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  • o LEXICO DE UMA MICRO-COMUNIDADE RURAL:UMA ABORDAGEM SOCIO-ETNOLINGUiSTICA*

    Maria Inez Mateus DOTAUNESP-Bauru

    Gesiane Monteiro Branco FOLKISUSC-Bauru

    Cada comunidade lingUistica e, de maneira ge-ral, herdeira de uma historia propria e portadora de urnethos particular que formam a base da sua evolu~ao cul-tural e social. Esses fatos sao observaveis no lexicode uma lingua. Conhecer esse lexicO e conhecer a histo-ria social e cultural do grupo, sua experiencia e a ma-

    Nosso trabalho tern como proposta pesquisar avida social, religiosa e economica da comunidade ruraldenominada Patrimonio de Santa Izabel, cujas caracteri~ticas peculiares sao traduzidas em seu lexico.

    Assim, a escolha dos campos lexicos -cria~ao,cultura, esportes/lazer, festas/religiosidade e rela-~oes sociais - justifica-se por urn trabalho de observa-~ao daquela comunidade, realizado anteriormente a apli-ca~ao da pesquisa, quando se verificou que os costumesmais simples, as cren~as, os folguedos, 0 trabalho e afe fazem do patrimonio urn universo cultural que, ao la-

  • de 10 (dez) alqueires paulistas, no distrito de Sotur-na, municipio de Arealva, Estado de Sao Paulo, a 380 kmda cidade de Sao Paulo. 0 patrimonio propriamente ditoconta com 100 (cern) habitantes aproximadamente.

    Santa Izabel nasceu de uma doagao de uma gle-ba de terra feita a Igreja Catolica. Desde 0 inicio desua criagao percebe-se a influencia marc ante do catoli-cismo no processo de assentamento do bairro. Foi rezadourn tergo defron~e a casa do primeiro morador e, no anaseguinte, foi rezada a primeira missa campal no localonde seria erguida, posteriormente, a Capela deIzabel.

    Quanto as atividades economicas do patrimo-nio, as pessoas que ai vivem tern sua fonte de subsistencia na agricultura e pecuaria desenvolvidas nos sitiosdas redondezas. Executam tarefas por dia, por mes, porempreita ou a meia.

    A vida social do patrimonio centra-se, principalmente, em torno da igreja. sao atividades religiosasque servem como ponto de encontro para os contatos so-ciais dos moradores: rezas, tergos, missas, casamentos,batizados, ensaios do grupo de canto e a tradicionalfesta de Santa Izabel, realizada no mes de setembro.Destacam-se ainda 0 jogo de truco na casa do "compadre"

    o questionario utilizado e composto de 148perguntas, distribuidas nos campos lexicos acima cita-dos, acrescidas de uma ficha para caracterizagao do in-

  • formante (idade, sexo, tempo de resid~ncia no patrim;-nio, escolaridade, utilizagao dos meios de comunicagaode massa, etc).

    Participaram como informantes da pesquisa pe~soas do patrim;nio e moradores dos sitios vizinhos, numraio de ate 5 km, todos integrados na vida socio-econ;-mica daquela localidade e ai residentes desde os oitoanos de idade, pelo menos. Foram distribuidos cinqUentaquestionarios tentando atingir as varias faixas etariase os dois sexos. Dentre os questionarios devolvidos fo-ram selecionados 28 (vinte e oito) informantes, dastr~s faixas etarias, assim estabelecidas:

    Faixa 1 (Fl) - 10 a 18 anosFaixa 2 (F2) - 19 a 40 anosFaixa 3 (F3) - 41 a 70 anos

    Os dados coletados sac apresentados em fichasindividuais para cada pergunta, mostrando a ocorrenciade uma ou mais lexias e suas freqUencias nas tres fai-xas etarias, sexo masculino e feminino.

    Quanto ao processo de analise dos dados, uti-lizou-se 0 metodo indutivo-dedutivo, considerando que,a

    reagoes lingUisticas, fez-se urn levantamento das diver-sidades, a nivel lexical. Atraves da analise dessas di-versidades procurou-se fazer as inferencias que se se-guem, sempre dentro do eixo lingua como recorte da rea-

  • Percebe-se ao longo da pesquisa que algumasperguntas tern como resposta, invariavelmente, 0 mesmo

    "pessoa que tira leite" - retireiro"galinha criada no sitio" - caipira"companheiro do jogo de truco" - parceiro

    o fato de todos os informantes apontarem, nos exemplosacima, a mesma lexia, demonstra que estes itens lexi-cais ja estao sedimentados em seu vocabulario por faze-rem referencias a atividades ha longa data praticadas

    Por outro lado, algumas perguntas apresentamrespostas com alto indice de variabilidade. Isto ocor-

    falta de cevadafraca de leiteruim de leiterefugo

    vaca velhamisti\tasnelorenao presta

    discartefalhada----para criar bezerrocriadeira

    Neste caso a variedade de respostas justifica-se pelofato dos informantes terem procurado analisar a causaque torna 0 animal ruim de leite. Assim as lexias encontradas ora referem-se a ra\ta da vaca (nelore, mistiQa),ora a sua alimenta\tao (falta de cevada), ora a sua cap~cidade reprodutora (vaca velha, para criar bezerro,criadeira, falhada), ou ainda as suas caracteristicasparti-culares (nao presta, discarte, fraca de leite, refugo).

    No campo lexica relativo as Rela90es Sociaisobserva-se que, nas lexias usadas para definir 0 compo

  • tamento social dos individuos, a auto-avaliagao e umaconstante, principalmente nas respostas dos informantesmais velhos. Assim, para a questao "pessoa que e muitoamiga", aparece de confians;a, apegada, honesta e sou;para "pessoa que nao se comporta bem em publico", surgeescandaloso, incomportada, sem-vergonha, assanhada enao; para "pessoa que nao fala a verdade", temos mentiroso, panhudo e falo e para "pessoa que nao e educada",aparece malcriado, sem-educas;ao, estupida, mal educadae sou.

    A preocupagao com a auto-imagem parece justi-ficar os informantes mais velhos, tanto pela pouca esco-laridade que influiu no entendimento das questoes, comoa sua preocupagao em nao se comprometer com respostasque poderiam ser usadas contra eles.

    4.3. ReligiosidadeA religiosidade e um dos aspectos marcantes

    que caracteriza os pequenos povoados brasileiros. Assim,a fe em Deus e uma resposta constante, tanto no campolexica festas/religiosidade como no das relagoes sociais.No primeiro observamos: "pessoa que tern muito medo" -ternmuita falta de fe; "pessoa que e muito bonita" - e urndom de Deus; "pessoa que tern muita sorte" - e posta aprova de Deus; "pessoa que e calma" - e dotada de paci -encia e crens;a. A fe e vista, entao, como fator essen-cial para 0 equilibrio da vida humana, e Deus como 0 unico responsavel pela vida de cada urn.

    A forte influencia dos ensinamentos cristaosaparece nas curas, nas rezas fortes ou na identificagaode outras forgas que podem interferir nos destinos daspessoas: na pergunta "reza forte", ao lade das esperadas

  • respostas macumba, sarava, despacho, surge salve-rainha,credo/creio, a fe de cada urn, quem Deus Padre e morte deJesus; "quem nao acredita em Deus" e ateu, nao acreditaem mais nada, eu acho que nao existe pessoa que nao acredita; para "quem faz curas", ao lado de curador ou curandeiro, surge so Cristo faz, Deus e Santo; para "fazer a.!.guma coisa para obter cura", surge promessa respostapredominante), orac;;oes,ter fe, rezar. Ainda, para "0que da sorte" e ter fe e a fe em Deus, e "0 que da azar"e a falta de fe e nao ter fe.

    A religiosidade alicer9ada no catolicismo,tem,ao lado da escola da zona rural, contribuido para a des-mistifica9ao das cren9as nos "espiritos do mato".Na que.tao "que outros espiritos do mato existem?", predominamas respostas nao passa de uma lenda, nao, nenhum, des-conhec;;o,nao sei, muitos e ficc;;ao.

    4.4. Termos tecnicosVeiculada pelos meios de comunica9ao de massa

    que atingem a zona rural, pelos vendedores e representaQtes de casas especializadas em produtos agro-pecuarios,a linguagem tecnica come9a a fazer parte integrante dodia a dia do patrimonio, embora nem sempre haja tempo econdi90es para a absor9ao adequada de sua terminologiaespecifica. Assim temos: "alimentos dados a vaca para a~mentar a produ9ao de leite" - proaleitina; "tipos de ca-pim" - braquiaria, decumi (por decumens), midicula/medi-cula/homidicula (por humidicula); "lugar onde se cria

    nhas" - stresse; "tipos de arroz" - lAC 12; "tipos de miIho" - agroceri/agroceres/agrocerie, asteque, hibridocargill. A linguagem do mercado agro-pecuario dos gran-

  • des centros urbanos define 0 "boi nos diversos portes" -boi gordo e boi magro, e o"lugar onde os produtos sac cQmercializados" - cooperativa, casa da agricultura, mer -cados, atacado, industrias e CEASA.

    4.5. Linguagem conservadoraEmbora a escola, 0 r~dio, a televisao funcio-

    nem como forgas que interagem na modificagao das h~bitossocio-culturais da comunidade e, conseqUentemente, noseu vocabul~rio, percebe-se ainda no seu meio a permane~cia de certos h~bitos lingUisticos que refletem a sedi -mentagao de costumes e tradigoes, principalmente nas faixas et~rias 2 e 3. Registra-se, entao, a freqUencia determos tais como: 0 gada refinado ou gabiru, a~ decorda, a vaca prenha, a criagao sentida, a vaca maninhaou escoteira, a feme a corrida, viciada, 0 trabalho de ameia, 0 aparte, 0 manejo, 0 porco cachaQo ou capadete, abatedeira, a murrinha ou tristeza, a galinha refinada ea emperreada, a pelota, 0 ovo indez, a terra tombada, aa tulha ou tuia, 0 mangu~, 0 grao granado, a plantagaoinganida, a pessoa apegada, a enzibida, a rabichada e adispachada; 0 preguigoso e chupim ou parasita, 0 teimosoe uma mula velha ou que nem uma porta e trocar urn objetoe breganhar ou barganhar.

    o presente trabalho procurou fazer urn levanta-mento dos h~bitos socio-etnolingUisticos dos n,oradoresdo Patrimonio de Santa Izabel, atraves de pesquisa deseu lexico, caracterizando-o como uma micro-comunidadeque apresenta uma estrutura organica singular, tanto do

  • ponto de vista do seu desenvolvimento, como da preserva-gao de seus costumes. Dentro dos campos lexicos aborda-dos, as peculiaridades de seu vocabulario, ora inovador,ora conservador, apontam suas atividades agro-pecuariasde sUbsistencia, seus habitos de lazer e seus habitos religiosos, dando caracteristicas proprias aquela comunidade.

    *Esta comunicagao e urn