O léxico regionalista de jorge amado em tereza batista cansada de guerra

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA ROSIELE SILVA ALMEIDA O LÉXICO REGIONALISTA DE JORGE AMADO EM TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA Conceição do Coité 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA

PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA

ROSIELE SILVA ALMEIDA

O LÉXICO REGIONALISTA DE JORGE AMADO EM TEREZA

BATISTA CANSADA DE GUERRA

Conceição do Coité 2012

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ROSIELE SILVA ALMEIDA

O LÉXICO REGIONALISTA DE JORGE AMADO EM TEREZA

BATISTA CANSADA DE GUERRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas - Licenciatura, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB – campus XIV) para obtenção do título de Licenciada. Orientadora: Profa. Dra. Celina Márcia de Souza Abbade

.

Conceição do Coité 2012

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"A palavra distingue o homem entre os animais; a linguagem, as nações entre si - não se sabe de onde é o homem antes de ele ter falado".

J. J. Rousseau

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AGRADECIMENTOS

No decorrer desta pesquisa pude contar com o apoio e a dedicação de

muitas pessoas que direta ou indiretamente contribuíram significantemente para o

bom resultado deste trabalho. Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, que

durante todo este período em que eu estive desenvolvendo essa pesquisa me deu

forças para seguir em frente, não me deixando desanimar, sendo o meu guardião e

principal motivador. À minha querida orientadora, Professora Drª Celina Márcia de

Souza Abbade, que não se restringiu em momento algum em me ajudar,

colaborando incessantemente através de seus valiosos conhecimentos para que eu

fizesse um bom trabalho, a ela meus infindáveis agradecimentos.

Ao professor Deijair Ferreira, pelo empenho, compromisso e dedicação,

sempre disposto a ajudar, transpassando as barreiras da docência com seu

companheirismo e amizade admiráveis. Aos meus incansáveis mestres que

transmitiram durante toda graduação valiosos ensinamentos, indicando os caminhos

a serem percorridos, contribuindo essencialmente para a minha formação.

De forma muito especial agradeço aos meus pais Hildebrando e Rita, por me

darem a vida, e junto com ela toda a sorte de sentimentos benévolos, me

concedendo todos os subsídios necessários para que eu alcançasse êxito em

minhas escolhas. Aos meus irmãos, por me apoiarem nas mais diversas

circunstâncias e decisões, me proporcionando carinho, amor e dedicação. Ao meu

noivo Flávio, pelo companheirismo e amor dedicados, sempre me dando força e

incentivo para seguir em frente. Aos meus amigos, por acreditarem em meu

potencial. Aos meus colegas do curso de Letras Vernáculas, pela amizade e

companheirismo demonstrados durante toda essa jornada, pelos conhecimentos

partilhados, e sobretudo pelo apoio nos momentos difíceis. Aos amigos que tive a

oportunidade de encontrar nesse período, em especial à Ana Elma, Cintia, Daiane,

Gildevan, Maeli, Marília, Rodrigo e Vigna. Minha gratidão às amigas e companheiras

de jornada: Ane Matos, Camila Lima, Camila Mascarenhas, Luciana Lago,

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Rigomária Lopes e Soelha Aleluia, que durante todos estes anos formaram junto

comigo um grupo fortalecido para os mais diversos trabalhos, sendo verdadeiras em

tudo, na amizade, coleguismo e carinho devotados. Enfim, meus sinceros

agradecimentos a todos aqueles que me apoiaram para que eu alcançasse mais

uma vitória.

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RESUMO O presente trabalho faz um breve estudo sobre O Léxico Regionalista de Jorge Amado, e busca compreender a partir das conclusões alcançadas, de que modo a cultura exerce influência sobre a língua e como a Lexicologia tem sido difundida pelo mundo, quais os métodos mais utilizados para compreender a língua e os resultados obtidos desde que esta ciência passou a existir. É abordado ainda, as transformações sofridas pelas línguas e de que forma isso ocorre, dando-se maior enfoque para as incorporações de lexias às línguas ao longo do tempo. Esse trabalho consiste em pesquisa bibliográfica, tomando-se como principais teóricos: Abbade (2009), Abbade (2006), Araujo (2003), Bechara (2005), Biderman (2001), Calixto (2011), Ferreira (1986), Goldstein (2003), Houaiss (2001), Monzolilo (1995), Rousseal (1978), Teixeira (2009), Sengo (2010), Soares (2011) e Villas Boas (2011). Este trabalho é inteiramente voltado para os estudos lexicais. Diante dos esforços dos estudiosos em estruturar o léxico de algumas línguas, optou-se modestamente por tentar estruturar o léxico nordestino encontrado no romance Tereza Batista Cansada de Guerra (1972), do renomado escritor baiano Jorge Amado. Isso consiste em organizar as lexias encontradas no texto de base em conjuntos, denominados Campos Lexicais. Nos referidos campos, são organizadas as lexias que formam um determinado campo conceitual, o campo das lexias nordestinas. Elas foram então elencadas e a partir de importantes dicionários da Língua Portuguesa conceituadas. Palavras-chaves: Cultura. Campos lexicais. Vocabulário nordestino.

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ABSTRACT This paper gives a brief study about the Lexicon regionalist Jorge Amado, and seeks to understand the conclusions reached from it, how culture influences language and lexicology as has been widespread throughout the world, which methods has been used for understand the language and the results obtained from this science came into being. It also addressed the transformations undergone by languages and how this occurs, giving greater focus on the incorporation of lexias to languages over the time.Thiswork consists ofliterature, taking asthe maintheorists:Abbade (2009), Abbade (2006), Araujo (2003), Bechara (2005), Biderman (2001), Calixto (2011), Ferreira (1986), Goldstein (2003), Houaiss (2001), Monzolilo (1995), Rousseal (1978), Teixeira (2009), Sengo (2010), Soares (2011) and Villas Boas (2011).This work is entirely for lexical studies, to the efforts of scholars in the lexical structure of languages, we opted for a modest attempt to structure the lexicon found in the book Tereza Batista: Home from the Wars, by The renowned Bahian writer Jorge Amado. That is to organize the lexias found in the basic text in sets, called lexical fields. In these fields, are organized lexias forming a conceptual given field, the field of lexiasNortheast. They were then listed and important dictionaries from the prestigious Portuguese. Key-words: Culture. Lexical Fields. Vocabulary northeast.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10

1. JORGE AMADO: A LINGUAGEM QUE DENUNCIA AS

MAZELAS DA SOCIEDADE BAIANA ..................................

13

1.1 Das experiências pessoais ao modelo de ser brasileiro ...... 13

1.2 De membro da “Academia dos Rebeldes” à porta-voz de

uma nação ...........................................................................

17

1.3 Tereza Batista Cansada de Guerra: Léxico, história e

cultura ..................................................................................

22

2. LÉXICO E CULTURA ..........................................................

27

2.1 O entrelaçamento da cultura com a linguagem ................... 27

2.2

2.3

O léxico do Nordeste do Brasil e suas peculiaridades .........

A Teoria dos Campos Lexicais ............................................

30

34

3. O CAMPO LEXICAL DO REGIONALISMO EM TEREZA

BATISTA CANSADA DE GUERRA .....................................

38

3.1 Descontentamento ............................................................... 39

3.2 Relacionamento amoroso .................................................... 40

3.3 Qualificadores ...................................................................... 41

3.4 Qualificadores para mulher .................................................. 43

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3.5 Orgão sexual ........................................................................ 43

3.6 Ações ................................................................................... 44

3.7 Desentendimento ................................................................. 44

CONSIDERAÇÕES

FINAIS

..........................................................................................

45

REFERÊNCIAS

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INTRODUÇÃO

A abordagem deste trabalho originou-se a partir de uma análise literária

solicitada pela professora Jussimara Lopes, através do Componente Curricular

Tradição e ruptura em Literatura de Língua Portuguesa. Nesta feita, pude conhecer

o romance Tereza Batista Cansada Guerra (1972), que, com magnífica eloquência,

retrata de forma significativa a sociedade nordestina, e seus aspectos culturais,

comportamentais, linguísticos e religiosos. No entanto, o trabalho que inicialmente

estava voltado para a literatura ganhou outro víeis, isso pela constatação da

necessidade de uma pesquisa mais concisa para investigar até que nível a língua

reflete os valores sociais, culturais e religiosos de uma determinada região.

Jorge Amado buscou através de sua obra, mostrar a cultura nordestina para o

mundo, atrelando a isso a exploração do vocabulário regionalista através da fala e

da descrição de seus personagens. Para conseguir essa façanha, Amado (1972)

não poupou esforços, nem se preocupou com as críticas que lhe seriam

direcionadas, devido à ousadia de reproduzir tão fielmente em suas obras, um léxico

constantemente depreciado por sua irreverência.

Assim surgiu o interesse em desenvolver um trabalho que estivesse voltado

para a singularidade com que o escritor baiano descreve a fala de seus

personagens, demonstrando o tesouro lexical que está atrelado ao vocabulário

nordestino. Para que essa pesquisa alcançasse o êxito desejado, optou-se por

trabalhar com a 1ª edição da obra Tereza Batista Cansada de Guerra (1972). Essa

escolha se deu na tentativa de captar o máximo possível a veracidade da linguagem

do autor, visto que, as edições subsequentes passaram por um processo mais

aguçado de correção, podendo haver nessas edições perdas ou trocas de algumas

palavras não autorizadas pelo autor.

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Sabe-se que as obras de muitos escritores do Nordeste, inclusive Jorge

Amado, levaram muito tempo para serem aceitas na literatura nacional e, assim

como o léxico nordestino, ainda causam certo espanto e estranhamento para quem

vive em outras regiões do Brasil. Isso provavelmente ocorre, em virtude da falsa

ideologia de que tudo o que vem do Sudeste do Brasil é bonito e correto, enquanto

muitos outros aspectos referentes à região nordestina são imediatamente taxados

como esdrúxulos e grotescos. O léxico nordestino não se distancia muito dessa

caracterização precipitada e errônea, apesar da grande variedade de obras literárias

que retratam o contexto e as asperezas da vida nordestina. Esses estigmas quanto

ao vocabulário utilizado nessa região do país, não cessam, pelo contrário, se

intensificam a cada dia, devido ao uso que o nordestino faz de sua liberdade de

expressão, criando inúmeras lexias que rapidamente se incorporam a linguagem

habitual, tornando-se comum.

É importante ainda ressaltar que este processo de construção lexical está

intrinsecamente ligado às marcas culturais de um povo, ou seja, a cultura tem forte

influência sobre a língua, em seus mais variados níveis. O homem sempre sentiu a

necessidade de criar lexias para dá nome aos objetos que incessantemente

surgiam. O progresso tecnológico tem forte influência sobre a expansão do léxico,

visto que, as invenções necessitam de nomes, o que exige a criação de mais

palavras, para denominar inúmeras coisas. No intuito de investigar esse processo,

surge a Lexicologia, a ciência que estuda a palavra e a estruturação do léxico. Esses

estudos têm por finalidade mostrar como a língua se constrói, provando o tempo

todo que a linguagem dá vida ao pensamento.

Nessa perspectiva, compreende-se a importância dessa pesquisa para que

haja uma valorização maior do léxico nordestino, que, na maioria das vezes, se

encontra submetido ao preconceito linguístico, isso impede as pessoas de

compreender a relevância da variedade lexical para a que a língua se consolide.

Inúmeros estudos vêm sendo feitos no campo dos vocábulos, entretanto um

especificamente tem atraído a atenção dos estudiosos, a Teoria dos Campos

Lexicais criada por Jost Trier (apud ABBADE, 2009, p.38), que alguns anos mais

tarde ganhou um método que lhe deu sustentação, desenvolvido por Eugênio

Coseriu (apud ABBADE, p. 40). Através desse método, Coseriu (apud ABBADE, p.

40) objetivava estruturar em campos o léxico de uma língua. Para ele, isso só seria

possível organizando as palavras em conjuntos, formando campos conceituais onde

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elas se encaixariam. Fez-se necessário primeiro entender a lexia em seu conjunto,

estudando-se o conceito que ela recebe dentro desse campo.

Para estruturar o campo lexical do regionalismo no contexto já mencionado,

utilizou-se a proposta de Eugenio Coseriu (apud ABBADE, 2009, p. 40), uma vez

que primeiro se fez o levantamento de todas as lexias que se encaixam dentro do

vocabulário nordestino no texto de base. Em seguida, foi feita uma pesquisa dos

significados que cada lexia agrega dentro dos dicionários Ferreira (1986) e Houaiss

(2001). Após a ligação desses significados, foi elaborado o conceito das demais

lexias, de acordo com os pressupostos científicos da língua, tomando-se como ponto

de partida o contexto onde estas lexias estão inseridas. Na organização das

entradas lexicais, as lexias foram caracterizadas como substantivo e adjetivo

masculino singular e verbo no infinitivo.

Espera-se que através desse trabalho, o léxico regionalista nordestino, seja

visto sob outra ótica, distante da até então utilizada, só assim será possível valorizar

esse vocabulário que ainda se encontra relegado à falta de reconhecimento, diante

de outros tantos altamente enaltecidos.

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1. JORGE AMADO: a linguagem que denuncia as mazelas da sociedade baiana

A vida de Jorge Amado é marcada por inúmeros acontecimentos que

determinaram o estilo de sua escrita. Experiências como a convivência com os

trabalhadores de fazendas de cacau e a amizade com as prostitutas das ruas da

Bahia, acabaram sendo transpostas em seus romances. A sua participação como

membro da Academia dos Rebeldes, lhe proporcionou um contato maior com a

literatura voltada para a crítica social. A junção de todos os fatores supracitados

permitiu ao renomado escritor baiano, uma visão abrangente da sociedade

nordestina. Desta forma, Jorge Amado construiu em sua produção literária, um

retrato conciso do seu espaço de criação, uma profunda reflexão do contexto

nordestino em seus mais variados aspectos.

1.1 Das experiências pessoais ao modelo de ser brasileiro

Em dez de agosto de 1912, nascia na Bahia Jorge Amado, na cidade de

Itabuna, em uma fazenda de cacau. Aos três anos, mudou-se com a sua família para

Ilhéus, onde cursou o primário. Posteriormente, fixou moradia em Salvador, onde fez

o curso secundário no Colégio Antônio Vieira e no Ginásio Ipiranga. Chegou a

diplomar-se em Direito, mas não exerceu a profissão, até porque essa não era a sua

meta.

Em 1930, Jorge Amado mudou-se para o Rio de Janeiro onde participou de

movimentos intelectuais de insatisfação, característica comum aos jovens da época.

Em 1933 casa-se com a sua primeira esposa, Matilde Garcia Lopes, com quem teve

sua primeira filha, Eulália, que viria a falecer ainda jovem, aos 14 anos. Já

reconhecido como escritor, ganhava cada vez mais popularidade, foi militante

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comunista e eleito Deputado Federal de São Paulo em 1945, pelo Partido Comunista

Brasileiro, após o período da ditadura de Getúlio Vargas. Sua vitória eleitoral só veio

a confirmar o seu prestígio de romancista. Entretanto, seu mandato foi cassado dois

anos depois, e ele foi exilado, juntamente com sua segunda esposa Zélia Gattai,

pelo fato de se oporem às estruturas impostas pelo governo da época. Permaneceu

no exílio durante cinco anos, entre França e Tchecoslováquia, de 1948 a 1952.

Jorge Amado era um apaixonado pelas palavras. A arte de escrever era para

ele um fascínio, fazendo dela sua profissão. Suas obras tanto se popularizaram que

ele passou a viver exclusivamente dos direitos autorais de seus livros. Seu

desempenho como escritor lhe proporcionou o seu ingresso para a Academia

Brasileira de Letras em 1961, além de diversos títulos estrangeiros e nacionais.

O consagrado escritor brasileiro escreveu livros em 46 países, sendo alguns

deles: Alemanha, Espanha, França, Estados Unidos, Itália, Portugal, etc. Foi

traduzido para 48 idiomas tais como Alemão, coreano, chinês, islandês, Japonês,

entre outros. Muitos desses romances foram adaptados para o cinema, televisão,

teatro, rádio e histórias em quadrinhos. Suas obras trazem vasta riqueza de

detalhes, tocando estrategicamente em assuntos do cotidiano, como a infância

abandonada, o proletariado, os saveiristas, os negros, os vagabundos, em conflito

com a sociedade que insistia em dominá-los. Isto é, Amado não se detinha em

retratar em seus livros o drama social brasileiro, pelo contrário, conseguiu, através

da literatura, tocar em temas que fazem parte da vida de muitos brasileiros, como os

problemas que afetam os menos favorecidos.

Suas obras oferecem ao leitor a possibilidade de se deleitar em um vasto

campo de expressões e vocábulos, repletos de termos nordestinos, de forma que

consegue atrelar a sua linguagem lírica com a crítica social que se empenhava em

realizar. Com isso, o autor tenta burlar conscientemente os paradigmas tradicionais

com uma linguagem de baixo calão, com alto teor de erotismo e pornografia. Além

disso, o célebre escritor, por meio de seus romances, descreve de forma eloquente

a sociedade nordestina e seus aspectos culturais, comportamentais, linguísticos e

religiosos. Traz à tona ainda, a preocupação político-social, visto que se dispôs a

denunciar através de seus escritos a opressão vivenciada pelas classes

marginalizadas.

Jorge Amado costumava afirmar que foi a amizade com os trabalhadores de

cacau, que lhe despertou a consciência social, ou seja, a convivência com aqueles

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que vivenciaram os problemas sociais, lhe despertou certa sensibilidade, para

retratar em seus livros, histórias do cotidiano, porém com personagens fictícios.

Suas obras vão além de uma simples literatura, conseguem com riqueza de

detalhes, refletir a imagem do povo brasileiro, visto que Amado, assume uma

postura de crítico social, que induz e incita o leitor a se posicionar contra as

injustiças políticas e sociais e reivindicar seus direitos de cidadãos.

Diferentemente de muitos que se calaram diante das ameaças e

constrangimentos da ditadura militar, o mais autêntico dos escritores baianos, não

retraiu a sua imaginação criativa, nem reprimiu seu desejo de criar personagens que

muito se aproximam de pessoas reais, comuns, livres de estigmas preconceituosos.

O povo com seus problemas de ordem social rompe as fronteiras de intensas

discussões, e passa então a ser o foco do processo de criação de Jorge Amado,

como afirma Araujo (2003): “uma literatura em que o povo é ator, e não mais

assunto” (p.15).

Jorge Amado foi como escritor, por muito tempo discriminado por ser

comunista e por ser um best seller, resistiu às investidas da massacrante crítica

elitista e não traiu seus ideais socialistas, nem reprimiu o desejo de escrever para as

grandes massas, ou melhor dizendo, para àqueles que vivenciavam na prática os

dramas ali descritos.

Suas obras ainda são pouco estudadas na Academia, apesar de seu

esplendoroso sucesso popular por todo o mundo. Isso porque, Jorge Amado, antes

mesmo de seu status de escritor, é, acima de tudo, um contador de histórias nato,

visto que, apesar da resistência de uma elite literária em aceitar suas obras dentro

da Academia, ele não se empenhou em convencer de seu potencial, os grupos que

o criticavam. O que ele queria mesmo era escrever para as massas populares, pois

eram elas que lhe serviam de fonte de inspiração.

Muitas críticas foram feitas aos personagens que ganhavam vida nos livros de

Jorge Amado, e o pouco que os críticos literários escreveram sobre o escritor baiano

antes de sua morte, foram apenas argumentações que diminuíam a potencialidade e

o caráter de seus personagens, tratando os tais como: “coronéis desumanos, negros

viris, brancos arrivistas, proletários utópicos, especuladores, biscateiros, prostitutas

beatíficas, cafetões manipuláveis.” (VILAS BOAS, 2005).

Enfim, um arsenal de características que tornavam os fabulosos personagens

de Jorge Amado em simples personagens fictícios, sem valor social, que não

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levariam os leitores a nenhuma reflexão acerca da sociedade. Dizendo-se ainda,

como argumenta Vilas Boas (2005), que “suas narrativas eram melodramáticas e

embebidas de sincretismo religioso, tratando sua linguagem como discurso

popularesco, firmado sobre conteúdos machistas e folclóricos, onde imperava a

pornografia gratuita”. Entretanto, a antipatia que a crítica demonstrava por Jorge

Amado, não abalava a fidelidade das várias gerações de leitores que se

multiplicavam a cada ano, em todo o mundo. Fazendo com que a popularidade do

escritor baiano crescesse espantosamente, haja vista o aumento da venda de

exemplares de suas obras que crescia significativamente a cada ano.

Jorge Amado tem a cara do Brasil, e conseguiu essa façanha, porque não se

comprometeu com ideologias políticas, isto é, não consentiu com os ideais de um

grupo dominante, antes, porém, se preocupou em desvelar ao mundo a riqueza do

patrimônio cultural do Brasil e da Bahia. Amado faz de sua literatura mais que uma

crítica social, é sobretudo, uma forma de construção social, já que não descreve

apenas a vida do povo da Bahia, faz além disso, uma reflexão sobre as classes

marginalizadas, as condições precárias em que vivem e seus falares estigmatizados.

Embora alguns críticos afirmem que a literatura de Jorge Amado tem caráter

discutível, firmando-se sobre o argumento de que ele não segue as regras literárias,

nem mesmo os padrões tidos como inquestionáveis na língua, ele provou ao longo

de sua carreira, que é um profundo conhecedor do povo brasileiro, visto que não se

prende ao subjetivismo exacerbado de seus personagens, isto é, não almeja apenas

revelar idealizações do sujeito baiano. Antes, revela-o como ele é. Visando explorar

a imagem de um povo que não conhece no cotidiano somente a Bahia de encantos,

gente esta que sente na pele as asperezas da terra que, embora alguns digam que é

de todos, não oferece a esse “todo”, condições favoráveis de vida e de perpetuação

da cultura.

Amado como um amante da cultura baiana conheceu de perto as duas faces

da Bahia, revelando ambas para o mundo. Conseguindo de forma enfática, o

equilíbrio através da literatura entre esses dois pólos: a Bahia de sensualidade,

ritmos e sabores, e a Bahia relegada ao descaso, e ao esquecimento, de um povo

sofrido e guerreiro.

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1.2 De membro da “Academia dos Rebeldes” à porta-voz de uma nação

Em 1928 nascia na Bahia um grupo de jovens dispostos a lutar contra as

estruturas conservadoras da sociedade brasileira da época, dirigindo a esta, críticas

severas, na busca de combater os padrões estéticos literários previamente

estabelecidos. O objetivo primordial desse grupo era varrer por meio de seus

manifestos, todos os resquícios de tradição que a literatura nacional incorporou à

baiana ao longo dos séculos. Os escritores que formavam esse grupo valorizavam

sobremaneira a cultura afro-baiana e africana.

Dentre esses jovens, estava Jorge Amado, um dos principais mentores dessa

organização, o qual juntamente com seus amigos almejava criar um novo jeito de se

fazer literatura, afastando desta o tradicionalismo que há séculos imperava na

Academia Brasileira de Letras, seria o engajamento nas causas sociais e culturais,

para fortalecimento da identidade nacional. O que contrapunha os objetivos da

Semana de Arte Moderna em 1922, que caricaturava o Brasil e seu povo, como

personagens de uma história projetada sob uma ótica que agradaria o exterior, ou

seja, a figura de um país tropical com suas formas pitorescas e exóticas, com

personagens fabulosos.

A Bahia até então apresentava um contexto conservador. Esse grupo passou

a representar a modernidade que se espalhava Brasil afora desde 1922, num desejo

mútuo de explorar e, sobretudo inovar a cultura baiana da época, através de

questionamentos acerca dos códigos estéticos da literatura. Concernente a isso

Calixto (2011) afirma: “Deste modo, buscavam uma literatura brasileira calcada no

realismo literário como forma de expor as mazelas da sociedade, objetivando a

transformação, a modernização” (p.54).

A partir daí, Amado passa a levar ainda mais a sério seu desejo de recriar a

cultura popular e a linguagem do povo baiano em sua obra. Goldstein (2002),

ressalta que é pertinente referir-se a ele como um representante informal da

população baiana, e ainda complementa dizendo que Jorge Amado é um autêntico

vivenciador que partilhou muitas das experiências que descreve em seus livros,

relatando os fatos de maneira tão minunciosa, que seus leitores acabam por

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confundir a representação com a realidade. Sobre isso, Durkheim (apud

GOLDSTEIN 2002, p. 125), afirma: “Uma representação social, constitui uma forma

de conhecimento prático, socialmente elaborado, uma construção simbólica

partilhada por um conjunto social ou cultural.” Os caminhos traçados nas narrativas

de Jorge Amado são reflexões acerca de problemas encontrados nas relações

sociais da Bahia, em meados do século XX. Em seus textos tratava

intencionalmente sobre a prostituta, o negro e o operário, grupo de pessoas

violentamente discriminadas e vitimizadas, objetivando dá voz àqueles que estavam

há séculos sufocados pelas mãos do poder. Essa luta por ideais torna Jorge Amado

não apenas um literário contrário a situação caótica de seu país, mas sim um

cidadão inconformado com o descaso com as minorias, e, para demonstrar o seu

incômodo, não hesita em utilizar-se do que tem de melhor, a linguagem, para, senão

reverter, ao menos explicitar por meio da literatura o cotidiano do povo brasileiro.

Jorge Amado, através de suas obras, possibilitou que o povo brasileiro

conhecesse a cara da Bahia em seus aspectos mais obscuros, e ousou ao explorar

uma região do Nordeste do Brasil que até então estava relegada ao notório descaso

de sua cultura e de seus aspectos sociais. A literatura brasileira, antes da literatura

amadiana, estava quase que em suma, inclinada a retratar aspectos relacionados ao

Sudeste brasileiro, mais especificamente ao estado do Rio de Janeiro, onde se

concentravam a maior parte dos literários reconhecidos da época, que enalteciam e

tomavam o referido estado como a imagem ideal de Brasil. Isso só vem a corroborar

com os ideais de ruptura, e os modelos tradicionais que, a Academia dos Rebeldes

tentava burlar.

Sem dúvidas, o cenário onde as histórias contadas por Jorge Amado se

passam, é imprescindível para o entendimento do retrato da Bahia que se almeja

passar, e mais, para a compreensão do texto em sua plenitude, ou seja, nesse novo

modelo de literatura, o espaço tem grande importância, visto que conduz o leitor a

uma maior compreensão do que é a Bahia de Jorge Amado.

O modelo elitista não tem espaço na literatura amadiana, já que o rompimento

com os padrões tradicionais da literatura não se detêm aos valores estéticos, vai

mais além, seus romances não tratam em particular do modo de vida de poderosos

empresários ou mesmo coronéis de fazendas de café, traz a princípio a exploração

sofrida por pessoas comuns, nas mãos dos detentores do poder. Amado, entretanto,

não enxerga as suas narrativas como uma ruptura com a literatura brasileira, vê as

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narrações que faz sobre o povo brasileiro como um processo de maturação na forma

de representar o Brasil e refletir os problemas sociais, além de em cada obra,

retratar implicitamente o momento vivido por ele.

Tendo plena consciência de seu ofício, mesmo integrado à realidade social que é seu núcleo temático, o escritor alcança transcendê-la, percebendo e somando realidade empírica e realidade da arte, libertando esta da mediocrasia da morte. (ARAUJO 2003, p. 125).

Amado constitui-se então como a forma plena do não-conformismo,

inconformismo este que o ajuda e o impulsiona a concretizar seus ideais de uma

cultura valorizada, sem preconceitos, isto é, uma nação igualitária que se distancia

dos ideais subjetivistas. Jorge Amado não admite que seus personagens sejam

relegados à natureza abstrata que permeia a literatura, sem objetivos e perspectivas

que alcancem o povo com seus dramas e causas concretos, como afirma Araujo

(2003):

A sociedade só compreende o artista segundo leis objetivas, mas ele - o escritor, o artista da palavra - demole o mundo ou o reedita a seu modo, cobrindo-o de renovadas experiências vivenciais. (p.125)

A contribuição de Jorge Amado para o Brasil, não se deu apenas como um

literário que usava a literatura para refletir sobre os problemas sociais de seu país,

agiu sobremaneira, como um atuante/militante, na busca pela efetivação da cultura

popular baiana, que até então se encontrava ofuscada, pela descriminalização que a

atingia. E, tanto fez para que a cultura baiana ganhasse seu espaço dentro da

sociedade brasileira, que recebeu durante o governo do presidente Jânio Quadros,

um convite para participar do Conselho Nacional de Cultura, onde deveria fazer valer

os interesses do povo dentro do Estado, devendo, sobretudo traçar projetos que

incentivassem o progresso da cultura, objetivos estes que corroboram com o ideal

da perpetuação da mesma.

Amado contrariou os intelectuais brasileiros da época, que sendo a parte

elitizada da sociedade, não viam com bons olhos a inserção de um escritor

nordestino com uma linguagem considerada vulgar, entre eles. Já que era alheio ao

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20

“artesanato linguístico” (ARAUJO, 2003, p. 138), prezando sempre pela

transparência da linguagem, fazendo uso desta de maneira extremamente coloquial,

numa reprodução fidedigna do vocabulário baiano. Em resposta aos insultos que

vinha sofrendo, em certa ocasião Jorge Amado declarou:

Disseram certos críticos que não passo de um limitado romancista de putas e vagabundos. Creio que é verdade e orgulho-me de ser porta-voz dos mais despossuídos de todos os despossuídos. (...) Creio que querendo ofender-me, esses críticos me exaltaram e definiram. (AMADO apud CALIXTO, 2011, p. 15).

Embora abordasse temas que exigiam pela sua natureza, seriedade, Amado

conseguia atrelar o humor às suas tentativas de atingir a sociedade. As criaturas

ficcionais por ele criadas se fortalecem dentro da realidade concreta, são

personagens do cotidiano, imersos nas sátiras histórias por Jorge Amado escritas.

Jorge Amado conseguiu, embora sofrendo rejeições, passar sua mensagem de

inconformismo, e o fez com maestria, sendo ao mesmo tempo sutil e irônico.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que Amado rompe com as fronteiras das

convenções partidárias, visto que o ponto de partida de sua escrita é o discurso

acerca da miscigenação, propondo em toda a sua obra um ideal que decerto estava

acima de todos os outros: um desejo ardente de uma nação mais justa, sem

preconceitos de qualquer ordem, e objetivando que assim como ocorria em seus

escritos, o povo estivesse no centro dessa sociedade, e não mais à margem.

Concernente a isso, Araujo (2003) afirma: “O escritor considera-se engajado quando

coloca sua liberdade poética no interior de uma expressão verbal cujos limites são

os da sociedade e não os de uma convenção ou de um partido.” (p.139)

Entre meados da década de 1950, Jorge Amado conscientiza-se por completo

de sua importância como intelectual, mais precisamente, após a escrita de seu

clássico romance Gabriela Cravo e Canela (1958). A partir daí, a sua imagem atrela-

se terminantemente, ao ideal de fixação de uma identidade nacional brasileira, e

para cumprimento dessa sua característica de transpor em seus livros a imagem da

realidade brasileira, o autor dá origem, à um repertório de palavras, fatos,

expressões e personagens, que se misturaram à sua própria imagem, não sendo

mais possível dissociar um do outro, isto é, escritor de personagem. Isso ocorria pelo

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21

fato de Amado narrar em suas obras, histórias com enorme riqueza de detalhes,

transmitindo veracidade no que escrevia, e ainda por tratar de temas com muita

propriedade, criou-se então a ideia de que ele narrava situações por ele mesmo

vividas. Como afirma Araujo (2003): “As criaturas ficcionais de Amado são

legitimadas na realidade concreta, têm nome e sobrenome facilmente conferíveis no

tabelionato interativo” (p. 138).

Entende-se então que, ao longo de suas obras, Jorge Amado mistura-se aos

personagens por ele criados, como o próprio escritor afirma em um de seus

discursos: “A minha literatura é toda ela, do livro primeiro até o último publicado, [...],

uma visão do povo brasileiro, colocando-se o autor de acordo com o ponto de vista

do povo brasileiro, contra os seus inimigos”, (AMADO apud CALIXTO, 2011, p.19).

Os livros de Jorge Amado, com seus enredos autênticos, e seus personagens

empolgantes, extrapolaram a categoria ficcional, dando ao leitor a impressão, se não

a certeza de que o autor contava histórias por ele mesmo vividas, ou de

personagens que ele realmente conheceu. Suas obras servem de fonte etnográfica,

ou seja, uma espécie de guia para turistas e estrangeiros, que queiram conhecer a

Bahia descrita por ele.

Jorge Amado em suas obras, durante a maior parte do tempo faz a fusão

entre ficção e realidade, tornando difícil a separação entre ambas. Por vezes, é

possível confundir o autor com o narrador do texto, induzindo o leitor, ou melhor, a

leitora a conhecer a sua Bahia, a Bahia onde tudo é possível, lugar de festas,

danças, cheiros, sabores e paixões, e o faz dizendo: “[...] Não tenhas, moças, um

minuto de indecisão. Atende ao chamado e vem. A Bahia te espera para uma festa

quotidiana”. (GOLDSTEIN, 2003, p. 223)

Assim, pode-se concluir que o escritor Jorge Amado se engajou

corajosamente na luta por uma literatura popular. Literatura esta, que segundo seus

objetivos, transcenderia as barreiras acadêmicas, alcançando seus personagens

cotidianos. Ao falar em suas obras, sobre o povo baiano, não tentou agradar as

classes elitizadas, nem mesmo preocupou-se sobre as críticas que lhe seriam

imputadas, em virtude do que era narrado. Rompeu definitivamente com os estigmas

preconceituosos que atingem a todos que não se enquadram nos padrões

estabelecidos pela sociedade dominante. Descreveu sem medo de rejeições, os

aspectos linguísticos da sociedade baiana, demonstrando a linguagem coloquial

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22

falada pelo dito “povão”. Enfim, fez um retrato minucioso, do que é a Bahia, do que é

o Brasil.

1.3 Tereza Batista Cansada de Guerra: Léxico, história e cultura.

O romance Tereza Batista Cansada de Guerra foi publicado em 1972 pela

Livraria Martins Editora. Nesse período, Jorge Amado já havia completado seus

sessenta anos e usurpava de grande popularidade tamanha a vendagem de suas

obras. O livro Tereza Batista Cansada de Guerra foi sucesso de vendas no Brasil e

no exterior. Tereza Batista compõe um rico quadro de personagens femininas que

permeiam a vasta obra de Amado, constituindo-se como uma fiel representação da

mulher que não se conforma com a situação de submissão e fragilidade, vivendo em

constante luta para romper com as barreiras que lhe são impostas.

A obra Tereza Batista Cansada de Guerra (1972) que serve de base para

este trabalho, conta a história de Tereza Batista, garota que perdeu os pais muito

cedo, ficando para ela o triste destino de morar de favor na casa de sua tia Felipa

que a oprimia e humilhava. Felipa era uma feirante casada com Rosalvo, este desde

a chegada de Tereza à sua casa, já maquinava planos tenebrosos para conseguir se

aproveitar da garota que desde pequena mostrava que seria uma bela mulher.

Tereza não tinha malícia alguma, se embrenhava pelos campos para brincar com os

moleques de sua idade, e não se restringia às brincadeiras mais pesadas, sempre

disposta a lutar, seja qual fosse a guerra, como fica explícito nesse trecho da obra:

“A menina solta, livre, alegre, subindo pelas árvores, em correrias com o vira-lata,

em marchas e combates de cangaço com os garotos”. (AMADO, 1972, p.130)

A alegria de Tereza na pureza de sua infância durou pouco, até a chegada do

capitão Justiniano Duarte da Rosa em sua vida. O capitão Justo como ficou

conhecido, era o homem mais temido da cidade onde morava, Cajazeiras do Norte,

situada no Estado de Sergipe. Valente e impiedoso não se comprometia com justiça

de qualquer ordem, suas vontades vinham sempre em primeiro lugar e isso se

estendia até mesmo aos seus desejos sexuais. Tinha verdadeiro fascínio por

garotas jovens, preferivelmente as que tinham entre dose e quinze anos de idade,

para as quais dedicava um colar onde expunha anéis de ouro que representavam

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23

cada uma de suas conquistas. E Tereza era para ele talvez a maior de todas,

acompanhou seus passos dia após dia, vendo-a desabrochar

Os olhos do capitão acompanham a menina na escalada, de galho em galho. Os movimentos largos levantam o saiote, mostram a caçola suja de barro. Apertam-se ainda mais os olhos pequeninos de Justiniano Duarte da Rosa- para ver melhor e imaginar. (AMADO, 1972, p. 66)

Capitão Justiniano foi capaz de tudo para realizar seus desejos, levando

Tereza consigo. Para tanto ofertou à sua “comadre” Felipa uma quantia em dinheiro

e um anel de ouro falso. Levou Tereza à força para sua fazenda, lá tentou por

diversas vezes abusá-la, entretanto surpreendeu-se ao perceber que a ingênua

menina não era tão indefesa quanto imaginava, relutava em aceitar os caprichos de

Justiniano e isso lhe custou caro, apanhou muito para não se submeter aos desejos

do capitão, até ser sujeitada com o ferro quente de passar roupas nos pés: “Não me

queime, não faça isso pelo amor de Deus. Nunca mais vou fugir, peço perdão; faço

tudo o que quiser, peço perdão, [...] Tereza Batista, argola no colar do capitão.”

(AMADO, 1972, p.118 -9)

Tereza Batista viveu cerca de dois anos entre a roça e o armazém que o

capitão possuía na cidade. Sempre submissa e temerosa, atenta as mínimas

vontades de Justiniano. Tereza, durante os dois anos em que esteve sob o domínio

do capitão, não lhe servia apenas como uma espécie de amásia. Justiniano fazia

uso de inúmeros serviços que a obrigava a cumprir. Vivia um verdadeiro inferno,

cumprindo os afazeres domésticos e trabalhando arduamente no armazém,

carregando sacos de alimentos e fazendo as contas dos clientes. A garota indefesa,

não consegue sentir nem sequer por um instante, prazer no triste ofício de servir ao

capitão como sua escrava sexual.

Sobe na cama, deita-se, a mão pesada toca-lhe a coxa, abrindo-lhe as pernas. Tereza se contrai, um bolo na garganta; sempre lhe foi custoso, nunca tanto assim, porém; hoje é por demais, é outro sofrimento, maior, dói no coração. (AMADO, 1972, p. 161-2).

Ainda sob o domínio de Justiniano conhece Dan, jovem bonito e sedutor, que

morando na capital Aracaju, retornava à cidade de Cajazeiras do Norte poucas

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24

vezes, somente para visitar seu pai que exercia o ofício de juiz no interior do estado.

Ao conhecer Tereza no armazém de Justiniano, consegue cativá-la de tal forma que

a garota acaba apaixonando-se por ele. Entretanto apesar de gostar do jeito e,

sobretudo da inocência que Tereza consegue transmitir, vê na moça apenas mais

uma possibilidade de aventura.

Envolveram-se, mas o que para a doce menina era uma ardente paixão,

sentimento nunca antes descoberto, distante do medo que o capitão lhe despertava,

para Dan era apenas mais um caso como tantos outros que tivera. Ao contrário da

repulsa que sentia pelo capitão descobriu nos braços de Dan sentimentos nunca

antes aflorados. Cada despedida era para ela um confuso entrelaçamento de

sensações, a dor da partida, o medo de não mais vê-lo, e a tristeza em saber que os

momentos ao lado de seu amado eram poucos e passageiros, infelizmente sabia

que teria que voltar para a sua triste tarefa de submissão ao capitão Justiniano. A

personagem passa então a viver algo até então desconhecido, e relata isso dizendo:

“Meu Deus, como pode ser tão bom o que fora penosa agonia?” (AMADO, 1972, p.

180)

A alegria de Tereza, porém durou pouco, somente até a noite em que ao lado

de Dan foi surpreendida pelo temeroso capitão. Diante do medo de ser morta por

Justiniano e tomada pelo ódio desmedido por tudo o que vivera ao seu lado, o

apunhalou pelas costas. O capitão não entende o repentino encorajamento da moça

que a partir dali passou a ser outra, rompendo com os padrões horizontais de

obediência.

O capitão a enxerga, mas não reconhece. É Tereza, sem dúvida, mas não a mesma por ele domada, na taca dobrada à sua vontade, aquela a quem ele ensinou o medo e o respeito [...] É outra Tereza ali começando, Tereza Medo Acabou [...] (AMADO, 1972, p.193).

O sofrimento de Tereza ao lado do capitão Justiniano Duarte da Rosa

acabou, sua morte foi para ela um alívio. Porém, mesmo com a morte do homem

que tanto a humilhou, Tereza que vive em constante “guerra”, mais uma vez foi

surpreendia pelas nuances do destino: foi presa pelo crime cometido, abandonada e

acusada por aquele que acreditava amá-la.

Porém, em seu caminho apareceu um homem digno e bondoso, que

rapidamente a libertou da prisão e a levou para morar com ele. Emiliano Guedes,

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25

rico fazendeiro, respeitado e honrado. Há muito tempo Tereza já havia atraído sua

atenção. Ainda quando estava sob o domínio de Justiniano, Emiliano a conheceu

numa de suas idas a fazenda do capitão para tratar de negócios. Nesta feita propôs

ao “detentor” de Tereza um acordo para que ficasse com a menina, mas Justiniano

no âmago de seu orgulho por possuir amásia tão bonita não consentiu dizendo: “É

uma protegida minha, doutor, órfã de pai e mãe que me entregaram pra criar, não

posso dispor. Se pudesse era sua. Desculpe não lhe servir.” (AMADO, 1972, p. 134)

Com a morte de Justiniano e a prisão de Tereza, o primogênito dos Guedes

não perdeu tempo, tratou logo de tirar Tereza da prisão e levá-la para sua casa em

Cajazeiras do Norte. Tereza passou então a viver com ele, mas não submissa e

infeliz como estivera por dois amargos anos nos domínios do capitão, era muito feliz

ao lado de Emiliano Guedes e o amava, ao ponto de desejar profundamente ter um

filho com ele. Emiliano não consentiu com a ideia, justificando tal postura, pelo

descontentamento que lhe causam seus dois filhos. Apesar da tristeza por não

realizar seu desejo, Tereza viveu anos alegres ao lado de seu amado, e com ele

aprendeu acerca de diversas coisas, as quais passou a apreciar, como o

refinamento do paladar, nos modos e nas vestes.

Emiliano, além de muito amor, deu à Tereza a oportunidade de se tornar uma

dama, com gestos finos e elegantes, como saber portar-se à mesa e apreciar pratos

e bebidas exóticas. O deleite de Tereza em companhia de Emiliano durou pouco

mais de seis anos. Os dias ao lado de seu amado foram intensos e prazerosos,

poder-se-ia dizer que foram os melhores de sua vida, até a morte repentina de seu

companheiro enquanto faziam amor. “Tereza Batista abraçada com a morte, tendo-a

sobre o peito e o ventre, por entre as coxas a penetrá-la, com ela fazendo amor.

Tereza Batista na cama com a morte.” (AMADO, 1972, p. 243)

Com a morte de Emiliano a vida de Tereza se transformou, ficou sem

dinheiro, sem casa e principalmente sem o homem a quem amava. Sem opção teve

que enfrentar a vida de prostituta no castelo de Taviana. Lá foi surpreendida por

homens que encantados com sua beleza lhe propuseram casamento, entretanto ela

não aceitou nenhum dos pedidos, pois seu coração já pertencia ao jangadeiro

Januário Gereba.

Ao conhecer Tereza Batista, Januário era casado, relutando em separa-se da

esposa em virtude do agravamento da doença que esta possuía. Ele recusa o amor

de Tereza naquele momento com a seguinte justificativa: “A que eu amei e quis, a

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26

que roubei da família, era sadia, alegre e bonita, hoje é doente, feia e triste, mas

tudo que ela tem sou eu, não vou largá-la na rua, no alvéu”. (AMADO, 1972, p. 359).

Januário Gerebra partiu, mas Tereza detentora de amor sem igual ficou à sua

espera. Nesse período a cidade de Buquim onde residia no interior de Sergipe,

enfrentou grande epidemia de bexiga negra (varíola). Tereza em companhia das

outras prostitutas travou verdadeira batalha contra a doença, vacinando grande

parte da população local. Nesse meio tempo a esposa de Januário Gereba faleceu,

porém um desencontro afastou mais uma vez o casal. Tereza inconformada em ficar

longe do amado partiu para a Bahia a procura de notícias deste. Januário por sua

vez volta à Sergipe para encontrar-se com Tereza, chegando lá é informado que a

sua amada teria morrido vítima da varíola. Inconsolado com a notícia Januário vai

embora sem deixar rastro.

Quando volta para Aracaju, Tereza Batista é informada do acontecido, e

entristecida retorna para Salvador, onde lidera um movimento de prostitutas, que

ficou conhecido como “a greve do balaio fechado”. Nesse manifesto as prostitutas

uniram forças contra os governantes que insistiam em retirar os ditos “castelos”

(bordéis) do centro da cidade para as regiões mais pobres. Assim as prostitutas

como forma de demonstrar seu descontentamento promoveram uma greve de sexo

que ficou mais conhecida como “greve do balaio fechado”, o que diminuía o número

de turistas em Salvador.

A trajetória de Tereza Batista foi marcada por peste, fome e guerra, da partida

ao reencontro com Januário Gereba em Salvador, muitas coisas aconteceram.

Tereza estava finalmente pronta para entregar-se ao amor e assim o fez, casando-

se com Januário, e junto com ele descarregando no mar todas as culpas, mágoas e

medos, finalmente prontos para o recomeço em alto mar.

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2. LÉXICO E CULTURA

A linguagem é imprescindível para a vivência do homem em sociedade, é

através dela que o ser humano pereniza sua história, registrando os fatos, seja

transcrevendo-os ou passando-os de geração a geração por meio de histórias

narradas oralmente. A língua enquanto um sistema aberto está sempre suscetível a

mudanças lexicais. Essas mudanças podem ocorrer de diferentes formas, através de

incorporações de novas lexias ao vocabulário, atribuição de diversos conceitos para

uma lexia, ou a até com a extinção de uma palavra. Com todas essas mudanças,

qualquer esforço para a estruturação do léxico de uma língua, pode ser considerado

devido à sua complexidade, um trabalho que provavelmente não teria conclusão,

isso porque, as mudanças ocorrem em uma velocidade muito grande, não sendo

possível uma estruturação de todo o campo lexical de uma língua. O máximo que se

pode fazer são algumas organizações de conjuntos lexicais, para compreender

melhor o contexto histórico e atual da língua.

O léxico do Nordeste do Brasil possui um grande e diferenciado acervo de

lexias, encontrado nos falares da população que habita nessa região e em algumas

obras de circulação mundial, escritas nessas terras. Qualquer língua encontra-se

impregnada dos resquícios de tradições, crenças e cultura do meio no qual é

utilizada. Tudo isso dá autenticidade e originalidade ao léxico, tornando-o singular.

2.1 O entrelaçamento da cultura com a linguagem

Nos últimos tempos o espantoso desenvolvimento cultural tem levado os

estudiosos da língua a estarem atentos às constantes e incontroláveis mudanças

ocorridas no campo dos vocábulos. Isso se dá, sobretudo, no que diz respeito às

lexias que, ao decorrer dos anos, foram sendo incorporados à linguagem dos povos.

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A língua comum necessita, a cada dia, que a ela sejam incorporadas novas

lexias; e isso se torna relevante para que o vocabulário possa ser enriquecido e

mudado, o que garante que este não seja extinto, antes, porém permite a

continuidade da sua existência. Concernente a isso, Abbade (2006) afirma: “Língua,

história e cultura caminham sempre de mãos dadas e, para conhecermos cada um

desses aspectos, faz-se necessário mergulhar nos outros, pois nenhum deles

caminha sozinho e independente.” (p. 214).

Tendo em vista a dinamicidade de culturas existentes e a variedade lexical

que transita entre elas, entende-se que a língua está sempre sujeita a mutabilidades

que se dão por fatores, sócio-culturais e históricos, ou até mesmo pela necessidade

de lexias que designem as experiências de vida de um povo. Ou seja, o vocabulário

de uma língua tem por principal finalidade registrar fatos, expressar crenças e a

realidade cultural de uma dada região. Abbade (2006, p. 213) afirma que “estudar o

léxico de uma língua é enveredar-se pela história, costumes, hábitos e estrutura de

um povo, partindo-se de suas lexias”.

O léxico de uma língua é constantemente mudado, e essas mudanças

ocorrem em maior escala, no que corresponde a ampliação do mesmo. Essa

ampliação pode se dá de duas formas, pelo empréstimo linguísticos, que se realiza

através do contato entre culturas distintas, acarretando a adoção de lexias

pertencentes à outra língua; ou por meio da criação de uma nova lexia, que pode

ocorrer com base em alguma outra já existente dentro da própria língua, ou não.

Referente a isso Carvalho (1998 apud ABBADE, 2009), afirma:

Sempre que se faz necessário nomear um objeto ou uma idéia um novo termo é criado ou um novo termo já existente passa a ser empregado com novo significado. Nessa nova nomeação ou mudança de sentido consiste o neologismo. Trata-se de um termo recém-criado ou recém tomado como empréstimo a uma língua estrangeira ou a um outro domínio. (p.132)

A partir dessa concepção, fica claro que as lexias, dentro de uma língua,

surgem de acordo com a necessidade do falante em comunicar as suas ideias, e

expressar sentimentos. Nessa perspectiva, não há preocupação dos usuários da

língua em constatar se o item lexical que está sendo oralizado existe de fato, pois

essas lexias são na verdade recursos criados no momento da fala, para suprir a falta

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29

de um termo em uma determinada designação, ou simplesmente corroborar com um

já existente.

Muitas dessas lexias despertam a resistência dos falantes em aceitar um

novo termo na língua. Isso, porém torna-se desprezível com o passar do tempo,

onde há a incorporação destas novas lexias ao vocabulário em uso, o que ocasiona

consequentemente a desneologização da mesma, tornando-a posteriormente

dicionarizada. Como se sabe o dicionário de uma língua se encarrega de sintetizar

de forma objetiva o léxico de uma nação, registrando minuciosamente os signos

lexicais impregnados na cultura e seus respectivos significados.

O escritor Jorge Amado, em seus romances, explora de forma enfática o

vocabulário nordestino. Nascido em Itabuna, cidade localizada no Sul do estado da

Bahia, Amado descreve seguramente a linguagem dos seus conterrâneos,

apontando através da fala de seus personagens, as palavras que caracterizam essa

região do Brasil. A partir daí busca-se registrar, através do romance Tereza Batista

Cansada de Guerra (1972) as lexias que foram sendo incorporadas ao vocabulário

nordestino ao longo dos anos, evidenciando sobremaneira como o patrimônio lexical

de um povo diz muito sobre seus hábitos, suas crenças e sua cultura. Concernente a

isso Sapir (1980 apud ABBADE, 2009), afirma: “A língua não existe isolada de uma

cultura, isto é, de um conjunto socialmente herdado de práticas e crenças que

determinam a trama de nossas vidas”. (p.165)

É possível entender que as lexias pertencentes a uma língua, se organizam

seguindo uma estrutura, que possibilita entendê-las de acordo com a mútua

dependência que estabelecem no momento da conversação, ou seja, o conjunto no

qual a lexia é inserida, determina o seu conceito.

Portanto pode-se concluir que, o vocabulário de uma língua é constantemente

mudado, isso porque ele nunca está pronto, pois depende intrinsecamente das

circunstâncias em que se encontra o que prova o caráter instável do léxico, visto que

as mudanças ocorridas no léxico são inerentes a qualquer língua viva. O léxico de

uma língua reflete as transformações pelas quais os grupos sociais passaram, e as

influências culturais por eles sofridas. Então, fica clara a importância do estudo

lexical das línguas, para que assim, se possa ter uma compreensão maior do

funcionamento da língua em geral.

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2.2 O léxico do Nordeste do Brasil e suas peculiaridades

Rousseau (1978, p.178) afirma que “não se sabe de onde é o homem antes

dele ter falado”, já que a linguagem é o principal instrumento para o registro da

história do homem. O ser humano é por natureza, instigado constantemente para a

busca de novos progressos e aperfeiçoamentos, não obstante a outros aspectos

necessários a sua vivência em sociedade, o homem não abre mão de utilizar-se da

linguagem como forma de estabelecimento do diálogo e até mesmo como uma

relevante marca cultural.

O léxico utilizado por qualquer povo é demasiadamente amplo, o que torna

impossível uma sistematização, isto é, não se pode determinar um número de lexias

existentes numa língua, nem mesmo dimensionar todos os conceitos atribuídos a

uma lexia, já que isso pode variar bastante de região para região. Vários fatores

contribuíram para a expansão do léxico; podemos citar o contato entre os povos de

várias nacionalidades, o processo de globalização que permitiu uma

intercomunicação por todo o mundo, e o avanço tecnológico, que a cada dia exige a

criação de novas lexias para designar inúmeras coisas.

Na oralidade essa situação se intensifica, visto que, no momento da fala são

criados os mais diversos itens lexicais, seja para suprir uma necessidade

espontânea do indivíduo no momento da conversação ou para corroborar com um

termo já existente, o fato é que a língua enquanto organismo vivo é a cada dia

reinventada e aprimorada, tornando-se ao longo dos séculos mais natural e objetiva.

A língua de um povo é um importante reflexo de sua cultura, sendo ela muitas

vezes, um dos principais fatores de distinção entre os povos. Cada língua possui

suas lexias, agregando a elas conceitos variáveis ou não. O vocabulário de uma

língua contempla lexias para as mais diversas designações, concernente a isso

Abbade (2006) afirma:

O vocabulário pode ser entendido como o subconjunto que se encontra em uso efetivo, por um determinado grupo de falantes, numa determinada situação. Melhor dizendo, o vocabulário é o conjunto de palavras utilizado por determinado grupo. (p. 218)

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O léxico de uma língua vive em constante processo de mutação, e isso

implica na dificuldade em sistematizar os termos existentes, fazendo com que os

falantes de um determinado vocabulário precisem continuamente incorporá-lo ao

longo da vida, isto é os falantes tornam-se perpétuos aprendizes da língua que

utilizam.

Toda língua possui, em sua estrutura, duas articulações, uma extremamente

formal, invariável; e outra flexível, aberta a novas incorporações e mudanças,

ocasionadas por fatores sociais e culturais. Nessa perspectiva, entende-se que a

cultura, assim como os aspectos que determinam a vida em sociedade, é de suma

importância para o enriquecimento e ampliação do léxico a cada dia. Carvalho (apud

TEIXEIRA, 2009) afirma: “Uma língua através do vocabulário que a liga ao exterior,

reflete a cultura da sociedade a qual serve de meio de expressão”. (p. 130)

Pode-se assegurar então a língua como um fator reflexivo da cultura em que é

veiculada, servindo ainda como uma fonte de registro e perpetuação dos fatos

ocorridos na sociedade. Concernente a isso Teixeira (2009) conclui:

A língua, dentre outras coisas, registra e acumula as aquisições culturais, pereniza fatos e dados que o tempo e as mudanças culturais impõem à vida da sociedade; [...] espelha a vida do povo; é meio das manifestações culturais; retrata as influências pelas quais passam os grupos humanos; traduz as ansiedades que assinalam as diferentes épocas; evidencia as tendências que marcam cada momento. (p.130)

O léxico do Nordeste do Brasil é amplo e rico em designações, sendo

extremamente peculiar, isso porque agrega lexias pertencentes somente a este

vocabulário, em alguns casos sendo falados e entendidos apenas nesse contexto. O

vocabulário desta região é assim um reflexo da sua cultura, do seu povo e de suas

crenças. Biderman (2001) afirma: “O léxico de uma língua natural pode ser

identificado como patrimônio vocabular de uma dada comunidade lingüística ao

longo de sua história”. (p.14) Assim, é pertinente ressaltar a língua como um

elemento de valor inestimável, que embora abstrato constitui-se como patrimônio

repleto de signos lexicais que são aprimorados ao longo do tempo e que servem de

base para a criação de novas lexias.

Esse processo faz com que a língua viva em constante estágio de expansão,

se modificando e renovando-se a cada dia. Biderman (2001, p.15), define o

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32

processo de expansão do léxico como sendo parte indissociável do processo de

civilização, sobre a argumentação de que as comunidades que atingem tal estágio

precisam ampliar seu repertório para designar a realidade na qual estão inseridas, e

rotular as invenções.

O léxico do Nordeste do Brasil não se distingue dos demais. Tem uma grande

variedade lexical, demonstrando em cada lexia uma particularidade que agrega um

verdadeiro tesouro para a língua em geral. Algumas lexias pertencentes a esse

vocabulário são utilizadas apenas pelo povo nordestino, sendo, portanto

significativas somente nesse contexto.

Sabendo-se que as palavras não possuem conceito concreto isoladamente,

faz-se necessário uma investigação que demonstre o significado que essas lexias

agregam dentro da sociedade nordestina e fora desta. Para isso será utilizado como

texto de base o romance Tereza Batista Cansada de Guerra (1972), do escritor

baiano Jorge Amado, visto que uma grande parte das lexias que compõem o

vocabulário dos personagens da obra em questão designa as marcas culturais que

permeiam todo o Nordeste. Desta forma, é perceptível que o vocabulário utilizado

nesta obra traz fortes marcas que o identificam como próprio da população

nordestina, já que a língua de um povo traz consigo aspectos extremamente

particulares.

Jorge Amado utiliza-se dos elementos da língua para dá maior autenticidade

e originalidade à sua escrita, visto que as lexias oriundas de dadas regiões, em

muitos casos agregam significados desconhecidos fora do contexto onde

normalmente são utilizadas. Constata-se então que há certa intencionalidade no uso

de lexias tipicamente nordestina na fala e na descrição de seus personagens.

Para enriquecimento desse estudo, serão utilizadas algumas palavras do

referido romance para, a partir disso realizar-se uma investigação entre o significado

das lexias que agregam características do vocabulário nordestino dentro do

dicionário, e, no seu contexto de origem, por meio das lexias retiradas do texto de

base. Exemplos: A lexia papudo é 1conceituada como: bom conversador; que tem

bom papo, ex: “[...] Tereza afrouxa, cai deitada de costas- aprendeu papuda?”

(AMADO 1972, p. 110); aperreio, por sua vez, tem como significado aborrecimento,

ex: “[...] Cego de raiva[...] aperreio medonho” (p.114). Medonho, tem como

1 Todos os conceitos foram retirados de Ferreira (1986) e Houaiss (2001).

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33

conceito: assustador, excessivamente desagradável, ex: “Solta um grito medonho,

se torce e contorce”. (p.112)

Desta forma, pode-se inferir que, para uma mesma designação, isto é, para

um mesmo conceito, há uma enorme gama de possibilidades de lexias a serem

empregadas. Algumas dessas lexias podem se restringir apenas a um contexto ou

região, outras, porém são utilizadas por grande parte dos falantes de uma língua,

fazendo com que ela esteja livre de estigmas preconceituosos que abarcam as

lexias utilizadas em um contexto restrito. Oliveira e Isquerdo (1998 apud QUEIROZ)2

relata:

O léxico, saber partilhado que existe na consciência dos falantes de uma língua, constitui-se no saber vocabular de um grupo sócio-liguístico-cultural. Na medida em que o léxico como a primeira via de acesso a um texto, representa a janela através da qual uma comunidade pode ver o mundo, uma vez que esse nível da língua mais deixa transparecer os valores, as crenças, os hábitos e costumes de uma comunidade, como também as inovações tecnológicas, transformações sócio-econômicas e políticas ocorridas numa sociedade. (p.21).

Assim, entende-se a pluralidade da língua como um processo incontrolável,

imprevisível, mas, sobretudo indispensável para o aprimoramento da língua. Este

processo contribui não só para facilitar a comunicação entre os falantes de uma

mesma língua, como também para a transmissão da cultura de geração em geração.

Perpetuando a língua, dando-a aperfeiçoamentos e originalidade, permitindo que os

falantes sintam-se os condutores das variações que a língua sofre ao longo dos

anos.

2 Não tem informação de ano.

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34

2.3 A Teoria dos Campos Lexicais

Cada povo possui elementos que o distingue dos demais, aspectos como

história, crenças e cultura, são importantes marcas que caracterizam as sociedades,

dando-lhes identidade própria, diferenciando umas das outras. O léxico obviamente

tem valor inestimável para toda e qualquer sociedade, atuando no registro da cultura

de um povo. A língua registra e perpetua os fatos ocorridos em um determinado

contexto. Ela nada mais é que a junção de uma variedade imensa de signos lexicais

que se organizam para formar os enunciados. Para compreender a Teoria dos

Campos Lexicais, é necessário, antes, que haja o entendimento da distinção entre

palavra, lexia e vocabulário.

A maioria das pessoas pensa não haver diferença entre esses termos,

acreditando apenas que a designação palavra seria um termo mais popular e usual

na linguagem cotidiana. Em contrapartida lexia e vocabulário serviriam mais

especificamente para o uso científico. No entanto, há fatores distintivos entre eles.

Abbade (2006) classifica a palavra como “um termo genérico, tradicionalmente

utilizado na língua, fazendo parte do vocabulário de todos os falantes”. (p. 218). O

vocabulário, por sua vez, é o conjunto de palavras que um grupo de falantes utiliza.

É importante, entretanto, devidos cuidados para não haver equívocos na definição

do termo lexia. Isso porque, diferentemente do que muitos acreditam, ele não é um

sinônimo do termo palavra. Abbade (2006) define lexia como “a unidade significativa

do léxico de uma língua, é uma palavra que tem significado social”. (p.219).

O que se busca nesse trabalho é realizar um estudo que possibilite estruturar em

uma determinada obra, as lexias que designam marcas regionais do vocabulário

nordestino. Dentro dos objetivos aqui apresentados, é possível que haja uma

sistematização dessas palavras; contudo, há uma necessidade ainda maior dos

estudos lexicológicos em realizar uma sistematização do léxico de uma língua.

De acordo com Vilela (apud SENGO, 2010, p. 15) a Lexicologia tem como

finalidade fornecer os pressupostos teóricos e traçar as grandes linhas que

coordenam o léxico de uma língua. Tendo em vista a multiplicidade de lexias que

podem ser utilizadas para uma mesma significação, e sabendo-se que as palavras

não possuem sentido isoladamente, alguns lexicólogos sentiram a necessidade de

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organizar as palavras a partir do princípio da Lexemática ou Semântica estrutural.

Uma proposta de estruturação é a da organização em campos lexicais. O estudo da

teoria dos campos lingüísticos teve como um dos seus principais mentores J. Trier

(apud ABBADE, 2009). Nessa perspectiva, o autor propõe a organização das

palavras em campos, nos quais as palavras estabelecem uma interdependência, Isto

é, elas se organizam de modo que o significado de uma palavra depende

exclusivamente das outras que fazem parte do mesmo campo. Como afirma Abbade

(2009) quando diz que

As palavras estão organizadas em um campo com mútua dependência, ou seja, elas adquirem uma determinação conceitual a parti da estrutura do todo. O significado de cada uma vai depender do significado de suas vizinhas conceituais. (p. 38)

Essa teoria, entretanto, foi e continua sendo alvo de muitas críticas, isso

porque lhe faltava um método, como postula Abbade (2009, p.40): “Não existia uma

técnica linguística ou procedimentos linguísticos para esse estudo”. Posteriormente,

Eugênio Coseriu (apud ABBADE, 2009, p. 41) tenta articular uma semântica

estrutural, onde a teoria de Trier (apud ABBADE, 2009, p. 40) seria somada ao seu

método, alcançando a eficácia e o sucesso desejado. Coseriu (apud ABBADE, 2009,

p. 40) propunha, em seu método, que as palavras fossem organizadas

coerentemente, seguindo uma estrutura que possibilitasse uma compreensão mais

abrangente da língua. Nessa perspectiva, as palavras seriam estudadas

diacronicamente, isto é, os sentidos que uma mesma lexia recebeu em diferentes

épocas da história. Essa necessidade de um estudo diacrônico se deu, a partir do

momento em que ficou provado que o significado das palavras muda em maior

escala, do que o significante, ou seja, na maioria das vezes, o significante ganha

novos sentidos, podendo assim ser usado para definir várias coisas, nas mais

diversas situações.

O campo lexical pode ser definido então, como um grupo de lexias, que fazem

parte de uma mesma linha de significação. Pode-se exemplificar a partir do campo

lexical de objetos que servem para cobrir a cabeça, assim seriam elencadas as

lexias: boné, boina, chapéu, gorro, entre outras que compõem esse campo.

Entretanto, não se pode organizar um campo de forma aleatória, colocando em um

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36

mesmo conjunto lexias de sistemas diferentes, isso acarreta oposições de sentidos,

como por exemplo: pão e sofá. É notável, que não há nenhum sentido entre estas

lexias, portanto não existe possibilidade de pertencerem a um mesmo campo. No

entanto, seria possível colocar a lexia sofá em um provável campo, o campo dos

assentos: sofá, cadeira, banco, poltrona, enfim... Uma estruturação coerente.

Abbade (2009) ao fazer uma concisa pesquisa sobre a estruturação dos

campos lexicais, afirma: “A teoria dos campos lexicais proposta por Coseriu, visa a

que cada campo conceitual tenha um conteúdo unitário e que esse conteúdo se

subdivida através de oposições entre os termos que o constituem” (p.48). Isso

significa que a constituição de um campo se dá através de pequenas oposições

entre as lexias, e termina quando oposições superiores exigem a criação de um

novo campo.

Ao realizar o estudo do léxico de uma língua, inúmeros fatores e descobertas

vêm à tona. Nessa pesquisa, em particular, o léxico do Nordeste do Brasil é o objeto

central. Para se compreender um pouco mais sobre o vocabulário nordestino,

poderia-se partir de vários pontos; entretanto, optou-se pela restrição às lexias com

fortes marcas nordestinas retiradas de uma dentre as várias obras de Jorge Amado.

Em toda a obra, Tereza Batista Cansada de Guerra (1972), os personagens

transmitem através de seus falares a alegria e os encantos do povo nordestino. Para

fazer o levantamento lexical do regionalismo nordestino, nada melhor que uma obra

escrita por um autêntico baiano como Jorge Amado, com seus personagens

envolventes para descrever o falar desse povo sofrido e guerreiro, que povoa as

terras quentes do Nordeste. Para isso, fez-se o levantamento das lexias nordestinas

que compõem o texto base e, em seguida, a verificação dos seus respectivos

significados nos dicionários de Língua Portuguesa de Ferreira (1986) e de Houaiss

(2001). É importante ressaltar que algumas dessas lexias possuem conceitos

diferentes, entre os observados nos dicionários e no seu uso habitual no contexto

nordestino. Para a conceituação das palavras, foi necessário recorrer aos

conhecimentos extralinguísticos, e às experiências que a vivência no Nordeste

acarretou para a condutora da pesquisa. Como qualquer língua viva está aberta a

mudanças, o falante está condicionado a utilizar dessa liberdade para facilitar a sua

comunicação. O povo nordestino, não se diferencia dos demais, inova

constantemente seu vocabulário, usando criativamente as possibilidades de criação

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37

que estão ao seu alcance, para assim construir um riquíssimo e belo tesouro

vocabular.

Nessa perspectiva, compreende-se o funcionamento da língua, como um

processo progressivo, que constantemente sofre as alteridades necessárias para

que se consolide e não perca seu caráter mutável. A língua reflete as características

do meio em que é utilizada, perpassando as regras linguísticas que a constitui, ela

não necessita de padrões para existir, o seu funcionamento depende

intrinsecamente do falante, que determina o que deve ou não ser inserido na língua,

são os falantes que criam em seu cotidiano, os mais diversos itens lexicais, não

importando se eles terão uma boa aceitação entre os estudiosos da língua ou não. O

que não se pode deixar de lado é a liberdade do falante de criar o que acha

conveniente, e o que julga indispensável para complementar o processo de

comunicação.

Como ficou especificado, a Lexicologia permite o estudo da língua e a

compreensão das mudanças ocorridas ao longo da história, para isso não abre mão

de estudar a língua como um sistema composto de conjuntos de lexias, que giram

em torno de campos conceituais. A língua é, portanto, um organismo vivo, sujeito as

mais variadas modificações, independente de sua aceitação, elas existem e fazem

com que a língua se perpetue, permitindo a interação entre os povos de geração em

geração.

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38

3. O CAMPO LEXICAL DO REGIONALISMO EM TEREZA BATISTA CANSADA

DE GUERRA

O campo lexical representa um conjunto de palavras situadas no mesmo campo

conceitual, isto é, quando agrupadas elas estabelecem uma relação de sentido entre

si. Dentro de uma língua, existe uma variedade imensa de lexias. É possível e

necessário estruturá-las para que haja uma maior compreensão de como a língua se

constituí. Nesse sentido, os campos lexicais têm um papel determinante, isso porque

é através deles que se pode visualizar algumas relações de sentido entre as

palavras. Nessa perspectiva, compreende-se que dentro de uma língua encontram-

se os mais variados e diversificados campos lexicais, isso porque muitas são as

lexias e variados os conceitos associados a cada uma delas. Daí a relevância das

palavras serem organizadas, seguindo uma estrutura que permita compreendê-las

num todo específico.

Retiradas do texto de base, Tereza Batista Cansada de Guerra (AMADO, 1972),

as lexias elencadas nessa pesquisa estão organizadas em sete microcampos:

1. Descontentamento: nesse microcampo estão as lexias que designam dentro

do contexto nordestino, marcas de descontentamento e relações conflituosas:

aperreio, aporrinhar, azucrinar, emburrado e danado.

2. Relacionamento amoroso: esse campo refere-se às lexias utilizadas para

definir relações amorosas e àquele que se envolve em um relacionamento

amoroso: xodó, amancebada e rabicho.

3. Qualificadores: nesse microcampo, encontram-se as lexias utilizadas para

qualificar e avaliar as características atribuídas às pessoas sejam elas boas

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ou ruins: arretado, porreta, canguinha, enxerido, gaiato, descarado, troncudo,

colhudo, chibungo, papuda, medonho, pinóia,

4. Qualificadores para mulher: as lexias expostas nesse microcampo servem

para qualificar a mulher e os fatores que fazem parte de seu cotidiano,

atribuindo-lhe diferenes características: Cabrocha, cabaçuda, pitéu, dia de

paquete.

5. Orgão sexual: para as lexias referentes aos órgãos sexuais: estrovenga e

quirica.

6. Ações: Nesse microcampo encontram-se as lexias que designam ações:

estrebuchar, desembuchar, tapear.

7. Desentendimento: esse microcampo é composto pelas lexias utilizadas para

referir-se ao desentendimento: rebuliço, fuzuê, mexerico, tabefe.

Abaixo estão organizadas as lexias que compõem o macrocampo do

regionalismo nordestino na obra Tereza Batista Cansada de Guerra (1972).

3.1 Descontentamento

Aperreio- s.m. Aborrecimento, descontentamento.

Ex.: De taca na mão, cego de raiva, um incomôdo nos ovos, aperreio medonho!

(AMADO, 1972, p. 114)

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Aporrinhar- V. Aborrecer, causar desconforto, apoquentar.

Ex.: [...] Entrevada, sem falar, sem se mexer, enxergando apenas uma réstia

de luz, não é vida para ninguém, e a dita cuja só não entrega os pontos de

ruim, para aporrinhar. (AMADO, 1972, p. 144)

Azucrinar- V. Importunar, aborrecer.

Ex.: Amigo, permita lhe dizer, o amigo é um fode-mansinho, azucrinando os

ouvidos da gente, sem pausa e sem reserva. (AMADO, 1972, p. 197)

Emburrado- Adj. Diz-se quando o indivíduo encontra-se aborrecido, mau humorado,

descontente.

Ex.: Dóris herdara os nervos do pai, magoava-se facilmente, chorava por

uma nada, metia-se pelos cantos emburrada, o terço na mão. (AMADO,

1972, p. 84)

Danado- Adj. Algo desagradável, corrompido, estragado.

Ex: - Despesona danada! –Disse o capitão e assoviou entredentes. (AMADO,

1972, p. 123)

3.2 Relacionamento amoroso

Xodó- s.m. relacionamento amoroso, amor, paixão, sentimento de afeto, amante.

Ex.: Xodó poderoso, atirado despudorosamente às fuças da população, durou

pouquíssimo, não dobrou a semana. (AMADO, 1972, p. 122)

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Rabicho- s.m. relacionamento amoroso, namoro.

Ex.: O capitão jamais professara amor antes de Dóris, jamais voltara a senti-lo

depois- todo o resto não passando de xodós, rabichos, simples assuntos de

cama [...] (AMADO, 1972, p. 124).

Amancebada- s.f. Relacionamento amoroso que não é oficializado, amásio, amante.

Ex.: Virgens não eram o seu gênero, preferindo as casadas,

amancebadas ou livres de qualquer compromisso. (AMADO, 1972, p. 143)

3.3 Qualificadores

Arretado- Adj. qualidade apreciativa, bom, bacana, excelente.

Ex.: Festa maior a de São João, com grande fogueira, montanhas de milho,

rojões de foguetes, salvas de moteiro, estouro de bombas e a dança arretada.

(AMADO, 1972, p.160)

Porreta- Adj. Desígnio de boas qualidades, tais como: bom, excelente, confiável,

simpático.

Ex.: O destino é um porreta, fez e aconteceu, não me cabe duvidar. (AMADO,

1972, p. 65)

Canguinha- Adj. Indivíduo avarento, mesquinho, sovina.

Ex.: Farto, generoso em promessas o capitão Justiniano Duarte da Rosa. No

mais canguinha. . (AMADO, 1972, p. 69)

Enxerido- Adj.. Pessoa que se intromete onde não lhe é cabível.

Ex.: Nenhuma cirurgia pôde atenuar o cheiro de alho no colo de dona Pérola e o

dinheiro e os dengues pertubaram a moléstia de Tânia, tornando-a, enxerida e

exigente. (AMADO, 1972, p. 141)

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Colhudo- Adj.. Pessoa intrometida, atrevida, que tem coragem para freqüentar as

adversidades.

Ex.: O que eu queria ver para crer era colhudo capaz de enfrentar

assombração. (AMADO, 1972, p. 98)

Gaiato- Adj. Indivíduo brincalhão, divertido, alegre, travesso.

Ex.: Em Aracaju, onde ia frequentemente a negócio, Veneranda a rir, gaiata, na

troça, lhe propunha moça donzela. (AMADO, 1972, p. 79)

Descarado- Adj. Pessoa insolente, desavergonhado, atrevido, que não sente

constrangimento com seus atos.

Ex.: - Tu não vem? Eu sei o que tu está querendo, cabrão descarado.

(AMADO, 1972, p. 76)

Troncudo- Adj. Indivíduo forte, que tem o corpo bem desenvolvido, corpulento.

Ex.: O capitão a segurou pelo braço. Troncudo e gordo, meão de estatura,

rosto redondo, sem pescoço [...] capaz de romper um tijolo com um soco.

(AMADO, 1972, p. 76)

Chibungo- Adj. Homossexual com trejeitos femininos, afeminado.

Ex.: Porteiro do cinema e chibungo oficial da cidade. (AMADO, 1972, p. 88)

Papuda- Adj. Pessoa que conversa bastante, que tem alto poder de convencimento.

Ex.: [...] Tereza afrouxa, cai deitada de costas- aprendeu papuda. (AMADO,

1972, p. 110)

Medonho- Adj. Algo assustador, excessivamente desagradável.

Ex.: Dá um passo, recebe de Tereza nos ovos, dor mais sem jeito, dor mais

pior, solta um grito medonho, se torce e contorce. (AMADO, 1972, p. 112)

Pinóia- Adj. Coisa sem valor, sem préstimo, dispensável.

Ex.: Pinóia de homem, não presta para nada, só sabe comer e dormir. (AMADO,

1972, p. 68)

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3.4 Qualificadores para mulher

Cabrocha- s.f. Mulata jovem, que gosta de samba.

Ex.: Desfiles de meninas e moças em leito de defloramentos, orgias nas

pensões e castelos, cabrochas violadas, batidas, abandonadas no meretrício.

(AMADO, 1972, p.88)

Cabaçuda- adj. Refere-se à mulher que é virgem.

Ex: [...] a beata no fim da folgança estava tão perfeita e cabaçuda

quanto antes. (AMADO, 1972, p.167)

Pitéu- s.m. Algo atrativo, bom, gostoso.

Ex.; [...] Se na festa aparecesse uma novidade, um pitéu, menina ao agrado do

capitão, e ele quisesse levá-la para a roça? (AMADO, 1972, p. 163)

Dia de paquete- Exp. Menstruação.

Ex.: Não adianta sequer mentir, dizendo-se incomodada, em dia de paquete;

Justiniano adora tê-la nas regras [...] (AMADO, 1972, p. 161)

3.5 Orgão sexual

Estrovenga- s.f. Órgão sexual masculino, pênis.

Ex.: Queria vê-la receber a estrovenga, o corpo vibrando na resistência e na

dor. Ouvi-la urinar, excitava-o loucamente. (AMADO, 1972, p. 114)

Quirica- s.f. Orgão sexual feminino, vulva, vagina.

Ex.: Até na quirica põe cheiro. (AMADO, 1972, p. 152)

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3.6 Ações

Estrebuchar- V. Mexer muito, descontroladamente, agitação.

Ex.: Devia haver alguma explicação, um culpado; culpa de Tereza, é claro,

com aqueles olhos de censura e piedade, o grito de agonia quando o galo

caiu, estrebuchando, no peito um esguicho de sangue. (AMADO, 1972, p.

131)

Desembuchar- V. Ato de desabafar, confessar, falar algo que não se queria.

Ex.: - Aqui mesmo. Desembuche. (AMADO, 1972, p. 101)

Tapear- V. Contornar determinadas situações, ludibriar, enganar.

Ex.: Quis me tapear mais uma vez, não foi? (AMADO, 1972, p. 101)

3.7 Desentendimento

Rebuliço- s.m. Desentendimento, agitação, desordem, confusão.

Ex.: Uma delas, Maria Romão, causou intenso rebuliço ao ser vista, de braço

dado com o capitão na calçada do cinema, rebolando ancas fartas e busto

soberbo. (AMADO, 1972, p. 122)

Fuzuê- s.m. Confusão, conflito, desordem.

Ex: Não houvesse marido e mulher dado nas pernas e o fuzuê seria feito.

(AMADO, 1972, p. 94)

Mexerico- s.m. Comentário intrigante, fofoca, falar algo sobre a vida alheia.

Ex.: Tola menina de quatorze anos, tão distante de tais enredos, indiferente aos

mexericos, olhos postos no chão ou voltados para o céu. (AMADO, 1972, p. 89)

Tabefe- s.m. Bofetada, tapa, soco.

Ex.: Em geral tudo terminava pelo melhor, uns socos, uns tabefes, por vezes uma

surra, quase nunca o cinto ou a taca de couro cru. (AMADO, 1972, p. 79)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos estudos por ora desenvolvidos, compreende-se a importância dos

estudos Lexicais, para que haja maior entendimento do funcionamento da língua em

geral, e as mudanças por ela sofridas ao longo dos séculos, verificando-se como a

língua constitui um verdadeiro patrimônio lexical para aqueles que a utilizam, e como

ela é importante para a vivência em sociedade. É impensável o homem sem a

linguagem, sem um meio de comunicação que lhe permita expressar as suas ideias

e compartilhá-las no meio onde vive. O homem, enquanto ser inovador, precisa

reinventar o universo em que vive e onde materializa seus pensamentos. A língua

não poderia ficar alheia a isso, visto que, é um organismo vivo, sujeito portanto a

modificações que a tornam ainda mais fascinante.

O homem muda de acordo com as suas necessidades, e o que está à sua

volta consequentemente, sofre as alteridades devidas. Ao longo do tempo, a língua

passa por inúmeras mudanças nem sempre aceitas ou consideradas dignas de

contemplarem o dicionário de uma língua. Ela, entretanto, não se detém às

ideologias do povo, nem se submete às vontades de dicionaristas, isso porque ela

não precisa da aprovação dos estudiosos, para que seja incorporado um novo

termo. É o povo que faz a língua ser o que ela é. São os falantes no momento da

conversação que criam os mais autênticos termos da língua, tornando-se os

principais responsáveis pela expansão do léxico.

Não se criam palavras a partir de nenhuma técnica. Elas simplesmente

tomam existência diante da necessidade do falante para denominar as mais diversas

coisas. Pode sim, haver regras e normas que regem o funcionamento da língua; no

entanto, isso não significa que elas devam ser seguidas à risca, privando o falante

de inovar e criar o que acha devido. A liberdade de criação deve está à disposição

do falante o tempo todo, sem que lhe seja privado o direito de falar o que quer, da

forma mais autêntica possível, é isso que torna a língua rica e bela. Como já ficou

especificado, vários fatores exercem influência sobre a língua, e a cultura é um

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deles, o que não se pode, entretanto é tratar a língua como algo premeditado,

imutável, que deve se restringir as normas linguísticas de um determinado povo.

O léxico nordestino como foi mostrado nessa pesquisa é uma prova de que

não há barreiras para a língua, ela não deve se submeter às críticas nem aos

padrões que a regem. Deve sim, corresponder às necessidades do falante, não

importando de que forma essa comunicação se dá. A liberdade de criação do falante

deve lhe ser assegurada para que a língua não fique estagnada, mas sim que ela se

modifique e seja aperfeiçoada a cada dia.

A Linguagem funciona como um modo de expressar o pensamento, nessa

perspectiva, seria impensável o homem sem a linguagem, sem uma forma de

comunicação que lhe permitisse interagir com o mundo a sua volta. A linguagem

torna o homem um ser social, capaz de expressar seus sentimentos e pensamentos

mais profundos. Desta forma, é pertinente o estudo do vocabulário, para saber até

que ponto há fatores distintivos entre os vocabulários utilizados pelos diferentes

grupos sociais.

Considera-se, portanto, a extrema relevância da estruturação do campo

lexical do regionalismo nordestino, a partir da obra Tereza Batista Cansada de

Guerra (1972), para especificar, como o povo do Nordeste do Brasil se expressa, e

quais as lexias mais peculiares que utilizam no momento da comunicação. A

irreverência do falar nordestino é inquestionável, não se limitando às normas e

regras gramaticais ou linguísticas. Apesar dos preconceitos que vão de encontro à

criatividade do povo nordestino, estes falantes não se detêm às críticas que lhe são

imputadas, pelo vocabulário autêntico que utilizam, pelo contrário, se orgulham por

fazerem deste, um dos mais peculiares vocabulários do Brasil.

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REFERÊNCIAS

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