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O JUDAÍSMO Bruno Glaab Símbolos: Estrela de Davi, criada por uma seita judaica do século XII. Está na bandeira de Israel. Menorá : candelabro ou candeeiro, em hebraico, com sete braços, usado no Tabernáculo (Ex 25,31-40; Ex 37,17-24). Judeus ortodoxos, rezando no Muro das Lamentações. Restos do templo de Salomão (2Sm 7). INTRODUÇÃO Hoje a religião judaica é professada por aproximadamente 13 milhões de pesso- as. É a menor das grandes religiões, mas talvez a mais importante, no sentido de ter in- fluenciado a cultura ocidental e talvez, a mundial. O judaísmo tem, por assim dizer, dois filhos que o seguem seus princípios fundamentais: o Cristianismo e o Islamismo. Dirí- amos, o judaísmo está na origem destas duas grandes religiões (COOGAN, 2007, p.16). Falar de Judaísmo é um assunto amplo. Antes de tudo queremos esclarecer que, aqui se usa os termos Judeus, Hebreus e Israelitas como sinônimos, embora, no sentido exato dos termos fosse necessário distinguir uma diferença. Hebreus eram os antepassa- dos de Israel, ainda no Egito. Alguns estudiosos creem que a palavra hebreus significas- se algo como escravos desarraigados, mercenários, conforme os encontramos na faça- nha do Êxodo. Não seriam, os hebreus, um grupo étnico, mas escravos sem pátria, vi- vendo em terras estranhas. Israelitas são todos os habitantes de Israel quando este já é

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O JUDAÍSMO Bruno Glaab

Símbolos:

Estrela de Davi, criada por uma seita judaica do século XII. Está na bandeira de Israel.

Menorá : candelabro ou candeeiro, em hebraico, com sete braços, usado no Tabernáculo

(Ex 25,31-40; Ex 37,17-24).

Judeus ortodoxos, rezando no Muro das Lamentações. Restos do templo de Salomão

(2Sm 7).

INTRODUÇÃO

Hoje a religião judaica é professada por aproximadamente 13 milhões de pesso-

as. É a menor das grandes religiões, mas talvez a mais importante, no sentido de ter in-

fluenciado a cultura ocidental e talvez, a mundial. O judaísmo tem, por assim dizer, dois

filhos que o seguem seus princípios fundamentais: o Cristianismo e o Islamismo. Dirí-

amos, o judaísmo está na origem destas duas grandes religiões (COOGAN, 2007, p.16).

Falar de Judaísmo é um assunto amplo. Antes de tudo queremos esclarecer que,

aqui se usa os termos Judeus, Hebreus e Israelitas como sinônimos, embora, no sentido

exato dos termos fosse necessário distinguir uma diferença. Hebreus eram os antepassa-

dos de Israel, ainda no Egito. Alguns estudiosos creem que a palavra hebreus significas-

se algo como escravos desarraigados, mercenários, conforme os encontramos na faça-

nha do Êxodo. Não seriam, os hebreus, um grupo étnico, mas escravos sem pátria, vi-

vendo em terras estranhas. Israelitas são todos os habitantes de Israel quando este já é

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um país. Judeus são os membros da tribo de Judá, que era apenas uma parte, ou provín-

cia de Israel.

O estado de Israel não teve vida muito longa (1030 a.C. até 931 a.C.). O reino se

desagregou devido a exageros políticos (1Rs 12). Ou seja, o estado foi criado por volta

de 1030 a.C. sob a liderança de Saul (1Sm 9), foi consolidado pelo seu sucessor Davi

(1Sm 16). Porém, Salomão levou o estado de Israel ao luxo desordenado (1Rs 10,14 e

1Rs 11,1-8). Com a morte deste rei, que governou por quarenta anos, seu filho Roboão,

não conseguiu levar o governo em diante. Israel, cansado de tantos impostos rompeu em

dois estados (1Rs 12). A partir de então, a parte norte do antigo estado de Israel conti-

nua a se chamar de Israel, ou então Reino do Norte, com dez tribos, ou dez pequenos

territórios (hoje poderíamos dizer, dez estados). A parte sul ficou com duas tribos: Judá

e Benjamin. Esta parte passa a ser chamada de Judá, ou Reino do Sul.

Em 722 a.C. a assíria invade o Reino do Norte e leva o povo cativo (2Rs 17). as-

sim Israel deixou de existir. A partir de então, Judá é o local onde ainda vivem os povos

da aliança que antigamente formava Israel. É em Judá que sobrevivem os israelitas. No

entanto, a Judeia, ou Judá, era apenas uma província, ou estado de Israel. Neste sentido

é que, em termos de religião, quando falamos Judeus, pensamos o mesmo que Israelitas

ou Hebreus. Dizer: religião judaica, religião israelita ou religião hebraica é o mesmo,

embora os termos não sejam exatamente o mesmo, como vimos.

Neste estudo queremos caracterizar o Judaísmo, desde seus aspectos históricos,

geográficos e também religiosos. Seria impossível descrevermos este fenômeno religio-

so, sem entender este povo dentro da história.

1 – HISTÓRIA DE ISRAEL

A história de Israel será aqui abordada de forma muito superficial. Apenas para

que se possa entender a sua religião, que ainda hoje tem como base esta mesma história.

Não iremos entrar em estudos atuais sobre a questão, nem mesmo nos meandros da in-

terpretação exegética da mesma, pois isto levaria a um rumo que extrapolaria o objetivo

da disciplina de Fenômeno Religioso.

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1.1 – Os primórdios

Ao ler a Bíblia, a pessoa pouco informada entenderá que a história de Israel este-

ja entrelaçada com a criação do mundo. Isto, no entanto, é um grave engano. Israel nada

tem a ver com as origens do mundo, nem sequer está entre os países, ou nações mais an-

tigas do mundo. É comprovado que existem povos, civilizações e culturas muito mais

antigas do que Israel, como é o caso do Egito, Ugarit, Mesopotâmia, etc. Além do mais,

antes de existirem povos, ou mesmo o Ser Humano (SH), já existia o mundo com sua

natureza1, sendo que o SH é relativamente novo na face da terra.

A história de Israel inicia há aproximadamente 1.900 a.C.2 com Abraão (Gn 12),

um arameu errante, ou seminômade que residia em Ur, na Caldéia (hoje nas áreas de

Iraque e irã). Abraão, mais do que uma pessoa concreta representa um fenômeno migra-

tório de pastores seminômades que vivam nesta época (BALLANCIN, 1987, p.5ss).

Eles viviam em tribos de, talvez 30 a 50 pessoas, com seus rebanhos de ovinos e capri-

nos.

Nas suas constantes migrações em busca de pastagens, eles atravessavam fron-

teiras, sem se importar muito com os povos locais, que já estavam estabelecidos (GAL-

BIATTI; ALETTI, 1991, p.51ss). Como migrantes, eles adquiriram características pró-

prias, ou seja, não podiam viver como os demais povos, pois estavam sempre a cami-

nho. Isto também começou a demarcar sua religiosidade. Enquanto os outros povos ti-

nham seus santuários, onde iriam periodicamente para adorar seus deuses, os pastores

seminômades levavam seus deuses consigo em suas migrações. Onde se estabeleciam

periodicamente, erguiam um altar e adoravam a sua divindade. Desta forma já não iam

aos santuários dos povos estabelecidos. E nestas migrações era difícil levar diversos

deuses. Assim passaram do politeísmo para o monoteísmo. Um só deus que, além de

não ter morada fixa, acompanhava os migrantes. Desta forma estava colocada a base da

primeira religião monoteísta: Um só deus, sem santuário fixo, mas um deus que acom-

panhava seus migrantes e, em qualquer lugar podia ser adorado. Chamaremos isto de

embrião da religião javista, ou da religião judaica.

Estes pastores seminômades, ou grupos abraâmicos saíram de Ur, da Caldeia3 e

penetraram as terras de Canã (Hoje Israel). Uma parte foi até o Egito, onde foi escravi-

zada. O rei do Egito (faraó) precisava de mão de obra. Para controlar estes escravos ele

1 Aqui, próximo a nós, na cidade de Mata – RS, encontram-se árvores fossilizadas, que os cientistas ava-

liam em 200 milhões de anos. Os mesmos cientistas julgam que o SH não exista há mais de 1 milhão de anos. 2 Estudiosos mais recentes creem que o fenômeno migratório de Abraão aconteceu em 1.400 a.C.

3 Certamente não era um grupo, mas muitos. A Bíblia colocou tudo como Abraão, seu filho Isaac, seu ne-

to Jacó e os doze filhos deste. Mas devemos lembrar que o texto do gênesis que conta a história dos pa-triarcas era uma antiga tradição oral que foi escrita uns 700 anos mais tarde. Por isto mesmo, não se pode atribuir precisão histórica ao texto.

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usava de dois artifícios: as armas (exército e polícia) e a religião4. Através da religião

ele fazia a cabeça dos escravos, dizendo que fazer a vontade dos deuses era obedecer ao

faraó. Assim sendo, quanto mais o povo escravo ia aos templos do rei, mas lhes era pas-

sada a ideologia real. Quanto mais rezava, mais escravo ficava.

Passaram-se alguns séculos e entre os escravos surgia o descontentam(ento BA-

LANCIN, et all, 1987, p.5). Algum astuto lembrava que, no passado “éramos livres e

tínhamos um só Deus”. Outro astuto começou a perceber que, adorando os deuses do

faraó, bebiam a ideologia real. Foi assim que, por volta de 1280 a.C. surge ente os es-

cravos uma reação (Ex 1ss). Alguns líderes fizeram a conscientização popular. Seus lí-

deres eram Moisés ladeado por Aarão, Míriam, Josué, etc. Depois de longo período de

lutas, de fracassos e de sofrimento, o povo conseguiu se libertar da escravidão do Egito,

por volta de 1250 a.C. (Ex 12-14). Passando o Mar Vermelho, o povo agora está livre

(Ex 16).

O povo livre foi viver no deserto. Agora sem pátria, mas sem opressores. Neste

período começa a se formar a consciência de um Deus único, Javé5 (Ex 3). Foi assim

que os escravos libertos tomaram a consciência: “Os deuses servem aos interesses de fa-

raó. Javé é o Deus dos escravos. Enquanto os deuses servem para legitimar a escravi-

dão, Javé é o Deus da liberdade” (GALBIATI; ALETTI, 1991, p.76).

4 O rei construía muitos templos e financiava o culto aos seus deuses. Quem frequentava os templos do

rei bebia a ideologia real. Assim a religião era o ópio do povo (Marx) que mantinha os escravos submis-sos ao rei. 5 Entre os povos de Israel há vestígio, também de outros deuses: Elohim (plural), El, El Shaddai, etc.

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O povo, então, para não voltar à escravidão do Egito ou de outras nações, guar-

dou na memória o Deus Único (Javé) e com ele fez Aliança (Ex 19-24). Assim sendo,

todos os anos, quando se celebrava o aniversário da libertação (Páscoa = Passagem do

Mar Vermelho), eles celebravam esta aliança, ou seja, celebravam liturgicamente os

acontecimentos da libertação6. Assim estava fundada a religião judaica, ou javista e

também iniciou-se a Bíblia7.

Concluímos esta primeira parte dizendo: quando o povo conseguiu superar o cul-

to aos deuses do Egito, lembrando o Deus Único dos antepassados (tribos seminômades

– grupos abraâmicos), com isto conseguiu também vencer a manipulação ideológica do

rei. Desta forma o rei perdeu seu controle sobre os escravos e estes, com fé no Deus

Único, conquistaram a liberdade. Todos os anos faziam então memória da libertação,

celebrando os acontecimentos da passagem no Mar Vermelho (Páscoa, que até hoje é

celebrada pelos judeus). Fazem Aliança com este Deus que a eles se revela como Javé8.

Assim está fundada a religião judaica e também se inicia a formação da Bíblia. Logo, o

fundamento base da religião judaica é a descoberta de um Deus diferente que não é ma-

nipulado pelos reis, mas é o Deus dos escravos e a conquista da liberdade que o povo

conseguiu a partir deste Deus, bem como a Terra Prometida, decorrente desta descober-

ta.

6 Esta Páscoa é celebrada até hoje pelos judeus. Sua data está próxima da páscoa cristã.

7 A primeira memória da bíblia, ou seja, o primeiro embrião da Bíblia encontramos nos assim chamados

Credos Históricos: Dt 6,20-25; Dt 26,5-10 e Js 24. Sobre estes credos se construiu toda a Bíblia, no Antigo testamento. 8 Esta é a Antiga Aliança, ou Antigo Testamento. Aliás, só mesmo os cristãos chama isto de Antiga Alian-

ça ou Antigo Testamento, pois para o judaísmo só existe esta Aliança. Para eles só existe o Antigo Tes-tamento.

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1.2 – A Conquista da Terra

Quando o povo hebreu encontrou Javé, este lhe prometeu terra (Ex 3,7ss). Agora

o povo de Israel está livre, mas vive no deserto (Ex 16ss). Javé iria dar a terra dos ca-

naneus, heveus, jebuseus, etc.(BALLANCIN, et all, 1987, p.8). O povo passou quarenta

anos no deserto e o próprio Moisés morreu antes de entrar nas terras prometidas (Dt 34).

Depois da morte do líder Moisés, Josué conduz os escravos para dentro de Ca-

naã, que era a terra prometida (Js 1ss). Mas lá havia outras tribos residindo, os cana-

neus, os heveus, os jebuseus, etc. Josué, com suas tropas teve de levar luta renhida até

conquistar as terras. Aos poucos as terras caem nas mãos dos escravos libertos do Egito,

isto é, dos hebreus. As terras foram, então divididas em 12 tribos (Js 13ss) e Israel vi-

veu, de 1210 a.C. até 1030 a. C. numa confederação de tribos, chama-se isto de Sistema

Tribal. Neste tempo, anualmente os israelitas, ou hebreus celebravam a memória da

páscoa, mantendo assim viva a memória de Javé, o único Deus, aquele que quer a liber-

dade do SH 9GALBIATI; ALETTI, 1991, p.82).

Surge um problema: os países vizinhos têm seus reis, enquanto Israel só tem

uma confederação de tribos. Ora, um país que tem um rei, tem também um exército. O

sistema tribal de Israel nunca se preocupou em ter seu exército. Logo isto resultou em

um grave problema. Os países vizinhos faziam saques às tribos de Israel, levando seus

animais, suas colheitas, etc. Israel não tem como se proteger. Diante das ameaças de sa-

que, em Israel surgem líderes carismáticos que organizam a resistência e defendem o

povo (Jz 1ss). Mas, mesmo assim, quem tem um exército organizado sempre leva van-

tagem sobre uma confederação de tribos que só tem um exército ocasional. Foi assim

que o Sistema Tribal em Israel começou a entrar em crise e aos poucos se esfacelando

(1Sm 81ss). O Sistema Tribal funcionou, em Israel, de 1210 até 1030 a.C.

1.3 – A Monarquia em Israel

Diante do fracasso do sistema Tribal diante das ameaças externas e também in-

ternas, Israel implantou uma monarquia, por volta do ano de 1030 a.C. (1Sm 9ss). O

primeiro rei de Israel foi Saul (BALLANCIN, et all, 1987, p.14). Este governou por

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aproximadamente 20 anos. Ele caiu em desgraça (1Sm 15,1ss) e veio a falecer (1Sm

31). Seu sucessor foi Davi (1Sm 16ss), ele se torna rei em Israel (2Sm 2). Seu reinado

durou de 1010 até 970 a.C. Ou seja, governou por 40 anos. Ele deu a Israel uma grande

estabilidade econômica e política. Depois de sua morte, seu filho Salomão ocupou o

trono (1Rs 1ss). Este também governou por 40 anos. Cometeu alguns abusos graves.

Viveu no luxo (1Rs 10,14ss) e na licenciosidade e idolatria (1Rs 11,1-8)9. Com a morte

de Salomão, o reino de Israel rompeu em dois reinos (1Rs 12). Ficando assim, a parte

norte com o nome de Israel, ou Reino do Norte e a parte sul com o nome de Judá, ou

Reino do Sul (GALBIATTI; ALETTI, 1991, p.109). No sul sempre teve um descenden-

te de Davi no trono (davididas ou dinastia de Davi), já no norte houve uma sucessão de

monarcas. Uns depunham aos outros, os assassinavam e se faziam reis, coroando-se a si

mesmos (1 e 2 Rs).

Desta forma Israel se enfraqueceu. A religião, que fazia memória da libertação

dos escravos do Egito, agora legitimava a política dos reis. Bastava abrir a boca contra

os desmandos do rei e o sacerdote perdia seu emprego, vindo assim ele, e sua família10

,

a perecer de fome.

Neste período surge, em Israel uma nova classe: os profetas. Profetas, a grosso

modo, eram pessoas leigas, que tinham uma profunda experiência do Êxodo (libertação

do povo e da Aliança) e ao mesmo tempo sabiam das malandragens dos reis e podero-

sos. Assim, leigos que não dependiam do rei, tinham a coragem de abrir a boca e jogar

as verdades na cara do mesmo (Am 2; 7; Is 59, etc.).

1.4 – Os Dois Reinos e a derrocada

Por volta de 930 a.C. Israel rompeu em dois reinos (1Rs 12): reino do Norte, ou

Israel e Reino do Sul, ou Judá. No Reino do Sul sempre governou um descendente de

9 Salomão foi um rei perspicaz. Para manipular o povo a quem impunha pesado fardo, introduziu a idola-

tria em israel. Além desta maldade, ele construiu um templo para Javé ao lado do palácio real (1Rs 5,15ss). Com isto a classe sacerdotal passa a ser controlada pelo estado, ou seja, os sacerdotes viram funcionários públicos. Desta forma, o rei pode fazer o que lhe convém e ninguém pode levantar a voz, pois o rei é também o chefe dos sacerdotes. O pior ainda está por vir. Alguns séculos mais tarde, um descendente de Salomão, o rei Josias (610 a.C) manda destruir todos os demais templos de Isarel, cen-tralizando tudo no templo de Jerusalém. Assim, toda a religião é controlada pelo estado. 10

Os sacerdotes judeus não eram celibatários. Tinham família. Aliás, o sacerdócio era hereditário. Filhos de sacerdotes, se não fossem deficientes físicos ou mentais, necessariamente seriam sacerdotes.

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Davi, ou seja, um davidida. No norte houve sucessão de dinastias. Geralmente se tratava

de generais que assassinavam o rei e se autoproclamavam reis. Logo a seguir outro ge-

neral depunha, ou assassinava o novo rei. No Reino do Sul, com pequena exceção, sem-

pre houve a sucessão dinástica. Tudo isto pode ser lido nos dois livros dos Reis.

Em 722 a.C. o Império da Assíria invadiu o Reino do Norte e deportou grande

parte de seus moradores para a Assíria e trouxe assírios para morar em Israel (2Rs 17).

Desta mistura de raças e de religiões11

surgiram os samaritanos que tinham algumas ca-

racterísticas judaicas, mas também eram idólatras. Israel, como país e como reino, dei-

xou de existir oficialmente (BALANCIN, et all, 1987, p.20).

A partir de então, apenas o Reino do Sul (Judá) ainda continuava a levar em

frente o velho projeto de Israel, memória do Êxodo, ou a religião Javista. Mas Judá era

uma nação pequena, seu território era insignificante diante de grandes impérios que a

rodeavam: Egito, Babilônia, etc. Além de ser insignificante, estava situada geografica-

mente numa rota de trafego de caravanas que ligavam o Egito ao reino da Babilônia e de

outros reinos do norte. Assim, o pequeno país de Judá começou a despertar a cobiça das

grandes potências políticas de então.

Em 589 a.C. a Babilônia invade Judá (2Rs 24 e 25). Depõe seu rei e nomeia ou-

tro rei, trocando-lhe o nome. Mais tarde invade novamente e faz com que o rei veja a

degola de todos os seus filhos e depois cega o mesmo e o leva preso para a Babilônia,

onde este permanece um tempo na prisão e depois vive no palácio do rei da Babilônia,

até a morte (GALBIATI; ALETTI, 1991, p.138).

A Babilônia leva para o Exílio, muita gente de Jerusalém: sacerdotes, militares,

artesãos, ferreiros, etc. e deixa agricultores morando em Judá. Antes, porém, de se reti-

rar, arrasou com a cidade santa. Destruiu o templo, as casas e os muros da mesma. Os

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Os assírios tinham outras religiões. Cultuavam diversos deuses.

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remanescentes ficaram acéfalos, sem templo, sem líderes religiosos e sem líderes políti-

cos.

Até então, pouco daquilo que hoje é o Antigo Testamento, na Bíblia, existia co-

mo escrito. Tudo era Tradição Oral. A religião e os costumes eram transmitidos oral-

mente. Como a elite cultural foi exilada para a Babilônia, e lá o ambiente cultura era ad-

verso, um grupo de escribas, sacerdotes e pessoas capazes começaram a escrever suas

antigas tradições, pois temiam perder sua identidade e sua religião. Nasce, a partir de

então, a maioria dos livros bíblicos do Antigo Testamento. Hoje, ao abrirmos o Antigo

Testamento, folheamos livros que foram escritos no Exílio e no Pós-Exílio. Como afir-

mamos acima, antes deste período, poucos livros bíblicos existiam. Talvez algumas par-

tes do livro dos Salmos, de Amós, de Oséias, de Isaías e pouca coisa mais.

Concluindo, podemos afirmar que, quase todos os livros bíblicos que compõem

o Antigo Testamento, foram escritos no Exílio da Babilônia e no pós-exílio, ou seja, de

589 a.C. em diante. Sem o Exílio da babilônia, provavelmente não teríamos o Antigo

Testamento, como o temos, hoje.

1.5 – O Pós-Exílio (539 a.C. ss)

O Pós-exílio se divide em três momentos: Período Persa, Período Grego e Perío-

do Romano.

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1.5.1 – Período Persa (539 até 333 a.C.)

O Exílio da Babilônia durou aproximadamente 50 anos. Vai de 589 até 539 a.C.

Em 539 o rei da Pérsia se torna dono da Palestina (Israel Judá) (BALLANCIN, et all,

1987, p.26). Logo o rei baixa um decreto, permitindo que os judeus exilados possam

voltar para a sua pátria (Esd e Ne). Retornando à sua terra, Jerusalém estava destruída.

Sem casas, sem muro e sem templo. Esdras e Neemias lideram o povo na reconstrução

da cidade, do muro e do templo (BALANCIN, et all. 1987, p.26).

Neste período, o povo de Judá tem grande liberdade. Pode viver a sua religião,

seus costumes sem interferência dos persas. Estes apenas exigem os tributos anuais, mas

não há imposição cultural ou religiosa. Os judeus, agora se questionam: “Por que Deus

permitiu que caíssemos nas mãos dos Babilônios? Certamente foi por nossas faltas, no-

sas idolatrias, nossos pecados”. Começou-se, então a depurar os pecados. Para acabar

com a idolatria, criou-se uma ojeriza contra todos os estrangeiros. Em Judá havia muitas

pessoas casadas com mulheres não judias. Esdras tomou medidas extremas. Expulsou

todas as mulheres não judias com seus filhos para não deixar o povo santo de Judá com

vestígios de idolatria (Esd 9-10 e Ne 13,23ss). Isto gerou uma verdadeira neurose contra

estrangeiros, que a partir de então são vistos como impuros pelos judeus.

Neste período da volta do Exílio da Babilônia é que se assume o nome de Judeus

como símbolo de todos os israelitas, pois agora Judá é a única parte de Israel aonde ain-

da se vive a religião javista.

1.5.2 – Período Grego (333 até 64 a.C.)

Em 333, ou 331 a.C. Alexandre Magno (Império Grego) conquista grande parte

das terras ao redor do Mar Mediterrâneo. Assim Judá cai na mão do Império Grego

(BALANCIN, et all, 1987, p.28). Alexandre, porém, morre cedo, aos 33 anos. Seu vasto

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reino é dividido entre seus generais (Diádocos = sucessores). Destes generais, dois inte-

ressam para Judá: Ptolomeu e Seleuco (GALBIATI; ALETTI, 1991, p.142).

O general Ptolomeu, filho de Lagos (por isto sua dinastia é conhecida como Lá-

gidas) se instalou em Alexandria, no Egito e de lá governou uma parte do antigo Impé-

rio Grego. Judá foi dominada pelos Lágidas desde 301 a.C. até 197 a.C. Neste período

Judá teve certa paz. Podiam praticar sua religião e viver sua vida, mas foram obrigados

a pagar tributos anuais,

Em 197 a.C. os descendentes de Seleuco, que se tornara rei na região da Babi-

lõnia de uma parte do Império Grego, tomaram Judá dos Lágidas e aí a situação se

complicou para os judeus. Os Selêucidas começaram a impor sua cultura e suas religi-

ões aos judeus. Estes se dividiram. Alguns aceitavam esta imposição, mas outros prefe-

riram morrer a assimilar a cultura e a religião dos opressores. Neste período foi derra-

mado muito sangue. Um grupo de judeus se organizou e fez guerra aos Selêucidas. Tra-

ta-se dos Macabeus, também conhecidos como Asmoneus (1 e 2 Mc). Este grupo de ter-

roristas conseguiu importantes vitórias contra os gregos. Praticamente conseguiram re-

conquistar o antigo território de Israel, como era antes da divisão (Reino do Norte e

Reino do Sul).

1.5.3 – O Período Romano (64 a.C até 135 d.C.)

Em 64 ou 63 a.C. o Império Romano destrói o que ainda restou do Império Gre-

go e se torna o novo dono da palestina (Israel e Judá). Quando nasce Jesus, Israel vive

uma situação trágica (BALANCIN, et all, 1987, p.31). A parte norte está há 722 anos

sem independência e a parte sul, há 589 anos de submissão 9GALBIATI; ALETTI,

1991, p.176).

O povo judeu esperava a vinda de um Messias (descendente de Davi) para reins-

taurar o Reino de Israel, assim como outrora Davi o fez. O povo esta descontente com a

situação. Anualmente pagavam imposto para o imperador romano, mas tinham certa li-

berdade de vida. Podiam praticar sua religião (SAULNIER; ROLLAND, 1983, p.37ss).

O poder romano na Palestina era exercido da seguinte maneira: em Israel nos

tempos Jesus, havia o rei Herodes. Ele era rei local. Era vassalo de Roma. Ele cuidava

da organização interna. Os romanos só cuidavam de receber anualmente seus impostos.

Fora isto o rei cuidava dos assuntos internos da política. Com a morte de Herodes, seus

filhos se dividiram o país, mas sendo Jerusalém uma região conturbada, Roma interveio

e depôs Arquelau, filho de Herodes e colocou um procurador do imperador para cuidar

de Judá. Nos tempos da morte de Jesus, este procurador era Pôncio Pilatos. Além do rei,

Page 12: O JUDAÍSMO - estef.edu.brsmo.pdf · O JUDAÍSMO Bruno Glaab Símbolos: Estrela de Davi, criada por uma seita judaica do século XII. Está na bandeira de Israel. Menorá : candelabro

e do procurador, existia o Sinédrio (SAULNIER; ROLLAND, 1983, p.55). O Sinédrio

era um tribunal (conselho de 70 anciãos) presidido pelo Sumo sacerdote (papa judeu). O

Sinédrio cuidava de todos os casos internos de justiça. Para condenar alguém à morte

precisava da assinatura dos romanos.

O povo de Israel fez muitos levantes para buscar sua independência de Roma.

Entre 66 e 70 d.C. houve a Guerra Judaica. Roma reagiu e massacrou os judeus. No ano

70 d. C. Jerusalém foi destruída, juntamente com o templo. Os judeus foram dispersos

pelas regiões vizinha. Mas as lutas de resistência continuaram e em 135 d.C. Jerusalém

foi lavrada, arrasada e definitivamente destruída. Proibiu-se aos judeus de nela entrar.

Lá se criou uma pequena vila para tropas romanas, mudando-lhe o nome para Aelia Ca-

pitolina.

A partir de então, Jerusalém foi povoada e dominada pelos mais diverso grupos

étnicos. Somente em 1948 Israel é novamente recriado como estado por uma decisão da

ONU. Os judeus, então, dispersos pelo mundo inteiro, financiaram a compra de terras e

muitos judeus voltaram para Israel. Hoje se fala em 80% da população de Israel ser de

judeus, 15% de muçulmanos e 5% de cristãos.

BIBLIOGRAFIA

BALANCIN, E. et all. Guia aos mapas da Bíblia. São Paulo: Paulus, 1987

COOGAN, M. (Org). Religiões: História, tradições e fundamentos das principais

crenças religiosas. São Paulo: Publifolha, 2007

GALBIATI, E.R.; ALETTI, A. Atlas Histórico da Bíblia e do Antigo Oriente. Petró-

polis: Vozes, 1991

SAULNIER, C; ROLLAND, B. A Palestina no Tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas,

1983, col. Cadernos Bíblicos, n.27