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O JORNAL DAS SENHORAS E A ESPERANÇA: APROXIMANDO AS PÁGINAS E REVELANDO OS CONTEXTOS Isadora de Melo Costa Mestranda Programa de Pós Graduação em História Política da UERJ [email protected] Resumo Na segunda metade do século XIX periódicos voltados para as mulheres afloraram em diversas regiões do Ocidente, como O Jornal das Senhoras (1852-1855, Rio de Janeiro) e A Esperança: Semanário de recreio literário dedicado às Damas (1865-1868, Porto). Esses impressos abarcam questões que permitem problematizar a representação feminina do período, além de comparar e conhecer mais das sociedades que os produziram: Rio de Janeiro e Porto, respectivamente. É nesse sentido que o presente ensaio objetiva reconstituir parte do cenário político e cultural desses periódicos, assim como, compreender suas principais características, tais como: quem eram seus redatores e colaboradores, a localização de suas tipografias, suas principais temáticas e suas ligações cotidianas. Para tanto, recorre-se ao Jornal das Senhoras e A Esperança como principais fontes e objeto. Utiliza-se, ainda, da história comparada, nos moldes de Marc Bloch e da abordagem da história política e cultural, como arsenal teórico-metodológico de compreensão desses veículos de comunicação. Palavras-chave: Oitocentos. Brasil. Portugal. Introdução No século XIX, a imprensa se proliferou como o principal meio de reprodução e produção de ideias. A partir de 1808, com a abertura da Impressão Régia no Rio de Janeiro, essa propagação toma maiores vultos, pois é instalada oficialmente a imprensa no Brasil, ao mesmo tempo em que é colocado em prática o fim do “decreto de trezentos anos que se proibia todo e qualquer tipo de impressão” fora de Portugal (EL FAR, 2010, p.89). Nesse contexto, no mundo luso-brasileiro, o papel impresso expandia-se e gerava novos ordenamentos, conteúdos e transmissão da palavra que não era apenas impressa, mas faladas e manuscritas (MARTINS; LUCA, 2008, p. 28-29).

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O JORNAL DAS SENHORAS E A ESPERANÇA: APROXIMANDO AS PÁGINAS

E REVELANDO OS CONTEXTOS

Isadora de Melo Costa Mestranda

Programa de Pós Graduação em História Política da UERJ

[email protected]

Resumo

Na segunda metade do século XIX periódicos voltados para as mulheres afloraram em

diversas regiões do Ocidente, como O Jornal das Senhoras (1852-1855, Rio de Janeiro)

e A Esperança: Semanário de recreio literário dedicado às Damas (1865-1868, Porto).

Esses impressos abarcam questões que permitem problematizar a representação

feminina do período, além de comparar e conhecer mais das sociedades que os

produziram: Rio de Janeiro e Porto, respectivamente. É nesse sentido que o presente

ensaio objetiva reconstituir parte do cenário político e cultural desses periódicos, assim

como, compreender suas principais características, tais como: quem eram seus redatores

e colaboradores, a localização de suas tipografias, suas principais temáticas e suas

ligações cotidianas. Para tanto, recorre-se ao Jornal das Senhoras e A Esperança como

principais fontes e objeto. Utiliza-se, ainda, da história comparada, nos moldes de Marc

Bloch e da abordagem da história política e cultural, como arsenal teórico-metodológico

de compreensão desses veículos de comunicação.

Palavras-chave: Oitocentos. Brasil. Portugal.

Introdução

No século XIX, a imprensa se proliferou como o principal meio de reprodução e

produção de ideias. A partir de 1808, com a abertura da Impressão Régia no Rio de

Janeiro, essa propagação toma maiores vultos, pois é instalada oficialmente a imprensa

no Brasil, ao mesmo tempo em que é colocado em prática o fim do “decreto de

trezentos anos que se proibia todo e qualquer tipo de impressão” fora de Portugal (EL

FAR, 2010, p.89). Nesse contexto, no mundo luso-brasileiro, o papel impresso

expandia-se e gerava novos ordenamentos, conteúdos e transmissão da palavra que não

era apenas impressa, mas faladas e manuscritas (MARTINS; LUCA, 2008, p. 28-29).

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Embora houvesse a censura prévia – que vigorou até 21 de setembro de 1820 –

a imprensa se tornava um vetor púbico de anseios, projeções, visões, expectativas,

circulação de ideias e informações – “ainda que restritos à boa sociedade, pois a maior

parcela da população luso-brasileira era iletrada” (NEVES; FERREIRA, 2018, p.83).

Ao longo do século, a imprensa não apenas se expandiu em termos de número de

tipografias e impressos, mas também, passou por diversos aprimoramentos, ganhando

melhorias significativas, com a “fabricação de papel-contínuo, a prensa cilíndrica (...) o

vapor, (...) as prensas mecânicas, as rotativas” e outras (LUCA, 2018, p.10). Além disso,

na segunda metade do XIX, com a melhoria dos sistemas de ensino, a introdução do

vapor no transporte das rotas do Atlântico Sul e a ampliação das redes ferroviárias, os

impressos tornaram-se acessíveis a um maior número de pessoas de modo mais rápido e

dinâmico. Para se ter noção, no período, segundo Tania Regina De Luca, “a travessia

entre a Europa e o Rio de Janeiro” caiu de “54 para 29 dias” diminuindo ainda mais na

década de 1980. Essas transformações se mostraram de suma importância para a maior

circulação, não somente de pessoas, mas de ideias que, certamente, se propagavam pela

força do impresso (LUCA, 2018, p. 8).

Assim, pode-se dizer que no decorrer do século, favorecida pelas transformações

técnicas, a ampliação do número de leitores, o aumento da concentração urbana, a

expansão dos sistemas educacionais e dos transportes, a imprensa luso-brasileira deixou

de ter um cunho político, oficial e local, e se abriu para vários temas, públicos,

interesses, locais de publicação, redatores e até redatoras.

As mulheres não ficaram alheias a tais mudanças. No Brasil, embora desde 1820

houvesse a presença de manifestos coletivos e de caráter político assinados somente por

mulheres, foi na segunda metade do século que elas se estabelecem como redatoras e

colaboradoras de distintos periódicos. No período, propagaram-se jornais voltados ao

público feminino e até mesmo escritos por mulheres, como é o caso do O Jornal das

Senhoras (Rio de Janeiro; 1852-1855) (MARTINS & DE LUCA, 2008, p. 42).

Ao longo do século XIX, em Portugal a imprensa feminina também se mostrou

presente. A historiografia portuguesa mostra-se unânime em caracterizar 1807 como o

“ano do aparecimento do primeiro periódico conhecido”, em Portugal, voltado para o

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público feminino. Trata-se do periódico O Correio das Modas (Lisboa; 1807) no qual

apresentou apenas um ano de publicação (LEAL, 1992, p. 14).

A maior longevidade de periódicos feitos por e para mulheres mostraram-se

presentes, em Portugal, também, próximos da metade do século, juntamente com a

inauguração de distintos periódicos literários que ao mesmo tempo em que se voltava

para o público feminino abria-se para colaborações de ambos os sexos – como o

periódico A Esperança: Semanário de Recreio Literário Dedicado às Damas (Porto;

1865-1866).

Percebe-se que data da segunda metade do XIX, juntamente com uma série de

inovações técnicas, a inauguração de periódicos editados e voltados para o público

feminino seja no Brasil, seja em Portugal. Esses periódicos, em geral, se caracterizam

como revistas, ainda que o termo não fosse utilizado no vocabulário de época, pois

apresentavam “textos longos e de caráter ensaístico e as raras imagens configuravam a

ambição de fornecer mais do que mera distração aos seus leitores” (GRANJA; DE LUCA,

2018, p. 22).

Tais revistas, como coloca Jean-François Sirinelli, eram “lugar de fermentação

intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo, viveiro e espaço de sociabilidade”

(SIRINELLI, 1996, 249, Apud DE LUCA, 2006, p. 140). Isso é, eram produções

coletivas nas quais diferentes agentes individuais atuavam em prol de objetivos ou

temas em comum. Enfim, conhecer, ainda que de modo breve, esses agentes

individuais, seus interesses, suas ligações cotidianas e a conjuntura dos periódicos O

Jornal das Senhoras (1852-1855, Rio de Janeiro) e A Esperança (1865-1868, Porto)

mostram-se os objetivos desse ensaio. Embora esses jornais fossem produzidos em

diferentes países, eles nos permitem construir conexões profundas entre essas

sociedades do Atlântico, marcadas pelo passado em comum de ex- metrópole e ex-

colônia: Brasil e Portugal.

Desvendando páginas femininas do Segundo Reinado

Os impressos da segunda metade do século XIX brasileiro se ligavam à busca de

progresso e civilização próprios do Segundo Reinado, momento político que se havia

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conseguido solucionar os problemas da crise das Regências e estabeleceram-se

conciliações políticas visando à manutenção do poder e legitimidade da Coroa. O

cenário político e cultural valorizava o progresso industrial e material baseando-se,

sobretudo, no modelo europeu. Era o período de novos hábitos e representações sociais

que podiam ser compreendidas através dos novos espaços de sociabilidade – como os

saraus, teatros, livrarias, cafés, bailes e os passeios ao ar livre. Além disso, emergiam

novas formas de distinção social, marcadas pelo uso das indumentárias, dos objetos

materiais, das regras de etiqueta e pelo nível de ilustração ou de educação dos

indivíduos.

Em outras palavras, a segunda metade do século XIX brasileiro pode ser

considerada como um momento de “mudanças superficiais e artificiosas”, como já

apontava Sérgio Buarque de Holanda (HOLANDA, 1995, p. 78). Tratavam-se de

modificações técnicas, urbanísticas econômicas e culturais que não traziam abalos às

estruturas mais sólidas, como a presença da escravidão. Assim, se em termos políticos

vistoriava-se certa conciliação de ideias, em termos econômicos e materiais, se

desenvolvia diversificadas transformações e melhorias, como o movimento de

regulamentação das sociedades anônimas, fundação do segundo Banco do Brasil, a

abertura ao tráfego das primeiras linhas de estrada de ferro, a expansão do crédito

bancário (estimulando a iniciativa particular), abreviação e incremento de negócios

favorecidos pela rapidez das notícias, e enfim, o estabelecimento de meios de

transportes modernos entre os centros de produção agrária e as grandes praças

comerciais do Império (1995, p. 74).

Era um contexto, então, de efervescência econômica e aprimoramento urbano,

no qual Sérgio Buarque de Holanda compreendia ser as tentativas de “liquidação mais

ou menos rápida de nossa velha herança colonial” e buscas por modelos de

comportamento próximos às nações vistas como “socialmente avançadas” (1995, p. 79).

É, portanto, um contexto de tentativas, de mudanças “superficiais e artificiosas”

(1995,p. 78), em que as raízes de um Brasil rural, patriarcal, do compadrio, do

bacharelismo e escravismo continuavam a existir e coexistir com os novos padrões

economicamente e culturalmente vistos como civilizados (1995, p. 73-92). Afinal, para

a maior parte dos contemporâneos, no Brasil, liberalismo e escravismo, de modo geral,

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se mostravam um falso empasse na busca por novos ares, que não mais os coloniais

(BOSI, 1996, p. 195).

Nesse cenário de grandes transformações e contradições dos primeiros anos da

década de 1850, no Rio de Janeiro, foram inauguradas não somente as primeiras linhas

telégrafas do país (HOLANDA, 1995, p. 74), como também, um dos primeiros jornais

brasileiros redigidos somente por mulheres e voltado ao público feminino, como seu

próprio título legitimava: O Jornal das Senhoras (MARTINS; DE LUCA, 2006, p. 67-

68).

O Jornal das Senhoras foi inaugurado pela argentina, poetiza dramaturga e

jornalista Joana Paula Manso de Noronha. Nascida em 26 de junho de 1919, em Buenos

Aires, presenciou o exílio a partir do momento que seu pai escapou da ditadura

argentina de Juan Manuel Rosas, que durou de 1829 a 1852. Depois de exilada no

Uruguai, veio ao Brasil em 1843, onde viveu dois anos no Rio de Janeiro. Nesses anos,

Joana teve contato com os costumes e hábitos da corte imperial e conheceu pessoas que

atuavam no cenário cultural fluminense, como a tradutora Violante Bivar e o violinista

português Francisco Sá Noronha, a quem Manso se casou (SHUMANHER; BRAZIL,

2000, p.521).

Na década de 1840, Joana voltou a conhecer novas cidades e viajar por

diferentes países, mas dessa vez, visando o sucesso na carreira artística do marido

(LOBO; 2009, p. 47). Embora não se saiba todos os locais que o casal percorreu, sabe-

se que o nome de Francisco Noronha e Joana estiveram presentes nas colunas de

diferentes impressos que se destinava a tratar das movimentações dos portos brasileiros

durante o final da década de 1840. Em outubro de 1845, Francisco e Joana saíram do

Brasil pelo Vapor S. Salvador em direção aos portos do norte (JORNAL DO

COMÉRCIO, 1845, n.297, p. 4). Em 24 de dezembro 1848 “Noronha, sua mulher e 2

filhos” entravam no Brasil por uma embarcação que vinha de Nova York (JORNAL DO

COMÉRCIO, 1848, n. 355, p.4). Em 22 de agosto de 1849 o Paquete Paraense levou

Francisco, novamente, aos Portos do Norte (CORREIO MERCANTIL, 1849, n. 230, p.

4), dessa vez, sem sua mulher e as duas crianças: Eulália e Hermínia Noronha, filhas do

casal. Em 7 de junho de 1851 o nome de Francisco era publicado na lista de passageiros

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que entravam nos portos brasileiros por Santa Catarina, Rio Grande do Sul (DIÁRIO

DO RIO DE JANEIRO, 1851, n. 8714, p.4).

As viagens e a carreira artística de Francisco Noronha, certamente, marcaram a

vida do casal. E no Jornal das Senhoras não foi diferente, uma vez que, se Joana era a

redatora, Francisco era o colaborador de muitas poesias e músicas que saíam em

diferentes números da revista. O Jornal das Senhoras ainda apresentava comentários de

seus espetáculos ocorridos nos diversos teatros da Corte do Rio de Janeiro.

O Jornal das Senhoras, em princípio, foi publicado quinzenalmente pela

Tipografia Parisiense, localizada na Rua do Ouvidor nº. 20 (JORNAL DAS

SENHORAS, 1852, n.1, p.1). Posteriormente, o jornal migrou para diversas outras

tipografias e somente após um ano se estabeleceu em uma tipografia com o mesmo

nome do jornal. O que, possivelmente, demostrava, dentre outras coisas, o quanto era

difícil legitimar um jornal feminino num mercado que era tradicionalmente e

“predominantemente masculino” (MARTINS; 2008. 67-68).

Durante todo o período de circulação, a folhinha podia ser adquirida por

assinatura na Casa dos Snrs. Wallertein e C, nº 70, A. e F. Desmarais n. 86 e em

Mongie n. 87, todos os endereços localizados na Rua do Ouvidor. Rua que, na época,

era conhecida por suas lojas de luxo, importantes tipografias e negociantes que

atendiam, em geral, um público letrado, de boa sociedade e que vendiam, em sua

maioria, artigos que atendiam aos interesses do público feminino da época, como “os

armazéns e lojas de modas e fazendas francesas”, como evidenciava o Almanak

Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, no ano de 1852 (ALMANAK

ADMINISTRATIVO, 1852, p. 471). Assim, pode-se perceber que “os estabelecimentos

comerciais que subscreviam O Jornal das Senhoras foram estrategicamente escolhidos

por suas redatoras”, como considerou Everton Barbosa (BARBOSA, 2018, 188).

O Jornal das Senhoras tinha como principal objetivo defender a emancipação da

mulher e cooperar com a melhoria de sua posição no interior do lar e da sociedade.

Assim, fazia parte desse objetivo levar às leitoras “Moda, Literatura, Bellas-Artes,

Teatro e Crítica”, questões que comumente permeavam a imprensa e, de certa forma, o

interesse feminino no decorrer desse tempo. Ao longo de suas 209 edições, percebe-se

que tais assuntos eram inseridos nas páginas de suas duas colunas contendo artigos, nem

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sempre se prendendo às suas respectivas seções e nem sempre com assinaturas (ou

mesmo com pseudônimos), que continham educação, moda, entretenimento, condutas

femininas, romances (dentre eles O Mysterios Del Plata – de autoria de Joana Manso de

Noronha), partituras, religiosidade, resenha teatral, eventos da corte, dicas sobre locais

de venda de tecidos, e ainda uma posição favorável à melhoria na condição feminina e

igualdade intelectual entre os sexos ou a chamada emancipação da mulher.

Ao longo do periódico a temática da emancipação e os demais objetivos da folha

foram tratados pelas colaboradoras que sucederam Joana Paula Manso de Noronha.

Afinal, após seis meses da fundação do Jornal, por Joana Paula Manso de Noronha, a

mesma deixou o periódico, possivelmente, para “atender a outros deveres” (O JORNAL

DAS SENHORAS; 1852, n. 27, p.1), como o ramo da dramaturgia, atuação que é

possível observar em anúncios de jornais que exibiam a presença de Noronha e seu

marido em diferentes peças teatrais, exibidas nos teatros da Corte do Rio de Janeiro:

Hoje representam-se no teatro de S. Pedro duas produções dramáticas

em beneficio da autora, a Sra. D. Joanna Paula Manso de Noronha.

Nada diremos a prol da escritora que com a sua pena soube achar

independência na terra do exílio. O espetáculo compõe-se do drama O

Ditador Rosas e da comédia As manias do século. Os intervalos são

preenchidos com composições musicais do Sr. Noronha (CORREIO

MERCANTIL, n. 281, 1853, p. 281).

A segunda redatora do Jornal das Senhoras, Violante Atabalipa Ximenes de

Bivar e Velasco era filha de Violante Lima de Bivar e do conselheiro Imperial Diogo

Soares da Silva de Bivar (1785-1865) e assumiu a redação do periódico durante 11

meses, após a saída de Noronha. Desde 1811 a família de Violante esteve envolvida no

ramo público dos impressos e ao longo do século XIX, seu pai conquistou o título de

Conselheiro Imperial e fundou e dirigiu, desde 1843, o Conservatório Dramático

Brasileiro (VIANA, 1846, p. 21).

Pertencente a um núcleo familiar voltada à prestação de serviços públicos e do

ramo cultural, Violante foi criada, provavelmente, em um ambiente que cooperava para

seu interesse nos assuntos literários, teatrais e jornalístico de seu tempo. E esse interesse

não auxiliou apenas a sua entrada como redatora no O Jornal das Senhoras, mas

também, a fundação de O Domingo (Rio de Janeiro; 1873-1875) e diversas outras

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traduções e colaborações publicadas na imprensa (SHUMAHER & BRAZIL, 2000. p.

521). Na imprensa de seu tempo Bivar era lembrada com mérito por ter feito parte da

redação do Jornal das Senhoras, mesmo em 1858, quando já se tinha passado três anos

da finitude dessa folhinha, o que nos evidencia a importância desse na vida da mesma:

Breve serão publicadas algumas traduções das línguas francesas, italiana e

inglesa, em 3 volumes pela Sra. D. Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e

Vellasco. O nome da tradutora, que foi por muito tempo redatora em chefe do

Jornal das Senhoras, é suficiente garantia dessas publicações (A PÁTRIA,

1858, n, 236, p.2).

A trajetória do Jornal das Senhoras não para por aqui. Após onze meses,

Violante deixou o cargo, eventualmente “devido à falta de recursos financeiros para

manter a publicação que sobrevivia graças às assinaturas e aos recursos próprios de suas

diretoras” (LIMA, 2012, p.1), mas também, em razão da morte de sua mãe, sucedida no

mesmo período que Violante deixava a redação (VIANA, 1946, p. 22).

Assim, em junho de 1853, a redação chegou às mãos de Gervásia Nunésia Pires

dos Santos Neves, que era casada com Antônio dos Santos Neves, taquígrafo do

Senado, funcionário do Ministério de Guerra e ainda presidente do conservatório

dramático (BARBOSA, 2018, 192-193), local que as três redatoras apresentavam

relações. Foi Gervásia Pires dos Santos que anunciou provisoriamente (o que acabou

por ser definitivo) o fim das atividades do Jornal das Senhoras, sem, no entanto, dar

maiores explicações.

Ainda que os motivos para o fim do Jornal sejam desconhecidos, sabe-se que a

defesa pela emancipação ou educação feminina, uma das principais temática do

periódico, era vista com receio por alguns contemporâneos da corte do Rio de Janeiro,

como se pode perceber em uma das diversas críticas sofridas pela folhinha:

No primeiro número o que foi que disse V.S? Que grito levantou?!... A

emancipação da mulher. Falemos disso, argumentemos sobre essa base, e

deixemo-nos de bonitas palavras que só podem iludir infantes e imbecis? O

que quer dizer emancipação, em bom português? [...]Ato pelo qual a mulher

deixa de reconhecer o poder marital! [...]

Horrível proposição! Sediciosa e aniquiladora! Acaso com esse grito, nos

podereis fazer crer, que tendes em vista só fazer uma boa mãe de família?!

[...]Julgareis, que nos arrepiamos com esse grito, com receio que as mulheres

invadam nossas profissões? Não nos julgueis tão nescios: nós sabemos muito

bem que a mulher não pode passar além daquilo que a sociedade civilizada

lhe tem reservado. [...] Quereis ilustra-la! Isto é, quereis que enquanto os

filhos precisão remendar uma calça, ela estude Geografia, que enquanto

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chorão por falta de alimento, ela leia história, em vez de lhe dar a mama: que

enquanto o marido s’afadiga na rua para ter sua casa farta e limpa, e seus

filhos bem pensados e asseados, ela abandone seu lar para ir ouvir lição de

matemática! Ora perdoe-me, mas isso não tem o cunho de razão (O

MÁGICO, 1852, n.11, p.1-2).

Se para o Jornal das Senhoras, a emancipação era compreendida tanto a partir

da educação feminina, quanto era vista como uma missão que se atrelava à busca por

igualdade intelectual e a maior atuação feminina na sociedade, para alguns de seus

críticos isso não teria razão de existir, mas atrapalharia funções que eram consideradas

próprias do feminino. O que leva a pensar que, de fato, o horizonte público de atuação

do feminino ainda era muito restrito na corte do Império do Brasil no decorrer do tempo

de publicação do jornal.

Mas mesmo assim, a defesa e as inúmeras formas de definir o que as redatoras

compreendiam como emancipação fez parte de grande parte dos assuntos do periódico.

Tal postura parecia expressar que o assunto era uma novidade para o público leitor do

jornal, e até mesmo para seus críticos, sendo necessário defini-lo e explicá-lo, mesmo

que sob críticas, inúmeras vezes. E isso foi feito desde os primeiros números desse

jornal. Nas palavras da redatora:

[...] o que vem a ser tal emancipação moral da mulher?

Eu vos digo.

É o conhecimento verdadeiro da missão da mulher na sociedade; é o justo

gozo dos seus direitos, que o brutal egoísmo do homem lhes rouba, e dos

quais a deserda, porque tem em si a força material, e porque não se

convenceu que um anjo lhe será mais útil que uma boneca (O JORNAL DAS

SENHORAS, 1852, n. 2, p.4).

Nas páginas do Jornal das Senhoras havia a compreensão que a emancipação

seria a transformação da mulher como “boneca”, para a mulher como “anjo”. Isso é,

denotava uma forma de transformação da mulher como objeto, para formas atuantes

dessa mulher em sociedade. E essa atuação poderia ser, na imprensa, no modo de se

vestir, frequentar um evento cultural ou mesmo ser culta suficiente para atuar na

educação de seu filho:

Sem dúvida, que há deveres naturais que prendem a mulher ao lar

doméstico, porém é desde o seio de sua família que ela pode ter uma

influência direta, sobre essa mesma família, sobre a nação, e a

humanidade inteira.

Perguntar-me-eis:

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Como? Pois a mulher pode ter outra influência que não seja sobre as

panelas? Outra missão além das costuras, outro provir que não seja o

rol da roupa suja?

Deveras?!

Pois, escute-me. E a educação de seus filhos? (JORNAL DAS

SENHORAS; n.2, p.6, 1852).

Enfim, o Jornal das Senhoras reverbera mudanças na maneira como a figura

feminina era vista, mas também, uma expectativa de mudança que se relacionava às

transformações do Segundo Reinado.

A Esperança em meio à Regeneração portuguesa da segunda metade do XIX

Também data da segunda metade do XIX o aumento e a proliferação de jornais

femininos em Portugal. Nesse contexto português, havia-se passado a Primeira Lei de

Liberdade de Imprensa, de 1821, as considerações da carta outorgada de 1826 (que

bania a censura prévia somente na teoria), a Segunda Lei de Liberdade de Imprensa de

1834 (na qual promoveu uma intensa atividade jornalista), a suspensão dos Jornais de

cunho político da década de 1840 e, enfim, havia acabado a Guerra Civil na qual

prorrogou a suspensão da imprensa política (TENGARRINHA, 1989).

Ainda que a imprensa feminina, de maneira geral, não fosse considerada de

cunho político, foi no cenário conhecido na historiografia portuguesa como

Regeneração (1851- 1910) que ocorreu o crescimento do número de seus jornais, maior

liberdade de imprensa, novas diversificações temáticas das produções impressas,

melhorias no ensino, uma ascendente aceleração industrial e o florescimento de notáveis

jornais literários – como o jornal A Esperança (1865-1866). Foi ainda nesse contexto,

que foi fundado o primeiro periódico redigido por uma mulher em Portugal. Trata-se da

Assembléia Literária (1849-1851) fundado pela proprietária e redatora Antónia

Gertudes Pusich (LEAL, 1992).

Também faz parte desse cenário a fusão de partidos e ideais. Os partidários

políticos da chamada Regeneração portuguesa, sejam eles progressistas sejam

históricos entre os anos de 1865-1868 se fundem ao passo que se desenvolve alternância

de poder e um projeto comum que visava, em ambos os agrupamentos políticos, um

Portugal moderno e dentro das transações da economia liberal. Tais grupos

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empenharam-se, desde 1852, na ampliação de reformas materiais, a propagação e

extensão do ensino, melhoria do sistema de crédito, mais equidade da distribuição dos

impostos, a busca da manutenção da paz civil, o investimento em obras públicas, a

desamortização das terras da igreja e progressos na indústria. Essas transformações

geraram rendimentos e contribuíram para o aumento da produção de produtos, serviços

e facilidade no deslocamento de mercadorias e ideias (RIBEIRO, 1998, p. 102-104).

Durante a Regeneração houve modernização em diversas áreas, que em resumo,

como salienta J. Amado Mendes, se caracteriza com “um grande dinamismo a nível

político-literário” e com forte cunho “reformista e civilizador” (MENDES, 1998,

p.311). Enfim, percebe-se que a inserção nas ideias e práticas liberais, em Portugal,

embora se inicie desde o começo do século, ganhou suas principais mudanças de rumo,

também, nessa segunda metade do XIX, tal como no Império do Brasil.

Essa movimentação econômica e de ideias da segunda metade do XIX,

favoreceu não somente melhorias técnicas, mas também uma maior atenção aos

sistemas de ensino, desenvolvimento urbano e aumento do público leitor. Inclusive,

periódicos específicos com temas e assuntos segmentados passaram a ser inaugurados

em grande escala e contanto com temáticas ligadas ao feminino, também em Portugal.

A circulação de informações e debates foi diversa, apresentando diferentes nomes e

pontos de vista, sobretudo, em relação à temática da educação, escrita feminina e outros

assuntos que comumente eram tratados sobre o termo emancipação da mulher.

O Jornal português A Esperança: Semanário de recreio literário dedicado às

Damas (1865-1868, Porto), por exemplo, apresentou temáticas próximas do Jornal das

Senhoras, dentre elas, moda, literatura, poesia, eventos contemporâneos, a questão da

emancipação feminina e outras. Porém, embora próximos, seu público alvo se mostrava

um pouco mais abrangente.

Segundo o primeiro editorial do jornal, o objetivo era levar instrução para um

público que não se limitava ao próprio nome do jornal e afirmava: “Este jornal é para

todos”. “Esse todo” é citado através dos seguintes exemplos: “(...) o artista (...), o

homem de letras, (...) e a senhora inteligente” (A ESPERANÇA, 165, p.3). Essa

abertura de público pode ser compreendida tanto como uma estratégia de venda, quanto

uma posição ideológica do próprio jornal. Pois, no período havia longos debates entre

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os intelectuais portugueses acerca do lugar da imprensa na divisão dos papéis entre os

sexos. Dentro desses debates, questionava-se, por exemplo, se mulheres deveriam

escrever somente para mulheres enquanto homens para homens (LOPES, 2005, p. 348-

351). Ao abrir seu público, o periódico parece dialogar com essas discussões, ao mesmo

tempo em que podia se beneficiar de um maior número de vendas à um público leitor de

ambos os sexos.

A Esperança: Semanário Literário Dedicado às Damas é considerado o 35ª

periódico feminino editado em Portugal (LEAL, 1992, p. 15). Ele apresentou páginas de

aproximadamente 26 cm cada contendo textos em duas colunas na qual apresentavam

moda, crítica social, teatral e religiosa, além de eventos contemporâneos, história e

ciência.

Inicialmente apresentou publicação semanal pela Typ. de Rodrigo José

d'Oliveira Guimarães localizada no Largo de São Domingos, nº 30, e havia dois

editores: António Pereira da Silva e Ricardo Dias Cesar Rey. Este último ficou na

redação menos de um ano, com a justificativa de se mudar da cidade do Porto em

função de negócios (A ESPERANÇA, 1865, p. 64). Após a saída de Cesar Rey, o

endereço tipográfico foi transferido para a tipografia José Pereira da Silva e F.,

localizada na Praça de Santa Teresa, nº 63, e Antônio Pereira da Silva passou a ser seu

único proprietário. Prerrogativa que, através do sobrenome do estabelecimento, nos faz

supor que existiam relações familiares entre a nova tipografia e o redator António

Pereira da Silva (A ESPERANÇA, 1865, p. 65).

Os editores de A Esperança localizaram os locais de assinatura do periódico em

dois locais distintos: na Livraria Francesa e Nacional, na rua do Laranjal nº 2, e no

próprio Largo de S. Domingos nº 30, local privilegiado por conectar algumas das

principais ruas de venda e compra de serviços e objetos da Cidade do Porto: Rua dos

Mercadores e Rua das Flores. Essas eram famosas por seus mercadores e transições

comerciais.

Com assinaturas fixadas na Rua do Laranjal e no Largo de S. Domingos, quem

quisesse assinar a revista assim conseguiria por 300 réis, para assinaturas no Porto, e

360 réis para as províncias dentro de um trimestre. Seus editores também visavam o

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outro lado do Atlântico, disponibilizando assinaturas para o Brasil por 2.200 réis ao ano

(A ESPERANÇA, 1865, p. 1-2).

Além de seus editores, o periódico contava com a colaboração de escritores de

ambos os sexos. Os nomes desses colaboradores foram publicados na capa anual de

1865 e no índice do seu segundo volume anual de 1866 de modo a demostrar prestígio

quanto aos nomes evocados e enfatizar a presença de “colaboradores” e

“colaboradoras”. Dentre os colaboradores destaca-se: Maria Peregrina Sousa, Maria

Adelaide Fernandes, Henriqueta Elisa Pereira de Sousa, J. D. Ramalho Ortigão, Camilo

Castelo Branco, Alberto Pimentel, F. M de Sousa Viterbo, Ana Plácido, Teófilo Braga e

Ernesto Biester, Ernesto Pinto de Almeida e outros que, de maneira geral, podem ser

compreendidos como nomes de grande vulto, seja na produção da literatura portuguesa

em formato de livro, seja em colaborações e edições de outros periódicos que, inclusive,

alguns eram lidos no Brasil1.

Em suas discussões, os assuntos referentes à educação e à chamada

emancipação feminina não ficaram à parte, mas antes, rechearam boa parte dos debates

no interior da revista e em seu entorno. Antónia Gertudes Pusich, considerada primeira

mulher redatora de Portugal, por exemplo, desenvolveu longas páginas de sua revista, A

Assembleia Literária (1849; Lisboa), acerca da necessidade da mulher “erguer a voz ‘a

favor da ilustração feminil’”, ao mesmo tempo em que defendeu a liberdade intelectual

da mulher e sua função de escritora e jornalista (LOPES, 2005, p. 338-339).

Maria Peregrina de Sousa, quem viria a ser colaboradora do periódico A

Esperança, no entanto, tinha uma posição, em geral, que não colocava em causa o sexo

masculino e “não o hostilizava visivelmente” (LOPES, 2005, p. 344-355). Maria

Adelaide, outra futura colaboradora, denunciava “o ócio das mulheres em contraposição

a outras atividades inteligentes” (LOPES, 2005, p. 345), como o ato de escrever e, além

disso, contrariando uma prática comum da época, frisava a necessidade de se estudar

mais a língua portuguesa que a francesa (LOPES, 2005, p. 420).

1 Na conjuntura da segunda metade do século, era possível observar junto a literatura brasileira romances

de alguns colaboradores do periódico A Esperança como Camilo Castelo Branco, Ramalho Ortigão,

Theófilo Braga, Pinheiro Chagas, e outros, que juntamente com Alexandre Herculano, Almeida Garret e

Eça de Queirós eram lidos no Brasil de modo tão corriqueiro quanto as traduções de “Verne, Montepin,

Zola, Balzac, Lamartine, Flaubert, Hugo, Bellot, Scott, Sand, Voltaire, Le Bom, Spencer” dentre outros.

Cf: EL FAR, Alessandra. Páginas de Sensação. Literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro

(1870-1924). São Paulo: Companhia da Letras, 2004. p. 68.

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Já Alberto Pimentel e Sousa Viterbo, também escritores que colaboraram em A

Esperança, apreciavam e, de certa forma, defendiam os méritos femininos relativos à

escrita da mulher em distintos impressos. Pimentel, por exemplo, é lembrado pela

historiografia por fazer “um juízo positivo acerca do desenvolvimento intelectual da

mulher (...) considerando que não há incompatibilidade entre as ‘virtudes’ femininas da

beleza e da pureza dos sentimentos” (LOPES, 2005, p. 349).

Camilo Castelo Branco, quem também foi colaborador do Jornal A Esperança,

por sua vez, “retoma um problema velho: serão as mulheres capazes de criar ou isso

será uma prerrogativa do homem?” (LOPES, 2005, p. 354). A resposta para tal questão

parece vir por uma repulsa, por parte desse autor, de uma escrita feminina sentimental,

que trocava a razão pela emoção. Para ele, a escrita feminina, muitas vezes, deixava de

lado a objetividade e o poder de criação por se prender as coisas “do coração” (LOPES,

2005, p. 355). Nesse sentido, Ana Lopes chama atenção a uma contradição: embora

Castelo Branco critique o poder de criação feminina, o mesmo foi autor de Mistérios de

Lisboa, romance publicado em 1854, no contexto de uma moda de romances que

começavam com “Mistérios” (LOPES, 2005, p. 353- 356).

Nas páginas de A Esperança o debate continuou em diferentes momentos.

Dentre eles, a partir do texto “A mulher – Sua Educação”, da poetisa, jornalista e

colaboradora de A Esperança, Henriqueta Elisa Pereira de Sousa (1843-?). Henriqueta

Elisa defendeu que “a emancipação da Mulher não era a sua bandeira”. Para ela, a

emancipação era “uma ficção, um sonho irrealizável [e] seria uma grande desgraça para

ambos os sexos” (LOPES, 2005, 355). Em sua visão, não havia a necessidade do

homem elevar a posição feminina sob “o poder” masculino, com luxos e ostentações,

apenas educá-la, pois:

a mãe instruída pode e sabe educar seus filhos e a ignorante não o

poderia fazer. (...) não quero provar que a mulher fosse por Deus

destinada só e exclusivamente para ama e mentora das crianças; mas

sem que, sendo essa a sua principal função, a ela que primeiro cumpre

atender (A ESPERANÇA, 1865, P. 57).

Enfim, havia um debate acerca da emancipação feminina, também, entre os

colaboradores de A Esperança. No texto de Henriqueta Elisa, por exemplo, percebe-se

um discurso que chamava atenção para que a mulher apresentasse “uma educação e

princípios coerentes com sua natureza e, sobretudo, com a dupla condição de esposa e

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de mãe.”. Isso é, a autora não contraria o papel feminino como pertencente ao lar, muito

menos a ideia que cabia ao homem sustentar a “luta no interior de sua casa [...] para não

abdicar a dignidade do seu poder.”. Trata-se de um discurso que culpa o homem por ter

deixado a emancipação, entendida como luxúria e ostentação feminina, se infiltrar no

interior da família, ao mesmo tempo em que busca uma educação que reverta esse

estado de coisas.

Considerações finais

A partir do breve ensaio, observa-se que não era uma peculiaridade do cenário

brasileiro, ou mesmo do periódico O Jornal das Senhoras certa defesa e debate da

condição feminina. Em Portugal, os debates acerca do feminino também eram múltiplos

e, por vezes, contraditórios. A escrita feminina, a defesa pela igualdade intelectual entre

os sexos, a educação, função, lugar e tipo de texto que era próprio do feminino eram

debatidos de distintas formas e contextos nessas sociedades sincrônicas da segunda

metade do século, seja dentro dos anseios dos entusiastas do Jornal das Senhoras, seja

entre os colaboradores do jornal A Esperança.

Portanto, ao aproximar O Jornal das Senhoras e A Esperança percebe-se que os

mesmos foram inaugurados em contextos nos quais as sincronias históricas entre Brasil

e Portugal continuavam a florescer e a coexistir. Esses países se viam imersos em um

presente vivenciado pelo contexto de expansão econômica, pelo apaziguamento dos

conflitos políticos, e pela busca de um futuro moderno e civilizado no bojo das ideias

liberais e de valorização dos debates em torno do feminino. Enfim, em ambos os lados

do Atlântico existiam dúvidas, anseios, debates e incertezas acerca da atuação feminina

e de seu papel em sociedade.

Fontes

A Esperança: Semanário de Recreio Literário Dedicado às Damas, Porto, 1865-1866.

Almanak Admnistrativo, Rio de Janeiro, p. 471, 1852.

A Pátria, Rio de Janeiro, n, 236, p.2, 1858.

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Correio Mercantil, Rio de Janeiro, n. 281, p. 281, 1853.

Correio Mercantil, Rio de Janeiro, n. 230, p. 4, 1849.

Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 8714, p.4, 1851.

Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, n.297, p. 4, 1845.

Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, n. 355, p.4, 1848.

O Jornal das Senhoras, Rio de Janeiro, 1852-1855.

O Mágico, Rio de Janeiro, n. 11, p. 1, 1851.

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