O LABOR DE PENELOPE: TRABALHO, GÊNERO E … História Lecivânia... · 3 LECIVANIA SANTOS...

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1 FACULDADE ALFREDO NASSER LECIVANIA SANTOS RODRIGUES SILVA O LABOR DE PENELOPE: TRABALHO, GÊNERO E MOVIMENTOS FEMINISTAS NO SÉCULO XX APARECIDA DE GOIÂNIA 2011

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FACULDADE ALFREDO NASSER

LECIVANIA SANTOS RODRIGUES SILVA

O LABOR DE PENELOPE: TRABALHO, GÊNERO E MOVIMENTOS

FEMINISTAS NO SÉCULO XX

APARECIDA DE GOIÂNIA 2011

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LECIVANIA SANTOS RODRIGUES SILVA

O LABOR DE PENELOPE: TRABALHO, GÊNERO E MOVIMENTOS

FEMINISTAS NO SÉCULO XX

Artigo apresentado a Banca Examinadora do Instituto Superior de Educação (ISE) da Faculdade Alfredo Nasser, sob a orientação da professora Ms. Fernanda Laura Costa, como parte dos requisitos para conclusão do curso de Licenciatura em História.

APARECIDA DE GOIÂNIA 2011

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LECIVANIA SANTOS RODRIGUES SILVA

O LABOR DE PENELOPE: TRABALHO, GÊNERO E MOVIMENTOS

FEMINISTAS NO SÉCULO XX

Este artigo científico foi julgado adequado para a obtenção do título de licenciado (a) em História e aprovado em sua forma final pela banca examinadora abaixo constituída.

Aparecida de Goiânia,_____de Junho 2011

BANCA EXAMINADORA

Orientadora: Professora. Ms. Fernanda Laura Costa Nota:_____

Primeiro Examinador: Prof. (a)___________________________ Nota:_____

Segundo Examinador: Prof. (a)____________________________ Nota:_____

Média: Avaliação produção do trabalho._____

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O LABOR DE PENÉLOPE: TRABALHO, GÊNERO E MOVIMENTOS FEMINISTAS

SÉCULO XX*

Lecivania S. Rodrigues Silva

RESUMO: O presente artigo tem como finalidade expor a temática do movimento de mulheres que impulsionadas pela contribuição do movimento feminista lutam por direitos políticos, econômicos e sociais. Através do movimento feminista avançaram superando a invisibilidade e subordinação que permeava sua trajetória ao longo da história. Enfatiza o surgimento da História das Mulheres tornando possível desmitificar as questões relacionadas às mulheres, ampliando o estudo de temáticas relacionadas ao seu universo como: o corpo, gênero e trabalho. Analisa os diferentes discursos que foram e são cultivados em diferentes espaços e tempos acerca das mulheres, bem como as diferenças instituídas entre os sexos e as relações de poder estabelecidas entre eles. Palavras chave: Movimento feminista, história das mulheres, corpo, gênero, trabalho.

INTRODUÇÃO

No decorrer dos últimos anos do século XX tem se tornado cada vez mais frequentes na

produção historiográfica, reflexões sobre a mulher, o corpo, a família, o amor, a sexualidade,

entre tantos outros. De modo geral, o estudo das mulheres e de temas relacionado é marcado

por grandes questionamentos sociais e culturais que consequentemente impulsionam alterações

nas relações de trabalho, na participação política, na atuação feminina e nos valores sexuais e

morais.

O movimento Feminista na década de 1960 contribuiu para que inúmeras vozes

denunciassem várias formas de exploração e dominação tornando-se frequentes as lutas contra

as desigualdades sociais, étnicas, religiosas e sexuais. A princípio, a preocupação do

movimento feminista era denunciar a posição subalterna imposta às mulheres e se opor a

distribuição desigual do poder entre os sexos.

No entanto, a diversidade e heterogeneidade no interior das sociedades, trazem

diferentes interesses e comportamentos de grupos sociais e culturais diversos e as discussões

feministas ganham complexidade fazendo surgir o conceito de gênero. Assim, as abordagens

feministas têm colocado em debate o papel das mulheres procurando compreender as

diferenças entre os sexos e as relações de poder estabelecidas entre eles.

Portanto, o objeto desse trabalho busca explicitar e inserir na discussão social as

questões relacionadas às mulheres. Compreender os diferentes discursos que foram e são

cultivados em diferentes espaços e tempos e as diferenças instituídas entre os sexos e as

relações de poder instituídas entre eles. Discutir o mecanismo social pelo qual a mulher foi

*Artigo apresentado ao Instituto superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser como parte dos requisitos para a conclusão do curso de História, sob a orientação da Profª Ms. Fernanda Laura Costa

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submetida e a sua integração na sociedade, analisando as consequências da submissão e sua

luta pela inserção. Busca relacionar os vários momentos e personagens que se furtaram ou que

influíram nesse processo de aceitação e rejeição da mulher no meio social, a ideologia da teoria

médica, a construção negativa da imagem da mulher e suas nuances, a discussão sobre as

questões relacionadas ao gênero.

Esses foram os principais problemas que levantamos e buscamos dar cientificidade ao

trabalho através do diálogo com alguns autores: Soihet (1997), Scott (1992), Roy Porter (1992),

Rago (1997), Priore (2001), Goellner (2003), Matos (2003), entre outros, os quais deram

suporte ao nosso trabalho. O método histórico deu suporte a esse trabalho em que abordamos a

temática da integração da mulher na sociedade, enfatizando os elementos historiográficos

socioculturais, políticos e econômicos. Os objetivos específicos que nortearam os estudos

foram:

• Demonstrar as transformações operadas pelo movimento feminista no cotidiano

das mulheres;

• Enfatizar as articulações de gênero geradoras das desigualdades entre homens e

mulheres;

• Refletir sobre as representações atribuídas ao corpo e a influência das mesmas

na construção da subjetividade na sociedade contemporânea;

• Entender a influência dos aspectos socioculturais na construção dos diferentes

tipos de corpo em diferentes períodos e espaço; As dificuldades de aceitação da

mulher no meio social, as causas das desigualdades entre os sexos, a ideologia

da teoria médica, a construção negativa da imagem da mulher e suas nuances;

• Contextualizar as diferenças e desigualdades entre homens e mulheres no seio da

sociedade e as relações de poder estabelecidas entre eles.

O século XX foi o período determinado para o estudo levando em consideração o movimento

feminista, como sendo o “início” político da liberdade da mulher. O ano de 1960 foi relevante

por estabelecer um “boom” às questões relacionadas ao universo feminino tornando possível

novos estudos e pesquisas, contestando as teorias existentes que consideravam as características

biológicas e universais em detrimento da heterogeneidade das mulheres.

Este trabalho foi dividido em cinco tópicos que buscaram compreender a

mulher, bem como as questões a ela relacionada. Procura fazer um resgate histórico

enfatizando a presença da mulher na sociedade seja ela de: submissão, silêncio,

rebeldia, trazendo vários elementos que nortearam os caminhos os quais levaram a

mulher à segregação social e interiorização diante do homem. Buscando entender e

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discutir o processo de inserção social da mulher, preconceitos criados e as

desigualdades de gênero que impedem a relação de classes na sociedade.

MOVIMENTO FEMINISTA E SUAS MÚLTIPLAS FACES

O século XX foi cenário de diversos tipos de manifestações políticas. Esse

mesmo cenário foi palco de mudanças profundas e aceleradas na condição feminina

tornando seus impulsos latentes. Na luta contra a exclusão social, as mulheres se

dirigiam da esfera privada ao espaço público para nele atuarem como sujeitos e agentes

das transformações econômicas, políticas e socioculturais em diferentes sociedades.

Tais avanços, contudo, ainda são contidos por várias formas de discriminação que

dificultam a promoção da igualdade entre os gêneros e o fortalecimento da cidadania

feminina. O fato é que mundialmente a questão suscita questionamentos, deixando

entreaberta a possibilidade de novas análises e posicionamentos sobre a questão.

A partir do século XIX começava a transpor a condição subalterna pela qual

era submetida, organizando-se em torno do movimento feminista que se desencadeou

nos EUA, a partir da década de 1960, seus resquícios foram sentidos em várias partes do

mundo, tornando o movimento heterogêneo e plural. Dado seu envolvimento com

diferentes grupos de mulheres e diversas necessidades, tais como: aproximação com

movimentos socialistas pela formação de sindicatos em busca de melhores condições de

trabalho e de salários, luta pelo direito de decidir sobre seu corpo e sua sexualidade, a

invisibilidade política e educacional. O movimento feminista refere-se às ações de

mulheres dispostas a combater a discriminação e a subalternidade, buscando criar meios

para que as próprias mulheres fossem protagonistas de sua vida e história.

O movimento feminista apresentou diferentes formas e trajetórias. Primeira,

empreendeu-se fundamentalmente na luta pelo voto. No Brasil, começou com a Proclamação

de República em 1890 e acabaram em 1934 com a Constituição, estendendo o voto a todas as

mulheres brasileiras como também direito as questões sociais (direito a educação, condições

dignas de trabalho, exercício da docência). Segunda, por volta década de 60 e 70, na França

intensos debates e questionamentos culminaram com as manifestações de maio de 1968¹, na

França e no Brasil associa a eclosão de movimentos de oposição aos governos da ditadura

militar e, após, aos movimentos de redemocratização da sociedade. Terceira, prosseguiu a

trajetória e o desvio para o gênero propiciando para a história das mulheres seu próprio espaço.

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O feminismo pode ser visto então, como um movimento que tem como

características o desempenho em colocar as mulheres, seus interesses, suas necessidades e

dificuldades em discussão, considera a existência de uma opressão específica a todas as

mulheres. Essa opressão se manifesta tanto em nível das estruturas como das superestruturas

(ideologia, cultura e política). Assume formas diversas conforme as classes e camadas sociais,

nos diferentes grupos étnicos e culturais. No decorrer do tempo, manifestaram-se de formas

variadas; todas elas dependentes da sociedade, de origem e da condição histórica das mulheres.

Assim, a narrativa sobre as mulheres não deve ser vista como linear, mas uma trajetória

ampla levando em consideração a posição variável das mulheres. O movimento feminista,

atualmente, tem como bandeiras principais, no Brasil, o combate à violência doméstica que

atinge níveis elevados e o combate à discriminação no trabalho; também se dá importância ao

estudo de gênero e da contribuição, até hoje um tanto esquecida, das mulheres nos diversos

movimentos históricos e culturais do país; a legalização do aborto (que atualmente só é

permitido em condições excepcionais) e a adoção de estilos de vida independente são metas de

alguns grupos, pois acreditam que ninguém é oprimido, explorado e discriminado porque quer.

Uma vez que a ideologia patriarcal e machista tem negado à mulher o seu desenvolvimento

pleno, omitindo a sua contribuição histórica. Podemos, então, entender o movimento feminista

como um movimento que defende a igualdade de direitos

_________________

¹ Insurreição popular que buscou superar barreiras culturais, étnicas, de idade e de classe.

entre homens e mulheres em todos os campos, pois a mulher é um ser social.

O SURGIMENTO DA HISTÓRIA DAS MULHERES

Antes de qualquer discussão é preciso lembrar que a respeito de definições e

regras nada é imutável e o mundo é permeado por contínuas mudanças, nesse sentido não

poderia ser diferente com a História que a cada trabalho busca aprimorar o que já foi feito, daí,

o surgimento nessa expectativa da História Cultural. Originária da Escola dos Annales a

História Cultural, tem suas raízes no século XIX. Na Nova História cultural o principal objetivo

dessa corrente historiográfica, a partir da década de 80, é identificar o modo como, em

diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada.

Voltada para o estudo das representações e das práticas. Por isso, a análise do homem comum e

a cultura popular passam a ser objetos de estudo. Assim, percebe-se a valorização do que antes

era marginal: a política comum às massas, grupos sociais, meio ambiente. Os investigadores

despregam-se dos documentos oficiais e passam a examinar outros vestígios, reconhecendo que

o homem percebe o mundo através de uma “estrutura de convenções, esquemas e estereótipos,

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um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra” (BURKE, 1992, p.15) e que cria

diversos pontos de vista sobre uma mesma situação.

Dessa forma, pode ser caracterizada como uma nova perspectiva que busca a

história total, isto é, a valorização de tudo que perpassa o homem, deixa perceptível a luta pela

visão ampla dos fatos e suas peculiaridades. Essa reviravolta na produção historiográfica de

valorização da história popular, do resgate das classes sociais e das estruturas dos

acontecimentos valoriza-se o contexto e as ações subjacentes abrindo margem às novas ciências

(Arqueologia, linguística, antropologia, sociologia, etc.) e consequentemente novos objetivos e

objetos.

Entretanto, somente nas últimas décadas conseguiu espaço significativo nas

produções históricas contrapondo-se à História tradicional. A História Cultural aproximou-se

da psicanálise, linguística, literatura e principalmente da antropologia, tornando a

interdisciplinaridade uma prática constante pelos historiadores alcançando grande relevância

nos estudos sobre as mulheres que recebem também a contribuição do Movimento feminista e

com Michel Foucault põe em xeque os paradigmas ocidentais da ciência com sua ênfase na

história política e pelo domínio público estimulando novos temas, como o da sexualidade, das

prisões, dos micropoderes, da doença etc.

Nota-se, portanto, que a partir das duas últimas décadas, a preocupação com

temáticas até então, consideradas irrelevantes tem se tornado preocupação dos pesquisadores.

As mulheres têm sido um desses objetos, visto através de novos olhares como vasto campo de

investigações e os mais variados enfoques, trazendo mudanças significativas no campo

historiográfico e no cotidiano numa extensão e numa velocidade nunca vista antes em nossa

história.

A história das mulheres teve a contribuição da história cultural e do movimento

feminista que surgiu no século XX nos Estados Unidos estimulado pelo movimento dos direitos

civis, inclusão profissional, acadêmica e, posteriormente mudaram seu apelo para questões da

igualdade. A princípio os pressupostos que orientavam as ciências humanas percebiam as

mulheres como uma categoria homogênea (da mesma natureza), identidade única, ou seja, eram

seres biologicamente iguais, entretanto que se moviam em contextos e papéis diferentes. Isso

favoreceu o discurso da identidade coletiva.

Na verdade, poderia ser dito que a história das mulheres atingiu uma certa legitimidade como um empreendimento histórico , quando afirmou a natureza e a experiência separadas das mulheres, e assim consolidou a identidade coletiva das mulheres. Isso teve o duplo efeito de assegurar um local para a história das mulheres na disciplina e afirmando sua diferença da história. (Scott, 1992, p.84).

Nos estudos sobre as mulheres foi que se deu a derrocada dos pressupostos

positivistas nas ciências humanas, quando desnudou a existência de múltiplas identidades, pois

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ao analisar as especificidades surge um sujeito humano que não é uma figura universal. As

“minorias” (mulheres, negros, homossexuais, operários, etc.), passam a ser ouvidas, ganhando

visibilidade e capacidade para desenvolver seus próprios projetos. O local e a comunidade

passam a ter mais importância do que o total e a sociedade, mostrando assim, a contradição

flagrante entre a história das mulheres e essas correntes historiográficas que viam a sociedade

de uma forma global, além de atribuírem às mulheres os papéis de vítimas ou rebeldes.

As inovações historiográficas articuladas ao desenvolvimento da história das

mulheres ampliam a pesquisa a inúmeros temas relacionados à mulher, tais como: a família, a

maternidade, os gestos, o corpo, entre outros. A colocação das mulheres como categoria

homogênea (da mesma natureza), pelos historiadores sociais, serviu para afirmar a “essência”

da mulher, como inalterável ainda que em papéis e contextos diferenciados. Isso fez surgir o

discurso de identidade coletiva (várias identidades) que favoreceu o movimento feminista nos

anos 70, pois fixou o antagonismo homens versus mulher, e favoreceu também a disseminação

da mobilização política. Por outro lado, no final da década, sobrevêm às tensões no interior da

disciplina (História das mulheres) e no movimento político, em torno dos questionamentos da

categoria mulher e da introdução da questão da diferença como problema a ser analisado. Em

consequência, a fragmentação de uma idéia universal de mulheres por

classe/raça/etnia/sexualidade, associada às diferenças políticas ligadas a uma postura inicial de

crença na identidade única, dá espaço a certeza da existência de múltiplas identidades.

Sobressaem duas correntes historiográficas com relação à luta e a ação das

mulheres: uma preocupada com os movimentos organizados com vistas a conquistas de direitos

civis organizada sob o movimento feminista e outra preocupada com as manifestações que se

expressam em diferentes formas de intervenção e atuação. A primeira destaca-se as abordagens

ao momento da Revolução Francesa quando as mulheres se veem privada da cidadania que

ajudaram a fundar. No movimento feminista ressaltam seu moralismo, a diversidade e as

aspirações em torno da igualdade e do voto.

Em sua obra História das Mulheres (1997), Rachel Soihet cita várias mulheres que

contribuíram para a história do feminismo no Brasil e na França, a exemplo o movimento

liderado pela Drª Bertha Lutz (1920-1930) que teve como aspirações o direito a cidadania plena

às mulheres, propondo os direitos civis; também Branca Moreira Alves em seus estudos de

1980, enfatiza o caráter conservador do movimento liderado por Lutz, pois não questiona a

opressão da mulher no espaço familiar e quanto ao voto considera que este só foi concedido

quando assim interessou a classe dominante (Soihet, 1997). Na mesma obra Rachel Soihet cita

ainda, Míriam Moreira Leite e Mary Del Priori que em seus estudos visualizam outros espaços

sociais em que a mulher predomina, principalmente, o espaço privado. Esses estudos tornaram-

se referências para trazer a mulher como objeto de estudo da história. Miriam L. Moreira

escreveu a biografia de Maria Lacerda de Moura, cobrindo o período de 1919 a 1937, no qual

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ressalta suas reflexões sobre os diversos aspectos da condição feminina. De posições avançadas

similares às das feministas da década de 1960, tal aspecto a manteve marginal, afastando-se do

movimento hegemônico, na época liderada por Bertha Lutz.

Sobre a segunda corrente historiográfica, destacam-se as abordagens da história

social e cultural, na qual os historiadores se voltam para o enfoque do cotidiano e das

manifestações no plano público. Esses estudos buscam desmistificar as concepções veiculadas

sobre a mulher como submissa e dócil, mostrando atitudes de resistência em seu cotidiano.

Soihet cita em sua obra História das mulheres (1997), várias mulheres como: Natalie Zenon

Davis, Michelle Perrot, Arlette Farge que elaboram estudos enfatizando o potencial de

resistências por elas desenvolvidos. “Suas intervenções assemelhavam-se aos charivaris, em

que as mulheres, aliadas aos marginais, estavam na vanguarda e aos gritos, batendo panelas e

caldeirões protagonizavam ruidosas aglomerações.” (Soihet, 1997, p.283).

De acordo com Soihet em sua já mencionada obra², no Brasil os estudos buscam

desenterrar as formas fraudulentas assumidas pelas mulheres face a opressão que a elas recaía.

Silva Dias em sua obra “Cotidiano e poder em São Paulo no século XIX” enfatiza que embora,

institucionalmente informal e pouco valorizada socialmente, a presença das mulheres na cidade

era bastante visível desde os primórdios da nossa urbanização. Mônica Pimenta Velloso,

seguindo essa mesma linha analisa as mulheres negras que se estabeleceram no Rio de Janeiro

entre o século XIX e início do XX. Mostra a liderança comunitária que exerciam em termos de

inversão do esquema dominante que atribuía ao homem esse papel. Relaciona suas inúmeras

estratégias de sobrevivência enquanto grupo e cultura, como o Candomblé e o carnaval, que

terminam por fazer-se sentir sua influência também sobre os dominantes.

Alguns estudiosos como Laura de Mello e Souza focaliza as beatas portuguesas

dos séculos XVI e XVII. O misticismo dessas mulheres revela outras coordenadas culturais de

características da cultura popular. Contudo, os homens inquisidores lhes negaram a santidade e

lhes reservaram desfechos trágicos ao identificarem-nas como bruxas. Já Luiz Mott se deteve

na trajetória da visionária Rosa Egipcía, de origem africana, veio para o Brasil com a idade de

seis anos, em 1725. Escrava, mais tarde prostituta e, por força de suas visões místicas, tornou-

se beata. Possuía devotos entre populares e membros da elite, chegou a ser exaltada pelo clero

do Brasil, cantava hinos litúrgicos, fumava cachimbo e dançava ao som do batuque; termina

presa na inquisição.

Sobre as mulheres reclusas, em conventos ou recolhimentos, que conseguiram

reverter alguns dos propósitos punitivos e supostamente opressivos da instituição, vislumbram-

se suas possibilidades de vida autônomas frente aos rigores da família e sociedade, inclusive

permitindo o exercício do poder. Enfrentaram a oposição política metropolitana ao

enclausuramento de mulheres - diante da necessidade de povoamento, a fim de expressar sua

devoção.

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Enfim, correntes teóricas diversas, cada uma a seu modo procura compreender

porque e como as mulheres ocupam uma posição/condição subordinada na sociedade. Portanto,

a crítica feminista explicita, incorpora e assume a tomada de consciência individual e coletiva,

uma luta para transformar, mudar as relações de sexo/gênero e essa situação de subordinação.

Essa dicotomia entre a vitimização ou sucessos feminino propõe uma revisão e

__________________

² Essas análises foram retiradas da obra História das Mulheres ( 1997), Rachel Soihet.

ampliação dos métodos e da investigação histórica focalizando as relações entre sexo/gênero.

O USO DA CATEGORIA GÊNERO

A partir de 1970, o termo gênero tem sido utilizado para teorizar a questão da

diferença sexual. Foi usado inicialmente pelas feministas americanas que insistiam em

contestar o determinismo biológico com relação ao sexo ou diferença sexual, enfatizando o

caráter social, cultural das distinções baseadas no sexo afastando a ideia de naturalização,

“rejeição ao caráter fixo e permanente da oposição binária masculino versus feminino” (Soihet,

1997, p.279). A urgência dada à ideia de assimetria e de hierarquia entre homens e mulheres,

reunindo a dimensão das relações de poder, o destaque a questão relacional entre os homens e

as mulheres, ou seja, incorporando a compreensão de que o estudo de nenhum dos dois poderia

existir se considerá-los em separado, além de enfocar a necessidade de articulação do gênero

com a classe e raça/etnia, incluindo assim, a fala dos oprimidos e a convicção de que as

desigualdades de poder se dão de acordo com esses eixos. Contrapondo, os pressupostos

historiográficos que entendia o ser humano como uma categoria universal e transformando os

paradigmas da disciplina, introduziu novos temas e impôs uma reavaliação das premissas do

trabalho científico.

O antagonismo homem versus mulher foi um foco central da política da história, e isso teve vários efeitos: tornou possível uma mobilização política importante e disseminada, ao mesmo tempo em que implicitamente afirmava a natureza essencial da oposição binária macho versus fêmea (Scott, 1992, p.84).

Com a incorporação do conceito relacional de gênero, a crítica implica que

atributos masculinos e femininos sejam definidos um em relação ao outro, pressuporia também

que termos como sexual, feminino, masculino não fossem tomados como auto-evidentes. Nesse

sentido, a categoria relacional de gênero conduziu decisivamente às abordagens menos

descritivas, consolidando-se como uma categoria analítica, cuja densidade conceitual tem sido

fundamental não apenas para uma nova prática de produzir ciência, mas, sobretudo para as

transformações das estruturas sociais.

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O conceito de gênero privilegia, exatamente, o exame dos processos de construção dessas distinções-biológicas, comportamentais ou psíquicas-percebidas entre homens e mulheres: por isso, ele nos afasta de abordagens que tendem a focalizar apenas papeis e funções de mulheres e de homens para aproximar-nos de abordagens muito mais amplas, que nos levam a considerar que as próprias instituições, os símbolos, as normas, as leis e política de uma sociedade, são constituídas e atravessadas por representações e pressupostos de feminino e de masculino e, ao mesmo tempo, produzem e/ou ressignificam essas representações.(Meyer, 2003, p.16)

Desse modo, vale ressaltar que as questões sociais relacionados ao trabalho, à

saúde, à política, à educação, à família, à religião, à violência, às ciências, à cultura, à

identidade, ao corpo, e a sexualidade passaram a ser tratados com o ‘olhar de gênero’. E foi

esse olhar que deu visibilidade às relações de dominação e poder que dividem o mundo social

em gênero que questionaram uma ordem sexual tida como natural. Como explicar a ausência

das mulheres na política? Ou então, por que a educação familiar e escolar define e reitera

funções e ‘papéis’ sociais sexuados? E por que a recorrência da violência de gênero, da

sexualidade domesticada, da identidade enclausurada? A violência doméstica, sexual, familiar,

a pouca presença das mulheres nos espaços públicos de poder institucional, a responsabilidade

feminina pelo espaço privado, o machismo manifesto e o dissimulado, e o assédio sexual e

moral no trabalho constituem-se alguns dos inúmeros problemas sociais que passaram a ser

tratados pela Sociologia sob a ótica de gênero por meio de pesquisas empírico-teóricas,

tornando visíveis as implicações sociais, políticas e econômicas da dominação masculina.

Críticas nos estudos de gênero especialmente da divisão binária entre homens e

mulheres, a partir das construções baseadas no sexo. Reflexões e pesquisas buscando superar a

utilização de uma categoria que tem como referência a diferença sexual quando as discussões

buscam privilegiar cada vez mais outros aspectos para a explicação das desigualdades. Joan

Scott (1992) chama a atenção para a necessidade de formulações teóricas que buscam

ultrapassar o uso de gênero em um caráter descritivo (conceito relacionado apenas às coisas

relacionadas às mulheres), pois seguindo essa linha, não tem força de análise para romper com

os paradigmas históricos existentes. Superar o uso descritivo de gênero representa então um

desafio teórico para além da análise das relações entre experiências masculinas e femininas no

passado, como também as ligações entre a história do passado e as práticas histórias atuais.

Ao reforçar a necessidade de se ultrapassar os usos descritivos do gênero,

buscando a utilização de formulações teóricas, Scott afirma a impossibilidade de tal

conceitualização efetuar-se no domínio da história social, marcado pelo determinismo

econômico. Salienta a necessidade de utilizar-se de um estudo crítico dos princípios da teoria

da ciência encontrada, no âmbito do pós-estruturalismo, particularmente, em certas abordagens

associadas a Michel Foucault e Jacques Derrida, capazes de fornecer ao feminismo uma

perspectiva analítica poderosa.

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Segundo Scott (1992) as análises que seguem o uso descritivo de gênero têm

refletido apenas nos trabalhos em que a relação entre os sexos é mais evidente: as mulheres, as

crianças, etc. Portanto, temas relacionados à política e ao poder continuam irrelevantes para a

reflexão daqueles que buscam esse campo. Desse modo, Scott propõe a política como domínio

de utilização do gênero para análise histórica. Justifica a escolha da política e do poder no seu

sentido mais tradicional, especialmente porque a história política apresentou resistência à

inclusão de questões sobre as mulheres e ao gênero, vistos como categoria de oposição as

questões políticas decisivas. Acreditam que a análise dos diversos usos do gênero para explicar

posições de poder fará emergir uma nova história que possibilita novas perspectivas às velhas

questões, introduzindo considerações sobre a família e a sexualidade no estudo da economia e

da política.

Observa-se, portanto, a necessidade de compreendermos as desigualdades entre

homens e mulheres buscando sua gênese nos estudos antropológicos que mostram que no início

de nossa história as sociedades eram tribais, nômades e coletivistas. No entanto, com o

surgimento das famílias monogâmicas instala-se o regime patriarcal e nesse dado momento o

corpo e a sexualidade das mulheres passam a ser controlados pelos homens e as instituições

(religiosas, científicas, etc) por ele construídas. Assim, o homem passa a dominar o espaço

privado e o público tornando a mulher submissa. Atualmente, nossa sociedade ainda transporta

os resquícios dessa organização patriarcal que visa naturalizar as diferenças entre os sexos

através da cultura, ou seja, podemos concluir que gênero é cultural e as desigualdades são

construídas por essa cultura.

CORPO X GÊNERO: OBJETO DE ESTUDO

Atualmente, a mídia e a publicidade têm submetido o corpo, especialmente o

corpo feminino a um perfil de beleza sem precedentes mergulhando a mulher num novo tipo de

submissão. A busca incansável por esse corpo belo gerido por esse padrão “ideal” tornou-se

uma marca. Submetidos a tirania da perfeição física, todos buscam o perfil da beleza parecendo

participar de uma verdadeira orquestra de louvor ao corpo belo, sadio, magro, jovem.

Conforme afirma Mary Del Priori em sua obra Histórias do Cotidiano (2001), essa

exposição de imagens de corpos “modelados” induz o culto à beleza e a negação das mudanças

ocasionadas pelo processo natural de envelhecimento. Isso nos faz refletir sobre o pensamento

de que nossos corpos não são meramente coisas, porém são mediados pela cultura e essa

cultura está mergulhada em uma pressão social que exige a incorporação de algumas das

diferentes características existentes, ou seja, um perfil hegemônico em que todos

compartilhariam as mesmas características, classificando os indivíduos em aceitáveis ou

inaceitáveis morfologicamente.

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Essa relação com o corpo implica alguns questionamentos: o culto à beleza torna-

se um desafio ao tempo e dramático ao homem que busca cada vez mais as formas do outro, o

olhar do outro, perdendo impulsivamente sua identidade subjetiva ao praticar o

desmantelamento do seu próprio corpo. Devemos enfatizar também o papel da estética nessa

sociedade de consumo tornando-se uma verdadeira fábrica de “beleza” visando garantir graças

as suas milagrosas intervenções cirúrgicas um novo corpo simbolizando o desejo moderno.

Falar do corpo é falar, também, de nossa identidade dada a centralidade que este adquiriu na cultura contemporânea cujos desdobramentos podem ser observados, por exemplo, no crescente mercado de produtos e serviços relacionados ao corpo, a sua construção, aos seus cuidados, a sua libertação e, também, ao seu controle. (...) Adornos, cosméticos, tatuagens, roupas inteligentes, próteses, dietas, suplementos alimentares, academias, cirurgias estéticas, medicamentos e drogas químicas fazem parte de um sem-número de saberes, produtos e práticas a investir no corpo produzindo-o diariamente. (GOELLNER, 2003, p. 29-30).

Segundo Le Breton observa-se a transferência cada vez maior do corpo em

“máquina”, sem afeto nem sujeito no discurso contemporâneo que oscila entre o controle

absoluto e o narcisismo. Os efeitos dessa constatação é avassalador, pois impulsiona o consumo

de cosméticos, vestuários, academias e até cirurgias plásticas para corrigir as indesejáveis

imperfeições. O corpo belo e sarado tornou-se definidor do sujeito e marca da identidade. “Ora

a identidade corporal feminina está sendo condicionada não pelas conquistas da mulher no

mundo privado ou público, mas por mecanismos de ajustes obrigatório da tríade beleza,

juventude, saúde.” (Priore 2001, p.95).

Desse modo, foi fragmentado e recomposto, regulando suas funções, normas e

usos; sofreu diversas transformações ao longo do tempo: higiene corporal, invenção do batom,

do desodorante, usa de decotes, depilação, esmalte nas unhas, substituição do espartilho pelo

sutiã, uso do jeans colado e da minissaia, entre tantas outras. No século XX a mulher se despiu

e o nú, então, incentivado pela mídia e a publicidade levou o corpo a banalização sexual.

Goellner em sua obra A produção cultural do corpo (2003), chama a atenção para

a questão de pensar o corpo, afirmando-o como uma construção histórica e cultural na qual

implica referências teóricas e políticas capazes de desnaturalizá-lo. Assim, os estudos culturais

e a história do corpo são dois campos que se abrem com vasta abrangência e possibilidades de

análise. Um dado importante desses campos teóricos é o afastamento, porém sem negação da

materialidade biológica como questão central (não tomam a biologia como definidora dos

lugares e espaços sociais atribuídos aos diferentes corpos). Um exemplo dos argumentos da

explicação biológica é classificar o feminino como sexo frágil em relação ao masculino, esses

argumentos seguem as práticas da teoria ovariana do século XIX.

Os médicos viam a mulher como produto do seu sistema reprodutivo, base de sua função social e de suas características comportamentais: o útero e os ovários determinariam a conduta feminina desde a puberdade até a menopausa, bem como seu comportamento emocional e moral, produzindo

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um ser incapaz de raciocínios longos, abstrações e atividades intelectual, mais frágil do ponto de vista físico e sedentário por natureza; a combinação desses atributos, aliada a sensibilidade emocional, tornava as mulheres preparadas para a procriação e a criação dos filhos.(MATOS, 2003, p. 114).

Segundo a teoria ovariana a natureza da mulher era determinada por sua função

reprodutora e vai, paulatinamente, desqualificando a mulher para a vida pública em virtude de

sua pretensa “fragilidade”, ou seja, a atividade reprodutora era o principal objetivo na vida das

mulheres e o corpo feminino ficava, então a mercê dos órgãos reprodutores. Desse modo, o

discurso médico legitimou a ordem social ao produzir um discurso tido como natural sobre uma

realidade que é construída socialmente. Isso reflete em práticas que orientam as relações entre

os indivíduos e classes sociais.

Centradas em explicações biológicas, mais especificamente, na fragilidade dos órgãos reprodutivos e na necessidade de sua preservação para a maternidade sadia, tais proibições conferiam diferentes lugares sociais para mulheres e para homens onde o espaço privado – o lar passou a ser reconhecido como de domínio da mulher [...] (GOELLNER, 2003, p. 31).

Essa ciência prevalecente no século XIX que analisa e classifica o corpo, vai

legitimando uma educação do corpo com o objetivo de torná-lo útil e produtivo, imprescindível

para o trabalho nas indústrias em expansão e para o fortalecimento dos indivíduos visando à

saúde e o bem-estar. “Em nome da saúde e do bem- estar do indivíduo, o corpo passou a ser

alvo de diferentes métodos disciplinares, entendidos como um conjunto de saberes e poderes

que investiram no corpo e nele se instauraram [...]” (GOELLNER, 2003, p.35), visando à

educação dos gestos (desvios sexuais, classificação das paixões), correção do corpo (através

das atividades físicas), higiene e limpeza (através de banhos).

As feministas tentam romper com os modelos explicativos pautados na

racionalidade médica que marginalizaram as questões culturais arraigadas na constituição das

identidades sociais. Esses questionamentos possibilitaram a abertura para análise de questões

referentes ao corpo como a sexualidade, ressaltando suas dimensões políticas e sociais.

Para Porter em sua obra História do corpo (1992), a busca da história do corpo não

é, portanto, somente uma questão de triturar as estatísticas vitais sobre o físico, nem apenas um

conjunto de métodos para decodificação das “representações”. É antes um chamado para

compreensão da ação recíproca entre os dois. Ele identifica nas discussões sobre a história do

corpo inúmeros estudos que exploraram as tentativas de grupos sociais dominantes para

restringir e reprimir as questões corporais. Essas estratégias segundo ele assumiram formas

distintas.

Dessa forma, faz-se necessário refletir sobre o corpo não apenas como fato natural,

mas adentrar primeiramente algumas ideias médicas, sociológicas e certas abordagens

antropológicas, quando o corpo tanto é moldado culturalmente quanto habita a ordem

simbólica, ultrapassando a dimensão física, integrando-se em outras dimensões da estrutura das

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relações e normas sociais, às atividades e ao meio ambiente, associando-se também às repre-

sentações da pessoa.

Com o advento da Nova História Cultural, a partir da década de 80, nas ciências

humanas e na historiografia, novos objetos, sujeitos e abordagens emergiam-se. O exemplo

disso é o corpo que tem assumido uma crescente centralidade na atualidade e tornou-se objeto

de exposição, desejo, admiração e interferências. Apesar de o corpo ser visto durante muito

tempo como secundário, devido ao predomínio dos aspectos da mente/alma e do intelecto sobre

os do corpo.

Os componentes clássicos, assim como, os judaico-cristãos, de nossa tradição cultural, de formas diferentes possuem uma visão dualista do homem, entre mente e corpo, psique e soma que traz significados importantes para a análise do corpo. As duas tradições, por razões diferentes, elevam a mente ou a alma em detrimento do corpo” (PORTER, 1992, p. 292).

O corpo assumiu hoje fonte de estudos históricos em função das representações

que veicula em cada sociedade ao longo dos séculos. Assim, ao longo da história o corpo varia

em diferentes tempos, espaço e conjunturas sociais, política, econômica e cultural. “Devemos

enxergar o corpo como ele tem sido vivenciado e expresso no interior de sistemas culturais

particulares, tanto privados quanto públicos, por eles mesmos alterados através dos tempos”

(PORTER, 1992, p. 295). Dessa forma, faz-se necessário pensar o corpo como uma construção

sociocultural e histórica em que constrói sua trajetória, seja ela marcada por sensações,

movimentos, percepções, tristeza, desamparo e tantas outras virtudes de origem tão diversas. A

partir desse pensamento percebemos que nos identificamos como sujeitos devido as nossas

relações sociais. No entanto, para além desses significados sociais e culturais atribuídos ao

corpo, ainda existe a linguagem que tem o poder de nomear, classificar, definir características

consideradas como normais e anormais (feio, belo, jovem, saudável, etc), marcas essas que não

são padronizadas, “variam conforme o lugar, o tempo onde esse corpo circula, vive, se

expressa, se produz e é produzido” (GOELLNER, 2003, p.29).

O corpo é uma construção sobre a qual são conferidas diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, étnicos, etc. Não é, portanto algo dado a priori nem mesmo é universal: o corpo é provisório, mutável e mutante, suscetível a inúmeras intervenções consoante o desenvolvimento científico e tecnológico de cada cultura bem como suas leis, seus códigos morais, as representações que cria sobre os corpos, os discursos que sobre ele produz e reproduz. (Goellner 2003, p.28)

O corpo está tão inserido e é tão importante para a sociedade que ao mesmo tempo

é capaz de produzir uma cultura e ser influenciado por outras. A afirmação de Goellner é

plausível quando apresenta que "pensar o corpo como algo produzido na e pela cultura é,

simultaneamente, um desafio e uma necessidade" (2003, p.28). Podemos compreender essa

necessidade com mais clareza quando discutimos o corpo e suas tendências no tempo.

Pensando assim, podemos usar os gregos como exemplo cujo o corpo possuía um valor muito

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forte para a sociedade, concebido como elemento de glorificação e de interesse do Estado, ou

seja, assumia um papel de destaque. Os romanos passaram a doutrinar o corpo para a guerra, o

corpo passa a ser visto como instrumento de prazer e guerra. Na Idade Média sua principal

característica é a sacralização, em que o corpo torna-se sinônimo de pecado e a grande

valorização religiosa promovia a demonização de muitas coisas relacionadas ao corpo,

inclusive a sexualidade.

Chegamos então, na era industrial, quando a revolução técnico-científica cresceu

de forma rápida, e a nova sociedade mergulhada na abundância industrial transpõe ao corpo a

nova tarefa de ser consumidor. Entretanto, o que chama a atenção é que o corpo que antes era

visto de diferentes formas pelas sociedades, passando da hipervalorização grega ao sacramento,

agora se torna objeto de vários anseios e desejos. Essa libertação e autonomia das coisas

materiais desencadearam uma maior liberdade quanto aos valores dentro da sociedade; com

isso, ocorreu um fenômeno em que o corpo se tornou objeto de consumo, o mundo do consumo

estava inteiramente ligado ao mundo da informação, e estas constantemente instigam a

sociedade à estilos de vida, moda, corpo e comportamentos.

O culto ao corpo belo teve início no final do século XVIII e se intensificou no

século XIX à medida que foi adquirindo grande relevância nas relações entre os indivíduos. Tal

importância, deve-se ao discurso científico que através de análises baseadas em características

biológicas determinaram diferentes lugares sociais.

Essas classificações colaboraram para que diferentes hierarquizações se estruturassem entre os humanos. Por vezes, os negros ou as mulheres foram considerados inferiores exclusivamente porque seus corpos apresentavam algumas características biológicas nomeadas por essa ciência como inferiores, incompletas ou díspares. (GOELLNER, 2003, p.34).

Uma versão moderna do dualismo mente/corpo não opõe mais o corpo ao espírito

ou a alma, mas, sobretudo ao sujeito/corpo. A estruturação individualista de nossa sociedade

moderna atribui ao corpo variações individuais e sociais que fazem dele material a ser

“trabalhado” conforme as orientações do momento, dando pertinência aos modelos ou valores

para a ação, no qual o significado de nossa existência torna-se decisão do próprio indivíduo e

não mais uma evidência cultural, mas, sobretudo um objeto capaz de sublinhar a representação

de si. “O corpo tornou-se um acessório, uma prótese marcado por uma subjetividade lixo, uma

bula, um kit” (BRETON, 2003, p. 10). Na ideologia contemporânea, o corpo é pensado como

um suporte da pessoa, uma construção, algo transitório, manipulável, isolado do sujeito, em que

incorporou a maneira de um objeto suscetível a transformações na qual dissolve sua identidade

ocupando lugar de objeto e convertendo-se por definição contrária ao sujeito, não é alguém, é

algo, aquilo que prova a negação de sua subjetividade, ou seja, sua fragmentação comprova a

dissolução do sujeito.

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(...) O corpo é pensado como uma matéria indiferente, simples suporte da pessoa. Ontologicamente distinto do sujeito, torna-se um objeto a disposição sobre o qual agir a fim de melhorá-lo, uma matéria- prima na qual se dilui a identidade pessoal, e não mais uma raiz da identidade do homem. (BRETON, 2003, p.15).

Segundo o antropólogo David Le Breton, se partirmos do princípio de que a

percepção, as sensações físicas e os sentimentos são efeitos da cultura ficaríamos

completamente perdidos quanto ao papel que o corpo assume perante a sociedade. Mutável a

partir da cultura de cada povo, ocupa formas diferentes a cada tempo e espaço. Músculos

arquitetados são mais que um desejo pessoal, é quase que uma imposição da atual sociedade,

sendo importante elemento para o sucesso nas relações interpessoais. A preocupação com a

aparência do corpo adquire cada vez mais centralidade, de modo que os corpos passam a ser

julgados como bons ou ruins devido à forma que apresentam. “É por seu corpo que você é

julgado e classificado” (BRETON, 2003, p.31). Hoje ao olhar uma pessoa podem-se entender

as características que ela possui e a que grupo social ela pertence, claro que são definições

subjetivas. Um grave problema é que este corpo está sendo manipulado de uma forma

meramente mercadológica, sendo tratado como um mero objeto de consumo.

A PERCEPÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

Falar da incorporação das mulheres ao mercado de trabalho e a esfera pública em

geral demanda alguns questionamentos. Ao se pensar sobre o cenário industrial do século XIX

e princípio do século XX não se pode negligenciar a participação da mulher. Nesse período a

maior parcela do proletariado brasileiro era composta por mulheres e crianças somando uma

mão de obra abundante e barata. Além de atuarem em outras instituições e funções: domésticas,

lavadeiras, cozinheiras, governantas, hospitais, asilos, doceiras, entre tantas outras, ou no

campo trabalhando na colheita e nas lavouras. Vistas como frágeis e vulneráveis perante a

sociedade tornavam-se alvo da ambição masculina submetidas às longas jornadas de trabalho,

baixos salários, maus tratos por parte seus superiores e assédio sexual. Em sua obra Trabalho

Feminino e Sexualidade (1997) Margareth Rago pergunta: “Afinal, o que sabemos sobre as

trabalhadoras dos primórdios da industrialização brasileira”? (RAGO, 1997, p.579). Sabemos

que a mão de obra feminina nas fábricas têxtil nos primórdios da Revolução Industrial foi

preponderante, deixando claro sua efetiva participação no processo de trabalho nas fábricas de

tecidos. Exerciam funções importantes como fiandeiras e tecelãs, mas que não exigiam

qualificações, enquanto aos homens cabiam cargos mais importantes como chefia gerência, etc,

exigindo mais qualificações. Assim, os homens comandavam e as mulheres obedeciam, isso

nos remete a visualizar as relações que lá se estabeleceram esbarrando também nas questões de

gênero.

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As primeiras fábricas foram instituições idealizadas e gerenciadas por homens.

Isso talvez tenha sido mais um dos fatores que contribuíram para considerar as mulheres, as

mais adequadas para o trabalho nestes espaços produtivos, já acostumadas à obediência, à

submissão, ao mando e ao poder masculino. Desse modo, as fábricas podem ser percebidas

como um espaço de relações sociais de duplo sentido: espaço de socialização e de conformação

na medida em que ia consolidando valores e modelos construídos e valorizados pela sociedade.

Tornaram-se espaço social, político e de poder numa perspectiva de gênero em que as

diferenças entre os sexos acabam por submeter os sujeitos a determinados papéis sociais,

lugares e estereótipos. Assim sendo, as fábricas apenas transpuseram para o espaço público

aquilo que já estava, de alguma forma, consolidado no espaço privado.

Apesar de ser maioria nas fábricas no início do século XIX, elas mais tarde foram

afastadas, em função da oposição masculina visando proteger seus privilégios e monopólio dos

melhores trabalhos, restando-lhes as atividades auxiliares no setor de serviços e de escritório.

As barreiras por elas enfrentadas com o objetivo de participar do mundo dos negócios eram

enormes e independente da classe social, tinham que superar desde a variação salarial a

intimidação física. “Elas tiveram sempre que lutar contra inúmeros obstáculos para ingressar

em um campo definido pelos homens como “naturalmente masculino”. (RAGO, 1997, p.581-

582).

A rotina de trabalho das mulheres nas fábricas era exaustiva variando de 10 a 14

horas diárias, atuando nas tarefas menos especializadas e mal remuneradas, e sem uma

legislação para proteger seu trabalho; era submetida a péssimas condições de higiene, de

trabalho e assédio sexual. Diante dessa realidade a imprensa operária incorpora o discurso de

vitimização, buscando a conscientização da mulher trabalhadora para a luta revolucionária. No

entanto, o que mais chama-nos a atenção é a associação entre a mulher no trabalho e a questão

da moralidade social. No discurso de diversos segmentos sociais (médicos higienistas,

jornalistas, juristas, a igreja, os industriais, socialistas, etc), incorpora um discurso de

valorização da maternidade, associado ao ideal de formação da identidade nacional. Segundo

essa ideologia a incorporação da mulher no mundo do trabalho levaria a desagregação da

família, uma ameaça a honra feminina dado sua condição passiva e indefesa. De acordo com

esses discursos a mulher estaria segura dessas ameaças cuidando da família e do lar. “As

mulheres deixariam de ser mães dedicadas e esposas carinhosas, se trabalhassem fora do lar;

além do que um bom número delas deixaria de se interessar pelo casamento e pela

maternidade” (RAGO, 1997, p.585). Ao mesmo tempo essa ideologia foi sendo revigorada pelo

discurso masculino e assim, a mulher vai sendo direcionada a esfera privada.

Ser mãe, mais do que nunca, tornou-se a principal missão da mulher num mundo em que se procurava estabelecer rígidas fronteiras entre a esfera pública, definida como essencialmente masculina, e a privada, vista como

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lugar natural da esposa-mãe dona de casa e de seus filhos”. (RAGO, 1997, p.591).

No início do século XX, a crescente urbanização das cidades e a industrialização

vão programar novos espaços de socialização (teatro, confeitarias, restaurantes, cafés- concerto,

bailes, festas, cinemas, entre outros). A sociedade começa a modernizar em todos os sentidos,

mas as relações sociais ainda se pautavam em um forte moralismo, revelando grande

preocupação com a moralidade das mulheres do meio operário, bem como as mulheres de todas

as classes sociais. As mulheres da elite e das classes médias (biólogas, médicas, advogadas, etc)

e as mães dos futuros cidadãos da pátria eram algo de grande preocupação, já as trabalhadoras

pobres (domésticas, operárias, lavadeiras, floristas, artista, entre outras) “eram estigmatizadas e

associadas a imagens de perdição moral, de degradação e de prostituição” (RAGO, 1997.

p.589). Para as feministas o trabalho fora do lar tornava a mulher mais ativa profissionalmente

e com mais participação política.

No começo de nossa industrialização com o discurso das autoridades e das

ciências, a vida pública era incompatível com a constituição biológica da mulher definindo o

espaço público como masculino reservando à mulher as funções de coadjuvantes. Esses

argumentos transformaram-se em códigos sociais e consequentemente são refletidos nos lares e

na vida social. Esses resquícios interferem diretamente nas relações entre os sexos, classes

sociais e grupos étnicos, instalando as diferenças de gênero.

As feministas consideravam as dificuldades que as mulheres da elite e das classes

médias enfrentavam para ingressarem no mundo do trabalho controlado por homens, mas esse

discurso pouco afetava as operárias e demais trabalhadoras pobres.

Nos periódicos femininos, as feministas se diziam responsáveis pelo futuro das trabalhadoras pobres, mas pouco falavam a respeito do modo como pretendiam encaminhar, na prática, essa filantropia. As operárias tão vitimizadas pelas péssimas condições de trabalho, pelos baixos salários, pela quantidade de filhos que deveriam criar, tão presas a condição biológica, eram consideradas ate mesmo pelas feministas como incapazes de produzir alguma forma de manifestação cultural. (RAGO, 1997, p. 591).

O movimento operário protestou contra as diversas formas de exploração do

trabalho feminino e infantil, uma luta política em defesa da moral e da nacionalidade das

mulheres. Diversos grupos anarco-sindicalistas, socialistas, comunistas, feministas, viam a

necessidade da revolução social, mas eles divergiam com relação aos métodos e estratégias de

luta. Os anarquistas eram contrários a teoria do partido revolucionário e a implantação da

ditadura do proletariado (defendida por Marx, Lênin e Trotsky), acreditavam na “ação direta” –

os trabalhadores deveriam se unir para derrubar o capitalismo. Os anarquistas achavam que a

emancipação da mulher seria encaminhada a partir da “revolução social”, fundando um mundo

de igualdade, justiça e liberdade. As operárias anarquistas lutavam contra o modelo patriarcal

da sociedade, a discriminação sexual no trabalho e no meio político. Lutava por uma sociedade

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libertária, autônoma, fundada na solidariedade entre os indivíduos sem distinção de raça, idade,

sexo ou classe social ou econômica.

As relações entre homens e mulheres deveriam ser, portanto, radicalmente transformadas em todos os espaços de sociabilidade. Num mundo em que mulheres e homens desfrutassem de condições de igualdade, as mulheres teriam novas oportunidades não só de trabalho, mas de participação na vida social. A condição feminina, o trabalho da mulher fora do lar, o casamento e a educação seriam pensados e praticados de uma maneira renovada. (RAGO, 1997, p. 597).

A mulher teria assim, oportunidade de desfrutar dos mesmos espaços políticos e

socioculturais que os homens. Defendiam o divórcio e as uniões livres, criticavam as relações

monogâmicas e viam a prostituição com um fenômeno decorrente da exploração capitalista do

trabalho, ou seja, reivindicavam não somente os direitos da mulher, mas a ampliação deles;

direito a maternidade consciente e fim da valorização da virgindade feminina.

Na luta por melhores condições de vida o movimento sindical em sua história de

demandas e formulações (mediador entre as relações de trabalho e instituições democráticas),

marca uma ruptura no período entre 1979 e 1985. Nos anos 60 em virtude da ditadura militar

suas lutas estavam voltadas para questões econômicas (arrocho salarial), propostas políticas

voltadas a restabelecer a democracia nas relações de trabalho e sindicais. Entre 1979 e 1985 as

mobilizações crescentes em prol da redemocratização do país, sacodem o imobilismo das

organizações de representações de classe.

As organizações sindicais passam por um intenso processo de questionamento, interno e externo. Formam-se correntes sindicais inovadoras e críticas que começam como “oposições sindicais” e acabam sendo identificadas como “sindicalismo autêntico” ou novo sindicalismo”. (GIULANI, 1997, p.643).

O conflito começa a se dissipar das fábricas e dos limites das relações de

trabalhos, ganhando as massas populares insatisfeitas com suas condições de vida organizando

os movimentos populares, ganhando rapidamente alcance nacional. Os diálogos dos

movimentos populares com as organizações sindicais agregam inovações nas formas de

mobilização dos trabalhadores: difunde-se uso de abaixo assinados, passeatas, manifestações,

diálogo direto com os poderes públicos, prefeituras, secretarias municipais, estaduais e federais.

Esse novo modelo inaugura a articulação entre condições de produção e modalidade de vida, é

nesse dado momento que se percebe que a população trabalhadora engloba ambos os sexos,

sendo cada um com responsabilidades diferentes no seio da família.

Sabemos das dificuldades em superar as barreiras impostas às mulheres que lhe

impedem de atuarem livremente em todos os espaços sociais, políticos, econômicos e culturais

ao longo de sua história. Mas, para além de suas dificuldades nunca deixaram de lutar, não

devemos negligenciar a participação das feministas nas últimas três décadas empreendendo-se

em uma luta constante pela consolidação de um espaço público igualitário.

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Muitas mulheres, trabalhadoras e, especialmente, as feministas, têm lutado nas últimas três décadas pela construção de uma esfera pública democrática. Elas querem afirmar a questão feminina e assegurar a conquista dos direitos que se referem à condição da mulher. Por isso mesmo, é importante que possamos estabelecer as pontes que ligam as experiências da história recente com as do passado, acreditando que nos acercamos de um porto seguro e nos fortalecemos para enfrentar os inúmeros problemas do presente. (RAGO, 1997, p. 605).

Enfim, apesar de imersas num contexto que tem como pano de fundo o interesse

de dominação e poder, trabalhadoras das fábricas construíram uma cultura própria, uma

trajetória de luta; recusaram, alteraram e recriaram muitos significados e práticas a elas

impostas, buscaram construir novos espaços de sociabilidade e solidariedade sobre doutrinas

políticas determinadas, por isso foram perseguidas por forças policiais no Brasil e em vários

países da América Latina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo permitiu observar o fenômeno da invisibilidade e subordinação

pelo qual a mulher foi submetida ao longo do tempo. Esta análise não esgota a temática sobre a

Integração de forma igualitária da mulher na sociedade e nem os estudos sobre as diferenças de

gênero que perduraram e ainda perduram na sociedade. As diferenças entre homens e mulheres

apesar da sobre-elevação da mulher, sua capacidade de suportar e vencer obstáculos, mesmos

aqueles que pareciam intransponíveis foram e são importantes para sua ascensão social e

concretização da liberdade e do livre arbítrio a que todo ser humano tem direito.

O trabalho não tem a pretensão de esgotar ou encerrar o debate temático sobre a

questão social, política, econômica, e o preconceito em relação à mulher ou as condições

sociais e direitos impostos a qualquer pessoa. Nosso objetivo foi despertar novos

conhecimentos, estudos, pesquisas e buscar novos entendimentos acerca do tema visando

desenvolver o senso crítico e compreender as diferenças socioculturais de cada componente que

formaram e formam nossa sociedade.

Outro ponto relevante deste trabalho refere-se à análise dos historiadores,

sociólogos, antropólogos e suas obras, aqui devidamente referenciadas, utilizadas para nossa

reflexão na elaboração deste artigo. Cada um deles, dentro de suas pesquisas e compreensões,

permitiu descortinar algumas causas e consequências para a integração e aproximação social da

mulher, buscando superar o preconceito arraigado nas relações sociais, cultural e profissional.

Nossa proposta foi a de instigar novas leituras, pesquisas e estudos com a

pretensão de buscar o aprofundamento e desenvolvimento da criticidade que consequentemente

impulsionará a criação de políticas garantindo direitos e igualdade a todos os membros da nossa

sociedade, independente de sua classe, raça ou etnia. Para tanto, faz-se necessário levantar a

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discussão tanto na academia como na escola e no convívio social para que através de novas

políticas a igualdade social seja não só uma ideologia de poucos, mas que abarque todos os

indivíduos que dela fazem parte. Através da igualdade social, políticas, econômicas e culturais

podem ter uma convivência pacífica entre homens e mulheres.

Dessa forma, as abordagens em torno do tema foram orientadas no sentido de

contribuir para uma tomada de consciência, reflexão, sobre a complexidade dos fatos que

permeiam a condição da mulher, bem como promover o conhecimento de fatos relacionados ao

seu cotidiano, acreditando na possibilidade de oferecer a todas as mulheres a oportunidade de

desenvolverem as suas potencialidades de maneira igualitária.

ABSTRACT: This article aims to expose the issue of women's movement that pushed for the contribution of the feminist movement struggle for political rights, economic, and social. Through the feminist movement advanced by overcoming the invisibility and subordination that permeated his trajectory through history. Emphasizes the emergence of the History of Women making it possible to demystify the issues relating to women, expanding the study of issues related to their universe as the body, gender and work. Examines the various discourses that have been and are grown in different places and about women and the differences established between the sexes and the power relations established between them. KEYWORDS: Feminist movement, women's history, body, gender, work. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS: BRETON, David Le. Adeus ao corpo: Antropologia e sociedade. Campinas-SP: Papirus. 2003.

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