ritmo

acelerado. Para assegurar essa condição, caberia ao Estado, conforme nos

aponta Harvey (2004), ampliar suas obrigações.

Na medida em que a produção de massa, que envolvia pesados investimentos em capital fixo, requeria condições de demanda relativamente estáveis para ser lucrativa, o Estado se esforçava por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas fiscais e monetárias no período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de investimento público – em setores como o transporte, os equipamentos públicos, etc. – vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que também garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também buscavam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência médica, educação, habitação, etc.. Além disso, o poder estatal era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção (HARVEY, 2004, p.129).

Essas políticas de melhorias visavam a “amenizar” a “questão social”, da

qual falamos na introdução deste estudo, e, assim, garantir que o trabalhador

consumisse as mercadorias que estavam sendo produzidas em larga escala.

Dessa forma, em um momento de transição do pensamento liberal, o Estado

exerce seu papel de mediar as desigualdades sociais e garantir o consumo,

retroalimentando o modelo econômico do capital.

[...] o vínculo entre o conjunto da produção e o conjunto da força de trabalho não pode ser garantido pelo conjunto das empresas particulares. Elas agem como empreendimentos voltados para seus objetivos de expansão e lucro, e até podem criar benefícios especiais para seus empregados, como creches e assistência médica. Esses benefícios diferenciados aumentam os custos da mão-de-obra, e nem todas as empresas podem suportá-los, encarecendo seus produtos. A reivindicação por benefícios, em cada empresa isolada, gera greves e conflitos. Somente o Estado pode gerir relações entre o conjunto da produção e o conjunto da força de trabalho, pois ele representa a organização geral da sociedade e o poder de se impor a ela pela força, ao mesmo tempo em que é reconhecido e legitimado pela sociedade. [...] A forma pela qual o Estado estabelece e desenvolve esse vínculo entre o conjunto da produção e o conjunto da força de trabalho varia conforme as conjunturas, os momentos históricos, as correlações de força. Podemos destacar, no entanto, que o

Page 59: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

57

Estado incorpora, no plano político, o atendimento de um mínimo de condições de reprodução do conjunto da força de trabalho e de institucionalização dos conflitos sociais. Esse mínimo não afeta as relações de exploração e ainda oferece as mesmas condições para todas as empresas, contribuindo para a pacificação das relações entre as classes. Essa articulação política do processo produtivo se realiza através de lutas e pressões de diferentes forças sociais que se manifestam interessadas na questão em jogo. Tanto os empresários como os banqueiros, os trabalhadores, os aposentados e os políticos têm interesse na questão da Previdência Social (FALEIROS 1986, p. 36/37 - grifos nossos).

O que se evidencia então, é que o liberalismo, em sua segunda fase,

volta-se para a chamada “questão social” subsidiando programas para saúde,

moradia, alimentação e educação (WARDE, 1984). De maneira indireta, o

Estado keynesiano, ao financiar tais programas, camufla a crise social causada

pelos agravantes do monopólio, além de amenizar as contradições da

exploração e da mais-valia. As políticas sociais promovidas pelo Estado vão

realimentar o consumo das massas, através do subconsumo, ou seja, já que

existem as “garantias” básicas oferecidas pelo Estado, pode a população

consumir mais e assim aumentar as demandas da produção (PAULO NETTO,

1996).

Contudo, os entraves econômicos que o monopólio sofreu levarão o

Estado provedor a uma rearticulação, de modo a não poder sustentar por muito

tempo essa demanda social e econômica. Harvey (2004) esclarece a respeito

dos entraves econômicos que levaram ao fim do Welfare State, logo, a uma

nova revisão da doutrina liberal. Segundo ele

O consequente enfraquecimento da demanda efetiva foi compensado nos Estados Unidos pela guerra à pobreza e pela guerra do Vietnã. Mas a queda da produtividade e da lucratividade corporativas depois de 1966 marcou o começo de um problema fiscal nos Estados Unidos que só seria sanado às custas de uma aceleração da inflação, o que começou a solapar o papel do dólar como moeda-reserva internacional estável.[...] De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que

Page 60: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

58

impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”). E toda tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora - o que explica as ondas de greve e os problemas trabalhistas do período 1968-1972. A rigidez dos compromissos do Estado foi se intensificando à medida que programas de assistência (seguridade social, direitos de pensão etc.) aumentavam sob pressão para manter a legitimidade num processo em que a rigidez na produção restringia expansões da base fiscal para gastos públicos. [...] E, assim, começou a onda inflacionária que acabaria por afundar a expansão do pós-guerra (HARVEY, 2004, p.135/136).

Ainda sob a análise desse teórico, subjacente a toda essa rigidez do

mercado, do Estado e do trabalho estavam “interesses escusos definidos de

maneira tão estreita que solapavam, em vez de garantir, a acumulação do

capital” (HARVEY, 2004, p.136).

Os problemas econômicos produzidos pelo mercado levaram países a

uma grave crise deflacionária. “A forte deflação de 1973-1975 indicou que as

finanças do Estado estavam muito além dos recursos, criando uma profunda

crise fiscal e de legitimação” (HARVEY, 2004, p.137), ao mesmo tempo em que

muitas corporações viram-se com “capacidade excedente inutilizável

(principalmente fábricas e equipamentos ociosos)”, num período de intensa

competitividade no mercado (HARVEY, 2004, p.137).

Diante dessas crises econômicas, a profunda recessão de 1973,

acentuada pela crise do petróleo, obrigou os países capitalistas a buscarem

meios de superar a “estagflação” (estagnação da produção de bens e alta

inflação de preços), a saída foi rearticular o modelo fordista de produção para

uma nova era da economia. Durante as décadas de 1970 e1980, o capitalismo

passou por um conturbado “período de reestruturação econômica e de

reajustamento social” (HARVEY, 2004, p. 140). As oscilações econômicas

provocadas por esse período levaram o Modo de Produção Capitalista para

“um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de

regulamentação política e social bem distinta” (HARVEY, 2004, p. 140).

O novo modo de acumulação do capital, chamado por Harvey (2004) de

“acumulação flexível”, irá determinar, nos países capitalistas, um novo modelo

Page 61: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

59

de Estado liberal, que agora já não poderia mais ser definido apenas pelos

parâmetros do liberalismo clássico. Isso significa que, após uma breve fase de

Estado de Bem-Estar Social ou o Welfare State de Keynes era hora de

devolver ao mercado os plenos poderes políticos e econômicos. Configurou aí

o Estado neoliberal, o qual irá exercer papel fundamental na economia,

incorporando-se organicamente ao mercado de acordo com as necessidades

do mesmo.

O modelo de Estado pautado no ideário neoliberal, “constitui-se em

‘facetas’, em variantes ideológicas de um mesmo Estado burguês [...]”

(ZANARDINI, 2006, p.10), portanto, mantenedor do capitalismo e do liberalismo

fundante, só que com novas articulações, conforme trataremos a seguir.

2.3 O Liberalismo Multifacetado

Segundo Warde (1984, p. 82), “essa é a fase mais difícil de se apanhar o

liberalismo”, pois é o momento em que esse modelo político e ideológico se

reconfigura, conforme necessidades do mercado. Expressando o que pretende

afirmar ao denominar “liberalismo multifacetado”, a autora chama atenção para

o fato de que, em determinados países, pode ir desde o modelo de Estado de

Bem-Estar Social ao totalitarismo.

As múltiplas faces desse liberalismo contemporâneo resultam de “uma

rearticulação que o atualiza face a etapa da reprodução ampliada do capital em

bases monopolistas e o atualiza face a um Estado que se configura

inapelavelmente interventor e planificador” (WARDE, 1984, p. 84).

Como o capitalismo é acompanhado pelo liberalismo, as diferentes

configurações da economia produzirão diferentes configurações políticas e

ideológicas. Por isso que a terceira fase do liberalismo, conforme já

anunciamos, é tratada por “multifacetada”.

[...] os dados característicos da ideologia neocapitalista contemporânea podem ser percebidos nas raízes e no desenvolvimento do pensamento econômico americano. Porém, considerando a complexidade das mutações da ideologia burguesa contemporânea, poderíamos afirmar que tais raízes e desenvolvimento se inspiram, de certa maneira, na contribuição de Keynes (SANTANA, 1996, p. 119).

Page 62: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

60

Pelo conjunto de leituras realizadas, entendemos que o que é chamado

de liberalismo multifacetado por Mirian Warde (1984), compreende suas

“múltiplas faces”, que por e para muitos estudiosos, dentre eles Fiori (1997) e

Petras (1997), é chamado neoliberalismo29.

Para entender o contexto de reconfiguração do liberalismo no século XX,

é preciso partir da consideração de que, após a Segunda Guerra Mundial, os

mais diversos países do globo foram levados a assinar acordos30 de paz

mundial, sob liderança dos Estados Unidos. De certa forma e,

obrigatoriamente, todas as nações associadas tiveram de se enquadrar nas

novas políticas de cunho liberal, capitalistas e americanizadas. Nas diversas

configurações políticas das nações, os princípios liberais planificaram-se

aceitando algumas interferências necessárias para sua rearticulação e para,

inexoravelmente, não perder espaço para o socialismo.

Portanto, temos a incidência de vários “neoliberalismos” e nesse ponto,

podemos inferir que os autores convergem para um liberalismo de múltiplas

faces. Os quatro pontos destacados por Warde nessa nova fase do

pensamento liberal são: o tema antitotalitarismo; os modelos de Estado que se

articulam de modo teórico e prático; as lutas e as conquistas dos direitos

sociais; e por fim, a questão da epistemologia.

“O primeiro ponto é chave porque expressa a grande questão que

explode no século XX, que abala as perspectivas de dominação e hegemonia

da burguesia” (WARDE, 1984, p. 84). O Estado totalitário configurou, nesse

momento histórico, o marco da retomada do liberalismo. Um liberalismo que,

mesmo em um novo momento, não deixa de estar substancialmente vinculado

ao liberalismo clássico. Nesse novo contexto, conforme já anunciado, se fez

necessária uma reconfiguração da democracia.

A criação dos novos “modelos de democracia” se pautam na evolução

do pensamento político burguês em admitir o caráter perigoso das lutas 29 Embora compreendamos o sentido dado por Warde ao liberalismo multifacetado, nossa ênfase aqui será colocada sob o neoliberalismo, considerando a justificativa já apresentada para o desenvolvimento deste estudo. 30 Dentre os diversos tratados de paz do pós Segunda Guerra, podemos citar o Acordo de Bretton Woods assinado em 1944 entre 44 países. Nesse acordo, foram criadas regras e instituições internacionais para restabelecer a economia capitalista – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), todos sob liderança dos Estados Unidos.

Page 63: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

61

operárias (WARDE, 1984, p. 84). O período pós-guerra foi tenso nos países

onde dominava o capitalismo, a burguesia e sua ideologia liberal. Os tremores

provocados pelas duas grandes guerras ainda ressoavam na consciência de

lideranças políticas do mundo todo. De um lado

A revolução bolchevique, a constituição do Estado soviético em bases marxista-leninistas, aparecerá como um primeiro elo na cadeia de revoluções sucessivas que ferirão profundamente o aparente equilíbrio capitalista internacional. O problema não seria mais o de se criar mecanismos de contenção da periculosidade da classe operária; tornava-se necessário reforçar, sob todos os meios, a ilusão, não só para a classe operária, mas para todas as potenciais forças de pressão de que as classes trabalhadoras, abandonadas ao próprio irracionalismo destrutivo, estão na base dos Estados Totalitários: exemplos idênticos: o Estado Socialista Soviético e o Estado Fascista; para que essa identidade se fizesse plausível, fazia-se necessário descolar “radicalmente” a questão do Estado das suas bases econômico-sociais: no limite, Estado Socialista e Estado Fascista são duas expressões do Estado que foram identicamente as “bases” de uma sociedade humana e democrática (WARDE, 1984, p. 84-85).

O liberalismo precisa então, além de desencorajar os movimentos

revolucionários, dar uma contraproposta ao mundo. O que não seria fácil

naquele período de tantas dúvidas e medos. Grupos, em maior ou menor grau,

partilhavam suas ideias e propostas de Estado, diversas do liberalismo

capitalista. Avaliando esse contexto:

A resposta do liberalismo ao desafio do socialismo é, sem dúvida, a mais difícil, uma vez que a maneira concreta de realização das liberdades do ou da pode chegar a comprometer a essência do Liberalismo, ou seja, as liberdades de. Resposta difícil, também porque as formas modernas de Estado totalitário (mesmo de coloração política oposta: comunismo e nazismo) desenvolveram uma radical planificação da economia (BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G., 2004, p. 703).

A estratégia proposta pelo liberalismo deu-se primeiramente em produzir

uma aversão ao modelo político dos Estados totalitários. Considerando que o

desenvolvimento da imprensa e mídia televisiva estava em acelerada produção

e consumo, foram também utilizadas para divulgar os horrores da Guerra e

disseminar a ideologia liberal antitotalitária.

Page 64: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

62

A universalização desse liberalismo anti-totalitário dependerá basicamente do pensamento norte-americano, expresso por intelectuais norte-americanos e principalmente por intelectuais europeus imigrados dos Estados Totalitários, que serão a testemunha viva dos prejuízos “humanos” que esses Estados impuseram à “sociedade” ao mesmo tempo em que porta-vozes internacionais da grandiosidade da democracia “anglo-saxã” (WARDE, 1984, p.85).

No liberalismo multifacetado, “esse movimento de universalização (do

liberalismo), correspondeu, após a Segunda Grande Guerra, a um processo de

descolamento do conceito de Estado Totalitário das suas expressões concretas

e a sua extensão a todas as formas de governo ou de tendências políticas que

se assemelhassem formalmente à matriz (WARDE, 1984, p. 85).

Os segundo e terceiro pontos de destaque: os modelos de Estado; as

lutas e as conquistas dos direitos sociais, dizem respeito aos modelos de

política de Estado, muito embora, diversos em cada país, mas todos

articulados com diferentes modelos de democracia.

Contemporaneamente à ascensão dos Estados fascistas, os Estados

que mantêm em pauta o tema da democracia elaborarão modelos alternativos,

ao fascista tendo em vista “deter a crise oriunda de duas fontes: o ascenso

político do proletariado e o salto para o monopolismo” (WARDE, 1984, p.87).

Dentre os modelos de Estados democráticos merecem destaque o

“modelo elitista pluralista”, “modelo de democracia planificada” e o “modelo de

democracia participativa31”, esses modelos, em comum, dizem respeito à

sustentação do falso equilíbrio social promovido pelo Estado através da

participação política, ampliação dos direitos sociais e políticas públicas

(WARDE, 1984, p. 87/9).

Devido a essa generalização da articulação teórica e prática dos

Estados, é que um renascente liberalismo espalhou-se e foi apontado como a

melhor saída para os setores políticos e econômicos. Conforme nos aponta

Barbosa (2000), “a superioridade da ordem espontânea (do mercado), como

orientadora do comportamento dos indivíduos, tornaria imprescindível a

eliminação da intervenção regulamentadora do Estado no campo econômico e,

31 Por conta do recorte teórico de nossa pesquisa não convém, neste momento, esboçarmos esses modelos de Estado, portanto, sugerimos, para maiores esclarecimentos acerca do assunto, consultar a tese de doutoramento de Mirian Jorge Warde, PUC – SP, 1984.

Page 65: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

63

consequentemente, nas decisões humanas” (BARBOSA, 2000, p.10). A saída

para a manutenção da classe trabalhadora foi a retomada com novas

adequações, do Estado liberal, que atenderia minimamente as mazelas sociais

provocadas pelo conflito capital x trabalho e, desse modo, mantém, ameniza e

reproduz as relações sociais.

Contudo, não podemos deixar de inferir aqui que, embora o liberalismo

em sua segunda fase tenha devolvido ao Estado parte de seu poder de mando

visando a um “bem-estar social”, esse liberalismo não abriu mão de seus

princípios fundamentais. Ou seja, a intervenção estatal não ocorre sempre e

nem com a mesma intensidade. A assistência dada pelo Estado aconteceu em

doses reguladas, de modo que pudesse acalmar as rebeldias das massas, mas

sem prejudicar o domínio do mercado. A intervenção só aconteceu sob

extrema necessidade e de diferentes formas em diferentes países. Fora essas

breves interrupções, o que regula a sociedade, sua formação e relações de

produção incorpora a mais completa ideologia do liberalismo, tomado, agora,

como liberalismo de múltiplas faces, sustentando a lógica do capital.

Ao tratar da retomada dos princípios do liberalismo no século XX, Petras

(1997) afirma, como razões para tal, a crise do nacional-populismo que

acompanha as perspectivas do Estado de Bem-Estar Social e da queda do

socialismo.

Para melhor compreender a face neoliberal do liberalismo, vamos fazer

uso da análise comparativa entre o liberalismo clássico e o liberalismo

contemporâneo, ou neoliberalismo como prefere Petras (1997). Para ele, as

duas perspectivas são ao mesmo tempo semelhantes e diferentes e causam

também diferentes efeitos na sociedade:

[...] os efeitos que ambos exercem sobre a estrutura social e sobre a economia são bem diferentes. A imposição política de um modelo econômico pré-industrial (neoliberalismo) sobre uma formação social avançada exerce efeitos aberrantes na economia e na sociedade. Ela desarticula os setores econômicos e as regiões interligadas, e, ao mesmo tempo, marginaliza e exclui as classes produtivas (operários e fabricantes), fundamentais para o mercado nacional (PETRAS, 1997, p. 17).

Page 66: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

64

No que tange à doutrina e princípios, o liberalismo e o neoliberalismo,

têm muito em comum. “Ambas as doutrinas posicionam-se contra as

regulamentações (trabalhistas, ambientais, etc.), e a favor da ‘auto-

regulamentação’ do mercado” (PETRAS, 1997, p.16). De acordo com esse

autor, tais políticas beneficiam e tornam majestoso o poder do mercado sobre a

sociedade e, consequentemente, o poder da burguesia nessa sociedade.

Contudo, é preciso considerar que o liberalismo clássico e o

neoliberalismo são produzidos em contextos diferentes. Não que essa

produção seja descolada de condicionantes, mas aquilo que parecia

adormecido esteve sempre presente, e no processo de readequação política e

restabelecimento econômico de crises, a doutrina se transforma e se adapta

com algumas diferenças bem acentuadas.

O liberalismo e suas doutrinas de livre comércio combateram as restrições pré-capitalistas. O neoliberalismo luta contra o capitalismo sujeito às influências do sindicalismo (o chamado Estado de bem-estar social). Não obstante ambos defenderem as economias exportadoras, especializadas em produtos de suas “riquezas naturais”, sob o liberalismo isso envolvia o desmantelamento das unidades agrícolas auto-suficientes (as haciendas e a agricultura comunitária dos camponeses), enquanto que os neoliberais de hoje prejudicam a indústria nacional, pública e privada. No início, os liberais abriam mercados; agora os neoliberais mudam do mercado doméstico para o externo, minando as bases dos mercados locais para atender aos consumidores internacionais. O liberalismo converteu os camponeses em proletários; o neoliberalismo converte trabalhadores assalariados em setores “informais”, “lúmpens”, ou de trabalhadores autônomos. O liberalismo foi forçado pelo movimento a aceitar a legislação trabalhista, a previdência social e as empresas públicas; o neoliberalismo prejudica o movimento trabalhista, elimina a legislação social e representa um retorno à fase inicial do liberalismo, anterior à existência dos sindicatos e dos partidos de trabalhadores. O liberalismo estimulou o crescimento das cidades e dos complexos urbano-industriais; o neoliberalismo prejudica as cidades, transformando-as em enormes favelas, dividindo-as entre os muito ricos e os muito pobres, com uma classe média que tende a desaparecer. O neoliberalismo desfaz a complexa sociedade urbano-industrial, suas regras sociais, mercados domésticos e circuitos financeiros. Os efeitos socioeconômicos do neoliberalismo sobre os operários foram dramáticos. O mesmo aconteceu com os camponeses e com a incipiente classe operária, quando das primeiras políticas liberais que introduziram a agricultura comercial

Page 67: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

65

(commercial farming) e a fabricação não-regulamentada (PETRAS, 1997, p.16-17).

O ponto central que difere o liberalismo do neoliberalismo reside na

conjuntura política, na economia mundial (capitalismo financeiro) e na

necessária reestruturação do capital. As lacunas deixadas pelas economias

deterioradas pelas guerras e a emergente “conquista” de novas nações

produziram no liberalismo a necessidade de virar o jogo. As políticas sugeridas

pelo inglês Friedrich August Hayek (1899 –1992) e pelo economista

estadunidense Milton Friedman (1912 - 2006) tornaram a doutrina liberal neo e

muito bem vinda à economia deteriorada que colocava em riscos o modo de

produção vigente. Entre os mais diversos liberalismos existem também as

semelhanças pontuais,

[...] na medida em que defende a idéia de que o mercado, e não o Estado deveria ser o único alocador de salários e capital. Defende a “desregulamentação” total, a derrubada das barreiras comerciais, a livre circulação de bens, de trabalho e de capital. Ambas as doutrinas posicionam-se contra as regulamentações (trabalhistas, ambientais, etc.), e a favor da “auto-regulamentação” do mercado. “O melhor governo é aquele que governa menos” é o slogan que expressa esse princípio (PETRAS, 1997, p. 16).

Para a efetivação de suas metas32 o liberalismo contemporâneo busca

no liberalismo clássico a fundamentação da livre-concorrência, da liberdade de

escolhas, enfim fundamentos que asseguram o consenso de que esse modo

de produção democrático é benéfico para a sociedade.

Embora Friedman e Hayek, figuras que representam a rearticulação do

liberalismo no século XX, estivessem pautados no liberalismo clássico de

Adam Smith, o que apresentam é uma doutrina “neoliberal” que vai além da

regulação econômica do mercado. Dentre as privatizações, reforma do Estado,

desregulamentação da economia, o neoliberalismo, faz uso de ideologias e

32

Petras (1997, p. 18) aponta como metas essenciais do neoliberalismo: estabilização (de preços e das contas nacionais); privatização (dos meios de produção e das empresas estatais); liberalização (do comércio e dos fluxos de capital); desregulamentação (da atividade privada) e austeridade fiscal (restrições aos gastos públicos). Tais políticas têm sido implementadas em vários graus e de diversas formas na América Latina.

Page 68: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

66

“regula também ideias e pessoas, através da mecanização, produtividade e

improdutividade, qualidade total e competitividade” (ZANARDINI 2006, p.40).

O lançamento do livro de Hayek O Caminho da Servidão (1944)

provocativamente endereçado “aos socialistas de todos os partidos” - coincidiu

com a campanha para as eleições na Inglaterra em 1945. A obra proporcionava

o discurso necessário naqueles tempos em que o socialismo representava uma

ameaça organizada para o capitalismo (MORAES, 1997).

[...] trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciados como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. O alvo imediato de Hayek, naquele momento era o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria. A mensagem de Hayek é drástica: ‘Apesar de suas boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna (PERRY ANDERSON, 1995, p.9, apud SANTANA, 1996, p.169).

Tendo como público alvo o leitor inglês, Hayek relata que sua obra é

“resultado de discussões feitas nos dez anos anteriores à guerra, com amigos

e colegas que tinham simpatias e tendências esquerdistas. Tanto que a obra

[...] pretendeu ser um alerta [...]” (SANTANA, 1996, p.170). Um alerta que

aponta para as orientações políticas assumidas pelos países inimigos

pertencentes ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e até mesmo pelo país aliado

Rússia, que conduziriam o povo ao caminho da servidão, da tirania de um

Estado Totalitário (SANTANA, 1996, p. 170).

Hayek visualizava o crescimento das ideias socialistas e a partir de tal

constatação “realizou uma mistura, identificando tais ideias com o nazismo e o

fascismo e, ao mesmo tempo, fez uso da tradição crítica socialista de maneira

invertida” (SANTANA, 1996, p. 171). Preocupado em evitar a expansão do

socialismo, “Hayek considerava louváveis os alvos perseguidos pelos

socialistas, porém criticava os meios e instrumentos para atingi-los”

(SANTANA, 1996, p. 172), referindo-se ao Estado previdenciário.

[...] para Hayek, mesmo em países considerados democráticos, todos os homens que influem nos acontecimentos “são de certo modo socialistas”. “Dificilmente haverá alguém que

Page 69: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

67

duvide de que devemos continuar caminhando para o socialismo”, porém (e aqui consideramos que Hayek fez uso da tradição socialista de maneira invertida) muitos “estão simplesmente tentando desviar esse movimento no interesse de um grupo ou classe particulares”. Pessoas bem intencionadas estavam envolvidas com ideias socialistas, porém, não percebiam as consequências a que elas levariam. Ainda havia tempo para evitar a tirania a que seriam conduzidos (SANTANA, 1996, p.171).

Apesar da repercussão da polêmica obra de Hayek, o movimento

neoliberal ganha estrutura com a ascensão de Margareth Tatcher ao poder na

Inglaterra em 1979, com Reagan em 1980 nos Estados Unidos e Helmut Kohl

em 1982 na Alemanha. Com o poderio dessas grandes potencias nas mãos, os

neoliberais “conquistam” campo e se estabelecem na economia mundial.

Com o discurso promissor da eficiência enquanto geradora de

desenvolvimento comparando a imagem do mercado “eficiente” com a dos

setores públicos, burocratizantes e ineficientes, parecia viável aos políticos

neoliberais e seus adeptos privatizar empresas, bens públicos e até assistência

social (MORAES, 1997, p. 25).

Na América Latina, sobretudo nas duas últimas décadas do século XIX,

a transformação neoliberal exerceu influências no seu campo político,

econômico e ideológico. Para os seguidores e apoiadores de

[...] tais mudanças, a América Latina tem vivido uma sensação de liberdade política e econômica: democracia liberal na política e livres mercados na economia. Afirma-se que ambos estão ligados inseparavelmente a uma revolução democrática e hoje se diz que os latino-americanos são livres para escolher uma nova forma que os conduzirá à prosperidade e à liberdade através das urnas e do mercado (PETRAS, 1997, p. 19/20).

Objetivamente, essa ideologia é difundida pelas elites, a quem de fato o

capitalismo representa benefícios e liberdade, contudo a intrigante farsa

aplicada corresponde ao imperialismo dos Estados Unidos e de outros países

líderes que exercem, além do domínio, a exploração histórica sobre os países

latino-americanos, não permitiu ao liberalismo a mesma adesão, confiança e

convicção que representavam os clássicos (PETRAS, 1997).

A forma como as mazelas do neoliberalismo foram divulgadas pelos

aparelhos ideológicos a serviço da burguesia, tinha em vista desarticular a

Page 70: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

68

perspectiva de enfrentamento político frente às situações que exijam

mudanças.

“Neoliberalismo” é uma forma histórica de capitalismo. Como tal, ela não é nem universal, nem o fim da história. As manifestações originais do liberalismo durante os séculos XVIII e XIX atravessaram crises e, eventualmente, sucumbiram. O surgimento do neoliberalismo no final do século XX reflete uma conjuntura histórica especial que pode ser melhor entendida examinando-se a configuração especial das forças sociopolíticas que convergem, tomam o poder e impõem o modelo neoliberal (PETRAS, 1997, p. 36/37).

Na direção das considerações aqui recuperadas, o neoliberalismo, deve

ser entendido como uma ideologia que objetiva justificar e promover a

reconcentração de riquezas, a reorientação do Estado em favor dos ricos e a

transferência de riquezas para o mercado estrangeiro.

Fiori trata desse período histórico de modo que, “antes como agora a

tese central dos liberais segue sendo a mesma. De Adam Smith a qualquer dos

contemporâneos, a ideia motora, a força utópica do liberalismo segue sendo a

mesma” (FIORI, 1997, p. 202), o menos de Estado e política possível, o que

pressupõe a “despolitização total dos mercados e a liberdade absoluta de

circulação dos indivíduos e dos capitais privados” (FIORI, 1997, p. 2002).

Nessas condições, o Estado deve agir como elemento de manutenção

do capitalismo, que pacifica e contorna os disparates sociais, passíveis de

anarquia, adquirindo características diversas, moldando-se conforme as

necessidades do mercado em cada época ou nação. Em casos de crise, o

Estado oferecerá condições elementares de assistência social, nada que seja

suficientemente perigoso de causar o comodismo ou inviabilizar a

competitividade produtiva.

O pensamento neoliberal vai fundamentar as políticas de Estado e as

políticas econômicas a serviço do mercado. Nas palavras de Fiori (1997), as

ideias e políticas liberais se combinaram de tal forma com o modo de produção

capitalista que

[...] muitas vezes foi a força das ideias, da ideologia e da teoria, orientando as políticas, que abriu os caminhos para o

Page 71: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

69

avanço da desregulamentação generalizada dos mercados através do mundo. Em outros momentos, esse casamento virtuoso se deu na forma que o avanço expansivo do capital foi criando e adubando o terreno para a chegada das ideias neoliberais (FIORI, 1997, p. 204).

Em sua análise, o autor expõe que a ascensão e expansão neoliberal

não foi um movimento linear. Embora o liberalismo nunca, em toda história,

tenha alcançado tamanha dimensão, a doutrina não se deu da mesma forma

em todos os lugares e países. Para entender melhor essa realocação da

doutrina liberal, Fiori (1997, p. 205-207) separa em etapas o processo de

expansão neoliberal.

A primeira etapa, [...] foi o “tempo da resistência ou da clandestinidade”. Foi o período em que germinaram as ideias expostas no final da Segunda Guerra, pelo economista austríaco Friedrich Hayek, no seu Caminho da Servidão. Foi nesta obra que Hayek antecipou as ideias seminais de sublevação contra a intervenção igualitária do Welfare State (FIORI, 1997, p. 206 – grifo nosso).

Embora as ideias de Hayek tenham permanecido durante décadas

sufocadas pelo keynesianismo, é importante destacar que tiveram seu

momento certo para se estabelecer. É o que podemos observar nas três

próximas etapas elencadas por Fiori.

A segunda etapa deste avanço do neoliberalismo, eu diria que se dá a partir dos anos 60 e é quando aquelas ideias de Hayek, e agora também de Milton Friedman e de tantos outros começam a ganhar espaço acadêmico, sobretudo nas universidades norte-americanas (FIORI, 1997, p. 206).

É nesse momento que se formam os economistas que mais tarde

assumirão posições determinantes nas economias periféricas, como é o caso

da América Latina na década de 1990.

Uma terceira etapa do neoliberalismo na conquista do poder

hegemônico mundial, segundo Fiori, foi quando “passou do campo da teoria

para a política”. Ao fazer referência aos governos de Tatcher, Reagan e Kohl,

Fiori (1997) afirma que

Page 72: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

70

[...] no governo, evidentemente, as teorias perderam muito da sua dimensão formalizada e acadêmica. Elas foram retraduzidas para o plano prático e se transformaram, primeiro, nas políticas públicas pioneiramente experimentadas pela Sra. Tatcher na Inglaterra, organizadas em torno do tripé básico da “desregulação”, da “privatização” e da “abertura comercial”. Mas, logo depois, estas mesmas ideias foram consagradas por várias organizações multilaterais que se transformaram, na prática, no núcleo duro de formulação do pensamento e de políticas neoliberais voltadas para o “ajustamento econômico” da periferia capitalista e também, é óbvio, da América Latina. Políticas que passaram a fazer parte indissociável das recomendações e das condicionantes do FMI, do BIRD, etc. (FIORI, 1997, p. 207).

Numa quarta etapa, segundo o economista:

[...] estas ideias, realmente, dão um salto de qualidade, a partir da derrota ou implosão do mundo comunista. É o momento em que as ideias neoliberais atingem os últimos redutos de resistência, mas é também o momento em que elas se transformam numa espécie de utopia quase religiosa (FIORI, 1997, p. 207).

De acordo com a leitura realizada por Fiori, no final dos anos 1980,

toda América Latina está nos braços do neoliberalismo, com exceção do Chile

que já havia adotado antes (em 1973). A forma como isso ocorreu foi quase

que comum em todo continente e realizou-se por meio de dois caminhos: um

econômico e outro político.

O caminho econômico foi basicamente o da renegociação das dívidas externas latino-americanas. Fez parte da própria renegociação a aceitação das condicionantes e das políticas e reformas econômicas de corte liberal. Simultaneamente, assistimos, no plano público propriamente dito, a uma adesão crescente, vertiginosa, talvez porque tardia, no plano ideológico ou no plano pragmático, por parte das elites econômicas e políticas latino-americanas, ao novo ideário liberal (FIORI, 1997, p. 207/208).

Segundo o autor, essas “novas” ideias não soaram suave nos países

onde se instalaram. Nos anos 1980, o impacto foi de queda na inflação, no

aumento acentuado e incentivado dos lucros, uma diminuição da ação sindical,

dos custos governamentais e privatizações das empresas públicas o máximo

Page 73: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

71

possível. Tudo isso para um “crescimento econômico sustentado e sadio”

(FIORI, 1997, p. 209), que não aconteceu.

Para resolver os problemas que decorrem das especificidades de cada

nação e a recorrente rebeldia que isso desencadeia, o Estado, orientado,

internacionalmente, criou políticas emergenciais para resolver (minimamente)

as contradições observadas. Os “problemas sociais” seriam resolvidos por

políticas compensatórias. Como essas políticas estão, via de regra, associadas

aos problemas emergenciais, suas soluções são sempre orientadas por órgãos

internacionais, a fim de manter a ordem social e econômica vigente. Sob essa

perspectiva, o liberalismo está sempre sendo rearticulado e atualizado para

evitar crises em seu sistema de “crenças e convicções” (CUNHA, 1988, p. 28).

A mídia também exerceu, internacionalmente, seu papel de

dissimuladora das reais causas dos problemas.

Simultaneamente não é dito que, apesar da queda dos salários, do empobrecimento absoluto da população e do aumento do desemprego, é exatamente nesta hora que segue sendo proposto o avanço do desmantelamento dos sistemas de proteção social como único caminho possível para aumentar o número de postos de trabalho, sobretudo no caso dos países europeus. Não sendo de se estranhar, portanto, que nestes países venha aumentando de forma continuada e geométrica aquilo que a imprensa costuma chamar de “polarização social”, o que, na prática, vai fazendo com que o capitalismo contemporâneo fique cada vez mais parecido, do ponto de vista social, com o retrato que dele fez o velho Marx, já faz algum tempo (FIORI, 1997, p.209/210).

A invasão do mercado internacional e o estrangulamento do mercado

nacional levaram países a sustentar as crises cíclicas do capitalismo mundial.

Para tanto, foram criadas políticas de reestruturação econômica

regulamentadas pelo Estado. Fiori (1997, p.210) para exemplificar o domínio

que os mercados internacionais exercem sobre as nações, cita uma célebre

frase de George Soros: “Os mercados [internacionais] hoje votam todos os

dias; eles são os que forçam os governos a adotar medidas impopulares, mas

indispensáveis. Hoje são os mercados que têm o verdadeiro sentido do que

seja o Estado”.

O modelo liberal articulado ao modo de produção capitalista

desempenhou, no decorrer de seus quase três séculos de existência, a função

Page 74: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

72

ideológica de influenciar modos de pensar e conduzir politicamente nações do

mundo todo. Tomou para si o domínio quase que completo dos meios de

comunicação internacionais e disseminou a ideologia filosófica e política do

liberalismo. Impregnou nas mais variadas ramificações da sociedade seus

princípios, e não poderia deixar de incorrer também sobre a educação.

Revisando o processo histórico do liberalismo, podemos perceber que

a educação sempre esteve presente no planejamento dos liberais, seja nos

escritos de Adam Smith, ao tratar do papel do Estado na oferta de educação

para a juventude, ou na proposição que vem e se configura a partir de John

Dewey. O fato é que, muito embora não esteja ao alcance da escola mudar

estruturalmente a sociedade, ela é chamada a disseminar e inculcar a ideologia

dominante, colaborando assim para a produção e reprodução da ordem social.

Dessa forma, o modo de produção capitalista e sua ideologia influenciam

e controlam as demais ramificações sociais. Com relação à educação,

sobretudo na formação das mentes e na preparação da mão de obra,

observamos que o controle acontece pelo inculcamento e doutrinamento das

regras da regulamentação racionalizada. Os filhos da classe trabalhadora

representam a camada social à qual é destinado esse modelo de ensino e

formação.

É neste aspecto que pretendemos tratar, no próximo capítulo, sobre o

modelo da educação liberal, que tem como principal precursor o educador John

Dewey.

Page 75: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

3 JOHN DEWEY E AS PROPOSIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO ELEMENTAR: RELAÇÕES COM O LIBERALISMO

Conforme abordado na introdução deste estudo, vemos em John Dewey

(1859-1952), um educador em diálogo com as questões sociais, políticas e

econômicas de seu tempo, uma proposta singular à educação elementar.

O propósito da primeira seção é situar John Dewey entre as questões

políticas, econômicas e sociais que assolavam seu país, os Estados Unidos.

Considerando que esse contexto é fator determinante na produção científica e

reforma educacional proposta por esse educador.

Em um segundo momento da seção abordamos, especificamente, as

proposições que Dewey faz à educação, buscando em suas obras, estabelecer

uma relação entre sua proposta educacional e as necessidades políticas e

econômicas dos Estados Unidos e demais países aliados.

3.1 John Dewey: um clássico em diálogo com as questões políticas e econômicas de seu tempo

Nesta seção, a fim de situar e compreender as proposições de John

Dewey para a educação elementar, buscamos relacionar a segunda fase do

liberalismo (apresentado no capítulo anterior) com o contexto dos Estados

Unidos no início do século XX. Afinal é com esse contexto que Dewey dialoga.

O conjunto de leituras realizadas nos permite compreender que, nesse

contexto, as nações capitalistas inseridas num processo de industrialização

avançada, necessitavam expandir fronteiras e conquistar novos mercados, mas

precisavam também manter uma unicidade interna tanto política quanto

econômica. Fatores de crise econômica como a Grande Depressão e de crise

política liberal como o crescimento do movimento comunista no mundo,

colocavam em xeque o capitalismo e o liberalismo. Os Estados Unidos

estavam entre as nações mais ameaçadas por essas crises.

Para compreendermos como John Dewey se coloca em diálogo com

esse contexto de crises, consideramos alguns aspectos de sua filosofia de

análise social. Na obra Liberalismo, Liberdade e Cultura (1970), Dewey expõe

com objetividade a relação que mantém com as mudanças sociais. Para ele “A

mudança social é um fato, e fato multifário em suas formas e de marcante

Page 76: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

74

intensidade. Em cada aspecto da vida, estão, com efeito, em processo

mudanças nada menos do que revolucionárias” (DEWEY, 1970, p. 60). As

mudanças ocorridas nos diversos âmbitos sociais são para ele inevitáveis,

porém, “[...] se o fluxo não tem de ser criado, tem de ser dirigido. Tem de ser

controlado para poder mover-se para algum fim de acordo com os princípios da

vida, pois que a própria vida é desenvolvimento” (DEWEY, 1970, p. 60).

Sua proposta pauta-se no controle da situação, em encontrar meios para

dirigir as ações, sem, contudo, perder de vista os princípios liberais. Segundo

ele:

A civilização, em qualquer caso, enfrenta o problema de unir as mudanças em curso em um plano coerente de organização social. O espírito liberal tem sua ideia própria do plano que se requer: uma organização social que torne possível a liberdade efetiva e a oportunidade do crescimento individual da mente e do espírito de todos os indivíduos (DEWEY, 1970, p.60).

Sugere que o liberalismo renasça para cumprir sua função social, “a de

mediador das transições sociais” (DEWEY, 1970, p. 54). Logicamente que

Dewey pensou reformulações para o liberalismo, uma vez que ao “surgir novas

forças e a aparecer novas necessidades, temos de reconstruir os moldes da

experiência velha para que as novas forças operem e as novas necessidades

sejam atendidas” (DEWEY, 1970, p. 54).

Assim, sua proposta pautada no “[...] liberalismo renascente se

fundamenta no método da ampliação da democracia, diferenciando-se do

fascismo e do socialismo, uma vez que, segundo Dewey (1970), esses regimes

se baseiam na aniquilação da democracia” (PEIXOTO, 1998, p.141).

Dewey expõe que os termos liberal e liberalismo, só foram usados como

definição de uma filosofia social na primeira década do século XIX. Parte de

“John Locke, o filósofo da ‘gloriosa revolução’ de 1688” (DEWEY, 1970, p.17),

para fundamentar sua teoria. Segundo sua análise:

Os pontos importantes da versão do liberalismo que nos dá Locke são os de que os governos são instituídos para proteger os direitos individuais, que preexistem à organização política das relações sociais. Um século mais tarde, esses direitos são assim resumidos na Declaração Americana de Independência: os direitos à vida, liberdade e busca da felicidade. Entre os direitos “naturais” especialmente sublinhados por Locke está o

Page 77: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

75

de propriedade, que se origina, a seu ver, do fato de que o indivíduo pelo seu trabalho se “mistura” com algum objeto até então inapropriado. A doutrina visava diretamente à proibição de tributos sobre a propriedade sem autorização dos representantes do povo. A teoria culminava no direito à revolução. Desde que os governos eram instituídos para proteger os direitos naturais do indivíduo, eles perdiam o direito à obediência quando feriam ou destruíam esses direitos em vez de defendê-los. A doutrina serviu aos objetivos de nossos antepassados em sua revolta contra o governo britânico e também teve larga aplicação na Revolução Francesa de 1789 (DEWEY, 1970, p.17).

Dewey sinaliza que o princípio dessa doutrina era político, contudo

“Locke legou ao pensamento social posterior uma rígida doutrina de direitos

naturais inerentes aos indivíduos, independente da organização social”

(DEWEY, 1970, p.18). Os direitos naturais (como a razão, pensamento e ação),

sob essa perspectiva, aparecem como um dote natural ao homem. Dewey

confirma que “tôda índole dessa filosofia é individualista no sentido em que

individualismo opõe-se à ação social organizada” (DEWEY, 1970, p. 18 – grifos

nossos), além de sustentar “o primado do indivíduo sobre o Estado” e de definir

o indivíduo enquanto proprietário de seus direitos naturais, “sendo a única

função do Estado, a de salvaguardá-la” (DEWEY, 1970, p.18).

Nesse momento histórico, o liberalismo ulterior, segundo Dewey,

descendia da “concepção de um natural antagonismo entre governante e

governado, interpretando como a oposição natural entre o indivíduo e a

sociedade organizada”. Sob sua análise, foi no decorrer da história e “[...]

somente na segunda metade do século dezenove que nasceu a ideia de que o

governo podia e devia ser um instrumento para assegurar e estender as

liberdades dos indivíduos” (DEWEY, 1970, p.18).

Para Dewey, o pensamento liberal de Locke, além da intenção

econômica de proteção à propriedade, tinha uma intenção política de proteção

aos direitos naturais, chegando a designar “por propriedade tudo que está

implícito em ‘vida, liberdades e possessões’; o indivíduo tem a propriedade de

si mesmo, de sua vida e de suas atividades: a propriedade, nesse sentido

amplo, é que cabe à sociedade política proteger” (DEWEY, 1970, p.19).

Na análise desse educador,

Page 78: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

76

A concepção do trabalho como fonte do direito da propriedade surgiu não tanto para proteger a propriedade contra o confisco pelo governante (este direito estava praticamente assegurado na Inglaterra), quanto para urgir e justificar a liberdade de usar e investir capital e o direito dos trabalhadores de ir e vir e buscar novas formas de emprego – reclamos que eram negados pela lei comum herdada das condições semifeudais anteriores (DEWEY, 1970, p.19).

A liberdade enquanto abordagem sociológica do indivíduo persistiu, “do

contrário, a nova teoria não teria sido liberal” (DEWEY, 1970, p. 20). Porém, na

prática, adquiriu um significado diverso, uma vez que “o efeito final foi o de

subordinar a atividade política à econômica: ligar as leis naturais às leis da

produção e da troca e dar à primeira concepção de razão uma significação

radicalmente nova”. Para Dewey, “Adam Smith está indissoluvelmente

associado com a introdução dessa transformação” (1970, p. 20). Tendo ele

defendido que “[...] a atividade dos indivíduos, libertos tanto quanto possível de

restrições políticas, é a principal fonte do bem-estar social e a fonte última do

progresso social” (DEWEY, 1970, p.20). Pois havia em cada indivíduo uma

tendência “natural [...] de melhorar a sua própria condição por seu esforço

(trabalho), a fim de satisfazer suas necessidades naturais” (DEWEY, 1970, p.

20).

Seguindo essa análise, “o bem-estar social resulta do efeito cumulativo,

conquanto sem propósito nem plano, da multidão de esforços individuais

convergentes para o aumento de bens e serviços” (DEWEY, 1970, p.20).

Logicamente que esse individualismo, no princípio, logo após o regime feudal,

representava uma conquista à sociedade de modo geral. Poder comerciar

livremente e acumular bens era de fato uma novidade. Contudo, o domínio do

mercado sobre o Estado e a vida das pessoas gerou problemas que se

agravaram no decorrer da história da luta de classes.

Assim, de várias fontes e sob várias influências, desenvolveu-se uma fissura interna no liberalismo. Essa ruptura interior é a causa da ambiguidade de que o liberalismo ainda sofre e que explica sua crescente impotência. Há ainda os que se dizem liberais e definem o liberalismo nos termos da velha oposição entre a área da ação social organizada e a do puro esforço e iniciativa individual. Em nome do liberalismo mostram-se ciosos de toda extensão da atividade governamental. Podem, relutantemente, conceder a necessidade de medidas especiais

Page 79: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

77

de proteção e alívio tomadas pelo Estado em períodos de grande tensão social, mas são os inimigos declarados da legislação social (mesmo a proibição do trabalho de crianças), como medidas duradouras de política social (DEWEY, 1970, p. 35/36).

Considerando o contexto em que Dewey está inserido, a fase do

liberalismo de transição e implementação do capitalismo monopolista (início do

século XX), alguns condicionantes o fazem dialogar com a real eficiência do

liberalismo para o modo de produção social do período. Nesse momento, a

economia capitalista, da qual já tratamos, encontra-se agravada pela crise de

1929. Politicamente, os Estados totalitários descaracterizam os princípios

liberais, principalmente, no que tange à democracia. E no aparato social, o pós

Primeira Guerra deixou economias devastadas e milhões de pessoas em

situação de sobrevivência crítica.

Diante desse quadro, Dewey (1970) propõe uma revisão dos princípios

liberais, avaliando que, o

[...] símbolo da persistente crise de crença e ação em que entrou a se debater o liberalismo com a insistente solicitação por organização social, isto é, por uma síntese construtiva de pensamento e institucionalização social. O problema de realizar a liberdade alargou-se e aprofundou-se incomensuravelmente. Deixou de se apresentar como um conflito entre governo e liberdade individual, para se fazer um problema de estabelecer toda uma ordem social, possuída de autoridade espiritual para nutrir e dirigir tanto a vida exterior, quanto a vida interior dos indivíduos. O problema da ciência já não era apenas o da aplicação tecnológica para o aumento da produtividade material, mas o de imbuir as mentes dos indivíduos com o espírito de razoabilidade requerido pela organização social e necessário para o seu desenvolvimento. Percebera-se que o problema da democracia não se resolvera e fora apenas tocado em sua forma exterior pelo estabelecimento do sufrágio universal e do governo representativo (DEWEY, 1970, p.39).

Nesse contraponto, Dewey (1970) propõe uma reforma no modo de

aplicação dos princípios liberais, apontando suas falhas com o objetivo de

reformar e não extinguir ou admitir sua histórica impotência. A respeito da

igualdade, Dewey (1970) anuncia:

Page 80: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

78

Quando se tornou evidente que disparidade e não igualdade era a real consequência do laissez-faire, os seus defensores desenvolveram um duplo sistema de justificação apologética. Em uma das frentes, recuaram para as desigualdades naturais dos indivíduos em suas estruturas morais e psicológicas, afirmando que a desigualdade de fortuna e status econômico é a consequência “natural” e justificável do livre jogo dessas diferenças inerentes. [...] A outra frente de defesa é a da incessante glorificação das virtudes que se julgam centrais e inerentes aos indivíduos como tais. Sou dos que acreditam que precisamos de mais - e não de menos - rugged individuals e é em nome do rugged individualism33, que lanço meu desafio ao argumento (DEWEY, 1970, p.45).

A respeito do princípio do individualismo, Dewey (1970), argumenta que

São das leis psicológicas dessa natureza isolada dos indivíduos que derivam as leis sociais, que a elas se podem reduzir. A sua própria ilustração da diferença entre a água e o oxigênio e hidrogênio separados lhe poderia ensinar melhor, se não fosse a influência do dogma apriorístico. Que a criança se modifica na mente e no caráter pela sua ligação com os outros na vida de família e que a modificação continua através da vida, à medida que suas conexões com os outros se alargam, é tão verdade quanto é que o hidrogênio se modifica quando se combina com o oxigênio. Se generalizarmos a significação deste fato é evidente que, embora haja estruturas orgânicas e biológicas que se mantêm geralmente constantes, as reais “leis” da natureza humana são leis dos indivíduos em associação e não de seres na condição mítica de separados de associação. Em outras palavras, o liberalismo que professa sinceramente fundar-se na importância da individualidade deve preocupar-se, sobremodo, com a estrutura da associação humana (DEWEY, 1970, p.48).

Como terceiro valor da doutrina liberal, Dewey introduz a inteligência.

Desse modo, “indicando a necessidade do desenvolvimento histórico do

liberalismo e dos valores que ele proclama, o autor aponta a importância de se

atualizar também o valor da inteligência” (PEIXOTO, 1998, p. 135).

Para ele, a concepção de inteligência aplicada até o momento estaria

deslocada da experiência e da função de dirigir a ação (DEWEY, 1970, p.49),

não sendo capaz de apontar “propósitos construtivos” para a sociedade liberal.

Além disso, para ele, “a crise do liberalismo liga-se a haver falhado em

33 Em nota, nesta obra, Anísio Teixeira define que “Rugged individualism” é a expresão “cunhada por Herbert Hoover, ex-presidente dos Estados Unidos, para designar a ‘aspereza’, independência, iniciativa e vigor dos indivíduos, referindo-se aos que triunfam economicamente.”

Page 81: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

79

desenvolver e sustentar uma concepção adequada da inteligência, que a

integrasse nos movimentos sociais e a fizesse um fator capaz de lhes dar

direção” (DEWEY, 1970, p.51).

As liberdades civis que possuímos, por mais precárias que o sejam hoje, foram, em grande parte, fruto dos seus esforços e dos liberais franceses que se empenharam na mesma batalha. Mas a sua teoria básica em relação à natureza da inteligência não é de molde a nos oferecer qualquer seguro fundamento para a vitória permanente da causa que esposaram. Reduziram a mente a um complexo de associações entre elementos atômicos, do mesmo modo por que reduziram a sociedade a um composto similar de associações externas entre indivíduos, cada um tendo a sua própria natureza independente, fixa e isolada (DEWEY, 1970, p.49).

Partindo desse pressuposto, avalia a concepção de inteligência usada

até o momento e propõe uma nova concepção, considerando que, diante do

contexto social, a “[...] visão de inteligência, como valor liberal, deve ser

alargada e deve ser entendida como um processo ativo, sendo ampliada por

meio de políticas sociais que democratizem o saber social” (PEIXOTO, 1998, p.

135). Na verdade, o que propõe Dewey (1970) é que a inteligência amplie a

democracia. A escola e o Estado teriam papel fundamental nesse processo,

pois na concepção de Dewey, a “[...] inteligência ativa é alcançada mediante a

educação e a implementação de políticas sociais elaboradas pelo legislativo”

(PEIXOTO, 1998, p.135).

O que se destaca a partir dessas ponderações de Dewey a respeito dos

princípios do liberalismo é que o momento exigia uma reconfiguração das

políticas econômicas e também do modelo de Estado vigente, uma vez que

aquele já não contemplava mais as necessidades de reprodução das relações

sociais capitalistas. Na medida em que o conflito entre a relação capital e

trabalho se agravava, novas medidas deveriam ser tomadas. Esse momento

suscitavam em Dewey muitas dúvidas:

Dewey entendia que o problema do liberalismo, desde a sua origem, sempre foi o da organização social, pois os liberais do início do século XIX, ao lutarem contra a organização social vigente, com o objetivo de emancipar os indivíduos, teriam desenvolvido uma potente crítica e análise. No entanto, as

Page 82: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

80

dificuldades começaram a aparecer e a efetivação dessa nova organização social mostrou-se insustentável. Dessa forma, o otimismo se dissolveu diante dos evidentes conflitos entre nações, classes e raças e, já no fim do século XIX, a crise do liberalismo tornava-se evidente [...] (FREITAS, 2009, p. 37).

O modo como a democracia vinha operando em um momento político

universalmente delicado, produzia um descontentamento em Dewey, fato que o

levou a indagar sobre

[...] o que é realmente o liberalismo; quais os elementos, se é que existem, de valor permanente nele envolvidos e como podem tais valores ser mantidos e desenvolvidos nas condições que hoje enfrenta o mundo. Levantei comigo mesmo estas perguntas. Esforcei-me por descobrir se era possível continuar uma pessoa, honesta e inteligentemente, a ser um liberal e, no caso afirmativo, que espécie de fé liberal poderia hoje ser defendida (DEWEY, 1970, p.16).

É devido a essas indagações, que Dewey acreditou não serem apenas

suas, que decidiu divulgar o resultado de seus estudos e as conclusões a que

chegou. Dessa maneira, afirmou a importância que teve o liberalismo na

história, sua origem e seu desenvolvimento e afirmou que “o liberalismo teve

uma carreira de altos e baixos, significando na prática coisas tão diferentes a

ponto de serem opostas umas às outras” (DEWEY, 1970, p.16), e no momento

histórico em que se encontrava, sua reabilitação pode significar a saída para os

problemas visualizados pelo autor.

Na análise de Freitas, “o liberalismo era passível de crítica para Dewey,

mas não em suas questões universais (cinco princípios liberais) e, em sendo

universal, seria a formulação de pensamento mais adequado para que o

mundo pudesse encontrar saídas para as muitas crises em que estava imerso”

(2009, p. 37).

Ao analisar os problemas de seu tempo, Dewey apontou algumas

consequências para o pensamento liberal:

A primeira é que, durante o desenvolvimento do liberalismo, a velha oposição entre o Estado e a liberdade de ação econômica ou de crença, vai sendo derrubada, o que demonstra que o liberalismo não é uma concepção imutável. Ele, desde seu surgimento, vem se modificando dentro dos

Page 83: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

81

limites sociais que lhe são impostos. Os conflitos sociais e os movimentos fazem parte do desenvolvimento social e alteram o liberalismo, mantendo os seus princípios fundamentais. Isto porque, segundo o autor, desde sua origem, ele sempre significou uma concepção de liberdade e de crença na ação. [...] É por esse motivo que, para Dewey (1970), o desenvolvimento que vai alterando o liberalismo do laissez-faire, introduzindo, pouco a pouco, a ideia da ação governamental, é produto da característica do liberalismo que sempre se pautou nas ideias de liberdade e ação (PEIXOTO, 1998, p.128).

Dessa forma, o que esse teórico fez é um diálogo com o modo como o

liberalismo vinha operando politicamente, propondo sim inovações, mas não a

extinção dessa ideologia.

Dewey estava em diálogo com os economistas e políticos dos Estados

Unidos, sobretudo com as teorias keynesianas do Estado interventor. Era um

liberal, portanto defensor do modo capitalista de produção. A democracia foi

seu grande escudo, fez dela a razão pela qual lutou por esse modo produtivo.

E desse modo, a teoria educacional que propôs é adaptativa e conciliadora das

tensões sociais.

É certo existirem conjunturas em que cessa momentaneamente o interesse e a atenção afrouxa, tornando-se necessário reforçá-los. Mas o que faz uma pessoa perseverar em árduos esforços não é a fidelidade a um dever abstrato e sim o interesse pela sua ocupação. Os deveres são os atos especiais necessários ao desempenho de uma função – ou, em linguagem comum, para a pessoa fazer o seu trabalho. E homem verdadeiramente interessado em seu trabalho é o que se sente capaz de resistir a um desalento temporário, de perseverar em face dos obstáculos, de aceitar os ossos do ofício: para ele torna-se um interesse resistir às dificuldades e distrações, e vencê-las (DEWEY, 1979, p.388).

A sua proposta visava à formação do novo tipo humano, o americano

forte, que não se deixava abater diante das crises, portanto racional e

adaptável aos problemas sociais:

A consolidação do Estado-nação exigia a formação de uma consciência nacional. A guerra civil não proporcionou uma hegemonização social e nem tampouco permitiu uma igualdade social. Economicamente, as diferenças eram bastante acentuadas. Porém é importante registrar que essas diferenças de classe e os preconceitos foram camuflados por um

Page 84: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

82

sentimento de soberania nacional. Nos Estados Unidos, a unidade nacional era assegurada pelo culto aos princípios básicos da Declaração da Independência de 1776, em que a liberdade, a democracia e o sentimento de solidariedade mantinham-se idealizados, embora, na prática, esses sentimentos não se estendem a toda sociedade, já que escravos, operários e mulheres não dividiam o mesmo sentimento, estavam excluídos de todo processo político (GALIANI, 2009, p. 57).

Dewey não concordava com essa exclusão social e, durante sua vida

sempre esteve envolvido com questões sociais que permitissem a toda a

comunidade, respeitando o significado expresso no liberalismo, o direito e a

liberdade à participação política. Para ele, a democracia não faria sentido se

não pudesse ser aplicada em todas as esferas sociais, na família, na escola, no

Estado, etc. Negar a liberdade seria negar os fundamentos que sustentam o

liberalismo americano.

O liberalismo em crise faz emergir uma nova tendência que poderá

colocá-lo na história real, evidenciando assim que ainda possui potencial e

capacidade para se reafirmar nas práticas sociais (PEIXOTO, 1998, p.130),

para Dewey (1970), o liberalismo contém possibilidades de desenvolvimento,

mantendo, no entanto, seus princípios básicos como concepção.

Pensando nisso, Dewey propõe um liberalismo renascente, que

resgatasse as questões éticas e morais, sob os cuidados do Estado.

A defesa da intervenção estatal na economia sugeria um comportamento econômico moral, regulador de mercado e, ao mesmo tempo, um freio ao “laissez faire e ao laissez passer.” John Dewey (1970) posicionou-se favorável à intervenção estatal e sua crítica aos economistas liberais era no sentido de que [...] os economistas liberais montaram um corpo de doutrina em que o regime de liberdade econômica, dirigia automaticamente a produção por meio da competição [...], supondo que a motivação e o interesse próprio do indivíduo libertariam as energias produtoras marchando-se para uma crescente abundância (GALIANI, 2004, p.124).

Alcançar um equilíbrio econômico nos Estados Unidos demandava uma

aliança entre a política e economia. Ford, conforme já citamos no capítulo

anterior, acreditava que o corporativismo poderia se autorregular, tanto que,

durante a crise, ele aumentou o salário de seus funcionários com vistas a

Page 85: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

83

elevar o consumo e assim produzir um alívio nas finanças. Sua tática falhou, a

crise permaneceu e aumentou. Após quase meio século de uma “longa e

complicada história” (HARVEY, 2004, p.122), por fim,

O fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo [...]. O equilíbrio de poder, tenso, mas mesmo assim firme, que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado, e que formou a base de poder da expansão de pós-guerra, não foi alcançado por acaso – resultou de anos de luta (HARVEY, 2004, p. 125).

Como já expusemos, Keynes e Ford convergiram para uma necessária

implementação de um plano de intervenção social sobre a formação da ética e

da moral do trabalhador americano. Sob esse aspecto, podemos considerar

que Dewey será um forte aliado no plano de restauração da economia

capitalista dos Estados Unidos, com suas proposições para a educação.

Na seção seguinte, discutiremos quais foram as proposições de Dewey

para a educação elementar tendo em vista expressar sua relação com o

liberalismo.

3.2 Dewey e o liberalismo: proposições para a educação elementar

Na unidade anterior, nossa preocupação foi o cuidado para situar o leitor

na filosofia de Dewey, lembrando seu contexto histórico, político e econômico,

de acordo com os diálogos que estabeleceu para dar conta de resolver um

problema que considerava de ordem social. Dewey é respeitável por estar

entre os poucos filósofos da educação a experimentar sua teoria em uma

escola fundada por ele mesmo, contudo não podemos deixar de considerar

aqui que esse educador – como todos, aliás – não estava neutro na elaboração

e aplicação de suas teorias. Ele mesmo fez questão de deixar isso bem claro

na sua obra Liberalismo & Ação Social, escrita em 1935.

Dewey critica a educação tradicional, por usar métodos verticalizados,

que traziam em sua essência imposições de cima para baixo e de fora para

dentro. A imposição da autoridade sobre normas e padrões adultos não

permitia a liberdade, isso inquietava Dewey, porque via nesse modelo

educacional a adequação ao modelo social imposto nas sociedades autoritárias

ou mesmo no interior das fábricas (GALIANI, 2009, p. 103).

Page 86: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

84

Dewey propõe uma educação que, em sentido mais amplo, forme “os

hábitos dominantes da mente e do caráter” (DEWEY, 1970, p. 62), uma vez

que, para ele, “as mudanças tão aceleradas criaram confusões e incertezas

que revelaram a falta de preparação mental e intelectual para elas” (WARDE,

1984, p.123). Diante desse quadro generalizado de incertezas, Dewey

descaracteriza os novos rumos político-sociais, tratando-os por catástrofes:

Não é de surpreender que os homens tenham procurado proteger-se do impacto de tão vasta mudança, recorrendo ao que os psicanalistas chamam racionalizações, isto é, fantasias protetoras. A ideia vitoriana de que a mudança é parte de uma evolução que nos levaria, através de fases sucessivas, a algum pré-ordenado, distante e divino acontecimento, é uma racionalização. A concepção de uma súbita, completa e quase catastrófica transformação, que traria a vitória do proletariado sobre a classe dominante, é outra semelhante racionalização (DEWEY, 1970, p.61 - grifo nosso).

Desse modo, o autor confere ao plano ideológico a causa dos problemas

sociais. Para ele, os indivíduos sem uma vasta inteligência diante dessas

mudanças sociais podem perder-se ante seu “alcance e intensidade” e serem

facilmente cooptados por ideias ilusórias de transformação social. Consiste,

nesse aspecto, a grande responsabilidade do liberalismo “que pretende ser

uma força vital da sociedade. A sua tarefa é, antes de tudo, a de uma

educação no sentido mais largo do termo” (DEWEY, 1970, p.62).

Ao realizar a crítica daquilo que chama de “catastrófica transformação”,

Dewey insere uma concepção de educação de cunho ideológico e moral como

princípio fundamental para a concretização da reforma liberal.

Quando, pois, digo que o primeiro objeto de um renascente liberalismo é educação, com isto desejo acentuar que sua tarefa é a de ajudar a formação de hábitos da mente e do caráter, de padrões morais e intelectuais, que estejam de algum modo mais concordes com a atual marcha dos acontecimentos. [...] pensamento resoluto é o primeiro passo na mudança de ação, que, por sua vez, conduzirá a novas mudanças necessárias nos moldes da mente e do caráter (DEWEY, 1970, p.64/65).

Uma educação adequada, segundo Dewey (1970) levaria à plena

democracia, voltada para a liberdade na ação e na inteligência, que estabeleça

amplamente a harmonia nas relações sociais. A democracia em Dewey (1970),

Page 87: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

85

[...] não é a que se consegue com a ampliação dos mecanismos de participação dos indivíduos no âmbito político, ela é mais expandida, requer mecanismos de democratização da própria sociedade civil, que é possível, segundo o autor, porque, apesar da existência dos conflitos de classe, a tendência da sociedade em seu desenvolvimento seria o de minimizar a importância desses conflitos, surgindo inúmeras pluralidades que não necessariamente passariam por dentro da lógica do conflito entre as classes existentes. Uma sociedade plural é uma sociedade que necessita da concepção como método (PEIXOTO, 1998, p.143).

No entanto, é preciso ter claro que, ao tratar da democracia, Dewey

parte do pressuposto de que ela representa sempre como limites as relações

capitalistas que a produzem, afinal:

Dewey (1970), apesar de admitir a existência de luta de classes e de interesses conflitantes, não concorda que a saída seja uma mudança drástica da sociedade, que em sua concepção não resolveria o conflito de interesses. O método para se conseguir mudanças radicais das instituições não é o da luta de classes, mas o desenvolvimento do princípio da inteligência, visando a assegurar na sociedade a liberdade concebida como liberdade real (PEIXOTO, 1998, p.138).

E afirma;

É completamente verdade que o que está acontecendo socialmente é o resultado da combinação dos dois fatores, um dinâmico e outro relativamente estático. Se quisermos dar a essa combinação o nome de capitalismo, então será um truísmo dizer que o capitalismo é a “causa” de todas as importantes mudanças sociais que ocorreram – afirmação que os representantes do capitalismo estão ansiosos por fazer, sempre que o aumento da produtividade esteja em questão. Mas, se quisermos compreender e não apenas dar títulos favoráveis ou desfavoráveis, conforme seja o caso, devemos, por certo, começar e acabar pela discriminação e análise (DEWEY, 1970, p.82).

Para Dewey, a causa dos problemas sociais está na razão, no modo

como se concebe a inteligência e a ciência, e não no modo de produção e nas

relações sociais que este estabelece. Esse teórico, corroborando essa

interpretação, atribui à evolução da inteligência e produção científica as

mudanças concretas que ocorreram na sociedade: “A guerra moderna tem um

poder destrutivo além de tudo que se tenha conhecido no passado” (DEWEY,

Page 88: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

86

1970, p. 83). E reforça: “Esse aumentado poder destrutivo se deve

primariamente ao fato de que a ciência elevou a um novo grau a capacidade

destrutiva de todos os instrumentos de hostilidade armada” (DEWEY, 1970,

p.83).

Dewey alerta que, caso o liberalismo, sob um cunho positivista de

moralidade e organização, não seja restabelecido, os países totalitários

provocarão a extinção do modo de produção capitalista.

Reduzir o problema do futuro a uma luta entre o fascismo e o comunismo será um convite à catástrofe, que poderá arrastar a própria civilização. Um liberalismo democrático, vivaz e corajoso será a força capaz de evitar a desastrosa redução do problema. Por mim, não creio que os norte-americanos, vivendo na tradição de Jefferson e Lincoln, se enfraqueçam e se rendam sem um esforço sincero e ardente por transformar a democracia em uma realidade viva. Mas isso, repito, envolve organização (DEWEY, 1970, p. 90).

A organização se dará, na proposição de Dewey, por meio da pesquisa

que cumpra o papel de encontrar meios de dirigir e organizar a vida social

através da democracia.

Para tornar o liberalismo radical e atingir a liberdade real Dewey (1970) propõe o método da democracia, concebida como método da inteligência organizada que é desenvolvido pelo autor de acordo com três principais ideias: a primeira é de que é preciso dar consequência social à reformulação da inteligência e à ideia de liberdade de expressão e pensamento, democratizando os efeitos da ciência. [...] a segunda ideia é a de que o método da democracia, como inteligência organizada, é experimentalista e o único capaz de, em nome da maioria, resolver o problema dos conflitos sociais. [...] a terceira é a de que a educação assume fundamental papel no liberalismo renascente. Para que a educação cumpra esse papel é necessário que ela não apenas mude os hábitos e os pensamentos, mas que propicie uma efetiva ação dos indivíduos que para ser possível são necessárias alterações institucionais (PEIXOTO, 1998, p.138).

A organização da vida social deve voltar-se “para a variedade de

culturas que existem e para a variedade de elementos constitutivos da natureza

humana” (DEWEY, 1970, p. 125), operando para que se possa interagir nessas

variedades constitutivas. Cabe, portanto, à pesquisa

Page 89: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

87

[...] descobrir os modos pelos quais os elementos constitutivos da natureza humana, inata ou já modificada, interagem com os elementos específicos definidos constitutivos de uma dada cultura; conflitos e acordos entre a natureza humana de um lado, e costumes e regras sociais de outro, sendo produtos de modos especificáveis de interação (DEWEY, 1970, p. 125).

Perpassando sua teoria educacional, Dewey define a sociedade

democrática como a ideal para aplicação de seu sistema educacional e, mais

precisamente, a única possível de realizar verdadeiramente a educação

proposta por ele, uma vez que nela os objetivos são partilhados por todos em

comum, sem a imposição por alguns grupos sociais (CUNHA, 2007, p. 12).

Nas palavras de Dewey,

[...] o objetivo da educação é habilitar os indivíduos a continuar sua educação – ou que o objeto ou recompensa da educação é a capacidade para um constante desenvolvimento. Mas esta ideia só se pode aplicar a todos os membros de uma sociedade quando há mútua cooperação entre os homens e existem convenientes e adequadas oportunidades para a reconstrução dos hábitos e das instituições sociais por meio de amplos estímulos decorrentes da equitativa distribuição de interesses e benefícios (DEWEY, 1979, p. 108 – grifos do autor).

A respeito do princípio da inteligência, Dewey (1979, p.111) se posiciona

no seguinte formato, fazendo jus ao princípio da individualidade e ao moralismo

próprio do Estado americanista/fordista.

Um homem é pouco inteligente quando se satisfaz com conjeturas mais vagas do que conviria sobre o resultado de seus atos, contando sempre com a sorte, ou então quando faz planos sem observar as condições atuais, inclusive suas próprias aptidões. Essa ausência relativa de inteligência significa que se deixa guiar mais pelos sentimentos, em relação àquilo que vai acontecer. Para sermos inteligentes, devemos “parar, olhar, escutar”, a fim de conceber um plano de ação (DEWEY, 1979, p. 111/112).

Considerando necessário reformular as concepções educacionais de

sua época para atender as suas proposições a respeito da democracia e da

inteligência, Dewey elabora uma crítica à maneira de se ensinar nas escolas.

Page 90: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

88

Era definidamente hostil a tudo que lembrasse planejamento social coletivo. A doutrina do laissez-faire aplicava-se tanto à inteligência quanto à ação econômica, embora o conceito de método experimental na ciência exigisse o controle por ideias complexas projetadas em possibilidades a serem realizadas na ação. O método científico se opunha tanto ao faze-o-que-desejares em matéria intelectual quanto à confiança em hábitos da mente, cuja sanção fosse a de que tinham sido formados “por experiência” no passado. A teoria da mente sustentada pelos primeiros liberais avançou além dessa dependência no passado, mas não chegou à ideia da inteligência experimental e construtiva (DEWEY, 1970, p.49/50).

Ao propor a aplicabilidade da inteligência baseada na ação, na empiria,

o autor sustenta que se deve a isso a consolidação e durabilidade do

liberalismo. Com base nessa concepção far-se-á as suas proposições para a

educação.

O liberalismo está comprometido com um fim, ao mesmo tempo duradouro e flexível: a liberação dos indivíduos de modo que a realização de suas capacidades seja a lei de suas vidas. Está comprometido com o uso da inteligência liberada como o método de dirigir a mudança (DEWEY, 1970, p.60).

Conforme já apontamos, John Dewey escreve no contexto da Segunda

Guerra Mundial e dos modelos de Estados fascista, socialista e liberal em

conflito. Após a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, a crise

econômica gerou forte recessão nos países governados pela “mão invisível” do

mercado. Tornava-se fundamental, nesse momento, encontrar uma política

educacional que contemplasse os anseios daquela classe dominante, que

fosse ao encontro dos pressupostos que a colocou no poder e, como não

poderia ser diferente, a mantivesse hegemônica durante os processos de

crises cíclicas do capital.

No contexto em que se desenvolve o keynesianismo, o fordismo e a

Escola Nova de Dewey, veremos muitas afinidades dentre esses modelos de

Estado, indústria e escola.

Assim é que, para compreender a relação da proposta de Dewey com o

fordismo, precisamos lembrar que Ford, enquanto intelectual da escola da

regulamentação, mantinha-se atento à vida de seus funcionários dentro e fora

da linha de produção. Ford levava em consideração a anatomia e

desenvolvimento dos seus empregados durante a produção, ele observava a

Page 91: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

89

vida pessoal e as condições de existência de seus empregados, porque

entendia que a ‘cera’34 no trabalho tem mais a ver com as condições

psicológicas e sociais do que propriamente com a recompensa pelo salário,

embora esta seja também fundamental. Para o fordismo era importante que

seus empregados agissem de modo regulamentado também fora do trabalho, a

partir da incorporação de uma rotina. “Eles deveriam, alegava ele [Ford],

cultivar legumes nas horas vagas nos próprios jardins (uma prática seguida

com grandes resultados durante a Segunda Guerra Mundial na Inglaterra)”

(HARVEY, 2004, p. 122), para assim evitar que passassem fome durante a

crise e pudessem vir a cometer barbáries.

Na regulamentação social, a educação teve (e tem) papel fundamental.

É a abordagem ideológica em larga escala. A formação do novo tipo humano,

necessária ao modelo fordista, feita através da incorporação das novas

técnicas e modelos de produção e vivência, perpassava a educação. O

fordismo considerou necessário um diferencial na formação da mão de obra.

Dewey entendeu isso muito bem, tinha objetivos bem claros com suas

proposições para a educação, os quais casavam com os objetivos dos liberais

norte-americanos e confirmavam seu reconhecimento como um dos principais

rearticuladores do “liberalismo renascente”. Sua proposta compreendia que a

escola poderia, em seu conjunto, refletir a vida em sociedade e vivenciar as

experiências sociais, econômicas, políticas e religiosas.

Em primeiro lugar, a vida na escola deve ser como em uma sociedade, com tudo o que isto subentende. A compreensão social e os interesses sociais só se podem desenvolver em um meio genuinamente social, onde exista o mútuo dar e receber, na construção de uma experiência comum (DEWEY, 1979, p. 394).

Dewey propôs que a escola deveria estar voltada para as mudanças

que aconteciam na sociedade (GALIANI, 2009, p. 130). O foco seria adaptar o

indivíduo a atuar na sociedade capitalista organizada conforme o sistema

keynesiano de manutenção, adaptação e reprodução do liberalismo em

qualquer sociedade capitalista. A adaptabilidade da teoria keynesiana irá, após

34

A expressão “fazer cera” é usada por Taylor em seu livro Princípios da administração científica (1968) para designar as constantes falhas dos empregados, as faltas no trabalho ou a falta de interesse e morosidade no processo produtivo.

Page 92: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

90

a segunda Guerra Mundial, produzir uma economia capitalista diversificada em

diferentes países do globo.

Portanto, as sucessivas crises econômicas não provocaram uma ruptura com a concepção liberal, impulsionaram apenas certos ajustes na condução econômica do modelo capitalista. Nos Estados Unidos, a opção por um ajuste intervencionista não abandonou alguns pressupostos básicos do liberalismo. Assim, o liberalismo, como idéia aplicada à realidade concreta, ficou dividido, internamente, em duas correntes de pensamento. A primeira, apegada à idéia de liberdade como direito natural, agrupava aqueles que rejeitavam qualquer ação governamental que controlasse uma política social. A segunda defendia o princípio de que a sociedade organizada deveria usar os seus poderes para estabelecer as condições para que as multidões participassem dos vastos recursos materiais ou, em outras palavras, permitir a todos participarem, legalmente, da distribuição de bens materiais. Dewey comunga com estes princípios e as suas propostas, no âmbito educacional, foram postas como uma via que poderia contribuir para a realização desse processo (GALIANI, 2004, p.125).

Dewey, ao partilhar das ideias do Estado interventor e do

keynesianismo de modo geral, construiu uma articulação entre os ideais da

economia política e a formação do novo tipo humano. Uma formação que vai

ao encontro do perfil do trabalhador racional, do ser humano socialmente

racional.

Keynes, ao propor a cooperação do Estado, sempre se referia ao sistema econômico. E como sabemos, a educação não faz parte diretamente de tal sistema, mas pode, no entanto, estar ligada a ele de forma indireta através da preparação da mão-de-obra ou até mesmo, para lembrarmos Smith, do empenho para o não embrutecimento das mentes (SANTANA, 1996, p.153).

A respeito dessa preocupação, presente também no pensamento

fordista, Gramsci alertou que não era a toa que os industriais deveriam se

preocupar com o fator da instrução das massas.

Quando o processo de adaptação ocorre, se verifica, na realidade, que o cérebro do operário, em vez de se mumificar, alcança um estado de completa liberdade. Foi mecanizado completamente só o gesto físico; a memória do ofício, reduzidos a gestos simples repetidos com ritmo intenso, se aninhou nos feixes de músculos e nervos, o que deixou o

Page 93: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

91

cérebro livre e solto para outras ocupações. Como se caminha sem que seja preciso refletir sobre todos os movimentos necessários para mover sincronicamente todas as partes do corpo, naquele determinado modo que é necessário para caminhar assim ocorreu e continuará a ocorrer na indústria para os gestos fundamentais do ofício. Caminha-se automaticamente e ao mesmo tempo se pensa no que quiser. Os industriais americanos compreenderam muito bem essa dialética inserida nos novos métodos industriais. Entenderam que gorila amestrado35 é apenas uma expressão, que o operário permanece infelizmente homem e que ele, durante o trabalho, pensa bastante, ou, pelo menos, tem muito mais possibilidade de pensar, ao menos depois de ter superado a crise de adaptação e não ter sido eliminado. E não só pensa, mas o fato de não ter satisfação imediata no trabalho e a compreensão de que querem reduzi-lo a um gorila amestrado podem levá-lo a um curso de pensamentos pouco conformistas. Que uma tal preocupação exista nos industriais é evidente se levarmos em conta toda uma série de cuidados e iniciativas educativas que são reveladas pelos livros de Ford e pela obra de Philip (GRAMSCI, 2008, p.74/75 grifos do autor).

A formação do trabalhador, para que este não se rebelasse contra a

ordem imposta, deveria se dar também no âmbito da moralidade, da ética e da

dignidade pessoal. Dewey observou isso e entendeu que a educação

tradicional, elitista, já não comportava mais as necessidades econômicas da

época.

A educação proposta por Dewey compreendia uma formação com

objetivos claros. Adotava meios e métodos que produziriam, no decorrer da

formação, o cidadão que a sociedade exigia:

A metodologia adotada procurava meios eficazes de aprender e ensinar, tendo o aluno como centro da educação, um agente ativo no processo de aprendizagem. Os princípios básicos eram: desenvolver a solidariedade, integrar aluno e sociedade, promover atividades que favorecessem a cooperação das crianças e formar o cidadão (GALIANI, 2004, p.119).

Dessa forma, a proposta de Dewey procurou estabelecer uma forte

articulação racional entre indivíduo, sociedade e educação, por meio do

desenvolvimento de um espírito democrático, atribuindo as respectivas

responsabilidades de cada um para garantir a convivência social. E atribuiu à

35 Em nota, o redator do livro de Gramsci “Americanismo e Fordismo” explica que a expressão “gorila amestrado” é usada por Frederik Taylor e é citada a partir do livro de André Philip. “Segundo Philip, Taylor considerava que um gorila amestrado poderia fazer o trabalho atualmente efetuado por um operário” (GRAMSCI, 2008, p.66 in Nota do Redator).

Page 94: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

92

educação o papel de flexibilizar os processos cognitivos de forma que

contribuam para uma melhor adaptação do indivíduo à sociedade,

independente das suas características ou classes sociais (GALIANI, 2004,

p.132).

Compreender as propostas de Dewey converge também para a

compreensão do desenvolvimento material da sociedade, onde a educação,

sob o ponto de vista histórico, seria a alavanca para o desenvolvimento cultural

(GALIANI, 2004, p.133). Nessa proposta, a democracia é vista como a única

forma eficiente e pacífica de promover a mudança social e tornar o capitalismo

mais humano, justo e solidário. A democracia deveria ser objeto de convivência

em todos os setores sociais, para que houvesse uma assimilação consciente

da vivência democrática. Através da escola, as crianças teriam em si o

desenvolvimento de um sentimento de cooperação e democracia, os quais

seriam desenvolvidos desde os primeiros anos na intenção de acompanhá-los

por toda a vida.

Como já afirmamos, a base da pedagogia de Dewey era a formação do

homem face às transformações que se processavam na conjuntura da época.

Essa formação estava pautada nos ditames do modelo econômico, o qual

submetia o homem ao aparato ideológico do capitalismo baseado na liberdade

e emancipação apenas política do indivíduo na sociedade. Esse sistema

educacional dava ênfase, sobretudo, à fixação dos limites dessa liberdade e

formação moral.

O que se observa no contexto político e econômico em que Dewey está

situado é a preocupação constante com a manifestação de uma identidade

nacional através de discursos morais e patrióticos. Considerando a educação

como uma importante aliada na consecução desses ideais políticos identitários,

alguns países capitalistas passaram a desenvolver sistemas de ensino voltados

para esses fins e para atender a premente necessidade industrial da formação

de mão de obra (GALIANI, 2009, p. 73).

Nesse patamar,

A escola assume função de amenizadora das contradições sociais, o espaço escolar apresenta-se como neutro, um local onde todos teriam as mesmas oportunidades, os conteúdos ensinados tinham a função de habilitar os alunos para uma

Page 95: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

93

ascensão social, que dependia, porém muito mais do esforço e capacidade de cada um (GALIANI, 2009, p. 73).

O Estado foi encarregado de garantir a educação a todas as classes

sociais, uma vez que o acelerado desenvolvimento recrutava toda mão de obra

disponível. A escola ganhou duas vias funcionais: uma de formar mão de obra

qualificada, outra, de ocupar e manter sob tutela os filhos de mulheres

trabalhadoras. Este segundo ponto remete a mais uma das funções realizadas

pela escola em seu papel de mediar interesses de classes, uma vez que

conjuga interesses da indústria, da produção, com uma necessidade social da

classe trabalhadora.

Esse movimento que obrigava o Estado a se encarregar da instrução de

todas as classes da população se inicia em fins do século XIX, início do século

XX. Ganha força como um movimento social e passa mais tarde a ser

conhecido como “educação progressiva”.

Nos Estados Unidos, a “educação progressiva” se delineou no período de 1890 a 1920, quando o país passava por uma profunda mudança na sua estrutura econômica. Essa época está marcada pela transição da livre concorrência para o capitalismo monopolista. A ideologia do laissez-faire é rejeitada em nome de uma doutrina que se torna clássica: o liberalismo progressivo (progressive liberalism). Trata-se de uma perspectiva neo-liberal cuja estratégia básica é de atenuar alguns conflitos sociais, que têm origem nas contradições da economia capitalista, através de políticas sociais (DORE SOARES, 2000, p.234/235).

A tendência educacional que se configurou nesse contexto, tem sua

gênese no educador estadunidense Horace Mann (1796-1859). Foi ele quem

liderou,

[...] na primeira metade do século passado, o movimento pela escola pública e pela ideia de “escola comum” (que não era a escola das pessoas comuns ou do povo, como a Volksschule existente na Prússia do século XIX), isto é, a mesma escola para todas as pessoas, para pobres e ricos. Mann queria um sistema educacional que fosse, ao mesmo tempo, público, gratuito e não sectário. Acreditava firmemente que as crianças de diferentes origens culturais poderiam frequentar a mesma escola elementar (DORE SOARES, 2000, p.237).

Page 96: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

94

A emergência da industrialização suscitou a necessidade de uma

formação para as classes trabalhadoras. Considerando que no modelo

produtivo de Ford, a mão de obra devesse ser qualificada, os rudimentos

educacionais36 elementares deveriam ser estendidos a toda população. Assim,

estava posto um quadro político, econômico e social de expansão do ensino,

tendo em vista a demanda da qualificação da mão de obra.

Nesse contexto, “um grupo de reformadores (constituído por advogados,

negociantes, mulheres, superintendentes de escolas, clubes de empresários,

professores universitários)” (DORE SOARES, 2000, p.243) propuseram a

estratificação da escola, onde o currículo deveria sofrer alterações para atender

às necessidades do momento. E atacando a velha ideologia da “escola

comum”:

Os reformadores conseguiram influenciar o processo de democratização da escola pública secundária, impondo sua diferenciação. Procuraram de um lado preservar o currículo acadêmico para aqueles que, mais tarde, deveriam ter oportunidade de prosseguir estudos de nível superior e, de outro, desenvolver um currículo especial, de caráter vocacional, para as crianças da classe trabalhadora (DORE SOARES, 2000, p.243/4).

A proposta dos reformadores dava conta da formação exigida pelo

fordismo para os filhos de trabalhadores na qualificação da mão de obra.

Contudo, aspectos políticos exerciam influência sobre a educação da época.

36 Para a definição de rudimentos educacionais, partimos da proposta liberal clássica de Adam Smith para os gastos com a educação. Esse pensador considera que embora “as pessoas comuns não possam, em uma sociedade civilizada, ser tão bem instruídas como as pessoas de alguma posição e fortuna, podem aprender as matérias mais essenciais da educação – ler, escrever e calcular” (1985, p. 215) e caberia ao Estado a preocupação, pelo menos, parcial com os gastos para a educação das pessoas comuns. Esses gastos, segundo o autor, poderiam proporcionar ao Estado “considerável vantagem da instrução do povo” (1985, p. 217), pois evitaria gastos futuros com “temíveis desordens” (1985, p. 217). Pois, “um povo instruído e inteligente sempre é mais decente e ordeiro do que um povo ignorante e obtuso” (1985, p. 217), além do que estas pessoas estão “mais propensas a respeitar seus superiores” (1985, p. 217). Adam Smith estava deveras preocupado com a utilidade dos gastos públicos com a instrução do povo, de modo que o justifica “O Estado pode facilitar essa aprendizagem elementar criando em cada paróquia ou distrito uma pequena escola, onde as crianças possam ser ensinadas pagando tão pouco que até mesmo um trabalhador comum tem condições de arcar com este gasto, sendo o professor pago em parte, não totalmente, pelo Estado;” (1985, p. 215) e com uma cartilha apropriada poderia, “ao invés de um pequeno verniz de latim que às vezes ali se ensina aos filhos das pessoas comuns – e que dificilmente poderá ser-lhes de alguma utilidade -, se ensinasse os rudimentos da geometria e da mecânica, a educação literária dessa classe popular talvez fosse a mais completa possível” (1985, p. 215/216). Embora Adam Smith escreva no século XVIII, consideramos que parte da sua concepção de gastos com a educação ainda esteja presente nos modelos de Estados neoliberais, onde vigora um ensino voltado para o pragmatismo.

Page 97: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

95

Além da racionalização do fordismo e da nova conjuntura política do

Welfare State, duas formas políticas de Estado pairavam sobre as “mentes do

globo”37. Logo, a educação necessitava urgentemente dimensionar o novo

modelo de ensino para a formação da consciência liberal e americanizada, uma

vez que, após a Primeira Guerra Mundial, a divisão política do globo

representava uma séria ameaça ao liberalismo e ao Modo de Produção que o

engendra, sobretudo nos Estados Unidos:

O outro movimento pela introdução do trabalho manual na escola, o da educação progressiva, não defende objetivos meramente profissionalizantes [...]. Também tem em vista formar cidadãos para se engajarem ativamente no modelo político da democracia americana, de modo a dar coesão à sociedade e alargar as bases sociais da hegemonia burguesa (DORE SOARES, 2000, p.244).

A formação da classe trabalhadora não deveria acontecer apenas sob o

aspecto da formação da mão de obra, mas também tendo em vista a

incorporação da ideologia norte-americana do Estado liberal. É preciso

considerar que se tratava de um período em que a economia e a política

capitalista estavam ainda fragilizadas, observando-se o crescimento dos

Estados socialistas.

A organização da classe proletária, a ampla divulgação de ideias sobre uma nova forma de produção baseada na distribuição igualitária de bens, as reformas que se processavam no interior da Rússia contribuíram para que o Estado burguês repensasse a sua função na sociedade. Por isso, o Estado passou a implementar um conjunto de reformas econômicas e sociais, com uma política voltada para o bem-estar social. Não se pode esquecer que esta era uma forma de controle social, entretanto esse controle se efetivaria desde que existisse uma prática democrática. Para existir a prática democrática, tornava-se necessário formar um espírito democrático na população, e este se daria por meio da educação. Desta forma, a educação passaria a subsidiar uma

37 As duas formas políticas de Estado que ameaçavam o Estado liberal eram: o modelo fascista presente principalmente na Itália e Alemanha. Esse modelo representava ameaça porque, naqueles tempos de crise econômica, o Estado Fascista mantinha sob tutela a economia de sua nação, impedindo em maior grau a fome e a miséria. Outro modelo seria o Estado Socialista, presente na Rússia. Nesse modelo, o Estado tomou para si as indústrias e partilhou igualmente o trabalho e os bens entre os habitantes, impedindo também a miséria e a fome que assolavam os países capitalistas. Por isso, esses dois modelos diversos de Estado pairavam sobre as mentes dos demais habitantes do globo, pois os faziam pensar em outras possibilidades de Estado e produção social. “O trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera clamorosamente com o capitalismo pareceu imune a ele: a União Soviética. [...] E mais, não havia desemprego (HOBSBAWM, 1995, p. 100).

Page 98: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

96

prática democrática na sociedade e, ao mesmo tempo, proporcionaria mudanças sociais sem, contudo, provocar uma ruptura com a forma de organização social, ou seja, asseguraria e manteria a divisão do trabalho e a sua respectiva hierarquização social (GALIANI, 2009, p.22).

Diante dessa configuração, “a Dewey não cabia mais discutir a escola

pública, universal e gratuita” (WARDE, 1983, p.113). O que ele propunha era

muito mais amplo. Uma educação de cunho democrático, moral, voltada para o

cumprimento das normas e regras da sociedade era o que a política e a

economia dos Estados Unidos almejavam na época. O sistema educacional de

John Dewey assumia essa perspectiva.

[...] o enfoque de Dewey sobre a educação é bastante diferente daquele de Mann. Enquanto este vê a instrução como elemento integrante do conjunto da vida capitalista na direção do progresso, Dewey admite que ocorreu uma profunda separação entre instrução e capitalismo. Para ele, se o capitalismo leva à desigualdade social, a educação seria uma “via” para conduzir à igualdade. De todas as novidades estimuladas pelo capitalismo, a escola é a única que se mantém como possibilidade equalizadora da sociedade (DORE SOARES, 2000, p.239).

Com base nas proposições de Dewey, os Estados Unidos

implementaram uma reforma educacional que visava a articular os princípios

liberais e à formação da classe trabalhadora. “Atacando” o modelo educacional

tradicional, na obra “Experiência e educação” Dewey propõe um modelo de

Educação “Nova” ou “Progressiva” (DEWEY, 1971, p.3) e transpõe à educação

diversos princípios e objetivos, dentre eles, ideológicos (formação ética e

moral), experimentais (continuidade e interação) e psicológicos (individualidade

e relações sociais), fundando assim, a base da sua teoria educacional, a

“Escola Nova”.

Na escola fundada por Dewey, a preparação para a vida social se daria

através da organização diária com regras, nas quais as crianças estariam muito

próximas da real organização societária, de modo que, ao sair da escola,

encontrariam familiaridade com o modo de produção social.

Se os métodos utilizados pelo “americanismo” para formar um novo tipo de homem se baseiam essencialmente na coerção e, por isso, são exteriores e mecânicos, trata-se, então, de educar

Page 99: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

97

os homens para que eles cheguem a assumir como próprias as novas exigências da sociedade industrial. É nessa direção que surge a “educação progressiva”. Pode-se dizer que essa concepção educacional vai traduzir, no plano cultural, as novas demandas do “americanismo” (DORE SOARES, 2000, p.245).

Logo, como procuramos recuperar aqui, a familiaridade com a nova

ordem social deveria acontecer ética e moralmente.

Segundo as leituras realizadas, o olhar aprimorado de Dewey para a

sociedade em que vivia e as condições de conflito entre classes, faziam com

que ele se sentisse abalado diante do sistema educacional tradicional que

vigorava na sociedade da época. Dewey entendia que a educação é um

processo no qual o ser humano está inserido segundo suas experiências. Logo,

se as experiências de uma criança divergem das experiências do adulto seus

interesses também serão divergentes. Acompanhando essa afirmação, está a

indicação para que se considere as experiências e interesses de seus alunos

de acordo com suas respectivas faixas etárias, aproximando-se, assim, a lógica

de organização da escola à lógica de organização da sociedade.

Em vez de uma escola localizada separadamente da vida como lugar para se estudarem lições, teremos uma sociedade em miniatura, na qual o estudo e o desenvolvimento sejam os incidentes de uma experiência comum. Campos de jogos, oficinas, salas de trabalho, laboratórios, não só orientam as tendências ativas naturais da adolescência, como também significam intercâmbio, comunicação e cooperação – tudo isto atuando para aumentar a percepção de conexões (DEWEY, 1979, p. 394).

Pensando assim, Dewey organizou seu núcleo de estudos na Escola

Elementar Universitária de Chicago, a “escola de Dewey” da seguinte maneira:

Os alunos, divididos em onze grupos por idade, desenvolviam diversos projetos centrados em distintas profissões históricas ou contemporâneas. As crianças mais jovens (de 4 a 5 anos de idade) realizavam atividades que conheciam por meio da vivência em suas próprias casas ou no entorno: cozinha, costura, carpintaria. As crianças de 6 anos de idade construíam uma granja de madeira, plantavam trigo e algodão, que colhiam, transformavam e vendiam no mercado. Os de 7 anos estudavam a vida pré-histórica em cavernas por eles mesmos construídas; e os de 8 anos concentravam sua atenção no trabalho dos navegantes fenícios e dos aventureiros posteriores, como Marco Polo, Colombo, Fernão de Magalhães

Page 100: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

98

e Robson Crusoé. À história e à geografia localizavam a atenção dos de 9 anos de idade e os de 10 estudavam a história colonial, mediante a construção de uma réplica de habitação da época dos pioneiros. Os trabalhos dos estudantes de mais idade concentravam-se menos estritamente em períodos particulares (ainda que a História continuasse como parte importante de seus estudos) e mais nos experimentos científicos de anatomia, eletromagnetismo, economia, política e fotografia. Os alunos de 13 anos de idade, que haviam fundado um clube de debates, necessitavam de um lugar para reuniões, o que os levou a construir um edifício de dimensões significativas. Do projeto participaram estudantes de todas as faixas etárias, em um trabalho cooperativo que, para muitos, constituiu o momento culminante da história da escola (WESTBROOK, 2010, p. 24).

A proposta dessa “escola de Dewey”, compreendida a partir de sua

atuação na formação do homem de novo tipo para acompanhar as mudanças

sociais e econômicas, como esperamos ter demonstrado a priori, estava

pautada na ideologia do pragmatismo. Esse termo tem origem grega –

pragmata – e significa ação, ato, afazeres (MURARO, 2008, p. 18). O termo foi

empregado, originalmente, por Charles Peirce (1839-1914), no artigo “Como

tornar claras nossas ideias”, publicado em 1878. Nessa obra,

Peirce empregou o termo pragmatismo no sentido empregado por Kant, ou seja, refere-se ao termo pragmatisch que designa estar em relação com algum objetivo humano. Peirce entendeu como sendo a maneira como o conhecimento (saber racional) está relacionado com ação humana ou conduta (finalidade racional) (MURARO, 2008, p. 18).

Contudo, é a William James (1842-1910) que se deve a popularização

do pragmatismo, “quando tentou expor a doutrina de Peirce no famoso discurso

para a União Filosófica da Universidade de Califórnia com o título ‘Concepções

filosóficas e resultados práticos’ em 1897” (MURARO, 2008, p. 18). Peirce,

baseado em suas experiências de laboratório, atribui ao acaso “o estatuto de

um princípio ou lei que pode evoluir e se desenvolver por si mesmo”

(MURARO, 2008, p.23), a lei do acaso apresenta-se como uma tendência

generalizadora. Esta “tendência generalizadora é a grande lei da mente, a lei

da associação, a lei da aquisição de hábitos” (MURARO, 2008, p.23). Se a lei

do acaso pode ser aplicada, de modo geral, a todas as ações de modo

generalizado, Peirce conclui que “toda descrição de leis deve obedecer ao

Page 101: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

99

âmbito de sua operação, em torno da qual os fatos adquirem frequências

regulares, mas não absolutas” (MURARO, 2008, p.23).

Willian James diferencia-se de Peirce, ao considerar que a verdade é

uma “construção processual feita pelo sujeito através da análise das

consequências práticas em sua experiência, rompendo com as concepções de

verdade do racionalismo (verdade como reflexo do objeto que se impõe ao

sujeito)” (MURARO, 2008, p.24). Dessa forma, James não abandona a

experiência como prova da verdade, porém difere-se de Peirce, ao defender

que a “verdade é uma ideia útil que se torna verdadeira pelos acontecimentos”

(MURARO, 2008, p. 24). James considera que, dependendo do ponto de vista

de que se parte, pode-se estar certo ou errado.

Segundo Dore Soares (2000, p. 246-247), James propõe um método

pragmático para solucionar as intermináveis disputas metafísicas, concluindo

que a função da filosofia deveria ser “prática” (experimental) e não teórica

(abstrata), pois acha que as doutrinas (conceitos) têm um valor prático,

utilitário. Segundo Muraro, a versão do pragmatismo de James associa a ideia

de verdade ao que é útil e que é possível testar de acordo com os interesses e

fins a que cabem os resultados.

James promove, assim, deslocamentos significativos do conceito de verdade: do essencialismo para o funcionalismo dos conceitos; da verdade absoluta para a verdade prática, útil, funcional, ou meias-verdades temporais; do objeto para o sujeito; da razão intelectual para a reflexão prática. Esta postura marca o nominalismo de James, em relação ao realismo de Peirce (MURARO, 2008, p. 25).

Embora James tenha exercido forte influência sobre o pensamento de

Dewey, este buscou “[...] sintetizar um novo tipo de pragmatismo que, em uma

linguagem atualizada, entrelaça valores cognitivos, éticos e sociais”

(KINOUCHI, 2007, p.222 apud MASSON, 2009, p. 135). James considerava

correto que se deveria, desde muito cedo, inculcar os diferentes hábitos

corretos na criança, a fim de “liberá-la para o seu papel como um ser inteligente

e suas ideias deveriam ser, sempre que possível, postas em prática,

experimentadas” (DORE SOARES, 2000, p.252).

Dewey pensava diferente de James e,

Page 102: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

100

Desenvolvendo as ideias de James, Dewey contribuirá para difundir o pragmatismo na educação. Ele leu criticamente os Princípios de Psicologia de James, o que lhe deu uma nova dimensão sobre o “evolucionismo biológico”, fonte mais importante da transformação do seu pensamento filosófico e base das suas concepções educacionais (DORE SOARES, 2000, p.253).

Esse novo tipo foi denominado de Pragmatismo Instrumentalista para

diferenciar-se do Pragmatismo de Charles Sanders Peirce e Willian James.

Dewey propõe o seu Pragmatismo Instrumentalista, segundo o qual o

conhecimento não é mais do que uma atividade dirigida e parte funcional da

experiência38. Para ele, o pensamento seria o esforço para reconstruir a

atividade do indivíduo e colocá-lo em condição de se adaptar às novas

situações. Sua intenção era mostrar que o pensamento é uma fase

indispensável da ação, quando esta é complexa e progressiva.

A concepção de Pragmatismo em Dewey é assim definida:

A teoria do método de conhecer exposta nestas páginas pode ser denominada pragmática. Sua feição essencial é manter a continuidade do ato de conhecer com a atividade que deliberadamente modifica o ambiente. Ela afirma que o conhecimento em seu sentido estrito de alguma coisa possuída consiste em nossos recursos intelectuais – em todos os hábitos que tornam a nossa ação inteligente. Só aquilo que foi organizado em nossas disposições mentais, de modo a capacitar-nos a adequar o meio às nossas necessidades e a adaptar nossos objetivos e desejos à situação em que vivemos, é realmente conhecimento ou saber (DEWEY, 1979, p. 378).

O pragmatismo instrumental transfere à educação proposta por Dewey

um caráter mais prático do que teórico. Isso porque o pensamento deweyano

aborda, na experiência, fatores diferenciados para as coisas experimentadas:

uma, de tê-las e a outra, de conhecê-las. O conhecimento está presente nas

coisas vividas e experimentadas, ao mesmo tempo em que aquilo que

experimentamos proporciona novo conhecimento. Dessa forma, Dewey

estabelece uma relação recíproca entre experiência e conhecimento, uma

relação fundamental na filosofia pragmática (GALIANI, 2009, p. 31/2).

38 O conceito de experiência é o “[...] elemento chave de sua concepção educacional” (WARDE, 1984, p. 128). Para Dewey, a educação é a experiência inteligente, devendo ocorrer em todas as situações, e a escola seria uma delas (WARDE, 1984, p. 128).

Page 103: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

101

Dewey admitia que primeiramente,

[...] para se estabelecer a validade de um conhecimento, é necessário olhar para os resultados. Afastou-se, entretanto, de Peirce e James no modo de interpretar as relações entre o conhecimento e a realidade. Enquanto Peirce e James concebem o conhecimento como uma reprodução subjetiva de uma realidade objetiva, Dewey considera o sujeito e o objeto como um todo único; as sensações e os outros conhecimentos não são representações de um objeto, mas choques que assinalam no sujeito uma mudança a respeito de sua relação com o objeto (GALIANI, 2009, p. 34).

Na análise de Galiani, Dewey, acima de tudo, posicionou-se como um

filósofo da educação, de modo a buscar a conciliação entre algumas correntes

filosóficas, das quais o pragmatismo de Willian James, o biologismo ou

evolucionismo de Darwin e a psicologia da ação e do comportamento social. Ao

transpor para a educação essas relações filosóficas, Dewey passa a exercer

forte influência na educação norte-americana, sobretudo em virtude da sua

atuação na universidade de Columbia, onde possuía muitos admiradores de

países como Rússia, China, México, Turquia, entre outros. Desse modo, a

reputação de Dewey ganhou fama internacional e este foi convidado a proferir

Conferências internacionais, além de atuar como consultor de reformas

educacionais nesses países39 (GALIANI, 2009, p. 35/6).

O modelo educacional proposto pelas conjunturas mundiais,

principalmente pelo fascismo e socialismo, era rejeitado na filosofia

educacional de Dewey, que trabalhava na defesa de uma economia

democrática. Toda organização educacional deweyana voltava-se para a

defesa da manutenção e rearticulação do liberalismo. Extraímos assim, que a

filosofia educacional de Dewey contribuiu significativamente para rearticular e

manter a ordem liberal democrática.

39 Contudo, os resultados da aplicação das propostas de Dewey nos outros países nem sempre saíam conforme o esperado pelo seu preceptor. O modo como seus discípulos aplicavam as suas teorias, por vezes com excesso de zelo e com euforismo exagerado, os levou ao descuido com os conteúdos básicos. Dewey, ao perceber isso, passou a criticar aqueles que em seu nome envolviam os alunos em atividades “gratuitas” (sem objetivos claros) e descuidavam dos conteúdos programados. Essa atitude não impediu que seu sistema educacional fosse objeto de inúmeras críticas, entre as quais a responsabilização pelas falhas no sistema educacional americano. “Dewey e o ‘movimento Progressista foram acusados de descuidar da oferta de formação em matérias básicas, como a matemática, as ciências, e fomentar a falta de disciplina nas escolas” (GALIANI, 2009, p. 36).

Page 104: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

102

Ao analisarmos o modelo educacional proposto por Dewey, devemos

considerar que foi, sobretudo, uma maneira diferente de olhar para a

sociedade. Ele analisou a sociedade a partir de suas necessidades materiais,

práticas. “Dewey questionou a educação a partir de um modelo social e buscou

adaptá-la ao modelo social” (GALIANI, 2009, p. 45). Esse educador,

[...] foi contemporâneo de um grande movimento em favor da “americanização” dos programas escolares, isto é, uma educação voltada para elementos de higiene, ciências domésticas, artes manuais, de modo a treinar os imigrantes e os camponeses que vinham para os centros urbanos em busca de trabalho. Procurando responder a essa demanda Dewey e sua mulher montam, em 1896, uma escola “laboratório”, muito criticada na época. Para responder às críticas, Dewey fez uma série de três conferências, em 1899, que foi publicada com o título de Escola e sociedade e se tornou, imediatamente, um Best seller (DORE SOARES, 2000, p.253).

Esse “laboratório educacional” era organizado a partir de metodologias

que contemplavam desde as vivências educacionais semelhantes a uma

sociedade até chegar ao ponto de “[...] transformar a escola em uma sociedade

em miniatura para que a convivência social, o espírito de solidariedade, o

despertar de um novo sentimento democrático fossem apreendidos e

confrontados com os conteúdos científicos” (GALIANI, 2009, p.25).

[...] Dewey sistematiza sua concepção educacional, debatendo com a ‘pedagogia tradicional’ (humanista). Nesse tipo de escola, assinala o autor, as palavras chaves para o processo educacional são ‘disciplina’, ‘repressão’, ‘esforço consciente’, como se a mente fosse naturalmente hostil à forma lógica. Esse método, de acordo com Dewey, consiste em ‘vários artifícios para estimular e evocar, em sua ordem natural de desenvolvimento, as potencialidades inatas dos indivíduos’ (DORE SOARES, 2000, p.254).

Além de considerar que a escola tradicional era utilizada como meio

para diferenciar as classes sociais e desrespeitar os princípios da democracia e

da liberdade, Dewey ainda sugere que a “nova educação” seja organizada sob

novos moldes.

O triunfo ou mau êxito nessa realização depende mais da adoção de métodos educativos apropriados a efetuar essa transformação, do que qualquer outra coisa. [...] Significa, sim,

Page 105: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

103

que deveremos criar nas escolas uma projeção do tipo de sociedade que desejaríamos realizar; e, formados os espíritos de acordo com esse tipo, modificar gradualmente os principais e mais recalcitrantes aspectos da sociedade adulta (DEWEY, 1979, p. 349/350).

Buscando promover pela escola uma reforma social, não poderia, de

forma alguma, partilhar do sistema de ensino tradicional, uma vez que, esse

sistema privava, segundo ele, a liberdade de ação e expressão na sociedade.

Estes princípios, liberdade de ação e expressão, eram fundamentais na

concepção de Dewey, o qual acreditava que,

[...] à medida que a escola formasse pessoas diferentes, estaria contribuindo para a mudança da sociedade. Se a estrutura interna da escola e as matérias de estudos, com seus respectivos conteúdos, fossem orientadas para um modelo democrático, a sociedade reproduziria esse modelo (GALIANI, 2004, p.128).

Poderia, dessa forma, produzir no âmbito da escola a formação do ser

humano ideal para a sociedade que almejava. John Dewey passa a ser

apoiado em um movimento, denominado “Movimento Progressista” que ganha

espaço apoiado pelo Estado na formação de uma nova sociedade.

Creio que se pode admitir, com segurança, que uma das razões que recomendaram o movimento progressivo foi o de parecer mais de acordo com o ideal democrático de nosso povo do que os métodos da escola tradicional, que têm muito de autocrático. Também contribuiu para a sua recepção favorável o fato de serem mais humanos os seus métodos em comparação com as severidades e durezas tão frequentes dos métodos tradicionais (DEWEY, 1971, p. 24).

Segundo Galiani, Dewey,

[...] ao propor um novo método, defendia também que os conteúdos fossem úteis e necessários à sociedade capitalista. Suas propostas tinham como parâmetro a democracia articulada com a escola, com a sociedade e com o mundo do trabalho. O seu intuito era que a escola criasse condições para que todos, indistintamente de classe, participassem eficazmente na vida social. Conforme afirmou: É indubitável que uma sociedade para a qual seria fatal a estratificação em classes separadas deve procurar fazer com que as oportunidades intelectuais sejam acessíveis a todos os indivíduos, com iguais facilidades para os mesmos. Uma

Page 106: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

104

sociedade móvel, cheia de canais distribuidores de mudanças ocorridas em qualquer parte, deve tratar de fazer com que seus membros sejam educados de modo a possuírem iniciativa individual e adaptabilidade. (GALIANI, 2004, p. 127).

Dewey fundamentou que a escolha pelo método democrático na

educação não foi produzida apenas na escola. Também na sociedade, nas

tribunas, nas leis e nas assembleias nos ensinaram que “a democracia é a

melhor de todas as nossas instituições sociais” (DEWEY, 1971, p. 24) e por

isso devemos adotar o método progressivo educacional.

O método progressivo se pautava na continuidade educacional

proporcionada pela experiência. Desse ponto de vista, “o princípio de

continuidade de experiência significa que toda e qualquer experiência toma

algo das experiências passadas e modifica de algum modo as experiências

subsequentes” (DEWEY, 1971, p. 26).

John Dewey considerava o processo educativo idêntico a crescimento,

sendo compreendido como o gerúndio crescendo. “Crescimento, ou crescendo,

no sentido de desenvolvendo, não apenas física, mas intelectual e moralmente,

é um exemplo do princípio de continuidade” (DEWEY, 1971, p. 27).

As experiências diferentes de vida de cada criança requerem um grau de

compreensão elevada do educador. Transpondo as experiências da criança

para a educação, Dewey propõe que o educador esteja atento às necessidades

e possibilidades da criança em seu meio.

A responsabilidade primária do educador não é apenas a de estar atento ao princípio geral de que as condições do meio modelam a experiência presente do aluno, mas também a de reconhecer nas situações concretas que circunstâncias ambientais conduzem a experiências que levam ao crescimento. Acima de tudo, deve saber como utilizar as condições físicas e sociais do ambiente para delas extrair tudo que possa contribuir para um corpo de experiências saudáveis e válidas (DEWEY, 1971, p. 32).

Na educação tradicional, Dewey argumentava que não havia

necessidade de o educador se preocupar com esses princípios. A escola se

resumia a quadro-negro, carteiras, pequeno pátio. Não se exigia que o

educador conhecesse as condições históricas, sociais e físicas da comunidade

local, para poder utilizá-las como recursos educativos. No entanto, um sistema

Page 107: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

105

de educação pautado na necessária conexão de educação com experiência,

para ser fiel a seus princípios deve ter constantemente em vista tais elementos

(DEWEY, 1971, p. 32).

A educação tradicional não tinha que se preocupar com as questões

sociais que envolviam a criança, podia simplesmente organizar

sistematicamente o ensino objetivo, conforme estipulado pelo sistema. Na

proposta de Dewey era imprescindível ao educador conhecer as relações

subjetivas que a criança trava com os objetos e as pessoas ao seu entorno.

Não que as condições objetivas devam desaparecer, mas era necessário

reconhecer que, na maioria dos casos, trava-se uma relação de subordinação

das condições subjetivas para com as externas e/ou objetivas.

Visando formar o cidadão com autonomia pautado nos princípios da

liberdade, Dewey rejeita o ensino pela imposição, porque seus objetivos vão

além do ensino subordinado, silente e pouco expressivo da escola tradicional.

Propõe que haja uma regulação das condições objetivas de desenvolvimento

da criança, processada pela experiência passada que o educador possui. Para

ilustrar essa abordagem vejamos o exemplo que Dewey utilizou:

As necessidades da criança, de alimento, descanso e atividade, são certamente primárias e decisivas em certo respeito. A criança tem de ser alimentada, tem de ter condições adequadas para dormir, etc. Mas, isto não significa que o bebê deva ser alimentado todo momento que estiver aborrecido ou indisposto, de modo a não se poder ter programa de horas regulares para alimentação, sono, etc. A mãe tem em conta as necessidades do bebê, mas não de modo a dispensar a sua própria responsabilidade em regular as condições objetivas em que as necessidades são atendidas. [...] Em vez das condições objetivas estarem subordinadas às imediatas condições internas da criança, são elas definidamente ordenadas de modo a que a espécie particular de interação com os estados internos se processe normalmente (DEWEY, 1971, p. 34).

Dessa forma, diante da interação40, se estabelecem as condições ideais

de trato com o desenvolvimento. Dewey acrescenta que “o erro da educação

tradicional não estava na ênfase que dava às condições externas, mas na

quase nenhuma atenção aos fatores internos que também decidem quanto à

40 Para Dewey (1971, p. 34), a interação representa o segundo princípio fundamental para interpretar uma experiência em sua função e força educativa. O primeiro princípio é o da continuidade na relação do conhecimento com a criança “crescendo”.

Page 108: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

106

espécie de experiência que se tem” (DEWEY, 1971, p. 35). A interação seria

responsável pela dosagem de atenção dada à interferência dos fatores

externos ou internos na educação da criança. Caberia ao educador e sua

experiência acumulada decidir o que deveria prevalecer em cada momento.

“Os dois princípios de continuidade e interação não se separam um do

outro” (DEWEY, 1971, p. 37) porque o indivíduo e as relações que trava em

seu ambiente, seja com pessoas, brinquedos, livros ou a própria imaginação

consistem na situação de interação que se perfaz, seja por necessidades,

desejos ou aptidões durante toda a vida e nesse decorrer cria e acumula

experiência em curso. Por isso a “continuidade e a interação são aspectos

longitudinais e transversais da experiência”, uma vez que diferentes situações

sempre sucedem umas às outras (DEWEY, 1971, p. 37). Dessa forma,

O que aprendeu como conhecimento ou habilitação em uma situação torna-se instrumento para compreender e lidar efetivamente com a situação que se segue. O processo continua enquanto vida e aprendizagem continuem. A unidade substancial decorre do fator individual, elemento integrante da experiência (DEWEY, 1971, p.37).

No processo educacional propriamente dito, a criança entra com um dos

fatores e o outro fator – as condições objetivas – são aquelas que oferecem

condições de serem reguladas pelo educador. As “condições objetivas”

abrangem muita coisa. Nelas se inclui o educador, o que ele faz e como faz,

não só o que fala, mas também seu tom de voz. Incluem-se as interferências

didáticas, livros, jogos, aparelhos, brinquedos. E o mais importante de tudo, “o

arranjo social global em que a pessoa está envolvida” (DEWEY, 1971, p. 38).

Dewey atribuía à educação a responsabilidade de desenvolver e manter

o desejo41 de aprender por toda a vida do indivíduo. Mas, se o desejo nessa

41

Dewey entendia que o desejo pessoal pode ser um forte impulso para despertar na criança o interesse em aprender e “a educação tradicional tendia a ignorar a importância do impulso e desejo pessoal como dinâmicas fontes de ação” (DEWEY, 1971, p. 70). Sob esse aspecto, conseguimos fazer algumas, ainda frágeis, relações do pensamento de Dewey com Sigmund Freud, relações essas que não abordaremos aqui por não ser o foco de nossa pesquisa, embora essa relação deva ser considerada importante no estudo dos processos educacionais. Em pesquisa no meio eletrônico há um artigo que trata do assunto: ANDRADE, E. e CUNHA, M. V. Concordâncias e discordâncias de Dewey com Freud. Educ.Rev. Curitiba, n. 44, jun. 2012. Disponível em http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-0602012000200017&lng=pt&nrm=iso, acesso em 08 nov. 2012.

Page 109: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

107

direção for quebrado em vez de fortalecido, algo mais grave do que a simples

falta de preparação é que irá ocorrer. “O aluno se verá, na realidade, roubado

de sua capacidade inata de aprender, capacidade que o iria habilitar a vencer

as circunstâncias e vicissitudes naturais de sua vida” (DEWEY, 1971, p.43)42.

Na “Escola Nova”, instituída pela reforma educacional liberal, pautada

em um novo método de educação, proposto por Dewey, amparado no

movimento da “Educação Progressiva”, além das proposições educacionais

havia também a proposição de um novo perfil profissional do educador:

[...] cabe ao educador o dever de instituir tipo de planejamento mais inteligente e, consequentemente, muito mais difícil. Deve ele estudar as capacidades e necessidades do grupo que tiver de educar e, ao mesmo tempo, dispor e ordenar as condições para que a matéria ou conteúdo das experiências seja tal que satisfaça aquelas necessidades e desenvolva aquelas capacidades. O planejamento deve ser suficientemente flexível para permitir o livre exercício da experiência individual e, ainda assim, suficientemente firme para dar direção ao contínuo desenvolvimento da capacidade dos alunos (DEWEY, 1971, p. 54).

Dewey acreditava que não havia ponto mais certo na filosofia de

educação progressiva do que a participação do educando na formação de seus

propósitos, os quais dirigiam suas atividades no processo de aprendizagem.

Todos temos desejos [...]. E os desejos são as molas últimas de ação. O profissional deseja êxito em sua carreira; o artista, realizar sua obra; o pai, ter casa para sua família, educar os filhos e assim por diante, indefinidamente. A intensidade do desejo dá a medida do vigor com que se farão os esforços. Mas os desejos serão simples castelos no ar, enquanto não se traduzirem em meios para sua realização. A questão de como e quando, ou seja, dos meios, toma então o lugar de um fim nascido e projetado na imaginação e, como os meios são objetivos, têm eles de ser estudados e compreendidos para que se venha a constituir verdadeiro e genuíno propósito (DEWEY, 1971, p. 70 grifos no original).

Na educação tradicional, o currículo era estabelecido conforme os

critérios daquilo que os adultos consideravam útil ao jovem “a matéria a ser 42 Afirma que em alguns casos pessoas que mal tiveram escola alcançaram bom êxito na vida. A falta de escola não os prejudicou, fez-se talvez a sua vantagem, porque essas pessoas, longe das amarras da escola, “adquiriram o dom precioso da capacidade de aprender pela experiência” (DEWEY, 1971, p. 43).

Page 110: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

108

aprendida era estabelecida independente e fora da experiência de vida do

aluno” (DEWEY, 1971, p. 78). Na escola nova, o princípio da continuidade traz

à responsabilidade do educador “guiar os estudantes a novos campos e usar o

conhecimento dessas potencialidades como seu critério para selecionar e

organizar as condições que influenciem a presente experiência dos alunos”

(DEWEY, 1971, p. 78). É do educador o dever de, na avaliação contínua da

experiência e do processo, definir quais seriam as próximas matérias a serem

estudadas pelos alunos.

É da responsabilidade do educador ter sempre em vista estes dois pontos: primeiro, que o problema surja das condições da experiência presente e esteja dentro da capacidade dos estudantes; e, segundo, que seja tal que desperte no aprendiz uma busca ativa por informação e por novas ideias (DEWEY, 1971, p. 82).

Em sua obra Experiência e Educação, escrita em 193843, Dewey toma

uma posição diante do contexto político, econômico e social dos Estados

Unidos, assegurando a interpretação acima indicada a respeito da escolha dos

conteúdos:

Não vejo, no fim, senão duas alternativas para a educação escolher, a fim de evitar deixar-se arrastar como um movimento cego e desordenado. Um deles é o desse apelo para induzir os educadores a voltar para os métodos e ideias que surgiram muitos séculos antes do desenvolvimento do atual método científico. Num período em que a insegurança geral, tanto emocional e intelectual, quanto econômica, predomina, o apelo pode ser temporariamente bem sucedido. Sob tais condições é forte o desejo de se apoiar em uma autoridade fixa. Todavia, está tão distante de todas as condições da vida moderna, que acredito ser loucura buscar salvação nesta direção. A outra alternativa é a de utilização sistemática do método científico como padrão ideal do estudo inteligente e da busca das potencialidades inerentes à experiência (DEWEY, 1971, p. 90/91).

A discussão de Dewey estava entre a sua proposta da “escola nova” e o

secular ensino tradicional. Observamos que a proposta de Dewey preocupava-

se com o sistema de ensino proposto pelo socialismo, ele temia que a

educação fosse arrastada por esse movimento “cego e desordenado” (DEWEY,

43

A obra é escrita em 1938, aqui usaremos a edição de 1971, traduzida por Anísio Teixeira.

Page 111: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

109

1971, p. 90). Preferiu então que, na oposição a uma proposta socialista, os

educadores optassem pelo ensino tradicional, embora o considerasse

antiquado demais para o contexto em que se desenvolvia a sociedade.

Em Democracia e Educação, escrito em 191644, Dewey analisou a

situação educacional em relação aos processos de desenvolvimento

econômico e industrial da época e esclareceu suas proposições educacionais.

Nessa obra, no capítulo que trata dos Aspectos vocacionais da

educação, Dewey avaliou a situação educacional e destacou cinco aspectos

que considerava importantes na efetivação da reforma educacional proposta

por ele.

Em primeiro lugar, o educador destacou que “[...] há nas comunidades

democráticas um aumento da estima por aquilo que se relaciona com os

trabalhos manuais, com as ocupações comerciais e com a prestação de

serviços tangíveis à sociedade” (DEWEY, 1979, p. 346). Valoriza a

necessidade de estudo/educação para a realização pessoal na sociedade em

processo de transformação. E confirma isso quando destaca o segundo ponto

chave, onde, “[...] as vocações especificamente industriais ganharam

consideravelmente em importância, de século e meio prá cá”. O autor enfatizou

os crescimentos industriais provocados pela Revolução Industrial e pela

mundialização do comércio. E atribuiu que “O problema do reajustamento

social é francamente industrial, entendendo-se com as relações do capital e do

trabalho” (DEWEY, 1979, p. 346 - grifos do autor). Considerando que Dewey

está preocupado com as “drásticas” mudanças sociais que, naquele momento,

desgastavam o liberalismo e seus princípios, cabe recuperar que suas

proposições buscam soluções para esse quadro. Nessa direção

Dewey acredita que a tarefa mais importante a ser realizada com vistas a se manter os fins liberais é a reversão dos meios primitivamente utilizados. Como fazê-lo? Através do planejamento social organizado que crie uma ordem que coloque a indústria e as finanças a serviço do social [...]. Uma ideia chave de Dewey é a de que as proposições na direção das mudanças drásticas, além de erradas, são cegas porque incapazes de perceber que as mudanças estão ocorrendo de maneira revolucionária, o que é necessário é dirigir, e não criar, o fluxo de mudanças (WARDE, 1984, p. 122/123).

44 Aqui usamos a edição de 1979, obra traduzida por Godofredo Rangel e Anísio Teixeira.

Page 112: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

110

As mudanças sociais em fluxo necessitavam de readaptação e Dewey,

em consonância com as ideias de Keynes, propôs uma readaptação social

onde a educação teria papel fundamental. “Uma tão vasta readaptação social

não poderia ocorrer sem pôr em xeque uma educação herdada de condições

sociais diferentes, e sem propor à educação novos problemas” (DEWEY, 1979,

p. 346). Para novos problemas, Dewey propôs saídas em um novo modelo

educacional.

Como terceiro ponto chave da análise de Dewey a respeito da situação

educacional de sua época, o autor destaca:

[...] o fato já repetidamente mencionado de que a indústria deixou de ser, em sua essência, o processo empírico, rotineiro, estabelecido pelo costume. Sua técnica é agora tecnicológica, isto é, baseada em maquinarias resultantes de descobertas matemáticas, físicas, químicas, bacteriológicas, etc. a revolução econômica estimula a ciência com a proposição de problemas a solver-se e com o ter originado maior respeito intelectual pelos recursos mecânicos. Em compensação, a ciência pagou a indústria com juros acumulados. [...] Torna-se imperativa a necessidade de uma educação que familiarize os operários com os fundamentos e alcances científicos e sociais de sua atividade, porque os que não a tiverem recebido degradar-se-ão inevitavelmente ao papel de apêndice das máquinas com que trabalham (DEWEY, 1979, p. 346/347).

Como já recuperamos aqui, a partir dos autores estudados, a base das

proposições de Dewey para a educação estão na estreita relação que este

estabelece entre a educação e as mudanças econômicas. Na sua avaliação, o

novo período industrial exigia um novo “obreiro”. “Agora este tem que se

adaptar a sua máquina, em vez de seus instrumentos se adaptarem aos

objetivos dele” (DEWEY, 1979, p. 347). E à escola caberia, a

“responsabilidade da compreensão das possibilidades intelectuais inerentes ao

trabalho” (DEWEY, 1979, p. 347).

Em quarto lugar, Dewey avaliou que a situação educacional requeria a

aquisição de conhecimentos mais experimentais, menos dependentes da

tradição literária e “menos associada com os métodos dialéticos de raciocinar,

e com símbolos” (DEWEY, 1979, p.347).

Page 113: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

111

Dewey propôs que a escola possibilitasse ao educando a vivência

intelectual e experimental das ciências industriais. Consiste nisso o fato de

alguns autores tratarem a escola de Dewey por “Escola laboratório”, porque

[...] nas escolas o contato com as máquinas e com os processos industriais pode ser produzido em condições em que o principal interesse consciente do educando seja compreender as coisas. A separação entre a oficina e o laboratório, onde se satisfazem estas condições, é grandemente convencional; o laboratório tem a vantagem de permitir que alguém se entregue ao interesse intelectual que um problema pode sugerir; a oficina, a vantagem de pôr em destaque o alcance social do princípio científico, assim como, para muitos discípulos, provocar um mais vivo interesse (DEWEY, 1979, p. 347/348).

Em quinto e último lugar, Dewey estabeleceu uma acentuada relação

entre a psicologia do desenvolvimento e os progressos operacionais na

formação do trabalhador. De modo que,

[...] os progressos operados na psicologia do ensino, em geral, e na psicologia da criança, em particular, coincidem, nas suas consequências, com a crescente importância da indústria para a vida. Pois a psicologia moderna salienta a importância radical dos primitivos instintos não adquiridos, de explorar, experimentar e “tentar as coisas”. Ela revela que o aprendizado não é obra de uma coisa já completa denominada espírito e sim que o espírito é ele próprio uma organização das capacidades originárias em atividades providas de significação. [...] para os alunos de mais idade o trabalho serve tanto para o desenvolvimento educativo das atividades brutas inatas como os brinquedos para os mais novos. Mesmo assim, a passagem do brinquedo para o trabalho deve ser gradual, não exigindo uma mudança radical de atitude, mas pondo em ação os elementos dos brinquedos, acrescidos de uma reorganização contínua, a bem de um maior domínio dos mesmos (DEWEY, 1979, p. 348).

As mudanças educacionais que Dewey propôs têm para ele um aparato

moral, uma vez que dentre os princípios liberais, acrescenta o da inteligência

como elo restaurador do liberalismo e da ordem social. Para esse autor, a

sociedade não necessitava de mudanças e sim de adaptações sociais

coerentes com as transformações produzidas pelo crescimento industrial. “A

educação tornar-se-ia então um instrumento para perpetuar, imutável, a

existente ordem industrial da sociedade, em vez de atuar como meio para sua

Page 114: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

112

transformação” (DEWEY, 1979, p. 349). Dewey reconheceu o papel importante

que a educação exerce como meio ideológico de legitimação social.

Depreende-se disso que a reforma educacional proposta por esse educador

voltou-se, mais uma vez, para a consumação dos ideais keynesianos.

Assiste a uma estreita e moralista apreciação da moral a culpa de não reconhecermos que os objetivos e valores desejáveis na educação são todos eles morais. A disciplina, o desenvolvimento natural, a cultura, a eficiência social, são características morais – são traços de um indivíduo que é digno membro da sociedade que a educação tem em mira fazer prosperar. Diz um velho rifão que não basta um homem ser bom: ele deve ser bom para alguma coisa (DEWEY, 1979, p. 395).

É preciso reiterar que Dewey, comungando dos ideais de uma

determinada classe social, estava a serviço de uma instância econômica, logo,

de uma ideologia social. Avaliemos isso.

Debruçamos nos aí sobre um ponto fundamental para entendermos as

proposições de Dewey para a educação elementar e da forma como este trata

o que é elementar e a quem deve ser destinado esse tipo de ensino.

Para Dewey, no contexto dos Estados Unidos, no início do século XX,

como já tratamos, não constituía preocupação primária a universalização do

ensino porque isso já havia acontecido no século anterior. Sua proposta

acompanhava as mudanças no mundo do trabalho desde a Grécia antiga, de

modo que, o conhecimento ensinado na escola fosse

[...] utilitário e liberal. [...] Os elementos que na indústria eram fornecidos simplesmente pelo costume e pela rotina foram subordinados na maioria das profissões e ofícios a recursos provenientes das investigações científicas. As mais importantes ocupações de nossos tempos representam as matemáticas, a física e a química aplicada e delas dependem. Alargou-se tão indefinidamente a superfície povoada influenciada pela produção econômica, e influindo no consumo, que entram, aí, em jogo considerações geográficas e políticas de extensão quase infinita (DEWEY, 1979, p. 284).

A necessidade de mudanças no ensino, propostas por Dewey

inauguraram aquilo que ele mesmo chamou de nova educação, uma cultura

liberal e utilitária. Um conhecimento aplicável na vida prática e cotidiana do

Page 115: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

113

cidadão e, ao mesmo tempo, permissível de contemplação do mundo como

propunham os gregos para as elites. Sua proposta educacional ia ao encontro

das necessidades da indústria a fim de justificar essas necessidades de um

modo aprazível para os industriais fordistas e para o trabalhador.

A invenção das máquinas aumentou a quantidade de lazeres que se tornam possíveis mesmo quando se está a trabalhar. Já é lugar-comum dizer-se que a aquisição de habilidade, sob a forma de hábitos automáticos, liberta o espírito, possibilitando o entregar-se a espécies mais elevadas de reflexão. Algo da mesma natureza verificou-se com a introdução das operações mecanicamente automáticas na indústria. Estas podem aliviar o espírito, permitindo-lhe refletir sobre outras coisas. Mas quando restringimos a educação dos trabalhadores manuais a alguns poucos anos de estudo, dedicados, na sua maior parte, ao aprendizado do uso de símbolos rudimentares em detrimento do aprendizado de ciências naturais, literatura e história, deixamos de preparar os espíritos dos trabalhadores para tirarem vantagens dessas oportunidades (DEWEY, 1979, p. 285).

O que se depreende disso, é que Dewey propôs um modelo educacional

destinado à libertação das mentes, para que quando o trabalhador estivesse

em seu labor, pudesse desfrutar de pensamentos prazerosos porque são livres.

A educação deveria proporcionar isso.

Mais importante é o fato de a grande maioria dos trabalhadores não conhecer as finalidades sociais de seu labor e não ter nele um interesse direto pessoal. Os resultados que eles obtêm com seu esforço não são o objetivo de suas ações e sim unicamente o objetivo de seus superiores. Eles não fazem livre e inteligentemente o seu trabalho e sim tendo em vista o salário a ganhar. Esta é a circunstância que torna iliberal o seu trabalho e esse efeito é o que torna iliberal e imoral qualquer educação destinada unicamente a dar habilidade para tais trabalhos. A atividade não é livre porque não é livremente que se participa da mesma (DEWEY, 1979, p. 285).

O efeito imoral e iliberal, de que fala o autor sobre o trabalho de

educação destinado a esses trabalhadores não será menos prejudicial do que

fazê-los acreditar que podiam, enquanto mantinham seu corpo preso ao

trabalho, libertar sua mente. Marx já havia, naquele tempo, deixado claro que a

alienação do trabalho não está apenas na parcialização das atividades ou no

Page 116: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

114

desconhecimento de suas finalidades produtivas. A alienação do trabalho está

na não apropriação dos bens socialmente produzidos pelos trabalhadores.

Marx e Engels (1981, p. 42) explicam que na família, “a mulher e os filhos são

os escravos do homem. A escravatura latente na família, se bem que ainda

muito rudimentar, é a primeira propriedade [...] é o dispor de força de trabalho

(Arbeitskraft) alheia”. E complementam nesse mesmo raciocínio que “[...]

divisão de trabalho e propriedade privada são expressões idênticas [...]”, onde

numa apropria-se da atividade de produzir e noutra da atividade produzida.

Em ambos os casos (na família e na divisão do trabalho), o que temos é

uma forma de propriedade, de apropriação do outro. E enquanto,

[...] a atividade não é dividida voluntariamente, mas sim naturalmente, a própria ação do homem se torna para este um poder alheio e oposto que o subjuga, em vez de ser ele a dominá-la. É que assim que o trabalho começa a ser distribuído, cada homem tem um círculo de atividade determinado e exclusivo que lhe é imposto e do qual não pode sair; será caçador, pescador ou pastor ou crítico, e terá de continuar a sê-lo se não quiser perder os meios de subsistência [...] (MARX; ENGELS, 1981, p. 43).

A liberdade no pensamento não constitui liberdade de consciência, nem

desalienação e tampouco prazer. A atividade mecânica robotiza o corpo e seu

pensamento, bloqueia a criatividade e como afirma Gramsci

Taylor, de fato, exprime com cinismo brutal a finalidade da sociedade americana, de desenvolver no trabalhador posturas maquinais mínimas e automáticas, eliminar o antigo senso psicofísico do trabalho profissional qualificado, que demandava uma participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador, e de reduzir as operações produtivas ao aspecto físico maquinal somente. Mas na realidade essas não são atividades originais. Trata-se apenas da fase mais recente de um longo processo que foi iniciado com o nascer do próprio industrialismo, fase que só é mais intensa que as precedentes e se manifesta nas formas mais brutais, mas que serão também superadas com a criação de um novo senso psicofísico diferente do precedente, e indubitavelmente superior. Ocorrerá inelutavelmente uma seleção forçada, uma parte da antiga classe trabalhadora será eliminada sem piedade do mundo do trabalho e talvez do mundo tout court45 (GRAMSCI, 2008, p.66/67 – grifos do autor).

45 A expressão tout court, de origem francesa, significa: sem mais nada; simplesmente.

Page 117: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

115

Gramsci nos alerta que para muito além do ideal educacional de Dewey

“os industriais americanos [...] não se preocupam com a humanidade, com a

espiritualidade do trabalhador, que imediatamente é aniquilada” (GRAMSCI,

2008, p. 67 - grifos do autor).

Incorporando os interesses dos industriais, Dewey fez a seguinte

proposta, tendo em vista a harmonia das classes:

Não obstante, existe já oportunidade para dar-se uma educação que, tendo em mira, em traços mais salientes, o trabalho, reconciliará a cultura liberal com a educação socialmente útil, com a aptidão de compartir, eficientemente e com prazer, ocupações produtivas. E tal educação tenderá por si mesma a eliminar os males da presente situação econômica. [...] Uma educação que unificasse a atitude mental dos membros da sociedade contribuiria muito para unificar a própria sociedade (DEWEY, 1979, p.285/286 – grifos nosso).

O educador apresentou sua proposta educacional com características de

paz mundial, pois em tempos de guerra, usava termos como “reconciliará”,

“eliminar os males” e “unificar a atitude”. Até mesmo aos trabalhadores da

época soavam bem esses termos, quanto mais aos capitalistas e líderes

políticos. Na expressão “reconciliará a cultura liberal com a educação

socialmente útil” (DEWEY, 1979, p. 285), Dewey propôs uma conciliação entre

a cultura liberal, a educação e o utilitarismo, racionalismo proposto pelo

fordismo.

Na sua proposição, a sociedade seria uma consequência dos efeitos da

educação, que produziria a unificação das mentes e da própria sociedade.

Dewey pensava os efeitos de seu sistema educacional com consequências

invertidas. Uma vez que não era a sociedade e o capitalismo que estavam a

serviço da educação, não seria nas relações sociais que a educação reflete

seus efeitos. Pelo contrário. A educação é reflexo dessas relações. O modelo

educacional proposto por Dewey é resultado de uma necessidade produzida

pela sociedade capitalista em crise, em guerra. Dewey propôs uma nova

Page 118: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

116

educação e não uma nova cultura, uma nova sociedade, um novo modo de

produzir. A sociedade permanece apesar da educação46.

Dewey procurava meios de abater a crise do liberalismo e da

democracia propondo uma educação voltada para as situações cotidianas, a

partir das coisas práticas, mais prazerosa e interessante para a criança,

visando à aplicabilidade dos princípios liberais. Um modelo novo de educar,

uma escola nova.

Ver um fato ou uma lei científica não só nas suas relações humanas, como também nas suas relações físicas e técnicas, é ampliar-lhes a significação e repassá-las de maior valor cultural. Sua direta aplicação econômica, se por econômica significamos representando valor monetário, é acessória e secundária, embora faça parte de suas conexões atuais. O importante é que o fato seja apreendido com suas conexões sociais – em sua função na vida (DEWEY, 1979, p. 317).

E atribui a esse modelo a função de trabalhar e desenvolver valores

humanos e sociais nos indivíduos. “Estudo humano é todo aquele feito de

modo a aumentar o interesse pelos valores da vida; é todo estudo que acarrete

maior sensibilidade em relação ao bem-estar social e maior aptidão para

promover esse bem-estar” (DEWEY, 1979, p. 317). Dewey preocupa-se com o

bem-estar social e nesse aspecto suas proposições fecham com o modelo de

Estado keynesiano, interventor, provedor do bem-estar em tempos de crise.

A respeito da liberdade no ato de ensinar, como promotora do bem-

estar, Dewey argumenta:

46 Paulo Freire em uma de suas célebres frases diz: “Se a educação sozinha não pode

transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”, concordamos com esse respeitável educador e a condição que coloca para a Educação como parte da mudança. O comunista Ernesto Che Guevara diz em seu discurso como Ministro de Indústrias de Cuba que para um país revolucionário se faz necessário “Estudio, trabajo y fusil”. O que depreendemos disso é que, embora a educação não seja o eixo da mudança social, faz parte do processo de mudança, produz a consciência da mudança e juntamente com outros aparelhos ideológicos conforma e reproduz a ideologia social. A proposta educacional de Dewey tem a mesma função social da proposta de Paulo Freire e dos ideais de Che: produzir consciência social que vise à defesa do Modo de Produção instaurado ou a defesa do processo de instauração. Comunistas e liberais sabem que a educação é reflexo das relações sociais. Ocorre que no discurso de Dewey, a proposta é apresentada como capaz de “eliminar os males da presente situação econômica” (DEWEY, 1979, p.286), o que sabemos, é impossível. Discurso do Che, disponível em http://capacitarsehoy.wordpress.com/2012/01/13/discurso-del-che/, acesso em 28/01/2013.

Page 119: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

117

Entre os partidários e os adversários da liberdade na escola, nota-se a tendência de identificá-la com a ausência de direção social, ou, algumas vezes, com o simples não constrangimento físico de movimentos. Mas a essência da exigência de liberdade é a necessidade de condições que habilitem o indivíduo a dar sua contribuição pessoal aos interesses de um grupo, e a compartir as atividades deste de tal modo que sua orientação social seja o resultado da própria atitude mental do indivíduo, e não uma coisa imposta por meio da autoridade (DEWEY, 1979, p. 332).

E definia a essência de liberdade como “[...] o papel desempenhado pelo

ato de pensar – que é pessoal – no aprendizado: significa iniciativa intelectual,

independência na observação, invenção judiciosa, previsão de consequências

e engenho na sua adaptação” (DEWEY, 1979, p. 333). O indivíduo que esse

modelo educacional visava formar apresentava características marcantes do

racionalismo, próprio do modo de produção em ascendência na época.

Dewey considerava que também a individualidade é um fator que deve

ser respeitado na educação. E para provar a importância da individualidade,

analisava-a em seu duplo significado. “Em primeiro lugar, uma pessoa é

mentalmente um indivíduo somente quando tem seu propósito e seu problema

próprios e realiza suas próprias ideias” (DEWEY, 1979, p. 334). E nesse

aspecto, Dewey demonstrava a sua perspectiva pragmática da educação ao

abordar que: “Somente por meio de suas próprias observações, reflexões, e

elaborando e verificando as sugestões pessoalmente, pode um aluno amplificar

e retificar aquilo que já sabe” (DEWEY, 1979, p. 334). Em segundo lugar,

Dewey considerava que na individualidade de cada um, “existem variações de

pontos de vista [...]. Quando se reprimem essas variações no pretenso

interesse da uniformidade, tentando-se adotar um molde único para os modos

de estudar e dar lição resultam, inevitavelmente, a confusão mental e

artificialidade” (DEWEY, 1979, p. 334).

Dewey propunha que os níveis de ensino e estudo respeitassem

também essa individualidade, para que possam ser originais do indivíduo seus

conhecimentos e descobertas. Considerava que o progresso sistemático das

descobertas científicas iniciou quando “se permitiu aos indivíduos [...] utilizarem

suas próprias peculiaridades de reação para com a matéria a tratar” (DEWEY,

1979, p. 334). Desse modo, para esse educador, o modelo educacional ideal

Page 120: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

118

seria aquele que permitisse tal aprendizado, digamos que permitisse ao aluno a

ousadia de aprender a aprender.

A escola assumia para Dewey a importante tarefa de formar um tipo

específico de consciência coletiva, que não se corromperia pelos pressupostos

ideológicos de outras fontes que não aquelas ensinadas e aprendidas na

escola. Diante do contexto social em que viveu esse educador, podemos supor

que dentre essas correntes estão as diversas configurações políticas de Estado

e economia que assolavam o globo, no período entre Guerras. Nesse caso, e

para esse educador

A escola tem igualmente a função de coordenar, na vida mental de cada indivíduo, as diversas influências dos vários meios sociais em que ele vive. Um código prevalece na família; outro, nas ruas; um terceiro, nas oficinas ou nas lojas; um quarto nos meios religiosos. Quando uma pessoa passa de um desses ambientes para outro, fica sujeita a impulsos contraditórios e acha-se em risco de desdobrar-se em personalidades com diversos padrões de julgar e sentir, conforme as várias ocasiões. Este risco impõe à escola uma função fortalecedora e integradora (DEWEY, 1979, p.23).

O fortalecimento e integração, que propõe o autor, não podem mais

acontecer do modo como aconteciam na educação tradicional, pela imposição

ou disciplinamento pela coação. As ações de direcionamento social deviam

proceder de atos educativos, conforme exemplificava Dewey (1979 p. 28/9):

“Quando outras pessoas não fazem o que desejaríamos que fizessem ou

ameaçam desobedecer-nos, sobrevém maior consciência da necessidade de

influir em seu procedimento e dos meios por que elas podem ser

influenciadas”. Desse modo, o autor argumenta que métodos eficientes são

empregados apenas momentaneamente e não possibilitam uma tomada de

consciência plena e duradoura.

É mesmo verossímil que acreditemos ter influência reguladora ou controladora a ação de uma força superior, esquecidos de que, embora possamos levar um cavalo até a água, não poderemos obrigá-lo a beber e que poderemos trancar um homem em uma penitenciária, mas não torná-lo arrependido. Nesses casos de ação direta sobre os outros, precisamos distinguir os resultados físicos dos resultados espirituais. [...] Poderemos tolher que um larápio penetre em casas alheias, conservando-o preso; mas com isso não modificamos sua

Page 121: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

119

inclinação para prática de roubos. Quando confundimos resultado físico com resultado educativo, perdemos sempre as probabilidades de fazer a própria pessoa contribuir, com sua participação, para o efeito visado e de, por esse meio, desenvolver-lhe no espírito uma direção intrínseca e perseverante no sentido conveniente (DEWEY, 1979, p. 28/29 grifo nosso).

É indiscutível que a educação, embora não seja capaz de mudar a

estrutura social, produza e reproduza socialmente uma ideologia conveniente.

Com isso, entendemos que Dewey inaugurou na educação um novo modelo de

ensino e de formação, aquela que de fato é plena e duradoura: a

conscientização. Isto porque, em seu modelo educacional, incutia-se no aluno

uma certa simpatia ao liberalismo e seus princípios e antipatia aos modelos

ditatoriais ou mesmo socialistas.

Embora não comunguemos dos ideais desse educador, consideramos, a

partir dos estudos realizados, célebres suas propostas, uma vez que pensou e

propôs uma reforma educacional em um contexto social complexo, visando, de

certa forma, a atender as demandas educacionais, sociais, políticas e

econômicas então colocadas.

Page 122: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o nosso recorte teórico, o liberalismo e as proposições de

John Dewey para a educação elementar, buscamos evidenciar como Dewey,

em diálogo com as questões sociais, políticas e econômicas de seu tempo,

sistematizou a relação liberalismo e educação. Entendemos que Dewey

representa, explicitamente, acima de qualquer outro liberal esse movimento, o

qual traduz o liberalismo, uma ideologia a serviço da classe hegemônica, para

as reformas e políticas educacionais que são impostas e/ou incorporadas no

planejamento pedagógico diário de nossas escolas.

Quando ingressei no mestrado em educação, minha preocupação era

analisar as políticas educacionais implementadas na década de 1990. Diante

da amplitude desse objeto, bem como das inquietações que nos afligiam no

campo profissional, optamos por aprofundar o entendimento acerca do

liberalismo, na intenção de subsidiar nossa análise a respeito das implicações

que a partir dessa perspectiva são produzidas em torno da escola. Nossa

preocupação era compreender como essa ideologia política, econômica e

social se apresenta para o campo da educação e se configura em ideologia

norteadora do ensino e da formação da classe trabalhadora.

No decorrer da pesquisa, das orientações e dos estudos e debates do

Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social – GEPPES -

pude refletir sobre alguns dos aspectos que envolvem a definição de um objeto

de pesquisa. Em meio a esses aspectos, duas questões motivaram a

realização deste estudo: a necessidade de buscar conhecimento e estudar o

movimento educacional dualista ao qual busco me opor e a necessidade de

oferecer um estudo aos meus pares que, na angústia de entenderem como se

formam as políticas educacionais de modo a manter e legitimar a reprodução

da sociedade classista ou classificatória, possam fazer uso desse estudo.

Nessa segunda característica constitui-se a essência da pesquisa,

produzir um estudo que tratasse especificamente desta relação liberalismo e

educação. Portanto, as considerações finais que ora apresentamos, tem mais a

ver com aquilo que podemos evidenciar a partir das obras estudadas do que

com um novo conhecimento ou conclusão.

Page 123: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

121

O liberalismo é um movimento político ideológico que nasceu da

necessidade de os burgueses (moradores dos burgos) comerciar os produtos

ali fabricados com outros burgos e, mais tarde, com outras cidades. Os

senhores feudais, prevendo o crescente movimento e a mudança do ciclo

econômico, dificultavam essa transição comercial, aumentando os impostos e

tarifas cobradas sobre as mercadorias e as caravanas de mercadores. As

disputas entre senhores feudais e burgueses culminaram na Revolução

Francesa de 1789, amparada pela ideologia liberal, pautada nos princípios de

liberdade, igualdade, individualismo, propriedade e democracia (CUNHA, 1988,

p. 28). Dentre os principais filósofos sistematizadores do liberalismo podemos

citar John Locke, Voltaire e o economista Adam Smith. O sistema liberal

justificou o movimento do mercantilismo que, com o necessário

desenvolvimento, chegou ao capitalismo industrial, passou por diversas fases

de crise e rearticulação, chegando à fase em que se tornou necessária a

“descontinuidade do liberalismo para a continuidade do capitalismo” (WARDE,

1984, p. 30). Esse período é representado pela fase do liberalismo de transição

que compreende o período das duas grandes Guerras Mundiais e a ameaça

dos modelos políticos de Estado Fascista e Socialista.

John Dewey, contemporâneo desse período, visualiza a crise do

liberalismo e propõe uma revisão em seus princípios. Suas ideias unem-se à

reforma keynesiana do Estado capitalista liberal que, após a Segunda Guerra

Mundial e a vitória dos países aliados aos Estados Unidos, passam a dominar

e influenciar os países dependentes e periféricos.

Devemos considerar que, embora Dewey estivesse a serviço dos

interesses de uma determinada classe social e com isso pretendesse

reproduzir ideologicamente de modo afirmativo as relações sociais de produção

e o modelo político vigente, sua obra possibilitou uma mudança e ampliação

nos métodos educacionais para a classe trabalhadora, diminuiu os castigos

corporais e possibilitou a expressão dos alunos no processo educativo.

A participação e a liberdade constituem critérios expostos e

desenvolvidos por Dewey a fim de formar o indivíduo para controlar seus

impulsos e assim estar pronto para participar socialmente. Dewey considera

que a formação deve ser útil ao ser humano para sua atuação e participação

Page 124: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

122

na sociedade e na produção. Propõe um tipo ideal de formação ao indivíduo

pensando no modelo social da época.

As proposições de Dewey contemplavam os interesses do movimento da

escola progressista na formação dos filhos de trabalhadores e os interesses da

escola de regulamentação de Ford no processo de formação racional da

própria classe trabalhadora.

Para Dewey, a “[...] democracia deveria ser o instrumento que permitisse

à humanidade a continuidade de seu desenvolvimento e é por esse motivo que

a ideia de democracia se articula a um modelo de educação” (PEIXOTO, 1998,

p.143). Conforme já anunciamos, a democracia é um dos referenciais do

liberalismo, nasceu com ele e representa a classe que a engendrou. A

democracia só pode existir nesse modelo de Estado liberal, porque ela é

necessária a ele. A democracia age como a garantia de luta pelas condições

mínimas de sobrevivência. Se o montante produzido socialmente fosse

socializado, não haveria necessidade de lutas para sobrevivência.

O modelo educacional proposto por Dewey visava a amenizar os

conflitos sociais via democracia, responsabilizando o indivíduo por seus

avanços e retrocessos. Ao elucidar a educação enquanto meio para condução

à igualdade de condições e equalizadora da sociedade, Dewey propôs a

continuação do modo capitalista de produção e contribuiu para seu desfecho

num momento de crise.

Consideramos importante manter no trabalho a terceira fase do

liberalismo, justamente por isso, para mostrarmos que Dewey e os demais

liberais da segunda fase do liberalismo chegaram a resultados explícitos com a

disseminação de suas políticas e teorias. Entendemos que o fator maior da

continuidade do capitalismo e do liberalismo norte-americano tenha sido, sem

dúvida, a “vitória” dessa potência sobre as demais na Segunda Guerra Mundial.

Contudo, entendemos que as políticas sociais de Keynes e as proposições

educacionais de Dewey foram fundamentais para a formação do “tipo ideal” de

cidadão e para legitimação da conjuntura político-social norte-americana

daquele período e dos anos seguintes.

O pragmatismo deweyano propõe o desenvolvimento da capacidade

inata de o ser humano aprender (DEWEY, 1971, p.43), indicando que, em

alguns casos, o ser humano pode alcançar bom êxito na vida sem ter, contudo,

Page 125: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

123

frequentado a escola. Atribui, portanto, à educação, a função de não prejudicar

o ser humano em suas capacidades naturais de aprender, conviver e produzir.

A escola fará o papel de desenvolver as aptidões dos indivíduos, porém Dewey

rejeita o uso de autoridade expressiva pelo professor, rejeita a imposição do

estudo e atribui valor significativo aos desejos subjetivos. O controle da classe

deveria ser feito pelo professor que selecionasse conteúdos que fossem do

interesse dos alunos, após conhecer seus desejos subjetivos e interesses de

aprendizagem. Os jogos teriam função importante no estabelecimento de

regras e padrões de comportamento.

O objeto de nossa pesquisa “O liberalismo e as proposições de John

Dewey para a educação elementar” visa a refletir sobre as implicações da

ideologia liberal para as políticas e reformas educacionais. Justificamos tal

recorte pela intenção de esclarecer que as políticas liberais implantadas no

Brasil, sobretudo na década de 1990, têm em sua gênese o contexto abordado

nesta pesquisa.

Para explicitar a relação que procuramos construir com essa afirmação,

que nos inquietou quando da proposição deste estudo e que nos acompanhou

em seu desenvolvimento, podemos destacar que, no Brasil, a reforma

educacional da década de 1990, pautada no relatório Jacques Delors, define a

educação sob quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender

a viver juntos e aprender a ser.

Com base nesses pilares, projetou-se no Brasil e em diversos países,

que adotaram o referido Relatório, uma Reforma Educacional pautada nas

potencialidades de cada indivíduo e na flexibilidade do trabalho pedagógico.

Cada aluno deveria ser visto e respeitado dentro de suas potencialidades e

limitações, ao professor caberia o papel de facilitar suas dificuldades e

estimular suas potencialidades. Dewey (1971) atribui papel

importante/fundamental ao planejamento na organização do trabalho diário do

professor em respeito à individualidade de cada um. “O planejamento deve ser

suficientemente flexível para permitir o livre exercício da experiência individual

e, ainda assim, suficientemente firme para dar direção ao contínuo

desenvolvimento da capacidade dos alunos” (DEWEY, 1970, p. 54). Contudo,

quando o professor da escola pública se depara com uma classe

exorbitantemente heterogênea e visualiza ali o grau de limitações que as

Page 126: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

124

crianças expropriadas das condições dignas de sobrevivência encontram para

se adaptarem à escola, aos conhecimentos, às novas relações sociais, vê-se

obrigado, na tentativa de atender a todos em sua individualidade, a flexibilizar o

currículo. A consequência disso é um pareamento inferior, um esvaziamento

dos conteúdos mais complexos em detrimento dos básicos. O professor,

orientado pelas novas políticas, tornou-se um facilitador dos processos de

ensino-aprendizagem. O resultado disso foi um severo esvaziamento dos

conhecimentos científicos na escola pública.

A relação do esvaziamento dos conteúdos nas escolas públicas com a

reforma educacional pautada no Relatório Jacques Delors e as proposições de

Dewey têm mais ligação do que poderemos aqui explicitar. Partimos do

pressuposto de que a pesquisa já deixou clara a relação entre as proposições

de Dewey e a manutenção do liberalismo/capitalismo enquanto ideologia e

modo de produção hegemônico. Importa agora suscitar no leitor a curiosa

relação entre a proposta de Dewey e o domínio norte-americano sobre as

políticas sociais nos países dependentes (nesse caso, Brasil), sobretudo na

educação.

Considerando a finalidade que orientou a proposição deste estudo, qual

seja entender a relação entre as políticas educacionais e a ideologia do

liberalismo para a reprodução e legitimação das relações sociais de produção,

podemos avaliar que os quatro pilares da educação, propostos no Relatório

Jacques Delors, principal fomento da reforma educacional da década de 1990

no Brasil, estão pautados, também, nas proposições de Dewey para a

educação elementar.

Segundo o Relatório Jacques Delors,

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de

Page 127: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

125

contato, de relacionamento e de permuta (DELORS, 1998, p.89/90 - grifos do autor).

No pilar aprender a viver juntos consideramos que as proposições de

Dewey estão presentes no que tange à defesa da democracia. Conforme já

citado no texto, Dewey faz da democracia seu escudo de defesa na escola

progressista ou Nova. Dewey está debatendo com a insurgência dos Estados

totalitários, conseguido a partir de grupos organizados e revolucionários.

Infelizmente, o movimento socialista estava contemporâneo ao fascista e foi

pelos liberais equiparados para facilitar a sua destruição. Ou isso ou o

liberalismo cairia. Estava claro que não havia lugar no globo para ambos.

Na defesa da democracia, Dewey (1970, p. 214) ataca os movimentos

rebeldes da seguinte forma: “Tomemos, por exemplo, a questão da

intolerância. Ódio e suspeição sistemática de qualquer grupo humano, racial,

sectário, político, denotam profundo ceticismo a respeito das qualidades

humanas”. Com isso propõe que a educação forme indivíduos ordeiros,

passivos e pouco dados a confrontos. Considera que os grupos estavam

organizados com objetivos bárbaros porque o liberalismo deixou de cumprir

sua função social. Para que o liberalismo cumpra devidamente sua função

social de amenizador de conflitos, Dewey propõe um novo princípio liberal: a

inteligência. A Inteligência seria desenvolvida na escola, onde os filhos dos

trabalhadores teriam suas aptidões e capacidades desenvolvidas para o

trabalho, buscando o enquadramento social, através de um ensino moralista e

experimental. No que tange ao desenvolvimento social e moral da nação, sua

proposição visa a tornar a “educação escolar uma modalidade da vida social,

uma sociedade em miniatura” (1979, p. 396) e propondo uma educação moral

para o cumprimento de normas e padrões humanos ideais na sociedade como

disciplina, cultura, eficiência social, aperfeiçoamento individual e melhoria do

caráter enquanto “aspectos do desenvolvimento da capacidade de nobremente

participar-se de uma tal experiência bem equilibrada” (DEWEY, 1979, p. 395)

constitui-se a essência da moral e o próprio ato educativo, a própria educação.

A boa escola, então, deve formar o indivíduo que saiba agir com inteligência na

sociedade, com polidez e cortesia, que seja ordeiro e tenha boas maneiras

(DEWEY, 1971, p.55/6). Cabe ao professor a responsabilidade de selecionar

Page 128: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

126

as matérias e propiciar uma educação que desenvolva uma convivência social

comunitária nos parâmetros da democracia, seja através de jogos ou atividades

didáticas adaptadas aos interesses dos alunos.

Deve ele [o professor] estudar as capacidades e necessidades do grupo que tiver de educar e, ao mesmo tempo, dispor e ordenar as condições para que a matéria ou conteúdo das experiências seja tal que satisfaça aquelas necessidades e desenvolva aquelas capacidades (DEWEY, 1971, p. 54).

Critica o professor tradicional, inflexível e autoritário, propõe o uso de

jogos como mecanismos de imposição de regras e mediação de conflitos. O

professor deve sempre parecer na figura de líder e “reduzir ao mínimo as

ocasiões em que tenha de exercer autoridade pessoal” (DEWEY, 1971, p. 49).

Com relação ao papel do professor, percebemos que Dewey repudia o

autoritarismo em sala de aula para que os alunos primem pela liberdade. A

formação moral trará ao indivíduo a observância das normas e padrões de

conduta da sociedade democrática. A experiência de vida comunitária

desenvolvida na escola acompanhará o indivíduo num continuum por toda vida

(DEWEY, 1971, p. 24/27).

A proposição de vida comunitária no sistema educacional de Dewey

prevê a observância dos princípios liberais. Como já dissemos, não é neutro

seu sistema educacional e nesse patamar aprender a conviver para Dewey,

constitui aprender a conviver na sociedade democrática. E mais, com o

moralismo norte-americano e a regulamentação do fordismo.

Na relação do conhecimento pragmático proposto por Dewey, temos a

inferência do aprender a fazer. Dewey propunha a execução de tarefas e jogos

de cunho prático, utilitarista, com o objetivo de desenvolver na criança alguma

habilidade útil ao mercado, à indústria, como ele mesmo cita, “não basta um

homem ser bom: ele deve ser bom para alguma coisa” (1979, p. 395).

Na realização desta pesquisa procuramos desenvolver um estudo que

oferecesse ao leitor um arcabouço teórico acerca do liberalismo e das

proposições dos liberais, no caso John Dewey, para a educação. Faz-se

essencial ao educador de escola pública conhecer as raízes das políticas e

reformas educacionais que permeiam o planejamento e o fazer pedagógico,

para que assim, possamos oferecer à formação da classe trabalhadora um

Page 129: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

127

aviltar do entendimento e enfrentamento dessas políticas classistas e de

responsabilização individual, mazelas de um Estado burguês pouco

preocupado com os desajustes sociais legitimados no atual sistema de ensino

dualist

Page 130: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, E. e CUNHA, M. V. Concordâncias e discordâncias de Dewey com Freud. Educ.Rev. Curitiba, n. 44, jun. 2012. Disponível em http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-0602012000200017&lng=pt&nrm=iso, acesso em 08 nov. 2012. ALVES, G. L. O Liberalismo e a Produção da Escola Pública. In LOMBARDI, J. C. & SANFELICE, J. L. (orgs). Liberalismo e Educação. Campinas, SP - HISTEDBR, 2007 – (Col. Educação Contemporânea). AQUINO E OUTROS. História das Sociedades americanas. Ed. Livro Técnico. Rio de Janeiro, 1990. BARBOSA, R. de C. R. Liberalismo e Reforma Educacional: os parâmetros curriculares nacionais. Campinas, 2000. Dissertação. Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social e método. In_______. Política Social: fundamentos e história. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2007 (biblioteca básica de serviço social; v.2). BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Universidade de Brasília: São Paulo: imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. COMTE, A. Discurso sobre o espírito positivo. Editora Escala. São Paulo, 2008. (Col. Grandes obras do pensamento universal) CUNHA, L. A. Educação e Desenvolvimento Social no Brasil. Rio de Janeiro - Editora Francisco Alves, 10ª ed. 1998. DELORS, J. (Org). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez/Brasília: MEC: UNESC, 1998. DEWEY, J. Liberalismo, Liberdade e Cultura. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Editora da Universidade de São Paulo, 1970. _____. Experiência e Educação. Trad. Anísio Teixeira. São Paulo, Editora Nacional, 1971. _____. Democracia e Educação: introdução à filosofia da educação. Trad. Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. 4ª ed. Editora Nacional. São Paulo, 1979. ________. Democracia e Educação: capítulos essenciais. Comentado por Marcos Vinicius da Cunha. São Paulo: Ática, 2007.

Page 131: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

129

DORE SOARES, R. A concepção Gramsciana do estado e o debate sobre a escola. Ijuí - Ed. UNIJUÍ, 2000 (coleção educação). FALEIROS, V. P. O Que é Política Social. Editora brasiliense – 2ª ed. São Paulo, 1986. FIORI, J. L. Os Moedeiros Falsos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. ____, J. L. Brasil no Espaço. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. FREITAS, C. R. O Escolanovismo e a Pedagogia Socialista na União Soviética no Início do Século XX e as Concepções de Educação Integral e Integrada. Cascavel – PR, 2009. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. GALIANI, C. e MACHADO, M. C. G. As propostas educacionais de John Dewey para uma sociedade democrática. Revista Educação em Questão. Natal, v. 21, n. 7, p. 116-135, set./dez. 2004. Disponível em http://www.revistaeduquestao.educ.ufrn.br/pdfs/v21n07.pdf Acesso em 05 de maio de 2012. ____ Educação e Democracia em John Dewey. Editora da Universidade Estadual de Maringá – EDUEM. Maringá - PR, 2009. GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. Editora Hedra. São Paulo, 2008. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. 13ª ed. Edições Loyola. São Paulo – 2004. HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX. Companhia das letras. São Paulo, 1995. JACOMELLI, M. R. M. e XAVIER, M. E. S. P. A consolidação do liberalismo e a construção da ideologia educacional liberal no Brasil. In: LOMBARDI, J. L (org.). Temas de pesquisa em educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2003; Caçador, SC: UnC, 2003. KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Editora Nova Cultural. São Paulo, 1996. (Col. Os Economistas). LÊNIN, V. I. O imperialismo: fase superior do capitalismo. 4ªed. São Paulo: Global, 1987. ____. O Estado e a Revolução. 2ª ed. São Paulo: Expressão popular, 2010. LOCKE, J. Segundo Tratado Sobre o Governo. Trad. Alex Marins. Ed. Martin Claret. São Paulo, 2002.

Page 132: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

130

MASSON, G. Políticas de Formação de Professores: As Influências do Neopragmatismo da Agenda Pós-moderna. Tese de doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, 2009. MARX, K. & ENGELS, F. O Manifesto do Partido Comunista. Frente revolucionária de Defesa dos Direitos do Povo. Belo Horizonte – 2008. _____ . A ideologia alemã. Lisboa: Avante, 1981. MAXIMIANO, A. C. Teoria Geral da Administração: da revolução urbana à revolução digital. 6ª ed. – 2ª Reimp. – São Paulo: Atlas, 2007. MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1978. Disponível em http://ebookbrowse.com/ferrater-mora-dicionario-de-filosofia-port-pdf-d75450421 Acesso em 10/02/2013. MORAES, R. C. C. Liberalismo e Neoliberalismo: Uma Introdução Comparativa. 1997. MURARO, D. N. A importância do conceito no pensamento deweyano: relação entre pragmatismo e educação. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação, 2008. PAULO NETTO, J. Estado e “questão social” no capitalismo dos monopólios. In:_______. Capitalismo monopolista e serviço social. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1996. PEIXOTO, M. G. A Condição Política na Pós-modernidade: a questão da democracia. São Paulo: EDUC, 1998. PETRAS, J. Os Fundamentos do Neoliberalismo. In OURIQUES, N. D. RAMPINELLI, W. J. (orgs). No Fio da Navalha: Crítica das Reformas Neoliberais de FHC. São Paulo: Xamã, 1997. RICARDO, D. Princípios de Economia e Tributação. São Paulo, SP: Nova Cultural – 1996 (Col. Os economistas). SAES, D. A democracia burguesa e a luta proletária. In:_______ Estado e democracia: ensaios teóricos. 2ª ed. Campinas: Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1998. (coleção Trajetória, 1). _________. A evolução do Estado no Brasil (uma interpretação marxista). In:_________. República do capital: capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001. ________. A ideologia docente em A reprodução, de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron. Revista Educação & Linguagem • Ano 10 • Nº 16 • 106-125, Jul.-Dez. 2007. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/EL/.../139

Page 133: O LIBERALISMO E AS PROPOSIÇÕES DE JOHN DEWEY …tede.unioeste.br/bitstream/tede/3639/5/Verenice Mioranza De... · das orientações dadas à reforma da Educação Básica a partir

131

SANDRONI, P. Novo Dicionário de Economia. São Paulo: Circulo do Livro, 1994. SANTANA, L. C. Liberalismo, Ensino e Privatização: um estudo a partir dos clássicos da economia política. Tese de Doutorado. Unicamp, Faculdade de Educação, 1996. SMITH, A. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. 2ª ed. – São Paulo: Nova cultural, 1985. Vol. II (Col. Os economistas). VIEIRA, E. Estado e política social na década de 1990. In: NOGUEIRA, F. M. G. (org.) Estado e Políticas Sociais no Brasil. Cascavel: EDUNIOESTE, 2001.

WARDE, M. J. Liberalismo e Educação. São Paulo: PUC, 1984. Tese de doutorado. WESTBROOK, R. B. DEWEY, J. (1859-1952). in: ROMÃO, J. E.; RODRIGUES, V. L. (org.). John Dewey. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, Coleção Educadores, 2010. ZANARDINI, I. M. S. A ideologia da pós-modernidade e a política de gestão educacional brasileira. Tese de doutorado, UNICAMP, 2006.