O Jornalismo nas Rádios Comunitárias

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Dissertação de Cilto José Rosembach - PUC -SP, 2006

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  • 1. CILTO JOS ROSEMBACHO Jornalismo nas Rdios ComunitriasPrograma de Ps-Graduao em Comunicao e Semitica Pontifcia Universidade Catlica de So PauloSo Paulo2006

2. CILTO JOS ROSEMBACHO Jornalismo nas Rdios ComunitriasDissertao apresentada Banca Examinadora daPontifcia Universidade Catlica de So Paulo, comoexigncia parcial para obteno do ttulo de mestre emComunicao e Semitica, sob a orientao do Prof. Dr.Jos Luiz Aidar Prado. Programa de Ps-Graduao em Comunicao e SemiticaPontifcia Universidade Catlica de So Paulo So Paulo 2006 3. FOLHA DE APROVAO Banca Examinadora _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ 4. AGRADECIMENTOS Ao professor Jos Luiz Aidar Prado, meu orientador, pelo acolhimento,compreenso e contribuies para que este trabalho se concretizasse. Aos professores e colegas do Programa de Ps-Graduao em Comunicao eSemitica, pela convivncia e aprendizagem. Aos colegas das rdios comunitrias do Brasil que lutam pela democratizao dacomunicao; Equipe da Associao Cantareira, principalmente aos comunicadorespopulares da Rdio Cantareira FM, que muito contriburam e inspiraram este trabalho.A Jos Severino da Silva e equipe da Rdio Nova Esperana, Vila Esperana,Cubato/SP, que abriram as portas para que a pesquisa se realizasse. Janis, que auxiliou no debate deste trabalho, motivou e colaborou na revisodos textos e apostou na possibilidade da realizao desta pesquisa. Juara, pelo debate sobre a rdio comunitria e por assumir projetos semmedir sacrifcios, possibilitando este perodo de estudo. Ao Daniel Francis, que compartilhou a sistematizao dos trabalhos, peloincentivo, investimento e motivao diria. minha famlia, que distncia me apoiou. A todos que contriburam para que esta pesquisa se concretizasse. Muito obrigado! 5. RESUMOO presente estudo analisa o jornalismo nas rdios comunitrias a partir doparadigma da comunicao popular, alternativa e da contextualizao histrica dasrdios comunitrias no Brasil.A programao jornalstica de duas rdios comunitrias no Estado de SoPaulo analisada a partir do referencial terico que elucida a comunicao popular eprioriza os conceitos de jornalismo popular. So analisadas a Rdio Cantareira FM107,5, de Vila Isabel, distrito de Brasilndia, So Paulo, capital, no ar desde 1995, e aRdio Nova Esperana FM 87,9, de Vila Esperana, Cubato/SP, no ar desde 2003.Nas consideraes finais, baseadas em estudos de caso, apresentamos aspossibilidades de contribuio do jornalismo comunitrio para a democratizao dacomunicao e a construo da cidadania. So tambm apontados os limites e osdesafios desse paradigama de comunicao.Palavras-chave: comunicao popular, jornalismo comunitrio, rdio comunitria. 6. ABSTRACT The present study analyzes journalism in community radios from the paradigmof alternative, grassroots communication. The analysis is done from the historicalcontext of community radios in Brazil. This work uses the case study as the methodological basis and examines theprogramming of community journalism in two community radios in the state of SoPaulo from a theoretical reference that clarifies grassroots communication andemphasizes the concepts of community journalism. Two community stations, Radio Cantareira FM 107.5 Vila Isabel, District ofBrasilndia, So Paulo, capital, on the air since 1995 and Radio Nova Esperana FM87.9, Vila Esperana, Cubato, So Paulo, on the air since 2003, are analyzed. In the final considerations, based on the studies done, we present the possibilitiesof the contribution of community journalism to the democratization of communication,and to the construction of citizenship. It also shows the limits and challenges of thisparadigm of communication.Key words: grassroots communication, community journalism, community radio. 7. LISTA DE SIGLASAbert Associao Brasileira de Rdio e TelevisoAbrao Associao Brasileira das Rdios ComunitriasAESP Associao das Emissoras do Estado de So PauloAmarc Associao Mundial das Rdios ComunitriasAnatel Agncia Nacional de TelecomunicaesAncarc Associao Nacional Catlica das Rdios ComunitriasBB Banco do BrasilBBC British Broadcasting CorporationCD compact discCDH Comisso de Direitos HumanosCeladec Comisso Evanglica Latino-Americana de Educao CristCenpec Centro de Estudos e Pesquisa em Educao, Cultura e AoComunitriaCMT Companhia Municipal de TrnsitoComacon Coordenadoria de Assuntos da comunidade NegraCRIS Communication Rights in the Information Society (Direito Comunicao na Sociedade da Informao)CTA Centro de Testagem e AconselhamentoDieese DepartamentoIntersindicalde Estatstica e EstudosSocioeconmicosDOU Dirio Oficial da UnioDPF Delegacia da Polcia FazendriaEneco Associao Nacional de Estudantes de Comunicao SocialEUA Estados Unidos da AmricaFAE Faculdade de EducaoFDRC Frum pela Democratizao das Rdios ComunitriasFenaj Federao Nacional dos JornalistasFM freqncia moduladaFNDC Frum Nacional de Democratizao da ComunicaoGTI Grupo de Trabalho InterministerialHIV Human Imunnedeficiency VirusLIDE Lei de Informao DemocrticaMC Ministrio das Comunicaes 8. MCM Meios de Comunicao de MassaMD MinidiscoMEB Movimento de Educao de BaseMNRL Movimento Nacional das Rdios LivresMOVA Movimento de Alfabetizao de Jovens e AdultosMPB Msica Popular BrasileiraMST Movimento dos Trabalhadores Sem-TerraONG Organizao No-GovernamentalONU Organizao das Naes UnidasPCC Primeiro Comando da CapitalPMC Prefeitura Municipal de CubatoPSDB Partido da Social Democracia BrasileiraPT Partido dos TrabalhadoresPUC Pontifcia Universidade CatlicaRBS Rede Brasil SulRPM rotaes por minutoRVSF Rdio Vozes Sem FronteirasSBT Sistema Brasileiro de ComunicaoSeade Fundao Sistema Estadual de Anlise de DadosSenac Servio Nacional de Aprendizagem ComercialSomeve Sociedade de Melhoramentos da Vila EsperanaSPU Secretaria do Patrimnio da UnioUBS Unidade Bsica de SadeUFMG Universidade Federal de Minas GeraisUnesco Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaUSP Universidade de So PauloVicom Vicariato das Comunicaes 9. SUMRIOIntroduo ............................................................................................................................. 111 Comunicao popular alternativa ............................................................................. 23 1.1 A comunicao, um direito universal ....................................................................... 23 1.2 Caracterizao da comunicao popular .................................................................. 28 1.3 Principais caractersticas da comunicao popular nos movimentos populares ....... 30 1.4 Os meios de comunicao alternativos e a democratizao ..................................... 33 1.5 Comunicao e cidadania ......................................................................................... 352 A construo da rdio comunitria no Brasil ........................................................ 38 2.1 Instituio do termo rdio comunitria ................................................................. 44 2.2 O que ser comunitrio ............................................................................................ 45 2.3 O movimento de radiodifuso comunitria no Brasil ............................................... 47 2.4 O direito de existncia e de articulao das rdios comunitrias ............................. 49 2.5 Cdigo de tica das rdios comunitrias no Brasil ................................................... 53 2.6 A legislao da rdio comunitria ............................................................................ 54 2.7 A lei reconhece a existncia das rdios comunitrias ............................................... 55 2.8 A represso contra as emissoras comunitrias .......................................................... 56 2.9 Panorama das rdios comunitrias em 2005 ............................................................. 63 10. 2.10 Dificuldades e contradies .................................................................................... 65 2.11 Lei de So Paulo ..................................................................................................... 68 2.12 Sem concesses para So Paulo ............................................................................. 69 2.13 Rdio comunitria e a construo da cidadania ...................................................... 703 Jornalismo nas rdios comunitrias: exemplificao de dois casos .................. 73 3.1 Jornalismo comunitrio ............................................................................................ 733.1.1 O papel do jornalista comunitrio .................................................................. 77 3.2 Contexto sociogeogrfico da Vila Esperana ........................................................... 82 3.2.1 A fundao da Rdio Nova Esperana FM 87,9 ............................................ 863.2.2 Grade de programao da Rdio Nova Esperana FM 87,9 .......................... 873.2.3 Contedo e estrutura dos programas da Rdio Nova Esperana FM 87,9 .... 88 3.3 Contexto do Distrito de Brasilndia ......................................................................... 913.3.1 Histrico da Rdio Cantareira FM 107,5 ....................................................... 93 3.3.2 Grade de programao da Rdio Cantareira FM 107,5 ................................. 973.3.3 Contedo e estrutura dos programas da Rdio Cantareira FM 107,5 ............ 98 3.4 Exemplos de atuao das rdios na realidade comunitria local .............................. 102 3.5 A comunidade participa da programao na rdio comunitria ............................... 103 3.6 A gesto das rdios comunitrias ............................................................................. 110 3.7 Descrio dos programas de rdio ............................................................................ 112 11. 3.7.1 O foco da notcia e dos fatos .......................................................................... 1153.7.2 A entrevista .................................................................................................... 1163.7.3 Agenda temtica ............................................................................................ 120 3.7.4 A conscientizao, a mobilizao e a transformao social so propostas nos programas? .............................................................................................................. 121 3.8 O jornalismo comunitrio favorece a democratizao da comunicao .................. 1224 Consideraes finais .....................................................................................................124Bibliografia ........................................................................................................................... 127ANEXO 1 Programas de rdio analisados texto transcrito ............................................ 135ANEXO 2 Parte da legislao sobre comunicao social e radiodifuso ......................... 167ANEXO 3 Regimento interno da Rdio Cantareira FM 107,5 .......................................... 168ANEXO 4 DVD audiovisual do contexto das rdios Cantareira FM e Nova Esperana FM .... 170ANEXO 5 CDs com os trs programas de rdio analisados ............................................. 171 12. 11Introduo O rdio o jornal de quem no sabe ler; o mestre de quem no pode ir escola; o divertimento gratuito do pobre; o animador das novas esperanas; o consolador do enfermo; o guia dos sos, desde que o realizem com esprito altrusta e elevado. (Roquette Pinto apud TAVARES, 1997, p. 8) A comunicao popular uma proposta desenvolvida pelas organizaes popularestendo em vista ser um meio que contribui para a transformao social. Surge da necessidadedas classes populares de expressar e reclamar seus direitos, utilizando para isso meiosalternativos para comunicar. Como caracterstica primeira, a comunicao popular se definecomo aquela em que o emissor e o receptor so da mesma classe. Ou seja, existe comunicaopopular quando a linguagem popular e sua mensagem se ope comunicao burguesa. A emergncia da comunicao popular d-se por volta dos anos 1930, mas tem suaacentuao aps 1964. Anteriormente aos anos 1960, chamava-se de imprensa alternativaaquela que se contrapunha ao modelo capitalista. Possivelmente, a denominao alternativadeva-se ao fato de o Movimento Democrtico e Popular do Ocidente propor discusses demaneiras alternativas de vida e de experincias comunitrias. A comunicao popular surge vinculada s prticas sociais dos movimentos coletivosque atuam para a realizao da democracia e a utilizam para veicular seus contedos emmeios de comunicao diferenciados da chamada grande imprensa. Nesse patamar, a nova comunicao representou um grito, antes sufocado, de denncia e reivindicao por transformaes, exteriorizado, sobretudo em pequenos jornais, boletins, alto-falantes, teatro, folhetos, volantes, vdeos, audiovisuais, faixas, cartazes, psteres, cartilhas e etc. (PERUZZO, 1999, p. 115) No contexto de comunicao popular, so implantadas no Brasil, na dcada de 1970,as rdios livres. Essas se contrapem aos meios de comunicao de massa, que estavamconcentrados nas mos de poucos grupos, detentores de concesso do Poder Executivofederal. As rdios livres atuavam sem o controle do Estado e se apoiavam: 13. 12 No direito livre expresso da atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao, independentemente de censura ou licena conforme artigo 5, inciso 9 da Constituio Federal. O fato de as rdios ou TVs livres se estabelecerem revelia de uma regulamentao especfica faz com que elas surjam e desapaream, conforme interesses individuais ou grupais. Geralmente so emissoras de cunho poltico-partidrio e cultural. (BEOZZO, 2006, p. 71) A primeira rdio livre de que se tem registro, no Brasil, a Rdio Paranica, deVitria /ES, fundada em outubro de 1970. Em 1976, surge a Rdio Spectro, de Sorocaba/SP.Em 1978, surgiu, em Cricima/SC, a rdio livre chamada Rdio Globo. Outra experinciapioneira foi a Rdio Reverso, nascida de um projeto cultural na Zona Leste da capitalpaulista, em 1975, sob a orientao do jornalista Valionel Toms Pigatte, conhecido comoLo Toms. Na dcada de 1980, surgiram dezenas de rdios livres na capital paulista, dandoorigem organizao da Cooperativa dos Rdios-Amantes (Rdio Tot, Rdio Ternura, RdioXilik, Rdio Trip, Livre Gravidade), que lanaram at um manifesto no qual afirmam queiniciaram uma reforma agrria no ar. A partir de 1980, surgiram no Pas as primeiras experincias de uso de alto-falantes1como mais uma opo de comunicao alternativa. Em 1983, em So Miguel Paulista, cidadede So Paulo, acontecem experincias de rdios populares com alto-falantes. O movimentodessas rdios na Zona Leste realizou em 1985 o primeiro encontro de rdios alto- falantes,com a participao de 30 representantes para discutir as diferenas entre rdio popular e rdiocomercial. Desse encontro, concluiu-se que: A rdio popular ou comunitria fala dos interesses do povo; deve comunicar a vida do povo; mobilizar as comunidades para aes comunitrias; entreter o povo e promover os valores artsticos e culturais do povo. (COGO, 1998, p. 105) Naquele contexto, os movimentos sociais da Zona Leste lutavam pelo direito de umacomunicao alternativa em que o povo fosse sujeito do processo. Eram representantes de1A rdio alto-falante funcionava com poucos equipamentos: um amplificador, um toca-discos ou aparelho decassete, um ou dois microfones, alguns discos de vinil ou fitas cassete. A transmisso era emitida por duas ouquatro cornetas alto-falantes, geralmente instaladas em igrejas ou associaes. A rdio funcionava algumashoras por dia, a critrio da comunidade, principalmente quando havia maior fluxo de pessoas. Suaprogramao era totalmente voltada para a comunidade, com a sua participao, e gerenciadas por grupos dacomunidade. 14. 13organizaes populares e no-governamentais 2 que defendiam o direito de comunicao pelomeio rdio comunitria. Entre 1985 e 1987, segundo COGO (1998, p. 106), cerca de 40 rdios comunitriasoperavam na regio leste da capital paulista, praticamente todas instaladas em igrejascatlicas.Na dcada de 1990 intensificou-se, no cenrio brasileiro, a discusso sobre acomunicao popular alternativa. Naquele perodo, ocorreu a proliferao das rdioscomunitrias no Brasil, em especial nas periferias dos grandes centros urbanos, porm comutilizao do sistema de transmisso eletromagntica (transmissores fabricados de modoartesanal) e no mais com cornetas alto-falantes.Em fevereiro de 1991 foi realizado o primeiro encontro de representantes das rdiospopulares (na forma de rdios alto- falantes) a partir das experincias que surgiam em diversosestados, dando-se incio ao processo de organizao do primeiro encontro nacional das rdiospopulares, que aconteceu em setembro de 1992, em Nova Iguau, no Rio de Janeiro. Esseencontro possibilitou a articulao nacional do movimento pela comunicao popularcomunitria.Em novembro de 1995 se institucionalizou o termo rdio comunitria, no I EncontroNacional de Rdios Livres Comunitrias, definidas como aquelas que tm gesto pblica,operam sem fins lucrativos e tem programao plural. Elas encaixam-se no perfil daschamadas rdios de baixa potncia. Presume-se que existam atualmente pelo menos 5.500emissoras desse tipo ao longo do territrio nacional, mas estimativas mais otimistas falamem 7.000 e at 10.000. (PERUZZO, 1999, p. 252-253)Essas emissoras de baixa potncia ganharam o ar no pas, principalmente nos bairrosda periferia das grandes metrpoles, porque as organizaes perceberam que o custo erarelativamente baixo e era possvel reunir recursos para construir um meio prprio decomunicao. As equipes de comunicao que atuavam nessas rdios eram preparadas pormeio de cursos bsicos de comunicao.2Esses grupos eram compostos principalmente por representantes das Comunidades Eclesiais de Base,Movimento de Alfabetizao, Pastorais Sociais e Centro de Defesa dos Direitos Humanos. 15. 14As rdios comunitrias existem para promover o desenvolvimento social, cultural, polticoe comunitrio, buscando o exerccio pleno da cidadania. Tais aspectos so desprezadospelas atuais emissoras comerciais, que tm, como nico objetivo, o lucro. As emissorascomunitrias, portanto, tm um papel de suma importncia na histria. (CARTILHA...,2004, p. 6-7) O jornalismo popular, comunitrio, presente nas rdios comunitrias, trabalha comaquilo que passageiro, transitrio, circunstancial e fragmentrio na vida da comunidade. Eleacompanha a evoluo histrica da comunidade. Um dos conceitos de jornalismo popular apresentado no manual de jornalismo produzido pela Comisso Evanglica Latino-Americanade Educao Crist (Celadec):Frente ao jornalismo dos opressores, a criatividade dos setores populares gera umaalternativa prpria: o jornalismo popular. Por setores populares se entende o conjunto declasses e camadas sociais que procuram num determinado momento histrico, mudarprogressivamente a sociedade e criar as condies propcias para levar at o fim essamudana. Nessa perspectiva, o jornalismo popular uma atividade de maior importncia.As informaes veiculadas nesses jornais representam os interesses dos oprimidos,colocando sua prtica social e tambm as alternativas de sua luta pela libertao.(CELADEC, 1984, p. 8-9) Na democracia representativa, a populao ainda espera que as questes sociais sejamencaminhadas e solucionadas por seus representantes eleitos. Pensa-se apenas nomacrossistema, uma comunicao geral, global, em detrimento da comunicao local.Permanece a dicotomia entre o local e global. Continua o desafio de pensar o local sem perderde vista a dimenso global e pensar o global sem perder de vista o local. As minorias nemsempre so representadas pelos que chegam ao poder poltico, pois no fcil ele ger umparlamentar que as represente.Os grupos mais vulnerveis socialmente, os setores sociais menos favorecidos e as etniasminoritrias no conseguem que os seus interesses sejam representados no sistema polticocom a mesma facilidade dos setores majoritrios ou economicamente mais prsperos.(SANTOS, 2003, p. 54) O Brasil uma sociedade com longa tradio de poltica autoritria. O sistemaneoliberal tem fortalecido trs latifndios estratgicos de poder: o capital financeiro, das terras 16. 15e das comunicaes. Trata-se de um sistema poltico caracterizado pela marginalizao dapopulao e do clientelismo que manteve um modelo de comunicao autoritrio /dominador.Da a necessidade de aprofundar-se na seguinte direo:Os processos de libertao e os processos de democratizao parecem partilhar umelemento comum: a percepo da possibilidade da inovao entendida como participaoampliada de atores sociais de diversos tipos em processo de tomada de deciso. Em geral,estes processos implicam a incluso de temticas at ento ignorado pelo sistema poltico, aredefinio de identidades e vnculos e o aumento da participao, especialmente no nvellocal. (SANTOS, 2003, p. 59) Esse processo de participao democrtica requer que as pessoas, grupos,comunidades, organizaes tenham assegurados espaos para a chamada voz pblica, em quea conversa possibilite a interao e a formulao de novas propostas de ao. Por essa razo,h necessidade de construir-se uma poltica pblica de comunicao popular que possibilite oacesso de toda a populao aos meios alternativos de comunicao. A democracia participativa requer uma comunicao construda com a participaodos cidados por meio de projetos que tenham incidncia social significativa. A participaodas pessoas condio essencial no processo de democratizao dos meios de comunicao.Assim,A democracia de uma nao fundamenta-se em cidados dignos, possuidores de direitosiguais, alm de deveres correspondentes. Para que algum possa ser verdadeiramentecidado, fundamental que participe da construo de sua cidade, de seu pas, atravs daapresentao de seu projeto. Essa s pode dar-se atravs da comunicao, como faziam osantigos gregos. S recebia o ttulo de cidado quem falasse, apresentando seu projeto. Aparticipao na comunicao , pois, condio indispensvel para a cidadania.(GUARESCHI, 2005, p. 13, grifo do autor) As rdios comunitrias constituem um desses meios alternativos de comunicao quepossibilitam a participao, a manifestao cultural do povo de determinada regio. umespao de exerccio da cidadania. A comunidade fala, participa e contribui no processo.Os direitos livre manifestao do pensamento e de informar e ser informado constituemdireitos fundamentais, reconhecidos expressamente pela Constituio. Logo, tm 17. 16implicao imediata, independentemente da ausncia de lei. Desse modo, para se instalarum jornal, no h necessidade de se pedir autorizao ao governo federal, estadual oumunicipal. Nem pode o governo, mediante lei, inviabilizar o livre exerccio desse direitofundamental. No entanto, pode e deve regulamentar seu uso, afim de proteger as pessoas deataques caluniosos, difamatrios ou injuriosos, que venham a macular suas honras eimagens. O mesmo acontece em relao s rdios comunitrias. Elas devem existir, pois docontrrio estar-se-ia anulando um direito fundamental, talvez o mais expressivo depois davida, que o direito de livremente trocar idias e de se comunicar. (SILVEIRA, 2001, p.25) A comunicao uma necessidade vital do ser humano. A Declarao Universal dosDireitos Humanos, aprovada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, garante a comunicaocomo um direito fundamental. Na prtica, nem sempre toda a populao tem acesso a essedireito. No Brasil os meios de comunicao de massa tornaram-se gigantescosempreendimentos comerciais, polticos e econmicos que facilmente servem de mecanismosideolgicos sustentao do pensamento nico das classes dominantes. Por isso, acomunicao popular parte da necessidade do prprio povo de expressar-se livremente a partirde sua realidade.Todo ser humano tem direito a liberdade de opinio e expresso; esse direito inclui aliberdade de, sem interferncias, ter opinies e de procurar, receber e transmitirinformaes e idias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras. ( art. 19 daDeclarao Universal dos Direitos Humanos)Objetivo e justificativa da pesquisa O objetivo desta pesquisa investigar o jornalismo comunitrio construdo naprogramao das rdios comunitrias. Observaremos tambm se as rdios comunitrias estoem consonncia com as caractersticas da comunicao popular. Essa anlise feita a partir dacontextualizao histrica das rdios comunitrias no Brasil. Escolhi o jornalismo comunitrio como tema desta pesquisa porque atuo h mais de10 anos em rdio comunitria e, durante esse perodo, pude constatar que um meio decomunicao popular que, alm de ter sua programao voltada para os interesses dacomunidade local, possibilita a participao efetiva da populao por meio de entrevistas,reportagens, cartas, telefone, gravaes, debates ou ao vivo no estdio. 18. 17 Pesquisar o jornalismo veiculado em rdios comunitrias significa elencar elementosrelevantes que caracterizam o servio de radiodifuso comunitria, assim como trazer tona ojornalismo praticado nessas rdios. Esta pesquisa aponta a existncia das rdios comunitrias pautadas nos princpios dademocracia da comunicao popular. Ao pesquisar a prtica jornalstica das emissoras possvel identificar elementos de anlise para compreender o exerccio da cidadania nacomunicao da rdio comunitria e questionar se ela favorece a democratizao dasestruturas sociais e dos meios de comunicao. Este estudo busca contrib uir para compreendermos como o jornalismo efetivado nasemissoras comunitrias pode garantir o direito expresso, participao, diversidade deopinio e ao desenvolvimento de aes de cultura, educao e solidariedade para a liberdade. Prope tambm contribuir com o debate em defesa da luta pela democratizao dacomunicao e da regulamentao das rdios e TVs comunitrias defendida pelosmovimentos de comunicao popular, sendo uma forma de registro e sistematizao deprticas de jornalismo comunitrio de duas emissoras de rdio comunitria.Fundamentao terica e metodologia de pesquisa Nesta pesquisa, pretende-se observar o jornalismo comunitrio na programao deduas rdios comunitrias no estado de So Paulo: a Rdio Cantareira FM 107,5, de VilaIsabel, So Paulo, capital, no ar desde 1995, e a Rdio Nova Esperana FM 87,9, de VilaEsperana, Cubato/SP, no ar desde 2003. A escolha dessas emissoras deve-se ao fato de situarem-se em realidades distintas: aCantareira FM est na periferia da cidade de So Paulo, contextualizada na vida urbana, e aRdio Nova Esperana FM est localizada no litoral de So Paulo, em uma regio demangue 3 . A diferena entre os dois locais grande, da a diferena no modo de as emissorasfazerem a programao, mesmo estando as duas rdios imbudas da filosofia da rdiocomunitria.3A descrio das reas onde atuam as rdios feita no Captulo 4. 19. 18 Esta pesquisa inscreve-se no mbito da pesquisa qualitativa, em que se pode, pelacompreenso da dialtica, observar e analisar as contradies existentes no fenmenoestudado. Nesse sent ido a delimitao do problema surge da explorao do contexto einformaes que o pesquisador tem com o objeto pesquisado, conforme aponta Chizzotti(2005, p. 81):[...] pressupe uma imerso do pesquisador na vida e no contexto, no passado e nascircunstancias presentes que condicionam o problema. Pressupem, tambm, uma partilhanas experincias e percepes que os sujeitos possuem desses problemas, para descobrir osfenmenos alm de suas aparncias imediatas. Partindo dessa compreenso, utilizo como estratgia de investigao o estudo de casopara coletar, organizar, analisar e registrar os dados.O caso tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto parafundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma interveno. consideradotambm como um marco de referncia de complexas condies socioculturais queenvolvem uma situao e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade deaspectos globais, presentes em uma dada situao. (CHIZZOTTI, 2005, p. 102) Observaremos como as caractersticas da comunicao popular e do jornalismocomunitrio alternativo efetivam-se nas prticas das rdios comunitrias. As principaiscaractersticas das rdios comunitrias a serem analisadas so: a expresso de um contexto deluta, o contedo crtico/emancipador, o espao de expresso democrtica, tendo o povo comoprotagonista e os fatos e temas de interesse da comunidade como foco das construestextuais desse tipo de comunicao. Para exemplificar como se d o jornalismo nas rdios comunitrias, so consideradostrs programas radiofnicos com diferentes caractersticas e de temtica variada, formalizadoum recorte metodolgico para a conduo dessa pesquisa. Na Rdio Cantareira FM 107,5, escolhi os programas: Meu Caro Amigo e Espaodas Comunidades. O programa Espao das Comunidades vai ao ar diariamente, das 18h20s 19h, e apresentado por Juara Terezinha Zottis, com a participao de pessoas da equipeda emissora e da comunidade, por telefone ou em entrevista no estdio. O programa est 20. 19organizado em dois blocos. O primeiro apresenta temas de carter formativo-reflexivo, quepossibilitam a formao de opinio pblica. A pauta do programa prope que, nodesenvolvimento do contedo, sejam tocadas msicas relacionadas com o tema apresentado.Tambm so veiculados spots institucionais sobre sade, educao, segurana, meioambiente, poltica, cidadania e outros. H, ainda, vinhetas que ajudam na dinamizao doprograma e na caracterizao da emissora. No segundo bloco so veiculadas notcias,convites, informes das comunidades, das associaes, das redes de organizaes da regio, defruns regionais, grupos culturais, de utilidade pblica entre outros. O programa Meu Caro Amigo, apresentado por Gilberto Cruz e co-produzido pelasua esposa, Meire Cruz, vai ao ar aos sbados, das 9h s 10h. Ele aborda temas da conjunturascio-poltica, religiosa e econmica, em forma de debate com convidados no estdio e com aparticipao do ouvinte pelo telefone. O programa tambm toca msicas que favorecem acompreenso do tema debatido. A preferncia musical pela Msica Popular Brasileira(MPB). Na Rdio Nova Esperana FM 87,9, de Cubato, optei pelo programa: Voz daComunidade, apresentado de segunda a sexta- feira, das 8h30 s 9h30, por Jos Severino daSilva (conhecido pelo apelido Mido). Esse programa incentiva e divulga trabalhoscomunitrios como festas, cursos, atividades culturais, mutires, reunies, memria histrica,incentiva a participao do povo em organizaes, movimentos populares, comunidadeseclesiais e informa a populao. So assuntos de interesse local, com o objetivo de construircidadania, denominados os 12 mandamentos da comunidade envolvendo a cidade: emprego,educao, transporte coletivo e alternativo, sade, habitao, desenvolvimento social, cultura,crianas, adolescentes e idosos, segurana, meio ambiente, cidadania, esporte e lazer. H participao dos ouvintes moradores da regio, por telefone, e tambm aparticipao no estdio, ao vivo, j que a emissora est localizada no meio da favela. O referencial terico que d suporte para as reflexes desse estudo composto porautores que auxiliam a discusso e a compreenso das temticas propostas pela comunicaopopular e pelo jornalismo comunitrio. Tambm citamos algumas pesquisas de mestrado edoutorado que analisaram diferentes aspectos da comunicao comunitria no Brasil.Para as reflexes sobre a comunicao popular alternativa e o movimento das rdioscomunitrias, os principais autores utilizados para o estudo desses temas so: 21. 20 A partir das contribuies de Ceclia Maria Krohling Perruzo (1999), estabelecem-seos marcos de surgimento da comunicao comunitria e suas caractersticas e observa-sehistoricamente o vnculo entre o movimento popular e o movimento das rdios comunitrias. Denise Maria Cogo (1998) descreve a trajetria de emissoras comunitrias de alto-falantes na dcada de 1980 no Brasil e na Amrica Latina e como se d a recepo dessacomunicao pelos membros da comunidade. Tambm analisa as relaes entre acomunicao popular e a comunicao massiva e prope a compreenso do universo culturaldos produtores e receptores para a reorientao dos projetos de comunicao comunitria. Boaventura de Sousa Santos (2003) traz reflexes i portantes para compreendermcomo a democracia ainda precisa ser construda, o que permitiu observar que as rdioscomunitrias so um dos meios para que ocorra a participao, a tomada de deciso e gestode situaes em nvel local. Os textos organizados por Jose Oscar Beozzo (2006) trazem um panorama dasituao atual dos meios de comunicao no pas e os meios alternativos para a comunicaoser feita por todas as pessoas. A legislao e o processo de democratizao da comunicao so discutidos tendocontribuies com referncia nos seguintes autores: Armando Coelho Neto (2002) discute e sugere que radiodifuso comunitria umdireito e apresenta o aparato jurdico no qual se baseia: a Constituio Federal e o PactoInternacional de Comunicao, do qual o Brasil signatrio. Paulo Fernando Silveira (2001) registra de maneira clara uma discusso sobre aprtica da polcia federal e da Anatel diante das rdios comunitrias e aponta asdiferenciaes do uso da radiodifuso. Indica caminhos constituciona is para a legalizao detodas as rdios comunitrias e o efeito democratizante nas comunicaes com a expanso dasrdios comunitrias. Para abordagem do jornalismo popular alternativo e jornalismo e cultura soreferenciais de discusso os autores: 22. 21 John D. H. Downing, ao discutir a cultura popular comunidade e democracia, apontaa necessidade de no jornalismo ter-se presente a cultura daquela comunidade e os seussignificados, assim como o papel do comunicador no sentido de estar atento para os interessese necessidades das pessoas. Pedro Gilberto Gomes (1990) conceitua jornalismo popular, destaca a comunicaopopular a partir da participao popular e a qualifica. Realiza reflexo sobre o que determina anatureza do jornalismo popular. Alguns pesquisadores j tomaram a rdio comunitria como foco de estudo, dentre osquais cito: Cristiano Aguiar Lopes (2005), em dissertao de mestrado apresentada naFaculdade de Comunicao da Universidade de Braslia. Raecler Baldresca (2003). Na dissertao de mestrado, defendida na PontifciaUniversidade de So Paulo, sob o ttulo Da radiodifuso comunitria no contexto do EstadoDemocrtico de Direito Brasileiro, aborda a questo da constitucionalidade e legalidade dasrdios comunitrias; discute tambm o direito de antena e a importncia desse meio para asociedade. Amarildo Batista Carnicel (2005) apresenta trs experincias que mostram oprocesso de produo do jornal comunitrio como estratgia da educao no- formal. A presente pesquisa est organizada da seguinte forma: No primeiro captulo, so apresentados elementos sobre o direito universal dacomunicao, a caracterizao da comunicao popular, assim como o papel dos meios decomunicao alternativos na democratizao da comunicao e na construo da cidadania. No segundo captulo, contextualizado o surgimento do rdio e as principais etapasdo processo at o advento da rdio comunitria. apresentado o movimento pelo direito radiodifuso comunitria, a legislao que rege essa modalidade de comunicao e arepresso a esse meio alternativo. O terceiro captulo apresenta as caractersticas do jornalismo comunitrio, relatabrevemente o contexto sociogeogrfico e histrico do surgimento das rdios comunitrias emestudo. Exemplifica como as rdios desenvolvem o jornalismo comunitrio e quais so as 23. 22prticas caractersticas dessa proposta de jornalismo e do paradigama da comunicaopopular. As consideraes finais apresentam a sistematizao desse estudo e apontam para asprincipais prticas do jornalismo comunitrio, indicando as contribuies para ademocratizao da comunicao, a participao da comunidade e para a melhoria da vida daspessoas. Tambm so apontados limites e desafios desse paradigama de comunicao. O presente estudo traz anexo CD com os trs programas radiofnicos discutidos esuas transcries; anexamos tambm parte da legislao sobre rdio e radiodifusocomunitria no Brasil e um DVD com imagens da realidade social em que as emissorasCantareira FM e Nova Esperana FM esto localizadas e seus objetivos. 24. 231 Comunicao popular alternativaNo basta estar no ar. Tem que ser comunitria. (CARVALHO,1996 apud PERUZZO, 1999, P. 256)Neste captulo, levantaremos elementos bsicos necessrios para uma comunicaopopular alternativa, com a preocupao de democratizar a comunicao. Para situar oprocesso e desenvolvimento da comunicao comunitria, principalmente no que se refere aosurgimento das diversas emissoras comunitrias, preciso situ-las na histria,contextualizadas com a emergncia dos movimentos sociais. H vrios movimentos popularesque se organizaram em diferentes perspectivas, dentre os quais a comunicao popular, queteve atuao significativa nos processos de luta desses movimentos. COGO (1998, p. 40)assim descreve a ligao dos movimentos pululares e a comunicao popular: O movimento popular, portanto, no faz comunicao por comunicao, mas a pratica no marco de um processo transformador no qual o componente comunicacional se une ao pedaggico e organizativo. Nesse sentido lembra Mrio Kapln, a comunicao, para o movimento de base, no constitui um fim em si mesmo, mas cumpre um papel fundamental como um instrumento de organizao e educao populares.1.1 A comunicao, um direito universalEntre os diversos direitos humanos tidos como fundamentais est a comunicao. ADeclarao Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 10 de dezembro de1948, em seu art. 19 trata do direito comunicao e afirma: Todo ser humano tem direito liberdade de opinio e expresso. Este direito inclui a liberdade de, sem interferncias, ter opinies e de procurar, receber e transmitir informaes e idias por quaisquer meios e independentemente de fronteira.Na prtica, porm, nem sempre esse direito est assegurado. O sistema decomunicao adotado no Brasil fere esse direito ao no regulamentar o art. 6 da ConstituioFederal de 1988, que rege o formato de comunicao pblica. Isso tambm ocorre quando osgovernos optaram por um sistema privado, no qual os grandes meios de comunicao se 25. 24tornaram empreendimentos comerciais, polticos e econmicos, tanto que um dos negciosmais prsperos no conjunto da economia mundial a indstria da comunicao. Facilmenteesses meios servem de mecanismos ideolgicos importantes na sustentao do pensamentonico da classe dominante. Dessa forma, com o monoplio, o acesso da populao paraparticipar e interferir na comunicao fica prejudicado. Essa questo tratada por Guareschi(2005, p. 39), que afirma estar o monoplio da mdia estreitamente ligado problemtica daglobalizao.Como j dissemos, o sistema neoliberal tem fortalecido trs latifndios estratgicosde poder: a deteno do capital financeiro, a concentrao de terras e o monoplio dascomunicaes. Os proprietrios dos meios de comunicao detm significativos capitaiseconmicos e polticos com capacidade de anexao e controle ideolgico, social e cultural.Dessa forma, influenciam a opinio pblica para garantir o resultado a seu favor. De acordo com levantamentos realizados por diferentes fontes, no Brasil apenas nove grupos empresariais principalmente familiares controlam quase tudo o que os demais 180 milhes de habitantes ouvem, vem e lem. medida que um pequeno grupo de poderosos monopoliza a mdia, a apregoada liberdade de expresso e comunicao fica comprometida. A verdadeira democracia desrespeitada, mesmo porque as concesses da radiodifuso fazem parte da moeda de troca entre as oligarquias polticas e os grupos comerciais da comunicao. (BEOZZO, 2006, p. 58-59) Assim como o direito terra, o acesso educao, cultura, aos bens pblicos e riqueza produzida, o controle dos meios de comunicao ficou nas mos de uma pequenaelite, que o utiliza como instrumento para manter a hegemonia poltica, econmica e cultural.Ainda nesse sentido, Joo Brant (2005) integrante do Coletivo de Comunicao Intervozes eda Articulao Nacional pelo Direito Comunicao afirma que: No Brasil, a liberdade de expresso um privilgio desfrutado atualmente por nove famlias, enquanto 180 milhes de pessoas precisam ficar caladas.Constata-se que no Brasil apenas uma dezena de grupos concentra em seu poder agrande mdia. So famlias que tm uma trajetria poltica e que muitas vezes se mantm aolado dos governantes. Conforme observado por Caldas (2005, p. 10), so nove as famliasdetentoras do monoplio dos meios de comunicao eletrnica assim distribudas: 26. 25 Em primeiro lugar encontra-se a famlia Marinho (Rede Globo), que detm 17 concesses de televiso e 20 de rdio. A famlia Sirosttsky (RBS), fica em segundo lugar com 14 emissoras de TV e 21 de rdio. A famlia Abravanel (SBT grupo Silvio Santos), vem em seguida com 9 emissoras de TV. A famlia Cmara (Grupo Cmara) detm 7 concesses de TV e 13 de rdio. A famlia Bloch (Grupo Manchete), detinha 5 concesses de TV e 6 de rdio, agora nas mos da Rede TV. A famlia Daou (TV Amazonas), proprietria de 5 canais de TV e 4 de rdio. A famlia Zahran (Grupo Zahran) conta com 4 canais de TV e 2 de rdio. A famlia Jereissati (Grupo Verdes Mares), proprietria de uma emissora de TV e 5 de rdio. O Grupo Condomnio Associados, por sua vez, detm 3 concesses de TV e 9 de rdio.Partindo dessa realidade, observa-se que a poltica de comunicao no Brasil foiconstruda como instrumento de concentrao de poder. A prtica do monoplio persiste nopas desde a monarquia e a velha Repblica, em que no se respeitava m as constituies e seusava do privilgio para amigos e correligionrios. Essa prtica, que podemos chamar decultura do compadrio, foi incorporada e persiste at hoje no cenrio poltico-econmico.A conseqncia da cultura poltica de sobrevivncia no poder com base nofisiologismo, concesses com critrios de favorecimento poltico e desrespeito ao direito detodos, tambm est presente na atual configurao da distribuio de concesso oficial deexplorao dos canais de comunicao, conforme aponta Silveira (2001, p. 258-259).Por outro lado, parte da mdia est diretamente atrelada aos patrocinadores, ou seja,seu apoio incondicional aos financiadores, que so organizaes privadas ou pblicas. Issose torna complexo, pois dificilmente sero veiculadas notcias que possam constranger oucontrariar interesses de quem investe nesses meios. O Brasil, no que concerne ao campo das comunicaes, tem peculiaridades importantes que desafiam toda a ordem internacional. Falamos em desenvolvimento, convergncia tecnolgica, globalizao, modernidade [...], porm, persistem ainda no pas caractersticas que remontam a um passado poltico subdesenvolvido, no qual particularismos so definidores das polticas pblicas, coronelismo e patrimonialismo persistem como modelos de administrao do Estado e barganhas polticas guiam parte importante da atuao estatal. (LOPES, 2005, p. 50)Ao observar que, ao contrrio de outros servios pblicos que no chegam aoconjunto da populao brasileira (como gua tratada, esgoto, posto de sade, escola, telefone 27. 26etc.), os sinais da televiso so captados por quase todos os brasileiros e considerando a gradede programao e o tempo que as pessoas assistem televiso 1 , pode-se tambm notar ainfluncia dela sobre a vida das pessoas.Uma sociedade que no controla seus meios de comunicao de massa, acaba por perder ocontrole sobre sua prpria cultura, garantia de sua identidade e soberania. (GUARESCHI,2005, p. 83)Os veculos de comunicao de massa (emissoras de rdio e TV) esto concentradosem poder de poucas empresas situadas, em geral, em So Paulo e Rio de Janeiro, onde soproduzidos os principais jornais, novelas e demais programas de entretenimento. Essa prticacomunicacional pode ser apontada como um massacre s culturas regionais e locais, uma vezque estas so influenciadas pela programao massiva imposta pelos grandes meios etransmitida em rede nacional, alm de no terem espao para sua manifestao nesses meios.Ao invs de oferecer um servio pblico que atenda s demandas gerais da sociedade emtermos de informao, divulgao cultural e elevao do nvel de conscincia das pessoas ,o sistema dominante de comunicao freqentemente acaba prestando um desservio. Elese apia em padres de consumo competitivo e nos valores que levam alienao,explorao e desagregao social, o que legitima e sustenta o modelo econmico vigente.(BEOZZO, 2006, p. 58-59)Essa mdia massificadora cria uma nova relao desigual na sociedade. Desigualdadenotria entre emissores e receptores; entre quem produz contedo de comunicao e quemapenas recebe; entre plos ativos poderosos e regies passivas no processo de comunicaosocial. Assim como est, o sistema de comunicao tem uma configurao totalitria, namedida em que suprime o dilogo, impe padres de uns sobre os outros e trata as pessoascomo meros consumidores, no como cidados plenos de direitos.Nesse sistema de comunicao vertical, muitas vezes h um discurso intolerante,seletivo e mercadolgico que estimula o consumo irresponsvel. Consumo no s deprodutos, mas tambm adeso a princpios e prticas de competio, individualismo eexcluso. H propagandas ensinando como vestir, o que comer, o que beber, como secomportar, que marca consumir, como ilustra o exemplo abaixo:1Segundo pesquisa do IBGE realizada em 2005, em mdia, os brasileiros assistem cerca de cinco horas deteleviso por dia. 28. 27 Depois que Gerson, meio-de -campo da seleo campe de 1970, virou garoto propaganda dos cigarros Vila Rica, foi promulgada a lei que leva seu nome. No comercial de tev, dizia: Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Por isso fumo Vila Rica. E a lei de Gerson instalou-se nos coraes e mentes dos brasileiros. (ISTO , n. 1578, 29 dez. 1999) A legislao brasileira que regulamenta a programao das emissoras de rdio eteleviso determina que se tenha, no mnimo, 5% de informao noticiosa e, no mximo, 25%de publicidade comercial. Pode-se notar que a prpria legislao permite e incentiva a taxaomnima de notcias e a alta permissividade de propaganda, ou seja, que haja uso deliberadodos meios de comunicao para o marketing em detrimento de outra programao, alm dedeixar em aberto, sem diretrizes, os 70% restantes da programao. Por exemplo, a legislao no prev que as emissoras incluam em sua programaoservios de utilidade pblica, valorizao da cultura, apoio educao, sade, lazer etc. Issofaz com que no se tenha controle pblico sobre a programao veiculada atualmente nosgrandes meios.Com vista a ter clareza do papel dos meios de comunicao na sociedade e do direitohumano comunicao, h uma reflexo registrada no Boletim do Intervozes 2 que afirma oseguinte: Assumir a comunicao como um direito humano significa reconhecer o direito de todos de ter voz. o direito de ter acesso aos meios de produo e veiculao de informao, de possuir condies tcnicas e materiais para ouvir e ser ouvido, de ter o conhecimento necessrio para estabelecer uma relao autnoma e independente frente aos meios de comunicao. exigir do Estado seu papel na promoo da pluralidade, da diversidade e da luta constante pela superao das desigualdades. (Boletim Intervozes, jan. 2005) Em suma, no basta ter garantido na legislao o direito livre expresso. tambmnecessrio garantir que se tenha efetivado o direito ao acesso comunicao, o que significademocratizar os meios, fomentando uma comunicao alternativa capaz de se contrapor aomonoplio da grande mdia e s leis de mercado. Uma das possibilidades para democratizar a comunicao est sendo construdaprocessualmente no pas e caracteriza-se como comunicao popular.2Intervozes Coletivo Brasil de Comunicao Social uma associao civil que atua para transformar acomunicao em um bem pblico. Fonte: www.intervozes.org.br. 29. 281.2 Caracterizao da comunicao popular Quando se trata da comunicao popular, lidamos diretamente com diferentesconotaes atribudas a ela no cotidiano. So trs correntes distintas assim organizadas porPeruzzo (1998): 1. Popular-folclrica: refere-se ao conjunto das expresses culturais genunas dopovo, como as manifestaes folclricas, festas, danas, ritos, crenas, costumes, objetos etc. 2. Popular- massiva: engloba toda a indstria cultural e subdivide-se em trs linhas deanlise: a) apropriao da linguagem, religiosidade e outras caractersticas populares pelosmeios de comunicao; b) influncia e aceitao por parte da populao, de programas chamados depopularescos, como novelas, Domingo do Fausto, Cidade Alerta e outros que seguem amesma linha de produo; c) utilizao dos problemas dos bairros/comunidades, entendendo-se que a aberturade espao para reclamaes e reivindicaes constitui-se num espao de utilidade pblica. Nesse sentido, o popular- massivo entendido, sobretudo, como incorporao dacultura popular pelos meios de comunicao de massa, assim como a aceitao dedeterminados programas por uma grande parcela da populao. 3. Popular-alternativa: essa linha da comunicao popular situa-se no contexto dasorganizaes e movimentos sociais e traz a ligao entre comunicao e cultura. H duaslinhas de concepo dessa comunicao popular: a) a primeira linha surgiu no incio dos anos 1980 e conceitua a comunicao popularcomo libertadora, revolucionria, com contedos crticos e capaz de conduzir transformaosocial; b) a segunda linha de pensamento nasceu nos anos 1990, com uma postura maisdialtica e flexvel. Concebe a comunicao popular como capaz de propor e realizarmodificaes na cultura e contribuir com a democratizao dos meios, com possibilidade deincorporar em sua prtica novos espaos de comunicao, como internet e redes virtuais, entreoutros. 30. 29Uma distino merece ser feita quanto ao que se chama de comunicao popular ecomunicao alternativa, conforme explicitado por Peruzzo (1998). No Brasil, a imprensaalternativa, tambm chamada imprensa nanica surgiu na poca da ditadura militar (1964-1985). Foi classificada dessa maneira por causa de seu contedo (crtico ao regime vigente) ede seu formato (jornais tablides, boletins e revistas populares). Sua venda era feita embancas ou de mo em mo. Esses meios tratavam de temas culturais, polticos e de interesseespecfico dos trabalhadores. So exemplos tpicos dessa poca os seguintes veculosimpressos: Opinio, Movimento, Pasquim, Coojornal, Versus, Extra, Brasil Mulher, entreoutros.Ainda durante a ditadura militar, na contracorrente da comunicao de massa,reapareceu com fora e com novas propostas a chamada imprensa popular de oposio(ABCD Jornal, Jornal da Vila e outros), diferente do modelo de jornalismo popular existenteantes do golpe de 1964. Nessa nova conjuntura, firmou-se tambm a imprensa partidria(Jornal dos Trabalhadores, Classe Operria, Voz da Unidade e outros), a imprensa sindical(Tribuna Metalrgica, Folha Bancria, Sindquim, Unidade etc.) e a imprensa dosmovimentos sociais (centenas de publicaes locais, regionais e nacionais). Tambm nessecenrio, no se pode esquecer da imprensa eclesial produzida pelas igrejas, ComunidadesEclesiais de Base (CEBs) e pastorais.A imprensa popular foi caracterizada dessa maneira em razo das condies quaseartesanais em que era produzida por grupos populares. Depois, assim a denominaram combase no contedo que ela veiculava: um contedo de interesse das classes subalternas comperfil crtico- libertador. A propsito, alguns estudiosos defendem a idia de que o que tornadeterminado meio de comunicao um instrumento popular sua forma coletiva de produoe sua postura anticapitalista. Por outro lado, continua o desafio de incluso dos excludos daproduo capitalista.[...] os perifricos miserveis que o capitalismo continua produzindo em grau cada vezmaior e a massa de consumidores vorazes, que tudo fazem menos se conformarem a umaindividualidade social, no constituem foras produtivas diretas do capital, precisamenteporque foram excludos praticamente do universo do trabalho moderno. (GIANOTTI apudSODR 2002, p. 251). 31. 301.3 Principais caractersticas da comunicao popular nos movimentos populares Como caractersticas da comunicao popular ligada aos movimentos sociais,populares e organizaes no- governamentais esto alguns elementos comuns que afundamentam. PERUZZO (1999, p. 124-127) sistematiza essas principais caractersticas daseguinte forma: a) Expresso de um contexto de luta: apresenta-se como forma de corresponder snecessidades de expresso e organizao dos movimentos da sociedade civil. Est ligada aoprocesso de conscientizao/organizao/ao, principalmente entre os setores populares daAmrica Latina. A luta em defesa da vida e contra a degradao da existncia humana. b) Contedo crtico-emancipador: traz implcito na sua prtica a crtica realidade ea busca por uma sociedade mais justa. Seu contedo traz de denncias das condies de vidado povo, oposio s estruturas do poder que geram desigualdades, estmulo participao e organizao e reivindicaes para acesso aos bens de consumo coletivos. c) Espao de expresso democrtica: A comunicao democrtica acontece quandoest vinculada aos interesses dos segmentos da populao subalterna, tanto na metodologiaquanto no contedo. Isso significa abertura de canais para que os diversos segmentos sociaispossam expor suas idias, realizaes e reivindicaes, transmitir informaes a partir dasbases e participar nos conflitos das classes sociais na manifestao de seus interesses. d) O povo como protagonista: o protagonista principal o povo e/ou as organizaessociais e pessoas ligadas a seus movimentos. Isso implica em quebrar a lgica da dominao,uma vez que as decises e o contedo so definidos pelos participantes. e) Instrumento das classes subalternas: a comunicao popular entendida como adas classes subalternas e realizada no contexto de luta de classes. Nesse sentido, ela se tornaoposio comunicao massiva das classes dominantes. Na luta pela conquista de seus objetivos, geralmente os movimentos sociais popularesprocuram utilizar meios mais simples, de baixo custo e acessveis ao pblico. Entre eles,esto: o teatro, o boletim, o jornal, o mural, o panfleto, o vdeo, o slide, a fotografia, o alto-falante, as faixas, os cartazes, as msicas, os programas de rdio etc. A comunicao dos movimentos populares costuma enfrentar muitas dificuldades elimitaes. Entre elas, a falta de recursos financeiros. Muitas vezes somam-se a isso 32. 31deficincias de capacitao tcnica, resultando em problemas de programao, de formato ede linguagem. O fator econmico fundamental para viabilizar a comunicao popular egarantir o exerccio do direito de comunicao social. Muitos jornais populares entre osquais a Cantareira, em So Paulo, e o Brasil de Fato lutam para sobreviver, j que no hinvestimento pblico e no contam com o apoio de grandes empresas privadas, que tm comoobjetivo apenas o retorno financeiro. Normalmente, a sustentao desse tipo de jornal feitapelos assinantes, por promoes, doaes, projetos etc. O mesmo ocorre com revistasalternativas como a Ocas, Sem Terra, Caros amigos, Tempo e Presena e tantas outras. Enfim, pertinente perceber que nem toda comunicao dita popular ao mesmotempo alternativa, nem toda comunicao alternativa necessariamente popular. Num sentidobem amplo, o que d o carter popular comunicao o fato de ela ser produzida pelo povoe ser acessvel a ele. J o que garante um carter alternativo a um meio ou tipo decomunicao , basicamente, sua proposta, ou seja, sua postura ideolgica anticapitalista. Nem sempre o que alternativo na proposta tambm, simultaneamente, popular noque diz respeito ao acesso desses meios pelo povo. Portanto, no basta que a comunicaoseja popular, precisa ser tambm alternativa e alternativa, no sentido de ajudar aalterar/transformar a realidade. Tambm h a chamada mdia local. Peruzzo (2002) aprofunda essa questo e fornecealgumas caractersticas do que seja a mdia local. Ela mostra que o local um espaodeterminado, embora no circunscrito, em que o indivduo est inserido, vive o seu dia-a-dia,com a sua famlia ou pessoas de suas relaes. Assim a autora descreve o local:A valorizao do local na sociedade contempornea processada pelo conjunto dasociedade e surge no auge do processo de globalizao. Particularmente, at os grandesmeios de comunicao de massa, que historicamente sempre deram mais ateno scomunidades de longa distncia e aos temas de interesse nacional ou internacional, passa aregionalizar parte dos seus contedos. Por que ocorre esse novo interesse pelo local?Justamente pela percepo de que as pessoas tambm se interessam pelo que est maisprximo ou pelo que mais diretamente afeta as suas vidas e no apenas pelos grandes temasda poltica, da economia e assim por diante. Elas curtem as benesses trazidas pelaglobalizao, mas no vivem s do global, que em ltima instncia uma abstrao. Elasbuscam suas razes e demonstram interesse em valorizar as coisas da comunidade, opatrimnio histrico cultural local e querem saber dos acontecimentos que ocorrem ao seuredor. (PERUZZO, 2002, p. 54-55). 33. 32 O ser humano gosta das maravilhas do mundo, dos grandes acontecimentos, dasdescobertas, das notcias extraordinrias. Mas nem sempre consegue acompanhar umadiscusso ou deciso poltica que acontece na Organizao das Naes Unidas (ONU), nosEstados Unidos ou na Europa. Ele est preocupado com a vida dos seus familiares, com ovizinho, com as notcias do bairro ou do entorno. Algumas caractersticas que distinguem a mdia local da mdia comunitria soapresentadas por Peruzzo (2002, p. 60). Para a autora a mdia local: a) tem o objetivo de dar a conhecer assuntos de foco local que em geral no tm espao na grande mdia. b) encarada como uma unidade de negcio comercial, portanto tem interesses mercadolgicos, vende espao de anncios comerciais e pretende ser rentvel, cujos excedentes pertencem a seus proprietrios individuais/organizacionais. c) suscetvel a corresponder a interesses polticos e econmicos de empresas, lideranas, grupos partidrios etc. d) explora o local enquanto nicho de mercado, ou seja, os temas e as problemticas especficas da localidade interessam enquanto estratgia para se conseguir aumentar a credibilidade e a audincia, e consequentemente obter retorno financeiro. e) tem interesse em contribuir para ampliao da cidadania desde que as estratgias adotadas para tanto ajudem na consecuo dos interesses empresariais. f) os espaos abertos participao dos cidados esto sujeitos ao controle dos dirigentes e tcnicos. g) a produo do que fazer comunicacional est sob a responsabilidade direta dos especialistas contratados. h) os contedos tendem a ser, majoritariamente, parte daqueles tratados pela grande mdia, mas com enfoque local ou regional, como por exemplo: CPI numa Cmara Municipal, informes sobre clima-tempo, programas de cunho social bem sucedidos na regio. j) a mdia local tanto pode ser local em seu sentido estrito, de pertencente e atuante num dado territrio, como pode ser exterior a ele e apenas lhe oferecer espaos (programas de rdio ou de televiso) cadernos especiais (jornal impresso) para tratamento de questes locais. l) h casos em que algumas emissoras comerciais de TV e de rdio produzem programas de cunho bastante comunitrio, tanto no formato (participao popular) como nos contedos (problemas sociais, noticirios locais etc.), que primeira vista podem ser vistos como sendo tipicamente de uma emissora comunitria. 34. 33 A mdia local coloca-se muito prxima da comunicao comunitria, instalando-seuma linha tnue entre as duas. Inmeras vezes, d-se a apropriao da linguagem popular. Namaioria dos casos, a mdia local, diferentemente da mdia comunitria, tem agido comoretransmissora da grande mdia, quando no faz parte da rede de comunicao comercial. As caractersticas da mdia local apontadas por Peruzzo (2002) mostram que ainteno das grandes redes de comunicao, ao agir localmente, explorar a publicidadeexistente nessas reas, sem ter um compromisso com a histria, a cultura e as lutas do povo daregio. H um tipo de colonizao da comunicao por parte da mdia comercial. Doponto de vista ideolgico, muitas vezes se coloca em defesa da classe dominante que detm opoder poltico e econmico na regio, ao passo que a mdia comunitria est a servio dopovo do bairro ou dos bairros que ela consegue atingir.1.4 Os meios de comunicao alternativos e a democratizao A democratizao da comunicao fundamental para a construo de umasociedade efetivamente democrtica. A participao da sociedade civil organizada de maneiraefetiva indispensvel na formulao de um sistema pautado nos direitos e deveres doscidados. Os processos de libertao e os processos de democratizao parecem partilhar um elemento comum: a percepo da possibilidade da inovao entendida como participao ampliada de atores sociais de diversos tipos em processo de tomada de deciso. Em geral, estes processos implicam a incluso de temticas at ento ignoradas pelo sistema poltico, a redefinio de identidades e vnculos e o aumento da participao, especialmente em nvel local. (SANTOS, 2003, p. 59)Vale destacar a importncia da participao de representantes e membros dos vriossetores, grupos organizados, sejam eles de entidades de classe, religiosos, associaes,comisses de Direitos Humanos, entre outros, que criam espaos legtimos para a promoode debates e encaminhamentos de questes relacionadas democratizao da comunicao. 35. 34 As associaes de moradores dos bairros populares, os sindicatos de trabalhadores eos movimentos sociais sabem que o avano de suas lutas depende, em boa parte, de umaestrutura prpria de comunicao. Isso pode ser feito por meio de assessoria de imprensa, daconquista de espaos na mdia comercial, por meio de veculos impressos prprios (boletins,jornais, folhetos, revistas etc.) e utilizando out ras mdias, como pginas e boletins eletrnicosna internet, rdios comunitrias, apresentao de audiovisuais, documentrios, entre outros. nesse contexto que:A comunicao se transforma em um fenmeno social precisamente quando seusparticipantes reconhecem ou constroem, em sua compreenso da comunicao daquelescom os quais se comunicam, quando sua teoria da comunicao obriga recursivamente asteorias da comunicao dos outros, e quando os comunicadores participantes podem, ento,ver-se a si mesmos atravs dos olhos dos outros. (KLAUS apud SODR, 2002, p. 246) As mdias alternativas nas mos dos movimentos populares e das organizaes no-governamentais podem se constituir em recursos polticos estratgicos para a promoo davida, dos direitos e da justia. Alm de ser entendida como direito humano e instrumento deinterveno social, a comunicao precisa ser vista como prtica efetiva na construo de umanova sociedade. essencial pensar o direito comunicao integrado com a luta pelo direito terra,ao trabalho, educao, moradia, sade, segurana e outros. A comunicao essencialna vida humana e no fortalecimento das pessoas e dos grupos sociais. Sem comunicao noexiste democracia, e a prpria cidadania se torna mera falcia. Portanto, o direito comunicao efetiva-se como liberdade ampla de expresso, acesso informao, formaopara a leitura crtica das mdias de massa e democratizao dos meios. H uma enorme diversidade de meios e linguagens de comunicao popularalternativa no Brasil, produzidos e/ou utilizados pelos movimentos sociais populares.Entretanto, cabe ressaltar mais uma vez sua importncia no processo de construo de umasociedade mais justa e igualitria. Por outro lado, esses movimentos, ONGs, entidades, grupose comunidades de base no podem ignorar o recurso das novas tecnologias na potencializaode suas organizaes e lutas. Nesse sentido, vale destacar a atualidade de meios eletrnicos,com nfase para a informtica, a internet. 36. 351.5. Comunicao e cidadaniaA luta pela democratizao dos meios de comunicao no Brasil inscreve-se noexerccio da cidadania. Nesse sentido, compreendem-se cidadania como a participao einterao ativa do indivduo na sociedade e nos acontecimentos que tm relao direta comsua existncia, conforme proposto por Martins (2000, p. 41):[...] o primeiro pressuposto da cidadania garantir mecanismos de participao para que oshomens possam expressar-se e, assim, projetar mecanismos e relaes coerentes com seumodo de ser histrico no mundo, dando a cada um dos indivduos a igual possibilidade departicipao na definio dos rumos de seu prprio destino.Na chamada Sociedade da Informao, o acesso aos meios de comunicao e, porconseqncia, informao constitui-se em elemento sine qua non para o exerccio pleno dacidadania. Essa participao, para ser efetiva, deve se dar do ponto de vista de cidadaniaativa 3 , ou seja, o cidado como agente produtor e participante dos mecanismos decomunicao, e no apenas consumidor passivo de notcias leitor, ouvinte, telespectador,consumidor , mero receptculo de informaes veiculadas sob o ponto de vista e conformeos interesses de quem as produz.A nosso ver, tal concepo vem sendo renovada ao incluir a dimenso do direito comunicao enquanto acesso ao poder de comunicar. As liberdades de informao eexpresso postas em questo na atualidade no dizem respeito apenas ao acesso da pessoa informao como receptor, nem apenas no direito de expressar-se por quais quer meios o que soa vago , mas de assegurar o direito de acesso do cidado e de suas organizaescoletivas aos meios de comunicao social na condio de emissores produtores edifusores de contedos. Trata-se, pois, de democratizar o poder de comunicar.(PERUZZO, 2004, p. 57)Entretanto, observamos que o desenvolvimento do pleno exerccio da cidadania e,por conseqncia, a consolidao de um Estado democrtico no Brasil ainda esbarra nanegao do direito informao. Muito embora esse seja um direito garantido na Constituiode 1988 (arts. 5 e 220), na mesma Carta Constitucional na qual possvel evocar o direito 3Cidadania ativa: distingue-se da passiva aquela que outorgada pelo Estado com a idia moral do favor e datutela e institui o cidado como portador de direitos e deveres, mas essencialmente criador de direitos paraabrir novos espaos de participao poltica. (BENEVIDES apud PONTUAL, 1996, p. 22). 37. 36plena liberdade de expresso, h a determinao (arts. 21, 48 e 49) de competncia exclusivado Poder Executivo de outorgar e renovar concesses de emissoras de rdio e televiso, apsapreciao do Congresso Nacional.Embora represente um pequeno avano, j que anteriormente esta prerrogativa eraexclusiva do Presidente da Repblica, a falta de mecanismos de participao mais efetiva dasociedade abriu espao para a consolidao do monoplio das comunicaes nas mos dequem detm o poder poltico e econmico, uma vez que, no Congresso Nacional, alm demuitos deputados e senadores serem concessionrios de veculos de comunicao de massa (ese utilizarem desses veculos para conseguir a eleio), h o forte lobby das empresas paramanter o controle do setor. importante ressaltar que a Constituio de 1988 foi promulgada na mesma pocaem que o ento Ministro das Comunicaes do Governo Jos Sarney, Antnio CarlosMagalhes, liberou milhares de autorizaes para servios de rdio e televiso aparlamentares que apoiaram a prorrogao do mandato do ento Presidente para cinco anos,conforme assinala Caldas (1995, p. 125): [...] justamente no governo Sarney que se d o maior derrame de concesses j verificado na rea. Ao mesmo tempo em que os constituintes debatiam mudanas no captulo da Comunicao Social, que poderiam modificar o acesso aos MCM (Meios de Comunicao de Massa), operava-se no Congresso Nacional a troca de votos pela prorrogao do mandato do Presidente Jos Sarney, de quatro para cinco anos, por uma estao de rdio ou de televiso. A moeda, de grande valor poltico, modificou a histria recente do pas. Aps a Constituio de 1988, ao contrrio do que se imaginava, os proprietrios das concesses expandiram ainda mais seus imprios e novos apadrinhados passaram a usufruir do controle e do poder da mdia.Depois de um longo perodo de ditadura, quando a liberdade de comunicao e oacesso informao eram praticamente inexistentes, a sociedade brasileira, aps amplamobilizao para ter participao ativa na Constituinte, viu frustrada sua esperana deconstruir uma nova poltica de comunicaes, o que era essencial para se iniciar um novoperodo na histria brasileira e realmente consolidar o processo de democratizao dacomunicao.Assim, oportuno afirmar que o processo de democratizao e de efetivao dacidadania no Brasil um processo em construo. Para alm da superao das desigualdades 38. 37sociais, do acesso a educao, sade, ao trabalho digno, cultura e ao lazer. No possvelconstruir uma sociedade livre se todos os setores da sociedade no tiverem voz. Nesse pontodestacamos a manifestao de Sampaio (1994, p. 82) que diz: O sistema poltico no poder gerar decises que representem vontade da maioria, enquanto a populao no for adequadamente informada a respeito do que est em jogo na disputa poltica. isto que acontece hoje: o sistema de comunicaes de massa, monopolizado por um reduzidssimo grupo de pessoas, intimamente ligadas a grupos econmicos e interesses particulares, apresenta as questes polticas do modo que lhes convm, faz e desfaz imagens de homens pblicos; e cria emoes prejudiciais a julgamentos objetivos e racionais. Os preceitos constitucionais que impedem o monoplio ou o oligoplio de televises, rdios e jornais, precisam ser regulamentados adequadamente, a fim de possibilitar que todos os segmentos da sociedade e todas as correntes de pensamento tenham de fato o direito de informar e serem informados. Diante desse quadro de excluso comeou a se organizar no Brasil o movimento pelademocratizao dos meios de comunicao. O surgimento de centenas de rdios alternativasintensificou a organizao da sociedade em defesa de uma comunicao de interesse pblico.Nesse processo, destaca-se o surgimento das rdios comunitrias. Devido popularidadedesse meio de comunicao, por ter baixo custo de instalao, a sua insero nas comunidades( difcil um lar brasileiro onde no haja pelo menos um radinho de pilha), comearam asurgir as emissoras de baixa potncia, como uma alternativa aos meios de comunicao demassa. Esse processo tornou-se um fenmeno social de tal proporo que levou o Estadobrasileiro a reconhecer sua existncia e tentar regulamentar essa nova modalidade decomunicao, conforme descrito no prximo captulo. 39. 382 A construo da rdio comunitria no BrasilUma imprensa comunitria s pode ser considerada comunitria quando se estrutura efunciona como meio de comunicao autntico de uma comunidade. Isto significa dizer:produzida pela e para a comunidade. (GOMES, 1990, p. 60)As primeiras experincias com rdio no Brasil foram realizadas no interior do Estadode So Paulo pelo padre Roberto Landell de Moura, em 1892.[...] utilizando uma vlvula amplificadora, de sua inveno e fabricao, com trs eletrodos,transmitiu e recebeu a palavra humana atravs do espao! A experincia foi por ele repetidadois anos depois, em 1894 (ainda antes do aparecimento de Marconi), na capital de SoPaulo. A nova e sensacional demonstrao foi feita no alto da Avenida Paulista para o Altode Santana, numa distncia aproximada de oito quilmetros em linha reta. (TAVARES,1997, p. 22)O rdio exerceu um papel poltico importante ao veicular a ideologia do governodurante a ditadura de Getlio Vargas (1930-1945) e, a partir da dcada de 1960, foiimportante meio para o Movimento de Educao de Base (MEB) 1 , que investiu na educao adistncia, alfabetizando milhares de jovens e adultos nos mais distantes locais utilizando-se daveiculao de programas de alfabetizao nas rdios, principalmente no Nordeste do Pas.Eram organizados os grupos de alunos que ouviam o programa no rdio e, com o auxlio deum educador, estudavam com base no que ouviam.Somente na dcada de 1980, porm, que as primeiras rdios comunitriascomearam a atuar na comunicao popular. Ainda clandestinas e ilegais, elas tinham o firmepropsito de praticar a efetiva democratizao da comunicao social e defender a livreexpresso dos cidados.A partir da dcada de 1970 foram realizadas as primeiras experincias de rdios debaixa potncia, consideradas embrio do que hoje so as rdios comunitrias. Em 1970, emVitria /ES, foi instalada a Rdio Paranica; em 1976, passa a funcionar a Rdio Spectro, deSorocaba/SP e, dois anos depois, a Rdio Globo de Cricima/SC. Conforme aponta Lopes1Para mais informaes, cf. Wanderley (1984). 40. 39(2005), essas experincias eram isoladas no pas e em pocas diferentes e no configuraramum movimento organizado.Ainda no final da dcada de 1970, em Belo Horizonte/MG, tem origem umaexperincia que mais tarde se tornaria a principal referncia de rdio comunitria no Brasil.Nessa poca, na Vila Nossa Senhora de Ftima, comeam as primeiras transmisses do queviria a ser a Rdio Favela. Essa emissora entrou definitivamente no ar em 1981. Devido represso, a rdio no tinha sede fixa, ficava mudando de barraco em barraco dentro dacomunidade, envolvendo um nmero cada vez maior de pessoas em sua organizao, o quefoi fator fundamental para sua consolidao.Apesar das dificuldades, essa rdio resistiu e permanece no ar at hoje. Em 1996,obteve alvar de funcionamento concedido pela Prefeitura de Belo Horizonte. A programaoveiculada pela Rdio Favela recebeu diversos prmios e, em 1997 e 1998, foi reconhecidapela Organizao das Naes Unidas (ONU) pelo seu trabalho no combate s drogas. 2O movimento de radiodifuso alternativa surgiu no Brasil na dcada de 1980. Elenasceu da efervescncia poltica e cultural da poca, causada pela transio de um longoperodo de regime militar para um perodo de abertura democrtica. Esse movimento tambm conseqncia da luta de diversos setores da sociedade pela democratizao dos meios decomunicao.Muito embora fosse uma abertura restrita, havia clima de esperana de que acomunicao alternativa pudesse garantir seu espao de comunicao. Foi nesse clima que,em 1982, na cidade de Sorocaba, interior do Estado de So Paulo, um grupo de jovens eestudantes iniciou transmisses mesmo sem autorizao legal. Isso foi inspirado naexperincia da Rdio Caroline, uma experincia de rdio nos anos 1960 na Inglaterra. Paraescapar da legislao da Gr- Bretanha, que garantia mo noplio de transmisso de rdio eteleviso BBC, um grupo de jovens instalou a rdio Caroline num navio, prximo costainglesa, mas em guas internacionais, de onde transmitiam livres do alcance da legislaodaquele pas. Da a inspirao para nomear a experincia brasileira de Vero de 1982 daLiverpool Brasileira, que entrou para a histria como o marco inicial da luta pelademocratizao dos meios de comunicao.2Para mais informaes, cf. www.radiofavelafm.com.br. 41. 40 Fruto dessas experincias pioneiras, na metade da dcada de 1980 esse movimentochega universidade e comea a se consolidar. Assim, em 1985, surgiu a Rdio Xilique,coordenada por professores e estudantes da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo(PUC/SP). Na mesma poca surgiram algumas rdios em universidades que se tornariamreferncia para as rdios livres. O termo rdio livre era utilizado para designar emissoras que entravam no ar semautorizao do governo. Atualmente, o termo utilizado para identificar emissoras localizadasem universidades. Foi o caso da Rdio 11, na USP, e da Rdio Muda, na Unicamp. Tambmnessa poca comeou-se a falar em luta contra o monoplio e iniciou-se a politizao dodebate sobre a comunicao no Brasil. O tema ganha fora entre os militantes da radiodifuso livre e, nos dias 26 e 27 demaio de 1989, realizado o 1 Encontro Nacional de Rdios Livres, na USP, do qualparticiparam os professores Jos Carlos Rocha, Luis Fernando Santoro e Jos Marques deMelo, entre outros, e no qual criado o Movimento Nacional de Rdios Livres (MNRL). Nosanos seguintes realizaram-se os 2 e 3 Encontro Nacional das Rdios Livres, organizadospelo MNRL. Em 1991, no 3 Encontro, na cidade de Maca (RJ), deu-se o avano para aformulao de uma proposta institucional. As deliberaes do movimento das rdios livres aparecem em um artigo do Projetode Lei da Informao Democrtica (LIDE) apresentado pelo deputado federal Zaire Rezende,elaborado pelo professor Jos Carlos Rocha, aps ouvir lideranas das rdios; o projeto passaa tramitar a partir de 1992 no Congresso Nacional e visa substituir a Lei de Imprensa de 1967. Inspiradas nas rdios livres, no incio da dcada de 1990, surgiram algumasemissoras, como a Rdio Paulicia, em Piracicaba/SP, a Rdio Reverso, em So Paulo (SP) ea Rdio Novos Rumos, em Queimados/RJ. Essas emissoras no tinham concesso nempermisso para o funcionamento, apenas regras tcnicas para proteg- las do grande capital.Mesmo reprimidas pela polcia, essas rdios foram as grandes pioneiras do movimento, poislevaram o conhecimento da universidade para as comunidades, levantando nessas localidadeso debate sobre a necessidade da democracia na comunicao. Pode parecer contraditrio, mas o fechamento dessas rdios pelo governo fortaleceuo crescimento e a organizao da radiodifuso comunitria. Foi a partir da represso nessa 42. 41poca que teve incio um movimento chamado de cobra de vidro: para cada rdio fechada,outras eram abertas. Resultado desse processo que ao final do ano de 1991 havia mais de400 rdios comunitrias em operao no Pas (COELHO NETO, 2002, p. 56).Outro acontecimento importante neste perodo que pode ser considerado um marcopara alavancar o movimento de radiodifuso comunitria foi o fechamento da Rdio Reversopela polcia federal em 1991, quando Valionel Pigatti foi processado. A defesa dos advogadoscontra o fechamento foi baseada no art. 5 da Constituio (que garante a livre manifestaodo pensamento). A rdio foi absolvida pela justia e voltou a operar. Foi a primeirasinalizao de que poderia haver jurisprudncia para garantir o funcionamento das rdioscomunitrias.Em 1991, o Frum Democracia na Comunicao promoveu o I e o II Encontro deRdios Livres e Comunitrias, sob a bandeira de luta pela legalizao das rdios, que resultouem importantes aes. A partir do acmulo poltico gerado pelo Frum Democracia naComunicao e pelas experincias das rdios livres, teve incio organizao do movimentode radiodifuso comunitria. Comearam a ser realizados encontros, congressos e assembliasde fundao de entidades de emissoras comunitrias. Tambm naquela poca foramrealizados cursos e palestras sobre como montar e operar rdios comunitrias, direcionados alideranas de movimentos populares.Tambm importante destacar a organizao dos movimentos sociais para atuar naAssemblia Constituinte, visando conquistar avanos democrticos na legislao sobrecomunicao, inclusive com a proposta de criao do Conselho de Comunicao Social, o ques viria ocorrer em 2002. Essa organizao foi fundamental para o acmulo de contedo emrelao discusso sobre uma nova poltica de comunicao.Outros espaos de debates e mobilizaes foram abertos, passando a aglutinar aFederao Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e vrios movimentos sociais que estavamdebatendo os mesmos temas e atuando em segmentos da comunicao alternativa, entre eles aFederao Nacional Trabalhadores em Empresas de Rdio e Televiso, a AssociaoNacional de Entidades de Artistas e Tcnicos de Diverses, a Federao Brasileira de Teatroe, posteriormente, a Executiva Nacional dos Estudantes em Comunicao Social (Enecos) e aAssociao Brasileira de Rdios Comunitrias (Abrao). 43. 42 Tambm comeou a ganhar corpo o processo de legitimao das emissorascomunitrias dentro da luta poltica pela democratizao da comunicao. Empunham-sealgumas frases de ordem, tais como: rdio comunitria a reforma agrria no ar; outracomunicao necessria para outro Brasil ser possvel; todo meio de comunicao deveter funo pblica; no derrubamos avies, derrubamos tubares; piratas so eles; nobasta estar no ar, tem que ser comunitria entre outras. Quando se conta a histria do rdio no Brasil, geralmente so ignoradas as rdioscomunitrias e as chamadas rdios piratas e livres. Por outro lado, h quem trate as rdioscomunitrias como se fossem piratas, livres ou clandestinas. Vejamos as diferenas entre elas: a) Rdio pirata: o termo surgiu no incio da dcada de 1960, na Inglaterra, paraidentificar irradiaes em FM cuja estao estava em um navio na costa britnica, porm forado controle das autoridades, conforme citado neste estudo. No Brasil, a expresso pirata foi utilizada como sinnimo de estao de rdioirregular. Na dcada de 1990, no Rio de Janeiro, houve alguns casos de emisses clandestinasvistas como sinnimo de emisses piratas, j que algumas iniciativas poltico-partidriasprocuravam emitir sem permitir a identificao. O mesmo aconteceu em So Paulo. Assim, oadjetivo pirata passou a ser usado pelos proprietrios das grandes emissoras e pela indstriade produo cultural de modo pejorativo, adquirindo o sentido de ilegal em termos dereproduo musical, cinema, rdio, vdeo etc. b) Rdio clandestina: as emissoras clandestinas se caracterizam por emitirem suaprogramao em pases onde h Estado de Exceo. Em lugares em que os direitos e asgarantias individuais no so respeitados ou onde subsiste um regime ditatorial civil oumilitar e tambm quando no h liberdade de expresso de imprensa. Na Nicargua, porexemplo, surgiu a Rdio Venceremos, de onde os sandinistas emitiam suas opinies eorientaes com o objetivo de derrubar a ditadura de Anastcio Somoza. Ao conquistarem opoder, os sandinistas passaram a ser criticados por outra emissora clandestina, organizada porseus inimigos polticos e militares. (PERUZZO, 1999, p. 259) comum a utilizao de rdios clandestinas em situaes de guerra. Na segundaguerra mundial havia emissoras dos ingleses que emitiam em alemo e dos alemes queemitiam em ingls. Essas emissoras eram clandestinas e tinham objetivo estritamente poltico, 44. 43fazendo parte dos instrumentos de guerra. O grupo de Fidel Castro criou uma emissoraclandestina que irradiou em Cuba at a tomada do poder em 1959. No Brasil, a ditadura militar caou as emissoras de rdio clandestinas. O Decreto 236de 1967, criado para controlar essa prtica, acabou servindo para punir os responsveis pelosprojetos de comunicao de baixa potncia. A lei aplicada por alguns juzes at hoje. c) Rdio livre: as rdios livres so as emissoras que no tm concesso nempermisso para funcionamento, apenas regras tcnicas para proteg- las do interesse comercialdo grande capital, j que no t m fins comerciais. Elas j tiveram uma atuao forte emterritrio francs, depois na Itlia e Alemanha. Na dcada de 1960, nos EUA, diante daproliferao de emissoras livres, o governo norte-americano acabou aprovando a reserva deuma parte do dial para esse tipo de manifestao. Como atuam livremente sem a fiscalizaoe controle do Estado, quem acaba controlando essas emissoras a prpria populao, quepode solicitar seu fechamento. As rdios livres surgiram no Brasil antes das rdios comunitrias. A primeiraexperincia foi da Rdio Paranica, de Vitria /ES, criada em outubro de 1970 e fechada emfevereiro de 1971. Depois surgiu a Rdio Spectro, de Sorocaba/SP, em 1976. Essa cidadechegou a ter mais de 40 emissoras desse tipo na dcada de 1980. Tambm em 1976 apareceua Rdio Globo, de Cricima/SC. Em So Paulo, em 1985, dezenas de rdios livres queestavam em operao chegaram a criar uma cooperativa especfica. Um trecho do manifestoda Cooperativa dos Rdio-Amantes dizia:Ns iniciamos um movimento de reforma agrria no ar. O rdio uma conquista tcnica dahumanidade e no pode ficar nas mos de proprietrios-concessionrios. (MACHADO;MAGRI; MASAGO, 1986, p. 16) As rdios ou TVs livres se apiam no direito livre expresso da atividadeintelectual, artstica, cientfica e de comunicao, independentemente de censura ou licena conforme art. 5, inciso 9, da Constituio Federal. d) Rdio comunitria: Com as rdios livres comea, no Brasil, a histria das rdioscomunitrias. Existem muitas experincias de rdios livres/comunitrias, como a Rdio NovosRumos, criada em 1990 no Rio de Janeiro, instalada inicialmente no quintal da casa de um dos 45. 44idealizadores do projeto. Essa rdio foi fechada, mais de uma vez, por rgos fiscalizadoresdo governo, mas era colocada novamente no ar. Outra experincia nesse sentido foi a RdioReverso, de So Paulo, surgida a partir de um projeto cultural, em 1975, com a orientao deLeo Toms.A Reverso teve significativa importncia na histria de luta pela democratizao dacomunicao, sobretudo por ter sido pioneira em ganhar uma liminar na Justia, permitindoo seu funcionamento. A partir disso, foram instaladas muitas outras rdios comunitrias.(BEOZZO, 2006, p. 71)2.1 Instituio do termo Rdio comunitriaEm 1995, no 1 Encontro Nacional de Rdios Livres Comunitrias, foiinstitucionalizado o termo rdio comunitria e assim foram definidas aquelas emissoras quetm gesto pblica, operam sem fins lucrativos e tm programao plural. Essas emissorasoperam com baixa potncia e tm como finalidade absoluta servir comunidade, contribuirpara a cidadania e para o desenvolvimento local.As rdios comunitrias tm relevante funo social. Os pequenos projetos decomunicao, quando localizados e integrados realidade de suas comunidades, so capazesde produzir programao com qualidade, garantir audincia e dar respostas a diversasnecessidades da populao.A Associao Mundial das Rdios Comunitrias (Amarc) 3 considera que a emissoracomunitria atende s suas finalidades quando:Promove a participao dos cidados e defende seus interesses; responde aos gostos damaioria e faz do bom humor e da esperana sua primeira proposta; quando informa e ajudaa resolver os problemas da vida cotidiana; debate, em seus programas, todas as idias erespeita todas as opinies; estimula a diversidade cultural e no prioriza a propagandacomercial; a mulher protagoniza a comunicao e no uma simples voz decorativa ou umreclame publicitrio; no tolera nenhuma ditadura, nem sequer a musical, imposta pelasgravadoras; a palavra permitida a todos, sem discriminao.3Retirado de: www.brasil.amarc.org. Acesso em: 23 abr. 2006. 46. 45O Ministrio das Comunicaes brasileiro descreve, em sua pgina na internet4 ,como concebe as rdios comunitrias: um tipo especial de emissora de rdio FM, de alcance limitado a, no mximo, 1 km apartir de sua antena transmissora, criada para proporcionar informao, cultura,entretenimento e lazer a pequenas comunidades. [...] Trata-se de uma pequena estao derdio, que dar condies comunidade de ter um canal de comunicao inteiramentededicado a ela, abrindo oportunidade para divulgao de suas idias, manifestaesculturais, tradies e hbitos sociais.No mesmo site tambm esto expostos os objetivos quanto ao contedo daprogramao, que inclui:Divulgar a cultura, o convvio social e eventos locais; noticiar os acontecimentoscomunitrios e de utilidade pblica; promover atividades educacionais e outras para amelhoria das condies de vida da populao.Ainda adverte que proibido uma rdio comunitria utilizar simultaneamente aprogramao de qualquer outra emissora, a no ser quando houver expressa determinao doGoverno Federal. No se pode, em hiptese alguma, inserir propaganda comercial, a no sersob a forma de apoio cultural. Somente as fundaes e associaes comunitrias sem finslucrativos, com sede na comunidade, legalmente constitudas e registradas, podem operarrdios comunitrias; alm disso, o governo estabelece a neutralidade quanto a vnculospolticos/religiosos.2.2 O que ser comunitrio importante destacar essa questo porque muitas emissoras de rdio que sedeclaram comunitrias ou livres nem sempre o so. o caso de emissoras de igrejas queveiculam contedo religioso na maior parte ou totalidade da programao, que seautodenominam rdios comunitrias e na verdade so emissoras confessionais.As rdios comunitrias tm caractersticas bsicas que as norteiam desde aconstituio at as aes para mant-las em funcionamento, perpassando pela funo social4Disponvel em: www.mc.gov.br/rc. Acesso em: 23 abr. 2006. 47. 46que exercem na comunidade na qual esto inseridas, conforme sistematizado e registrado porPeruzzo (1999, p. 257): a) Sem fins lucrativos : a rdio comunitria busca apoios culturais e doaes eorganiza eventos para obter recursos financeiros, canalizando-os para a manuteno oureinvestimento, no para lucro partic ular. b) Programao comunitria: desenvolve a programao a partir da realidade local,tratando de seus problemas, suas comemoraes, suas necessidades, seus interesses e suacultura. c) Gesto coletiva: a gesto se d com a participao direta da comunidade, pormeio de rgos deliberativos como conselhos e assemblias, formados por membros dosdiversos movimentos e organizaes da comunidade. d) Interatividade : favorece a participao popular e de suas entidadesrepresentativas na produo e na transmisso de programas prprios, concretizando amplainteratividade, pelos meios disponveis, como participao ao vivo, por carta, telefone, e- mail,nas reunies e encontros das equipes da rdio, entre outros. e) Valorizao cultural: incentiva a produo e a transmisso de programas quevalorizem as manifestaes da cultura local. f) Compromisso com a cidadania: compromete-se com a educao para a cidadaniano conjunto da programao e no apenas em algumas atividades especficas. A rdiocomunitria popular coloca o ouvinte cada vez mais em contato com a sua realidade, paracompreend- la e transform-la. g) Democratizao da comunicao: democratiza o poder de comunicar,proporcionando s pessoas da prpria comunidade participao direta na emissora, de modoque possam apropriar-se das tcnicas para produzir programas e falar no ar, operar osequipamentos e transmitir. Tambm investe na formao dos comunicadores populares paraas discusses mais amplas sobre: democratizao da comunicao em nvel nacional,conjuntura poltica e socioeconmica local, regional e nacional e possibilidades de atuar namelhoria das condies de vida da comunidade na qual est inserida. 48. 472.3 O movimento de radiodifuso comunitria no Brasil importante ressaltar que esse processo no foi resultado da ao de partidospolticos, mas de movimentos sociais j existentes e de pessoas e organizaes que surgiramespecificamente para atuar com comunicao popular e rdio comunitria. O movimento derdios comunitrias nasceu, cresceu e se consolidou a partir da necessidade da sociedade debuscar meios de comunicao para expressar sua realidade, sua cultura, sem filtros dos meiosde comunicao comerciais. Assim, as rdios comunitrias foram se legitimando nascomunidades nas quais estavam inseridas, conforme observa Lopes (2005, p. 10): [...] as rdios livres que entraram em funcionamento no Brasil eram, em sua maioria, operadas em baixa potncia e tinham alcance bem restrito. Assim, a identificao entre estes veculos de comunicao e os pequenos pblicos atendidos foi inevitvel e como essas rdios atendiam normalmente comunidades bem delimitadas, fez-se, naturalmente, um poderoso vnculo entre rdios livres e essas comunidades, que se tornaram seu pblico cativo. Desse modo, rapidamente rdio livre e rdio comunitria passaram a se confundir e o segundo termo se tornou preponderante, tendo em vista que representavam essa ligao entre rdios e comunidades de